SlideShare uma empresa Scribd logo
Manual de saúde pública
Manual de Saúde Pública
Editora Arte & Ciência
1 9 9 9
BRUNO SOERENSEN
KATHIA BRIENZA BADINI MARULLI
Manual de Saúde Pública
E D I T O R A
Editora Arte & Ciência
Rua dos Franceses, 91 – Bela Vista
São Paulo – SP - CEP 01329-010
Tel/fax: (011) 253-0746
Internet:http://www.arteciencia.com.br
© 1999, by Autores
Direção geral
Henrique Villibor Flory
Editor e capa
Aroldo José Abreu Pinto
Ilustração de contra-capa
Mulher em um interior de Fernand Léger
Diretora Administrativa
Luciana Ap. Wolf Zimermann Abreu
Editoração Eletrônica e Projeto Gráfico
Rejane Rosa
Revisão
Letizia Zini Antunes
Marcela Cristina de Souza
Catalogação na fonte: Universidade de Marília
Biblioteca Central “Zilma Parente”
Índice para catálogo sistemático:
Medicina preventiva 614.44
Epidemiologia 614.44
Zoonoses 614.56
Soerensen, Bruno
Manual de saúde pública / Bruno Soerensen, Kathia Brienza
Badini Marulli - Marília: UNIMAR; São Paulo : Arte & Ciência,
1999.
p.494; 27cm –
ISBN: 85-7473-012-2
I. Soerensen, Bruno II. Marulli, Kathia Brienza Badini III. Manual
de saúde pública IV. Saúde pública
CDD – 614
S618m
E D I T O R A
Editora UNIMAR
Av. Higyno Muzzy Filho, 1001
CEP 17525-902
Tel/Fax: (014) 433-8088 / 433-8691
Internet:http://www.unimar.com.br
BRUNO SOERENSEN
Diretor do Instituto de Pesquisa e Tecnologia da Universidade de Marília – UNIMAR
Professor Titular da Disciplina de Microbiologia do Curso de Medicina da Universi-
dade de Marília – UNIMAR.
Professor Titular da Disciplina de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública
do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Marília – UNIMAR.
Ex-Diretor da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade de Marília – UNIMAR.
Ex-Diretor Geral do Instituto Butantan – São Paulo.
Ex-Diretor da Divisão de Microbiologia e Imunologia do Instituto Butantan – São
Paulo.
Ex-Diretor dos Serviços de Bacteriologia e de Controle e Técnicas Auxiliares do
Instituto Butantan – São Paulo.
Pesquisador Científico Nível VI. Carreira de Pesquisador Científico do Estado de
São Paulo.
Ex-Professor Titular das Disciplinas de Microbiologia e Imunologia I e II, Criação e
Exploração de Animais de Laboratório e Epidemiologia e Saneamento Aplicado do Cur-
so de Medicina Veterinária da Universidade de Marília – UNIMAR.
Ex-Professor Titular das Disciplinas de Laboratório Clínico Veterinário e Higiene
Veterinária e Saúde Pública da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu
– UNESP.
Ex-Professor Titular da Disciplina de Laboratório Clínico da Faculdade de Medicina
de Itajubá – Minas Gerais.
Ex-Instrutor da Cadeira de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina Veteri-
nária da Universidade de São Paulo – USP.
KATHIA BRIENZA BADINI MARULLI
Mestre em Medicina Veterinária Preventiva pela Faculdade de Ciências Agrárias e
Veterinárias da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Jaboticabal
(SP).
Especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina da UNESP – Campus de
Botucatu (SP).
Professora Titular das Disciplinas de Epidemiologia e Saneamento Aplicado e
Imunologia do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Marília – UNIMAR.
Professora Assistente das Disciplinas de Microbiologia I e II e Medicina Veterinária
Preventiva e Saúde Pública do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Marília
– UNIMAR.
Ex-Professora Titular da Disciplina de Epidemiologia do Curso de Medicina da Uni-
versidade de Marília – UNIMAR.
Ex-Diretora do Núcleo de Controle de Zoonoses do Serviço de Saúde de São Vicente
– SESASV.
Ex-Diretora do Núcleo de Vigilância Sanitária do Serviço de Saúde de São Vicente –
SESASV.
Ex-Membro da Equipe Técnica de Vigilância Sanitária do Escritório Regional de
Saúde de Botucatu – Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
Ex-Chefe da Casa da Agricultura de Buri – Secretaria da Agricultura do Estado de
São Paulo.
Dedicatórias
1 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 1
Ao Professor Euclydes Onofre Martins, antigo Diretor da Faculdade de Medicina
Veterinária e Professor Catedrático de Anatomia Patológica da Universidade de São
Paulo, meritoriamente Professor Emérito da Faculdade de Medicina Veterinária da Uni-
versidade de São Paulo e Ex-Diretor da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de
Botucatu (SP), pela competência e integridade de ação sempre demonstradas numa
brilhante trajetória de administrador e de educador.
Ao Professor Expedito Magalhães Ribeiro, pela luta incansável na sua formação
científica iniciando-se como farmacêutico, nosso estagiário no Departamento de Patolo-
gia Clínica do Hospital A. C. Camargo e como nosso estagiário na Divisão de Microbiologia
e Imunologia do Instituto Butantan, São Paulo, como nosso aluno do Curso de Medicina
e, finalmente, com uma brilhante administração, desta vez como Diretor da Faculdade
de Medicina de Itajubá, M.G.
Bruno Soerensen
A meu marido, Enzo Marulli, pelo incentivo, compreensão, carinho e, principalmente,
por me ensinar quais são as coisas realmente importantes na vida, dedico meu amor e
esta obra.
A meus filhos, Enrico e Giancarlo, na esperança de que entendam as horas que
roubei de nossa convivência para dedicar-me aos estudos e ao trabalho.
A meus pais, Esther e Joirdes Badini, que me proporcionaram as condições para me
tornar a pessoa que sou.
Kathia Brienza Badini Marulli
Agradecimentos
1 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 3
À Organização Mundial da Saúde, pela autorização concedida para a utilização do
livro Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales,
de Pedro N. Acha e Boris Zsyfres, referência para as enfermidades citadas no Capítulo
XIV desta obra;
Ao Dr. Márcio Mesquita Serva, Magnífico Reitor da Universidade de Marília, pelo
incentivo ao aprimoramento dos docentes da Instituição;
À Professora Regina Lúcia Ottaiano Losasso Serva, Vice-Reitora da Universidade
de Marília, pelas palavras de estímulo e amizade.
Colaboradores
Andréa Alves Soerensen
1 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 5
Enfermeira com Especialização em Saúde Pública, Chefe do Centro Cirúrgico do Hos-
pital São Francisco de Ribeirão Preto (SP).
Carlos Benedito de Almeida Pimentel
Médico Cardiologista, Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Marília
– UNIMAR – Marília (SP).
Eugênio Raul de Almeida Pimentel
Médico, Professor do Departamento de Dermatologia e Chefe da Cirurgia Dermatológica
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP
- São Paulo (SP).
Jaime Newton Kelmann
Médico Neurologista e Neurocirurgião.
José Augusto Sgarbi
Médico, Professor da Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Medicina de Marília
– FAMEMA – Marília (SP).
José Cezar Panetta
Médico Veterinário, Professor Titular da Disciplina de Higiene dos Alimentos da Facul-
dade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. – USP – São
Paulo (SP). Supervisor de estágio em Psicologia Institucional da UNIBAN – São Paulo.
Luís Carlos de Araújo Lima
Psicólogo, Professor das Disciplinas de Ética e Psicologia Social da UNIBAN e
UNICSUL – São Paulo (SP).
Luiz Antonio Athayde Cardoso
Médico do Departamento de Cirurgia Plástica da Universidade de Campinas –
UNICAMP – Campinas (SP).
Maria Cecília Bruno M. Oliveira
Médica Dermatologista, Professora Titular da Disciplina de Dermatologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de Marília – UNIMAR – Marília (SP).
1 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Maria Cristina Rolim Baggio
Médica, Professora das Disciplinas de Epidemiologia, Saúde Coletiva e Bioestatística da
Faculdade de Medicina de Marília – FAMEMA – Marília (SP).
Marlene Fragoso Nabarro
Graduada em Ciências Jurídicas com Especialização em Saúde Pública pela Faculdade
de Saúde Pública da USP; Educadora da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.
Nádia Maria Gebelein
Médica Anestesiologista, Gerente do Bandeirantes Emergências Médicas de São Paulo.
Roberto Soerensen
Médico Infectologista, Diretor Operacional do São Francisco Resgate de Ribeirão Preto
(SP).
Sebastião Marcos Ribeiro de Carvalho
Professor da Disciplina de Estatística da Universidade de Marília – UNIMAR – Marília
(SP).
Sérgio Antonio Nechar
Médico, Professor da Disciplina de Cirurgia, Chefe de Cabeça e Pescoço e Professor
da Disciplina de Oncologia da Faculdade de Medicina de Marília – FAMEMA – Marília
(SP).
Valéria Pereira
Psicóloga, Professora Universitária e Supervisora de Estágios Clínicos da UNIBAN –
São Paulo (SP). Coordenadora do centro de Psicologia Aplicada da UNIBAN – São
Paulo (SP).
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 7
Sumário
Introdução ........................................................................................................................... 21
I – Noções de Epidemiologia .............................................................................................. 23
II – Elementos de Bioestatística ......................................................................................... 43
III – Saneamento ambiental ................................................................................................ 81
Água ............................................................................................................................... 82
Esgoto ............................................................................................................................ 87
Lixo ................................................................................................................................ 91
Poluição atmosférica...................................................................................................... 94
Contaminação ambiental por gases resultantes da combustão de veículos automotores94
Impacto ambiental causado por siderúrgicas e metalúrgicas ................................... 96
Roedores ........................................................................................................................ 98
Insetos .......................................................................................................................... 101
Carrapatos .................................................................................................................... 105
Morcegos ..................................................................................................................... 106
IV – Nutrição e Saúde Pública .......................................................................................... 111
Produção de alimentos .................................................................................................. 111
Situação nutricional nas Américas ...............................................................................119
V – Higiene de alimentos ................................................................................................... 123
Produtos hortícolas ..................................................................................................... 130
Leite .............................................................................................................................. 137
Carne ............................................................................................................................ 146
VI – Mortalidade infantil ................................................................................................... 163
Mortalidade infantil ...................................................................................................... 163
A importância do leite materno na prevenção de doenças ......................................... 171
VII – Uso abusivo de drogas ............................................................................................ 177
VIII – Saúde mental .......................................................................................................... 195
1 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
IX – Epidemiologia dos traumatismos ............................................................................. 209
Epidemiologia dos traumatismos................................................................................. 209
Repercussões sociais dos acidentes automobilísticos ............................................... 210
Características do atendimento pré-hospitalar.............................................................211
X – Epidemiologia das doenças não-transmissíveis ........................................................ 217
Cardiologia ................................................................................................................... 217
Neurologia .................................................................................................................... 224
Vasculopatias cerebrais oclusivas ............................................................................... 224
Endocrinologia ............................................................................................................. 245
Epidemiologia do câncer.............................................................................................. 253
Câncer cutâneo ............................................................................................................ 268
Dermatite ocupacional ................................................................................................. 270
XI – Imunoprofilaxia ........................................................................................................ 273
Noções de Imunologia ................................................................................................. 273
Imunoprofilaxia ............................................................................................................ 282
Por que falham as vacinas........................................................................................... 285
XII – Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo animais
e seres humanos .......................................................................................................... 291
XIII – Principais enfermidades transmissíveis de importância em saúde pública ..........311
A saúde nas Américas: tendências atuais.....................................................................311
Conquistas da medicina e os novos problemas de saúde pública .............................. 314
1. Bacterioses .................................................................................................................. 318
Cólera ........................................................................................................................... 318
Coqueluche .................................................................................................................. 322
Difteria.......................................................................................................................... 323
Enfermidade de Lyme .................................................................................................. 325
Febre tifóide ................................................................................................................. 327
Meningites .................................................................................................................... 328
Sífilis ............................................................................................................................ 330
Tuberculose ................................................................................................................. 332
2. Viroses .......................................................................................................................... 336
Dengue ......................................................................................................................... 336
Febre amarela............................................................................................................... 338
Febre hemorrágica pelo vírus Ebola ........................................................................... 340
Gastroenterites por rotavírus ...................................................................................... 341
Hepatites virais ............................................................................................................. 343
Influenza....................................................................................................................... 344
Poliomielite ................................................................................................................... 345
Rubéola......................................................................................................................... 349
Sarampo ....................................................................................................................... 350
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) ..................................................... 352
XIV – Zoonoses e enfermidades transmissíveis comuns ao homem e aos animais ...... 359
A saúde do homem depende em grande parte da saúde dos animais ........................ 359
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 9
1. Bacterioses .................................................................................................................. 360
Actinomicose ............................................................................................................... 360
Botulismo...................................................................................................................... 362
Brucelose ...................................................................................................................... 364
Campilobacteriose........................................................................................................ 367
Carbúnculo................................................................................................................... 370
Colibacilose .................................................................................................................. 372
Corinebacteriose .......................................................................................................... 375
Dermatofilose............................................................................................................... 377
Febre por mordedura de rato ...................................................................................... 378
Febre recorrente transmitida por carrapatos .............................................................. 380
Hanseníase ................................................................................................................... 381
Infecção clostridiana de feridas .................................................................................. 383
Intoxicação alimentar clostridiana ............................................................................... 385
Intoxicação alimentar estafilocócica ........................................................................... 387
Leptospirose................................................................................................................. 389
Listeriose ...................................................................................................................... 391
Micobacteriose............................................................................................................. 393
Necrobacilose .............................................................................................................. 395
Nocardiose ................................................................................................................... 397
Pasteurelose ................................................................................................................. 399
Peste ............................................................................................................................. 401
Salmonelose ................................................................................................................. 404
Shigelose ...................................................................................................................... 407
Tétano .......................................................................................................................... 408
Tularemia...................................................................................................................... 410
Yersiniose ..................................................................................................................... 412
2. Viroses.......................................................................................................................... 414
Coriomeningite linfocitária........................................................................................... 414
Ectima .......................................................................................................................... 416
Encefalites .................................................................................................................... 417
Encefalomiocardite ...................................................................................................... 424
Estomatite vesicular ..................................................................................................... 425
Febre aftosa ................................................................................................................. 428
Febre de Ilhéus ............................................................................................................ 430
Raiva ......................................................................................................................431
3. Micoses......................................................................................................................... 437
Epidemiologia das dermatofitoses ............................................................................... 437
Aspergilose................................................................................................................... 440
Candidíase .................................................................................................................... 442
Cigomicose .................................................................................................................. 444
Coccidioidomicose....................................................................................................... 445
Criptococose ................................................................................................................ 447
Dermatomicose ............................................................................................................ 448
Esporotricose ............................................................................................................... 450
Histoplasmose .............................................................................................................. 451
Infecção por algas (Prototecoses) .............................................................................. 453
Rinosporidiose ............................................................................................................. 455
2 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
4. Rickettisioses.............................................................................................................. 456
Febre maculosa ............................................................................................................ 456
Febre Q ........................................................................................................................ 458
Tifo exantemático ........................................................................................................ 459
Tifo murino .................................................................................................................. 461
5. Protozoonoses ........................................................................................................ 463
Amebíase ...................................................................................................................... 463
Criptosporidiose ........................................................................................................... 465
Doença de Chagas ....................................................................................................... 466
Giardíase ...................................................................................................................... 469
Leishmaniose cutânea e visceral ................................................................................. 470
Malária .......................................................................................................................... 472
6. Helmintíases .......................................................................................................... 475
6.1 Trematodíase: esquistossomose ........................................................................... 475
6.2 Cestoidíase: teníase e cisticercose........................................................................ 477
6.3 Nematoidíases ancilostomíase .............................................................................. 479
Ascaridíase................................................................................................................... 481
Estrongiloidose............................................................................................................. 482
Triquinelose ................................................................................................................. 485
7. Enfermidades causadas por artrópodes ............................................................. 489
Sarna zoonótica ........................................................................................................... 489
Tunguíase..................................................................................................................... 491
8. Enfermidade causada por príons ........................................................................ 492
Encefalopatia espongiforme bovina (doença da vaca louca) ..................................... 492
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 1
Introdução
Muito tem sido dito a respeito da “Saúde Pública”, porém tal denominação é empre-
gada com diferentes sentidos. Assim, ao iniciar este “Manual”, torna-se importante de-
fini-la. Pode-se dizer que Saúde Pública é a ciência e a arte de evitar doenças, pro-
longar a vida e promover a saúde física, mental, social e a eficiência, através de
esforços organizados da comunidade para o saneamento do meio ambiente, o con-
trole de infecções na comunidade, a organização de serviços médicos e paramédicos
para o diagnóstico precoce e o tratamento preventivo de doenças, e o aperfeiçoa-
mento da máquina social que irá assegurar a cada indivíduo, dentro da comuni-
dade, um padrão de vida adequado à manutenção da saúde.
De maneira mais simplificada, pode-se dizer que é uma atividade social cujo obje-
tivo é promover e preservar a saúde e, conseqüentemente, o bem-estar da popula-
ção. Cabe à Saúde Pública papel essencialmente operacional para a melhoria da
qualidade de vida na sociedade.
Assim, seus objetivos são:
prolongar o período de vida;
prevenir agravos à saúde;
promover o pleno exercício da capacidade funcional.
A Saúde Pública busca atingir seus objetivos principalmente por meio de medidas
preventivas. A Medicina Preventiva é a aplicação de conhecimentos adquiridos con-
seqüentes ao estudo dos fatores determinantes endógenos, ou do organismo. Faz
a preservação da saúde. É diferente da Medicina Curativa, que toma providências
após a instalação da doença.
São objetivos da Medicina Preventiva:
promoção da saúde;
prevenção da invalidez total (tratamento e reabilitação);
proteção específica.
Enquanto o profissional de Saúde Privada trabalha com indivíduos, geralmente bus-
cando a resolução de um problema único, o profissional de Saúde Pública trabalha com
grupos ou comunidades, buscando alcançar um esforço comunitário organizado a fim de
impedir ou controlar doenças nesta população. O objetivo final de ambos é o mesmo, ou
2 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
seja, interromper o processo de doença, por meio de ação comunitária ou individual.
O profissional de Saúde Pública geralmente desenvolve suas atividades em institui-
ções estatais ou voluntárias. Por isso, muitas vezes está investido de autoridade legal,
podendo utilizar-se desta condição para fazer cumprir suas indicações.
Ao Clínico importa seu paciente, um indivíduo que será tratado para curar-se de
determinada doença e que seguirá prescrições a fim de evitar a ocorrência de invalidez
ou morte. O profissional de Saúde Pública, por meio da Medicina Preventiva, preocupar-
se-á com vários aspectos da prevenção. Seu paciente é, na verdade, toda a comunidade.
Assim, suas orientações serão medidas sanitárias, que atingirão um grande número de
pessoas. Sua maior ‘ferramenta de trabalho’ será a Educação Sanitária, buscando
conscientizar a população a respeito da importância de medidas preventivas como a
vacinação, adoção de hábitos alimentares adequados, realização de exames diagnósti-
cos periódicos e manutenção da higiene pessoal e ambiental, entre outras.
Bruno Soerensen
Kathia Brienza Badini Marulli
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 3
I - Noções de Epidemiologia
Kathia Brienza Badini Marulli
A palavra Epidemiologia deriva de três vocábulos gregos:
EPI – que significa ‘sobre’;
DEMOS – que quer dizer ‘população’ e
LOGOS – que pode ser traduzido como ‘tratado’, ‘estudo’.
Ou seja, Epidemiologia é o ramo da Ciência que estuda o que ocorre sobre a popu-
lação. É o estudo das relações dos diferentes fatores que determinam a freqüência e
distribuição de um processo ou doença numa comunidade.
Deve-se observar que a Epidemiologia, diferentemente da Clínica, preocupa-se com
todas as condições que dizem respeito ao estado de saúde de uma população e não de
indivíduos isolados.
O objeto de estudo da Epidemiologia são as causas da ocorrência de doenças nas
populações e, mediante a obtenção de dados epidemiológicos, torna-se possível a pre-
venção eficaz destas enfermidades.
Assim, por meio da Epidemiologia são conhecidos dados a respeito de determinada
doença, como sua distribuição geográfica, sua ocorrência através do tempo, eventuais
variações sazonais, existência ou não de vetores e reservatórios, espécies suscetíveis,
diferenças de suscetibilidade com relação a idade e sexo, etc.. Portanto, a Epidemiologia
é de fundamental importância para que se consiga um diagnóstico correto e se adotem
medidas profiláticas adequadas que impeçam o agravamento do problema, sendo, por
isso, o principal instrumento da Medicina Populacional, animal ou humana.
É essencial que se saiba, por exemplo, que a Tuberculose afeta todos os mamíferos
domésticos, independentemente de sexo ou estação do ano, porém é mais freqüente em
vacas adultas de raças leiteiras. No caso da Febre Amarela urbana, a transmissão só é
possível na presença do vetor biológico, o mosquito Aedes aegypti. Já para a ocorrência do
Tétano, o solo desempenha o papel de reservatório, denotando a importância dos fatores
ambientais para determinadas doenças. Conhecer as peculiaridades de cada enfermidade é
indispensável, e nisto reside a grande importância da Epidemiologia.
2 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
1. Aspectos históricos
O início da Epidemiologia confunde-se com o princípio da própria Medicina. A partir
do momento em que o homem começou a preocupar-se com as doenças que o acome-
tiam e a tentar desvendar suas causas, estava criada a Epidemiologia.
O homem primitivo, da Era Paleolítica, era inicialmente vegetariano. Com o desen-
volvimento de técnicas de caça e pesca, surge um novo problema: a conservação destes
novos alimentos. Assim, como solução, o homem começa a manter os animais apreendi-
dos vivos, em cativeiro. Com este maior contato, o homem começa, a partir da Era
Mesolítica, a praticar a domesticação dos animais. Com o passar do tempo, vai aumen-
tando o número de pessoas e de animais naquelas comunidades primitivas e, conseqüen-
temente, também cresce a ocorrência de doenças. O homem começa a observar que
alguns dos animais que consegue capturar são mais fracos, provavelmente doentes. A
partir daí, está estabelecido o primeiro fato epidemiológico: o homem primitivo procura
descobrir e explicar as causas das doenças, tenta estabelecer uma relação de causa e
efeito. É o primeiro passo para o desenvolvimento da Epidemiologia.
As doenças estão, nessa época, envoltas numa atmosfera de magia. Assim, acredita-
se, por exemplo, que as almas dos mortos podem ser a causa das enfermidades. Apesar
de algumas tentativas para estabelecer-se relações entre a ocorrência de doenças e a
época do ano, o clima, as fases da lua e o consumo de carnes, as principais explicações
são dadas pelos feiticeiros, que se valem de aspectos religiosos.
Vindos da Assíria, Babilônia, têm-se os primeiros registros conhecidos de Medicina
dos Animais, que estão no Código de Esununna (1900 a.C.), Papiros dos Kahunas (1800
a.C.) e Código de Hammurabi (1700 a.C.).
No Velho Testamento da Bíblia (1500 a.C.) encontram-se diversas regras sanitárias
passadas ao povo como normas religiosas. Além da proibição da utilização da carne
suína na alimentação, pode-se citar como exemplo a indicação existente no Levítico de
que “se um rato cair num vaso de barro, este deverá ser quebrado”. O rato era conside-
rado um animal impuro e os utensílios de barro eram muitas vezes utilizados no preparo
de alimentos ou no transporte de água. Assim, pode-se perceber que os hebreus tinham
conhecimentos sobre a transmissão de doenças e como preveni-las.
Até o século V a.C. as doenças são relacionadas com forças e poderes sobrenatu-
rais. Na obra Ilíada, de Homero, é narrada uma epidemia que assolou a Grécia e que
teria sido causada pela ira de Apolo.
Hipócrates (460-370 a.C.), o pai da Medicina, realiza a observação dos doentes e
afirma que a doença é um fenômeno ordenado, devido a causas naturais. Acredita tam-
bém na influência dos fatores ambientais (“ar, águas e lugares”).
Aristóteles (384-332 a.C.) descreve a ocorrência e o tratamento de doenças dos
animais, inclusive discorrendo sobre a transmissão da Raiva.
Em Roma, Marcus Terentius Varro (117-26 a.C.) acreditava que os causadores das
doenças eram “animálculos invisíveis”, criaturas minúsculas que não poderiam ser vistas
pelos olhos, flutuariam pelo ar e penetrariam no corpo humano através da boca e do
nariz. Defendia também que as terras pantanosas eram insalubres para as habitações
humanas. Nessa época começa o isolamento dos animais doentes do rebanho sadio,
medida imposta pelo governo para controlar surtos de doenças transmissíveis. No pri-
meiro século da Era Cristã, é instituída a quarentena, pelos romanos.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 5
Galeno (130-200 d.C.), na Grécia, afirmava que as doenças aconteciam devido a um
desequilíbrio, acúmulo ou corrosão dos “humores”. Estes “humores”, existentes em to-
dos os indivíduos, também definiam quatro tipos de temperamentos, que seriam sangüíneo,
flegmático, colérico e melancólico; para cada tipo era indicada uma terapêutica diferen-
te. Galeno também estabeleceu que existiam três fatores que determinavam a ocorrên-
cia de epidemias: atmosférico; interno (suscetibilidade) e predisponente (alimentos, água
e costumes). Nessa época, é criado o primeiro serviço de inspeção de carnes, em Roma.
No século V d.C., Publius Vegetius propõe uma série de medidas preventivas, como
separar os doentes das outras pessoas, realizar a limpeza dos ambientes, promover o
enterro dos mortos e fazer a interdição de galpões, currais e bebedouros usados por
animais doentes.
Em 542 d.C., no domínio do imperador romano Justiniano, ocorreu um surto de Peste
Bubônica no Egito, que chegou à Europa. Durante um período, a enfermidade aparente-
mente desapareceu, retornando com proporções catastróficas no século XIV. Sua intro-
dução no continente europeu foi feita por meio de embarcações, nas quais vieram os
ratos oriundos do Oriente Médio, durante e depois das Cruzadas. Uma vez estabeleci-
dos, os roedores difundiram-se dos portos para as cidades em crescimento da Europa,
cujas condições sanitárias eram propícias para sua instalação e proliferação. Quando,
em 1347, chegou a Gênova um navio italiano trazendo a bactéria causadora da doença,
a epidemia começou a alastrar-se. A Peste causou aproximadamente de 25 a 40 milhões
de mortes, o que correspondia ao aniquilamento de cerca de 1/4 a 1/3 da população da
Europa. Epidemias de Peste repetiram-se periodicamente no continente europeu até o
século XVIII.
Durante a Idade Média, a ocorrência da Peste trouxe pânico à população, principal-
mente pelo medo da morte e do “inferno”. Durante a grande epidemia do século XIV, as
pessoas entregavam-se à flagelação, na esperança de combater a doença. Surgiu inclu-
sive a “Irmandade dos Flagelantes”, um grupo de fanáticos que percorria as cidades
praticando a autoflagelação e outras penitências, como tentativa de acabar com a epide-
mia. Estas pessoas entregavam-se à promiscuidade, e sua peregrinação e seus hábitos
ajudaram a disseminar a Peste e outras doenças. Algumas pessoas atribuíam a respon-
sabilidade dos males que estavam ocorrendo aos judeus e começaram a combatê-los
com violência. O imperador e o papa terminaram com estas manifestações. Entretanto,
o desespero das pessoas as levava a rituais demoníacos, com práticas de exorcismo, por
elas acreditarem que os demônios eram os causadores das doenças. Estas pessoas,
geralmente, terminavam nas fogueiras da Inquisição.
Durante o Renascimento, no século XVI, ocorre grande número de casos de Sífilis
(“lues venérea”), causando inúmeras mortes. Esta doença já havia sido relatada na
Bíblia como causadora de 24.000 mortes entre os israelitas.
Em 1546, Girolano Fracastorius (1484-1553) classificou a transmissão das doenças
em três tipos: por contato direto, por fômites e transmissão à distância. Desenvolveu
ainda a idéia do contágio vivo, ou seja, a doença seria transmitida por algo capaz de se
reproduzir.
No século XVII, em 1675, Leeuwenhoek e Jansen criam o microscópio.
Em 1796 é realizada a imunização contra a Varíola. Edward Jenner (1749-1823)
baseou-se numa crença popular de que as pessoas que ordenhavam vacas que apresen-
tavam lesões no úbere, semelhantes às causadas pela Varíola no homem, ficavam livres
2 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
da doença. A partir das lesões de uma ordenhadeira, foi desenvolvida a vacina contra a
Varíola, que obteve ótimo resultado na imunização das pessoas. Esta é considerada a
primeira imunização ativa artificialmente induzida da história da humanidade.
Em Londres, no século XIX, inúmeras epidemias de Cólera grassavam entre a popu-
lação, causando grande número de óbitos. John Snow, no período de 1849 a 1854, desen-
volveu um minucioso trabalho de observação e dedução e estabeleceu a via de transmis-
são hídrica como sendo a principal, possibilitando, dessa maneira, a adoção de medidas
preventivas adequadas e a interrupção da epidemia. Deve-se ressaltar a importância do
trabalho de Snow, principalmente se forem levadas em consideração as dificuldades da
época e o fato que o agente etiológico da doença só foi isolado posteriormente, em 1883.
Também foi de extrema importância o trabalho desenvolvido pelo médico húngaro
Ignaz Semmelweis (1818-1865) a respeito da Febre Puerperal, quando conseguiu, em
1847, diminuir a taxa de incidência desta enfermidade em decorrência da instituição da
obrigatoriedade da higiene e desinfecção das mãos. Antes de adotar tal medida, alunos
do curso de Medicina realizavam autópsias e, em seguida, e sem nenhuma higiene das
mãos, examinavam pacientes internadas na maternidade em que Semmelweis trabalha-
va; os estudantes desempenhavam o papel de veiculadores animados, infectando as
pacientes. Apesar dos resultados obtidos pelo médico, seus colegas da época repudia-
ram a medida profilática. Somente a partir de 1878 a prática da antissepsia, lavagem das
mãos e dos instrumentos cirúrgicos, passou a ser adotada de forma mais ampla. Tam-
bém a partir desta época, teve início o uso de luvas de borracha.
Neste retrospecto histórico, não se pode deixar de mencionar a figura excepcional de
Louis Pasteur (1822-1895), considerado o “pai da bacteriologia”. Além de seus estudos
a respeito da fermentação da cerveja e do leite e do desenvolvimento da técnica da
pasteurização, em 1865, identificou e isolou inúmeras bactérias, dentre elas o Bacillus
anthracis (1881). Desenvolveu vacina contra a Cólera Aviária, a partir de culturas ate-
nuadas de Pasteurella spp. Desenvolveu a vacina anti-rábica (1885), importante passo
na prevenção de enfermidade tão temida até os dias de hoje.
Em 1886, os estudos de Zenker trazem à tona a transmissão de doenças dos animais
para o homem. Ele conseguiu estabelecer a relação entre a Triquinelose humana e a
Triquinelose suína, ressaltando a importância dos alimentos de origem animal como fonte
de doenças para o homem.
Em 1892, Smith, Kilborne e Curtice conseguem provar que a transmissão da Babesiose
é feita por carrapatos, estabelecendo nova forma de transmissão, por meio de vetores.
Não podemos deixar de citar alguns brasileiros extremamente importantes, que atua-
ram na Microbiologia e na Saúde Pública no final do século XIX e início do século XX,
como, por exemplo, Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Emílio Ribas, Adolfo Lutz, Rocha
Lima e Vital Brazil.
Oswaldo Cruz foi o responsável pela erradicação da Febre Amarela no Rio de Janei-
ro, no início deste século, elaborando e executando um rigoroso plano de reforma sanitá-
ria que recebeu a oposição de parte da população.
Devido às inúmeras epidemias que ocorriam nessa época e ao alto custo da importa-
ção de soros e vacinas, tornou-se imprescindível a instalação de um laboratório que
produzisse o soro antipestoso, tarefa realizada na época apenas pelo Instituto Pasteur, de
Paris. Assim, em 1899, foi criado o Instituto Serumtherápico, instalado numa fazenda em
Manguinhos, que daria origem ao Instituto Butantan, em 1901. Neste Instituto, dirigido
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 7
inicialmente por Oswaldo Cruz, foram formados inúmeros pesquisadores brilhantes que
muito contribuíram para a melhoria da saúde dos brasileiros.
Carlos Chagas, que foi um dos discípulos de Oswaldo Cruz, descreveu um novo
parasita, em 1908. Deu a ele o nome de Trypanosoma cruzi; estudou todo o ciclo
evolutivo do agente, bem como o quadro clínico da enfermidade. Descreveu a morfologia
e biologia de novas espécies de protozoários, realizou pesquisas no campo da Entomologia
e participou do combate à Malária no Brasil.
Emílio Ribas, juntamente com Adolfo Lutz e Vital Brazil, participou do controle da
epidemia de Peste Bubônica em Santos (SP), em 1899; realizou pesquisas sobre a Varí-
ola, conseguindo debelar um surto da doença que ocorreu no Estado de São Paulo em
1898. Estudou a transmissão da Febre Amarela demonstrando, em 1903, que o mosquito
era o vetor do agente etiológico, refutando a tese dos “contagionistas”.
Adolfo Lutz identificou, em São Paulo, a Blastomicose Sul-americana. Além de iden-
tificar e debelar surtos de Cólera e de Peste em várias localidades do estado, por meio
de suas pesquisas conseguiu estabelecer a natureza tifoídica das “febres paulistas”.
Dentre as pesquisas realizadas por este cientista brasileiro destacaram-se os estudos
sobre Ancilostomose, Esquistossomose e Leishmaniose.
Foi Rocha Lima o responsável pela identificação do agente etiológico do Tifo
Exantemático, a quem deu o nome de Rickettsia prowazeeki. Em 1927 assumiu o cargo
de diretor do Instituto Biológico, em São Paulo.
Vital Brazil desenvolveu pesquisas sobre ofidismo e outras doenças endêmicas e
epidêmicas que grassavam em nosso meio. Foi o primeiro diretor do Instituto Butantan,
descobriu a especificidade dos soros antiofídicos e, graças ao seu trabalho de difusão do
uso desses soros pelo interior do Brasil, conseguiu diminuir significativamente a mortali-
dade por acidentes ofídicos.
Este panorama geral sobre a história da Medicina e de alguns fatos relevantes para
a Epidemiologia teve como objetivo tecer alguns comentários sobre a evolução dos
conceitos, para que fique mais claro como chegamos ao que somos. Devemos louvar
os nossos novos cientistas, as novas tecnologias, o conhecimento moderno, mas não
podemos esquecer nossas origens. Nada seríamos sem aqueles que nos precederam e
que conseguiram alcançar grandes vitórias com armas primitivas e com um arsenal
muito menor do que o que temos hoje a nossa disposição.
