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HISTÓRIA BREVE DA LUA- António Gedeão
AUTO EM 1 QUADRO
FIGURANTES
NARRADORA
CAMPONÊS
SENHOR DO MUNDO
JERÓNIMO
AGAPITO
ASTRÓNOMO
RAPARIGA
A cena representa uma
paisagem campestre,
arborizada, à hora em que a
Natureza emerge do sono
noturno, permanecendo o céu
ainda estrelado. Nesse céu, que
deverá observar-se numa ampla
superfície, a Lua está ausente e
apenas deverá aparecer no
momento exato em que o texto o
indica.
Ouvem-se cantos de aves.
Quando a cena se inicia estará
presente a Narradora, mulher
nova e insinuante, de face para
os espetadores.
Silêncio.
1
5
10
15
NARRA-
DORA
Vou contar-vos uma história
que espero que vos agrade.
A história não tem idade;
Vem de tempos recuados
conservada na memória
dos nossos antepassados.
Ainda eu era pequena,
mas recordo-me tão bem!
de estar com a minha mãe
em certa noite serena,
eu, aconchegada a ela,
ela, aconchegada a mim,
olhando pela janela
o firmamento sem fim.
No profundo céu estrelado
subia o disco da Lua
como um balão prateado
enquanto um gato, na rua,
miava de rabo alçado.
─ Ó mãezinha, tu já viste
a Lua como está suja?
Parece que tem ‘ma c’ruja,
uma vaca, ou lá o que é!
Gostava de a ver ao pé.
E tu, mãe?
De que te riste?
─ Das tuas suposições.
Não é c’ruja nem é vaca,
nem macaco nem macaca,
nem nada do que supões.
Contou então minha mãe,
sempre bondosa e amiga,
a tal história muito antiga
que vou contar-vos também.
Diz essa história que outrora
a superfície da Lua
não era como é agora.
(À medida que a Narradora
fala vai-se elevando no céu,
muito lentamente, uma
enorme Lua cheia,
impecavelmente branca, sem
manchas.)
Mostrava-se então polida,
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branquinha, macia e nua
como uma prata estendida.
Assim era, até que um dia,
por milagre ou por magia,
tudo num sopro mudou.
A superfície esmaltada
apar'ceu toda manchada
e assim, p’ra sempre, ficou.
Uma enorme mancha escura
representava a figura
de uma humana criatura,
perfeitamente visível:
era um homem que lá estava,
mexia as pernas, andava,
abria a boca, falava,
que até par’cia impossível!
É claro que isto é ‘ma história.
E essa história também diz
quem foi o desinfeliz
que teve a suprema glória
de ser o primeiro na Lua.
Ó que sorte malfadada!
Mas a história continua
até ‘star toda acabada.
Pois lá vai.
Era uma vez
o pobre de um camponês…
(Simultaneamente com as últimas
palavras da Narradora entra o
pobre Camponês. Caminha
curvado ao peso de um molho de
lenha, para e retoma o passo.
Ouvem-se vozes alegres de aves, na
alvorada, enquanto o céu continua
a cintilar de estrelas. O pobre
Camponês para a descansar.)
CAMPONÊS-Ó miséria derradeira!
Anda um pobre como eu
a fossar a vida inteira
p’ra não ter nada de seu!
Ó triste da minha vida!
Ó pesar do meu viver!
Tanta gente bem comida
e eu sem nada p’ra comer!
Ando a apanhar garavatos
por essas serras além
e só recebo maus tratos
sem carinhos de ninguém.
Fui assim desde criança.
Sem culpa já nasci torto.
Agora, perdida a esp’rança,
só me resta cair morto.
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SENHOR
DO
MUNDO
CAMP.
SEN.
CAMP.
SEN.
CAMP.
SEN.
(Entra o Senhor do Mundo,
exuberante, sacudido e
dominador, o rosto quase
invisível pela abundância de
barbas e de cabelo. Entra, de
sandálias, com passos largos e
apressados, como quem tem
muito que fazer. A entrada do
Senhor do Mundo é
anunciada por um ribombar
de trovões, que logo
amedronta o Camponês, e
durante a sua presença em
cena ouve-se continuadamente
um rumor de trovoada.)
(estacando ao encarar com o
Camponês, e recuando num
pulo)
O quê? Que vejo? Que é isto?
(pausa de espanto)
Que é que tu fazes aqui?
(tremendo)
Senhor! Senhor!
(escarninho)
Pelo visto
não te arreceias de mi!
(na mesma)
Senhor!
(irado)
Não há cá senhores!
Agora te chega o medo?
Não sabes que não concedo
nem piedade nem favores
aos humanos pecadores,
e que mais tarde ou mais cedo
pagarão com suas dores?
P’ra ninguém isto é segredo.
(sempre aterrorizado)
Senhor! Só por esta vez!
Tende de mim compaixão!
Sou um pobre camponês
Que anda a ganhar o seu pão!
(sempre irado)
Para ganhares o teu pão
tens a semana contigo.
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Não merece compaixão
quem não respeita o que digo. 160
CAMP.
SEN.
CAMP.
SEN.
CAMP.
(mais irado)
Não sabes que hoje é domingo?
Como tal não se trabalha?
Não sabes que eu se me vingo
não há ninguém que te valha?
(patético)
Ó miséria sem futuro!
Tristeza do homem pobre!
Nunca passa do pão duro,
dos trapos com que se cobre.
Alegria é coisa vã
Não há esp’ranças que despontem.
Sempre o dia de amanhã
vem igual ao dia de ontem.
Meu senhor, tende piedade!
Se hoje é domingo e aqui ando
não é por minha maldade
que me oponho ao vosso mando.
