Organização e planejamento do ensino:
globalização, interdisciplinaridade e integração curricular
Ao longo da história da escola, na transposição didática dos saberes
científicos em saberes escolares, diferentes maneiras de planejar o ensino têm
sido preconizadas. Esses saberes vêm sendo organizados através da listagem
de conteúdos a serem vencidos pelos estudantes por etapas, da chamada
"educação tradicional", passando pelas propostas de organização destes
conteúdos em torno de um assunto - como centros de interesse, metodologia de
projetos e unidades de trabalho da "Escola Nova" - até as "proposições
contemporâneas" que retomam as propostas de integração curricular do escolanovismo
ressignificando-as e, nalguns casos, politizando-as de forma mais explícita através do
uso de "temas emergentes, eixos temáticos, temas geradores, temas culturais" e, mais
recentemente, retomando a "pedagogia de projetos".
Todas estas propostas didático-pedagógicas têm em comum a compreensão de
que uma visão globalizante e interdisciplinar deve presidir a organização dos conteúdos
nas propostas de trabalho, pelo mínimo, no início da escolarização. A afirmação do
Parecer 853/71 - CFÉ (apud Feldens, 1982, p.14), em defesa dessa forma de
organização no Currículo por Atividades da Educação Fundamental, justifica esta
proposta a partir da forma como a criança percebe o mundo: "Tanto mais imaturos
sejam eles, quanto mais em blocos lhes surge o mundo das coisas, dos fatos e das
idéias".
Na defesa de projetos curriculares integrados, Santomé (1998, p.187) afirma que a
utilidade social do currículo está em permitir aos alunos e alunas compreender a
sociedade em que vivem, favorecendo, para tal, o desenvolvimento de aptidões, tanto
técnicas como sociais, que os ajudem em sua localização na comunidade de forma
autônoma, crítica e solidária. Para que tal objetivo seja alcançado, há temas, questões
e problemas que precisam ser trabalhados e que não' se enquadram, na maioria das
vezes, nas áreas de conhecimento tradicionais e, conseqüentemente, não fazem parte
dos "currículos por disciplina" surgidos com a modernidade, sendo, pois, excluídos das
salas de aula.
O mesmo autor defende que devem ser respeitados os conhecimentos prévios, os
interesses e os ritmos dos estudantes na organização das propostas de trabalho. Logo
é preciso aumentar o poder de participação e de decisão dos mesmos na escola. É
preciso também ouvir segmentos da sociedade, especialistas de diferentes áreas, para
romper o isolamento que caracteriza ambos os mundos. Na escola são trabalhados o
"sistema de conhecimentos de uma sociedade ( ... ), os padrões de verdade ... " (Inglis,
apud Santomé, 1988, p.190), logo é preciso ouvir esta mesma sociedade sobre o tipo
de escola desejada para seus filhos e filhas.
Para Arroyo (1994), também é preciso redescobrir o vínculo entre a sala de aula e
a realidade social: conjugar o aprender a aprender com o aprender "a viver. Aprende-se
participando, vivenciando sentimentos, tomando atitudes, escolhendo procedimentos.
Ensina-se pelas experiências proporcionadas, pelos problemas criados, pela ação
desencadeada. O processo de aprendizagem é um processo global. Dá-se ênfase
na nossa cultura escolar à atividade intelectual. Não se concebe o conhecimento
enquanto ação, considerando, como coisas opostas, o saber e o fazer, a teoria e a
prática, o trabalho intelectual e o trabalho manual, a ciência e a cultura. Há uma
supervalorização dos processos cognitivos em detrimento dos demais. Há um
dissociamento do processo de pensar do de atuar. Muito se tem avançado na
pedagogia do discurso, da palavra, e continua-se muito distante da pedagogia da
ação, da intervenção, ainda segundo o mesmo autor. Apesar de todo o destaque
teórico dado para a necessidade de a criança fazer – aprendizagem através da
atividade -, desencadeado nos Estados Unidos e também na Europa com o
advento da Escola Nova, a ênfase ainda hoje recai no ensino verbalista, na
supervalorização do cognitivo, nas exigências de silêncio e imobilidade, em sala de
aula. O "currículo por atividades" não passa muitas vezes de um rótulo sem
significado.