2. Conceitos fundamentais
Forma de ocorrência das doenças
Alguns conceitos são amplamente utilizados em Epidemiologia, a começar pelos que
se referem à forma de ocorrência das doenças. Se imaginarmos quais as possibilidades
de uma enfermidade em relação à determinada população teremos, basicamente, quatro
situações possíveis:
a doença não ocorre naquela população;
a doença ocorre na forma de casos esporádicos;
a doença ocorre em nível endêmico;
a doença ocorre em nível epidêmico.
Se uma enfermidade qualquer ocorre dentro de limites habituais, esperados, numa
2 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
determinada população, pode-se dizer que há uma ENDEMIA (EN=em e
DEMOS=povo). Isto quer dizer que, naquela freqüência, os casos da doença são “nor-
mais”, sempre ocorrem naquela população. Estes limites esperados, “normais”, são es-
tabelecidos por meio de observações e estudos estatísticos, no decorrer do tempo. Quando
a endemia ocorre em uma população de animais, devemos empregar o termo ENZOOTIA.
Entretanto, se o número de casos de uma doença aparecer de forma elevada, sensivel-
mente superior àquele que era esperado, estará caracterizada uma situação de EPIDEMIA
( EPI=sobre, acima). Num local onde determinada doença não ocorre há muito tempo (inci-
dência esperada igual a zero), bastam dois casos confirmados da referida doença para que se
caracterize uma epidemia. As epidemias são restritas a um intervalo de tempo; pode-se dizer
que toda epidemia tem começo, meio e fim. Quando o período epidêmico termina, o número
decasosdaenfermidadepoderetornaraosníveisiniciais,podeficaremumpatamarendêmico
maior ou menor que o inicial ou a enfermidade pode deixar de existir naquela população, ser
erradicada. Para populações de animais, deve-se empregar o termo EPIZOOTIA para de-
signar uma epidemia.
Fig. 1 - Curva epidêmica.
No esquema apresentado na Figura 1, podem-se perceber as fases que compõem
uma epidemia. A fase de progressão é aquela em que ocorre o aumento do número de
casos da enfermidade em estudo. Ela vai do início da epidemia (quando o limite em que
a doença ainda era considerada como endêmica é ultrapassado) até o momento em que
a incidência máxima é atingida. A partir deste momento, o número de casos começa a
diminuir; é a fase de regressão. O período que vai do início da epidemia até o seu final
(abrangendo, portanto, as fases de progressão e regressão) é denominado egressão.
Apesar de as epidemias seguirem sempre o esquema da Figura 1, podem ocorrer
algumas variações, que permitem classificá-las de várias maneiras. Com relação a sua
abrangência, podemos dividi-las em pandemias e surtos epidêmicos. Uma epidemia que
se difunde, abrangendo simultaneamente ou não inúmeras regiões ou países, é denomi-
nada PANDEMIA ( PAN=todo). A pandemia é uma epidemia que atinge grandes ex-
tensões territoriais. É o que ocorre atualmente com a AIDS, por exemplo. Para pandemias
de enfermidades que acometem apenas animais, emprega-se o termo PANZOOTIA.
a b
a- fase de progressão
b- fase de regressão
c- egressão
c
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 9
Já uma epidemia que ocorre numa área restrita, como uma escola ou uma ou poucas
fazendas, é chamada de SURTO EPIDÊMICO. Se imaginarmos que o bolo servido
numa festa de aniversário estava contaminado por toxina estafilocócica, provocando
uma intoxicação alimentar nos convidados que o consumiram, teremos um exemplo de
surto epidêmico.
Uma outra forma de classificar as epidemias é por meio de sua velocidade na etapa
de progressão, ou seja, na fase em que o número de casos está aumentando. Se esta
progressão é rápida, com a incidência máxima de casos sendo atingida num curto espa-
ço de tempo, diz-se que é uma epidemia explosiva ou maciça. É o que acontece,
geralmente, nos casos de intoxicações cujos agentes são veiculados pela água ou ali-
mentos contaminados.
Por outro lado, se a incidência máxima da enfermidade for atingida lentamente, com
os casos se sucedendo vagarosamente, a denominação empregada é epidemia lenta. É
o que acontece quando o agente etiológico da enfermidade tem baixa resistência ao
meio externo ou quando a população atingida é resistente ou imune ao agente em ques-
tão.
De acordo com o mecanismo de transmissão da enfermidade, pode-se classificar a
epidemia em progressiva (ou propagada) ou em epidemia por fonte comum. A epide-
mia progressiva ou propagada é aquela em que a disseminação da doença acontece
em cadeia. A progressão é lenta e o mecanismo de transmissão é de hospedeiro a
hospedeiro. É o caso das epidemias de Sarampo.
Quando não existe o mecanismo de transmissão de hospedeiro a hospedeiro, estamos
frente a epidemias por fonte comum. O agente etiológico é transmitido por meio da
água, dos alimentos, do ar ou por inoculação. A transmissão não precisa ocorrer neces-
sariamente ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Estas epidemias são, geralmente, explo-
sivas e localizadas.
Ao estudarmos epidemias por fonte comum, podemos subdividi-las em dois tipos, de
acordo com a extensão do intervalo de tempo em que a fonte produz efeitos. Assim,
quando a exposição ao agente se dá durante um curto intervalo de tempo e pára, não
tornando a ocorrer, dizemos que é uma epidemia por fonte pontual (ou epidemia
focal). Já se a fonte tem existência dilatada e a população fica exposta a ela por um
longo período de tempo, denomina-se epidemia por fonte persistente. No exemplo
dado acima, de um bolo de aniversário contaminado, teríamos uma epidemia por fonte
pontual (só quem esteve na festa esteve exposto e, com o fim do bolo, a fonte de conta-
minação acabou). Se pensarmos que uma determinada população está recebendo água
de abastecimento contaminada por esgotos, temos um exemplo de fonte persistente.
Epidemiologia das doenças transmissíveis - os elementos
da cadeia epidemiológica
Inicialmente, torna-se necessário apresentar algumas definições, para evitar-se equí-
vocos muito freqüentes no dia-a-dia. Assim, doença infecciosa é aquela “doença clini-
camente manifesta, do homem ou dos animais, resultante de uma infecção” (OPAS,
1992). Define-se infecção como sendo a “penetração e desenvolvimento ou multiplica-
ção de um agente infeccioso no organismo de uma pessoa ou animal” (OPAS, 1992).
Uma infecção pode ou não evoluir para uma doença. A grande maioria das doenças
3 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
conhecidas pode ser incluída no grupo das não-infecciosas crônicas e das infecciosas
agudas.
Doença contagiosa “é uma doença infecciosa cujo agente etiológico atinge os sadi-
os através de contato direto com indivíduos infectados”. Toda doença contagiosa é tam-
bém infecciosa.
Doença transmissível é “qualquer doença causada por um agente infeccioso espe-
cífico, ou seus produtos tóxicos, que se manifesta pela transmissão deste agente ou de
seus produtos, de uma pessoa ou animal infectados ou de um reservatório a um hospe-
deiro suscetível direta ou indiretamente por meio de um hospedeiro intermediário, de
natureza vegetal ou animal, de um vetor ou do meio ambiente” (OPAS, 1992).
Ao tratar-se de enfermidades transmissíveis, é bastante comum a utilização do mo-
delo denominado “cadeia epidemiológica”, no qual cada elemento envolvido está ligado
ao outro como se fossem elos de uma mesma corrente. Estes elementos são o agente
infectante, a fonte de infecção, as vias de eliminação, as vias de transmissão, as portas
de entrada, o suscetível e os comunicantes. A seguir, comentários a respeito de cada um
destes itens.
1. Agente infectante
É o causador da enfermidade (vírus, bactéria, protozoário, etc.), que passará por
cada um dos elos da corrente epidemiológica.
2. Fonte de infecção
Segundo alguns autores, a fonte de infecção é sempre um vertebrado. Entretanto, de
acordo com a Organização Mundial da Saúde, a fonte de infecção é “a pessoa, animal,
objeto ou substância da qual o agente infeccioso passa a um hospedeiro”. É onde o
agente sobrevive e de onde se espalhará.
As principais fontes de infecção são os homens ou animais doentes ou portadores.
Entre os doentes, pode-se ter doentes típicos (aqueles que apresentam o quadro clínico
conhecido de determinada doença); doentes atípicos (o quadro clínico não é caracterís-
tico) e doentes em fase prodrômica (estão na fase inicial da doença; já apresentam
alterações orgânicas, mas ainda não começaram a manifestar os sintomas da doença
que contraíram).
Quanto aos portadores, existem os sãos, os em incubação e os convalescentes.
Portadores sãos possuem o agente etiológico e o transmitem, porém não manifestam a
enfermidade, seja por resistência natural ou por imunidade adquirida. Os portadores em
incubação são aqueles que vão apresentar a doença, tão logo termine o período de
incubação. Os sintomas ainda não apareceram, mas o indivíduo já está eliminando o
agente e contaminando o meio ou infectando novos hospedeiros. Os portadores conva-
lescentes são os que tiveram a doença e já se curaram, mas ainda estão expelindo o
agente. O estado de portador convalescente pode ser temporário ou pode persistir por
períodos longos (neste caso, são denominados portadores convalescentes crônicos).
Recebem o nome de reservatórios, animais de espécie diferente da principal estu-
dada, que permitem a sobrevivência do agente. Por exemplo, ao estudarmos Raiva cani-
na, se um cão atacar outro cão, chamaremos o agressor de fonte de infecção. No entan-
to, se um gato for o agressor, ele será denominado reservatório.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 1
3. Vias de eliminação
É o veículo utilizado pelo agente para sair do hospedeiro, passando ao meio externo.
Para cada agente existe uma via de eliminação de maior importância epidemiológica,
que está intimamente ligada ao tipo de sintomatologia causada por ele. São vias de
eliminação as secreções oro-nasais, as fezes, a urina, o sangue, o leite, o pus, as
descamações cutâneas, dentre outras.
4. Vias de transmissão
É o meio pelo qual o agente etiológico alcança o novo hospedeiro.
4.1. Contágio: é caracterizado pela presença, no mesmo ambiente e ao mesmo
tempo, da fonte de infecção e do novo hospedeiro. Existem dois tipos de contágio, o
direto e o indireto. Quando se trata de contágio direto, existe contato entre superfícies. É
o caso de enfermidades transmitidas por mordedura, arranhadura, contato sexual, beijo,
passagem do agente da mãe para o feto através da placenta, etc.. O contágio indireto
dispensa o contato entre a fonte de infecção e o novo hospedeiro. Neste caso a trans-
missão ocorre por meio de aerossóis, gotículas espalhadas ao falar, tossir ou espirrar
(neste caso, o transmissor e o receptor deverão estar no mesmo ambiente, ao mesmo
tempo) ou por meio de objetos contaminados, como seringas, instrumentos cirúrgicos,
roupas, pentes, escovas ou qualquer outro objeto de uso pessoal. Os objetos contamina-
dos que servem como meio de transmissão recebem o nome de fômites.
4.2. Transmissão aérogena: os agentes estão no ar, em suspensão. Podem ter
sofrido dessecação, podem estar ali por períodos relativamente longos. O que diferencia
este caso da transmissão por contágio indireto é que na transmissão aérogena a fonte de
infecção e o novo hospedeiro não estão no mesmo ambiente ao mesmo tempo. Neste
caso, ocorre a transmissão por aerossóis e por poeiras.
4.3. Transmissão pelo solo: ocorre principalmente no caso de helmintos e
protozoários que, muitas vezes, necessitam do solo para cumprir parte de seu ciclo
evolutivo. O solo desenvolve papel importante na transmissão de enfermidades, pois é
freqüente sua contaminação por excretas de animais e do homem e também pelo lixo. A
contaminação do solo pode se estender aos alimentos nele cultivados, que podem per-
manecer contaminados até o momento da ingestão, sendo mais preocupantes os casos
em que estes alimentos serão ingeridos crus. Pode também ocorrer a infecção do ho-
mem ou de animais que entrem em contato com o solo e, conseqüentemente, com o
agente patogênico que o está contaminando.
4.4. Transmissão por vetores: vetor é um invertebrado que transfere, de forma
ativa, um agente infeccioso de uma fonte de infecção a um hospedeiro suscetível. Exis-
tem dois tipos de vetores, o biológico e o mecânico.
O vetor biológico tem participação ativa na transmissão do agente e é necessário
para a existência da enfermidade, seja porque o agente etiológico necessita do vetor
para cumprir parte de seu ciclo evolutivo, seja porque o vetor é a única ou principal
maneira de o agente alcançar um novo hospedeiro. Se o vetor biológico é erradicado, a
enfermidade deixa de ocorrer. É o caso de doenças como a Dengue e a Febre Amarela.
Já o vetor mecânico faz uma transmissão acidental do agente. Ele não é necessário
para que aquela doença ocorra e, se for destruído, o agente continuará sendo transmitido
3 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
de outras maneiras. Um exemplo de vetor mecânico é a mosca doméstica: ela pode
carregar salmonelas e contaminar alimentos, mas não é essencial ao ciclo desse agente
e, se todas as moscas domésticas fossem eliminadas, a Salmonelose continuaria ocor-
rendo.
Ainda neste item deve ser comentada a existência de hospedeiros intercalados, que são
necessários para o ciclo evolutivo do agente, mas não participam ativamente da transmis-
são (o que os diferencia dos vetores biológicos). O exemplo clássico de hospedeiro interca-
lado é o caramujo do gênero Biomphalaria, necessário para a ocorrência da
Esquistossomose, mas que não transmite o agente de forma ativa.
4.5. Transmissão pela água: inúmeras enfermidades são de veiculação hídrica ou
têm relação com a água, como no caso das doenças transmitidas por vetores, que neces-
sitam dela para desenvolverem seu ciclo evolutivo. Pela sua importância, este tema é
abordado em maiores detalhes no capítulo sobre Saneamento Ambiental.
4.6. Transmissão por alimentos: os alimentos podem ser contaminados em todas
as etapas por que passam, da produção, quando pode ocorrer a contaminação por defen-
sivos agrícolas, por excretas ou pela água de irrigação, até o momento de sua
comercialização. Como no caso da água, este tema é abordado em separado.
5. Portas de entrada
A porta de entrada é o local por onde o agente consegue penetrar no hospedeiro. São
inúmeras as possíveis portas de entrada num organismo: pele, boca, mucosas, trato res-
piratório, etc..
A porta de entrada preferencial de determinado agente está intimamente relacionada
com o tipo de transmissão e com características do próprio agente. No caso da
Leptospirose, por exemplo, as portas de entrada podem ser a boca (no caso da ingestão
de alimentos ou água contaminados) ou a pele (no caso de pessoas que permanecem
muito tempo em contato com água de enchentes, por exemplo).
6. Suscetível
O suscetível é o elo final da cadeia epidemiológica. Ele é o indivíduo que, devido a
inúmeras características – espécie, estado nutricional, estado imunológico, condições de
vida, contato com alguma fonte de infecção – será o novo hospedeiro do agente patogênico
estudado. É aquele que sofrerá a nova infecção.
7. Comunicantes
Os comunicantes, também denominados contatos, são indivíduos que tiveram a pos-
sibilidade de sofrer a infecção, mas que, no momento do estudo, não se sabe se estão ou
não infectados. Muitas vezes, quando se procede à vigilância epidemiológica de um caso
de determinada enfermidade de notificação compulsória, verifica-se que existem outras
pessoas, familiares ou não, que moram na mesma residência do doente e que ainda não
estão apresentando sintomas. Estas pessoas são consideradas comunicantes.
História natural da doença e medidas preventivas
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 3
Para a adoção de medidas preventivas, torna-se necessário o conhecimento prévio
da história natural da doença. A história natural da doença é o conjunto de informações
que temos a respeito da enfermidade: qual o agente etiológico, como é o seu ciclo, qual
o período de incubação, qual (ou quais) é a via de transmissão, existem ou não vetores e/
ou reservatórios, quais são os sintomas, se existem portadores ou não, qual o provável
prognóstico, enfim, todos os fatos que podem ser importantes para quem está estudando
ou tentando controlar determinado agravo à saúde.
Considera-se como história natural o desenrolar da enfermidade, seu “curso”, seu
“comportamento”, sem a interferência do homem. Tendo-se estas informações, é possí-
vel a determinação de quais as medidas preventivas mais adequadas a serem adotadas,
e em que momento.
A história natural da doença divide-se em dois períodos:
• período pré-patogênico: antes do indivíduo adoecer. É o momento em que ocor-
rem interações entre o agente etiológico, o hospedeiro e o meio ambiente, que vão
possibilitar a ocorrência da enfermidade, caso o hospedeiro seja suscetível;
• período patogênico: é aquele em que a doença já está instalada e em andamen-
to, no hospedeiro.
O período patogênico é subdividido em fase patológica pré-clínica (na qual ocorrem
as primeiras alterações), fase clínica (que compreende desde a manifestação dos pri-
meiros sintomas até a doença avançada) e fase residual (ou convalescença, que é o
período subseqüente à doença, fase de restabelecimento da saúde).
Para cada uma das fases da história natural da doença existem medidas preventivas
correspondentes, como se pode observar no Quadro 1.
Quanto às medidas preventivas, são divididas em prevenção primária (empregada no
período pré-patogênico), prevenção secundária (no período patogênico, antes da ocor-
rência de defeitos) e prevenção terciária (no período patogênico, após a ocorrência de
defeitos).
Na prevenção primária, enquadram-se o primeiro nível de prevenção, denominado
promoção da saúde, e o segundo nível de prevenção, conhecido como proteção específica.
O primeiro nível de prevenção utiliza medidas inespecíficas, que não se dirigem a uma
doença em particular, mas que, quando adotadas, melhoram a saúde de uma maneira geral.
Podem-se enquadrar neste nível educação sanitária, alimentação adequada, boas condi-
ções de habitação e emprego, saneamento básico, etc.. Todos estes fatores contribuem
para a melhoria das condições de saúde da população, sem estarem direcionados especifi-
camente contra uma enfermidade.
Já o segundo nível de prevenção, chamado de proteção específica, está visando à
prevenção exclusiva de uma doença (ou um grupo de doenças). É o caso da aplicação
de vacinas ou da profilaxia de determinadas enfermidades por meio do uso de medica-
mentos. Algumas vezes, apesar de serem direcionadas e específicas, as medidas adotadas
podem contribuir para a diminuição de problemas que não os considerados como “al-
vos”.
O terceiro nível de prevenção – diagnóstico e tratamento precoces – é a descoberta
de um problema de saúde em sua fase inicial, quando apenas algumas alterações ocor-
reram. Muitos exames diagnósticos conseguem detectar estas alterações. O ideal seria
que tanto os homens quanto os animais se submetessem a exames de saúde periódicos,
3 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
pois os resultados alcançados com um diagnóstico e um tratamento precoces são sem-
pre melhores.
A prevenção secundária compreende, ainda, o quarto nível de prevenção, denomi-
nado limitação do dano. Neste nível, a doença já se encontra em fase avançada. A
intenção é, então, prevenir a instalação de defeitos, diminuir a gravidade das conseqüên-
cias e evitar o óbito. Também pretende-se que a enfermidade não se propague a outros
indivíduos. Fazem parte do quarto nível de prevenção o tratamento médico e cirúrgico
adequado, a hospitalização, quando necessária, o isolamento e, eventualmente, o sacrifí-
cio de animais doentes.
Quando os defeitos já estão instalados no organismo, lança-se mão do quinto nível de
prevenção (reabilitação). A utilização de próteses, a terapia ocupacional, o treinamento
do deficiente e adequações para que ele tenha boas condições de vida fazem parte deste
nível, e constituem a prevenção terciária.
Pode-se perceber que as medidas preventivas não servem apenas para evitar que
uma doença ocorra. Em todas as etapas do processo pode-se prevenir um desfecho pior.
Com a aplicação destas medidas, pode-se alcançar o controle das doenças, ou seja,
levá-las a um nível em que não sejam mais consideradas um problema de saúde pública.
Melhor ainda é quando se consegue erradicar uma enfermidade, quer dizer, fazer com
que ela seja completamente eliminada de um determinado local, área ou região. Com a
erradicação, a doença deixa de acontecer; não existe mais nenhum caso dessa doença
(incidência zero). Podemos considerar o controle como sendo uma etapa do processo de
erradicação, que seria a fase final e a mais difícil de ser alcançada. Como exemplo,
podemos citar a Varíola (cujo último caso no Brasil ocorreu em 1971), que foi declarada
erradicada pela OMS em 1980.
QUADRO 1- Fases da história natural da doença e níveis de prevenção.
HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA
PERÍODOPRÉ-PATOGÊNICO PERÍODOPATOGÊNICO
Antes do indivíduo adoecer Curso da doença no organismo
Interação de fatores:
agente - hospedeiro - ambiente
Alterações Primeiros Doença Convales-
precoces sintomas avançada cença
Fase de suscetibilidade Fase Fase clínica Fase
patológica residual
pré-clínica
MEDIDASPREVENTIVAS
Prevenção PrimáriaPrevenção Secundária Prevenção
Terciária
1o
Nível 2o
Nível 3o
Nível 4o
Nível 5o
Nível
Promoção Proteção Diagnóstico Limitação do dano Reabilitação
da saúde específica e tratamento
precoces
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 5
Medidas de freqüência das doenças – indicadores de saúde
Se uma pessoa informa a uma autoridade sanitária a ocorrência de 100 casos de uma
determinada doença, pode-se dizer que está ocorrendo uma epidemia? Vamos imaginar
algumas situações:
a) 100 casos de uma determinada doença ocorreram no período de uma semana,
numa mesma cidade;
b) 100 casos de uma doença ocorreram numa mesma cidade, ao longo de um ano;
c) somando-se o número de casos de uma doença em cinco cidades diferentes, no
período de uma semana, obteve-se um total de 100 casos;
d) ocorreram 100 casos de uma doença em uma população de 200 habitantes;
e) ocorreram 100 casos de uma doença em uma população de 200.000 habitantes.
Fica claro que, se alguém fornecer apenas o número de casos que aconteceram, sem
dar maiores informações, nada poderá ser concluído. Cada um dos exemplos acima
constitui um quadro epidemiológico diferente, que deveria desencadear diferentes ações
por parte das autoridades sanitárias do local.
Assim, para que se consiga ter uma real percepção da situação de saúde de uma
população, devem-se quantificar os problemas de saúde que ali ocorrem. As doenças
podem ser “medidas” por meio de vários aspectos: gravidade, duração, freqüência, etc..
Deve ser colhido o maior número de informações possível a respeito do problema de
saúde em questão, como por exemplo:
• características da população afetada (com relação a sexo, idade, raça, profissão,
etc.), para que se possam estabelecer os grupos mais suscetíveis;
• freqüência da enfermidade naquela população ao longo do tempo e no momento
atual, para que se possa comparar e estabelecer a gravidade do problema;
• características da enfermidade ou do agravo em questão, riscos que ele acarreta e
mecanismos de prevenção e controle do problema.
Quando dizemos que ocorreram 100 casos de uma doença, estamos fornecendo um
dado de freqüência da enfermidade, mas em número absoluto. Para que se possa esta-
belecer a significância epidemiológica deste dado e também para que se possam estabe-
lecer comparações com outras populações (ou com a mesma população em épocas
diferentes), deve-se transformar este dado de freqüência da enfermidade num valor
relativo. Para isso são empregados inúmeros indicadores de saúde compostos por índi-
ces, coeficientes, taxas e razões. A seguir, comentaremos um pouco a respeito dos mais
utilizados.
⇒ Morbidade
A morbidade refere-se ao comportamento das doenças e dos agravos à saúde
em uma população exposta. É usada para mensurar a freqüência dos problemas de
saúde na população. Nada mais é do que o número de casos de uma doença (ou
agravo) num determinado período. São fontes de dados de morbidade as notifica-
ções, estatísticas sobre doentes hospitalizados ou atendidos em ambulatórios, regis-
tros dos serviços de assistência médica públicos ou particulares, etc..
3 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Coeficiente de Morbidade = número de casos da doença x 10n
população
⇒ Incidência
Em Epidemiologia, a incidência traduz a idéia de intensidade com que acontece a
morbidade em uma população. É medida mediante o número de casos novos de uma
doença ou agravo registrados na população num determinado período. O coeficiente de
incidência é utilizado para comparar os riscos que duas populações têm de adquirir um
problema de saúde ou como varia o risco numa mesma população no tempo.
número de casos novos (iniciados)
Coeficiente de Incidência = num determinado período numa área x 10n
população exposta ao risco neste
período, na mesma área
Quando se está estudando uma enfermidade infecciosa ou nos casos de investiga-
ções sobre surtos de intoxicação alimentar, o coeficiente de incidência recebe o nome
específico de Taxa de Ataque, sendo calculado da mesma forma.
⇒ Prevalência
“Em Epidemiologia, a prevalência é o termo descritivo da força com que subsistem
as doenças nas coletividades. Consiste no número de casos existentes da doença ou
agravo, novos ou antigos.”
número total de casos
(novos e antigos)
Coeficiente de Prevalência = num determinado período, numa área x 10n
população da área no mesmo período
⇒ Mortalidade
Citaremos, a seguir, os principais indicadores de Mortalidade empregados em
Epidemiologia.
* Mortalidade geral
O coeficiente de mortalidade geral mede o risco que um indivíduo da população corre
de morrer por qualquer causa no período considerado. Este coeficiente geralmente é
utilizado para avaliar o estado sanitário de determinada área.
total de óbitos registrados em certa
área durante um período
Coeficiente de Mortalidade = ( geralmente um ano ) x 10n
Geral população da área no período
Pode-se calcular a mortalidade específica ou proporcional para determinados
parâmetros, como por exemplo, sexo, idade, causas, local, etc., como no seguinte exem-
plo:
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 7
total de óbitos registrados em certa
Coeficiente de Mortalidade = faixa etária durante um período x 10n
por Idade população da mesma faixa
etária no período
* Mortalidade infantil
Mede o risco de morte para criança menor de um ano de idade. É um indicador do
nível de saúde e de desenvolvimento social de uma região.
número de óbitos de menores de 1 ano
em certa área durante um período
Coeficiente de Mortalidade = ( geralmente um ano ) x 10n
Infantil total de nascidos vivos nesta área
durante o período
Considera-se nascido vivo “o produto da concepção que, depois da expulsão ou ex-
tração completa do corpo da mãe, respira ou dá qualquer outro sinal de vida (batimento
cardíaco, pulsações do cordão umbilical, movimentos musculares de contração voluntá-
ria)”.
Considera-se como alto um coeficiente de mortalidade infantil de 50 ou mais para
1.000 nascidos vivos; médio, se ficar entre 20 e 49/1.000 e baixo quando está abaixo de
20/1.000.
Como os riscos de a criança morrer não estão distribuídos igualmente ao longo de seu
primeiro ano de vida, costuma-se subdividir este indicador em dois períodos: neonatal ou
infantil precoce (período que vai do nascimento ao 28o
dia de vida) e pós-neonatal ou
infantil tardio.
* Mortalidade neonatal
Mede o risco da criança morrer nas suas quatro primeiras semanas de vida. Neste
período a morte geralmente está relacionada com agressões sofridas pelo feto durante a
vida intra-uterina ou com condições do parto. As principais causas de óbito são do tipo
endógeno, como anomalias congênitas e afecções perinatais.
Número de óbitos de crianças nas
Coeficiente de Mortalidade quatro primeiras semanas de vida,
Neonatal = na região e período considerados x 1.000
Número de nascidos vivos na
região e período considerados
* Mortalidade pós-neonatal
Mede o risco de a criança morrer após a quarta semana de vida e até completar um
ano de idade. Neste período, geralmente a morte é conseqüência de causas de natureza
ambiental e social (causas exógenas), provocando, por exemplo, gastroenterites, infec-
ções respiratórias e desnutrição.
Número de óbitos de crianças de
Coeficiente de Mortalidade 28 dias até um ano de idade,
3 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Pós-Neonatal = na região e período considerados x 1.000
Número de nascidos vivos na
região e período considerados
* Mortalidade infantil proporcional
Indica a proporção de óbitos de crianças menores de um ano no conjunto de todos os
óbitos.
número de óbitos de menores de 1 ano
Índice de Mortalidade = em certa área durante um período x 100
Infantil Proporcional total de óbitos nesta área
durante o período
* Índice de Swaroop & Uemura
Também denominado Mortalidade Proporcional de 50 anos ou mais é a porcentagem
de pessoas que morreram com 50 anos de idade ou mais em relação ao total de óbitos
ocorridos em uma determinada população. Em países desenvolvidos este índice fica
entre 80 e 90% e, nos subdesenvolvidos, 49% ou menos. Quanto mais elevado este
índice, melhores as condições de saúde e as condições sócio-econômicas do local.
número de óbitos de pessoas com 50 anos
Índice de Swaroop = ou mais em certa área durante um período x 100
& Uemura total de óbitos nesta área
durante o período
* Letalidade
A letalidade mede o poder que uma doença tem de provocar a morte dos indivíduos
que adoeceram por esta doença. Permite avaliar a gravidade da doença.
número de óbitos por determinada
doença em certa área, num determinado
Coeficiente de Letalidade = período de tempo x 100
número de casos desta doença
na mesma área e no mesmo período
OBS: Existem algumas taxas e razões empregadas em estudos demográficos e que
também são utilizadas pela Epidemiologia, como as citadas a seguir:
⇒ Taxa bruta de natalidade
É empregada para acompanhar o que ocorre em uma população, com o passar do
tempo. Auxilia na previsão das necessidades da população como por exemplo o número
de leitos em maternidades para determinada comunidade. A Taxa Bruta de Natalidade
também é denominada Taxa Geral ou Taxa Global de Natalidade.
Número de nascidos vivos na região e
Taxa Bruta de = no período considerados x 1.000
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 9
Natalidade População da região na metade do
período considerado
⇒ Taxa de fecundidade geral
Também denominada Taxa Global de Fecundidade, fornece uma noção mais apropri-
ada da geração de filhos na população do que a Taxa de Natalidade.
Número de nascidos vivos na região
Taxa de Fecundidade = no período considerados x 1.000
Geral Número de mulheres com idade entre
15 e 49 anos daquela região na metade
do período considerado
⇒ Taxa de fecundidade específica por idade
Esta taxa relaciona o número de nascidos vivos de mulheres de determinada faixa
etária com o número total de mulheres desta mesma idade. Seu uso é justificado pela
enorme variação da fecundidade em relação à idade da mulher.
Número de nascidos vivos na região
e no período considerados de
Taxa de Fecundidade = mulheres de uma determinada idade x 1.000
Específica Número de mulheres desta idade
naquela região na metade
do período considerado
⇒ Taxa de fecundidade total
É obtida pela soma das Taxas de Fecundidade Específicas por Idade. É um indicador
muito empregado em comparações populacionais de fecundidade.
Vigilância epidemiológica
De acordo com a Lei no
8.080 de 19 de setembro de 1990, “entende-se por Vigilância
Epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou
prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde
individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de preven-
ção e controle das doenças ou agravos”.
Cada país possui um sistema próprio de notificação de casos e de vigilância às ocor-
rências relacionadas à saúde. O objetivo de todos os sistemas de vigilância é o mesmo
em qualquer parte do mundo: coletar informações de rotina a respeito da situação de
saúde local e transmiti-las para um nível central. Assim, pode-se perceber, que os siste-
mas de Vigilância Epidemiológica estão geralmente organizados em níveis, que se orde-
nam hierarquicamente, da periferia para o nível central.
As informações colhidas pelos sistemas de Vigilância devem auxiliar o gerenciamento
e a avaliação das atividades de saúde de determinada região ou país. Estas informações,
ou dados, após serem colhidos, devem ser consolidados, analisados e divulgados. Para
que se consiga desenvolver um bom trabalho em Vigilância Epidemiológica, um dos
4 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
pontos fundamentais é a conscientização e o comprometimento dos profissionais de
saúde dos diferentes estabelecimentos e níveis envolvidos, no que diz respeito ao preen-
chimento completo e cuidadoso dos formulários utilizados pelo sistema (alguns modelos
são apresentados no Anexo 1).
As fontes de informação para as equipes de Vigilância Epidemiológica são várias:
relatórios produzidos por serviços de saúde privados ou públicos, registros de óbitos,
registros laboratoriais, buscas especiais (buscas ativas de casos), levantamentos
epidemiológicos, investigações de surtos, informações vindas espontaneamente da po-
pulação (muitas vezes por meio de agentes comunitários ou outros grupos preocupados
com saúde).
As principais atividades desenvolvidas pelas equipes de Vigilância Epidemiológica de
um município são o controle das doenças transmissíveis e o desenvolvimento dos progra-
mas de imunização.
Com relação às doenças transmissíveis, existem algumas cuja notificação de casos às
autoridades sanitárias é obrigatória por lei (“doenças de notificação compulsória”). São
doenças de notificação compulsória no Brasil: AIDS, Cólera, Coqueluche, Difteria, Doen-
ça meningocócica e outras meningites, Febre Amarela, Febre Tifóide, Hanseníase,
Leishmaniose, Oncocercose, Peste, Poliomielite, Raiva humana, Sarampo, Tétano, Tuber-
culose e Varíola. Outras enfermidades podem ser de notificação obrigatória em algumas
áreas específicas do território nacional, como é o caso da Leptospirose, que é de notifica-
ção compulsória no Estado de São Paulo.
Devem ser notificados os dados relativos à morbidade (ocorrência de casos suspeitos
e confirmados) e de mortalidade. A notificação (mesmo quando negativa, ou seja, quan-
do nenhum caso de nenhuma das doenças da lista ocorreu) deve ser feita semanalmen-
te. Para facilitar esta notificação, o ano é dividido em 52 semanas, denominadas sema-
nas epidemiológicas. Isso permite a uniformização da identificação dos casos notificados
para fins de registro e tabulação dos dados.
Além do recebimento das notificações, as equipes de Vigilância devem realizar a
chamada “busca ativa de casos”, por meio de visitas diárias aos hospitais do município,
com a intenção de verificar a ocorrência de algum caso de doença transmissível que não
tenha sido notificado. Muitas vezes, quando o caso é apenas suspeito, torna-se necessá-
rio o acompanhamento do indivíduo até que ocorra (ou não) sua confirmação; muitas
vezes, são realizadas inclusive visitas ao domicílio da pessoa em questão. Nesse tipo de
situação, podem ser encontrados outros casos suspeitos (vizinhos, conhecidos ou
comunicantes que estão apresentando sintomas semelhantes). Deve-se realizar, então, a
“investigação epidemiológica”, que inclui o preenchimento de uma Ficha Epidemiológica
para cada caso suspeito. Nesta ficha, tenta-se obter o maior número de informações
possível a respeito da pessoa investigada, como por exemplo, seu tipo de ocupação
profissional, atividades de lazer, provável forma e local de infecção, etc..
Para algumas enfermidades, como é o caso da AIDS, a notificação só é feita após a
confirmação do caso. A confirmação pode ser laboratorial (que é a preferível) ou clíni-
co-epidemiológica (empregada quando não é possível a confirmação laboratorial, por
algum motivo).