É tudo necessidade.
Necessidade, até quando?
(sempre irado)
Não tenho nada com isso!
Pecaste? Vais ter castigo!
Tenho tudo ao meu serviço
e ninguém brinca comigo!
O castigo que vais ter
será, p’ra vergonha tua…
(olha em redor como
quem procura o que há
de decidir. Apontando
para a Lua)
Olha p’ra ali.
(parvamente)
É a Lua.
(irado)
Pois que é que havia de ser!?
(com dignidade)
Essa Lua que além vês
irá ser tua morada.
(aflito)
Senhor! Só por esta vez!
Sou um pobre camponês!
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CAM.
SEN.
CAM.
SEN.
NAR.
mas de mim ninguém se esconde.
Vais ficar num sítio onde
toda a gente possa ver-te.
Para sempre na memória
teu exemplo ficará.
Será essa a tua glória.
(bravamente, apontando para a
Lua)
Já!
(tremendo)
Senhor!
(mais forte)
Já!
(no máximo do susto)
Senhor!
(definitivamente)
Já!
(Com o ribombo de um trovão, a
cena escurece quando o Senhor do
Mundo pronuncia o último “Já!”.
Quando a cena de novo se
ilumina, o Senhor do Mundo e o
pobre Camponês desapareceram,
e a lua cheia, no local em que
estava, patenteia agora as suas
manchas, onde se evidencia, até
forçadamente, a figura do pobre
Camponês com o molho de lenha
às costas, em atitude de
caminhante. A Narradora, que
permaneceu no palco durante
toda a cena anterior, volta-se para
o público e diz, apontando para a
Lua)
E lá está ele, coitado!
E dali ninguém o tira!
O que vale é que é mentira
porque foi tudo inventado.
(pausa)
Espero que tenham gostado
da letra e do desempenho
da história breve da Lua.
Mas a peça continua.
Eu vou lá dentro e já venho.
(sai)
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SEN. Já sei. Não digas mais nada.
Procuravas esconder-te
JER.
AGA.
AST.
JER.
AST.
AGA.
AST.
JER.
(Entram dois homens do povo,
Agapito e Jerónimo, que logo
se percebe virem a discutir a
respeito da Lua. Jerónimo é
ignorante; Agapito não é
tanto.)
Tu és teimoso, Agapito!
(apontando a Lua)
Então não vês que é um homem?
Pois que por burro me tomem
mas nisso não acredito.
Querias tu que fosse alguém
que ali estivesse estampado!
Ó filho da tua mãe!
Eu sou teimoso, está bem,
mas tu és burro chapado.
(Entra o Astrónomo, figura de
sábio, bem disposto e divertido,
velho, despenteado e
simpático. Transporta um
tripé e um óculo comprido que,
na altura própria, instalará
em cena.)
Ora vivam, meus senhores!
Uma noite como esta
não é feita p’ra rancores.
‘Stá a Natureza em festa.
O arzinho cheira a flores.
(noutro tom)
Par’ceu-me que discutiam
qualquer coisa sobre a Lua.
É verdade.
E que diziam?
Se calhar não se entendiam.
Cada um ficou na sua.
Talvez possa ser prestável
com minha sabedoria.
Dedico-me à astronomia.
Sou astrónomo, e notável.
Conheço o céu ponta a ponta
e os astros todos sem conta
tão bem como o meu nariz.
(de boca aberta, a Agapito)
Que é isso de ser astrónimo?
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JER.
AGA.
AST.
AGA.
AST.
JER.
AST.
JER.
AST.
AGA.
AST.
(batendo bem as sílabas)
As-tró-no-mo é que se diz.
E isso que é? Não percebo!
Já foi dito. Não ouviste?
Se não percebes, desiste,
não faças papel de gebo.
Mas vamos então lá ver.
Afinal de que se trata?
Este cabeça de lata
não há meio de perceber,
coitado, não compreende,
que a mancha que além se estende
(aponta para a lua)
Ou sombra ou lá o que seja,
Não pode ser a figura
De nenhuma criatura,
De algum homem que lá esteja.
‘Stá certo, e até calha bem
que vos vou tirar as teimas.
Eu cá não sou de toleimas
mas, melhor do que eu, ninguém
conhece o mundo celeste,
vocês são homens de sorte!
desde o sul até ao norte,
desde leste até oeste.
(dispondo-se a montar o
óculo sobre o tripé para a
observação da Lua)
Ora dai-me aqui ‘ma ajuda
para assentar o tripé.
Essa coisa p’ra que é?
Já vai perceber. Caluda!
(pegando no óculo)
E este grande canudo?
Pegue nele com cuidado.
Tu não podes ‘star calado?
Era bom que fosses mudo.
(perante o óculo já montado no
tripé)
Este tubo tem ‘mas lentes
de feitios especiais.
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AGA. Não sejas parvo, Jerónimo! São vidros mas excelentes,
JER.
AGA.
JER.
AST.
JER.
AGA.
AST.
JER.
AGA.
JER.
AST.
polidos e transparentes
como límpidos cristais.
(referindo-se a cada um dos
respetivos extremos do óculo)
A luz vem por este lado,
e é por aqui que se espreita,
por esta abertura estreita.
E vê-se tudo aumentado.
(aparte, a Agapito)
Tu não tens medo, Agapito?
Achas que isto não dispara?
Tem vergonha nessa cara!
Parece-me isto esquisito.
(espreitando pelo óculo)
Cá está ela! Cá está ela!
A Lua dos meus amores!
Venham vê-la, meus senhores,
E digam se não é bela.
(a Jerónimo)
Ora espreite por aqui.