Organização dos currículos: o modelo linear disciplinar
A forma mais clássica de organização do conteúdo escolar, ainda hoje, é o
modelo linear disciplinar, ou o conjunto de disciplinas justapostas, na maioria das
vezes de uma forma bastante arbitrária. Para Santomé (1998, p.lIO), as principais
críticas a esta forma de organização partem da percepção de que, nesta forma,
presta-se insuficiente atenção:
- aos interesses dos estudantes;
- à experiência prévia dos estudantes, a seus níveis de compreensão, seus
ritmos, com a conseqüente não estimulação dos necessários conflitos
sociocognitivos;
- à problemática específica do meio sociocultural e ambiental do alunado,
principalmente quando é privilegiado o uso do livro- texto;
- às relações pessoais entre estudantes e professores e professoras devido ao
desmembramento artificial da realidade em disciplinas diferenciadas;
- às dificuldades de aprendizagem decorrentes da constante mudança de
atenção de uma matéria para outra;
- à falta de nexos entre as disciplinas e o decorrente esforço de memorização
que tal fato acarreta;
- à incapacidade para ajustar ao currículo questões práticas, interdisciplinares,
atuais, perguntas mais vitais, não confinadas, geralmente, nos limites das áreas
disciplinares;
- à inflexibilidade de organização do tempo, espaço e recursos humanos para
viabilizar visitas, excursões, experiências diferenciadas, no recinto escolar;
- à pesquisa, ao estudo autônomo, à atividade crítica e à curiosidade
intelectual;
- ao papel do professor e da professora como pesquisadores capazes de
diagnosticar, propor e avaliar projetos e currículos.
O currículo integrado: possibilidades
Por outro lado, ainda segundo Santomé, o currículo integrado permite:
- trabalhar conteúdos culturais relevantes;
- abordar conteúdos que são objetos de atenção em várias áreas de
conhecimento;
- levar a pensar interdisciplinarmente, criando hábitos intelectuais de levar em
consideração diferentes possibilidades e pontos de vista;
- favorecer a visibilidade dos valores, ideologias e interesses presentes em
todas as questões sociais e culturais, o que a organização do currículo por
disciplinas dificulta perceber;
- favorecer o trabalho colegiado nas escolas, resgatando a idéia de "corpo
docente";
- preparar para a mobilidade profissional futura;
- aumentar a probabilidade de surgimento de novas carreiras e especialidades
-interdisciplinaridades - que permitam enfrentar novos problemas e desafios;
- estimular a análise de problemas concretos e reais e o conseqüente
surgimento de pessoas criativas e inovadoras.
Segundo Santomé (1998, p.191), a preocupação com esta forma
de projeto curricular, na Espanha, começou a adquirir peso com a tradução e
divulgação da obra de Lawrence Stenhouse de 1984- "Pesquisa e desenvolvimento
do currículo" - e com a abertura política e o rompimento com as tradições
autoritárias e conservadoras até então hegemônicas.
A proposta de currículo integrado surgiu como uma alternativa progressista
aos modelos empresariais de objetivos comportamentais que eram oferecidos,
desde meados do século, para melhorar o desempenho de estudantes nas
instituições de ensino. Tratava-se da aplicação, na sala de aula, das estratégias
usadas nas grandes empresas de produção e nos gabinetes de psicologia,
dedicadas à modificação do comportamento a partir de posições skinnerianas.
Projetos curriculares, nesta dimensão, como os dirigidos por Lawrence
Stenhouse, na Inglaterra, e Jerome Bruner, nos Estados Unidos, - elaborados por
professores, professoras e especialistas de diferentes disciplinas - supõem
trabalho de equipes formadas por profissionais experientes, diferentes
especialistas, pesquisadores universitários das áreas abrangidas no projeto,
especialistas em currículo, profissionais do mundo da comunicação para
elaboração de materiais (documentários, criação de audiovisuais, desenhos.)1
1
O autor questiona se os governos que parecem aderir a propostas nestes moldes estão dispostos a subsidiar
tais projetos que supõem processos longos e dispendiosos. Ainda segundo o mesmo autor, no contexto
espanhol, esta proposta está sendo desgastada, começando a ser incorporada pelas editoras de livros-textos,
como uma nova nomenclatura, um novo modismo.