Após a confirmação dos casos, deve-se procurar identificar a fonte de infecção, a(s)
via(s) de transmissão, os possíveis contatos e demais casos. Devem-se adotar as medi-
das de controle próprias para a enfermidade em questão, como proceder ao tratamento
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
4 1
dos doentes, à quimioprofilaxia dos comunicantes, à vacinação dos suscetíveis, adotar
medidas relacionadas com o meio ambiente, etc.. Sempre é importante informar a popu-
lação a respeito das formas de prevenção da doença, principalmente quando se trata de
uma situação de epidemia.
Os sistemas de Vigilância devem ser constantemente avaliados, para a detecção de
possíveis falhas e implementação de técnicas ou atitudes que permitam um fluxo de
informações mais rápido, completo e eficiente.
Alguns termos empregados em Vigilância Epidemiológica
* Caso: pessoa ou animal infectado ou doente apresentando características clínicas,
laboratoriais e epidemiológicas específicas (CDC, 1988).
* Caso suspeito: pessoa cuja história clínica, sintomas e possível exposição a uma
fonte de infecção sugerem que o mesmo possa estar ou vir a desenvolver alguma doen-
ça infecciosa (CDC, 1988).
* Caso confirmado: pessoa de quem foi isolado e identificado o agente etiológico ou
de quem foram obtidas outras evidências laboratoriais da presença do agente etiológico,
como, por exemplo, a conversão sorológica em amostras de sangue colhidas nas fases
aguda e convalescente. Esse indivíduo poderá ou não apresentar a síndrome indicativa
da doença causada por esse agente (CDC, 1988).
* Caso-índice: primeiro entre vários casos de natureza similar e epidemiologicamente
relacionados. O caso-índice é muitas vezes identificado como fonte de infecção (CDC,
1988).
* Caso autóctone: caso da doença que teve sua origem dentro dos limites do lugar
em referência ou sob investigação.
* Caso alóctone: o doente, atualmente presente na área sob consideração, adquiriu
a enfermidade em outra região, de onde emigrou. Os casos alóctones são também cha-
mados de casos importados.
* Investigação epidemiológica: estudo realizado, particularmente no caso de do-
enças transmissíveis, a partir de casos clinicamente declarados ou mesmo de portadores,
com a finalidade de detectar as fontes de infecção e permitir a adoção das medidas
profiláticas mais adequadas. Não é um estudo amostral, sendo utilizado na investigação
de casos, de óbitos ou de surtos.
* Inquérito epidemiológico: estudo epidemiológico das condições de morbidade
por causas específicas, efetuado em amostra representativa ou no todo de uma popula-
ção definida e localizada no tempo e no espaço. Estudo levado a efeito quando as infor-
mações são inexistentes ou, se existentes, são inadequadas em virtude de diagnóstico
deficiente, notificação imprópria ou insuficiente, mudança de comportamento
epidemiológico de determinadas doenças, dificuldade na avaliação de cobertura ou efi-
cácia vacinais, etc...
4 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Bibliografia consultada e recomendada
Côrtes, J.A. Epidemiologia:Conceitos e Princípios Fundamentais. São Paulo: Varela, 1993.
Forattini, O. P. Epidemiologia Geral. São Paulo: Livraria Editora Artes Médicas, 1992.
Forattini, O. P. Ecologia, Epidemiologia e Sociedade. São Paulo: Livraria Editora Artes Médicas,
1992.
Leavell, H.R., Clark, E.G. Medicina Preventiva. São Paulo: Ed. McGraw-Hill do Brasil, 1976.
Leser, W., Barbosa, V. Baruzzi, G.R., Ribeiro, M.B.D., Franco, L.J. Elementos de Epidemiologia
Geral. Rio de Janeiro-São Paulo: Livraria Atheneu, 1988.
Oliveira, A. B. A evolução da Medicina até o início do século XX, São Paulo: Livraria Pioneira
1981.
Pereira, M.G. Epidemiologia: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara-Koogan, 1995.
Rouquayrol, M.Z. Epidemiologia e Saúde. Rio de Janeiro: Ed. Médica Científica, 1994.
Schwabe, C.W. Veterinary Medicine and Human Health. 3. ed. Baltimore: Williams & Wilkins,
1984.
Scliar, M. A. Paixão Transformada. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
4 3
II - Elementos de Bioestatística
Sebastião Marcos Ribeiro de Carvalho
1. Conceitos e definições usuais
1.1 Estatística: É o conjunto de métodos utilizados para observar, coletar, organizar
e analisar dados provenientes dos fenômenos coletivos ou de massa (finalidade descriti-
va) e, por fim, investigar a possibilidade de fazer inferências indutivas válidas a partir dos
dados observados e buscar métodos capazes de permitir esta inferência (finalidade indutiva)
(Berquó et al.,1981).
1.2 Bioestatística: Denominamos bioestatística a estatística aplicada às ciências da
vida.
1.3 Quem utiliza a bioestatística?
Entendemos que existem dois tipos de pessoas que utilizam a Bioestatística: o Pes-
quisador e o Usuário da Pesquisa.
1.4 Para o Pesquisador: A bioestatística é uma ferramenta de grande auxilio para
o planejamento de sua pesquisa e para a tomada de decisões, após a análise e
interpretasção dos dados coletados na mesma.
1.5 Para o Usuário da Pesquisa: A bioestatística auxilia-o na leitura e interpreta-
ção dos trabalhoas científicos em geral, necessários para o seu aprimoramento e atuali-
zação profissional.
1.6 Protocolo de Pesquisa (Resolução 196/96 - CNS): Todo trabalho científi-
co tem início mediante um protocolo de pesquisa. A pesquisa pode ser realizada tanto
em animais de laboratório como em seres humanos. Em ambos os casos existe legis-
lação pertinente que deve ser obedecida levando-se em conta a ética e a moral.
1.7 População: Definimos população como o conjunto de elementos que têm ao
menos uma característica em comum.
As populações podem ser finitas, como, por exemplo, os alunos matriculados em uma
determinada escola em um determinado ano, ou infinitas, como, por exemplo, os resulta-
dos obtidos ao se jogar uma moeda sucessivamente. Existem populações que, embora
finitas, são consideradas infinitas para qualquer finalidade prática, como, por exemplo, o
número de cobais existentes no mundo em um determinado momento.
4 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Exemplos: População de alunos de uma escola em um dado ano; as gestantes que
dão à luz em uma maternidade; os animais que foram atendidos na Clínica Médica Vete-
rinária durante um dado ano, etc..
1.8 Amostra: Por definição, entenderemos que amostra é todo subconjunto não vazio
e com menor número de elementos que o conjunto definido como população.
1.9 Parâmetros e estimativas de parâmetros: Denominamos de parâmetros as
medidas estatísticas obtidas com base na população e de estimativas de parâmetros
as medidas obtidas com base na amostra.
1.10 Por que usar amostras? Justifica-se o uso de amostras para realizarmos
investigações científicas tendo em vista o dispêndio de numerário, treinamento de pesso-
al e de tempo se usasse a população e em casos em que a unidade amostral é detruída
após aplicação do tratamento.
1.11 Dado, informação, conhecimento, variável:
Denominamos tecnicamente de dados as informações obtidas com base nos ele-
mentos que constituem a população ou que constituem a amostra.
O dado é a matéria prima para gerar a informação. O inter-relacionamento das
informações resulta no conhecimento, que é usado para orientar a direção das investi-
gações ou das ações.
Praticamente vamos entender variável como toda característica de uma população,
ou amostra, sobre a qual se coleta dados. Como exemplo de variável, temos: o sexo, a
idade, o peso corporal, a saúde, a religião, o grupo étnico, a procedência, e outras.
1.12 Classificação das variáveis: As variáveis podem ser classificadas em cate-
góricas ou qualitativas (nominais e ordinais) e numéricas ou quantitativas (discretas e
contínuas).
1.13 Variável qualitativa nominal: As variáveis qualitativas nominais são aquelas
que podem ser distribuídas em categorias mutuamente exclusivas, como o sexo – mas-
culino e feminino.
1.14 Variável qualitativa ordinal: As variáveis qualitativas ordinais são aquelas
que podem ser designadas em categorias mutuamente exclusivas, mas tais categorias
apresentam um ordenamento natural, como estágio de uma doença – ausente, incial,
moderado, grave.
1.15 Variáveis quantitativas discretas e contínuas: As variáveis quantitativas
podem ser entendidas como discretas ou descontínuas, quando são provenientes de con-
tagens, e contínuas, quando obtidas a partir de mensurações.
São variáveis quantitativas discretas, por exemplo, o número de pacientes presentes
no Ambulatório de um determinado Hospital num determinado dia, o número de RX
tirados nos pacientes em determinada data, o número de hemáceas num determinado
exame patológico; e quantitativas contínuas, por exemplo, peso corporal, idade, pH da
urina, capacidade vital .
1.16 Níveis de mensuração: As variáveis necessitam para a sua compreensão do
nível de mensuração, ou seja, da escala em que foram mensuradas. São quatro os níveis
de mensuração:
i) Nominal: É o nível mais simples de mensuração; consiste na contagem ou enume-
ração de uma variável em suas diversas categorias, as quais são mutuamente exclusivas,
havendo entre as categorias a relação de equivalência entre e dentre as categorias.
A presença do número nessa escala é simplesmente para classificação. Não pode-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
4 5
mos realizar operações aritméticas elementares com esses números.
Exemplo: sexo: masculino e feminino, ou: 0 e 1.
ii) Ordinal ou por postos: A variável é dividida em categorias ordenadas natural-
mente, havendo entre as categorias uma relação de equivalência e uma relação de or-
dem dentre as categorias (maior que ou mais que).
Exemplo: estágio de uma inflamação gengival: sem inflamação, inicial, moderada e
severa, ou 0, 1, 2 e 3, ou ainda, 0, +, ++ e +++.
Neste nível, os números são chamados escores, para os quais também não realiza-
mos operações aritméticas. Eles funcionam como classes, porém com um ordenamento
natural.
iii) Intervalar: É a primeira escala quantitativa; atribui-se à variável um número real
(uma unidade constante e comum de mensuração). Existência de um ponto zero e de
uma unidade de mensuração arbitrários. Apresenta as relações de equivalência dentro
do mesmo valor da escala, a relação de ordem (maior do que ou mais que) entre dois
valores quaisquer e razão conhecida entre dois intervalos quaisquer.
Exemplo: temperatura, altitude, data - todas as variáveis podem ser mensuradas de
modo que o ponto zero e as respectivas escalas sejam arbitrários.
iv) Razão ou proporcionalidade: É a escala que apresenta um zero verdadeiro
(zero significa ausência do que se está mensurando); possui as mesmas características
da intervalar, havendo uma proporção entre dois valores quaisquer. Apresenta as rela-
ções de equivalência dentro de cada valor; a relação de ordem entre dois valores; razão
conhecida entre dois intervalos quaisquer e proporção conhecida (razão) entre dois va-
lores quaisquer.
Exemplo: peso corporal de recém-nascidos, glicemia, capacidade vital, idade.
Neste nível podemos realizar todas as operações aritméticas com os números, os
quais exprimem uma medida.
2. Descrição de dados
Ao realizarmos um estudo estatístico completo de um fato, é necessário desenvolver-
mos diversas fases do método estatístico, sendo as principais: definição do problema,
planejamento, coleta dos dados, apuração dos dados, apresentação dos dados, análise e
interpretação dos dados.
Os dados, após coletados, apurados, organizados e resumidos (mediante contagem e
grupamento), precisam ser apresentados para que possam descrever a população ou
amostra adequadamente, permitindo uma rápida análise do fenômeno em estudo. Pode-
mos descrever os dados por meio de tabelas, gráficos e medidas.
2.1 Descrição tabular de dados
A descrição tabular de dados é uma apresentação numérica dos dados. Dispomos os
dados em linhas e colunas ordenadamente, segundo algumas regras adotadas pelos esta-
tísticos. No Brasil as regras foram fixadas pelo Conselho Nacional de Estatística. Os
conjuntos de dados coletados e sumarizados em tabelas, referentes a qualquer variável,
denominam-se, em estatística, de série estatística. Para diferenciar uma série estatística
de outra, levam-se em conta três características presentes na tabela que as representa:
a época (fator corporal ou cronológico) a que se refere o fenômeno analisado, o local
(fator espacial) onde o fenômeno acontece e o fenômeno (espécie do fato ou fator
especificativo) que é descrito.
4 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Classificamos as séries estatísticas em:
i) Série temporal (cronológica ou histórica): o elemento variável é a época, sendo
fixos o local e o fenômeno;
ii) Série geográfica (territorial ou espacial): o elemento variável é o local, sendo fixos
a época e o fenômeno;
iii) Série específica (categórica): elemento variável é o fenômeno, sendo fixos o local
e a época;
iv) Série mista: combinação de duas ou mais séries de i) a iii) acima.
v) Seriação ou distribuição de freqüências: neste caso particular são fixos todos os
elementos – a época, o local e o fenômeno. A particularidade dessa série é que o fenô-
meno ou fator especificativo apresenta-se por meio de gradações (dados grupados de
acordo com sua magnitude). Os dados são dispostos ordenadamente em linhas e colu-
nas, de modo a permitir a sua leitura tanto no sentido horizontal como no vertical.
A Tabela 1, abaixo, é exemplo de uma série mista (temporal / categórica).
Tabela 1. Evolução do número de empregos nos estabelecimentos de saúde – Brasil, 1980/92.
EMPREGOS 1980 % 1 986 % 1988 1990 1992 1
% Total %
Médicos 146.091 17,87 194.608 18,93 n c n c 297.0762
29,43 637.775 19,72
Odontólogos 16.696 2,04 26.926 2,62 n c n c 37.4533
3,71 81.075 2,51
Enfermeiros 15.158 1,85 27.088 2,63 n c n c 37.4463
3,71 79.692 2,46
Farmacêuticos 4.630 0,57 5.846 0,57 n c n c 6.2333
0,62 16.709 0,52
Nutricionistas 1.930 0, 24 3.189 0,31 n c n c 4.4403
0,44 9.559 0,29
Assist. sociais 4.385 0, 54 7.137 0,69 n c n c 9.2733
0,92 20.795 0,64
Outros nível sup 8.462 1, 03 18.069 1,76 n c n c 34.498 3,42 61.029 1,89
Técnicos/Aux 380.277 46,51 414.059 49,27 n c n c 583.065 57,76 1377.401 42,59
Função Adm. 240.037 29,36 331.197 32,21 n c n c 379.177 37,56 950.411 29,38
Total 817.666 100,00 1.028.119 100,00 - - 1.009.484 100,00 3.234.446 100,00
Fonte: dados, n.0
20, nov.96 - MS(adaptada)
1- Excluídos os empregos em clínicas de complementação diagn/terap.
2- Inclui médicos residentes
3- Estimado a partir do total de empregados “outros de nível superior”
2.1.1 Elementos das tabelas
As tabelas são constituídas pelos seguintes elementos essenciais: título, corpo, cabe-
çalho e coluna indicadora.
a) Título: explica o tipo de dado que a tabela contém, devendo ser colocado no alto
da tabela antes dos dados. Se houver mais de uma tabela devemos numerá-las em or-
dem crescente com algarismos arábicos. Como exemplo temos o título da Tabela 1:
Tabela 1. Evolução dos empregos nos estabelecimentos de saúde – Brasil, 1980/92.
A simples leitura do título indica que é apresentado, na tabela, o número de empregos
de 1980 a 1992.
b) Corpo da Tabela: é o conjunto de linhas e colunas que contém os dados; em cada
casa ou célula – cruzamento de uma linha e de uma coluna está indicada a freqüência
com que a categoria (ou categorias) aparece. Como exemplo, observe o corpo da Tabe-
la 1, o qual apresenta o número 37.4463
na casa ou célula formada pelo cruzamento da
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
4 7
terceira linha e oitava coluna, o qual representa o número de Enfermeiros empregados
nos estabeleciemntos de saúde do Brasil em 1992.
146091 17,87 194608 18,93 nc nc 2970762
29,43 637775 19,72
16696 2,04 26926 2,62 nc nc 374533
3,71 81075 2,51
15158 1,85 27088 2,63 nc nc 374463
3,71 79692 2,46
4630 0,57 5846 0,57 nc nc 62333
0,62 16709 0,52
1930 0,24 3189 0,31 nc nc 44403
0,44 9559 0,29
4385 0,54 7137 0,69 nc nc 92733
0,92 20795 0,64
8462 1,03 18069 1,76 nc nc 34498 3,42 61029 1,89
380277 46,51 414059 49,27 nc nc 583065 57,76 1377401 42,59
240037 29,36 331197 32,21 nc nc 379177 37,56 950411 29,38
Total 817666 100,00 1028119 100,00 - - 1009484 100,00 3234446 100,00
c) Cabeçalho: Especifica a informação (as categorias, as modalidades da variável)
apresentada em cada coluna. Observe o cabeçalho da Tabela 1 destacado a seguir:
EMPREGOS 1980 % 1986 % 1988 1990 1 9921
% Total %
O cabeçalho acima deixa claro que na primeira coluna estão indicados os Empregos.
Nas segunda, quarta, sexta, sétima e oitava colunas são indicadas as freqüências, ou
seja o número de pessoas em cada emprego, e nas colunas terceira, quinta e nona estão
indicadas as porcentagens das pessoas em cada emprego em cada ano estudado, e na
décima primeira coluna estão indicadas as porcentagens de cada emprego em relação
ao total de empregos. Na sexta e na sétima coluna não são apresentadas as respectivas
frequências por não dispormos dos dados.
d) Coluna indicadora: especifica o tipo de informação que cada linha contém.
Como exemplo, mostramos a seguir a coluna indicadora da Tabela 1:
Medicina
Odontólogos
Enfermeiros
Farmacêuticos
Nutricionistas
Assist. sociais
Outros nível sup
Técnicos/Aux.
Função Adm.
Total
Examinando a coluna indicadora da Tabela 1, observa-se que nela é mostrado que da
primeira à nona linha temos dados a respeito de cada profissão ligada à área de saúde, e
que a última linha apresenta dados sobre todas as profissões, ou seja, apresenta o total.
As tabelas podem conter ainda os seguintes elementos complementares: fonte, notas
e chamadas:
e) Fonte: indica a entidade responsável pelo fornecimento dos dados. A fonte é
dada no rodapé da tabela, não se indicando a fonte nos casos em que a tabela é apresen-
tada pelo próprio pesquisador, ou pelo próprio grupo de pesquisadores, ou pela própria
instituição que obteve os dados. Não se indica também a fonte quando os dados são
4 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
fictícios (simulados).
Como exemplo, observando a Tabela 1, temos: Fonte: dados, n.0
20, nov.96 (adapta-
da).
f) Notas: são esclarecimentos de ordem geral, colocadas no rodapé da tabela logo
após a fonte (se houver), que servem para esclarecer o conteúdo das tabelas ou para
explicar o método utilizado no levantamento dos dados. São numeradas em algarismos
arábicos, ou por meio de símbolos gráficos, sendo bastante comum o asterisco.
Observando a Tabela 1, temos:
1- Excluídos os empregos em clínicas de complementação diagn/terap.
g) Chamadas: explicam ou conceituam determinados dados, servem para esclare-
cer minúcias em relação a eles. São numeradas em algarismos arábicos, mas costuma-
se usar também símbolos gráficos ou letras.
Exemplificando, podemos observar na Tabela 1:
2- Inclui médicos residentes
3- Estimado a partir do total de empregados “outros de nível superior”.
2.1.2 Normas para a apresentação de tabelas
a) Nenhuma casa da tabela deve ficar em branco, apresentando sempre um número
ou sinal, a saber:
- (hífen), quando o valor numérico é nulo;
. . . (reticências), quando não se dispõe de dado;
? (ponto de interrogação), quando há dúvidas quanto à exatidão do valor numérico;
§ (parágrafo), quando o dado retifica informação anteriormente publicada;
0; 0,0; 0,00 (zero), quando o valor numérico é muito pequeno para ser expressso pela
unidade utilizada. Se os valores são expressos em números decimais, acrescenta-se o
mesmo número de casas decimais ao valor zero;
x (letra x), quando o dado for omitido a fim de evitar individualização da informação.
b) Em publicações que compreendem muitas tabelas, estas devem ser numeradas em
ordem crescente, em arábico, conforme a ordem de aparecimento.
c) As tabelas devem ser fechadas no alto e embaixo por linhas horizontais, não sendo
fechadas à direita e à esquerda por linhas verticais. É facultativo o emprego de traços
verticais para a separação de colunas no corpo da tabela.
d) O cabeçalho deve ser delimitado por linhas horizontais.
e) Os totais e subtotais serão destacados.
f) Deverá ser mantida uniformidade quanto ao número de casas decimais (Berquó,
1981).
Devemos colocar nas linhas a(s) variável(eis) independente(s) e nas colunas a
variável(eis) dependente(s).
Na Tabela 2 notamos um exemplo de seriação ou tabela de distribuição de freqüên-
cias:
Tabela 2. Pacientes com hipertensão segundo a idade em anos completos.
IDADE Ponto médio da classe xi
Número de pacientes fi
20 [ — 30 25 2
30 [ — 40 35 11
40 [ — 50 45 10
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
4 9
50 [ — 60 55 9
60 [ — 70 65 8
TOTAL 40
Fonte: Montenegro, M.R.G., Incidência e Extensão de Lesões de Arteriosclerose em Aortas e
Artérias Coronárias. Estudo Baseado em 250 casos, tese de livre-docência; Faculdade de Medi-
cina, USP, 1 962. (Berquó et al., 1981, p. 74)
Um tipo de tabela bastante comum na área biológica e na área de saúde é a tabela de
dupla entrada. É utilizada quando necessitamos apresentar, em uma única tabela, mais
de uma série, as quais aparecem conjugadas. Essa tabela é apropriada para apresenta-
ção das distribuições a dois atributos, havendo duas ordens de classificação: uma hori-
zontal (linha) e outra vertical (coluna). Na Tabela 3, abaixo, apresentamos um exemplo:
Tabela 3. Distribuição de casos de Trombose Venosa e controles de acordo com uso de anticon-
cepcionais.
TROMBOSEVENOSA
USODECONTRACEPTIVOSORAIS CASOS CONTROLES
Sim 25 350
Não 5 570
TOTAL 30 920
Fonte: Rouquaryol (1994, p.180)
2.2 Descrição gráfica de dados
Gráficos são figuras que se destinam a dar uma idéia sobre o comportamento de uma
ou mais variáveis. É um método de apresentação de dados estatísticos, que não neces-
sita de explicações adicionais. Os gráficos devem trazer todas as informações necessá-
rias para o entendimento do que se propõe, sendo claros e simples, de forma a permitir
uma perfeita compreensão dos dados apresentados.
Segundo Vieira (1998), todo gráfico deve apresentar título e escala, dispensando
esclarecimentos adicionais no texto. O título pode ser colocado abaixo do gráfico. As
escalas devem crescer da esquerda para a direita e de baixo para cima devem existir
setas indicativas da direção dos eixos. Indicam-se as variáveis representadas na extre-
midade de cada eixo.
Os gráficos serão construídos com base em um sistema de eixos cartesianos ortogonais,
iniciando-se a escala na origem do sistema ou, se for necessário fazer uma interrupção
no eixo, com indicação clara da posição do zero. Devemos observar que não é obrigató-
rio os zeros das escalas coincidirem.
Ao lado do eixo vertical deve ser escrita a legenda relativa ao mesmo. Em baixo do
eixo horizontal deve ser escrita a legenda relativa ao mesmo. As legendas explicativas,
que se fizerem necessárias, devem ser colocadas à direita do gráfico.
Nos gráficos em “colunas” ou em “barras” os retângulos representativos das mes-
mas devem ter a mesma base, de forma que as variações sejam representadas pelas
ordenadas.
Antes de iniciar a construção de um gráfico, deve-se verificar a escala de freqüência
a ser usada levando em conta os valores extremos da distribuição. Quando as freqüên-
cias apresentarem valores extremos muito distanciados, deve-se utilizar a escala
5 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
logarítmica.
Logo abaixo do gráfico deve constar, por exemplo, Figura 1 e o título do mesmo.
Todo gráfico deve ser construído numa escala que não desfigure os fatos ou as rela-
ções que se deseje destacar.
Os gráficos podem ser cartogramas ou diagramas:
i) Cartogramas: mapa geográfico ou topográfico em que as freqüências das catego-
rias de uma variável são projetadas nas áreas específicas do mapa, utilizando-se cores
ou traçados cujos significados constam em legendas anexadas às figuras. Em
epidemiologia, os mapas alfinetados são de grande emprego para apreciar o apareci-
mento e a expansão de certas moléstias.
ii) Diagramas: gráficos em que a magnitude das freqüências é representada por
certa mensuração de uma determinada figura geométrica. Se a medida utilizada for o
comprimento, tem-se o diagrama de ordenadas; se a medida utilizada for a área ou
superfície da figura, têm-se o diagrama de barras, o histograma, setores circulares e
diagramas circulares; quando se usa o volume da figura, temos o estereograma. Na
representação de um diagrama deve ser levada em conta a natureza da variável: quali-
tativa ou quantitativa (Berquó et al., 1981).
a.1) Descrição gráfica de variável qualitativa
Podemos descrever graficamente uma variável qualitativa por meio dos seguintes
gráficos: linear, de ordenadas, de barras, de colunas, de círculos, de setores circulares e
estereogramas.
Diagramas de círculos: às áreas dos diversos círculos devem ser proporcionais as
magnitudes das freqüências.
Diagrama linear: no caso de variáveis qualitativas não se justapõem os retângulos
nem se unem as ordenadas dos diagramas; há, entretanto, um caso que foge ‘à regra
geral’, o das séries históricas (referem-se às divisões do tempo: meses do ano, dias da
semana, ano-calendário), obtendo-se o que denominamos diagrama linear. Nesse caso,
unimos as extremidades das ordenadas por segmentos de retas, obtendo-se uma inter-
pretação dinâmica do fenômeno (Berquó et al., 1981) .
a.2) Descrição gráfica de variável quantitativa
Nas distribuições de freqüências a uma variável quantitativa precisamos fazer a dis-
tinção se a variável é discreta ou contínua.
Nas distribuições discretas os diagramas mais usados são os de ordenadas e os de
barras. Nas distribuições contínuas os gráficos usados são o polígono de freqüências e o
histograma, sendo que o sistema de eixos utilizado é o sistema cartesiano ortogonal,
colocando-se nas abscissas os valores das classes das variáveis em estudo e nas orde-
nadas, os valores das freqüências.
No caso de uma distribuição contínua com classes de intervalos diferentes, precisa-
mos fazer o ajuste das freqüências, pois, caso contrário, a magnitude da figura geométri-
ca não será proporcional à freqüência com que ocorre a variável. O ajuste é feito calcu-
lando-se a densidade de cada classe, que é definida como o quociente entre a frequência
relativa proporcional de cada classe e a amplitude da respectiva classe.
Para representar variável quantitativa temos ainda o polígono de freqüências acumula-
das, no qual o interesse é o do conhecimento da freqüência total dos valores.
Ilustraremos a descrição gráfica de variável qualitativa, a partir da Tabela 4 a seguir:
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
5 1
Tabela 4. Diagnóstico de biópsias de mama, feitas entre 1963 e 1972, inclusive, no H.S.R.J.
Diagnóstico Freqüência
Displasia 1010
Tumor benigno 344
Tumor maligno 329
Inflamatória 54
Outros 288
Total 2.025
Fonte: Vieira (1988, p.34)
Grafico 1. Diagnóstico de biópsias de mama, feitas entre 1963 e 1972,
inclusive, no H.S.R.J.
0
200
400
600
800
1000
1200
Displasia Tumor
benigno
Tumor
maligno
Inflamatória Outros
Diagnóstico
Frequência
Diagnóstico de biópsias de mama, feitas entre 1963 e 1972, no H.S.R.J.
0 200 400 600 800 1000 1200
Displasia
Tumor benigno
Tumor maligno
Inflamatória
Outros
D i a g n ó s t i c o d e b i ó p s i a s d e m a m a , f e i t a s e n t r e 1 9 6 3 e 1 9 7 2 , i n c l u s i v e , n o
H . S . R . J .
T u m o r m a l i g n o
1 6 %
I n f l a m a t ó r i a
3 %
O u t r o s
1 4 %
5 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Diagnósticode biópsiasde mama, feitasentre 1963 e 1972, inclusive, no
H.S.R.J.
0
200
400
600
800
1000
1200
Displasia Tumor benigno Tumor maligno Inflamatória Outros
Para a descrição gráfica de variáveis quantitativas Usaremos a Tabela 2 da página
7.
Tabela 2. Pacientes com hipertensão segundo a idade em anos completos.
IDADE Ponto médio da classe xi
Número de pacientes fi
20 [ — 30 25 2
30 [ — 40 35 11
40 [ — 50 45 10
50 [ — 60 55 9
60 [ — 70 65 8
TOTAL 40
Fonte: Montenegro, M.R.G., Incidência e Extensão de Lesões de Arteriosclerose em Aortas e
Artérias Coronárias. Estudo Baseado em 250 casos. Tese de livre-docência. Faculdade de Me-
dicina, USP, 1962. (Berquó et al., 1981 , p. 74)
Histograma Polígono de frequências
3. Medidas de centralidade ou de posição
Como o próprio nome indica, a medida de centralidade visa a determinar o centro da
distribuição. As medidas de tendência central estabelecem o valor em torno do qual os
dados se distribuem. Dentre as medidas de tendência central destacamos a média ou
média aritmética, a mediana e a moda.
i) Média : x (lê-se x- barra ou x- traço; têm a mesma unidade que os dados).
Definimos a média para dados não-grupados como:
Σ x i
x = —— , onde : x = média; S = soma; xi
= dados; n = n. de dados
n
Exemplo 1: Obter o peso corporal médio de cinco recém-nascidos vivos na Materni-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
5 3
dade do HC, com os pesos corporais de 2.950 g, 2.750 g, 3.500 g, 3.150 g e 3.250 g.
2.950 + 2.750 + 3.500 + 3.150 + 3.250
x = ———————————————————— = 3.120 g
5
Portanto, na amostra estudada, os recém-nascidos vivos apresentavam peso corporal
médio igual a 3.120 g.
Para elementos repetidos ou agrupados, a expressão fica:
Σ xi
fi
x = ——— , onde n = S fi
, i = 1, 2, ... , p
n
ii) Mediana: Md (tem a mesma unidade que os dados).
Definimos mediana de um conjunto ordenado de dados como sendo o valor que divide
o conjunto em duas partes com igual quantidade de dados, sendo que metade dos dados
é inferior ou igual a ela e a outra metade dos dados é superior ou igual a ela.
Se o número de dados é ímpar, a mediana é o valor que ocupa a posição central dos
dados ordenados, ou seja, a posição dada por (n + 1) / 2.
Exemplo 2: Consideremos os dados do exemplo 1 da página 8, verificamos que n = 5
(ímpar). Ordenando-os crescentemente, obtemos: 2.750 g, 2.950 g, 3.150 g, 3.250 g,
3.500 g, como n = 5, a Md ocupa a posição (n+1)/2, ® Posição da Md é: (5+1)/2 = 3a.
posição no conjunto de dados ® Md = 3 150 g
Portanto, metade dos recém-nascidos apresentou peso corporal inferior a 3.150 g, e
metade superior a 3.150 g.
Quando o número de dados é par, a mediana é o valor da média aritmética dos dois
valores que ocupam a posição central dos dados ordenados, ou seja :
x’ está na posição n/2 e x”
está na posição (n+2)/2 ® Md = (x’ + x” ) / 2
Exemplo 3: Acrescentando o valor 3.000g ao conjunto de dados do exemplo 1, obte-
mos: 2.750g, 2.950g, 3.150g, 3.250g, 3.500g , 3.000g , com n = 6 (par).
Ordenando os dados: 2.750g, 2.950g, 3.000g, 3.150g, 3.250g, 3.500g ® temos:
Posição de x’: n / 2 = 6/2 = 3a
posição : x’= 3.000 g
Fig. 2 - Pacientes com hipertensão segundo a idade
em anos completos
Fig. 1 - Pacientes com hipertensão segundo a idade
em anos completos
20 30 40 50 60 70
Idade
(anos)
>
11
10
5
0 >
>
20 30 40 50 60 70
Idade
(anos)
11
10
5
0
>
5 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Posição de x”: (n+2)/2 = (6+2)/2 = 4a
posição : x” = 3.150 g, portanto
Md = (x’ + x”) / 2 = (3.000 + 3.150) / 2 = 3.075 g
Portanto, metade dos recém-nascidos da amostra apresentou peso corporal inferior a
3.075 g, e metade superior a 3.075 g.
iii) Moda: Mo (tem a mesma unidade que os dados).
Definimos moda de um conjunto de dados como sendo o valor que ocorre com maior
frequência.
O conjunto de dados onde não ocorre nenhum valor que se repete maior número de
vezes é chamado amodal. Existem conjuntos de dados com duas ou mais modas, os
quais chamamos bimodal ou plurimodal, respectivamente.
Exemplo 4: No conjunto de valores 6, 7, 8, 4, 6, 8, 9 , temos Mo = 8.
4. Medidas de variabilidade ou de dispersão
As medidas de centralidade dão o valor da abscissa do ponto em torno do qual os
dados se distribuem. Para descrevermos adequadamente uma amostra, é importante
saber, além da medida de centralidade, também a dispersão ou variabilidade dos dados
em relação ao valor central.
Para descrevermos adequadamente uma distribuição de dados, além da medida de
tendencia central, há a necessidade de um índice que resuma a variabilidade ou disper-
são dos dados. Vários índices foram elaborados, dentre os quais destacamos a amplitude
total, a variância, o desvio padrão e o coeficiente de variação.
i) Amplitude total ou range: A (mesma unidade dos dados).
Definimos amplitude total A de uma amostra como sendo a diferença entre o maior
e o menor dado observado.
Exemplo 5: Considerando o peso corporal dos recém-nascidos do exemplo 1, temos
que a amplitude total é : A = 3.500 - 2.750 = 750 g
ii) Variância amostral: s2
(a unidade da variância é o quadrado da unidade dos
dados).
A variância mede a variabilidade ou dispersão dos dados em torno da média e é dada
por:
S ( xi
- x) 2
(1) s2
= ——-—— , o denominador n-1, recebe o nome de
n - 1 graus de liberdade.
Exemplo 6: Consideremos os dados 3, 5, 5, 7 (u). Para determinar a variância amostral
s2
, podemos construir uma tabela com os seus desvios da média amostral. A média
amostral é x = 20/4 = 5.
___________________________
x i
x i
- x (xi
- x) 2
Logo:
___________________________
3 -2 4 s2
= 8 / (4 - 1) = 2,7 (u2
)
5 0 0
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
5 5
5 0 0
7 2 4
______________________________
S x = 20 S(xi
-x)=0 S(xi
-x)2
= 8
______________________________
Para dados repetidos ou agrupados a expressão matemática é:
S (x i
- x) 2
. fi
(2) s2
= ———————— , onde i = 1, 2, ... , n .
n - 1
Desenvolvendo algebricamente (1) e (2), obtemos as fórmulas de uso mais fácil para
quem dispõe de calculadora eletrônica:
S x2
- (S x)2
/ n S x2
. f - (Sx . f)2
/ n
(3) s2
= ——————— , ou (4) s2
= —————————
n - 1 n - 1
iii) Desvio-padrão (unidade é a mesma dos dados).
