Como o ambiente determina comportamentos humanos
Vamos começar imaginando um pequeno experimento: dois sujeitos, um morador do leste asiático e um americano, ambos em um laboratório. Lá, eles veem uma imagem em um telão no qual há muitas pessoas. O sujeito do leste asiático, em média, olhará a imagem de forma mais holística, vendo o quadro inteiro. Já o americano tenderá a olhar aspectos individuais da imagem, focando em uma ou outra pessoa.
Agora, outro experimento: peça a um sujeito do leste asiático para definir quem ele é, e provavelmente ele falará algo como “sou membro da comunidade x”, “sou pai”, enquanto americanos podem ter mais chances de falar “sou empreendedor”, “sou muito bom em x”, “sou engenheiro”.
Em outras palavras, sociedades mais individualistas (como a norte-americana) pensam em termos muito mais singulares do que sociedades coletivistas, como algumas regiões da Ásia.
Mas por que os estudos apontam maior coletivismo em sociedades do leste asiático e maior individualismo em sociedades ocidentais?
A resposta está na… ECOLOGIA.
Ou, mais especificamente, no arroz.
Um dos grandes fatores que moldam nosso comportamento é a cultura. A cultura tem forte impacto na nossa tomada de decisão desde cedo, ainda na infância, sendo uma bússola moral para o que é certo ou errado.
Ao longo da história, uma das coisas que mais motivou e agrupou comunidades foi a (agri)cultura. Por milênios, a maior preocupação das pequenas comunidades era produzir alimento, alimentar-se, ter estoque de comida para épocas de chuva etc. No leste asiático, o protagonista da história foi o arroz. Ele está ali há pelo menos DEZ MIL anos, fazendo com que o ganha pão da população venha basicamente desse produto. Nesse contexto, a chave do forte coletivismo vem da forma com que o arroz precisa ser manejado.
Mesmo com a tecnologia atual, o plantio do arroz demanda um enorme esforço coletivo, tanto para terraplanar o espaço quanto para plantar e colher. Antes da tecnologia, era praticamente impossível uma família sobreviver do arroz sem a ajuda de toda a comunidade e vice-versa. Logo, o ambiente forçou a existência de um coletivismo para a sobrevivência do todo.
Na China, há um sistema de irrigação chamado Dujiangyan, que cobre mais de 5.000km2 de campos de arroz. Esse sistema tem DOIS MIL ANOS DE IDADE. Imagina quanto trabalho coletivo foi preciso para construir isso há dois mil anos.
Há um artigo publicado na Science intitulado “Large-Scale Psychological Differences Within China Explained by Rice Versus Wheat Agriculture”, que analisa o coletivismo por meio de outro viés: o plantio de trigo. Conforme o estudo, há algumas regiões no norte da China em que o plantio de arroz não é viável por questões climáticas e geográficas. Em vez disso, o povo, há milênios, planta trigo.
O trigo, ao contrário do arroz, não requer uma agricultura coletivista. Poucas pessoas dão conta da plantação e da colheita. Nesse sentido, após milhares e milhares de anos plantando trigo, e não arroz, será que houve diferenças nos comportamentos coletivistas e individualistas dos dois povos?
Existem algumas ferramentas para medir o quão coletivistas ou individualistas somos. Os exemplos vão desde desenhar um sociograma, no qual individualistas se colocam mais ao centro, até agrupar animais/objetos, em que individualistas são mais categóricos e coletivistas olham mais para o todo.
O resultado do estudo mostrou que essa população do norte da China, que planta trigo em vez de arroz, pontua de forma semelhante aos ocidentais. Sim, eles são tão individualistas quanto os ocidentais, mesmo morando “ao lado” dos coletivistas.
Mudou o ambiente, mudou o comportamento.
Além disso, essa sociedade apresenta outros dois indicadores clássicos do individualismo: maior taxa de divórcio e (agora você vai gostar) maior taxa de inventividade (registro de patentes). Sociedades mais individualistas têm maiores registros de patentes e inventam mais coisas, afinal, existe um leve desconforto em não ter segurança de viver somente de uma coisa — como o arroz. Também, sociedades mais individualistas são formadas por muitos imigrantes ou filhos de imigrantes, que, biologicamente, são pessoas mais propensas a buscar novidade: “vou embora desse lugar, só falam de arroz, arroz e arroz, quero algo novo”.