(espreitando, com grande
espanto)
Hi…..ii…..iiii!
Agarrem-me senão caio!
Começo a sentir-me aflito.
Espreita aqui, Agapito.
Se não me acodem, desmaio!
(espreitando)
Oh! Mas isto vale a pena
ver-se com todo o vagar.
Tem muito que apreciar
que a Lua não é pequena.
(a Agapito)
E o tal homem que lá ‘stava?
Vem cá tu. Vê lá se o vês.
(espreitando)
Só vejo covas à brava.
Ali é que eu não andava
que até entortava os pés!
Pois essa opinião sua
é mais certa do que pensa
porque a superfície imensa
do astro chamado Lua
340
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375
JER.
AST.
AGA.
AST.
JER.
AST.
AGA.
JER.
AST.
E há lá uvas aos cachos
e nos buracos há feras?
Não. Na Lua não há vida,
nem plantas nem animais.
(declamando)
É como barca perdida,
desolada e adormecida
nos espaços siderais.
(voltando ao mesmo tom)
Não tem água nem tem ar.
Então o que é que ela tem?
Tem rochas.
E tem luar.
Isso é da luz que lhe vem
do Sol quando bate nela,
como se a luz incidisse,
batesse e se refletisse
nos vidros de uma janela.
Essa luz que o Sol lhe dá
quando bate nas montanhas
e nas crateras tamanhas
forma essas sombras estranhas
que nós notamos de cá.
Com as formas que apresentam
não admira que as tomem
como sendo formas de homem,
mas são coisas que inventam.
Ouves, Jerónimo? E então?
Quem é que tinha razão?
Diz lá com sinceridade.
(abanando a cabeça e torcendo
o nariz)
Essa coisa das montanhas
mais me parecem patranhas
do que falas de verdade.
(despindo o casaco)
Então façamos de conta
que o casaco é a montanha.
Dali vem o Sol que a banha.
(Acende-se um projetor
que dará no chão as
sombras do casaco e das
pessoas. O Astrónomo
suspende o casaco pela
gola)
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é toda aos altos e baixos
com montanhas e crateras.
380
AGA.
AST.
JER.
AGA.
AST.
JER.
AST.
JER.
AST.
JER.
AGA.
JER.
AST.
e eu pego-lhe aqui na ponta.
(para Jerónimo)
‘Stá vendo as sombras no chão?
Vê a minha e vê a sua?
Aí tem as manchas da Lua.
Percebeu a explicação?
Bem gostava eu de saber
as coisas que o senhor sabe!
Todo o tempo é de aprender
desde a hora do nascer
até que a vida se acabe.
‘Stará tudo muito certo
mas eu não vou às primeiras.
Sempre foste muito esperto.
Não está pensando decerto
que eu esteja a dizer asneiras.
Pois se até já me disseram
que há tempo os jornais falaram
nuns tais homens que estiveram
na Lua, foram, vieram,
e se por lá não ficaram
foi só porque não quiseram.
E você não acredita?
(rindo)
Ah! Ah! Ah! Que grande fita!
Pois então fique sabendo
que foi mesmo como disse.
(rindo)
Ah! Ah! Ah! Mas que tolice!
Não acredito nem vendo.
Mas que teimosia a tua!
Só se os puseram na Lua
com dois coices de jumento.
(rindo)
Ah! Ah! Ah! Que até rebento!
Se não quer acreditar
isso agora é lá consigo
mas que é certo o que lhe digo
posso jurar e jurar.
A notícia que lhe deram
430
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RAP.
AST.
RAP.
AST.
RAP.
JER.
AGA.
JER.
AGA.
Foram à Lua, vieram,
e de espanto emudeceram
a humanidade inteira.
(Entra a Rapariga das
Fases. Veste um trajo
comprido, amplo e liso,
com a frente branca e as
costas pretas, de tal
modo que vista de frente
se vê toda branca; de
costas toda preta; de
perfil, metade branca e
metade preta.)
Desculpem a intervenção.
Calhou passar por aqui
e mesmo sem qu’rer ouvi
toda a vossa discussão.
Falávamos sobre a Lua.
Eu sei, eu sei. E o senhor
falava como um doutor
muito seguro da sua.
Sinto-me cheia de sorte
e aproveito a ocasião
p’ra lhe pôr uma questão,
no caso que não se importe.
Poder ensinar alguém
P'ra mim é sempre uma festa.
Pois então aqui a tem.
A minha dúvida é esta.
Nunca percebi porquê
nem sempre a Lua se vê
co’a forma que deve ter.
não sei onde ela se esconda
para às vezes ser redonda
e outras vezes não ser.
Ande lá, ande. Responda.
Também me interessa saber.
(aparte, para Agapito)
‘Stou a ver que esta seresma
julga que a Lua é a mesma,
mas são várias, pois não são?
Ai, Jerónimo, Jerónimo!
Não nasceste para “astrónimo”.
470
475
480
485
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500
505
510
É de todo verdadeira. Cala a boca, parvalhão.
AST.
RAP.
AST.
JER.
AST.
RAP.
(para a Rapariga)
Se não erro, lá na sua,
o que a menina pretende
é conseguir ver se entende
as quatro fases da Lua.
Não é isso?
Exatamente!
Se isso não lhe der maçada.
Não me maça mesmo nada.
Fico até muito contente.
(pigarreia e começa o discurso)
Deve lembrar-se da escola
que a Lua é ‘ma grande bola,
como os astros todos são,
e que andam à volta da Terra.
Não se atrasa nem emperra.
Cumpre a sua obrigação.
(a Agapito)
Parece-me isto mentira.
E além disso também gira
como se fosse um pião.
