Médicos Inconformados Sobrevivem?
Dr. Ricardo Guimarães
Como paciente, qual médico você procuraria? Aquele que segue cegamente o protocolo ou o inconformado, curioso, pesquisador que ousa discordar quando necessário?
Esta pergunta deveria incomodar cada um de nós.
Vivemos uma era de paradoxos na medicina. Nunca tivemos tantos recursos diagnósticos, protocolos refinados e evidências científicas. Mas também nunca estivemos tão próximos de robotizar a arte médica mais preciosa: a capacidade de pensar cada caso como único.
O Médico “Sherlock” está Morrendo?
Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, era oftalmologista. Não por acaso, dotou seu detetive da mesma habilidade que todo grande clínico desenvolve: observar detalhes que outros ignoram, conectar pistas aparentemente desconexas e formar hipóteses criativas diante do inexplicável. Como um detetive que descobre o ladrão ou assassino, descobre o culpado do crime ou a causa da doença.
Sir Holmes não dependia apenas de evidências forenses. Usava dedução, indução e, principalmente, abdução - aquele insight genial que conecta pontos invisíveis aos outros. Exatamente como faziam mestres da medicina brasileira como Celio de Castro e Hilton Rocha, discípulos de William Osler e defensores de que "o bom médico trata a doença; o grande médico trata o paciente que tem a doença."
Pergunta incômoda: Estamos formando médicos-detetives , investigativos, ou executores de algoritmos?
Quando o Cérebro Médico "Sabe" Antes de Provar
A neurociência nos ensina que médicos experientes desenvolvem "detectores de padrões" cerebrais altamente especializados. Quando você "sente" que algo não bate com o diagnóstico do paciente, não é misticismo - é seu córtex pré-frontal integrando milhares de microinformações: tom de voz, linguagem corporal, padrões respiratórios sutis. Ele está usando décadas de experiência condensada num insight instantâneo.
São muitos os casos de pacientes que não se encaixarem em doenças conhecidas e donas de um CID. E sem CID a doença não é reconhecida, fica órfã de Classificação Internacional de Doenças.
Lições da História
Semmelweis foi ridicularizado por sugerir lavagem das mãos para prevenir infecções. Foi demitido. Barry Marshall precisou se infectar com H. pylori para provar que bactérias causam úlceras - contrariando décadas de "evidência" sobre estresse e acidez. Seus artigos foram recusados por 5 anos. E em seguida ganhou um Nobel
Pacientes com fibromialgia foram rotulados por décadas como "simuladores" porque não se encaixavam nos protocolos da época. Hoje, milhares sofrem com sobrecarga sensorial - popularmente conhecida como Síndrome de Irlen - um dos grandes problemas de saúde mental da atualidade, que continua sendo medicada sintomaticamente. Sem atacar a causa real, o problema piora com o tempo e compromete ainda mais a saúde mental
Os grandes avanços médicos vêm de profissionais que ousam questionar protocolos estabelecidos e confiam em sua intuição clínica, mesmo contra o consenso vigente.
Pergunta incômoda: Quantos pacientes perdem oportunidade de diagnóstico e tratamento por medo de nós médicos contrariarmos protocolos?
A Tirania dos Algoritmos (E Agora, da Inteligência Artificial)
Protocolos são ferramentas poderosas, quando usados como GPS, não como algemas. O problema surge quando a "medicina defensiva" transforma arte médica em check list burocrática. Quando o medo de desfiar a “evidencia” supera a coragem de acreditar no julgamento clínico.
E agora? Com a força crescente da Inteligência Artificial, essas algemas prometem ficar ainda mais apertadas. Já se fala que a IA substituirá completamente os médicos. Mas há um detalhe: IA não tem intuição. Não sente aquele "detalhe" que muda diagnósticos, escolhe tratamentos e salva vidas.
Como diretor de uma escola médica por quatro anos, transformei minha instituição em uma das melhores do Brasil, justamente ensinando estudantes a pensar criticamente, não apenas memorizar. Continuo nesta pregação em meus momentos acadêmicos.
Outra pergunta incômoda: Por que tememos mais errar questionando, do que errar obedecendo?
A Síntese Necessária
Não se trata de abandonar a medicina baseada em evidências - ela é fundamental. Defendo o casamento entre evidência e julgamento clínico. O melhor futuro da medicina não será construída por executores de diretrizes, mas por médicos que sabem usar a tecnologia para confirmar protocolos e, especialmente, saber e poder questioná-los.
A Pergunta Incômoda Final. E esta é para você.
Agora você é o paciente. Seus sintomas resistem a explicações simples, sua condição é singular. Posso apostar que essa experiência já tocou você ou sua família. Aquela peregrinação médica em busca de um diagnóstico preciso.
Qual profissional inspiraria sua confiança?
O médico A: "Os dados não explicam completamente seu quadro, mas minha experiência sugere investigarmos outras possibilidades."
O médico B: "Seus sintomas não se encaixam em nenhum protocolo. Sem diretrizes específicas, não posso oferecer alternativas."
Que a Inteligencia Artificial e protocolos continuem nos orientando sem nos algemar. Para nos permitir fazer aquilo que o paciente precisa. Porque no final, nossa lealdade prometida no juramento hipocrático não é feita aos algoritmos, mas àquela pessoa diante de nós, confiando que somos mais que executores de diretrizes.
A ciência avança, mas o juramento médico permanece. A IA domina dados e cria regras para o todo, somente o médico conhece a alma humana para definir as exceções.
Mas, cá entre nós. Sinceramente. Você acha que estou sendo inconformado ou ingênuo?
Conselheiro Consultivo para Startups e PMEs | +35 anos como Empresário e Executivo | Governança, Inovação e Desenvolvimento Sustentável.
3 semParabéns Dr. Ricardo Guimarães! Disse tudo que um paciente gostaria de falar.
Medical Devices Professional | 20+ Years Leading Teams Across Latin America | Strategic Planning, Training & KOL Engagement - New profile since the old version was hacked.
1 mExcelente essa abordagem, Dr. Ricardo
Mestre em Ciências Médicas | Medicina Legal | Medicina Narrativa | Palestrante & Consultor. Conecte-se para criar impacto e transformar resultados
1 mComo diria o inspirador de Arthur Conan Doyle, o Prof Joseph Belll: “ a importância das pequenas diferenças, do significado inestimável das insignificâncias”
Coordenador Administrativo | Líder em Processos de Saúde
1 mDr Ricardo, inconformado kkkk, medicina sempre exigiu e exigirá coragem.
Planejamento, Criação e Execução de Soluções de Marketing e Comunicação
1 mAmei essa abordagem, Dr. Ricardo