Preços de Mercado vs. Sinais Econômicos
Os esforços de modernização do Setor Elétrico Brasileiro se iniciaram por um processo de reformas progressivas desde os anos de 1990, culminando em sua total reestruturação com o Re-SEB e suas consequências legais e regulatórias que se intensificaram até o início dos anos 2000.
De lá para cá, o sistema elétrico evoluiu, sobretudo no que se refere à composição da matriz elétrica, interligação das regiões e no próprio perfil da carga, levando a operação a enfrentar paradigmas com pouca ou nenhuma previsibilidade à época da concepção inicial do atual modelo regulatório.
As profundas mudanças de comportamento das curvas de recursos e requisitos impuseram ao ONS - Operador Nacional do Sistema Elétrico condições inéditas para realizar a operação do Sistema Interligado Nacional (SIN) e garantir sua estabilidade, mesmo não dispondo de ferramentas computacionais adequadas, em grande medida, para executar tal tarefa.
Exemplos de efeitos geradores dessas alterações nas curvas são, do lado da oferta:
· Desenvolvimento rápido e localizado das usinas eólicas na década de 2010;
· Construção dos projetos hidrelétricos estruturantes na década de 2010;
· Desenvolvimento da geração centralizada solar fotovoltaica na segunda metade dos anos de 2010;
· Entrada de usinas termelétricas com inflexibilidades ou despachos antecipados.
Por outro lado, considerando-se as alterações estruturais da demanda, temos:
· Crescimento abrupto e acelerado da Micro e Minigeração Distribuída, alterando a curva de carga líquida;
· Mudanças comportamentais de consumo, sobretudo pelas variações proporcionais de carga entre os setores produtivos, deslocando os horários de ponta de consumo;
· Sucessivas frustrações de crescimento da carga nos anos de 2010 em função de fatores econômicos.
Tais efeitos e a necessidade de se garantir o suprimento de energia ininterrupto, passaram a ocasionar o distanciamento entre a operação real do sistema e seu planejamento, o que se mostra danoso a um mercado em trajetória de liberalização e abertura. Nesse sentido, a Volt Robotics desenvolveu, em parceria com a Abraceel , o Match da Energia (Abraceel e Volt – Match da Energia), com o objetivo de se mensurar estes desvios objetivamente, como ilustra a Figura 1.
Os danos anteriormente citados são causados pelo fato de que os preços de energia têm como principal driver os Preços de Liquidação de Diferenças, calculados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) utilizando-se da mesma cadeia de softwares do ONS – o encadeamento NEWAVE, DECOMP e DESSEM, guardadas algumas simplificações intra-subsistemas.
A cadeia de modelos matemáticos supracitada possui, atualmente, relativa baixa representatividade da realidade da operação do SIN, seja em função de estes modelos terem sido desenvolvidos para uma lógica hidrotérmica, incluindo as demais fontes de forma simplificada, seja pelo fato de esbarrarem em limitações computacionais importantes para garantir convergência em configurações similares às reais.
Esta dependência entre o PLD presente em conjunto com suas projeções via modelos matemáticos e os preços de mercado se dá pela lógica econômica do custo de oportunidade – Caso um agente fique exposto ao Mercado de Curto Prazo, este será liquidado ao PLD do submercado de sua exposição, dessa forma, caso opte por se proteger desta exposição, compra ou vende um contrato de energia a Preço Fixo no mercado livre para “fechar” tal posição, colocando o PLD como ponto inicial de formação deste preço fixo.
Assim, pode-se considerar que elementos que não estão representados na formação dos PLDs também apresentam baixas influências nos preços de mercado, porém, os desvios entre planejamento e operação real – os quais não são pouco frequentes, precisam ser custeados de alguma forma.
Este custeio é realizado via encargos de serviços do sistema (ESS), sobretudo aquele oriundo da necessidade de se garantir Segurança Energética. Lançar mão deste artifício ocasionalmente não deveria ser um problema, mas usar esta via, gerada pelos despachos fora da ordem de mérito de usinas termelétricas, de maneira sistemática, é muito prejudicial ao sistema em diversos aspectos.