Se a Lua não se movesse,
se estivesse ali parada,
(aponta para a Lua)
qualquer forma que tivesse
não se mudaria em nada
quando a luz do Sol lhe desse.
Assim, o aspeto que tem
nas várias ocasiões
depende das posições
dela, do Sol, e também
da Terra, evidentemente.
Fiz-me entender?
Certamente.
Compreendi muito bem.
515
520
525
530
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540
545
AST.
RAP.
AST.
AGA.
AST.
JER.
AST.
RAP.
Daqueles vários aspetos
que nos são apresentados
há quatro casos concretos
que têm nomes completos
e bastante apropriados.
Em cada um se acentua
a situação que lhe cabe.
Chamam-se as fases da Lua
como toda a gente sabe.
(apontando para a Rapariga
para que lhe responda)
As fases são…
Lua cheia.
(apontando para Agapito)
Segue-se…
Quarto minguante.
E depois?...
(aponta para Jerónimo)
(encolhendo-se)
Não faço ideia.
É melhor passar adiante.
(apontando de novo para a
Rapariga)
Depois…
É a lua nova.
550
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570
AST.
JER.
AST.
AGA.
AST.
AST.
RAP.
AST.
RAP.
AST.
E agora, finalmente…
(aponta para Jerónimo)
‘Scusa de me pôr à prova.
(apontando para Agapito)
E depois…
Quarto crescente.
(satisfeito)
Aqui estão as quatro fases.
Ora aprendam, meus rapazes,
e a menina igualmente!
(Durante toda esta última
conversa, e sempre na
altura própria, a lua cheia
que se via no céu passa a
quarto minguante, depois
desaparece quando se fala
em lua nova, e por fim
passa a quarto crescente. As
imagens aparecem no céu à
medida que vão sendo
proferidas as respetivas
designações. Após o último
verso volta a aparecer no
céu a lua cheia conforme
estava antes de se falar nas
fases.)
(noutro tom, falando para a
Rapariga)
Só agora é que reparo
no trajo que tem vestido.
É bonito e é bom tecido,
e até não foi nada caro.
Fica-lhe mesmo à feição.
E realça o tom da pele.
Pois eu vou servir-me dele
575
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595
600
605
AST. (pega na mão da
Rapariga e condu-la até
ao fundo da cena)
Ora coloque-se aqui
voltada para este lado.
(fica voltada para a
direita do público)
O Agapito põe-se ali.
(aponta-lhe a boca da
cena onde Agapito fica
colocado de costas para o
público, distanciado da
Rapariga, e agachando-
se, se for preciso, para
não a encobrir da vista
dos espetadores.
Continua, acenando para
Jerónimo)
O amigo aqui, perfilado,
(dirigindo-se para a
Rapariga)
e voltado para si.
(dirigindo-se a cada um
por sua vez)
A menina faz de Lua,
a Terra é o Agapito,
e o Jerónimo atua
como o Sol, o mais bonito.
(afastando-se do conjunto
e iniciando a exposição
que vai seguir-se)
Pois venha o Sol, sem demora.
(um projetor, como se viesse de
Jerónimo, ilumina a frente da
Rapariga)
610
615
620
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640
RAP.→ JER.
←
↑
AGA.
para lhes dar ‘ma lição.
RAP.
AGA.
JER.
Eis a Lua iluminada.
(aproxima-se do
intevalo entre a
Rapariga e Jerónimo e
coloca-se exatamente
nesse intervalo)
Se a terra estivesse agora
neste espaço colocada
veríamos lua cheia,
redondinha como um queijo,
do mesmo modo que a vejo
(aponta para a Lua do
cenário)
neste céu que nos rodeia.
(vem até junto de
Agapito)
Mas se a Terra está daqui
já isso não é verdade.
Co’o Sol colocado ali,
quem olhar daqui p’r’aí
(aponta para a
Rapariga que durante
a cena se mantém
sempre com o corpo de
perfil, voltada para
Jerónimo)
só vê da Lua metade.
(a Lua do cenário passa
a metade )
Tudo fica ‘sclarecido
olhando p’r’o seu vestido.
Perceberam?
(só a partir desde
momento os figurantes
se retiram das posições
em que estavam)
Muito certo.
(a Jerónimo)
Quero crer que te convenças.
Nunca tinha descoberto
a razão destas diferenças.
645
650
655
660
665
670
675
680
RAP.
JER. e
AGA.
AST.
JER.
AGA.
AST.
(falando para o Astrónomo)
Uma dúvida me resta.
Quando vejo só metade,
que pode ser esta…
(aponta para o céu onde está )
…ou esta,
(muda a imagem para )
eu tenho dificuldade
em perceber de repente
se essa metade brilhante
quer dizer quarto minguante
ou dizer quarto crescente.
Isso, isso, diga lá.
Nós também qu’remos saber.
Pois vou responder-vos já
e jamais se hão de esquecer.
Se a lua parece um D
(projeta-se a imagem )
‘stava bem dizer “decresce”,
(acentua bem a primeira
sílaba de “decresce”)
e quando parece um C
(projeta-se a imagem )
devia dizer que “cresce”.
(acentua bem o c inicial)
Que coisa tão curiosa!
Acho isso extraordinário!
É exatamente o contrário
porque a Lua é mentirosa.
Se tem a forma de um D
(aparece a imagem )
isso quer dizer que cresce,
e quando parece um C
(aparece a imagem )
significa que decresce.
685
690
695
700
705
710
715
RAP.,
AGA.,
e
JER.
(em dicção cantada em
coro)
Ai que giro que isto é!
Que coisa tão graciosa
de trocar o C co’o D!
Como a Lua é mentirosa!
Ai que giro que isto é!