A variância apresenta a desvantagem de apresentar unidades de medida igual ao
quadrado da unidade de medida dos dados. Em muitas ocasiões precisamos de uma
medida de variabilidade ou dispersão que apresente as propriedades da variância, mas
que tenha a mesma unidade dos dados. Definimos, então, o desvio-padrão como a raiz
quadrada, com sinal positivo, da variância, o qual representamos por s.
Matematicamente: s = Ö ( s 2
)
Exemplo 7: Considerando os dados do exemplo 5, temos que s2
= 2,7 , portanto
s = (2,7)1/2
ou seja, s = √ 2,7 = 1,6
iv) Coeficiente de variação (medida de variabilidade relativa).
Para compararmos duas distribuições de dados quanto à variabilidade, definimos uma
medida de variabilidade relativa, a qual relaciona a grandeza do desvio padrão com a
grandeza da média, denominada coeficiente de variação de Pearson, medida admensional,
expressa em porcentagens:
s
CV = —— .100 %, que independe da natureza e magnitude
x da variável X.
Exemplo 8: Considerando os resultados dos exemplos 6 e 7, temos que:
1,6
CV = ——— x 100 %=32,00 %
5
5. Probabilidade
5.1 Estudo de um fenômeno coletivo
Fenômeno: qualquer acontecimento natural
A sua descrição pode ser realizada mediante um modelo matemático que permite
5 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
explicar da melhor forma possível esse acontecimento.
Tipos de fenômenos:
a) determinísticos: são aqueles que, repetidos sob as mesmas condições iniciais,
conduzem sempre a um só resultado. As condições iniciais determinam o único resultado
possível.
b) aleatórios: são aqueles que repetidos sob as mesmas condições iniciais podem
conduzir a mais de um resultado. As condições iniciais não determinam o resultado do
fenômeno, teoricamente as repetições ocorrem nas mesmas condições iniciais; na práti-
ca isto dificilmente ocorre, porque, mesmo quando procuramos manter as mesmas con-
dições iniciais, pequenas variações certamente ocorrerão. Isto provocará alterações no
resultado final.
Se as alterações forem mínimas, poderão na prática ser desprezadas e podemos
considerar o resultado final único ® fenômeno determinístico.
Se as alterações forem significativas, resultado final imprevisível ® fenômeno
aleatório.
A teoria das probabilidades permite construir modelos matemáticos que explicam um
grande número de fenômenos coletivos e fornecem estratégias para a tomada de deci-
sões.
5.2 Experimento aleatório: é um conjunto de operações destinadas a descobrir,
conferir ou demonstrar um determinado fenômeo aleatório, possuindo as seguintes ca-
racterísticas:
i) repetitividade: pode ser repetido quantas vezes desejarmos sob condições es-
sencialmente iguais;
ii) resultado: não pode ser conhecido a priori, mas pode ser descrito o conjunto de
todos os resultados possíveis;
iii) regularidade estatística: a freqüência relativa de ocorrência de um particular
resultado se aproxima a um valor constante quando o número de realizações do experi-
mento é muito grande; diz respeito à possibilidade da ocorrência dos resultados do fenô-
meno, cuja avaliação numérica dará origem às probabilidades.
5.3 Espaço amostral S: é o conjunto de todos os possíveis resultados do experimen-
to.
Ex: i) Lançamento de uma moeda: S = { c, k }
ii) Lançamento de um dado: S = {1,2,3,4,5,6}
5.4 Evento elementar ou resultado (A): é cada um dos resultados possíveis de
um experimento aleatório.
Ex: Lançamento de um dado: S = { 1, 2, 3, 4, 5, 6 }
A = o resultado é um número par  A = {2, 4, 6}
B = o resultado é par e primo  A = { 2 }
Obs: i) evento vazio ou impossível F: carente de resultados
elementares
ii) evento certo S: o próprio espaço amostral
iii) espaço amostral finito  qualquer conjunto de resul-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
5 7
tados constitui um evento
iv) no nosso curso só consideraremos espaços amostrais
finitos e com seus resultados igualmente possíveis.
5.5 Definição de probabilidade
Seja S um espaço amostral finito e com todos os seus resultados igualmente prová-
veis e seja ainda A um evento de S = { a1
, a2
, a3
, ..., an
}. A probabilidade do evento A,
notada por P(A), é definida por:
n.o
de resultados de A n(A) NCF (n.o
casos favoráveis)
P(A) = ——————————————— = ——— ou P(A) = ————————————
n.o
de resul. do espaço amostral S n(S) NCT (n.o
casos totais)
com as seguintes propriedades:
i) P(f) = 0 ii) P(S) = 1 iii) 0 £ P(A) £ 1 iv) S P(A) = 1
5.6 Probabilidade freqüencialista
Deve ser aplicada quando não se conhece a regularidade dos resultados.
Chamamos de freqüência relativa o quociente entre o número particular de valores
observados e o número total de valores observados.
Este processo baseia-se na evolução da freqüência relativa do resultado ai
, à medida
que o número de repetições do experimento cresce.
Matematicamente:
fi
p(ai
) = lim fr
, onde fr
= ——— , com
n®µ n
i) 0 £ p(ai
) £ 1 e ii) S p(ai
) = 1
5.7 Função de probabilidade: é a maneira de associarmos a cada evento elemen-
tar de S = { a1
, a2
, a3
, ..., an
} a sua possibilidade de ocorrência p(ai
), de modo que:
1. 0 ≤ p(ai
) ≤ 1 e 2. Σ p(ai
) = 1
5.8 Variável aleatória: definimos variável aleatória como o resultado numérico
de um experimento aleatório.
5.9 Cálculo de Probabilidades
5.9.1 Probabilidade do evento complementar:
P(evento complementar) + P(evento) = 1
P(evento compl.) = 1 - P(evento), ou seja (P ~A) = 1 - P(A)
1
Ex.: Ao jogarmos um dado a probabilidade de sair face “1” é P(1) = —
6
A probabilidade de não sair a face “1” é: P(~1) = 1 - P(1) = 1 - 1/6 = 5/6,
5 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Ou seja, P(~1) = 0,8333 ou 83,33%
5.9.2 Probabilidade condicional
P(A∩B) NCF(A∩B)
P (A/B) = ——————— ou P(A/B)= ————————-
P(B) NCF(B)
P(A/B) é a probabilidade de ocorrer o evento A sob a condição de ter ocorrido o
evento B.
Ex: Qual a probabilidade de ter ocorrido a face “5” em um dado que foi jogado e
ocorreu face ímpar?
NCF(5) 1
P(5/Ímpar) = ——————— = ——— = 0,3333 ou 33,33%
NCF(ímpar) 3
5.9.3 Eventos independentes: dois eventos são independentes quando a proba-
bilidade de ocorrer um deles não é modificada pela a ocorrência do outro.
P(A/B) = P(A)
Ex.: A probabilidade de, ao lançarmos uma moeda e um dado, sair cara na moeda
tendo saído face 5 no dado são eventos independentes.
5.9.4 Teorema do produto:
i) A e B independentes : P(A.B) = P(A) . P(B)
Ex.: Um casal têm dois filhos. Qual a probabilidade de um dos filhos ser homem e o
outro mulher?
P(A.B) = P(A) . P(B) = ½ . ½ = ¼ = 0,25 ou 25 %
ii) A e B não independentes: P(A.B) = P(A) . P(B/A)
Ex.: Uma urna contém duas bolas vermelhas e uma branca. Retiram-se duas bolas
da urna ao acaso, uma em seguida da outra e sem que a primeira tenha sido recolocada.
Qual a probabilidade de as duas serem vermelhas?
Solução: P(primeira ser verm.) = 2/3 = 0,6667 ou 66,67 %
P(segunda ser verm./primeira foi verm.) = ½ = 0,50 ou 50%
P(prim.ser verm. e a segunda ser verm.) = P(p.s.v.).P(s.s.v./p.f.v.)=
= 0,6667 x 0,50 = 0,3333 ou 33,33%
5.9.5 Teorema da Soma: P(A ou B) = P(A) + P(B) - P(A e B)
Ex.: Obter a probabilidade de retirarmos uma carta ao acaso de um baralho e a a
mesma ser uma carta de copas ou um rei.
P(carta copas) = 13/52 P(rei) = 4/52 P(rei e copas) = 1/52
P(copas ou rei) = P(carta copas) + P(rei) - P(rei e copas)
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
5 9
P(copas ou rei) =13/52 + 4/52 - 1/52 =16/52 = 4/13 = 0,3077 ou 30,77%
5.10 Média, variância e desvio padrão de uma variável aleatória:
a)Média (Esperança ou valor esperado): µ = E(x) = Σ x . p(x)
b) Variância: Var(x) = σ2
= Σ (x - µ)2
. p(x) = Σ x2
. p(x) - µ2
c) Desvio padrão: σ = [Var(x)]1/2
= (σ2
) ½
5.11 Exemplos:
1. Distribuições de freqüências relativas para um dado, para vários tamanhos de
amostra (uso da tábua de números aleatorios):
Tabela 1. Dist. de frequências relativas para um dado, para vários tamanhos de amostra.
X = n.o
de pontos f/n ; n = 10 f/n ; n = 50 f/n ; n = µ
1 0,10 0,22 1/6=0,167
2 0 0,12 1/6=0,167
3 0,10 0,14 1/6=0,167
4 0,20 0,14 1/6=0,167
5 0,30 0,14 1/6=0,167
6 0,30 0,24 1/6=0,167
1,00 1,00 1,00
Fonte: Wonnacott & Wonnacott (1985, p.40)
2. Suponhamos que p(menino) = p(menina) = 1/2. Faça o gráfico e a tabela da distri-
buição de probabilidades da variável aleatória:
X = número de meninas em uma família com três filhos.
Solução:
Os possíveis valores de X são: 0, 1, 2, e 3 meninas, mas não são todos igualmente
prováveis, o que podemos verificar observando a árvore de probabilidades a seguir:
3.0
2.0
m→ m,m,m→ 1/8
1.0
m
h→ m,m,h→ 1/8
m
m→ m,h,m→ 1/8
h
h→ m,h,h → 1/8
m→ h,m,m→ 1/8
m
6 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
h→ h,m,h → 1/8
h
m→ h,h,m → 1/8
h
h→ h,h,h → 1/8
p(x) . X P(X=x)
3/8 . 0 1/8 = 0,125
2/8 . 1 3/8 = 0,375
1/8 . . . . . 2 3/8 = 0,375
0 1 2 3 X 3 1/8 = 0,125
Figura 1. Distrib. de probab. do número de meninas em uma família com três filhos.
3. Considerando o exemplo 2, pede-se:
a) Qual a chance das meninas estarem em minoria? [p(X £1) =?]
b)Qual a chance de não ter menina na família? [p(X < 1) = ?]
c) Qual a chance de ao menos uma menina?[p(X³ 1)=?]
Solução:
a) p(X £1) = p(X=0) + p(X=1) = 1/8 + 3/8 = 4/8 = ½ = 0,5 = 50 %
b) p(X<1) = p(X=0) =1/8 = 0,1250 = 12,5 %
c) p(X³1) = p(X=1) + p(X=2) + p(X=3) = 3/8 + 3/8 + 1/8 =
= 0,3750 + 0,3750 + 0,1250 = 0,8750
4. A otite média é uma moléstia do ouvido que representa uma das causas mais
frequentes de consulta médica nos primeiros dois anos de vida da criança. Seja X a
v.aleatória que representa o número de otite média nos dois primeiros anos de vida da
criança. Supondo que o número de episódios de otite tenha a distribuição dada na Tabela
2, abaixo (Curi, 1998, p.77):
x 0 1 2 3 4 5 6
p(x) 0,129 0,264 0,271 0,185 0,095 0,039 0,017
Obter: a) número esperado de episódios de otite nos dois primeiros anos;
b) a variância e o desvio padrão da variável aleatória número de episódios de otite
média.
Solução: a) E(X) = 0.(0,129) + 1.(0,264) + 2.(0,271) +...+ 6.(0,017)
E(X) = 2,04 ® Espera-se que uma criança tenha dois
episódios de otite média nos seus dois primeiros anos de vida.
b) Var(X)=02
.(0,129) + 12
.(0,264) + 22
.(0,271)+...+62
.(0,017) - 2,042
= 6,12 - 2,042
Var(X )= 1,96 (episódios de otite)2
σ = (1,96)1/2
= 1,40 episódios de otite
5.12 Importância do desvio-padrão
O Teorema de Tchebyschev estabelece que, para qualquer conjunto de dados, o
>
>
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
6 1
intervalo (‘x - ks , x + ks ) contém pelo menos a proporção (1 - 1/k2
) das observações.
Portanto, podemos concluir que, para qualquer distribuição de probabilidades, temos:
a) A probabilidade de X ter um valor contido no intervalo (‘x - 2σ , x + 2σ ) é maior
ou igual a 1 - 1/22
= 0,75.
b) A probabilidade de X ter um valor contido no intervalo (‘x - 3σ , x + 3σ ) é maior
ou igual a 1 - 1/32
= 0,89.
Para distribuições simétricas de probabilidades, em forma de sino, temos a seguinte
lei empírica:
a) aproximadamente 68% dos valores da variável aleatória situam-se no intervalo
compreendido pelos limites µ - σ e µ + σ ;
b) aproximadamente 95% dos valores da variável aleatória situam-se no itervalo com-
preendido pelos limites m - 2σ e µ + 2σ;
c) aproximadamente 99% dos valores da variável aleatória situam-se no intervalo
compreendido pelos limites µ - 3s e µ + 3s.
Quanto maior for a simetria da variável aleatória X em relação à média, tanto mais
válida será a afirmativa.
6. Distribuições de probabilidades
6.1 Introdução
As distribuições de probabilidades têm utilidade na teoria relativa à Inferência Es-
tatística, metodologia que permite fazer afirmações sobre características de uma po-
pulação, baseando-se em resultados de uma amostra retirada dessa população.
Quando usamos a Estatística na resolução de problemas biomédicos, verificamos
que muitos problemas apresentam as mesmas características, o que nos permite estabe-
lecer um modelo teórico para a determinação da solução destes problemas.
Os principais componentes de um modelo estatístico teórico são:
1. os possíveis valores que a variável aleatória X pode assumir;
2. a função de probabilidade associada à variável aleatória X;
3. o valor esperado da variável aleatória X;
4. a variância e o desvio-padrão da variável aleatória X.
6.2 Modelos teóricos discretos de probabilidades
São modelos para os quais a variável aleatória é discreta, ou seja, os valores que pode
assumir podem ser associados aos números naturais {0, 1, 2, 3, ...}.
Entendemos por distribuição discreta de probabilidades o conjunto de todos os valo-
res xi
, que podem ser assumidos pela variável aleatória discreta X, associados às res-
pectivas probabilidades, sendo S P(xi
) = 1.
Exemplo: Constituem uma distribuição de probabilidades discreta os resultados que
podem ocorrer no jogo de um dado com as respectivas probabilidades.
Variável aleatória binária: é aquela variável aleatória discreta que só assume um de
dois valores possíveis.
Exemplos:
i) Paciente chagásico ou não-chagásico.
ii) Amostra de sangue pode ser do tipo Rh+ ou RH-.
iii) Uma criança pode ter olhos claros ou não.
iv) Uma pessoa pode ser do sexo feminino ou do masculino.
6 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
6.2.1 Média, variância e desvio-padrão de uma variável aleatória
a) Média (esperança) de uma variável aleatória discreta: µx
= Ε(X) = Σ xi
. P(X=xi
)
b) Variância: Var(X) = sx
2
= Σ xi
2
. P(X=xi
) - µx
2
c) Desvio-padrão: σx
= √ Var(X)
6.2.2 Modelo de Bernoulli
Se uma variável aleatória X só pode assumir os valores 0 (fracasso) e 1 (sucesso),
com P(X=0) = q e P(X=1) = p e p + q = 1, em um único experimento, então dizemos que
a variável aleatória X é um experimento de Bernoulli ou que a variável aleatória X
admite Distribuição de Bernoulli.
Descrição do modelo:
1. Os possíveis valores que a variável aleatória X pode assumir são 0 e 1.
2. A função de probabilidade associada à variável aleatória X é P(X=0) = q e P(X=1)
= p.
3. O valor esperado da variável aleatória x é m (X) = p:
—————————————————-
x : 0 1
—————————————————-
P(X=x): q p
—————————————————-
x.P(X=x): 0 p
—————————————————-
m (X) = p
—————————————————-
4. A variância da variável aleatória X é: s2
(X) = p.q e o desvio-padrão da variável
aleatória X é: s (X) = ( p.q ) ½
.
De 3.: E(X) = p ; x2
= 0 ou 1; Σ x2
. P(X=x) = 0 + p, logo E(x2
) = p
Como σ2
(X) = E(x2
) - [E(X)]2
= p - p2
= p(1 - p) ou seja: σ2
(X) = p.q
Logo: σ (X) = ( p.q ) ½
Exemplo:
Experimento: lançamento de uma moeda, a variável aleatória X anota o número de
caras obtidas. Determine a variância e o desvio-padrão da variável aleatória X.
Solução:
Os possíveis resultados de X são 0 e 1, com probabilidades P(x=0)= 1/ 2 e P(X=1) =
1 / 2, logo temos um experimento de Bernoulli.
Portanto: 1. E(X) = m (X) = p = 0,5
2. σ2
(X) = p.q = 0,5 . 0,5 = 0,25
3. σ (X) = (p.q) ½
= (0,25) ½
= 0,5
6.2.3 A Distribuição Binomial
Características:
i) Se no enunciado de um problema, podemos identificar um experimento B, unitário,
que admite somente dois resultados:
S → sucesso, com probabilidade p(S) = p
F → fracasso, com probabilidade p(F) = q,
ii) Se o experimento B for repetido n vezes independentemente (em cada repetição
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
6 3
p(S) = p,p(F)= q ),
iii) Se estamos interessados na ocorrência de x sucessos e (n-x) fracassos, indepen-
dentemente da ordem de ocorrência, então diremos que a v. aleatória X admite distribui-
ção binomial de probabilidades, definida por:
nP(X=x) = ( ) . px
. qn-x
x
Descrição: B ~ (n , p ), onde
n = n.o
repetições
p = probabilidade de sucesso em cada repetição.
1. X = variável aleatória sucesso, com número de sucessos x = 0, 1, 2, 3, ..., n
n2. P(X=x)= ( ).px
.q n - x
, x = número de sucesso em n ensaiosx
3. µ (x) = n.p
4. σ2
(x) = n . p . q
5. σ (x) = v n . p .
Ex.1: Teste de 20 questões, com 5 alternativas, das quais apenas uma é correta. Se o
estudante responder as questões ao acaso:
I) qual é a probabilidade que consiga acertar exatamente 10 questões?
IIi) qual a esperança de acertos?
III) qual a variância dos acertos?
IV) qual o desvio padrão dos acertos?
Solução:
I) E: responder uma questão, com p(s) = 1/5 e p(f) = 4/5, sendo n = 20 repetições
independentes, com 10 sucessos.
20
Como p(X=x) = ( ) (1/5)10
. (4/5)20 - 10
= 0,0020 ou 0,2 %
10
ii) µ(x) = np = 20 x 0,2 = 4 questões
iii) σ2
(x) = npq = 20 x 1/5 x 4/5 = 3,2 (questões)2
iv) σ(x) = √ npq = √ 20 x 0,2 x 0,8 = 1,8 questões
Ex.2: A probabilidade de um menino ser daltônico é 8%. Qual é a probabilidade de
serem daltônicos todos os 5 meninos que se apresentaram, em determinado dia, para um
exame oftalmológico?
Solução:
n = 5 ; p = 0,08 ; q = 1 - 0,08 = 0,92 ; x = 5
n 5
P(X=x) =( ) px
. qn - x
→ p(X=5) =( ). (0,08)5
.(0,92)5-5
= 0,0000032 ou 0,00032 %
x 5
6.3 Modelos teóricos contínuos de probabilidades
São modelos para os quais a v. aleatória é contínua, ou seja, as v. aleatórias assumem
infinitos valores em um dado intervalo.
Os processos definidos a partir de contagens conduzem aos modelos que envolvem
variáveis aleatórias discretas, enquanto os processos definidos a partir de medidas con-
6 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
duzem a modelos que envolvem variáveis aleatórias contínuas.
6.3.1 Função Densidade de Probabilidade
Para descrever a distribuição de probabilidades de uma variável aleatória contínua X,
consideremos a função definida a seguir, denominada função densidade de probabilida-
de, com as seguintes características:
I) f(X) ³ 0
II) P( a £ x £ b ) = área sob a curva de densidade de probabilidade entre as duas
constantes a e b.
III) A área da região compreendida sob o gráfico da função e o eixo Ox é igual a 1.
Observações:
a) P(X=x) = 0, isto é, com uma variável contínua, a probabilidade de X=x é sempre
igual a zero. Somente tem sentido calcular probabilidades em intervalos.
b) Como P(X = a) = P(X = b ), temos: P(a £ x £ b) = P (a < x £ b ) = P (a £ x < b)
= P (a < x < b)
6.3.2 Parâmetros de uma variável aleatória contínua:
a) Média (Esperançaouvaloresperado): µ = E(x) = ¦ x .f(x).d(x)
b)Variância: Var(x) = σ2
= ¦ [x - µx
]2
. f(x) . d(x)
c) Desvio-padrão: σ = [Var(x)]1/2
= (s2
) 1/2
6.3.3 A Distribuição Normal
6.3.3.1 Definição
A Distribuição Normal ou Gaussiana é a mais importante distribuição de v. aleatória
contínua e é básica para o desenvolvimento da inferência estatística.
As medidas biológicas, tais como o peso, altura, pressão sanguínea e outras, tendem
a ter distribuição populacional aproximadamente normal.
Ao estudarmos essas variáveis, com distribuições aproximadamente normal, verifi-
camos que muitos valores concentram-se nas proximidades da média e que, à medida
que se afastam desse valor central, começa a ocorrencia de valores, resultando uma
distribuição simétrica.
i. Definição da f.d.p. :
1 (X - µ)2
f(X) = ————— . e - ——————— ,
para : - ¥ < X < + ¥ ; s > 0
s . ( 2 π)1/2
2 σ²
Notação: X ~ N(µ; s2
)
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
6 5
Parâmetros da distribuição normal: i) a média m e ii) a variância s2
II. Características da Distribuição Normal:
a) a variável aleatória pode assumir qualquer valor real;
b) o gráfico da f.d.p. normal é uma curva em forma de sino, simétrica em torno da
média m, como mostra a Figura 2;
c) a área total sob a curva vale 1, porque essa área corresponde à probabilidade de a
variável aleatória assumir qualquer valor real;
d) como a curva é simétrica em torno da média, os valores maiores do que a média e
os valores menores do que a média ocorrem com igual probabilidade;
e) a configuração da curva é dada por dois parâmetros: a média m e a variância s2
.
Mudando a média, muda a posição da distribuição, como mostra a Figura 3. Mudando a
variância, muda a dispersão da distribuição, como mostra a Figura 4 (Vieira, 1998).
Figura 2. Gráfico da distribuição normal
Figura 3. Duas distribuições Figura 4. Duas distribuições
normais de mesma variância e normais de mesma média e com
com médias diferentes variâncias diferentes
6.3.4 Distribuição Normal Padronizada
Chamamos de distribuição normal padronizada de uma variável aleatória Z uma
distribuição normal de média 0 e variância igual a 1, cuja notação é Z ~ N(0,1).
A vantagem de conhecermos a distribuição normal padronizada é que as probabilida-
des, dadas pelas áreas sob a curva f(Z), são tabeladas. Assim, a partir de uma única
tabela podemos calcular probabilidades para quaisquer variáveis aleatórias X por meio
da transformação Z = ( x - µx
) / σx
, pois:
6 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
µz
= E(Z) = E[( x - µx
) / sx
] = (1/µz
)E(x - µx
) = (1/µz
)[E(x) - E(µx
)] = (1/µz
)(µx
- µx
) = 0
sz
2
= Var(X) = Var [( x - µx
) / σx
] = (1/σx
2
) [ Var(X) - Var(µx
) ] = (1/1/sx
2
)( σx
2
- 0 ) = 1
6.3.5 Uso da Tabela Normal Padronizada
Dentre os tipos de tabelas normais existentes, dependendo da área que elas forne-
cem, o modo de calcular as probalidades nestes elementos será utilizando a tabela que
fornece a área entre Z = 0 e Z1
> 0, conforme Figura 5.
Figura 6. Área entre 0 e Z1
correspondente a P(0< z < Z1
)
Notas:
a) A área total sob a curva normal padronizada = 1
b) Área à direita de 0 (zero) = 0,5
c) Área à esquerda de 0 (zero) = 0,5
d) Área entre 0 e Z1
= P(0 < z < Z1
)
Ex.1: Considere uma população cuja PAM apresenta m = 110 mm Hg e s = 10 mm
Hg. Calcule as probabilidades (Curi, 1998, p.95).
a) PAM entre 110 e 125
b) PAM entre 95 e 105
c) PAM entre 100 e 105
d) PAM > 122
e) PAM < 94
f) PAM no intervalo que inclui dois desvios ao redor da média
g) quais os dois valores da PAM no item f ?
h) qual é o valor da PAM a partir da qual se tem 10% das PAM mais altas?
Solução:
a) P(110<X<125) = P(0< z <1,5) = 0,4332 ou 43,32 %
b)P(95<X<110) = P(-1,5< z <0) = 0,4332 ou 43,32 %
c) P(100<X<105)=P(-1< z <-0,5) = 0,1498 ou 14,98%
d) P(X > 122) = P(z > 1,2) = 0,5-P(0 < z < 1,2) = 0,1151 ou 11,51%
e) P(X < 94) = P(z < - 1,6) = P(z > 1,6) = 0,0548 ou 5,48 %
f) P(m - 2s < X < m + 2s) = P( -2 < z < 2 ) = 0,9544 ou 95,44%
g) x1
= µ - 2σ = 90 e x2
= µ + 2σ = 130 → P(90 < X < 130) = 0,9544 ou 95,44 %
h) Tabela : P(X > Xc
) = 0,10 = P( z > zc
)
P(0 < z < zc
) = 0,40 ® zc
= 1,28 ® zc
= 1,28 = (Xc
- 110)/10
logo: X c
= 122,8 mm Hg, portanto 10% das pressões são superiores a 122,8 mm Hg,
ou seja
P( X > 122,8 ) = 0,10.
7. Métodos de inferência
7.1 O que é teste de hipóteses?
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
6 7
é realizada com auxílio de testes estatísticos.
Segundo Vieira (1984), é importante que o pesquisador tenha em mente o que um teste
estatístico pode fazer por ele. O teste responde à pergunta: “O que causou a diferença?”.
No entanto é este o ponto que o pesquisador deve atingir: explicar a diferença. É importan-
te deixar bem claro que a conclusão de causa é baseada não no teste estatístico, mas no
planejamento correto do experimento. Deve ficar claro que um teste estatístico não indica
a causa da diferença, o teste estatístico informa se a diferença é significante, ou seja, se é
pouco provável que a diferença tenha ocorrido por acaso.
A Estatística têm como um dos seus principais objetivos a tomada de decisões a
respeito da população, com base na observação de amostras, ou seja, a obtenção de
conclusões válidas para toda a população com base em amostras retiradas dessa popu-
lação.
Para tomarmos decisões para toda a população, formulamos hipóteses relativas a
elas, as quais denominamos hipóteses científicas. Essas suposições, que podem ser ver-
dadeiras ou não, em termos estatísticos são chamadas hipóteses estatísticas e consis-
tem, em geral, em considerações a respeito das distribuições de probabilidade das popu-
lações (Banzatto & Kronka, 1989).
Os processos que nos permitem decidir se aceitamos ou rejeitamos uma determinada
hipótese, ou se a amostra observada difere significativamente dos valores esperados,
são denominados de testes de hipóteses.
Exemplo 1: “Uma área de grande interesse na pesquisa médica é verificar a influên-
cia familiar em fatores de risco cardiovascular em geral e níveis de lipídios, em particu-
lar. Suponha que a média de nível de colesterol em crianças seja de 175 mg%/ml. Sepa-
rando um grupo de homens com algum episódio da doença cardíaca são anotados os
níveis de colesterol de seus filhos. A hipótese do pesquisador é que ‘pais com doença
cardíaca no passado devem ter filhos com colesterol mais elevados’” (Curi, 1997).
7.2 O que são hipótese nula e hipótese alternativa? Como determinar qual é
qual?
Em termos estatísticos a hipótese científica é desdobrada em duas hipóteses estatís-
ticas: uma hipótese inicial que formulamos denominada de hipótese de nulidade e deno-
tada por H0
e uma outra denominada de hipótese alternativa e denotada por H1
ou Ha
.
Ao formularmos uma hipótese estatística Ho
, o nosso objetivo é rejeitá-la. Admitindo
essa hipótese Ho
como verdadeira, se verificarmos que os resultados obtidos em uma
amostra diferem acentuadamente dos esperados para essa hipótese, com base na teoria
das probabilidades, podemos concluir que as diferenças observadas são significativas, e
rejeitamos a hipótese de nulidade em favor de uma outra denominada Ha
.
Para determinarmos qual é a H0
, formulamos a hipótese de nulidade Ho
, em geral,
como a negação da hipótese científica formulada pelo pesquisador, sendo que a hipótese
alternativa Ha
, em geral, coincide com a proposta pelo pesquisador (Curi, 1997).
Portanto, testar hipóteses consiste em decidir a respeito de duas situações possíveis:
ou H0
é verdadeira ou H1
é verdadeira. Para maior facilidade de interpretação e nota-
ção, faremos referencia sempre à hipótese nula H0
.
A aceitação de H0
implica na rejeição de H1
e, caso contrário, a rejeição de H0
representa a aceitação de H1
.
Exemplo 2. Levando-se em conta o exemplo 1 da questão 1, em termos estatísticos a
hipótese científica é formulada como:
6 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
H0
: não existe diferença dos níveis de colesterol quando se comparam filhos de pais
com antecedentes de doença cardíaca e as crianças em geral.
Ha
: pais com doença cardáca no passado devem ter filhos com colesterol mais eleva-
do.
Ou seja:
H0
: o nível médio de colesterol de filhos de pais com antecedentes cardíacos é 175
mg%/ml.
Ha
: o nível médio de colesterol de filhos de pais com antecedentes cardiacos é maior
que 175 mg%/ml.
7.3 O que são erro tipo I (erro a) e erro tipo II (erro b)?
A tomada de decisões a respeito da população será sempre com base na observação
de amostras retiradas dessa população, portanto estaremos expostos a cometer erros.
No caso os erros são de dois tipos: rejeitar H0
quando H0
é verdadeira ou aceitar H0
quando na realidade essa hipótese é falsa.
A probabilidade de rejeitar H0
quando H0
é verdadeira é a chamada probabi-
lidade de erro Tipo I, a qual indicamos por a, e corresponde ao nível de
significância do teste.
A probabilidade de aceitar H0
quando falsa é a chamada de probabilidade de
erro Tipo II, a qual indicamos por b.
Estado da Natureza
Decisão H0
é V H0
é F
Aceita-se H0
Decisão correta Erro tipo II = b
Rejeita-se H0
Erro tipo I = a Decisão correta
Esses dois tipos de erros, Tipo I e Tipo II, estão de tal forma associados que, se
diminuirmos a probabilidade de ocorrência de um deles, automaticamente aumentamos a
probabilidade de ocorrência do outro.
Na prática procede-se de maneira que o erro Tipo I seja o mais importante de ser
evitado, as hipóteses são formuladas de modo tal que H0
seja a hipótese cuja rejeição
injusta constitua o erro de maior importância (Carvajal, 1986).
Exemplo 3.
Utilizando as hipóteses estatísticas do Exemplo 2, podemos enunciar os dois erros
como:
Erro Tipo I: concluir que o nível médio de colesterol de filhos de pais com anteceden-
tes cardíacos difere da média de referência, 175 mg%/ml, quando na verdade isto não
ocorre.
Erro Tipo II: concluir que o nível médio de colesterol de filhos de pais com anteceden-
tes cardíacos não difere da média de referência, 175 mg%/ml, quando na verdade ele
difere.
Devemos observar que cometer o erro do Tipo I ou o erro do Tipo II sempre implica
prejuízos monetários e não monetários.
7.4. O que significa poder de um teste?
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
6 9
O poder de um teste é definido como o complemento da probabilidade de erro Tipo II
= b (aceitar a hipótese de nulidade quando na realidade H0
é falsa), ou seja, PODER =
1 - b. O poder de um teste corresponde à probabilidade de rejeitar H0
quando
H0
for falsa.
7.5 O que são testes monocaudais e testes bicaudais? Quais as implicações
do uso de um e de outro?
Os testes monocaudais de uma distribuição de probabilidades se referem a testes de
hipóteses para as quais a hipótese alternativa Ha
define uma mudança da hipótese nula
em alguma direção.
Os testes bicaudais de uma distribuição de probabilidades é um teste onde a hipótese
alternativa define uma mudança da hipótese nula sem especificar nenhuma direção.
Exemplo 4. (vide também exemplo 5)
Testes para a média:
Seja uma Distribuição de Probabilidades Normal de média m e desvio-padrão s.
Temos três alternativas para testarmos valores de m em relação a m0
(sob a H0
).
Assim teremos os testes:
i) H0
: m = m0
contra m > m0
ii) H0
: m = m0
contra m < m0
Em ambos os casos i) e ii) acima, diremos que o teste é unicaudal, e
iii) H0
: m = m0
contra m ¹ m0
, o qual é denominado teste bicaudal.
7.6 O que significa nível de significância de um teste de hipótese?
Ao valor a chamamos de nível de significância do teste, que consiste na proba-
bilidade máxima com que nos sujeitamos a correr o risco de cometer um erro do Tipo I
(rejeitar uma hipótese H0
verdadeira, que deveria ser aceita) ao testarmos uma dada
hipótese H0
. Na prática, é comum (embora não seja obrigatório) fixarmos o nível de
significância em 5% ou em 1%, isto é a = 0,05 ou a = 0,01. Se por exemplo, for escolhido
o nível de 5% (a = 0,05), isto indica que teremos 5 possibilidades em 100 de que rejeite-
mos a hipótese H0
quando ela deveria ser aceita, ou seja, existe uma confiança de 95%
de que tenhamos tomado uma decisão correta (Banzatto & Kronka, 1989).
Exemplo 5.
Suponhamos que o nível médio de colesterol de 16 crianças seja 193 mg%/ml e que
a população originária da amostra apresente nível de colesterol de 175 mg%/ml com
desvio-padrão de 50 mg%/ml. Adotando o nível de significância de 5% (a = 0,05), testar
as hipóteses:
i) a média da população neste grupo é superior à da população em geral (teste
unicaudal), e
ii) a média da população neste grupo é diferente à da população em geral (teste
bicaudal).
7.7 O que significa grau de confiança de um teste?
Ao valor 1 - a, expresso em porcentagem, denominamos de grau de confiança
do teste, isto é, este valor indica a confiança que temos de ter tomado uma decisão
correta ao rejeitar a hipótese H0
.
