A Discrepância dos Preços de Insumos e Tecnologias Médicas no Brasil
André Medici
O artigo de Clenio Jair Schulze sobre a definição do STF em torno do teto do Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) traz uma contribuição importante para a racionalização dos custos da judicialização em saúde. Contudo, a decisão também revela uma das principais fragilidades do mercado brasileiro de insumos e tecnologias médicas: a expressiva discrepância entre os preços pagos no setor público, no setor suplementar e no varejo farmacêutico.
No Brasil, a CMED estabelece diferentes referenciais de preço (PMVG, PMC e preços de fábrica), mas, na prática, a distância entre esses valores gera distorções relevantes. Enquanto o setor público deveria adquirir medicamentos pelo PMVG, muitas vezes enfrenta barreiras de mercado ou de disponibilidade que o obrigam a negociar acima desse patamar, sobretudo em situações de compra emergencial decorrentes de decisões judiciais. Já os consumidores e operadoras de planos de saúde se deparam com preços ainda mais elevados, frequentemente próximos ao Preço Máximo ao Consumidor (PMC), o que acentua a desigualdade de acesso.
Essas discrepâncias se agravam em insumos estratégicos e em tecnologias avançadas (como terapias gênicas, imunoterapias e dispositivos médicos de alto custo), cujas margens de diferença entre o PMVG e o PMC podem chegar a múltiplos de 3 a 5 vezes. O resultado é um ambiente em que o poder público paga menos (quando consegue operacionalizar a compra via PMVG), enquanto o consumidor privado arca com preços desproporcionalmente altos, sem clareza sobre critérios de precificação e transparência limitada da cadeia de distribuição.
Esse quadro gera três efeitos perversos:
A decisão do STF de vincular o cumprimento de ordens judiciais ao PMVG é um passo importante para evitar sobrepreço em compras públicas, mas permanece limitado se não vier acompanhado de:
O artigo destaca corretamente a importância da limitação ao PMVG nas decisões judiciais, mas evidencia também um problema mais amplo: a fragmentação e a assimetria de preços no mercado brasileiro de saúde. Essa discrepância, ao onerar consumidores e operadoras, ao mesmo tempo em que cria distorções no SUS, acaba prejudicando a equidade, encarece o sistema e compromete a sustentabilidade do acesso às tecnologias médicas no país.
Referência do artigo comentado
SCHULZE, Clenio Jair. Preço das tecnologias em saúde e o STF. In: Temas de Direito e Saúde. 18 ago. 2025. Disponível em: www.temasdedireitoesaude.com. Acesso em: 18 ago. 2025.
Médico Clínico, Cirurgião, Diretor Técnico e Sócio na Clínica Saint Clair
1 mMuito bom André!. Perfeita análise, vejo-a como um passo inicial. Suas sugestões são bastante pertinentes, mas considero essencial acrescentar uma questão: até que ponto a incorporação de tecnologia a qualquer custo — e a que custo — deve ser aceita? Também é preciso refletir sobre o papel dos agentes de saúde nesse processo. Muitas vezes, na ânsia de ampliar receitas e sob o pretexto de oferecer o que há de “mais moderno”, acabam se tornando partícipes de um modelo distorcido, que não necessariamente agrega valor real ao cuidado ou à sustentabilidade do sistema.