Talvez você não saiba (ou não tivesse noção), mas a cultura modula — e muito — seu comportamento.
Toda essa mudança ambiental e de estilo de vida pressionada pelo ambiente (arroz/trigo) deve ter gerado alguma alteração na proporção de circuitos cerebrais selecionados nessa população. Da mesma forma, quando, na revolução industrial, começaram a surgir borboletas pretas devido à mudança do ambiente — excesso de carvão nas árvores —, borboletas coloridas foram quase extintas e borboletas pretas começaram a surgir. Na verdade, sempre existiram borboletas pretas, só que agora o ambiente proporcionou maior adaptabilidade.
A pergunta que fica é: nessa população do leste asiático onde não há necessidade de muita inventividade e busca pelo novo, como viveria aquele rapaz sonhador, ambicioso e que sempre quer novidade?
Provavelmente moraria em outro país, é verdade. Porém, como ele faria milhares de anos atrás?
O estudo “An Historical Perspective on ‘The World-wide Distribution of Allele Frequencies at the Human Dopamine D4 Receptor Locus’” explica a distribuição global de duas mutações particularmente interessantes de receptores de dopamina: as variantes 4R e 7R. Conforme o estudo, a variante 7R deixa a pessoa mais propensa a buscar coisas novas, isto é, o sujeito é mais inconformado, quer mudar, quer inovação etc.
O artigo traz este gráfico abaixo, que mostra algo bastante interessante.
Algumas populações africanas, europeias e do oriente médio têm uma incidência “média” de repetições 7R no receptor de dopamina. Já em populações que migravam de ilha em ilha na Ásia, havia uma incidência levemente maior. Isso é interessante porque, quanto mais receptores 7R, mais “vontade” de fazer coisas novas uma pessoa tem. Essa população migratória provavelmente foi migrando sempre a fim de encontrar o “novo”.
Já no extremo direito do gráfico, estão dispostas as populações que migraram da África para a América do Norte e depois desceram para, ele mesmo, o Brasil. Em outras palavras, foram os povos que migraram para mais longe ou seriam os mais insatisfeitos que queriam coisas mais novas? É possível pensar em um membro dessas populações dizendo algo como “Olha aquela montanha, vamos ver o que há lá!”.
Mas e a galera do meio?
Esse pessoal é o povo que estava na China, Camboja, Japão, justamente as populações que produziam mais arroz. Ou seja, o cultivo desse alimento praticamente selecionou o lado contrário dos receptores com variante 7R. O ambiente moldou a genética.
Aquelas pessoas com pouca propensão em buscar novidade provavelmente sobreviveriam normalmente, visto que a cultura era monótona. Portanto, assim como no caso das borboletas pretas, o ambiente favoreceu a adaptabilidade de um padrão comportamental.
No Reservatório de Dopamina, o psicólogo e neurocientista Eslen Delanogare já comentou sobre como o ambiente é o grande chefe determinando tudo em nossas vidas, além de refletir sobre como isso se relaciona à corrente noção de livre-arbítrio. Acesse o link http://reservatoriodedopamina.com.br/ e tenha acesso à nossa plataforma, que já tem mais de 100 aulas.
Product Designer | Fundador da Plataforma Braboticket | Estudante de Psicologia🎈
2 aSensacional!!!
QA na Localiza&Co.
2 aIsso é muito real! Um exemplo bem simples que aconteceu comigo dentre vários outros: tinha uma dificuldade enorme para estudar, e na minha área isso é essencial. Mudei meu ambiente. Comprei uma cadeira mais confortável, luminária com luz amarela, deixei minha mesa mais organizada e agora estudo facilmente 3h por dia sem me cansar. Isso fora outras mudanças que fiz colocando em pratica o que aprendo nas aulas do RD. Então posso concluir que o ambiente interfere sim no comportamento, assim como adquirir mais conhecimento, as pessoas que convivemos, fatores sociais, culturais e biológicos também. Tudo isso nos molda, portanto não temos livre arbítrio. Nessa aula o Eslen nos leva a fazer várias reflexões sobre diversos contextos e explica tudo muito bem. Pra mim é uma das melhores aulas 🎈