7 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
7.8 Como tomar decisões com auxilio da estatística?
Estabelecido o nível de significância, escolhemos o teste apropriado para a tomada
de decisão. Existe hoje grande variedade de testes à disposição dos interessados; todos
têm indicação precisa e todos têm vantagens e desvantagens. Então, a escolha do teste
exige conhecimento de estatística. Se houver necessidade, o pesquisador deverá solici-
tar o auxílio de um estatístico para esta escolha.
Escolhido o teste de hipótese para aplicar aos seus dados, o pesquisador deve, logo a
seguir, determinar qual a distribuição amostral da estatística da prova, por exemplo: z, t,
c2
, F e outras, todas elas distribuições teóricas.
Realizado o teste, obtemos um valor numérico e, com base nesse valor, decide-se
se a hipótese de nulidade deve ser rejeitada no nível de significância estabele-
cido. O pesquisador deve, então, discutir esta informação (Vieira, 1997).
Segundo Mattar (1997), uma vez selecionadas as hipóteses a serem testa-
das, o próximo passo é a coleta de dados empíricos que, analisados, permitirão
mantê-las ou rejeitá-las. Para poder atingir o objetivo de manutenção, revisão ou
rejeição de determinada hipótese, é necessário ter-se procedimentos bem definidos e
objetivos para a realização do teste, que compreendem:
1. Estabelecer a hipótese nula H0
e a hipótese alternativa H1
, tendo em vista a hipó-
tese da pesquisa;
2. Selecionar o teste estatístico adequado;
3. Estabelecer um nível de significância;
4. Determinar ou assumir a distribuição amostral da prova estatística sob a hipótese
nula H0
;
5. Com base em 1, 2, 3 e 4 definir a região de rejeição da hipótese nula H0
;
6. Calcular o valor da prova estatística a partir dos dados da(s) amostra(s);
7. Tomar a decisão quanto à aceitação ou rejeição da hipótese nula H0
.
Devemos observar que a hipótese nula H0
é a hipótese de negação do fenômeno em
estudo. A hipótese nula é formulada com o objetivo único de ser rejeitada. A alternativa
H1
é o oposto de H0
e corresponde a hipóteses do pesquisador.
A escolha adequada de um teste estatístico depende do tipo de variável em
estudo e da escala de mensuração utilizada, podendo ser um teste paramétrico
ou um não-paramétrico. Quando houver mais de um tipo de teste que possa ser apli-
cado à situação, devemos escolher aquele que tiver o maior poder. Devemos também
levar em conta, ainda, se o teste escolhido for não-paramétrico, o tipo de dados a serem
analisados – nominais ou ordinais – pois temos testes apropriados a cada tipo de variá-
vel. Se os dados forem medidos na escala intervalar ou na escala de razão, devemos
utilizar o teste paramétrico adequado. Finalmente, devemos levar em conta se se trata
apenas de dados de uma amostra, de duas amostras relacionadas e não-relacionadas ou
de várias amostras relacionadas ou não-relacionadas.
Segundo Mattar (1997, p.203-adaptado), no Quadro 2, apresentamos o tipo de teste
adequado segundo os métodos estatísticos, os níveis de mensuração utilizados para os
dados e o número de amostras e o seu relacionamento.
Quadro 2. Métodos de inferência – testes estatísticos apropriados segundo os méto-
dos estatísticos, as escalas (níveis) de mensuração e o número de amostras e o seu
relacionamento.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
7 1
Método Escala de TESTES DE INFERÊNCIA
mensuração Uma Duas amostras Várias amostras
da variável amostra Relacionadas Não-relac. Relac. Não-relac.
Paramé- Intervalar z t Diferença de Análise de
trico ou de Razão t médias Variância
z
t
Regressão
Não-Pa- Nominal Binomial McNemar χ2
duas Cochran Q χ2
várias
ramétrico amostras amostras in-
dependentes
Ordinal Kolmogorov- Wicoxon Mediana Análise de Mediana -
Smirnov Mann-Whit- Variânciaem várias amos-
ney U em duas tras indepen-
Kolmogorov direções de dentes
- Smirnov Fri-edman Análise de
Variância
numa dire-
ção de Krus-
kal-Wallis
8. Diferenças estatísticamente significantes e diferenças relevantes nas Ci-
ências da Saúde
A significância estatística dos resultados diz respeito apenas no nível
probabilistico de acerto das conclusões, não sendo lícito retirar daí nenhuma im-
portância científica do achado (Oliveira, 1995).
O termo “significativo” tem o sentido geral de “expressivo” e o sentido particular que
lhe é dado em estatística: “de probabilidade de um evento ocorrer por chance”. Para tal,
fixa-se o valor de alfa (a), em 0,05, na maioria das vezes. Em pesquisas, “significativo”
tende a ser usado apenas com a conotação específica, própria da estatística (Pereira,
1995).
“Uma diferença estatísticamente significativa, mesmo com um alfa (a) muito
pequeno, não quer dizer que a diferença seja clinicamente importante. Por exem-
plo, um valor a < 0,000 1, se emergir de um estudo bem delineado, transmite alto grau de
confiança de que uma diferença realmente existe. Porém, esse valor alfa (a) nada nos
diz sobre a magnitude de tal diferença ou de sua importância clínica. De fato, diferen-
ças absolutamente triviais podem ser altamente significativas do ponto de vista
estatístico, se um número suficientemente grande for estudado. Por outro lado,
valores alfa (a) que impressionam muito pouco podem resultar de estudos que
mostram fortes efeitos terapêuticos, se houver poucos pacientes no estudo”
(Fletcher, Fletcher & Wagner, 1996).
Decidir sobre o mínimo valor de alfa a ser tomado como significativo é tarefa prelimi-
nar à própria coleta de dados e de escolha exclusivamente do pesquisador.
Ao examinarmos pequenas amostras, as diferenças reais e enormes entre os
tratamentos, podem não atingirem o nível de significância estatística escolhido.
Ao contrário, em grandes amostras, pequenas diferenças entre os tratamentos
7 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
podem ser estatísticamente significativas. Portanto o pesquisador deverá calcular
o tamanho da amostra adequado para a sua investigação científica para que pos-
sa detectar a diferença entre os grupos em estudo, que tenham realmente im-
portância prática e não diferenças de qualquer magnitude (Pereira, 1995).
Existe um entendimento equivocado no que diz respeito ao nível de significância
obtido na pesquisa, interpretando a significância estatística como significância científica,
isto é, para a ciência particular para a qual se pesquisa. Já a significância para a
ciência em particular tem a ver é com o que representa de novidade no achado,
o que representa de acréscimo para o corpus teórico já conhecido. Enfim, a
significânciacientíficaédefinidapelaprodutividadequeumtrabalhodepesquisademonstou
para a ciência (Oliveira, 1995).
Em síntese, na interpretação dos resultados de uma pesquisa, primeiro se verifica se
as diferenças estre os grupos são ou não estatísticamente significantes. Se elas não são
estatísticamente significantes, o tamanho das diferenças entre grupo experimental e gru-
po controle é irrelevante, não devendo ser considerado. Se as diferenças são
estatísticamente significantes, avalia-se a magnitude das diferenças para saber
se elas têm expressão clínica.
9. Amostragem
9.1 Introdução
O total de indivíduos sob investigação, com ao menos uma característica em comum,
é chamado de população. Sendo praticamente impossível realizarmos o estudo de todos
os elementos de uma população (problemas de custo, de tempo, de pessoal treinado
adequadamente, e outros) em uma determinada pesquisa, o mais comum é selecionar-
mos uma parte da população para estudo, obtendo-se um conjunto de elementos denomi-
nado de amostra. Para que a amostra seja representativa da população de onde proveio,
cada elemento da população deve ter igual chance de participar da amostra, evitando-se
um viés de seleção. Um outro erro muito comum é a amostra muito pequena ou seleci-
onada de forma tendenciosa.
A amostra será, portanto, a base para qualquer investigação científica que se queira
realizar. É preciso, entretanto, que tenhamos alguns conhecimentos básicos de estatísti-
ca e bastante senso crítico para realizarmos inferências para o todo, a partir de informa-
ções com base em parte desse todo (transferência da informação obtida com base na
amostra para toda a população). Mesmo que a amostra seja tomada dentro da mais
estrita técnica, ainda existe uma margem de erro quando se faz a inferência (Padovani,
1995).
Antes de se iniciar a amostragem (processo de seleção de uma amostra), devem ser
discutidos os critérios segundo os quais os elementos da população serão selecionados
para a amostra. O método de amostragem fica estabelecido ao estabelecermos os crité-
rios de seleção.
9.2 Métodos básicos de amostragem
Segundo Curi (1998), existem três métodos básicos de amostragem: naturalístico (I),
intencional (II) e aleatório(III).
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
7 3
I. Método naturalístico
O método naturalístico (cross-sectional-sampling) realiza à seleção de um conjunto
com n indivíduos, a partir de uma grande população e, então, verifica a presença ou
ausência de características de interesse do pesquisador em cada indívíduos. Somente o
tamanho da amostra (n) é determinado para a coleta dos dados a priori.
II. Método intencional
O método intencional seleciona e estuda, no mínimo, duas populações, escolhendo
em cada uma das populações uma amostra com um número pré-determinado de unida-
des ni
com a característica Ai
(I = 1, 2, ... , p), com o interesse de verificar se as i
populações amostradas Ai
diferem em relação à ocorrência ou não de uma variável B
(B ocorre ou B não ocorre).
III. Método aleatório
O método aleatório é semelhante ao Método II, sendo que o mesmo considera uma
população de n indivíduos, a partir da qual seleciona duas amostras, a amostra A1
para
receber o tratamento controle (Grupo controle) e A2
para receber o tratamento experi-
mental (Grupo experimental), de tamanhos pré-determinados, respectivamente n1
e n2
=
n - n1
, obtidas aleatoriamente, o que não ocorre no Método II. A resposta de interesse
é avaliada, visando a comparar os dois grupos.
A situação exposta pode ser ampliada: I) considerando-se mais de dois tratamentos
e/ou mais de duas classes de resposta; II) considerando-se dois ou mais tratamentos
(variável qualitativa) e a resposta é uma variável quantitativa.
9.3 Principais técnicas de amostragem aleatória
9.3.1 Amostragem casual simples
A amostragem é casual simples quando todos os elementos da população tem igual
probabilidade (equiprobabilidade) de serem selecionados para a amostra.
Essa técnica é inviável para grandes populações, porém facilmente aplicável às po-
pulações pequenas. Para se obter uma amostra casual simples atribui-se um número a
cada elemento da população e depois sorteiam-se os elementos que constituirão a amos-
tra, ou utiliza-se uma tábua de números aleatórios com o mesmo objetivo. A amostragem
casual simples pode ser com reposição ou sem reposição do elemento na população.
9.3.2 Amostragem sistemática
A amostragem é sistemática se a seleção dos elementos que constituirão a amostra
é feita por um sistema imposto pelo pesquisador. Deve ser empregada preferencialmen-
te à casual simples quando a população pode ser organizada segundo algum critério.
Exemplo: Obtenção de uma amostra dos prontuários médicos de um pronto-socorro
para estudar a proporção de crianças internadas por ingerirem substâncias tóxicas. O
pesquisador poderá, por exemplo, selecionar uma amostra, mediante um sorteio dos
números de zero a nove; supondo-se que 4 seja o número sorteado, ele selecionará os
prontuários que terminam por 4 até completar a sua amostra.
9.3.3 Amostragem estratificada
Para utilizarmos a amostragem estratificada divide-se a população em grupos mais
homogêneos (estratos) e depois obtém-se uma amostra casual simples ou sistemática,
7 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
dentro de cada estrato. Seu uso torna-se obrigatório quando as populações são muito
heterogêneas.
Exemplo: São comuns como estratos: sexo, idade, grupo étnico, estado civil, renda,
entre outras.
9.3.4 Amostragem por conglomerados
O fato de a população ser muito dispersa, no espaço ou no tempo, acarreta enorme
dificuldade para o uso dos métodos de i) a iii) acima citados, portanto procede-se da
seguinte maneira: primeiro, faz-se a divisão do universo em conglomerados (grupos ou
áreas são considerados como miniaturas da população, com grande heterogeneidade
dentro de cada um) que não se superponham; em seguida, selecionam-se aleatoriamente
alguns conglomerados para comporem a amostra. Não há interesse em comparar os
conglomerados, mas sim em usá-los, somados, como amostra representativa de todo o
universo.
Exemplo: i) Peso ao nascer em maternidades;
ii) Pesquisa sobre aleitamento materno (Pereira, 1995).
Finalmente, deve-se ter em conta que a técnica de amostragem quando usada corre-
tamente ajuda a eliminar a tendenciosidade, ou seja, procura eliminar a parcialidade ou
vício que se mostra presente quando determinado grupo de interesse é escolhido para
representar a população. Uma amostra viesada pode comprometer todas as inferências
que serão feitas a respeito do estudo concluído.
9.4 Considerações sobre o tamanho da amostra
Freqüentemente ocorre aos pesquisadores e aos usuários da pesquisa a seguinte
pergunta: qual o tamanho mínimo da amostra necessário para realizar determinada in-
vestigação sem viés?
Para respondermos adequadamente essa questão precisamos de algumas informa-
ções adicionais, tais como a precisão requerida para as estimativas, ou seja, o erro de
amostragem que pode ser tolerado, qual depende do uso que se pretenda fazer dos
resultados obtidos.
Quanto maior o tamanho da amostra, maior a precisão da estimativa – lei dos grandes
números de Jacques Bernoulli (1643-1705), que implica:
I) pequenas amostras tendem a gerar conclusões pouco confiáveis, ocorrendo modi-
ficações substanciais nos seus resultados, pelo simples acréscimo de poucas unidades;
II) os resultados podem diferir substancialmente de outra amostra aleatória da mes-
ma população;
III) grandes amostras, corretamente selecionadas, permitem conhecer com mais pro-
priedade o que ocorre na população;
IV) manter o tamanho da amostra em um mínimo é conveniente
Se a amostra for selecionada corretamente, quanto maior a amostra mais próxima
por questões práticas e financeiras, e até por implicações éticas, estará a estimativa de
prevalência obtida por meio da amostra da verdadeira prevalência da comunidade. No
entanto, quanto menor a amostra, menor serão o tempo e os recursos necessários para
a sua avaliação. Além disso, pode ser mais fácil manter boa supervisão e controle de
qualidade em uma amostra menor, o que vai assegurar a acurácia e a repetitividade da
informação colhida. Portanto, num estudo de prevalência, o tamanho da amostra neces-
sário é o menor possível que seja capaz de dar uma estimativa de prevalência com o
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
7 5
grau desejado de precisão (Pereira, 1995; Vaughan & Morrow, 1997).
A Tabela 1 mostra exemplos dos tamanhos mínimos de amostra requeridos para
identificar níveis de prevalência esperados com as respectivas margens de erro de
amostragem para a prevalência estimada.
Tabela 1. Tamanho mínimo de uma amostra para uma pesquisa de prevalência de
acordo com a taxa de prevalência esperada.
Margemdeerro Taxadeprevalênciaamostratolerada2
máximaesperada(%)1
1% 2,5% 5% 10% 20% 30% 40% 50%
0,5% 1.522 3.746 7.300 13.830 - - - -
1% 381 837 1.825 3.458 6.147 8.068 9.220 9.604
2% - 235 457 865 1.537 2.017 2.305 2.401
5% - - 73 139 246 323 369 385
10% - - - 35 62 81 93 97
15% - - - - 28 36 41 43
Fonte:vaughan&morrow(1997,p.51)
1 Esta margem representa o intervalo de confiança de 95%. Por exemplo, se a
prevalência verdadeira for de 10% e tomarmos uma amostra de 139 pessoas podere-
mos ter 95% de certeza de que a prevalência estimada por meio da amostra deverá
estar entre 5% e 15% (isto é 10 ± 5%). Como regra geral, não aceite um erro supe-
rior a 5%.
2 Selecione a mais alta entre as prováveis taxas de prevalência. Caso se antecipe uma
taxa maior do que 50%, subtraia este valor de 100%.
Exemplo: Caso se suspeite que a prevalência da esquistossomose na população
esteja em torno de 20% a 40%, e se quisermos que o levantamento tenha uma boa
chance de estimar a prevalência com uma margem de erro de no máximo 5% acima
ou abaixo do valor da prevalência verdadeira, será necessário examinar uma amostra
aleatória de pelo menos 369 pessoas. Suponha que o estudo foi completado, e a amos-
tra mostrou uma prevalência de 32,5%, a verdadeira prevalência na população (da
qual a amostra foi aleatoriamente selecionada) vai estar entre 32,5% mais ou menos
5%, ou seja entre 27,5% e 37,5% (Vaghan & Morrow, 1997).
De um modo geral, para o cálculo de tamanho de amostras se a população for
dicotômica (ou possível de ser trabalhada como tal), para valores não mostrados na
Tabela 2, use a o seguinte procedimento:
n éotamanhomínimodeamostranecessário
pq péataxamáximadeprevalênciaesperada(%)
n = ———— , onde: q = 100 - p
(E/1,96) 2
Eéamargemdeerroamostraltolerado(%)
Exemplo: Se p = 40 %; q = 60 % ; E = 5 % , fica :
( 40 x 60 )
n = ————— = 368,8 ou 369 pessoas
(5 / 1,96 ) 2
7 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Para uma discussão mais detalhada sobre o tamanho da amostra consultar Cochran
(1965).
10. Principais tipos de delineamentos utilizados em pesquisas na área de
saúde
Na investigação de um tema, três estratégias independentes de abordagem vêm sen-
do utilizadas, de longa data, pelos profissionais da área de saúde: a) o estudo de caso, b)
a investigação experimental em laboratório e c) a pesquisa em nível de população (Pe-
reira, 1995).
10.1 O estudo de caso
É o método de pesquisa que envolve uma análise completa e aprofundada da doença,
em um indivíduo, grupo, instituição ou outra unidade social.
10.2 A investigação experimental em laboratório
Investigação na qual as condições são determinadas pelo pesquisador, que comanda-
rá as ações sobre as variáveis independentes por meio de controle e casualização.
No estudo experimental, existe a necessidade de haver pelo menos dois grupos
amostrais de indivíduos. Um grupo, chamado grupo experimental, será constituído de
elementos apresentando características bem definidas, aos quais se administra o trata-
mento ou condição. Outro grupo, chamado grupo-controle, será constituído de elementos
que apresentam exatamente as mesmas características do grupo anterior, mas aos quais
não se administra o tratamento ou condição (Berquó et al., 1981).
10.3 Pesquisa em nível de população
A epidemiologia, em sua determinação histórica e conceitual, tem como definidor
do seu objeto de conhecimento o coletivo de seres humanos (Rouquayrol, 1994).
Classificar os principais delineamentos utilizados em epidemiologia é um tanto com-
plexo devido à diversidade de critérios passíveis de serem utilizados. Adotaremos a
classificação empregada por Pereira (1995): I) Estudo descritivo; II) Estudo analítico:
Estudo clínico randomizado, Estudo de coorte, Estudo de caso-controle e Estudo trans-
versal; III) Estudos ecológicos.
10.3.1 Estudo descritivo
É o delineamento que tem o propósito de informar a distribuição de freqüências, sem
a preocupação de testar hipóteses. Pode ser de incidência ou de prevalência, sem for-
mação de grupo-controle para a comparação de resultados. Pode ser formado só de
doentes, ser constituído só de pessoas sadias, ou ser uma composição de sadios e doen-
tes.
Exemplos: 1) A prevalência da hepatite B entre os voluntários à doação de
sangue.
2) Imunização dos pré-escolares de um determinado município frente à
poliomielite.
10.3.2 Estudo analítico
É o delineamento que tem por objetivo analisar associação de eventos. É utilizado
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
7 7
após a primeira etapa realizada pelo estudo descritivo.
As pesquisas analíticas estão usualmente subordinadas a uma ou mais questões cien-
tíficas, traduzidas pelas hipóteses, que relacionam eventos: uma suposta causa e um
dado efeito ou, como habitualmente é referido, entre a exposição e a doença. As hipóte-
ses geralmente são formuladas de modo a orientar o planejamento, a coleta e a análise
dos dados, mas nada impede que elas sejam elaboradas para ser testadas em uma base
de dados já existente, orientando a forma de organizar os grupos e proceder à análise
dos dados. Outras vezes pode não haver uma hipótese explícita, mas sim a busca de
fatores que contribuam para o aparecimento das doenças (Pereira, 1995).
Exemplos: 1) Investigação sobre a eficácia de uma vacina quando comparada
com um placebo.
2) Exposição de um indivíduo obeso (fator de risco) e a ocorrência de dia-
betes (doença).
A presença de um grupo-controle, formado simultaneamente com o grupo de estudo,
serve para a comparação dos resultados nos estudos analíticos e é o aspecto que o
diferencia basicamente dos estudos descritivos.
O modo como os grupos de estudo e controle são formados dá origem aos diversos
tipos de estudos analíticos, a seguir apresentados.
10.3.2.1 Estudo clínico randomizado (experimental)
Parte-se da causa em direção ao efeito, sendo os grupos de estudo e de controle
formados aleatoriamente (formar grupos com características semelhantes). A seguir,
procede-se à intervenção (tratamento), com a qual pretende-se avaliar os resultados no
grupo de estudo, servindo o grupo-controle para a comparação dos resultados.
Exemplo: Investigação sobre o efeito de uma vacina e de um placebo.
10.3.2.2 Estudo de coorte
Estudo de seguimento, folow-up ou de coorte (grupo de pessoas com alguma ca-
racterística em comum, tendo em vista um estudo especial): para realizar-se uma in-
vestigação etiológica no tempo, parte-se da causa em busca dos efeitos, produzindo-se
medidas de incidências (medidas diretas de risco). A coorte constitui-se de um grupo
de pessoas sadias quanto à doença sob investigação; esse grupo se caracteriza pela
composição homogênea devido a vários fatores distintos da variável independente
investigada. Difere do ensaio clínico randomizado por não haver alocação aleatória da
exposição, sendo os grupos formados por observação de situações, na vida real, ou por
alocação arbitrária de uma intervenção (Pereira, 1995).
O estudo de coorte ou longitudinal, pode ser:
I) prospectivo: estudo de coorte no qual o investigador acompanha, de corpo pre-
sente, a pesquisa; é uma pesquisa em direção ao futuro: o(s) grupo(s) é(são) formado(s)
no presente – às vezes a exposição já aconteceu, mas o efeito ainda não ocorreu ao
iniciar-se a investigação;
II) retrospectivo (histórico): trata-se de uma investigação sobre eventos passa-
dos, conservando-se o princípio de estudo de coorte, ou seja, da causa em direção ao
efeito e com grupo-controle; o efeito já ocorreu quando a pesquisa é realizada (Pereira,
1995).
7 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
10.3.2.3 Estudo de caso-controle
Ao contrário do ensaio clínico randomizado e do estudo de coorte, o delineamento do
tipo estudo de caso-controle parte do efeito para chegar às causas. É, portanto, uma
investigação feita de trás para frente; é uma pesquisa etiológica retrospectiva, a qual só
pode ser realizada após o efeito já ter ocorrido. Deve-se cuidar para interpretar-se ade-
quadamente os resultados encontrados, pois os dois grupos, de caso e controle, podem
diferir em algumas características, as quais confundem a interpretação.
Exemplo: Investigação sobre uma possível associação entre tumor maligno no seio
de jovens e o fato de elas serem filhas de mulheres que haviam sido submetidas a
mastectomia.
10.3.2.4 Estudo transversal
Estudo transversal ou seccional determina, em determinado momento no tempo, a
situação da saúde de um grupo ou de uma comunidade; nele a causa e o efeito são
observados num mesmo momento histórico.
Exemplo: Associação entre o hábito de fumar e a resistência física dos jogadores de
dois times de futebol em um determinado jogo de veteranos.
Fonte: Pereira, 1995.
10.4 Estudos ecológicos
Nos delineamentos descritivos e analíticos a unidade de observação é o indivíduo.
Nos estudos ecológicos (ou estatísticos, de grupos, de agregados, de conglomerados ou
comunitários) a unidade de observação passa a ser o grupo de indivíduos. Tem origem
na utilização de áreas geográficas como unidades de análise e, por extensão, generali-
zou-se para outras situações em que a unidade é formada por um grupo. Atualmente
denomina-se variável ecológica aquela que descreve o que ocorre em grupos de indiví-
duos. Deve-se tomar cuidado com parâmetros que possam tornar-se variáveis de
confundimento, dificultando a interpretação dos resultados (Pereira, 1995).
Exemplo: Investigação ecológica sobre malária.
Bibliografia consultada e recomendada
BERQUÓ, E.S. , SOUZA, J.M.P. & GOTLIEB, S.L.D.Bioestatística. 2. ed. rev. . São Paulo: E.P.U. ,
1981.349p.
COCHRAN, W.S. Técnicas de Amostragem. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura/USAID. 1965.
555p.
CURI, P.R. Metodologia e Análise da Pesquisa em Ciências Biológicas. Botucatu: Gráfica e
Editora Tipomic, 1997.261p.
MATTAR, F.N. Pesquisa de Marketing: edição compacta. São Paulo: Atlas. 1996. 271p.
PADOVANI, C.R. Estatística na Metodologia da Investigação Científica. Botucatu: UNESP,
Inst. de Biociências, Depto. de Bioestatística. 1995. 22p.
PEREIRA, M.G. Epidemiologia Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1995. 583 p.
ROUQUARYOL, M.Z. Epidemiologia & Saúde. 4. ed. Rio de Janeiro MEDSI. 1993. 527 p.
VAUGHAN, J.P. & MORROW, R.H. Epidemiologia para os Municípios: manual para
gerenciamento dos distritos sanitários. 2. ed. São Paulo: Ed. HUCITEC. 1997. 180 p.
VIEIRA, S. Introdução à Bioestatística. 3. ed. rev. ampli. Rio de Janeiro: Campus. 1986. 195 p.
WONNACOTT, R.J. & WONNACOTT T.H. Fundamentos de Estatística. Rio de Janeiro: Livros
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
7 9
Técnicos e Científicos Editora S.A. 1985. 355 p.
8 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
8 1
III - Saneamento ambiental
Kathia Brienza Badini Marulli
Ao estudar a ocorrência das doenças vários fatores devem ser considerados. O
ambiente é um dos mais importante. Não se pode negar a extrema influência que o ar
respirado, a água e os alimentos consumidos e o destino dado aos dejetos desempenham
na saúde dos seres vivos. Além disso, deve-se considerar a presença de outras popula-
ções que porventura habitem o mesmo espaço e que podem desempenhar papel funda-
mental na manutenção de agentes patogênicos e na transmissão de diferentes enfermi-
dades.
Sanear significa “tornar habitável”. Isto quer dizer que, quando se resolve fazer o
“saneamento” de determinada área, na verdade pretende-se adotar medidas que possi-
bilitem a convivência saudável e harmônica do ser humano no meio em que vive. Por
definição, saneamento é um “conjunto de medidas visando a preservar ou a modificar as
condições do meio ambiente, com a finalidade de prevenir doenças e promover a saú-
de”.
Em 1993, havia a estimativa de que 2 bilhões de pessoas, ou cerca de um terço da
população mundial, encontravam-se sem condições de saneamento básico adequado.
No ano de 2025 o número de pessoas não servidas permanecerá basicamente o mes-
mo, se os programas de saneamento continuarem a ser implementados da forma que
são atualmente (sem atender as populações que realmente necessitam, como por exem-
plo, as que vivem em zonas rurais e regiões periféricas dos municípios; estabelecendo
metas com maior preocupação política do que técnica e/ou social; realizando obras de
forma parcial e sem continuidade, etc.).
Fazem parte das atividades de saneamento o abastecimento de água; a coleta, remo-
ção e destinação final dos resíduos sólidos (lixo) e líquidos (esgoto); a drenagem de
águas pluviais; o controle de insetos e roedores; o saneamento dos alimentos; o controle
da poluição ambiental; o saneamento das habitações, locais de trabalho e de recreação;
o saneamento aplicado ao planejamento territorial. Alguns destes tópicos serão aborda-
dos a seguir.
8 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Água
Kathia Brienza Badini Marulli
O conhecimento científico da transmissão de doenças infecciosas por meio da água
utilizada como bebida data da publicação da investigação de John Snow sobre a epidemia
de Cólera que atingiu um bairro de Londres, em 1849 (Christovão, 1977). A partir daí,
inúmeros estudos sobre doenças de veiculação hídrica foram realizados, geralmente abor-
dando aquelas contraídas pela ingestão de água contaminada.
A contaminação da água geralmente se dá pelas águas servidas e pela incorporação
de resíduos, principalmente excretas humanas e animais. A contaminação fecal da água
potável pode incorporar uma variedade de organismos patogênicos intestinais, sejam
eles bacterianos, virais ou parasitários, cuja presença está relacionada com doentes ou
portadores que podem existir nesse momento na comunidade. As principais bactérias
patogênicas que têm sido detectadas em água potável contaminada são: Salmonella,
Shigella, Escherichia coli, Vibrio cholerae, Yersinia enterocolitica e Campylobacter
fetus. Estes microrganismos podem causar desde enfermidades leves, que se manifes-
tam por uma ligeira gastroenterite, até casos graves e, às vezes, fatais (OPAS, 1987).
Mesmo que a água apresente características organolépticas (cor, sabor, odor) dentro
dos padrões normais, isto não garante que ela possa ser considerada potável, pois pode
estar sofrendo alguma contaminação por agentes microscópicos, por exemplo.
Devido à necessidade de se fazer um controle da qualidade microbiológica da água
de abastecimento e à dificuldade que seria o isolamento de cada patógeno em separado,
alguns microrganismos foram eleitos como indicadores de contaminação. Os indica-
dores bacteriológicos estão associados com a demonstração da contaminação da água
por excretas de animais de sangue quente. Os principais indicadores utilizados para
exame da água são: coliformes totais, coliformes fecais, estreptococos fecais e clostrídios
sulfito-redutores, todos indicadores de contaminação fecal. Para avaliar a qualidade sa-
nitária da água potável, também é pesquisada a presença de Pseudomonas aeruginosa
(OPAS, 1987).
Para a inspeção sanitária da água é indispensável realizar freqüentes análises bacte-
riológicas. É muito melhor recorrer a provas repetidas mediante métodos sensíveis, do
que utilizar uma série de métodos mais complexos em intervalos maiores (OMS, 1972).
Outros indicadores são propostos, periodicamente, alguns adequados e outros não.
Devem-se ter em mente, na escolha de um bom indicador, algumas características dese-
jáveis: ele deve ser aplicado a todo tipo de água; deve estar presente em águas poluídas e
esgotos quando os patógenos estiverem presentes; deve estar presente em maior número
que os patógenos para poder ser detectado; deve estar ausente em água não poluída; deve
ser detectado facilmente por exames laboratoriais simples e rápidos; deve conter caracte-
rísticas constantes; deve ter um tempo de sobrevivência maior que os patógenos e não
deve se multiplicar na água. O grupo coliforme é considerado um indicador confiável da
adequabilidade do tratamento (Secretaria de Estado da Saúde).
Os coliformes são bacilos Gram negativos, aeróbios ou anaeróbios facultativos, não
formadores de esporos. Estas bactérias normalmente habitam os intestinos dos animais
e sua presença na água indica a possibilidade de contaminação fecal e a possível presen-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
8 3
ça de microrganismos patogênicos.
Os coliformes classificam-se em totais e fecais. Os coliformes são representados
pelos gêneros Citrobacter, Enterobacter e Klebsiella. As bactérias que são exclusiva-
mente de origem fecal são as da espécie Escherichia coli.
A ausência de coliformes é prova de uma água bacteriologicamente potável.
Os principais métodos utilizados para quantificação de coliformes na água são o
Método dos Tubos Múltiplos (Número Mais Provável) e o Método da Membrana Filtrante.
Enfermidades relacionadas com a água
Segundo a Organização Mundial da Saúde, 80% de todas as doenças dos países em
desenvolvimento são provenientes da água de má qualidade.
As principais doenças relacionadas com a água são:
1-) Cólera
Causada pela bactéria denominada Vibrio cholerae. A doença só ocorre em seres
humanos. As pessoas se infectam pela ingestão de água ou alimentos contaminados, ou
por levar mãos ou objetos contaminados à boca. O principal sintoma é a diarréia, bastante
líquida, que causa forte desidratação, podendo levar à morte.
2-) Salmonelose
É muito comum. Causada por várias espécies das bactérias do gênero Salmonella.
O quadro mais grave é causado pela Salmonella typhi, e recebe o nome de Febre
Tifóide. As pessoas se infectam pela ingestão de água ou alimentos contaminados
pelas fezes de animais ou homens, doentes ou portadores. Os principais sintomas são
febre, dores abdominais, cefaléia, vômitos, diarréia, mialgias.
3-) Shigelose (Disenteria Bacilar)
Causada pelas bactérias do gênero Shigella. A contaminação se dá pela ingestão de
água ou alimentos contaminados pelas fezes de pessoas doentes ou portadoras. Os prin-
cipais sintomas são febre, dores abdominais, diarréia, desidratação.
4-) Hepatite
Enfermidade causada por vírus da família Picornaviridae. O agente sai das fezes
de pessoas infectadas, contaminando água ou alimentos. Os sintomas principais são:
febre, náuseas, anorexia, icterícia.
5-) Poliomielite ou paralisia infantil
Enfermidade viral, geralmente transmitida por contato direto, mas que também pode
ser veiculada pela água. Os sintomas iniciais são febre, vômito e dor de cabeça, e a
evolução depende de vários fatores.
6-) Amebíase
O agente é um protozoário, Entamoeba histolytica. A infecção se dá pela ingestão
de água ou alimentos contaminados. Os principais sintomas são febre, calafrios, diarréia
com sangue ou muco.
8 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
7-) Ascaridíase
Enfermidade parasitária. As pessoas se infectam pela ingestão de água ou verduras
contaminadas pelos ovos dos Ascaris. Sintomas: cólica, diarréia, vômito e sintomas res-
piratórios.
8-) Esquistossomose
Agente: Schistosoma mansoni. Possui hospedeiro intermediário (caramujo do gêne-
ro Biomphalaria). As pessoas se infectam ao entrar em águas poluídas por esgoto ou
fezes de portadores (as cercárias penetram ativamente na pele).
9-) Leptospirose
Agente: bactérias do gênero Leptospira. Enfermidade relacionada à ocorrência de
enchentes e à presença de ratos, que são os reservatórios do agente. As pessoas podem
se infectar pelo contato direto (penetração pela pele ou mucosas), ou pela ingestão de
água ou alimentos contaminados. Os sintomas mais freqüentes são febre, dor de cabeça,
dores musculares, conjuntivite, prostração, icterícia.
10-) Dengue
Existe a reprodução de vetores na água. A enfermidade é causada por um vírus da
família Togaviridae e o vetor é o mosquito Aedes aegypti. Os principais sintomas são
febre, calafrios, dor de cabeça, dores musculares, fotofobia, vômito.
