Não passa um dia sem que tenhamos novidades quanto à política comercial dos EUA. O presidente Donald Trump segue muito confiante em utilizar as tarifas para buscar atender vários de seus anseios, econômicos, políticos/geopolíticos e mesmo ideológicos/pessoais.
Esse elevado grau de confiança deriva, em parte, do fato de que, até o momento, os impactos econômicos desse tarifaço sobre os EUA ainda são relativamente modestos.
Do ponto de vista dos mercados financeiros, até houve um choque bastante negativo logo após o "Dia da Libertação", em abril. Contudo, como aquilo assustou Trump e parte de seus assessores econômicos, houve um certo recuo tático, por meio do adiamento da entrada em vigor de boa parte do aumento de tarifas anunciado naquele mês.
Isso foi suficiente para gerar uma recuperação relevante dos preços de diversos ativos financeiros desde abril (com exceção do dólar norte-americano, que seguiu perdendo valor).
Mas os efeitos econômicos adversos sobre os EUA deverão começar a se materializar com força nos próximos meses, à medida que os estoques de produtos importados sem tarifas se esgotem e que as novas tarifas comecem a valer efetivamente.
Será que essa relativa calmaria dos mercados financeiros nos últimos meses permanecerá conforme os efeitos reais do tarifaço forem ficando mais evidentes?
O Budget Lab, da Universidade Yale, tem divulgado análises diárias sobre os efeitos esperados do tarifaço. Vamos a alguns números: a alíquota de importação média ponderada nos EUA passou de menos de 4% em março para cerca de 18% na leitura mais recente —o que seria a maior alíquota praticada pelo país desde os anos 1930.
Essa mudança deverá gerar um aumento da inflação de cerca de dois pontos percentuais nos próximos meses (ou seja, deverá dobrar a taxa de inflação observada nos EUA), além de reduzir o PIB norte-americano em cerca de 0,5 ponto percentual neste ano e em quase 1 ponto em 2026. Quem mais irá sofrer com isso serão os mais pobres, segundo a análise distributiva do Budget Lab.
Os ganhos de arrecadação serão limitados, de pouco menos de US$ 200 bilhões por ano (cerca de 0,6% do PIB), até mesmo pela redução do PIB real gerada por essa política, que irá erodir a base de arrecadação dos demais tributos. Esse acréscimo de receitas com tarifas nem de perto financia o aumento expressivo do déficit gerado pela aprovação do "One Big Beautiful Bill Act".
Para piorar as coisas, não há nenhuma garantia de que essa alíquota de importação de cerca de 18% represente o novo status quo daqui em diante, pois os acordos que os EUA vêm anunciando com diversos países parecem ser muito frágeis, inclusive pela enorme imprevisibilidade de Trump e pelo uso das tarifas como instrumento político (e não meramente comercial).
A única chance de uma melhoria nesse quadro, a curto prazo, advém da possibilidade de que a base jurídica que Trump vem usando para adotar essas medidas seja questionada e barrada pela Justiça dos EUA.
Portanto, o cenário internacional tende a permanecer bastante anuviado no restante deste ano e ao menos até as eleições intermediárias para o Congresso que acontecerão nos EUA no final de 2026.
Não somente em razão dessa questão das tarifas mas também pela ameaça quase diária que Trump vem fazendo à autonomia do Federal Reserve (banco central norte-americano) e pelas tentativas de criar factoides para desviar a atenção em relação a assuntos espinhosos para ele, como o caso Epstein. Trump é sinônimo de imprevisibilidade.
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