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Thomas Mann, o prêmio Nobel de Literatura alemão perseguido pelo nazismo

Autor de 'Doutor Fausto' manteve vínculo com a Alemanha no exílio e convocou resistência ao regime nazista

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Stefan Dege
DW

Que a vida e a obra de Thomas Mann estavam intimamente ligadas uma à outra, isso é consenso entre literatos. O autor alemão ascendeu ao panteão da literatura internacional como uma voz relevante da cultura e alguém que transitou entre mundos. Esse reconhecimento se deve sobretudo aos seus escritos – grandes romances como "Os Buddenbrook", que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1929, A "Montanha Mágica" e "Doutor Fausto".

Mas a relevância de Thomas Mann se deve também ao seu engajamento político, expresso em ensaios e pronunciamentos no rádio. Ele viveu em tempos de turbulência geopolítica, marcados pelas duas Guerras Mundiais, pelo nazismo e pelo Holocausto. E muito disso transparece em sua obra.

Retrato do escritor Thomas Mann, em 1924
Retrato do escritor Thomas Mann, em 1924 - ullstein bild/ullstein bild via Getty Images/Divulgação

Gênio da literatura não era nenhum prodígio na escola

Nada disso era previsível em 6 de junho de 1875, quando Thomas Mann veio ao mundo como filho de uma teuto-brasileira nascida em Paraty e de um comerciante na cidade portuária de Lübeck, parte do recém-fundado império alemão. Ali, onde hoje é o estado de Schleswig-Holstein, criou-se com mais quatro irmãos.

Ainda como estudante, escreveu seus primeiros ensaios e rascunhos de prosa. A exemplo do irmão Heinrich, nutria um ardente entusiasmo pela literatura –para desgosto do pai. Apesar disso, o jovem não só teve que repetir um ano na escola como não era lá dos mais brilhantes em alemão– seus professores nunca avaliaram seu desempenho como mais do que "bem satisfatório".

Após perder o pai em 1891, Thomas Mann abandonou a escola antes de concluir o ensino médio e se mudou com a família para Munique. Lá, começou a aprender o ofício de corretor de seguros, mas logo abandonou a ideia. Vivendo da herança do pai, virou profissional liberal e foi trabalhar como escritor. Sua primeira publicação, "Favor", saiu em 1894 na revista Die Gesellschaft. Tornou-se jornalista.

Ao lado do irmão Heinrich, Thomas Mann passou dois anos na Itália, período em que trabalhou na obra "Os Buddenbrooks", publicada em 1901, após regressar à Alemanha, e bem recebida pela crítica. O romance de estreia –originalmente concebido como um trabalho a quatro mãos com Heinrich– baseia-se na história da família de Mann e trata da decadência de uma próspera linhagem de comerciantes. Dali em diante, o escritor passou a viver da própria renda.

Primeira Guerra Mundial e rixa com o irmão

A "Os Buddenbrooks" seguiram-se outros trabalhos. O próximo, a coletânea de contos "Tristão", publicada em 1903, inclui também a novela "Tonio Kröger", que trata do contraste entre artista e cidadão, espírito e vida.

Empenhado em levar uma existência burguesa, Thomas Mann casou-se em 1905 com Katia Pringsheim, filha de uma rica família de acadêmicos de Munique. O escritor também se sentia atraído por jovens rapazes, mas isso não pareceu incomodar Katia. Juntos, tiveram seis filhos. Alguns deles seguiriam os passos do pai, tornando-se também literatos.

A eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) expôs as diferenças entre Thomas Mann e o irmão Heinrich e levou-os à ruptura. Heinrich, à época também um escritor bem-sucedido, havia publicado um texto antiguerra. Quatro anos depois, no ensaio "Considerações de um Apolítico" (1918), Thomas explicou seus motivos ao fazer uma defesa do Império Alemão e de sua política de guerra. Só mudaria de posição em 1922, depois da derrota alemã e da ascensão da democracia na República de Weimar, regime ao qual se converteu.

Em 1929, Thomas Mann recebeu o Nobel de literatura por "Os Buddenbrooks" –uma conquista e tanto para o escritor, e que levou a literatura alemã ao pódio internacional. Mas a justificativa do júri o aborreceu: não fizeram uma menção sequer a" A Montanha Mágica", romance antiguerra publicado em 1924.

Muito antes de a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) bater à porta da Europa, o escritor pareceu farejar o perigo. Mal Adolf Hitler assumiu, Thomas Mann deixou a Alemanha. Ele havia se posicionado contra os nazistas e, em 1930, três anos antes de Hitler ascender ao poder, fizera um apelo inflamado contra o nazismo e em defesa da social-democracia.

Era a primavera de 1933 no Hemisfério Norte quando Mann decidiu não voltar de uma turnê de palestras pela Europa. Fixou residência na Suíça e publicou o primeiro livro da tetralogia "José e seus Irmãos", obra que reelabora a história do personagem bíblico José.

Mas Mann não se pronunciava sobre o que acontecia na Alemanha –até enviar uma carta aberta em 1936 ao jornal Neue Züricher Zeitung em que censurava a política alemã. A resposta não tardou a vir: os nazistas o despojaram da cidadania alemã e revogaram o título de Doutor Honoris Causa concedido pela Universidade de Bonn. Mas antes mesmo disso o regime hitlerista já havia lhe tirado prestígio e reputação, roubando posteriormente também parte do seu patrimônio.

Exílio nos EUA

A família Mann, então, resolveu dar as costas de vez à Alemanha. Em 1938, Thomas e Katia migraram para os Estados Unidos, e Mann assumiu um cargo de professor convidado na Universidade de Princeton, na Nova Jersey. Indagado por um repórter sobre se considerava o exílio um fardo, respondeu: "Onde eu estiver, será a Alemanha. Levo minha cultura comigo e não me vejo como alguém decadente."

A partir de 1940, Thomas Mann passou a convocar os alemães a resistir ao nazismo. A emissora de rádio britânica BBC contornava a censura e fazia seus pronunciamentos mensais chegarem à antiga pátria. Foram mais de 60 programas. Neles, o escritor apelava à consciência dos compatriotas, mencionava o genocídio contra os judeus.

Mas o engajamento de Mann não despertou só simpatia entre os alemães que se opunham à guerra. Depois que o armistício finalmente veio, ele lançou a carta "Por que não volto à Alemanha" (1945), em que responsabiliza todo o povo alemão pelos horrores da era nazista. "Tudo precisa ser pago", escreveu Mann ao comentar o bombardeio de cidades alemãs. Críticos reagiram negando-lhe o direito de, como exilado, fazer julgamentos sobre o que foi a vida sob Hitler.

Sua obra literária também incomodou. Um exemplo é o romance "Doutor Fausto" (1947), sobre um compositor que faz um pacto com o diabo. Alegoria da Alemanha hitlerista, o livro é um acerto de contas do escritor com um país que permitiu a ascensão do nazismo e renunciou à própria humanidade.

Mas nos EUA do pós-guerra o clima já não era dos melhores naquela época. Acusado de simpatizar com um partido comunista e de se envolver em conspirações antiamericanas, Mann deixou o país em 1952 e regressou à Suíça, onde passaria os últimos momentos de sua vida até a morte, em 12 de agosto de 1955, aos 80 anos.

Com sua literatura, mas também com sua irredutibilidade diante da desumanidade dos nazistas, Thomas Mann deu um sinal corajoso. Essa herança é perene.

Erramos: o texto foi alterado

O conto "Favor", de Thomas Mann, foi publicado em 1894, não 1984, como afirmou versão anterior do texto.

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