Vamos todos dar ao pé
porque a Lua é mentirosa!
(Cantam e dançam todos
repetindo os últimos três
versos, enquanto a luz
esmorece até se apagar
de lado. Entretanto
poderá surgir no céu uma
lua caricatural, com
olhos, nariz e boca,
piscando o olho.)
720
725
730
735
FIM

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Análise de textos poéticos
Apresentação para décimo segundo ano de 2016 7, segunda aula de cábulas
Primeiro livro de poesia.pdf
Revisão 2o bimestre 2012 primeiros anos
Conceito generos-e-poetica
Uma Análise Literárias das Figuras de Linguagem nos Poemas de Flor Bela Espanca
Uma Análise Literárias das Figuras de Linguagem nos Poemas de Flor Bela Espanca
O Poeta E A Lua
 
O Poeta E A Lua
 
Guião
ApresentaçãO Para DéCimo Ano, Aula 87 88
Caderno de poesia 9º ano - Metas Português
O POETA SETUBALENSE GRAVATINHA
Florbela Espanca
Ficha de avaliação_ texto narrativo
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Historia-Breve-Da-Lua-Texto-Integral.doc

  • 1. HISTÓRIA BREVE DA LUA- António Gedeão AUTO EM 1 QUADRO FIGURANTES NARRADORA CAMPONÊS SENHOR DO MUNDO JERÓNIMO AGAPITO ASTRÓNOMO RAPARIGA A cena representa uma paisagem campestre, arborizada, à hora em que a Natureza emerge do sono noturno, permanecendo o céu ainda estrelado. Nesse céu, que deverá observar-se numa ampla superfície, a Lua está ausente e apenas deverá aparecer no momento exato em que o texto o indica. Ouvem-se cantos de aves. Quando a cena se inicia estará presente a Narradora, mulher nova e insinuante, de face para os espetadores. Silêncio. 1 5 10 15 NARRA- DORA Vou contar-vos uma história que espero que vos agrade. A história não tem idade; Vem de tempos recuados conservada na memória dos nossos antepassados. Ainda eu era pequena, mas recordo-me tão bem! de estar com a minha mãe em certa noite serena, eu, aconchegada a ela, ela, aconchegada a mim, olhando pela janela o firmamento sem fim. No profundo céu estrelado subia o disco da Lua como um balão prateado enquanto um gato, na rua, miava de rabo alçado. ─ Ó mãezinha, tu já viste a Lua como está suja? Parece que tem ‘ma c’ruja, uma vaca, ou lá o que é! Gostava de a ver ao pé. E tu, mãe? De que te riste? ─ Das tuas suposições. Não é c’ruja nem é vaca, nem macaco nem macaca, nem nada do que supões. Contou então minha mãe, sempre bondosa e amiga, a tal história muito antiga que vou contar-vos também. Diz essa história que outrora a superfície da Lua não era como é agora. (À medida que a Narradora fala vai-se elevando no céu, muito lentamente, uma enorme Lua cheia, impecavelmente branca, sem manchas.) Mostrava-se então polida, 20 25 30 35 40 45 50 55 60
  • 2. branquinha, macia e nua como uma prata estendida. Assim era, até que um dia, por milagre ou por magia, tudo num sopro mudou. A superfície esmaltada apar'ceu toda manchada e assim, p’ra sempre, ficou. Uma enorme mancha escura representava a figura de uma humana criatura, perfeitamente visível: era um homem que lá estava, mexia as pernas, andava, abria a boca, falava, que até par’cia impossível! É claro que isto é ‘ma história. E essa história também diz quem foi o desinfeliz que teve a suprema glória de ser o primeiro na Lua. Ó que sorte malfadada! Mas a história continua até ‘star toda acabada. Pois lá vai. Era uma vez o pobre de um camponês… (Simultaneamente com as últimas palavras da Narradora entra o pobre Camponês. Caminha curvado ao peso de um molho de lenha, para e retoma o passo. Ouvem-se vozes alegres de aves, na alvorada, enquanto o céu continua a cintilar de estrelas. O pobre Camponês para a descansar.) CAMPONÊS-Ó miséria derradeira! Anda um pobre como eu a fossar a vida inteira p’ra não ter nada de seu! Ó triste da minha vida! Ó pesar do meu viver! Tanta gente bem comida e eu sem nada p’ra comer! Ando a apanhar garavatos por essas serras além e só recebo maus tratos sem carinhos de ninguém. Fui assim desde criança. Sem culpa já nasci torto. Agora, perdida a esp’rança, só me resta cair morto. 65 70 75 80 85 90 95 100 105 110 SENHOR DO MUNDO CAMP. SEN. CAMP. SEN. CAMP. SEN. (Entra o Senhor do Mundo, exuberante, sacudido e dominador, o rosto quase invisível pela abundância de barbas e de cabelo. Entra, de sandálias, com passos largos e apressados, como quem tem muito que fazer. A entrada do Senhor do Mundo é anunciada por um ribombar de trovões, que logo amedronta o Camponês, e durante a sua presença em cena ouve-se continuadamente um rumor de trovoada.) (estacando ao encarar com o Camponês, e recuando num pulo) O quê? Que vejo? Que é isto? (pausa de espanto) Que é que tu fazes aqui? (tremendo) Senhor! Senhor! (escarninho) Pelo visto não te arreceias de mi! (na mesma) Senhor! (irado) Não há cá senhores! Agora te chega o medo? Não sabes que não concedo nem piedade nem favores aos humanos pecadores, e que mais tarde ou mais cedo pagarão com suas dores? P’ra ninguém isto é segredo. (sempre aterrorizado) Senhor! Só por esta vez! Tende de mim compaixão! Sou um pobre camponês Que anda a ganhar o seu pão! (sempre irado) Para ganhares o teu pão tens a semana contigo. 115 120 125 130 135 140 145 150 155