11-) Malária
Agente: Plasmodium vivax, P. falciparum, P. malariae. Vetor: mosquito do gênero
Anopheles. Principais sintomas: calafrios, febre alta, vômito, dor de cabeça, sudorese.
Acessos a cada 24 horas (febre “terçã maligna”), 48 horas (febre “terçã benigna”) ou
72 horas (febre “quartã”).
Prevenção
Para as enfermidades de transmissão fecal-oral as medidas gerais de profilaxia
são: saneamento adequado (abastecimento com água tratada, proibição do uso de esgo-
to ou águas contaminadas para a irrigação de verduras, instalação de rede de esgoto,
destino adequado para o lixo, etc.); educação sanitária para a população; medidas de
higiene pessoal; higiene no preparo de alimentos.
Para a Esquistossomose: drenagem e aterro; aplicação de molusquicidas; evitar
banhos em rios e lagoas.
Leptospirose: combate aos roedores; higiene pessoal; evitar natação em rios e
lagoas; evitar contato com água de enchentes; vacinação de animais; vacinação de
pessoas expostas a risco.
Dengue e Malária: controle e erradicação do mosquito (combate aos criadouros).
Tratamento de água
Na maioria das vezes a água necessita sofrer um tratamento antes de ser utilizada
pela população. Este tratamento pode ser feito nas residências, quando o volume a ser
utilizado é pequeno, mas, geralmente é realizado por técnicos especializados nas Esta-
ções de Tratamento de Água (E.T.A.s). São inúmeras as finalidades do tratamento da
água, como por exemplo:
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
8 5
Finalidade higiênico-sanitária: com o objetivo de remover microrganismos, subs-
tâncias tóxicas ou nocivas à saúde, mineralização excessiva, elevados teores de com-
postos orgânicos;
Finalidade econômica: para reduzir a corrosividade (que pode danificar equipa-
mentos industriais, por exemplo), a dureza, modificar a cor da água, etc.;
Finalidade estética: para que seja aceita e consumida pela população a água deve
atender a um padrão já estabelecido. A água potável é inodora, cristalina, sem sabo-
res característicos. Assim, muitas vezes torna-se necessário realizar a correção de
cor, turbidez, sabor e odor, para adequar a água ao padrão de potabilidade e estética.
Processos utilizados
Existem vários métodos que podem ser empregados para que se realize o tratamento
da água. A escolha do método vai depender da quantidade de água a ser tratada, da
finalidade a que ela se destina e do tipo de correção ou tratamento que é necessário que
se faça. Podemos dividir os processos utilizados para o tratamento de água em físicos,
mecânicos e químicos.
Processos físicos: baseiam-se na utilização do calor e de raios ultravioletas.
O calor é utilizado como forma de tratamento para pequenas quantidades de água.
Geralmente, ferve-se a água por 10 a 15 minutos, com o objetivo de destruir microrganis-
mos. Este procedimento, no entanto, não é suficiente para a destruição de esporos (a
ebulição deve ser mais prolongada, atingindo uma temperatura de 110 a 120o
C).
A utilização do calor provoca alguns inconvenientes, como alterações químicas na
água (os bicarbonatos solúveis presentes na água tornam-se insolúveis e se precipitam,
desprendendo ácido carbônico), gosto desagradável e dificuldade de digestão (a água se
torna “pesada” devido à eliminação do oxigênio).
No caso do emprego de raios ultravioletas, é necessária a utilização de equipamentos
especiais que possuem lâmpadas de vapor de mercúrio em globos de quartzo. Este tipo de
tratamento também é indicado somente para pequenos volumes de água. Os raios
ultravioletas destroem bactérias e esporos, oxidam a matéria orgânica, não alteram o sabor
ou odor da água e não oferecem riscos à saúde do consumidor.
Processos mecânicos: estão incluídas nesta categoria a aeração, decantação e
filtração.
A finalidade da aeração é aumentar a quantidade de oxigênio dissolvido na água. O
oxigênio é importante para o processo de degradação da matéria orgânica e auxilia na
eliminação de ácido sulfídrico e de outros odores produzidos pela matéria orgânica em
decomposição. Também é empregada com a finalidade de eliminar o anidrido carbônico,
ferro e manganês existentes na água.
Existem vários métodos que podem ser empregados para promover a aeração da
água, como cascatas, pulverizadores e a realização da difusão de ar através da água.
A decantação também é conhecida como clarificação. Este processo baseia-se no
princípio de que os sólidos que se encontram em suspensão na água, por serem pesados,
tendem a depositar-se, arrastando consigo os microrganismos. A decantação tem como
finalidade o clareamento de águas turvas. Este método geralmente é empregado como
auxiliar no tratamento de água, preparando-a para etapas posteriores.
Para que se consiga uma boa decantação é necessário que se faça a aplicação cor-
8 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
reta de alguma substância coagulante, que a mistura desta substância seja rápida e
eficiente e ocorra por um período suficientemente longo para que haja a produção de
flocos. Geralmente o processo de decantação dura um período de 8 a 10 dias. Também
é necessário que os tanques de decantação sejam lavados periodicamente.
A filtração consiste em forçar a passagem da água através de filtros, que podem ser
lentos ou rápidos. Os filtros consistem em leitos ou câmaras artificiais onde são deposi-
tadas camadas de areia, seixos e brita ou outros materiais como carvão, pedra-pome,
substâncias fibrosas, etc.. Os filtros lentos têm capacidade de filtrar 2.500 a 6.000 litros/
m2
/dia e são geralmente utilizados em pequenos serviços de tratamento de água. Sua
limpeza é feita pela remoção ou revolvimento da camada superior de areia. Geralmente
estes filtros não exigem a utilização de tratamento químico prévio. Na superfície da areia
ocorre a formação de uma membrana biológica (“plankton”), que, na verdade, é uma
lama coloidal com microrganismos vivos e mortos, da qual depende o sucesso da filtra-
ção.
Quando são empregados filtros rápidos, a água deve ser primeiramente submetida a
um processo químico de coagulação. No caso dos filtros rápidos não há necessidade da
existência de areia fina ou da formação do “plankton”. A água passa pelo filtro com ou
sem pressão. A lavagem do filtro é feita pela reversão da corrente, com a água limpa
entrando pela parte de baixo do filtro. Sua capacidade de filtração é de até 150.000
litros/ m2
/ dia.
A velocidade de filtração depende do tipo de material filtrante, da altura da lâmina de
água e da diferença do nível da água que sai com o da água que entra no filtro. Os
efeitos da filtração são:
⇒ retenção mecânica das partículas em suspensão;
⇒ sedimentação, adsorção e arejamento;
⇒ trocas eletrolíticas e alterações biológicas, que modificam as características químicas
da água.
Processos químicos: estão catalogadas nesta classificação a coagulação e a este-
rilização.
A coagulação é a adição de produtos químicos (denominados coagulantes) à água
com a finalidade de promover a formação de coágulos ou flóculos pesados, que se
depositam no fundo e arrastam consigo impurezas e microrganismos presentes na água.
Os principais coagulantes empregados no tratamento de água são: sulfato de alumínio,
sulfato ferroso combinado com cal, cloreto férrico e aluminato de sódio. O coagulante é
adicionado de acordo com a cor e turbidez da água a ser tratada. Deve-se promover
uma agitação moderada para que os coágulos se formem. A coagulação é utilizada para
clarear águas turvas, o que ocorre em poucas horas.
A esterilização da água normalmente é a etapa final de um tratamento. Existem
processos físicos, como o emprego do calor ou de raios ultravioletas, que esterilizam a
água, porém o mais usado é o processo químico. A substância química empregada geral-
mente é o cloro, na forma de hipoclorito de sódio ou hipoclorito de cálcio (que é a cal
clorada ou cloreto de cal). O cloro reage com a água, formando ácido clorídrico e ácido
hipocloroso, que é uma substância tóxica.
Correções especiais
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
8 7
Dependendo da origem da água e da finalidade a que se destina, ela pode apresentar
características consideradas indesejáveis. Algumas são passíveis de correção, como as
apresentadas a seguir:
Eliminação de algas: as algas, que proliferam na água quando esta encontra-se sob
a ação da luz do sol, transmitem-lhe sabor e odor desagradáveis, entopem filtros,
mancham tecidos, dentre outras coisas. O processo químico para eliminação de algas
consiste na utilização de sulfato de cobre na dose de 1,2 kg para 1.000 m3
de água.
Correção da dureza: a água dura é aquela que apresenta alta concentração de
carbonatos e sulfatos de cálcio e magnésio. A água dura não forma espuma, causa
depósitos de minerais em tubulações e é inadequada para certas indústrias, como as
têxteis e fábricas de cervejas, por exemplo. Para a correção da dureza da água
devem ser utilizadas a cal e a soda (carbonato de sódio).
Eliminação de ferro e manganês: o ferro, quando em concentrações superiores a
0,3 p.p.m., proporciona um sabor desagradável à água. Também pode se precipitar e
causar manchas em tecidos. O tratamento indicado nestes casos é o arejamento da
água.
Esgoto
Kathia Brienza Badini Marulli
Os resíduos líquidos recebem a denominação de esgoto. São constituídos pelas águas
servidas, ou seja, as águas utilizadas pelo homem em sua residência, nas atividades de
lavagem (de alimentos, utensílios, roupas, etc.), e, principalmente, as provenientes das
instalações sanitárias.
Devem-se diferenciar as águas pluviais (também denominadas águas de drenagem),
provenientes da chuva, das águas servidas: a coleta e destino para estes diferentes tipos
de resíduos devem ser realizados de formas distintas. Neste capítulo, serão abordados
itens pertinentes às características e tratamento do esgoto.
Existem os chamados esgotos sanitários ou domésticos (descargas líquidas geradas
pelas residências, edifícios comerciais e instituições) e os industriais (produzidos pelos
diferentes tipos de fábricas). Na maioria das cidades brasileiras, os esgotos são coletados
e lançados, sem qualquer tratamento, em algum corpo d’água, como rio, lago ou mar.
Esta antiga forma de rejeição de dejetos baseia-se na diluição: dependendo do volume e
da quantidade de matéria orgânica presente no esgoto lançado e do volume de água do
rio ou lago, este teria condições de receber os resíduos sem se poluir, porque conseguiria
se “autodepurar”. A autodepuração é um processo por meio do qual ocorre a
mineralização da matéria orgânica, que, então, torna-se nutriente. A mineralização é a
substituição dos constituintes orgânicos por inorgânicos.
Entretanto, com o crescimento cada vez maior das populações e, conseqüentemen-
te, dos resíduos produzidos, este procedimento tornou-se inadequado e proibido por lei.
Pode-se citar como exemplo o artigo 208 da Constituição do Estado de São Paulo, que
8 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
veda o lançamento de efluentes e esgotos urbanos e industriais, sem o devido trata-
mento, em qualquer corpo d’água. A lei, entretanto, nem sempre é cumprida: existem,
no Estado de São Paulo, 572 municípios. Destes, 135 (24%) realizam algum tratamen-
to de esgoto e apenas 13 (2,3%) têm estação de tratamento de esgoto. Os outros 324
(73,7%) continuam lançando seus dejetos sem tratamento, muitas vezes provocando a
“morte” dos rios (a poluição gera o consumo em excesso do oxigênio do corpo d’água,
fazendo com que os peixes morram).
No Brasil, apenas 44 municípios (1%) possuem estação de tratamento de esgoto.
Tratamento de esgoto
Existem vários motivos para que se realize o tratamento de esgotos:
1. razões higiênicas: evitar contaminação direta ou indireta;
2. razões econômicas: valor das propriedades, pesca, etc.;
3. razões estéticas;
4. razões legais.
O grau de impurezas presente na água servida é o parâmetro que determina o nível
de tratamento que o esgoto deverá receber. Ele pode ser mensurado, basicamente, por
meio de dois critérios:
Ø a quantidade de sólidos suspensos;
Ø a demanda bioquímica de oxigênio (D.B.O.).
A quantidade de sólidos pode ser visivelmente quantificada. Já a Demanda Bioquími-
ca de Oxigênio (D.B.O.) é a quantidade de oxigênio necessária para que os microrganis-
mos presentes na água consigam degradar (oxidar) determinada matéria orgânica. Pode-
se dizer que o objetivo do tratamento de esgoto é reduzir a percentagem de D.B.O..
Existem diferentes níveis de tratamento de esgoto: preliminar ou primário, secundá-
rio, terciário.
Os métodos preliminares são métodos físicos: grades, tamises, caixas de areia e
caixas de gordura.
Ø Gradeamento: retenção mecânica de materiais grosseiros entre as barras de uma
grade, instalada na chegada do esgoto;
Ø Tamisação: o tamis nada mais é do que uma peneira, usada para separar os sólidos
contidos no esgoto. Existem tamises fixos, vibratórios e rotatórios, de diversos tama-
nhos;
Ø Caixas de areia: canais ou tanques onde os esgotos escoam com velocidade conve-
niente, de modo a obter-se a deposição de partículas minerais pesadas (areia), sem
contudo visar à deposição de matéria orgânica menos densa;
Ø Caixas de gordura (desengorduradores): tanques onde o esgoto escoa lentamente,
permitindo a ascensão de óleos, gorduras e outras impurezas menos densas que a
água. Dependendo do tipo de tratamento a que o esgoto será submetido a seguir, a
gordura deve ou não ser retirada, porque ela forma um “filme” que pode dificultar o
processo biológico aeróbio, por exemplo; entretanto, no caso de processos anaeróbios,
o filme de gordura é desejado.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
8 9
O tratamento primário remove do esgoto de 30 a 80% dos sólidos suspensos e da
D.B.O.. O afluente (esgoto que está chegando na estação de tratamento) é peneirado a
fim de que ocorra a retenção das partículas sólidas maiores (com cerca de 2,5 a 5 cm).
As partículas menores podem ser agrupadas por meio do processo de coagulação (como
no tratamento de água), que leva à floculação, seguida pela sedimentação. O processo
total é uma operação de clarificação. Os coagulantes mais utilizados são sulfato férrico
e sulfato de alumínio com cal.
Com o tratamento secundário, a matéria orgânica dissolvida é oxidada de forma a
reduzir de 85 a 90% a D.B.O.. A oxidação bioquímica “imita” a conversão natural
realizada pelos microrganismos que se alimentam com o material orgânico. Este proces-
so pode ser acelerado por um filtro percolador ou um sistema de lodo ativado.
O lodo ativado constitui um dos meios mais eficientes para remover as substâncias
suspensas e as dissolvidas nas águas de esgoto. Ele contém microrganismos aeróbios,
que digerem o material do esgoto.
O tratamento terciário envolve um processamento visando remover poluentes que
não têm D.B.O., como fósforo, nitrogênio e carbono, na forma de compostos em solu-
ção. O tipo mais comum de tratamento químico é a precipitação com cal e/ou hidróxidos
metálicos, como o de alumínio, sendo que sua eficiência gira em torno de 90 a 95%.
Os sólidos que sobram após o tratamento podem ser enterrados, queimados ou ven-
didos como fertilizantes, depois de filtração e secagem. O líquido que é obtido após o
processo de tratamento e remoção de sólidos, deve ser clorado, para a destruição dos
microrganismos nele existentes e, posteriormente, lançado num corpo d’água das proxi-
midades.
Tratamento biológico
1. Fossa séptica: usada principalmente na zona rural. Tanque de sedimentação.
Ocorre a sedimentação da parte sólida. A decomposição é anaeróbica. Redução de até
40% da D.B.O..
2. Lagoas de estabilização:
2.1.Facultativas: Nelas se processa a decomposição aeróbica e anaeróbica. O es-
goto entra na lagoa em sentido contrário aos dos ventos. Período de ação varia de 3 a 6
meses.
2.2.Anaeróbias: Devem ter maior profundidade que as facultativas, ocupando, no
entanto, uma área menor. Período de retenção: 4 dias. Remove-se cerca de 75% da
D.B.O.. Para um bom funcionamento, é importante que o teor de matéria orgânica seja
alto, não existam matérias tóxicas no esgoto e a temperatura ambiente seja superior a 25o
C.
Vantagem: produção de quantidade menor de lodo; não necessita aeração.
Desvantagem: estabilização incompleta (necessita outro estágio – tratamento aeróbico).
Usar quando há maior teor orgânico (proteínas, gorduras) e não há matéria tóxica. Uso
principal em matadouros e frigoríficos.
Lagoa com aguapés: a matéria orgânica fica retida nas raízes das plantas.
2.3.Aeróbias: Também chamadas de lagoas de polimento ou maturação servem como
terceiro estágio no processamento do efluente de um sistema de lodo ativado ou filtro
9 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
biológico. Não devem ser muito profundas, para facilitar a penentração do oxigênio.
Período de retenção varia de 10 a 15 dias. Redução de nutrientes.
3.Lagoas aeradas: Aeradas mecanicamente, são utilizadas como primeiro estágio
ou pré-tratamento para esgoto industrial. O período de retenção varia de 3 a 8 dias,
dependendo da carga, da natureza do esgoto e da temperatura ambiente. A 20o
C, remo-
ve-se cerca de 85% da D.B.O. e a 10o
C, cerca de 65%. Geralmente são seguidas por
lagoas facultativas.
3.1.Valos de oxidação: escavados no solo, recebem esgoto bruto. A aeração é feita
por rotores. Reduzem a carga poluidora em aproximadamente 95%. São indicados para
locais com pouca área disponível.
3.2.Tanques de aeração: servem para adicionar oxigênio ao esgoto, promovendo
uma maior atividade das bactérias aeróbias que o degradam.
3.3.Lodos ativados: reutilização do lodo para depuração do esgoto bruto.
4. Filtros biológicos: depuração por ação do contato. Tratamento preliminar (de-
cantação). Esgoto é então distribuído através de filtros constituídos de pedras (microrga-
nismos decompositores = “biofilme” = responsável pela depuração do esgoto).
Com relação aos microrganismos presentes no esgoto, calcula-se que as lagoas têm a
capacidade de eliminar até 99% dos patógenos (devido a vários fatores como pH básico,
luz U.V., competição por nutrientes, predação, compostos formados, etc..). No entanto, a
última etapa do tratamento de esgoto deve ser a desinfecção (cloro, ozônio, radiação
U.V.), após a qual ele poderá ser lançado a um rio ou lago sem causar problemas.
Do ponto de vista financeiro, levando-se em conta a construção e operação do siste-
ma de tratamento, o método menos oneroso seria o tratamento em duas lagoas, uma
anaeróbia e uma aeróbia. Em segundo lugar, poderia ser feito um pré-tratamento em
tanque de sedimentação, passando o esgoto, a seguir, por duas lagoas aeróbias. Também
poderia ser empregado o método do tratamento em tanques de sedimentação e passa-
gem por filtros percoladores.
Lixo
Kathia Brienza Badini Marulli
De maneira geral, todas as atividades desenvolvidas pelo homem geram algum tipo
de resíduo, que pode ser gasoso, líquido ou sólido, sendo este último também denominado
“lixo”.
O desenvolvimento industrial e o crescimento desordenado das cidades causaram
aumento considerável na quantidade de resíduos sólidos formados e, na maioria das
vezes, isto gerou problemas ainda não solucionados. Assim, sabe-se que aproximada-
mente 240.000 toneladas de resíduos são produzidas pela população brasileira, diaria-
mente, e 95% desse lixo recebe destinação inadequada, ou seja, fica a céu aberto.
Existem vários tipos de resíduos sólidos, cada qual com características próprias. Os
resíduos sólidos comuns são aqueles provenientes dos estabelecimentos comerciais e
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
9 1
dos domicílios. Cada morador de área urbana produzia, em média, meio quilo de lixo por
dia, em 1982; em 1996, a média foi de 750 gramas per capita. No Japão, cada habitante
produz 2 kg de lixo ao dia.
A outra categoria de resíduos sólidos é a dos especiais ou perigosos, na qual se
incluem também os resíduos industriais, radioativos e hospitalares, também denominados
contaminados ou sépticos.
Outros resíduos são os provenientes da varrição de ruas e praças, entulhos gerados
pela construção civil, podas de árvores e produtos de jardinagem e, ainda, carcaças de
animais mortos encontrados em vias públicas.
A composição qualitativa e quantitativa de lixo varia de acordo com a comunidade
que o produz. Conhecendo-se as características do lixo de uma cidade, pode-se escolher
a melhor solução para seu destino final. Podemos citar como exemplo o caso de Porto
Alegre (RS), cujo lixo é rico em matéria orgânica, altamente degradável, enquanto que o
do Rio de Janeiro (RJ) é rico em vidro e terra, que são materiais não degradáveis. A
importância desta diferença será abordada posteriormente.
Acondicionamento, coleta e transporte
Existem vários tipos de recipientes para acondicionamento dos resíduos sólidos,
como sacos plásticos, caixas, latas, containers, etc., cada um deles apresentando vantagens
e desvantagens. O importante no acondicionamento é impedir o acesso ao lixo de insetos,
roedores e animais domésticos.
Os recipientes devem ficar dispostos na rua em horário próximo à coleta; as latas
devem estar sempre tampadas e os sacos plásticos devem ser colocados em suportes
elevados do chão, a fim de evitar-se a ação de animais.
A programação da coleta deve estar baseada no volume de lixo diário produzido em
cada região da cidade, entre outros fatores. Quando a coleta de lixo urbano não atende
às necessidades da comunidade, ocorre o lançamento de lixo em terrenos baldios, o que
proporciona condições favoráveis para a criação de insetos e roedores nesses locais.
O transporte do lixo está intimamente ligado à coleta e é realizado por caminhões
cujas caçambas podem ser simples ou compactadoras. Quando o caminhão coletor
completa sua capacidade de carga, inicia o percurso para o local de destinação final
do lixo. Com o crescimento das cidades, a distância dos pontos de coleta para os de
destino final torna-se cada vez maior, e uma das soluções adotadas pode ser a criação
de estações de transferência, onde os caminhões descarregam seu conteúdo, que pos-
teriormente é transportado por veículos com capacidade de carga maior até o local de
disposição final. Na prática, a distância limite para caminhões convencionais deve ser
de 6 km e, para caminhões compactadores, de 12 km.
Um aspecto importante da coleta de lixo é o risco que ela representa para os coleto-
res. Inadequadas condições de acondicionamento e a falta de equipamento de proteção
predispõem à ocorrência de cortes nas mãos dos trabalhadores. A poeira que se forma
causa distúrbios oculares e doenças respiratórias. As infecções de maneira geral, enfer-
midades dermatológicas, atropelamentos durante a coleta e problemas como hérnias e
dores nas costas, em conseqüência do esforço realizado para levantar os recipientes,
também são muito freqüentes.
9 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Destinação final do lixo
Na maioria das cidades brasileiras o lixo é depositado sobre o solo, a céu aberto, sem
nenhum critério científico ou ecológico. O lixo urbano contém grande parte de matéria
orgânica, que entra rapidamente em decomposição em contato com o ar livre. A falta de
revolvimento periódico dessa massa faz com que o oxigênio em seu interior seja rapida-
mente consumido pela ação bacteriana, dando lugar à decomposição anaeróbica, com
desprendimento de gases e formação de “chorume” (fração líquida escura de odor de-
sagradável). Este líquido infiltra-se no solo ou também é lixiviado, podendo poluir e con-
taminar as águas superficiais e subterrâneas.
Além disso, os depósitos a céu aberto permitem a atuação dos “catadores” de lixo,
grupos de crianças, idosos e adultos desempregados em busca de alimentos e materiais
que possam ser vendidos. Além de ser um grave problema social, essa prática é também
um problema sanitário, pois algumas vezes estes materiais são reaproveitados, sem qual-
quer higienização prévia.
Existem várias formas corretas de disposição dos resíduos sólidos, como os aterros
sanitários, usinas de compostagem e incineração.
Os aterros sanitários consistem em depósitos de lixo no solo, elaborados de acordo
com princípios de engenharia, de modo a não causar prejuízos à saúde, à segurança e ao
meio ambiente. Para isso, o terreno escolhido deve ser adequado, longe de fontes de
abastecimento de água, acima do lençol freático, nunca à beira de estradas e, de prefe-
rência, deve ser um terreno que necessite ser recuperado (valas, erosões, areias, etc.).
Deve-se cercar o local para evitar a ação de catadores e animais e devem-ser instalar
drenos para captação dos líquidos percolados (chorume), que posteriormente serão tra-
tados.
O lixo deve ser disposto no aterro, compactado e coberto com uma camada de terra
de aproximadamente 30 cm, com a finalidade de impedir a propagação de insetos, ratos
e urubus, ficando assim constituída uma célula sanitária. Todo o lixo disposto no aterro
deve ser trabalhado da mesma maneira, formando novas células, que devem cobrir todo
o terreno disponível. No final, o aterro deve ser selado com uma cobertura de pelo
menos 60 cm de terra, bem compactada.
Nas usinas de compostagem, primeiramente é realizada a separação, manual ou
mecânica, do material reciclável, que é vendido para indústrias, e da matéria orgânica,
que sofre a compostagem. A compostagem é um processo biológico pelo qual a matéria
orgânica é distribuída em leiras, sofrendo uma fermentação, pela ação de microrganis-
mos já existentes no próprio resíduo ou adicionados por meio de inoculantes. Diariamen-
te deve haver a movimentação das leiras e, no final de 90 dias, obtém-se um material que
pode ser utilizado como adubo orgânico. Entretanto, o destino mais adequado para o lixo
orgânico é o tratamento por meio de biodigestores, no qual ocorre a formação de gás
combustível e, ainda, a produção de adubo destinado à fertilização do solo.
A incineração é o processo de queima dos resíduos em altas temperaturas, próximas
a 1.000 ºC. Os resíduos desse procedimento, as cinzas, devem ser dispostos em aterros
apropriados. A UNIMAR, Universidade de Marília, resolveu seu problema de resíduos
hospitalares mediante a instalação de um incinerador, que está em funcionamento desde
março de 1992. Sua capacidade é de 200 kg de resíduos por hora, suficiente para incine-
rar inclusive todo o lixo hospitalar municipal.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
9 3
O lixo e a Saúde Pública
O pior problema para a Saúde Pública está relacionado com a disposição inadequada
dos resíduos hospitalares contaminados, ou seja, aqueles provenientes das salas de cirur-
gia, ambulatórios, instalações dos pacientes, etc.. O destino adequado para este tipo de
resíduos é a incineração, a fim de que, por meio das altas temperaturas atingidas no
processo, os germes patogênicos sejam destruídos.
A importância dos resíduos sólidos como causa direta de doenças não está bem
comprovada. Contudo, é mais um elemento na estrutura epidemiológica da comunidade,
exercendo sua ação sobre a incidência de determinadas doenças, juntamente com ou-
tros fatores e principalmente por vias indiretas.
Vários vetores de enfermidades como moscas, mosquitos e baratas encontram nos
depósitos de lixo as condições ideais para a sua proliferação. O problema dos vetores
está relacionado com as condições de acondicionamento, coleta e destino dos resíduos
sólidos.
Os roedores também encontram abrigo e alimentos no lixo, podendo transmitir doen-
ças para o homem e causar inúmeros prejuízos, principalmente para os moradores de
regiões próximas a “lixões” ou a terrenos baldios onde o lixo é depositado de forma
irregular.
Outro grave problema de Saúde Pública, relacionado com o lixo e muito freqüente no
Brasil, consiste em sua utilização na alimentação de animais, principalmente porcos. Os
animais se contaminam e, posteriormente, servem como fonte de contaminação para
quem consumir carne crua ou malcozida. Para que seja fornecido como alimento aos
animais, o lixo deve sofrer tratamento prévio, em equipamentos próprios, a uma tempe-
ratura de 100ºC, durante 30 minutos.
A utilização de materiais mal compostados ou crus para a adubação também pode
ocasionar problemas sanitários, como a contaminação de produtos agrícolas, pois o lixo
urbano mal fermentado é uma fonte potencial de microrganismos patogênicos.
A contaminação do meio ambiente pela deposição inadequada dos resíduos urbanos
também deve preocupar as autoridades sanitárias e a população. A contaminação do
solo, das águas, e até mesmo a poluição do ar devido à queima do lixo a céu aberto
podem trazer sérias conseqüências para a saúde da comunidade.
Poluição atmosférica
Contaminação ambiental por gases resultantes
da combustão de veículos automotores
Bruno Soerensen
A poluição atmosférica ocorre devido a vários fatores, dentre os quais destaca-se a
contaminação ambiental por gases resultantes da combustão de veículos automotores.
9 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Os automóveis são os principais emissores de monóxido de carbono (CO), óxido de
nitrogênio (NO³) e outros compostos orgânicos, principalmente os hidrocarbonetos (HC).
As estimativas variam em função do percentual de veículos novos movidos a álcool ou a
gasolina e da rapidez com que os veículos antigos (mais poluidores) saem de circulação.
Em agosto de 1977, ocorreu um dos piores episódios de qualidade do ar na Região
Metropolitana de São Paulo, no que se refere a altas concentrações de CO. Isto se deve
às elevadas taxas de emissão e às condições atmosféricas desfavoráveis à dispersão de
poluentes durante cerca de 10 dias consecutivos.
Quanto à poluição gerada por automóveis, em 1977, a do Brasil foi comparada àquela
vivida pelos EUA antes que vigorassem leis reguladoras, que, a partir de 1975, impuse-
ram que os novos automóveis fossem produzidos com equipamentos de controle. Foi
ressaltada, ainda, a importância da utilização de transportes coletivos como forma de
reduzir o número de veículos nos grandes centros urbanos.
Além disso, é comprometida seriamente pela contaminação a atmosfera do planeta,
um dos poucos recursos naturais efetivamente compartilhados por toda a humanidade,
pois entra no contexto global sendo utilizada por todos os seres do planeta. As moléculas
de ar, respiradas numa sala, já foram inaladas por habitantes do Japão, China, África e
Estados Unidos. Como conseqüência deste comprometimento, temos o efeito estufa e a
destruição da camada de ozônio, resultado de graves problemas internacionais. Na Con-
ferência do Rio de Janeiro (ECO 92), tentou-se implementar programas que controlas-
sem a emissão de gases prejudiciais ao equilíbrio da estratosfera e da vida na Terra.
Entretanto, esse problema de toda a humanidade vem rolando nas mesas de conferênci-
as das grandes potências sem qualquer resultado efetivo, cercado de retórica e submerso
num conflito de interesses econômicos estratégicos das nações. A poluição na atmosfe-
ra de São Paulo responde por um número elevado de óbitos, sendo responsável pelo
agravamento de doenças pulmonares e do quadro clínico dos portadores de moléstias
cardíacas. Os que sofrem de patologias crônicas, como a asma, têm, no ar da cidade, um
grande obstáculo para seu tratamento.
A concentração de gases na atmosfera de São Paulo atinge valores bem acima dos
padrões listados pela Organização Mundial da Saúde, colocando a metrópole entre uma
das quinze cidades mais poluídas do mundo, equiparando-se à Cidade do México, Los
Angeles e Santiago do Chile.
Gases como o dióxido de carbono (CO2
) e o clorofluorcarbono (CFC) estão amplian-
do o buraco da camada de ozônio na Antártida, durante os meses de setembro, outubro
e novembro, e podem, como muitos temem, provocar a elevação do nível do mar, lem-
brando-se que, nas reuniões da ECO 92, representantes de pequenas ilhas do Pacífico
solicitaram a redução da emissão de gases devido ao receio de submergirem.
Conforme observações realizadas em São Paulo, as crianças de até 5 anos e os
idosos acima de 65 anos seriam os mais afetados pela poluição, pois nos vinte dias mais
poluídos de 1993 a mortalidade de idosos cresceu em 12% e de crianças em 15%. No
inverno, as internações por problemas respiratórios aumentaram 20%.
Numerosos trabalhos tratam do assunto da contaminação de gases pelos automotores
e indústrias, destacando os prejuízos para os povos e dentre eles o efeito carcinogênico.
Os especialistas, entretanto, afirmam ser difícil determinar qual dos combustíveis utiliza-
dos por veículos seria o pior à saúde, pois os gases decorrem da combinação do monóxido
e dióxido de carbono.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
9 5
A hemoglobina contida nas hemácias, encarregada da oxigenação das células do
organismo, exerce, ao mesmo tempo, papel fundamental no transporte de dióxido de
carbono e íons de hidrogênio. O monóxido de carbono, gás incolor, insípido e inodoro,
com densidade ligeiramente inferior ao do ar e considerado de risco potencial e asfixian-
te químico, bloqueia o transporte do oxigênio pela hemoglobina contida nas hemácias e,
como conseqüência, dificulta também a fixação do oxigênio na mioglobulina contida no
tecido muscular.
A tendência deve ser a utilização de veículos de baixo índice de poluição como os
motores movidos a gás natural. A utilização futura do carro elétrico, a programação dos
semáforos de maneira a se evitar o congestionamento, a diminuição do número de veícu-
los poluidores, o uso adequado de coletivos, o melhor aproveitamento das energias gera-
das por hidrelétricas, gás natural, energia solar, entre outras, irão diminuir a contamina-
ção ambiental. Aconselha-se o melhor ordenamento do trânsito urbano e rural, incluindo-
se a recomendação de se desligarem os motores em recintos fechados e túneis quando
houver interrupção do trânsito. Recomenda-se, ainda, a utilização de máscaras pelas
pessoas em grandes centros urbanos como a Cidade do México, Tóquio e Paris, seme-
lhantes às usadas por trabalhadores da indústria química. No entanto, as máscaras que
levam carvão ativado como material purificador prendem moléculas gasosas e, confor-
me literatura consultada, seriam responsáveis por micoses pulmonares por vezes mor-
tais. Desse modo, recomenda-se também extremo cuidado na escolha das máscaras.
Impacto ambiental causado por
siderúrgicas e metalúrgicas
Kathia Brienza Badini Marulli
A poluição é quase sempre conseqüência da atividade humana. É causada pela intro-
dução de substâncias que normalmente não estão no ambiente ou que nele existem em
pequenas quantidades. Portanto, dizer que poluir é simplesmente sujar é emitir um
conceito senão errado, impreciso.
Na verdade, o problema poluição não é recente. A partir do instante em que a espé-
cie humana começou a crescer exageradamente e cada vez mais a ocupar espaços para
a sua sobrevivência, a destinação dos resíduos produzidos na vida diária passou a ser um
problema cada vez mais difícil de solucionar. Além disso, a sobrevivência humana de-
pende do encontro de novas fontes de energia e da melhoria do bem-estar individual, que
envolve, entre outras coisas, o aprimoramento dos meios de transporte, já que o desloca-
mento para pontos distantes exige a criação de meios eficientes de locomoção. No
entanto, esses meios, associados à modernização das indústrias, contribuem cada vez
mais para a liberação no ambiente de substâncias que, até então, não existiam ou existi-
am em pequena quantidade e que passam a constituir uma ameaça para a vida na Terra.