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Fragmento planejamento

  • 1. Organização e planejamento do ensino: globalização, interdisciplinaridade e integração curricular Ao longo da história da escola, na transposição didática dos saberes científicos em saberes escolares, diferentes maneiras de planejar o ensino têm sido preconizadas. Esses saberes vêm sendo organizados através da listagem de conteúdos a serem vencidos pelos estudantes por etapas, da chamada "educação tradicional", passando pelas propostas de organização destes conteúdos em torno de um assunto - como centros de interesse, metodologia de projetos e unidades de trabalho da "Escola Nova" - até as "proposições contemporâneas" que retomam as propostas de integração curricular do escolanovismo ressignificando-as e, nalguns casos, politizando-as de forma mais explícita através do uso de "temas emergentes, eixos temáticos, temas geradores, temas culturais" e, mais recentemente, retomando a "pedagogia de projetos". Todas estas propostas didático-pedagógicas têm em comum a compreensão de que uma visão globalizante e interdisciplinar deve presidir a organização dos conteúdos nas propostas de trabalho, pelo mínimo, no início da escolarização. A afirmação do Parecer 853/71 - CFÉ (apud Feldens, 1982, p.14), em defesa dessa forma de organização no Currículo por Atividades da Educação Fundamental, justifica esta proposta a partir da forma como a criança percebe o mundo: "Tanto mais imaturos sejam eles, quanto mais em blocos lhes surge o mundo das coisas, dos fatos e das idéias". Na defesa de projetos curriculares integrados, Santomé (1998, p.187) afirma que a utilidade social do currículo está em permitir aos alunos e alunas compreender a sociedade em que vivem, favorecendo, para tal, o desenvolvimento de aptidões, tanto técnicas como sociais, que os ajudem em sua localização na comunidade de forma autônoma, crítica e solidária. Para que tal objetivo seja alcançado, há temas, questões e problemas que precisam ser trabalhados e que não' se enquadram, na maioria das vezes, nas áreas de conhecimento tradicionais e, conseqüentemente, não fazem parte dos "currículos por disciplina" surgidos com a modernidade, sendo, pois, excluídos das salas de aula. O mesmo autor defende que devem ser respeitados os conhecimentos prévios, os interesses e os ritmos dos estudantes na organização das propostas de trabalho. Logo é preciso aumentar o poder de participação e de decisão dos mesmos na escola. É preciso também ouvir segmentos da sociedade, especialistas de diferentes áreas, para romper o isolamento que caracteriza ambos os mundos. Na escola são trabalhados o "sistema de conhecimentos de uma sociedade ( ... ), os padrões de verdade ... " (Inglis, apud Santomé, 1988, p.190), logo é preciso ouvir esta mesma sociedade sobre o tipo de escola desejada para seus filhos e filhas. Para Arroyo (1994), também é preciso redescobrir o vínculo entre a sala de aula e a realidade social: conjugar o aprender a aprender com o aprender "a viver. Aprende-se participando, vivenciando sentimentos, tomando atitudes, escolhendo procedimentos. Ensina-se pelas experiências proporcionadas, pelos problemas criados, pela ação desencadeada. O processo de aprendizagem é um processo global. Dá-se ênfase na nossa cultura escolar à atividade intelectual. Não se concebe o conhecimento enquanto ação, considerando, como coisas opostas, o saber e o fazer, a teoria e a prática, o trabalho intelectual e o trabalho manual, a ciência e a cultura. Há uma
  • 2. supervalorização dos processos cognitivos em detrimento dos demais. Há um dissociamento do processo de pensar do de atuar. Muito se tem avançado na pedagogia do discurso, da palavra, e continua-se muito distante da pedagogia da ação, da intervenção, ainda segundo o mesmo autor. Apesar de todo o destaque teórico dado para a necessidade de a criança fazer – aprendizagem através da atividade -, desencadeado nos Estados Unidos e também na Europa com o advento da Escola Nova, a ênfase ainda hoje recai no ensino verbalista, na supervalorização do cognitivo, nas exigências de silêncio e imobilidade, em sala de aula. O "currículo por atividades" não passa muitas vezes de um rótulo sem significado. Organização