  • 3. Não merece compaixão quem não respeita o que digo. 160 CAMP. SEN. CAMP. SEN. CAMP. (mais irado) Não sabes que hoje é domingo? Como tal não se trabalha? Não sabes que eu se me vingo não há ninguém que te valha? (patético) Ó miséria sem futuro! Tristeza do homem pobre! Nunca passa do pão duro, dos trapos com que se cobre. Alegria é coisa vã Não há esp’ranças que despontem. Sempre o dia de amanhã vem igual ao dia de ontem. Meu senhor, tende piedade! Se hoje é domingo e aqui ando não é por minha maldade que me oponho ao vosso mando. É tudo necessidade. Necessidade, até quando? (sempre irado) Não tenho nada com isso! Pecaste? Vais ter castigo! Tenho tudo ao meu serviço e ninguém brinca comigo! O castigo que vais ter será, p’ra vergonha tua… (olha em redor como quem procura o que há de decidir. Apontando para a Lua) Olha p’ra ali. (parvamente) É a Lua. (irado) Pois que é que havia de ser!? (com dignidade) Essa Lua que além vês irá ser tua morada. (aflito) Senhor! Só por esta vez! Sou um pobre camponês! 165 170 175 180 185 190 195 200 CAM. SEN. CAM. SEN. NAR. mas de mim ninguém se esconde. Vais ficar num sítio onde toda a gente possa ver-te. Para sempre na memória teu exemplo ficará. Será essa a tua glória. (bravamente, apontando para a Lua) Já! (tremendo) Senhor! (mais forte) Já! (no máximo do susto) Senhor! (definitivamente) Já! (Com o ribombo de um trovão, a cena escurece quando o Senhor do Mundo pronuncia o último “Já!”. Quando a cena de novo se ilumina, o Senhor do Mundo e o pobre Camponês desapareceram, e a lua cheia, no local em que estava, patenteia agora as suas manchas, onde se evidencia, até forçadamente, a figura do pobre Camponês com o molho de lenha às costas, em atitude de caminhante. A Narradora, que permaneceu no palco durante toda a cena anterior, volta-se para o público e diz, apontando para a Lua) E lá está ele, coitado! E dali ninguém o tira! O que vale é que é mentira porque foi tudo inventado. (pausa) Espero que tenham gostado da letra e do desempenho da história breve da Lua. Mas a peça continua. Eu vou lá dentro e já venho. (sai) 205 210 215 220 225 230 235 240 245
  • 4. SEN. Já sei. Não digas mais nada. Procuravas esconder-te JER. AGA. AST. JER. AST. AGA. AST. JER. (Entram dois homens do povo, Agapito e Jerónimo, que logo se percebe virem a discutir a respeito da Lua. Jerónimo é ignorante; Agapito não é tanto.) Tu és teimoso, Agapito! (apontando a Lua) Então não vês que é um homem? Pois que por burro me tomem mas nisso não acredito. Querias tu que fosse alguém que ali estivesse estampado! Ó filho da tua mãe! Eu sou teimoso, está bem, mas tu és burro chapado. (Entra o Astrónomo, figura de sábio, bem disposto e divertido, velho, despenteado e simpático. Transporta um tripé e um óculo comprido que, na altura própria, instalará em cena.) Ora vivam, meus senhores! Uma noite como esta não é feita p’ra rancores. ‘Stá a Natureza em festa. O arzinho cheira a flores. (noutro tom) Par’ceu-me que discutiam qualquer coisa sobre a Lua. É verdade. E que diziam? Se calhar não se entendiam. Cada um ficou na sua. Talvez possa ser prestável com minha sabedoria. Dedico-me à astronomia. Sou astrónomo, e notável. Conheço o céu ponta a ponta e os astros todos sem conta tão bem como o meu nariz. (de boca aberta, a Agapito) Que é isso de ser astrónimo? 250 255 260 265 270 275 280 285 290 JER. AGA. AST. AGA. AST. JER. AST. JER. AST. AGA. AST. (batendo bem as sílabas) As-tró-no-mo é que se diz. E isso que é? Não percebo! Já foi dito. Não ouviste? Se não percebes, desiste, não faças papel de gebo. Mas vamos então lá ver. Afinal de que se trata? Este cabeça de lata não há meio de perceber, coitado, não compreende, que a mancha que além se estende (aponta para a lua) Ou sombra ou lá o que seja, Não pode ser a figura De nenhuma criatura, De algum homem que lá esteja. ‘Stá certo, e até calha bem que vos vou tirar as teimas. Eu cá não sou de toleimas mas, melhor do que eu, ninguém conhece o mundo celeste, vocês são homens de sorte! desde o sul até ao norte, desde leste até oeste. (dispondo-se a montar o óculo sobre o tripé para a observação da Lua) Ora dai-me aqui ‘ma ajuda para assentar o tripé. Essa coisa p’ra que é? Já vai perceber. Caluda! (pegando no óculo) E este grande canudo? Pegue nele com cuidado. Tu não podes ‘star calado? Era bom que fosses mudo. (perante o óculo já montado no tripé) Este tubo tem ‘mas lentes de feitios especiais. 295 300 305 310 315 320 325 330 335