Principais poluentes lançados pelas siderúrgicas e
metalúrgicas
Considera-se poluente o detrito introduzido num ecossistema não adaptado a ele ou
9 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
que não o suporta nas quantidades em que é introduzido. Dentre as inúmeras substâncias
poluentes emitidas pelas indústrias siderúrgicas e metalúrgicas durante seu processo
produtivo, podem-se citar:
óxido de ferro: fumaça avermelhada liberada pelas siderúrgicas de aço;
anidrido sulfuroso: originado pela combustão de combustíveis fósseis como carvão ou
diesel e presente na fumaça das indústrias siderúrgicas;
chumbo: encontrado principalmente nas águas que recebem efluentes industriais. O
chumbo é um veneno cumulativo e a intoxicação crônica causada por ele é denomi-
nada saturnismo. O saturnismo é freqüentemente uma doença profissional, que pode
inclusive levar à morte. Existem mais operários expostos à ação do chumbo e seus
compostos do que a qualquer outro metal tóxico;
cianetos: o íon cianeto é muito tóxico. Os cianetos alcalinos simples formam íons
quando dissolvidos na água. Muitos dos cianetos complexos são mais estáveis em
solução aquosa. Normalmente são pouco tóxicos mas, sob certas condições, estes
complexos decompõem-se, resultando vários graus de toxidez, dependendo do metal
presente e da proporção dos grupos CN-
convertidos em cianetos simples. As fontes
industriais de CN-
são a galvanização, cementação, banhos para clarificação de me-
tais, refinação de ouro e prata, lavadores de gás para processos piréticos
(coqueificação, refinação, alto-forno), borracha, fibras acrílicas, indústrias de plásti-
cos, intermediários de processos químicos, etc.;
compostos fenólicos: provocam cheiro e sabor desagradáveis na água potável em
concentrações mínimas de 50 a 100 ppb. Se a água for clorada, 5 ppb darão um gosto
ruim. Os fenóis são poderosos bactericidas e, por isso, interferem nos testes de DBO.
Cargas superiores a 200 mg/l podem matar as bactérias dos lodos ativados e dos
filtros biológicos e, por esse motivo, as quantidades que podem ser lançadas nas
redes públicas de esgoto são limitadas. São tóxicos para os peixes em concentrações
de 1 a 10 mg/l.
Impacto ambiental
Quando os técnicos da Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico –
CETESB – detectam elevada concentração de poluentes na atmosfera, alcançando-se
uma situação considerada crítica, podem determinar a paralisação de indústrias, como
medida preventiva. Foi o que aconteceu, por exemplo, em setembro de 1995, quando o
município de Cubatão (SP) entrou em estado de pré-alerta, levando a CETESB a para-
lisar uma série de unidades industriais de empresas de fertilizantes e siderúrgicas, com o
objetivo de reduzir o nível de poluição. Os técnicos detectaram 297 microgramas de
poeira ou material particulado por metro cúbico de ar; o limite para o pré-alerta é de 250
microgramas. Material particulado é qualquer partícula inferior a 100 micrômetros
(milionésima parte do metro), presentes na fumaça ou fuligem. As partículas inferiores a
10 micrômetros, possíveis de serem inaladas, são chamadas partículas inaláveis. Os efeitos
na saúde causados pelo material particulado são a diminuição da capacidade pulmonar e o
aumento da incidência de doenças respiratórias; a potencialização de sintomas em doentes
com asma e bronquite; o aparecimento de câncer em pessoas com pré-disposição genéti-
ca, devido a substâncias minerais e compostos orgânicos presentes nas partículas.
A paralisação das indústrias é uma medida preventiva que costuma ser adotada ape-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
9 7
nas em situações críticas, mais comuns no inverno, quando as condições climáticas tor-
nam-se bastante desfavoráveis.
Em pesquisa realizada pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo em
conjunto com cinco universidades alemãs, durante um período de seis anos, foi concluído
que a concentração de poluentes em estado gasoso na atmosfera de Cubatão está con-
taminando o solo e a água, destruindo a vegetação nativa e ameaçando a Serra do Mar,
possibilitando a ocorrência de deslizamentos. Segundo os pesquisadores, em Cubatão
existe uma nuvem de poluentes situada entre 200 e 400 metros de altitude, sendo que a
concentração de poluentes na nuvem é de cinco a seis vezes superior à concentração na
superfície. O efeito direto é a morte da vegetação original da Serra do Mar, que já
perdeu cerca de 60 a 70% de suas plantas.
Os gases expelidos pelas indústrias vão para a atmosfera, reagem com a água e, com
a chuva, depositam-se no solo. Segundo a pesquisa, o grau de acidez nas camadas
profundas do solo da região é elevado; a conseqüência disso é a absorção do ácido pelas
raízes e a morte das plantas. Também foi observado um maior grau de acidez na água
dos rios. Segundo os pesquisadores, mesmo com a suspensão do lançamento de poluentes,
o solo levaria de 10 a 20 anos para se recuperar.
Roedores
Kathia Brienza Badini Marulli
Desde a mais remota Antigüidade os ratos vivem próximos aos homens, causando-
lhes prejuízos e transtornos. Para exterminá-los, gregos e romanos mantinham gatos e
doninhas domesticadas em suas casas.
Considerado um animal impuro no Antigo Testamento, consta das leis de Moisés que,
se um rato cair dentro de um vaso de barro, este ficará contaminado e deverá ser
quebrado.
Já no século VI, por volta do ano 542 d.C., tal animal desempenhou papel importante
na disseminação de um surto de Peste bubônica no Egito, que se espalhou por todo o
império romano da época.
Introduzido na Europa pelos barcos vindos do Oriente Médio na época das Cruzadas,
o rato preto ou rato do telhado (Rattus rattus) instalou-se primeiramente nos portos.
Posteriormente, espalhou-se para as cidades européias em desenvolvimento, cujas con-
dições sanitárias precárias propiciaram ambiente adequado para o roedor, fornecendo-
lhe abrigo e alimentos. Por volta de 1600, durante outra severa epidemia da “Peste
Negra”, os médicos da época associaram, pela primeira vez, a doença à presença do
rato.
No século XVIII, vinda da Ásia, outra espécie de ratos entrou na Europa: o marrom
ou rato do esgoto (R. norvegicus). Da Europa, os ratos chegaram à América e Austrá-
lia, por meio das embarcações utilizadas nas conquistas e no comércio marítimos.
Como pode-se perceber, a história dos ratos sempre esteve intimamente ligada à
história do homem; entretanto sua companhia sempre foi e continua sendo extremamen-
te indesejável.
9 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Estes animais possuem extrema capacidade de proliferação e de adaptação ao meio,
sendo encontrados em todas as partes do mundo. São onívoros, ou seja, alimentam-se de
qualquer tipo de alimento, e possuem hábitos de alimentação e dejeção simultâneas, o
que os transforma em fonte de contaminação de alimentos que poderão ser utilizados
posteriormente pelos homens ou por outros animais.
Possuem uma necessidade biológica de roer, que está intimamente ligada ao cresci-
mento contínuo de seus dentes incisivos. Assim, são freqüentes os acidentes que provo-
cam ao destruir o revestimento plástico dos cabos elétricos das instalações industriais,
provocando curtos circuitos que causam danos a maquinários e até mesmo incêndios.
Os roedores estragam 10 vezes mais do que consomem. Devastam plantações, hor-
tas, pomares e colheitas de grãos, causando enormes prejuízos. Segundo dados de 1980,
no Brasil, para cada habitante havia 2 ratos, o que perfazia uma população aproximada
de 242 milhões de ratos.
Os ratos possuem os sentidos extremamente desenvolvidos, exceto a visão. Sentem
cheiros a grandes distâncias, selecionando aqueles que interessam. Têm audição exce-
lente, escutando tanto os sons normais que o homem também escuta, como os chamados
“ultra-sons”. Porém seu sentido mais desenvolvido é o tato, que está localizado em seus
bigodes (vibrissas) e ao longo de seu corpo, em pêlos maiores que os outros, chamados
de “pêlos-guardas”, por meio dos quais os ratos se orientam em lugares escuros. Tam-
bém possuem paladar apurado, apreciando alimentos bons e saborosos e só ingerindo
alimentos estragados na ausência de outros.
As três espécies principais de roedores que convivem com o homem no meio urbano
são a ratazana ou rato de esgoto (R. norvegicus); o rato de telhado ou de forro (R.
rattus) e o camundongo ou ratinho, que em alguns estados brasileiros é conhecido como
catita (Mus musculus).
Estas três espécies possuem algumas diferenças quanto aos hábitos alimentares e
abrigos preferidos, o que é importante saber para que se consiga um controle efetivo
destes animais.
Assim, a ratazana procura abrigo em locais baixos e úmidos, como galerias, porões e
esgotos e se alimenta principalmente de restos de comida, animais mortos, carnes e
peixes. Já o rato de telhado procura lugares altos e secos como forros e árvores e
prefere ingerir cereais, legumes e frutas. O camundongo se esconde principalmente em
lugares secos e abrigados, como gavetas, caixas de papelão e sacarias, e suas preferên-
cias alimentares são constituídas por cereais, gorduras, queijos e substâncias doces.
Para a proliferação dos roedores são necessárias três condições básicas: água, abri-
go e alimento. No meio urbano, os ratos vivem próximos às moradias e aos estabeleci-
mentos comerciais, e geralmente encontram seu alimento nos lixos, armazenados inade-
quadamente.
De maneira geral, alcançam sua maturidade sexual com 2-3 meses, tendo em média
8 partos por ano. A gestação varia de 19 a 23 dias, sendo que o número de filhotes por
parição pode variar de 7 até 16 filhotes. A vida média de um camundongo é de aproxi-
madamente 1 ano e da ratazana é de cerca de 2 anos.
São animais de hábitos noturnos e usam sempre os mesmos caminhos para se
locomover (enquanto forem seguros). Um dos sinais da presença de ratos num ambiente
é a trilha que deixam entre o abrigo e a fonte de alimentos. Podem-se observar marcas,
faixas escuras ao longo das paredes. Outros sinais observados são seus excrementos,
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
9 9
marcas de roeduras, manchas e cheiro de urina, ou o encontro de seus ninhos.
Inúmeras doenças podem ser transmitidas ao homem pelos ratos, por meio de sua
mordedura, fezes, urina ou pela ação de seus ectoparasitas, como a pulga, por exemplo.
Por meio da mordedura, os ratos podem transmitir a Raiva e a “Febre por mordedura
de ratos”. Suas fezes, contaminando alimentos, podem causar Salmonelose e sua urina
pode contaminar água e alimentos e transmitir a Leptospirose. No caso da Peste e do
Tifo murino, são as pulgas dos ratos infectados que transmitem a doença ao homem.
Além dessas, outras enfermidades podem atingir os ratos e, conseqüentemente, os ho-
mens.
As medidas de controle e combate aos roedores podem ser divididas em antiratização
e desratização. A antiratização é um conjunto de medidas que visam a impedir o acesso
de roedores a áreas que ainda estão livres destes animais, por meio da eliminação de
fatores de atração e proliferação. São medidas de antiratização a aplicação de obstáculos
que impeçam o acesso dos roedores a determinadas áreas ou edificações (instalação de
grades de ferro em dutos de ventilação ou outras aberturas permanentes; proteção da
parte inferior das portas que dão acesso ao meio externo com chapas de ferro ou outro
material resistente às roeduras; aplicação de discos, cones ou placas lisas de metal em
pilares, tubulações, encanamentos e até mesmo em árvores, visando a impedir a subida dos
roedores pelos mesmos).
Quando a infestação por roedores já ocorreu e pretende-se eliminar estes animais da
área em questão, deve-se empregar o termo desratização. Como métodos de
desratização pode-se citar a utilização de ratoeiras ou armadilhas, dispositivo que pode
ser útil em ambientes pequenos, quando a infestação é reduzida, ou ainda quando o
emprego de iscas envenenadas é impossível por algum motivo. As ratoeiras devem ser
colocadas junto às trilhas, com alimentos atrativos para os roedores. A escolha do tama-
nho da ratoeira ou armadilha deve levar em consideração a espécie de roedor que se
está combatendo, pois é evidente que uma ratoeira destinada a camundongos não surtirá
efeito contra uma ratazana adulta.
O método mais eficaz para a eliminação de roedores em larga escala é o emprego de
substâncias químicas tóxicas. A maioria dos raticidas disponíveis no mercado são à base
de anticoagulantes, tendo como princípios ativos os derivados da cumarina. Existem
várias apresentações destes produtos, sendo uma delas o pó de contato. Seu mecanismo
de atuação consiste em aderir aos pelos e às patas dos roedores, durante o contato
acidental no trajeto do animal e, ao ser lambido instintivamente pelo mesmo, intoxicar o
roedor. Já as iscas raticidas que devem ser ingeridas para provocar o envenenamento
consistem em alimentos atraentes para os roedores, aos quais se mistura um produto
químico tóxico. Apresentam-se sob a forma de farelo, “pellets”, blocos parafinados ou
resinados. As iscas podem ser elaboradas pelos Centros de Controle de Zoonoses ou
serem produzidas industrialmente e adquiridas no comércio.
Atualmente, no Brasil, existem raticidas de dose múltipla (iscas preparadas com bai-
xas concentrações, que agem cumulativamente), à base de hidroxicumarina (Warfarin,
Cumacloro, Cumatretalil, Cumafuril ou Fumarina) ou à base de indandioses (Piral,
Difacinona, Clorofacinona), e raticidas de dose única, que causam a morte em 7 a 10
dias após uma única ingestão. Como exemplos dos raticidas de dose única podem-se
citar Difenacoum, Bromadiolone, Brodifacoum, Flocoumafen e Difelialine.
As iscas anticoagulantes de dose múltipla são menos tóxicas, oferecendo uma maior
margem de segurança. Como desvantagens, pode-se citar a necessidade da utilização
1 0 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
de maior quantidade de iscas, a necessidade de ingestões repetidas da isca até atingir a
dose letal, o que torna a desratização mais lenta e trabalhosa. Já no caso da utilização de
iscas coagulantes de dose única, a desratização é mais rápida, havendo uma maior eco-
nomia de iscas, pois não há necessidade de ingestões repetidas. No entanto, estes são
produtos mais tóxicos e oferecem maiores riscos. Por tudo o que foi explanado, em
ambientes habitados por outras espécies animais ou locais públicos devem-se preferir as
iscas de dose múltipla.
Insetos
Kathia Brienza Badini Marulli
Pertencentes ao Filo Arthropoda, as diferentes espécies de insetos têm em comum
seu pequeno tamanho e sua grande capacidade de causar inúmeros problemas, que vão
do incômodo que o zumbir dos mosquitos proporciona, às epidemias de enfermidades
nas quais eles desempenham papel de vetor.
Os principais insetos de interesse em Saúde Pública são mosquitos, moscas, baratas,
“barbeiros”, pulgas e piolhos. Cada grupo apresenta características próprias, que devem
ser conhecidas para que se consiga um combate eficaz. Mais do que isso, muitas vezes,
dentro de um mesmo grupo de insetos, existem representantes com hábitos bastante
diferentes, como será comentado a seguir.
Mosquitos
Conhecidos por inúmeros nomes populares como pernilongos, muriçocas, muriranhas
e carapanãs, os mosquitos pertencem à Ordem Diptera e são classificados em vários
gêneros de importância, que, além de serem vetores de inúmeros agentes patogênicos,
causam queda do rendimento nos trabalhadores que sofrem seus ataques noturnos.
Quanto às características biológicas dos mosquitos, pode-se dizer que possuem ciclo
de desenvolvimento com metamorfose completa (denominados holometábolos), com-
preendendo as fases de ovo, larva, pupa e adulto. Os machos se alimentam de seiva
vegetal e somente as fêmeas sugam sangue, necessário para a maturação dos ovos, que,
em número de 100 a 400, são depositados em ambientes aquáticos. As larvas e pupas
também vivem na água e os adultos, alados, procuram viver nas proximidades dos domi-
cílios humanos. O ciclo biológico dos mosquitos leva cerca de 7 a 10 dias e sua vida
média é de 3 meses.
O pernilongo comum pertence ao gênero Culex, se reproduz em águas estagnadas e
poluídas e possui hábitos noturnos, causando grande incômodo às suas vítimas. Algumas
espécies deste gênero são vetores da Wuchereria bancrofti, agente causador da
“Elefantíase” ou Filariose Bancroftiana, de alta incidência no continente africano.
Os representantes do gênero Aedes possuem hábitos diurnos e preferem depositar
seus ovos em águas limpas. O principal representante deste gênero é o Aedes aegypti,
responsável pela transmissão do vírus causador da Dengue. Esta espécie também é o
vetor do agente da Febre Amarela, em seu ciclo urbano.
Outros gêneros de mosquitos importantes são Anopheles (transmissor do Plasmodium
causador da Malária), Phlebotomus (vetor do agente da Leishmaniose) e Simulium (co-
nhecidos como “borrachudos”, possuem picada bastante dolorosa).
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 0 1
Como praticamente qualquer local em que fique água acumulada pode servir para a
postura dos ovos dos mosquitos, pode-se perceber que estes insetos possuem inúmeros
criadouros. Estes criadouros podem ser divididos em:
domésticos – vasos, lagos ornamentais, ralos, caixas d’água, calhas entupidas,
vasilhames ao relento;
urbanos – cemitérios, valas, construções civis, galerias de águas pluviais;
naturais – rios, lagos, plantas, etc..
O controle dos mosquitos deve ser baseado em medidas que impeçam sua prolifera-
ção. É necessário que seja feito um trabalho de educação sanitária junto à população,
esclarecendo-a sobre os inconvenientes do acúmulo de água em recipientes expostos,
para que não se formem criadouros domésticos. Deve-se também investir em sanea-
mento básico, dando destino adequado ao lixo e proporcionando rede coletora de esgoto
aos municípios.
Quanto aos métodos de combate, deve-se, sempre que possível, procurar atingir
o inseto em seu estado larval, por meio de métodos mecânicos (drenagem e aterro
de criadouros) ou biológicos (emprego de peixes que se alimentam das larvas ou de
larvicidas biológicos, como as suspensões com Bacillus thuringiensis). Em casos
específicos, e tomando as devidas precauções com o meio ambiente, substâncias
químicas podem ser utilizadas para a destruição das larvas.
O combate ao inseto adulto em nível ambiental pode ser feito, como quando se em-
prega a termonebulização, que é a aspersão de inseticida por meio da utilização de
equipamento apropriado, normalmente colocado em cima de caminhões, e geralmente
utilizado em locais com grandes infestações ou em situações de risco de epidemia de
Dengue, por exemplo. Esta prática, popularmente conhecida como “fog” ou “fumacê”, é
uma atividade de alto custo e de difícil realização, pois requer planejamento cuidadoso,
equipamento adequado e pessoal treinado. Quando utilizada de maneira errada, pode
trazer conseqüências indesejadas como desequilíbrios ambientais e problemas de saúde
na população, como casos de alergias e alterações respiratórias.
Moscas
Assim como os mosquitos, as moscas pertencem à Ordem Diptera. São inúmeras as
espécies de interesse, cada qual com peculiaridades próprias. Estes insetos causam
desconforto para homens e animais, além de proporcionarem prejuízos (como a danifica-
ção de couros pelas larvas da Dermatobia hominis, por exemplo) e veicularem agentes
patogênicos.
Seu ciclo biológico possui as fases de ovo, larva, pupa e adulto. ADermatobia hominis
necessita de outros insetos para o transporte de seus ovos, e estes transportadores rece-
bem o nome de foréticos. A larva desta mosca penetra ativamente na pele e é conhecida
popularmente como “berne”.
As miíases, denominadas vulgarmente “bicheiras”, podem ser classificadas como
cutâneas ou cavitárias, acidentais ou obrigatórias e, ainda, como biontófagas ou primári-
as, necrobiontófagas ou secundárias e necrófagas. As miíases primárias são aquelas
que se instalam em tecidos normais, vivos. Já as secundárias, localizam-se em tecidos
necrosados de hospedeiros vivos. As miíases necrófagas são as encontradas em cadá-
veres.
1 0 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
A Cochliomyia hominivorax é um exemplo de mosca causadora de miíase primá-
ria. Seus ovos, em quantidade aproximada de 200 a 300, são depositados nos hospedei-
ros sob a forma de massas brancas, compactas. Os locais preferidos para a postura são
os ferimentos e umbigos de recém-nascidos. Em um período de 5 dias aparecem os
adultos.
Uma espécie causadora de miíase cavitária é a Gasterophilus nasalis. Suas larvas
são deglutidas ou penetram através da pele, parasitando o estômago (recebendo o nome
de gastromiíase) e início do intestino delgado dos eqüinos. A Oestrus ovis causa miíase
cavitária em ovinos, principalmente ao redor e no interior das narinas.
As espécies Haematobia irritans (“mosca-dos-chifres”) e Stomoxys calcitrans
(“mosca-dos-estábulos”) são hematófagas, podendo causar problemas ao desenvolvi-
mento, diminuição na produção e transmissão de agentes patogênicos aos animais
parasitados.
As moscas do gênero Chrysomyia são conhecidas como “varejeiras” e depositam
seus ovos geralmente em materiais em decomposição. Pelo seu contato freqüente com
fezes, podem estar associadas à transmissão de enfermidades entéricas, como a polio-
mielite.
A Musca domestica (mosca doméstica) é aquela que vive mais próxima do homem
e que muitas vezes contamina alimentos, servindo de vetor mecânico a diferentes mi-
crorganismos.
Apesar das diferenças existentes entre os vários tipos de moscas, algumas medidas
de controle geral podem ser preconizadas, como o saneamento do meio ambiente, em
nível rural ou urbano. Medidas como a canalização de esgotos, destino adequado às
excretas humanas e animais, acondicionamento e destino adequado para o lixo, higiene
de instalações e construção de esterqueiras em propriedades rurais, contribuem em muito
para a diminuição destes insetos. A proteção dos alimentos, não deixando-os expostos e,
assim, impedindo sua contaminação pelas moscas, é medida que previne inúmeras doen-
ças.
Os inseticidas devem, preferencialmente, ser utilizados no combate às larvas. Para
os adultos, podem ser empregados sob a forma de iscas, existindo também outros méto-
dos, como as armadilhas e aparelhos especiais que provocam a eletrocução dos insetos.
A pulverização de animais com inseticidas, a aplicação de bernicidas e o tratamento
do umbigo dos filhotes, assim como de qualquer ferimento que um animal possua, são
medidas importantes para a prevenção do parasitismo pelas larvas de moscas.
“Barbeiros”
Existem vários gêneros de insetos que recebem a denominação popular de “barbei-
ros”, como o Triatoma, Rhodnius, Paustrongylus, etc.. A principal importância destes
insetos é sua atuação na transmissão do Trypanosoma cruzi, protozoário causador da
Doença de Chagas.
Estes insetos habitam ninhos de pássaros, colchões e, principalmente, frestas nas
paredes das casas, em especial nas de barro e pau-a-pique.
As medidas de controle consistem na substituição das casas citadas por casas de alve-
naria, o que seria o ideal, apesar de economicamente inviável. Manter a higiene das habi-
tações também é de grande importância, assim como proceder à retirada de ninhos de
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 0 3
pássaros dos beirais das casas. Coberturas de capim em telhados devem ser evitadas. O
uso de produtos químicos para o combate do inseto pode ser feito, sendo usado principal-
mente o BHC a 15%, que tem efeito residual de 3 meses.
Baratas
O ciclo biológico das baratas possui as fases de ovo, ninfa e adulto. Dependendo da
espécie, podem ser ovíparas, ovovivíparas ou vivíparas. Possuem vida média de 4 me-
ses.
Existem cerca de 3500 espécies de baratas, sendo a maioria de vida silvestre. As
principais espécies de baratas domésticas são a Periplaneta americana e a Blattella
germanica.
Estas baratas passam os dias escondidas em ambientes escuros e úmidos, como
fossas e tubos de esgoto, e à noite saem em busca de alimentos, penetrando nas cozi-
nhas ou depósitos dos hospitais, restaurantes ou residências. Sua importância está rela-
cionada com a transmissão de doenças, principalmente por meio da contaminação de
alimentos, seja pela regurgitação e deposição de excrementos seja pelo contato. Os
microrganismos podem permanecer viáveis no tegumento, tubo digestivo ou excretas
das baratas durante dias ou semanas. Estes insetos são responsáveis, ainda, por proble-
mas estéticos e de mau odor, além de danificarem livros e tecidos.
Para controle do problema, as medidas preconizadas são o acondicionamento adequado
do lixo, manutenção dos ralos em bom estado de conservação, proteção dos alimentos a fim
de impedir-se o acesso das baratas e evitar-se utilização de inseticidas.
Pulgas
O ciclo biológico destes insetos compreende as fases de ovo, larva, pupa e adulto. Os
ovos são depositados sobre o hospedeiro ou no ambiente em que ele vive, e a fêmea só
faz a ovoposição após alimentar-se de sangue. Em média, a eclosão dos ovos se dá em
1 a 2 semanas após a postura. Os adultos conseguem sobreviver vários meses sem
alimentação.
A importância das pulgas consiste na debilitação que podem provocar em hospedei-
ros mais sensíveis, quando a infestação é alta, bem como na sua atuação como vetores
de agentes patogênicos. Os causadores da Peste e do Tifo murino, por exemplo, são
veiculados por pulgas. Estes insetos são também responsáveis por graves manifesta-
ções alérgicas, no homem e nos animais, e pela transmissão de parasitas como o
Dipylidium caninum.
Existem diversas espécies de pulgas, espalhadas por todo o mundo. As principais são
a Pulex irritans, que parasita o homem, a Xenopsylla cheopis, que é a pulga dos ratos,
e a Ctenocephalides canis e Ctenocephalides felis, pulgas que parasitam respectiva-
mente os cães e gatos.
Para o controle destes insetos deve-se promover a desinfestação nos animais domés-
ticos (mecânica ou por meio de produtos químicos, dependendo da idade do animal e do
grau de infestação), a limpeza do ambiente, de preferência com o auxílio de um aspira-
dor de pó, e a utilização de inseticidas.
1 0 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Piolhos
O piolho do couro cabeludo é o Pediculus capitis. Ele se localiza preferencialmente
na parte posterior da cabeça, de onde se desloca para as outras regiões, e alimenta-se de
sangue, várias vezes ao dia. O ciclo biológico dura, em média, 3 a 4 semanas. Os ovos
dos piolhos recebem a denominação de lêndeas e cada fêmea coloca a quantidade de 50
a 100 ovos. A vida média do adulto gira em torno de 1 mês.
Os piolhos provocam grande desconforto, devido ao prurido que induzem, causado
pela saliva do inseto, que é introduzida no hospedeiro no momento da picada. Muitas
vezes as pessoas, ao se coçarem, provocam feridas, que podem se infectar, piorando o
problema.
Para o combate a esse inseto, é necessária a retirada das lêndeas, que pode ser feita
manualmente, com a ajuda de vinagre morno e pente fino. Atualmente, existem produtos
comerciais que têm ação sobre os insetos adultos e sobre as lêndeas. Os produtos tradi-
cionais, à base de benzoato de benzila ou de monossulfiram, agem apenas sobre os
piolhos, e não sobre as lêndeas. Além do tratamento dos infestados e dos seus
comunicantes, é recomendável a manutenção de hábitos de higiene pessoal, o que difi-
culta a propagação desta parasitose.
Carrapatos
Kathia Brienza Badini Marulli
Dentro do Filo Arthropoda, além dos insetos, existe outra classe de interesse para a
Saúde Pública: a Arachnida. Os carrapatos fazem parte da classe Arachnida, ordem
Acari, subordem Ixodides.
Os aracnídeos possuem quatro pares de patas (os insetos possuem apenas três).
Quanto ao desenvolvimento dos ovos, os carrapatos são hemimetábolos, ou seja, do ovo
sai uma larva com aparência semelhante à do adulto.
Os ovos dos parasitas são depositados no solo ou em “esconderijos” fora do hospe-
deiro. As larvas que saem destes ovos procuram um hospedeiro para se alimentarem de
seu sangue e voltam ao solo, onde sofrem mudas. Existem carrapatos que necessitam de
apenas um hospedeiro para concluir seu ciclo evolutivo (como é o caso do Boophilus
microplus), outros precisam de vários hospedeiros (como é o caso do Amblyomma
cajennense, que precisa de três hospedeiros). Os adultos também são hematófagos.
Os carrapatos são altamente resistentes, podendo ficar muito tempo sem se alimen-
tar. As fêmeas colocam de 2.000 a 10.000 ovos e a duração do ciclo depende das
condições ambientais (temperatura e umidade), podendo variar de dois meses a até 6
anos, se as condições não forem favoráveis.
Estes parasitas são responsáveis por inúmeros prejuízos como:
desvalorização dos couros dos animais, pelos estragos que causam ao se fixarem
neles;
atraso no desenvolvimento dos animais altamente parasitados;
enfraquecimento dos animais infestados (segundo alguns autores, um carrapato suga
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 0 5
0,2 g de sangue por dia);
queda na produção de leite (de 18 a 40%);
transmissão de inúmeras doenças ao homem e aos animais.
Existem vários gêneros e espécies de carrapatos, cada um sendo vetor específico de
determinado agente etiológico. Assim, temos o Boophilus microplus, que parasita prin-
cipalmente os bovinos, e é o responsável pela transmissão da Babesia e do Anaplasma.
No caso da Babesiose canina, o vetor é o Rhipicefalus sanguineus. O Argas miniatus
é um parasita das aves e pode transmitir-lhes a Borrelia gallinarum.
No caso do homem, existe a Febre recorrente transmitida por carrapatos, causada
pelas variantes da Borrelia recurrentis, que são transmitidas pelos carrapatos do gêne-
ro Ornithodoros; a Febre Q, causada pela Rickettsia burnetii e transmitida, no ciclo
silvestre, pelos carrapatos das famílias Ixodidae e Argasidae; a Febre Maculosa, cau-
sada pela Rickettsia rickettsii, cujo vetor é o Amblyomma cajennense, entre outras.
O combate e controle destes prejudiciais parasitas deve ser feito por meio da
desinfestação mecânica; emprego de produtos próprios para o seu combate, por meio de
aspersão ou de banhos de imersão; bom manejo das pastagens (utilizando a rotação de
pastagens, o cultivo nestes campos pelo período de um ano, ou o abandono do pasto que
estiver altamente infestado, também pelo período de um ano). É também muito impor-
tante, sempre que possível, descobrir os esconderijos dos carrapatos e aplicar
carrapaticidas nestes locais.
Morcegos
Kathia Brienza Badini Marulli
Os morcegos pertencem à Ordem Chiroptera e são os únicos mamíferos que possu-
em a capacidade de voar. Existem cerca de 1.000 espécies de morcegos no mundo,
distribuídas em duas subordens, Megachiroptera e Microchiroptera. Os
megaquirópteros são de maior porte, podendo alcançar até 1,70 m de envergadura e dois
quilos de peso e só existem na África, Ásia e Oceania. Já os microquirópteros possuem
distribuição cosmopolita, com cerca de 140 espécies registradas no Brasil. Medem apro-
ximadamente 10 a 80 cm de envergadura e pesam de 4 a 200 gramas.
A maioria dos morcegos (cerca de 70% das espécies) é insetívora. Devido ao seu
hábito alimentar, auxiliam no controle das populações de besouros, mariposas, cupins,
percevejos e pernilongos. Outras espécies são fitófagas, nectarívoros e frugívoros, de
ocorrência apenas nas regiões subtropicais e tropicais do mundo, onde existem plantas
que produzem néctar e/ou frutos durante todo o ano. Estas espécies são importantes do
ponto de vista ecológico, porque promovem a polinização de diversas plantas, como
pequi, ingá ou até alguns maracujás, e a dispersão de sementes de várias outras. Existem
algumas poucas espécies de morcegos que são carnívoras, alimentando-se de camun-
dongos, peixes, rãs, aves e outros morcegos. Geralmente, estes morcegos completam
sua dieta com insetos ou frutos. Existem apenas três espécies de morcegos que se
alimentam de sangue (conhecidos como “vampiros”): Desmodus rotundus, Diaemus
youngi e Diphylla ecaudata.
O período de gestação dos morcegos é variável, de acordo com a espécie. Assim,
1 0 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
enquanto os insetívoros têm uma gestação de dois a três meses, a dos fitófagos gira
em torno de três a cinco meses, e o período de gestação dos morcegos hematófagos é
de sete meses. Geralmente nasce apenas um filhote por gestação, mas alguns morce-
gos insetívoros podem gerar dois a três filhotes por gestação.
Os morcegos são animais de hábitos noturnos e necessitam de abrigos para repou-
sar durante o dia. Eles procuram locais de pouca ou nenhuma luz, onde se alojam em
grupos de 100 a 2.000 animais, denominados colônias. Estes abrigos são, na maioria
das vezes, cavernas, fendas de rocha, ocos de árvores, túneis abandonados, mas eles
também se abrigam em sótãos, forros de casas, porões, garagens, estábulos, etc..
Geralmente os morcegos saem de seus abrigos ao entardecer ou no início da noite. Os
morcegos conseguem voar e enxergar bem no escuro. Os microquirópteros se comu-
nicam e voam orientados por sons de alta freqüência. Este sistema, denominado
“ecolocalização” (ou localização pelos ecos), é popularmente conhecido como “sonar
dos morcegos”. O sistema consiste na emissão de ultra-sons que, ao encontrarem um
obstáculo, retornam em forma de ecos captados pelos seus ouvidos muitos sensíveis,
possibilitando a sua orientação. Os megaquirópteros não possuem este sistema, orien-
tando-se basicamente pela visão.
Morcegos hematófagos
Alguns morcegos se alimentam de sangue, como já foi dito anteriormente (Desmodus
rotundus, Diaemus youngi e Diphylla ecaudata). Eles auxiliam no controle populacional
de pequenos vertebrados, mas sua maior importância reside no fato de atuarem como
transmissores da Raiva. Cada vampiro suga, em média, 20 mililitros de sangue por noite.
Atacam preferencialmente bovinos, eqüinos, caprinos e pequenos animais domésticos.
Também sugam sangue humano, mas só atacam pessoas que estejam imóveis, dormin-
do. Para se alimentarem, os morcegos fazem uma incisão na pele da vítima e bebem o
sangue através de dois sulcos localizados sob a língua. Os morcegos possuem o hábito
de utilizar o mesmo ferimento por mais de uma noite seguida e, geralmente, atingem o
dorso dos animais.
Os morcegos estão envolvidos na epidemiologia de diversas enfermidades, sendo as
mais importantes a Raiva e a Histoplasmose. Estas doenças podem ser transmitidas ao
homem, direta ou indiretamente, assim como a outros animais de sangue quente.
A Raiva é transmitida pela mordedura e os morcegos são, atualmente, o segundo
maior transmissor da doença para os seres humanos, no Brasil. Inicialmente, acreditava-
se que os morcegos hematófagos eram imunes ao vírus da Raiva, mas evidências atuais
sugerem que os morcegos também morrem em conseqüência da enfermidade, não atu-
ando como reservatórios imunes do vírus. Os morcegos não-hematófagos podem portar
o vírus rábico, mas só o transmitem ao homem por contato ocasional, quando ocorre a
manipulação indevida de morcegos moribundos.
No caso da Histoplasmose, a infecção ocorre pela inalação de esporos do fungo
Histoplasma capsulatum, que são comumente encontrados em solos enriquecidos por
matéria orgânica, como em abrigos de morcegos e, ainda, em galinheiros e pombais.