dos currículos: o modelo linear disciplinar A forma mais clássica de organização do conteúdo escolar, ainda hoje, é o modelo linear disciplinar, ou o conjunto de disciplinas justapostas, na maioria das vezes de uma forma bastante arbitrária. Para Santomé (1998, p.lIO), as principais críticas a esta forma de organização partem da percepção de que, nesta forma, presta-se insuficiente atenção: - aos interesses dos estudantes; - à experiência prévia dos estudantes, a seus níveis de compreensão, seus ritmos, com a conseqüente não estimulação dos necessários conflitos sociocognitivos; - à problemática específica do meio sociocultural e ambiental do alunado, principalmente quando é privilegiado o uso do livro- texto; - às relações pessoais entre estudantes e professores e professoras devido ao desmembramento artificial da realidade em disciplinas diferenciadas; - às dificuldades de aprendizagem decorrentes da constante mudança de atenção de uma matéria para outra; - à falta de nexos entre as disciplinas e o decorrente esforço de memorização que tal fato acarreta; - à incapacidade para ajustar ao currículo questões práticas, interdisciplinares, atuais, perguntas mais vitais, não confinadas, geralmente, nos limites das áreas disciplinares; - à inflexibilidade de organização do tempo, espaço e recursos humanos para viabilizar visitas, excursões, experiências diferenciadas, no recinto escolar; - à pesquisa, ao estudo autônomo, à atividade crítica e à curiosidade intelectual; - ao papel do professor e da professora como pesquisadores capazes de diagnosticar, propor e avaliar projetos e currículos.
  • 3. O currículo integrado: possibilidades Por outro lado, ainda segundo Santomé, o currículo integrado permite: - trabalhar conteúdos culturais relevantes; - abordar conteúdos que são objetos de atenção em várias áreas de conhecimento; - levar a pensar interdisciplinarmente, criando hábitos intelectuais de levar em consideração diferentes possibilidades e pontos de vista; - favorecer a visibilidade dos valores, ideologias e interesses presentes em todas as questões sociais e culturais, o que a organização do currículo por disciplinas dificulta perceber; - favorecer o trabalho colegiado nas escolas, resgatando a idéia de "corpo docente"; - preparar para a mobilidade profissional futura; - aumentar a probabilidade de surgimento de novas carreiras e especialidades -interdisciplinaridades - que permitam enfrentar novos problemas e desafios; - estimular a análise de problemas concretos e reais e o conseqüente surgimento de pessoas criativas e inovadoras. Segundo Santomé (1998, p.191), a preocupação com esta forma de projeto curricular, na Espanha, começou a adquirir peso com a tradução e divulgação da obra de Lawrence Stenhouse de 1984- "Pesquisa e desenvolvimento do currículo" - e com a abertura política e o rompimento com as tradições autoritárias e conservadoras até então hegemônicas. A proposta de currículo integrado surgiu como uma alternativa progressista aos modelos empresariais de objetivos comportamentais que eram oferecidos, desde meados do século, para melhorar o desempenho de estudantes nas instituições de ensino. Tratava-se da aplicação, na sala de aula, das estratégias usadas nas grandes empresas de produção e nos gabinetes de psicologia, dedicadas à modificação do comportamento a partir de posições skinnerianas. Projetos curriculares, nesta dimensão, como os dirigidos por Lawrence Stenhouse, na Inglaterra, e Jerome Bruner, nos Estados Unidos, - elaborados por professores, professoras e especialistas de diferentes disciplinas - supõem trabalho de equipes formadas por profissionais experientes, diferentes especialistas, pesquisadores universitários das áreas abrangidas no projeto, especialistas em currículo, profissionais do mundo da comunicação para elaboração de materiais (documentários, criação de audiovisuais, desenhos.)1 1 O autor questiona se os governos que parecem aderir a propostas nestes moldes estão dispostos a subsidiar tais projetos que supõem processos longos e dispendiosos. Ainda segundo o mesmo autor, no contexto espanhol, esta proposta está sendo desgastada, começando a ser incorporada pelas editoras de livros-textos, como uma nova nomenclatura, um novo modismo.