  • 5. AGA. Não sejas parvo, Jerónimo! São vidros mas excelentes, JER. AGA. JER. AST. JER. AGA. AST. JER. AGA. JER. AST. polidos e transparentes como límpidos cristais. (referindo-se a cada um dos respetivos extremos do óculo) A luz vem por este lado, e é por aqui que se espreita, por esta abertura estreita. E vê-se tudo aumentado. (aparte, a Agapito) Tu não tens medo, Agapito? Achas que isto não dispara? Tem vergonha nessa cara! Parece-me isto esquisito. (espreitando pelo óculo) Cá está ela! Cá está ela! A Lua dos meus amores! Venham vê-la, meus senhores, E digam se não é bela. (a Jerónimo) Ora espreite por aqui. (espreitando, com grande espanto) Hi…..ii…..iiii! Agarrem-me senão caio! Começo a sentir-me aflito. Espreita aqui, Agapito. Se não me acodem, desmaio! (espreitando) Oh! Mas isto vale a pena ver-se com todo o vagar. Tem muito que apreciar que a Lua não é pequena. (a Agapito) E o tal homem que lá ‘stava? Vem cá tu. Vê lá se o vês. (espreitando) Só vejo covas à brava. Ali é que eu não andava que até entortava os pés! Pois essa opinião sua é mais certa do que pensa porque a superfície imensa do astro chamado Lua 340 345 350 355 360 365 370 375 JER. AST. AGA. AST. JER. AST. AGA. JER. AST. E há lá uvas aos cachos e nos buracos há feras? Não. Na Lua não há vida, nem plantas nem animais. (declamando) É como barca perdida, desolada e adormecida nos espaços siderais. (voltando ao mesmo tom) Não tem água nem tem ar. Então o que é que ela tem? Tem rochas. E tem luar. Isso é da luz que lhe vem do Sol quando bate nela, como se a luz incidisse, batesse e se refletisse nos vidros de uma janela. Essa luz que o Sol lhe dá quando bate nas montanhas e nas crateras tamanhas forma essas sombras estranhas que nós notamos de cá. Com as formas que apresentam não admira que as tomem como sendo formas de homem, mas são coisas que inventam. Ouves, Jerónimo? E então? Quem é que tinha razão? Diz lá com sinceridade. (abanando a cabeça e torcendo o nariz) Essa coisa das montanhas mais me parecem patranhas do que falas de verdade. (despindo o casaco) Então façamos de conta que o casaco é a montanha. Dali vem o Sol que a banha. (Acende-se um projetor que dará no chão as sombras do casaco e das pessoas. O Astrónomo suspende o casaco pela gola) 385 390 395 400 405 410 415 420 425
  • 6. é toda aos altos e baixos com montanhas e crateras. 380 AGA. AST. JER. AGA. AST. JER. AST. JER. AST. JER. AGA. JER. AST. e eu pego-lhe aqui na ponta. (para Jerónimo) ‘Stá vendo as sombras no chão? Vê a minha e vê a sua? Aí tem as manchas da Lua. Percebeu a explicação? Bem gostava eu de saber as coisas que o senhor sabe! Todo o tempo é de aprender desde a hora do nascer até que a vida se acabe. ‘Stará tudo muito certo mas eu não vou às primeiras. Sempre foste muito esperto. Não está pensando decerto que eu esteja a dizer asneiras. Pois se até já me disseram que há tempo os jornais falaram nuns tais homens que estiveram na Lua, foram, vieram, e se por lá não ficaram foi só porque não quiseram. E você não acredita? (rindo) Ah! Ah! Ah! Que grande fita! Pois então fique sabendo que foi mesmo como disse. (rindo) Ah! Ah! Ah! Mas que tolice! Não acredito nem vendo. Mas que teimosia a tua! Só se os puseram na Lua com dois coices de jumento. (rindo) Ah! Ah! Ah! Que até rebento! Se não quer acreditar isso agora é lá consigo mas que é certo o que lhe digo posso jurar e jurar. A notícia que lhe deram 430 435 440 445 450 455 460 465 RAP. AST. RAP. AST. RAP. JER. AGA. JER. AGA. Foram à Lua, vieram, e de espanto emudeceram a humanidade inteira. (Entra a Rapariga das Fases. Veste um trajo comprido, amplo e liso, com a frente branca e as costas pretas, de tal modo que vista de frente se vê toda branca; de costas toda preta; de perfil, metade branca e metade preta.) Desculpem a intervenção. Calhou passar por aqui e mesmo sem qu’rer ouvi toda a vossa discussão. Falávamos sobre a Lua. Eu sei, eu sei. E o senhor falava como um doutor muito seguro da sua. Sinto-me cheia de sorte e aproveito a ocasião p’ra lhe pôr uma questão, no caso que não se importe. Poder ensinar alguém P'ra mim é sempre uma festa. Pois então aqui a tem. A minha dúvida é esta. Nunca percebi porquê nem sempre a Lua se vê co’a forma que deve ter. não sei onde ela se esconda para às vezes ser redonda e outras vezes não ser. Ande lá, ande. Responda. Também me interessa saber. (aparte, para Agapito) ‘Stou a ver que esta seresma julga que a Lua é a mesma, mas são várias, pois não são? Ai, Jerónimo, Jerónimo! Não nasceste para “astrónimo”. 470 475 480 485 490 495 500 505 510
