
É repórter especial da Folha,
autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
Escreve aos domingos
e às segundas.
Eucalipto transgênico
Quem aí sabe que o Brasil é o primeiro país do mundo a aprovar uma variedade transgênica de eucalipto, H421? Ou que a autorização favorável à empresa FuturaGene, controlada pela Suzano Papel e Celulose, foi dada na quinta-feira passada (9)?
Só um leitor atento da Folha teria encontrado a notícia, em uma nota de seis linhas. Isso depois de o jornal publicar na véspera dois artigos na seção Tendências/Debates apoiando a H421 e a decisão da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) –a qual, todos sabiam, seria favorável.
Num deles, assinado por Walter Colli, ex-presidente da CTNBio, Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e Jacob Palis Junior, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), lê-se:
"Até o momento, a CTNBio aprovou 21 variedades de milho, 5 de soja, 12 de algodão, 1 de feijão, 5 de microrganismos, 19 vacinas para animais e 1 para mosquito Aedes aegypti. O sucesso da tecnologia transgênica pode ser exemplificado com o fato de que 92% de toda a soja plantada, assim como 72% do milho, são transgênicos."
A Suzano ganhou de lavada, quase um 7 a 1. Foram 18 votos a favor e 3 contra. Curiosamente, dois dos pronunciamentos contrários partiram de membros do governo federal, tido e havido como adepto dos transgênicos em geral.
Foram os votos dos representantes dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e das Relações Exteriores. O terceiro voto contra foi de Suzi Cavalli, especialista em Agricultura Familiar.
Faz tempo que ninguém presta muita atenção na CTNBio. Não só a comissão se tornou uma expedita homologadora das biotecnologias como também estas são cada vez mais aceitas socialmente. A desconfiança inicial dos anos 1990 com a transferência de genes de uma espécie para outra, na ausência dos alardeados danos à saúde e ao ambiente, definhou.
A estreia do eucalipto nessa seara parece ter reavivado algo daquele mal-estar. A má fama da árvore, decerto, contribuiu para isso. Todo mundo sabe que essa monocultura suga o solo e detona os recursos hídricos.
Sabe, mesmo? Há décadas ouço essa conversa e também o seu contrário. Nunca cheguei a uma conclusão.
Agora, numa pesquisa rápida, dei com revisão sobre o assunto de Marcos H.F. Vital publicada em 2007 pelo BNDES. Tem algumas informações bem interessantes sobre o impacto ambiental dessas florestas plantadas.
O economista recolheu na literatura que uma plantação de eucaliptos consome de 800 mm a 1.200 mm de precipitação por ano. Como em geral chove mais que isso nas regiões do Brasil em que se cultiva a planta, não haveria estresse hídrico causado por ela, conclui o artigo.
Esse nível de exigência hídrica, relata Vital, é similar ao da mata atlântica. Mas o próprio autor informa que, em épocas secas, a coisa muda de figura. Aí o eucalipto resseca mais a camada próxima da superfície, porque suas raízes vão menos fundo (2,5 m) do que as de várias árvores da floresta (5 m).
Deduz-se daí que a mata atlântica regulariza melhor o fluxo de água para os lençóis freáticos (esta conclusão é minha, não de Vital). Além disso, supõe-se que a mata atlântica remanescente esteja no clímax, ou seja, só realiza a fotossíntese e produz a biomassa necessárias para repor as folhas e árvores que morrem.
Um eucaliptal, por outra parte, é cortado a cada sete anos. Até que complete um novo ciclo, vai consumir muita água para crescer. Depois é cortado de novo, e assim por diante.
Pode-se argumentar ainda que, enquanto as árvores não atingem um certo porte, o solo fica descoberto, portanto mais sujeito a mais escorrimento superficial e erosão. Isso implicaria danos para os recursos hídricos (menos percolação para o lençol freático e mais assoreamento de corpos d'água).
Agora imagine que uma variedade geneticamente modificada para ter crescimento rápido possa ser colhida em cinco e não em sete anos. Noves fora, ela vai consumir mais água, pois não?
Eis aí algo que seria preciso responder com clareza, mas não acho que seja atribuição da CTNBio. Da maneira como foi concebida –para ser técnica antes de ser nacional, como tenho o hábito de dizer–, a comissão não pode e não deve ir além das questões de biossegurança propriamente dita.
Dito isso, quem teria a incumbência de conduzir um debate racional sobre os impactos sistêmicos (ambientais e sociais) dessa e de outras formas de intensificação tecnológica da agropecuária?
Não ao BNDES, decerto. Muito menos ao MST, que protagonizou ações depredatórias como a invasão, em 5 de março, de uma área experimental da FuturaGene/Suzano em Itapetininga (SP).
Uma reunião da CTNBio em Brasília, no mesmo mês, foi impedida por adversários da transgenia –"grupos ideológicos que vilipendiam a comissão como se ela agisse em benefício de interesses empresariais", segundo a qualificação dada por Colli, Nader e Pallis. Teriam feito ameaças aos comissários, além disso.
Quando esses protestos envolvem violência e destruição de instalações de pesquisa, merecem plena condenação. Disso não pode haver dúvida. Por mais que se considerem desprovidos de foros adequados para levantar suas objeções, não há como justificar a tendência a querer impor suas convicções na marra.
Outra coisa são os valores por trás dessas convicções. Mesmo quem discordar delas, por ver aí uma recusa irracional a aceitar evidências (ou, no caso, falta de evidências), estará também dando um passo injustificado ao desqualificá-las como "ludditas", retrógradas ou atrasadas.
Há, sim, quem se importe com a saúde das abelhas, cujo mel poderia ser contaminado com o pólen transgênico do eucalipto modificado. Isso prejudicaria, alega-se, partidas do produto vendidas com o rótulo de orgânico.
Tampouco foi resolvida, ainda, a pendência com o Forest Stewardship Council (FSC), entidade certificadora de produtos florestais sustentáveis. O conselho ameaça retirar o selo verde da Suzano, que tem sua utilidade sobretudo na exportação, caso a empresa comece a plantar comercialmente a variedade H421.
MST, FSC e até o Ministério Público têm objeções de princípio à transgenia, baseados em conceitos (ou preconceitos) éticos, ambientais, socioeconômicos, anticapitalistas, religiosos, culturais– o que for.
E daí? A superioridade dos valores científicos –objetividade, universalidade, fundamentação em evidências– está justamente no seu potencial de convencimento. Não pode e não deve ser tomada como superioridade a priori, que daria direito a seus arautos de pisotear as crenças dos outros, por atrasadas que sejam.
Um bom começo seria fazer um trabalho mais competente para convencer o comum das pessoas de que os eucaliptais, em especial os transgênicos, não vão prejudicar ainda mais os mananciais estressados, paulistas à frente.
Afinal, essas plantações já ocupam 11% da região do sistema Cantareira.
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