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Duas vezes ganhador do Prêmio Jabuti e sócio da área empresarial de Elias, Matias Advogados
Como evitar que as big techs controlem os nossos dados?
Novas propostas buscam transferir o controle dos dados pessoais para o usuário, reequilibrando o poder entre plataformas e público na era digital
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Em diálogo referente à propriedade dos dados ficou muito famoso em 2018, na época em que acontecia no Senado dos Estados Unidos uma audiência para investigar o uso indevido de informações pessoais de usuários do Facebook – logo após o escândalo da Cambridge Analytica. Na ocasião, o senador do estado de Montana Jon Tester argumentou com Mark Zuckerberg: “Você disse várias vezes durante esta audiência que eu sou o dono dos meus dados. Acho que isso soa bem, mas, na prática, você está ganhando US$ 40 bilhões por ano, e eu não estou ganhando nenhum dinheiro com isso. Então parece que você é o dono dos dados”.
O comentário evidenciava o fato de que, diferentemente do que o conceito tradicional de propriedade levaria a esperar, os dados que fornecemos constantemente às redes sociais não nos possibilitam obter nenhum resultado financeiro. Todo o ganho vai para as plataformas, que acumulam riqueza e poder a partir do tratamento e da venda dessas informações.
Essa dinâmica é marcada pela falta de transparência. As plataformas mantêm os usuários desinformados sobre como seus comportamentos são monetizados, o que dificulta a compreensão plena das concessões que estão fazendo. Algumas tecnologias, como os cookies que rastreiam nossas atividades online, tornaram a coleta de dados pessoais quase invisível, o que gera uma significativa assimetria de poder entre usuários e plataformas.
Algumas propostas procuram virar esse jogo. É o que se dispõe a fazer a ferramenta anunciada em julho deste ano pela Inrupt, startup fundada por Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web. Denominada Data Wallet (carteira de dados), ela foi desenvolvida sobre o protocolo Solid, idealizado com o objetivo de descentralizar a internet. A Data Wallet permite que indivíduos armazenem e gerenciem informações como certificados educacionais e históricos de compra de maneira segura, escolhendo quais delas compartilhar, por quanto tempo e com quais empresas.
Para Berners-Lee, enquanto a Web 1.0 foi moldada pelos navegadores e pelos sites, e a Web 2.0 pelos aplicativos e plataformas, a Web 3.0 será definida pelo empoderamento das pessoas sobre seus dados. Nessa nova fase, a arquitetura de dados seria distribuída e controlada pelo usuário, eliminando a necessidade de plataformas centralizadas.
Essenciais para que isso aconteça, a interoperabilidade e a portabilidade são duas ideias que estão contempladas por esse projeto. A primeira se refere à capacidade de usar os mesmos dados em diferentes plataformas, sem necessidade de conversão ou adaptação significativa. Já a segunda diz respeito à possibilidade de os usuários transferirem seus dados entre plataformas – algo similar ao open banking, que faculta ao cliente de um determinado banco dividir informações como pagamentos regulares ou hábitos de consumo com outras instituições financeiras.
No contexto das redes, a portabilidade permitiria a alguém transferir, por exemplo, seu grafo social – estrutura de dados que representa como as pessoas estão conectadas entre elas, por amizade, profissionalmente ou por interesses em comum – , saindo de uma plataforma antiga para outra que lhe assegurasse condições melhores, como maior privacidade, um tratamento mais ético ou até mesmo algum pagamento em dinheiro. Isso teria efeitos significativos sobre o mercado, promovendo maior concorrência, já que empresas menores poderiam acessar dados que antes eram monopolizados por grandes corporações.
No plano coletivo, outra proposta que busca transferir aos usuários o controle de suas informações é a do estabelecimento de data trusts, estruturas legais destinadas a possibilitar a administração independente de dados em benefício de um grupo de pessoas. O conceito é derivado dos trustes tradicionais, onde trustees gerenciam ativos como propriedades ou investimentos. Neste caso, os data trustees, que teriam a responsabilidade fiduciária de agir no melhor interesse de seus clientes, poderiam ser orientados tanto a monetizar seus dados pessoais quanto a favorecer o bem comum – fornecendo, por exemplo, seus registros médicos para aprimorar o sistema de saúde como um todo.
Esta segunda orientação estaria de certa maneira alinhada com outra proposta, a de data commons, que consiste em transformar os dados pessoais em um recurso comum que todos poderiam acessar e utilizar, em um reconhecimento de que sua agregação também tem um lado positivo e pode ser vantajosa para a humanidade em áreas tão variadas como a mobilidade urbana, a educação ou a segurança pública.
Propostas como essas subverteriam radicalmente o modo como boa parte da internet hoje funciona e se financia. É questionável se, ao se verem obrigadas a pagar pelos dados de seus usuários, as plataformas continuariam motivadas a ofertar seus produtos gratuitamente. Mesmo que o fizessem, e imaginando que aceitassem dedicar grande parte de seus ganhos a isso, dividir esses resultados entre bilhões de usuários talvez não gere o nível de receita que compense abrir mão da conveniência de alguns serviços – que, no fim das contas, são úteis. Se dividíssemos o lucro da Meta em 2023 pelo número de usuários ativos de suas plataformas naquele ano, cada um deles receberia menos de US$ 10.
Essa constatação pode gerar dúvidas sobre a viabilidade financeira de alguns desses projetos. Apesar disso, propostas como essas procuram oferecer alternativas ao modelo atual que, ao se basear na vigilância e na extração contínua de dados dos usuários online, resultou na crescente perda da privacidade e em outros males da era digital. Discuti-las, portanto, é algo que vale a pena.