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EEFFEEIITTOOSS CCOOLLAATTEERRAAIISS
OO FFIIMM DDAA EERRAA LLUULLAA
Augusto de Franco
29/06/2013
Um efeito colateral da onda de manifestações no Brasil é o fim da
chamada Era Lula.
As pessoas não foram às ruas para isso: Lula, o governo e o PT não eram
alvos dos manifestantes. Não foi como no impeachment de Collor de
Mello (onde o alvo estava claro e era explicitamente político). Não. Neste
junho de 2013, as pessoas foram às ruas porque condições favoráveis a
um swarming (enxameamento) se constelaram.
Como tenho repetido, a natureza dos protestos foi social, foi um
metabolismo da rede social que se expressou (e de diversas maneiras,
inclusive por meio de manifestações de rua, mas não só). O motivo
principal foi uma insatisfação generalizada com o sistema e não uma
reivindicação específica (embora o preço dos transportes, a corrupção e a
péssima qualidade dos serviços públicos, tenham atuado,
incidentalmente, como fatores desencadeadores). Essa insatisfação com o
sistema é muito mais profunda do que simplesmente a contrariedade com
um governo, com seu presidente (caso de Dilma, cuja popularidade
despencou em três semanas) ou com seus patronos ou tutores (Lula e o
aparato político, sindical e social controlado pelo PT).
No entanto, tanto a aprovação do governo quanto a admiração (quase
mística) pelo seu principal líder fora do governo (Lula) caíram e tendem a
cair mais. Com isso, a influência avassaladora do neopopulismo tende a se
esvair. O regime político baseado no parasitismo democrático, na
privatização partidária da esfera pública e na degeneração das instituições
republicanas - que são as principais característica da Era Lula - vai sofrer
fortes abalos. Tudo indica que estamos no início do seu declínio, ainda que
não haja, no momento, elementos para prever o rebatimento disso tudo
no processo eleitoral de 2014: é até possível que as urnas do ano que vem
não reflitam tal perda de substância na mesma intensidade (de vez que a
dinâmica das movimentações sociais não poderá ser capitalizada por
qualquer candidatura alternativa à Dilma ou à Lula).
Repito, nada disso estava na pauta dos manifestantes. Como disse o
cientista político Marcos Nobre (que debateu comigo no programa Entre
Aspas da Globo News da última quinta-feira, 27/06/2013), cada
manifestante era a própria manifestação. Tivemos, assim, milhares,
milhões de manifestações. Foram eventos (sobretudo no 17-18J) de
pessoas, não de organizações, muito menos de organizações políticas
(embora elas também estivessem presentes). E o que essas pessoas
queriam? Por certo não era o passe-livre (segundo as pesquisas, 65% dos
brasileiros são contra a gratuidade nos transportes). Ora, elas foram às
ruas e às mídias sociais para dizer que não estavam contentes com o
sistema. Embora não soubessem explicar o que é exatamente "o sistema",
elas se manifestaram para dizer que o sistema não as representa, que
desejam que daqui prá frente tudo seja diferente.
E não é só isso. Segundo o DataFolha, 8 em cada 10 brasileiros apoiam as
manifestações. Se tirarmos as pessoas com condições insuficientes de
interação, essa proporção representa praticamente todos os habitantes
mais ativos do país. Ainda que pesquisas de opinião não possam refletir a
opinião pública (na medida em que recolhem e totalizam ex post um
conjunto de opiniões privadas, não captando, portanto, a dinâmica que
entretece a esfera pública), os números são muito significativos quando
combinados com a aferição da aprovação do governo. Um governo cuja
aprovação despenca 35 pontos em três meses e 27 pontos em 3 semanas,
provavelmente não tem muitas chances de continuidade (sobretudo
quando não pode reagir por uma razão básica: não entende e, no lugar em
que está, não poderá entender o que aconteceu).
Não se resolverá tal problema com a volta do demiurgo, como acreditam
tolamente os lulistas. O país nunca mais será o mesmo depois de ter
experimentado o poder das redes. Milhões de pessoas não permanecerão
mais na órbita do líder. Em outras palavras: a gravitatem de Lula está se
esvaindo, não porque alguém - algum ator político - esteja fazendo isso
(como se sabe, vivemos em um país sem oposição). Nem porque a maioria
da população esteja querendo isso. E sim porque o estado social que
permitia isso foi desarrumado pelo processo social emergente que foi
desencadeado. Sim, tudo indica que é o início do fim da Era Lula.