De forma a se ilustrar um pouco uma situação em que este descasamento entre operação e preços traz efeitos negativos ao mercado, vamos considerar a seguinte situação: Contexto de afluências e chuvas pouco favoráveis, mas com armazenamentos elevados e, em função de certa tendência de reversão à média de afluências por parte dos modelos, os PLDs estão baixos e, portanto, os Preços de Mercado também.
Todavia, em função dos “traumas” recentes e da elevada aversão ao risco de se deplecionar os reservatórios mais que o necessário, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) emite diretrizes para o ONS realizar despachos fora da ordem de mérito para garantia energética.
Somam-se ao ESS, os Encargos de Reserva, explorados rapidamente em nosso artigo anterior. Estes guardam correlação cada vez mais negativa com o ESS, trazendo uma situação quase constante de encargos elevados, não importa o preço. Tal correlação é ilustrada na figura abaixo.
Chegamos, então, ao binômio: Preço baixos e Encargos altos – Os preços deixam de representar a operação, perdendo sua função econômica.
A perda de função econômica ocorre de acordo com o seguinte exemplo: Caso os preços de mercado fiquem baixos, o sinal emitido aos empreendedores é: “Não precisamos de energia nova no sistema”, portanto, os investimentos são desencorajados. Pior: Para os empreendimentos em operação comercial e próximos de terem seus contratos finalizados, a mensagem é “Não precisamos de sua recontratação”.
Mas se os encargos estão altos, nessa situação hipotética, estaria correto este sinal? Claramente não, todos os geradores que estão em produção (ou estarão, de acordo com projeções futuras), são necessários.
É por conta deste tipo de situação e de outras que se faz necessária uma discussão setorial ampla, no sentido de se redesenhar o mercado de energia brasileiro para que os sinais econômicos, sobretudo de preços, passem a emitir mensagens aos agentes que induzam eficiência, investimentos no momento e no local certos, recontratações necessárias e, que de fato façam com que os preços de energia sejam explicados por curvas de oferta e demanda de forma mais direta e intuitiva, reduzindo as pressões dos encargos tanto quanto possível.
Confira esse e outros artigos sobre o Setor Elétrico e a Tarifa de Energia no Canal Tarifário.
Diretor Geral | COC ENERGIA E ENGENHARIA
1 aDigo mais, nesta situação as concessionárias de energia, caso as cláusulas de renovação contratual sejam as mesmas, irão ser as únicas beneficiadas a longo prazo. Pois já atuam através de seus "braços"(comercializadoras) a praticar dumping. Isso não é competição de mercado, é Reserva de mercado que é perigoso para outras empresas e, principalmente, para o consumidor final. No petróleo, (outra fonte energética) ocorreu o mesmo na Argentina com a ExxonMobil que foi acusada de praticar dumping no intuito de exterminar o mercado. Essa transição energética será maravilhosa se regulamentada a sério e não por opiniões populistas de atores que desejam escalonar procurando seu espaço no mercado.
Diretor Geral | COC ENERGIA E ENGENHARIA
1 aAnálise pontual e perfeita do atual cenário energético! Sem vieses. O mercado energético enfrenta grandes riscos, especialmente para investidores que precisam garantir retornos para cobrir financiamentos, custos operacionais (opex) e lucros. ATORES deste setor que clamam por preços baixos ignoram que o equilíbrio entre investidores e consumidores é crucial. A venda de energia a preços módicos ameaça a sustentabilidade do setor, desestimulando a manutenção e novos investimentos, o que pode levar a um déficit energético futuro e a preços elevados. A gestão correta é essencial para evitar apagões e manter a estabilidade do mercado.
Analista de Inovação | Pesquisa e Desenvolvimento | Projetos | Scrum
1 aEmbora os preços no mercado de energia elétrica reflitam a operação real em certa medida, eles são também influenciados por uma série de outros fatores, incluindo políticas governamentais, condições climáticas imprevisíveis, mudanças na matriz energética e demanda flutuante. A complexidade desses fatores torna a gestão do setor elétrico desafiadora, buscando sempre equilibrar oferta e demanda de forma eficiente e sustentável.