  • 7. É de todo verdadeira. Cala a boca, parvalhão. AST. RAP. AST. JER. AST. RAP. (para a Rapariga) Se não erro, lá na sua, o que a menina pretende é conseguir ver se entende as quatro fases da Lua. Não é isso? Exatamente! Se isso não lhe der maçada. Não me maça mesmo nada. Fico até muito contente. (pigarreia e começa o discurso) Deve lembrar-se da escola que a Lua é ‘ma grande bola, como os astros todos são, e que andam à volta da Terra. Não se atrasa nem emperra. Cumpre a sua obrigação. (a Agapito) Parece-me isto mentira. E além disso também gira como se fosse um pião. Se a Lua não se movesse, se estivesse ali parada, (aponta para a Lua) qualquer forma que tivesse não se mudaria em nada quando a luz do Sol lhe desse. Assim, o aspeto que tem nas várias ocasiões depende das posições dela, do Sol, e também da Terra, evidentemente. Fiz-me entender? Certamente. Compreendi muito bem. 515 520 525 530 535 540 545 AST. RAP. AST. AGA. AST. JER. AST. RAP. Daqueles vários aspetos que nos são apresentados há quatro casos concretos que têm nomes completos e bastante apropriados. Em cada um se acentua a situação que lhe cabe. Chamam-se as fases da Lua como toda a gente sabe. (apontando para a Rapariga para que lhe responda) As fases são… Lua cheia. (apontando para Agapito) Segue-se… Quarto minguante. E depois?... (aponta para Jerónimo) (encolhendo-se) Não faço ideia. É melhor passar adiante. (apontando de novo para a Rapariga) Depois… É a lua nova. 550 555 560 565 570
  • 8. AST. JER. AST. AGA. AST. AST. RAP. AST. RAP. AST. E agora, finalmente… (aponta para Jerónimo) ‘Scusa de me pôr à prova. (apontando para Agapito) E depois… Quarto crescente. (satisfeito) Aqui estão as quatro fases. Ora aprendam, meus rapazes, e a menina igualmente! (Durante toda esta última conversa, e sempre na altura própria, a lua cheia que se via no céu passa a quarto minguante, depois desaparece quando se fala em lua nova, e por fim passa a quarto crescente. As imagens aparecem no céu à medida que vão sendo proferidas as respetivas designações. Após o último verso volta a aparecer no céu a lua cheia conforme estava antes de se falar nas fases.) (noutro tom, falando para a Rapariga) Só agora é que reparo no trajo que tem vestido. É bonito e é bom tecido, e até não foi nada caro. Fica-lhe mesmo à feição. E realça o tom da pele. Pois eu vou servir-me dele 575 580 585 590 595 600 605 AST. (pega na mão da Rapariga e condu-la até ao fundo da cena) Ora coloque-se aqui voltada para este lado. (fica voltada para a direita do público) O Agapito põe-se ali. (aponta-lhe a boca da cena onde Agapito fica colocado de costas para o público, distanciado da Rapariga, e agachando- se, se for preciso, para não a encobrir da vista dos espetadores. Continua, acenando para Jerónimo) O amigo aqui, perfilado, (dirigindo-se para a Rapariga) e voltado para si. (dirigindo-se a cada um por sua vez) A menina faz de Lua, a Terra é o Agapito, e o Jerónimo atua como o Sol, o mais bonito. (afastando-se do conjunto e iniciando a exposição que vai seguir-se) Pois venha o Sol, sem demora. (um projetor, como se viesse de Jerónimo, ilumina a frente da Rapariga) 610 615 620 625 630 635 640 RAP.→ JER. ← ↑ AGA.
  • 9. para lhes dar ‘ma lição. RAP. AGA. JER. Eis a Lua iluminada. (aproxima-se do intevalo entre a Rapariga e Jerónimo e coloca-se exatamente nesse intervalo) Se a terra estivesse agora neste espaço colocada veríamos lua cheia, redondinha como um queijo, do mesmo modo que a vejo (aponta para a Lua do cenário) neste céu que nos rodeia. (vem até junto de Agapito) Mas se a Terra está daqui já isso não é verdade. Co’o Sol colocado ali, quem olhar daqui p’r’aí (aponta para a Rapariga que durante a cena se mantém sempre com o corpo de perfil, voltada para Jerónimo) só vê da Lua metade. (a Lua do cenário passa a metade ) Tudo fica ‘sclarecido olhando p’r’o seu vestido. Perceberam? (só a partir desde momento os figurantes se retiram das posições em que estavam) Muito certo. (a Jerónimo) Quero crer que te convenças. Nunca tinha descoberto a razão destas diferenças. 645 650 655 660 665 670 675 680 RAP. JER. e AGA. AST. JER. AGA. AST. (falando para o Astrónomo) Uma dúvida me resta. Quando vejo só metade, que pode ser esta… (aponta para o céu onde está ) …ou esta, (muda a imagem para ) eu tenho dificuldade em perceber de repente se essa metade brilhante quer dizer quarto minguante ou dizer quarto crescente. Isso, isso, diga lá. Nós também qu’remos saber. Pois vou responder-vos já e jamais se hão de esquecer. Se a lua parece um D (projeta-se a imagem ) ‘stava bem dizer “decresce”, (acentua bem a primeira sílaba de “decresce”) e quando parece um C (projeta-se a imagem ) devia dizer que “cresce”. (acentua bem o c inicial) Que coisa tão curiosa! Acho isso extraordinário! É exatamente o contrário porque a Lua é mentirosa. Se tem a forma de um D (aparece a imagem ) isso quer dizer que cresce, e quando parece um C (aparece a imagem ) significa que decresce. 685 690 695 700 705 710 715
  • 10. RAP., AGA., e JER. (em dicção cantada em coro) Ai que giro que isto é! Que coisa tão graciosa de trocar o C co’o D! Como a Lua é mentirosa! Ai que giro que isto é! Vamos todos dar ao pé porque a Lua é mentirosa! (Cantam e dançam todos repetindo os últimos três versos, enquanto a luz esmorece até se apagar de lado. Entretanto poderá surgir no céu uma lua caricatural, com olhos, nariz e boca, piscando o olho.) 720 725 730 735 FIM