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EFEITOS COLATERAIS: O FIM DA ERA LULA

  • 1. EEFFEEIITTOOSS CCOOLLAATTEERRAAIISS OO FFIIMM DDAA EERRAA LLUULLAA Augusto de Franco 29/06/2013 Um efeito colateral da onda de manifestações no Brasil é o fim da chamada Era Lula. As pessoas não foram às ruas para isso: Lula, o governo e o PT não eram alvos dos manifestantes. Não foi como no impeachment de Collor de Mello (onde o alvo estava claro e era explicitamente político). Não. Neste
  • 2. junho de 2013, as pessoas foram às ruas porque condições favoráveis a um swarming (enxameamento) se constelaram. Como tenho repetido, a natureza dos protestos foi social, foi um metabolismo da rede social que se expressou (e de diversas maneiras, inclusive por meio de manifestações de rua, mas não só). O motivo principal foi uma insatisfação generalizada com o sistema e não uma reivindicação específica (embora o preço dos transportes, a corrupção e a péssima qualidade dos serviços públicos, tenham atuado, incidentalmente, como fatores desencadeadores). Essa insatisfação com o sistema é muito mais profunda do que simplesmente a contrariedade com um governo, com seu presidente (caso de Dilma, cuja popularidade despencou em três semanas) ou com seus patronos ou tutores (Lula e o aparato político, sindical e social controlado pelo PT). No entanto, tanto a aprovação do governo quanto a admiração (quase mística) pelo seu principal líder fora do governo (Lula) caíram e tendem a cair mais. Com isso, a influência avassaladora do neopopulismo tende a se esvair. O regime político baseado no parasitismo democrático, na privatização partidária da esfera pública e na degeneração das instituições republicanas - que são as principais característica da Era Lula - vai sofrer fortes abalos. Tudo indica que estamos no início do seu declínio, ainda que não haja, no momento, elementos para prever o rebatimento disso tudo no processo eleitoral de 2014: é até possível que as urnas do ano que vem não reflitam tal perda de substância na mesma intensidade (de vez que a dinâmica das movimentações sociais não poderá ser capitalizada por qualquer candidatura alternativa à Dilma ou à Lula).
  • 3. Repito, nada disso estava na pauta dos manifestantes. Como disse o cientista político Marcos Nobre (que debateu comigo no programa Entre Aspas da Globo News da última quinta-feira, 27/06/2013), cada manifestante era a própria manifestação. Tivemos, assim, milhares, milhões de manifestações. Foram eventos (sobretudo no 17-18J) de pessoas, não de organizações, muito menos de organizações políticas (embora elas também estivessem presentes). E o que essas pessoas queriam? Por certo não era o passe-livre (segundo as pesquisas, 65% dos brasileiros são contra a gratuidade nos transportes). Ora, elas foram às ruas e às mídias sociais para dizer que não estavam contentes com o sistema. Embora não soubessem explicar o que é exatamente "o sistema", elas se manifestaram para dizer que o sistema não as representa, que desejam que daqui prá frente tudo seja diferente. E não é só isso. Segundo o DataFolha, 8 em cada 10 brasileiros apoiam as manifestações. Se tirarmos as pessoas com condições insuficientes de interação, essa proporção representa praticamente todos os habitantes mais ativos do país. Ainda que pesquisas de opinião não possam refletir a opinião pública (na medida em que recolhem e totalizam ex post um conjunto de opiniões privadas, não captando, portanto, a dinâmica que entretece a esfera pública), os números são muito significativos quando combinados com a aferição da aprovação do governo. Um governo cuja aprovação despenca 35 pontos em três meses e 27 pontos em 3 semanas, provavelmente não tem muitas chances de continuidade (sobretudo quando não pode reagir por uma razão básica: não entende e, no lugar em que está, não poderá entender o que aconteceu).
  • 4. Não se resolverá tal problema com a volta do demiurgo, como acreditam tolamente os lulistas. O país nunca mais será o mesmo depois de ter experimentado o poder das redes. Milhões de pessoas não permanecerão mais na órbita do líder. Em outras palavras: a gravitatem de Lula está se esvaindo, não porque alguém - algum ator político - esteja fazendo isso (como se sabe, vivemos em um país sem oposição). Nem porque a maioria da população esteja querendo isso. E sim porque o estado social que permitia isso foi desarrumado pelo processo social emergente que foi desencadeado. Sim, tudo indica que é o início do fim da Era Lula.