Para o controle dos morcegos hematófagos podem-se utilizar substâncias
anticoagulantes à base de Warfarina, de três maneiras diferentes: aplicação do produto
sobre as feridas recentes causadas pelos morcegos em animais de criação; aplicação do
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 0 7
produto no pescoço, dorso e lombo dos animais que provavelmente serão atacados no
rebanho (que são os de temperamento mais dócil e que dormem na periferia do rebanho)
ou tratamento tópico de morcegos capturados. Neste último caso, devem-se primeira-
mente capturar alguns morcegos (com puçás ou redes) e passar em suas costas uma
pequena quantidade de pasta anticoagulante. Devolvem-se, então, os animais ao local de
origem. Como eles possuem o hábito de se lamberem uns aos outros, vários morrerão
por hemorragia interna. Cada morcego empastado mata vinte ou trinta outros.
Morcegos em áreas urbanas
Devido às modificações no ambiente realizadas pelo homem, uma série de animais
indesejáveis passou a encontrar condições de moradia nas áreas urbanas. Isto também
ocorreu com os morcegos, principalmente com as espécies insetívoras e frugívoras. Os
prédios, com seus sótãos, porões e juntas de dilatações, representam verdadeiras cavernas
para estes animais se alojarem. A iluminação noturna das vias públicas e residências é
atrativa para os insetos que são o alimento dos morcegos. O plantio de árvores frutíferas
fornece alimentação para as espécies fitófagas.
Os morcegos mais comumente encontrados nas zonas urbanas são os insetívoros e
frugívoros. Os morcegos hematófagos podem ser encontrados nas áreas periurbanas,
sendo raros nas cidades.
O principal sinal da presença de morcegos em edificações é o acúmulo de suas fezes
e os odores causados por elas (que são desagradáveis e característicos). Se estiverem
em grande quantidade, podem provocar rachaduras, apodrecimentos das madeiras do
forro, manchas em tetos e paredes e a atração de insetos coprófagos. No caso de
morcegos insetívoros, que geralmente se deslocam dos abrigos por frestas estreitas,
pode-se observar a presença de manchas mais escuras ao redor desses locais, causadas
pela oleosidade dos pêlos dos animais.
Para desalojar os morcegos de edificações devem-se observar os espaços por onde
os animais entram e saem dos abrigos e os horários em que isto ocorre. Vedam-se as
outras aberturas do local, deixando abertas apenas as utilizadas para a movimentação
dos morcegos. No horário de costume, deve-se aguardar a saída dos morcegos e vedar
provisoriamente as aberturas (com panos ou jornais), impedindo que eles retornem ao
abrigo. No dia seguinte, retira-se o material provisório, permitindo a saída daqueles que
eventualmente tenham permanecido no abrigo. Fecham-se provisoriamente e, no dia
seguinte, definitivamente as aberturas de entrada e saída dos morcegos.
Alguns produtos podem funcionar como repelentes para os morcegos, como o formol
(líquido ou em pastilhas), a naftalina e outros. Estes produtos podem ser utilizados em
espaços pequenos e com pouca ventilação, mas possuem os inconvenientes de serem
pouco duráveis, causarem danos à saúde humana e não oferecerem garantia de suces-
so.
Tanto nas zonas urbanas como nas rurais, deve-se sempre procurar o auxílio de
técnicos especializados para realizar o combate aos morcegos. É importante ressaltar
que as pessoas devem sempre evitar o contato direto com qualquer tipo de morcego,
vivo ou morto. Muitos casos fatais já aconteceram porque pessoas encontraram morce-
gos caídos no chão e, ao manuseá-los, foram agredidas.
1 0 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Bibliografia consultada e recomendada
Água
Cetesb. Técnica de Abastecimento e Tratamento de Água. São Paulo: Cetesb-Ascetesb, 1987.
Vol.1.
Christovão, D. A. Bacteriologia da água. Seu exame e controle bacteriológicos. IN: Água – Qua-
lidade, padrões de potabilidade e poluição. São Paulo: CETESB, 1977.
Organizacion Mundial de La Salud. Normas internacionales para el agua potable. 3a
ed. Genebra:
OMS,1972.
Organizacion Panamericana de La Salud. Guias para la calidad del agua potable. Washington:
OMS,1987.Vol.2.
Richter, C.A. e Azevedo Netto, J.M. Tratamento de Água – Tecnologia Atualizada. São Paulo:
EdgardBliicher,1991.
Secretaria de Estado da Saúde. Apostila do Curso Pró-Água – Programa de Vigilância da Qualida-
de da Água para Consumo Humano. São Paulo: Centro de Vigilância Sanitária, s.d.
Esgoto
Branco, S.M. Hidrobiologia Aplicada à Engenharia Sanitária. São Paulo: Cetesb-Ascetesb,
1986.
Branco, S.M. Poluição: A morte de nossos rios. São Paulo: Ascetesb, 1993.
Braile, P.M. e Cavalcanti, M. Manual de Tratamento de Águas Residuárias Industriais. São
Paulo: Cetesb, 1993.
De Angelis, J.A. Epidemiologia Básica e Saneamento Aplicado. São Paulo: Atheneu, 1992.
Gaudy, A., Gaudy, E. Microbiology for Enviromental Scientists and Engineers. New York: Mc
Graw-Hill,1980.
Lixo
Cetesb. Resíduos sólidos industriais. São Paulo: Cetesb, 1993.
De Angelis, J.A. Epidemiologia Básica e Saneamento Aplicado. São Paulo: Atheneu, 1992.
Gaudy, A., Gaudy, E. Microbiology for Enviromental Scientists and Engineers. New York: Mc
Graw-Hill,1980.
Lima, L.M.Q. Tratamento de lixo. 2. ed. São Paulo: Hemus, 1991.
Mota, S. Saneamento. In: Rouquayrol, M.Z. Epidemiologia e saúde. 4. ed. Rio de Janeiro: Medsi,
1994.
Roedores
Carvalho Neto, C. Manual Prático de Biologia e Controle de Roedores. São Paulo: Ciba Geigy,
1987.
Ministério da Saúde. Normas Operacionais de Centros de Controle de Zoonoses. Procedimentos
para o Controle de Roedores. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 1993.
Schwabe, C.W. Veterinary Medicine and Human Health. 3. ed. Baltimore: Williams & Wilkins,
1984.
Insetos
Carvalho Neto, C. Manual de Biologia e Controle dos Insetos Domésticos. São Paulo: Ciba Geigy,
1993.
Organización Panamericana de la Salud. Dengue y dengue hemorrágico en las Américas: guías
para su prevención y control. Washington: OPAS, 1995. Publ. Cient. no
548
Secretaria de Estado da Saúde. Culex (pernilongos) - apostila. São Paulo: SUCEN, s.d.
Secretaria de Estado da Saúde. Manual de Atividades para Controle dos Vetores de Dengue e
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 0 9
Febre Amarela. São Paulo: SUCEN, 1993
Carrapatos
Blood, D.C., Henderson, J.A., Radostits, O. M. Clínica Veterinária. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-
Koogan, 1983.
Corrêa, O. Doenças parasitárias dos animais domésticos. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 1971.
Schwabe, C.W. Veterinary Medicine and Human Health. 3. ed. Baltimore: Williams & Wilkins,
1984.
Morcegos
Fundação Nacional de Saúde. Morcegos em Áreas Urbanas e Rurais: Manual de Manejo e
Controle. Brasília, Ministérios da Saúde, 1996.
Taddei, V.A. Morcegos. Algumas considerações sistemáticas e biológicas. Campinas:
Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, 1993. Bol. Técn. 172.
Uieda, W. Morcegos hematófagos e a raiva dos herbívoros no Brasil. An. Semin. Ci. Fiube, 1:13-
29,1987.
1 1 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 1 1
IV – Nutrição e Saúde Pública
Produção de alimentos
José Cezar Panetta
1. Alimentos versus população.
Foram necessários cem mil anos para que a população terrestre chegasse a três
bilhões de habitantes. Entretanto, órgãos estatísticos, como a Organização Mundial da
Saúde, sustentam que serão precisos menos de quarenta anos para que tal população
seja duplicada. Todo prognóstico sobre o futuro da humanidade, nos mais variados as-
pectos, está intimamente relacionado com os recursos alimentares com os quais o ho-
mem poderá contar para a sua subsistência, no momento em que o número de habitantes
da Terra tiver atingido um grau assaz elevado. Um argumento simplista poderia conside-
rar infundada a preocupação pelas disponibilidades alimentares do futuro. Ora, o homem
não conseguiu, mediante a evolução racional da lavoura e da indústria, equilibrar o quo-
ciente população/alimentação? Seria, pois, uma apreensão sem fundamento?
Infelizmente, não é o que ocorre. Já nos tempos atuais, cerca de metade da huma-
nidade não come o suficiente para saciar a fome, em virtude de falta de gêneros
alimentícios, tanto em qualidade como em quantidade. As principais vítimas da fome
são as crianças, das quais milhões caem doentes e morrem unicamente porque a sua
alimentação é muito pobre em proteínas. As que sobrevivem estão enfraquecidas e
constituem presas fáceis das doenças da infância.
De tudo isso, entende-se facilmente que ao homem cabe a tarefa de inovar conheci-
mentos e meios que lhe permitam produzir alimentos suficientes para corrigir os
desequilíbrios, além de proporcionarem o aumento das disponibilidades alimentares para
o futuro. Conseqüentemente, crescem as investigações no mundo todo, na esperança de
uma melhoria da situação alimentar, sobretudo no concernente aos produtos altamente
protéicos. Por meio dessas pesquisas, aliadas a uma exploração de fontes alimentares
ainda completamente inexploradas, o homem conseguirá garantir a sua sobrevivência.
1 1 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Evidentemente, a primeira exigência para tal melhoramento consistirá num alarga-
mento das superfícies cultiváveis, o que é realizável tanto nos trópicos quanto nas regi-
ões frias. A agricultura intensiva lançará mão de todos os meios, mecânicos e químicos,
engendrados continuamente pela ciência e pela técnica, os quais, ulteriormente aper-
feiçoados e amplamente difundidos também nos países menos desenvolvidos, permitirão
notáveis aumentos na produção de alimentos. Outro fator importante é o desenvolvi-
mento e a modernização da pesca. Mais de 70% da superfície do globo estão cobertos
de água; entretanto, os peixes, que constituem um dos alimentos mais ricos em proteínas,
só entram na alimentação humana na razão de 1%. “No que concerne à pesca – no dizer
de um técnico em alimentação – permanecemos substancialmente na mesma fase do
homem pré-histórico: continuamos a dar caça a animais selvagens, ao invés de domesticá-
los e criá-los.” Os sistemas de pesca foram racionalizados, mas quase nada se fez para
aumentar a produtividade do mar.
A evolução da tecnologia alimentar constitui outra maneira de garantir o aumento da
produção alimentar. A propósito, deve-se citar a “incaparina”, concentrado protéico ob-
tido de matérias-primas de baixo custo, como o milho, sementes de sésamo e algodão,
fermento, verduras e vitamina A, que apresenta um valor nutritivo comparável ao do
leite. Cinco vezes mais barata que o leite, essa bebida é muito apreciada na Guatemala
e no Panamá. Bebidas análogas poderiam ser produzidas no Brasil, com base no arroz,
milho e outras matérias-primas.
E o que dizer da soja, cujo conteúdo protéico foi comparado, há séculos, ao da carne
bovina? Sabe-se que o leite de soja contém tantas proteínas quanto o de vaca. À seme-
lhança da soja, certas oleaginosas, como o amendoim, o gergelim, o algodão e o girassol
apresentam como resíduo um composto altamente rico em proteínas, que poderia servir
como coadjuvante na alimentação humana.
A alga de água doce, Chlorella, também pode proporcionar um alimento rico em
proteínas. A produção dessa alga é de quarenta e quatro toneladas por hectare, o que
corresponde a mais de dez colheitas de trigo. Apresentando dez vezes mais proteínas do
que o arroz, trinta vezes mais vitamina A do que o fígado bovino, quatro vezes mais
vitamina C do que o espinafre, a Clorella pode estar destinada a satisfazer às deficiên-
cias alimentares de grande parte da população terrestre.
Dever-se-ia, por outro lado, resolver o problema da melhor conservação dos alimen-
tos, para evitar as perdas por deterioração que, nos países subdesenvolvidos, chega até
a 25%. Aos processos já conhecidos e tidos como clássicos (secagem, salga, refrigera-
ção, defumação, calor), juntar-se-ão outros, alguns já em fase de promissoras experiên-
cias, como é o caso da liofilização, do emprego de radiações ionizantes e dos antibióti-
cos. A organização desses esforços permitirá, sem dúvida, a racionalização do trabalho
dos diversos setores, que culminará na solução de importantes problemas, preparando
alimento e afastando da humanidade a sombra da fome.
2. Agentes de conservação dos alimentos.
Conservar os alimentos significa preservá-los das alterações ocasionadas pelos di-
versos agentes físicos, químicos e biológicos, prolongando sua vida útil, dando-lhes mai-
ores possibilidades comerciais, convertendo-os, enfim, em fator preponderante para a
estabilização de preços, já que a conservação permite trabalhá-los nas épocas de abun-
dância e suprir os mercados nos períodos de escassez. A aplicação racional dos vários
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 1 3
processos de conservação pode e deve funcionar como elemento impediente das oscila-
ções verificadas no valor dos gêneros alimentícios, garantindo ao produtor o pagamento
justo e incrementando a produção.
O abastecimento de gêneros essenciais para a alimentação do homem não se situa
unicamente no terreno científico e econômico, mas converte-se em problema político
dos mais importantes, preocupando profundamente os governos e as entidades internaci-
onais, visto que o crescimento das populações de há muito ultrapassou a produção de
alimentos (quantitativa e qualitativamente), principalmente no que se refere aos alimen-
tos protéicos. Na tentativa de sanar a desproporção estabelecida entre o aumento
populacional e as reservas alimentares, não basta produzir grandes safras, quando não
se conta com meios de conservação adequados para proteger os alimentos contra a
deterioração.
Por outro lado, para se garantir ao homem uma dieta variada e completa, torna-se
indispensável armazenar produtos perecíveis, que por capricho da natureza são produzidos
somente em certas épocas do ano e em determinadas regiões do globo. Graças aos atuais
métodos de conservação, o homem pode, em qualquer latitude e em qualquer estação do
ano, contar em sua mesa com os mais variados alimentos, desde que disponha de recursos
financeiros para prover o seu organismo dos princípios básicos e nutritivos que a dieta lhe
prescreve ou o capricho lhe dita. Graças aos métodos de que o homem lançou mão para
preservar os alimentos, tornou-se-lhe possível fazer reservas de imensas safras sem a
menor preocupação de perdê-las.
Assim, os limites impostos pela natureza à produção de diversos alimentos, limites
esses responsáveis pelas grandes oscilações de preços nos mercados, foram alargados
gradativamente, não mais devendo existir, desde que em todas as épocas do ano e em
qualquer ponto da terra o homem possa dispor do alimento que deseja, libertando-se
conseqüentemente das restrições próprias às estações de produção. Caso típico é o
consumo da carne congelada que, além de permitir a poupança de abate de animais,
evita o desfalque dos rebanhos nas épocas de seca, impedindo as grandes variações de
preço.
Outro aspecto positivo oferecido pelos modernos processos de conservação diz res-
peito aos excedentes de produção, problema sério que sempre afligiu economistas e
governos, posto que, tratando-se na maioria das vezes de produtos perecíveis, ou o pro-
dutor ficava à mercê das quedas, ou assistia desesperadamente à marcha progressiva
da deterioração. Este fenômeno não pode e não deve ocorrer mais, pois adequados
métodos de proteção, idealizados por exaustivas pesquisas procedidas em todos os paí-
ses do mundo, socorrem o produtos e lhe garantem a justa retribuição pelo esforço
despendido. Mas, o que é mais importante, a conseqüência mais humana advinda dos
progressos no campo da conservação alimentar é, sem dúvida, o fato de os mesmos
permitirem que as camadas sociais mais baixas adquiram gêneros alimentícios saudáveis
por preços coadunantes com suas possibilidades monetárias, já que, impedindo a deteri-
oração dos alimentos armazenados, favorecem-se automaticamente preços mais acessí-
veis.
Finalmente, alguns fatos do passado talvez possam melhor ilustrar como a evolução
dos meios de conservação influenciou a vida do homem e a própria civilização dos po-
vos. As grandes descobertas que marcaram brilhantemente os séculos XIV e XV, as
explorações pelas selvas e as grandes epopéias bélicas contaram sempre com um fator
1 1 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
comum, inestimável para sua efetivação: o alimento. Embora sempre condenáveis, as
guerras têm resultado em progresso no campo da preservação alimentar e, se nos deti-
vermos na análise dos fatos que desencadearam o epílogo das últimas guerras, verifica-
remos facilmente que os conflitos foram, todas as vezes, resolvidos em favor das armas
que dispunham, na hora crítica, de alimentos em quantidade, forma e qualidade adequa-
das.
A preocupação da subsistência dos soldados já assolava Napoleão que, apreensivo
com suas tropas, incentivou a descoberta de métodos de conservação que permitissem
ao alimento chegar incólume às linhas de frente; dessa contingência nasceu a idéia de
embalar os alimentos em vidros hermeticamente fechados e submetê-los ao calor. Esse
fato consiste, sem duvida, na primeira tentativa de buscar um processo adequado para a
conservação de alimentos. Outras conquistas surgiriam: o leite condensado teve a sua
origem ditada pelas necessidades provocadas pela guerra civil norte-americana, o leite
evaporado nasceu durante a guerra de 1914-1918 e a desidratação foi desenvolvida no
decorrer da última guerra de 1939-1945.
3. Controle higiênico e sanitário dos alimentos de origem animal. Importân-
cia social econômica e de saúde pública.
Parte essencial de qualquer programa sócio-econômico nacional é o funcionamento
satisfatório do complexo agropecuário/industrial de alimentos. A evolução desse com-
plexo pode servir como parâmetro de desenvolvimento dos países, uma vez que está
demonstrado pela história que as nações onde a agro-pecuária e a indústria alimentar
apresentam-se altamente desenvolvidas são justamente aquelas com elevada evolução
sócio-econômica, política e industrial.
O controle higiênico e sanitário constitui-se em fator preponderante para a evolução
técnica e social da indústria alimentar. Sua importância abrange, por conseguinte,
seríssimas questões de natureza social, econômica, política e de saúde pública, chegando
mesmo a representar assunto de segurança nacional, pela significância dos alimentos no
intricado mundo atual.
O Programa de Padrões de Alimentos da FAO/OMS define a higiene dos alimen-
tos como um conjunto de medidas necessárias para garantir segurança, salubridade e
sanidade do alimento em todos os estágios de seu crescimento, produção ou manufa-
tura até seu consumo final. Em alguns países o conceito de higiene do alimento é mais
amplo; inversamente, outros ainda não mudaram sua atitude e os serviços permane-
cem restringidos a alguns tipos de exame e de avalização somente nos estágios finais
de industrialização ou quando causam toxinfecção alimentar.
Não há quaisquer razões científicas, práticas ou econômicas para tentar resolver os
problemas de higiene da produção, processamento e distribuição exclusivamente nesse
último estágio, sendo essa atitude incompatível com os conceitos modernos de medicina
preventiva.
Sistemas altamente eficientes de controle higiênico e sanitário dos alimentos já exis-
tem em muitos países. Eles permitem cobrir muito mais tarefas do que simplesmente
garantir segurança do alimento produzido e distribuído dentro do país e do alimento im-
portado ou exportado. Contribuem para a vigilância, prevenção e controle de zoonoses e
outras doenças de animais, a redução da desnutrição humana, a prevenção de perdas
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 1 5
evitáveis de alimentos, a proteção da saúde do ambiente.
Com esses objetivos, o controle dos alimentos alcança um contexto muito mais am-
plo, como integrante da área de saúde pública, que basicamente procura:
a) a promoção da saúde pública nos meios rurais e urbanos, mediante a prevenção e
controle das enfermidades cujos agentes podem ser transmitidos, direta ou indireta-
mente, dos alimentos ou insetos ou outros animais ao homem;
b) o estudo e a avaliação epidemiológicos dos perigos para a saúde pública, e outros
problemas, que podem surgir em conseqüência de enfermidades nos animais;
c) a notificação das enfermidades transmissíveis dos animais ao homem;
d) participação na planificação, promoção, coordenações e supervisão dos programas
relacionados com a nutrição (tanto do homem como dos animais), a produção e a
higiene dos alimentos;
e) o planejamento de e a participação em atividades de investigação no laboratório e no
campo, sobre medicina comparada e animais de laboratório;
f) participação ativa na identificação dos perigos dos poluentes ambientais para a saúde
humana e animal;
g) participação nos programas de higiene ambiental;
h) participação ativa nos programas de educação sanitária, especialmente nas zonas
rurais;
i) assessoramento e participação na interpretação técnica e na elaboração de normas,
regulamentos e leis, relacionados diretamente com a vinculação da medicina veteri-
nária nos programas de saúde pública e medicina comparada;
j) participação ativa nos programas de preservação ecológica.
Do ponto de vista sócio-econômico e de saúde pública, um serviço bem organizado
de proteção dos alimentos deve concentrar suas atividades na busca de influências ne-
gativas, como agentes de doenças, lesões patológicas, e também de influências positivas,
como o tolhimento das perdas evitáveis e a melhoria da qualidade dos alimentos. Embora
seja verdade que muitos dos riscos que estavam ligados à adulteração dos alimentos e à
contaminação microbiana ou parasitária em épocas anteriores tenham sido reduzidos
pelos esforços combinados dos serviços de higiene dos alimentos e dos produtores, vári-
os fatores contribuíram nas últimas décadas para a necessidade de fortalecer-se os
programas de supervisão de higiene dos alimentos. Dentre esses fatores destacam-se:
1- a rapidez de aumento da população, com sua sempre maior demanda de alimentos;
2- o aumento das populações urbanas, com redução correspondente das populações
rurais, estimulando a produção de alimentos processados e semi-processados;
3- progressos na tecnologia dos alimentos, que têm sido responsáveis por novas e mais
sofisticadas apresentações dos mesmos;
4- o aumento do uso de produtos químicos na agricultura, na pecuária e nos alimentos;
5- o aumento da poluição do meio ambiente que, em geral, reduz a qualidade do alimen-
to;
6- incremento do comércio nacional e internacional de alimentos, incluindo transporte
de matérias primas de áreas onde os padrões de higiene podem ser pouco satisfatórios;
7- aumento de viagens de turistas.
Segundo o Centro de Controle de Doenças, de Atlanta (Georgia), nos Estados Uni-
dos da América as doenças veiculadas por alimentos são suplantadas apenas pelo resfri-
ado comum no elenco das afecções mais freqüentes. Os surtos mais comuns são oriun-
1 1 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
dos de contaminação do alimento por bactérias (especialmente as várias espécies de
Salmonella e Shigella, Clostridium perfringens e Vibrio parahaemolyticus), toxinas
bacterianas (em especial as de Staphylococcus aureus, Clostridium botulinum e
Clostridium parabotulinum), tóxicos químicos (metais pesados, peixes e cogumelos),
infecções viróticas (hepatite, difteria e poliomielite) e parasitárias (cisticercose).
Há sérias evidências de que os perigos potenciais de doenças veiculadas por alimen-
tos podem aumentar como resultado, entre outros fatores, do aumento do número de
turistas, migração de trabalhadores e outros grandes movimentos de população. Por
exemplo, foi estimado que aproximadamente 100 milhões de turistas viajam anualmente
pela Europa e que pelo menos 1%, isto é 1 milhão, sofrem de perturbações gastrintestinais
durante as viagens.
Os programas de higiene dos alimentos devem cobrir todas as espécies de alimentos
(sejam eles crus, semi-preparados ou preparados), os ingredientes, os aditivos e a água
usada para a preparação, o processamento e a produção. É também importante que os
programas compreendam as áreas onde o alimento cresce ou onde os materiais crus são
produzidos, os meios de transporte, as fábricas de processamento e outras instalações, o
equipamento, os utensílios, a embalagem, os manipuladores e também o destino seguro
do alimento imprestável para consumo humano.
Para alcançar seus objetivos, tais programas devem contar com eficientes procedi-
mentos de laboratório, incluindo testes organolépticos, físicos, químicos, bioquímicos,
microbiológicos, micológicos, virológicos, parasitológicos, sorológicos e radiobiológicos.
Esses testes não minimizam o valor da inspeção visual local do alimento, instalações,
técnicas de processamento que, se adequadamente planejada e executada, continua
sendo o recurso mais importante de cada serviço de higiene de alimentos. Ainda que os
laboratórios sejam indispensáveis em qualquer programa, um sistema de controle base-
ado exclusivamente nos resultados dos exames de laboratório é incompleto, pois uma
das metas prioritárias da inspeção é saber se a fábrica e suas operações cumprem com
os códigos de higiene formulados pelas autoridades competentes.
O conceito de vigilância como meio de avaliar os perigos oferecidos pelos alimentos
está aumentando invariavelmente nos últimos anos e presentemente existem redes naci-
onais e mesmo internacionais para observar microrganismos patogênicos, toxinas
microbianas, biotoxinas marinhas, resíduos de pesticidas, radionúcleos e uma quantidade
de metais pesados e elementos raros. É certo que a vigilância chegará a ser o recurso
mais importante no controle dos perigos de origem alimentar nos próximos anos.
Para ser eficiente, esse vigilância necessita de :
a) colheita sistemática de dados;
b) consolidação e análise dos dados colhidos;
c) disseminação da informação.
4. Ocorrência de Zoonoses de origem alimentar.
Zoonoses de caráter parasitário ou infeccioso têm preocupado seriamente as autori-
dades sanitárias, particularmente nos países menos desenvolvidos. No Brasil, assume
enorme significado o fato de que algumas zoonoses, como a cisticercose e a tuberculose,
apresentam ascensão de sua prevalência, enquanto outras, como a hidatidose, continu-
am a desafiar os programas epidemiológicos de controle em algumas regiões, como é o
caso do Rio Grande do Sul, já considerado o maior reservatório dessa enfermidade na
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 1 7
América Latina.
A ocorrência de agentes patogênicos de caráter infeccioso ou parasitário nos alimen-
tos pode ser estabelecida em sua origem, sendo neste caso autóctones dos próprios
animais produtores, como também provenientes do processamento e manipulação das
matérias-primas durante a elaboração dos derivados. Qualquer que seja o momento da
anexação do patógeno no alimento, a sua presença é sempre um risco à saúde pública,
merecendo atenção especial o estudo dos pontos críticos de contaminação, sobre os
quais o higienista de alimentos deverá redobrar os cuidados.
Diferentes variáveis interferem sobre a viabilidade de instalação e multiplicação dos
agentes zoonóticos nos alimentos de origem animal. Devem ser enfatizados as seguintes:
natureza do alimento, composição química, métodos de transformação, condições de
conservação, armazenagem e distribuição, natureza bioquímica do agente zoonótico, ci-
clo biológico do agente. Esses fatores, entre outros de igual ou maior importância, na
dependência das características intrínsecas e extrínsecas de cada alimento, devem ser
cuidadosamente estudados, pois de seu controle eficiente dependerá, em última análise,
a proteção do alimento e do consumidor.
A posição do consumidor deve merecer preocupação específica do higienista alimen-
tar. Neste sentido, deve-se buscar sua educação sanitária, no mais amplo sentido, que
deverá abranger não só sua educação formal, mas também atentar para os hábitos e
costumes tradicionais, que de per si constituem-se em risco à sua saúde, como é o caso
do hábito de consumir alimentos crus ou insuficientemente tratados por temperaturas
eficientes na destruição dos agentes zoonóticos.
Outro ponto a ser forçosamente analisado é o da legislação sanitária que rege a
inspeção, vigilância e proteção dos alimentos de origem animal. Normas e padrões de-
vem ser, em primeiro lugar, realistas em relação ao país ou região onde deverão ser
aplicados e, em segundo, deverão estar permanentemente atualizados em face ao co-
nhecimento científico produzido no setor.
Os Quadros 1 e 2 mostram, respectivamente, os principais agentes de zoonoses de
caráter infeccioso e de caráter parasitário, eventualmente detectados nos alimentos de
origem animal.
QUADRO 1
Agentes de zoonoses de caráter infeccioso,
detectados nos alimentos de origem animal
MICRORGANISMO ALIMENTO
Brucella abortus leite e derivados
Salmonella sp leite e derivados
carne e derivados
Mycobacterium bovis leite e derivados
Staphylococcus aureus leite e derivados
carne e derivados
Escherichia coli EH leite e derivados
carne e derivados
Listeria monocytogenes carne e derivados
Shigella sp leite e derivados
carne e derivados
1 1 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
QUADRO 2
Agentes de zoonoses de caráter parasitário,
detectados nos alimentos de origem animal
MICRORGANISMO ALIMENTO
Cysticercus cellulosae carne e derivados
Echinococcus granulosus carne e derivados
Phagicola sp pescado
Dyphilobotrium sp pescado
5. Ética na elaboração de alimentos.
O seminário sobre Marketing no Setor de Alimentos, realizado em São Paulo de 5 a
9 de junho 1998, reuniu especialistas e empresários em torno das polêmicas questões
que envolvem a produção, industrialização e comercialização dos alimentos. A questão
da qualidade recebeu destaque especial dos expositores e participantes, os quais classi-
ficaram-na como o fator moderno de maior importância da área alimentar, visto como
dela depende a competitividade das empresas e, mesmo, sua sobrevivência no mercado
consumidor.
Atualmente, políticas para a gestão da qualidade estão sendo implementadas por um
número cada vez maior de empresas, para as quais a filosofia da qualidade total é o
caminho seguro que leva à satisfação contínua e plena das necessidades e expectativas
dos clientes e fornecedores, a um preço acessível e competitivo. Entre os objetivos
assinalados para a política de qualidade citam-se os seguintes:
a) estratégia de desenvolvimento da empresa;
b) a satisfação do cliente deve merecer prioridade absoluta;
c) a vantagem competitiva leva à maior produtividade;
d) exigem-se responsabilidade e comprometimento de todos os níveis administrativos e
técnicos da empresa;
e) clientes, fornecedores e terceiros também evoluem no sistema;
f) aumenta o nível de comunicação entre clientes, consumidores e a própria empresa.
É preciso, todavia, considerar, entre os objetivos e finalidades dos sistemas que visam
à busca da qualidade, um elemento que não pode faltar na filosofia de trabalho de toda
empresa que elabora, manipula, distribui e comercializa alimentos: a ética. O que signifi-
ca trabalhar eticamente os alimentos, tratar eticamente os consumidores? Temos repe-
tido incansavelmente que os operadores de alimentos tratam, em última análise, com a
saúde dos consumidores. Alimentos precariamente elaborados ou comercializados afe-
tam diretamente a saúde ou a economia dos usuários. Descartadas as hipóteses de um
comprometimento direto da saúde, por toxinfecções provocadas por alimentos contami-
nados, com farta sintomatologia e que levam à revolta dos comensais, devem merecer
atenção especial aqueles alimentos que não apresentam os princípios nutritivos que de-
veriam apresentar, ou aqueles cujas composições não estejam de acordo com o rótulo
impresso na embalagem, ou ainda outros cujas operações de elaboração não respeita-
ram as condições higiênicas e tecnológicas para a industrialização.
Deixemos um exemplo primário: é ético trabalhar precariamente um alimento, em
relação aos cuidados higiênicos de elaboração, sabendo que o mesmo vai ser esterilizado
na última fase de sua industrialização e, portanto, não acarretará nenhuma alteração
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 1 9
orgânica aos consumidores, pois os microrganismos eventualmente existentes estarão
sumariamente destruídos pela aplicação da temperatura elevada? Tal atitude não nos
parece absolutamente ética, pois leva o consumidor a uma idéia de sanidade totalmente
distorcida, ainda que não lhe afete a saúde. E o que dizer de aditivos inadequadamente
utilizados, operações precariamente trabalhadas, fases de elaboração precariamente
higienizadas, fraudes dificilmente detectáveis? A conduta ética deve merecer, de técni-
cos e empresários, uma profunda meditação.
Situação nutricional nas Américas
Andréa Alves Soerensen
O estado nutricional de uma população deve ser analisado utilizando-se de alguns
padrões antropométricos ou dietéticos. O SISVAN, Sistema de Vigilância Alimentar e
Nutricional, usa determinados parâmetros para esta análise e vem sendo adotado em
vários países; contudo, a falta de uniformidade de informações disponíveis, produto da
diversidade das fontes, do período de tempo considerados, dos diversos critérios de clas-
sificação e dos valores referenciais, limita as comparações e dificulta a obtenção de uma
visão coerente da situação nutricional nas Américas. Dois parâmetros serão:
1. a desnutrição analisada por meio do pesos das crianças, sendo considerada desnutri-
ção de moderada a grave aquela cujo valor for inferior a 2 desvios-padrão à esquerda
da mediana de peso para uma dada idade;
2. o estado geral da saúde, a história nutricional e as condições sócio-econômicas da
população.
A prevalência de desnutrição baseada no déficit de peso em crianças de 0 a 4 anos
variou de 0,8% no Chile (Classificação Sempé) a 38,5% na Guatemala (classificação
OMS). Valores de desnutrição inferiores a 10% foram encontrados além do Chile em
Costa Rica, Estados Unidos, Paraguai, Uruguai, Jamaica, Brasil, Venezuela, Trindade e
Tobago. Valores superiores a 20% ocorreram em Honduras, Guiana e Guatemala. Tais
informações devem ser interpretadas com cuidado devido aos fatos acima menciona-
dos.
A prevalência de déficit de altura com relação a crianças de 0 a 4 anos foi próximo
ou superior a 30% na Guatemala (57;9%), Bolívia (38,3%), Peru (35,2%), Equador
(34,0%) e El Salvador (29,9%). O Brasil estava com 15,4%. Em estudo com escolares
de 7 a 14 anos o resultado foi semelhante ao anterior, incluindo-se Honduras na relação
de países acima. As mais baixas prevalências foram do Uruguai (4,0%), Chile (8,5%) e
Costa Rica (9,2%).
As taxas de prevalência de baixo peso para altura foram baixas, oscilando entre
0,4% a 6,3%.
Em Neuquen, Argentina, foi verificado um paralelismo entre o baixo peso ao nascer
e a mortalidade infantil.
As informações do Programa de Alimentação e Nutrição da OPS indica que, para a
América Latina e Caribe, a prevalência de déficit de peso por idade é de 11%, a de
estatura por idade é 21,9% e estatura por peso de 3,l% em crianças menores de 5 anos,
cifras um pouco diferentes das estimadas pela UNICEF em 1990 (13,8%; 27,7% e
1 2 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
1,8%).
A tendência geral de Desnutrição com relação ao tempo vem diminuindo, com exce-
ção de Guatemala e Panamá. Brasil e República Dominicana tiveram importantes redu-
ções em suas taxas. A melhora do nível nutricional em muitos países está relacionada à
adequada aplicação de programas de imunização, controle de doenças infecciosas, ali-
mentação adequada especialmente durante episódios agudos de enfermidades e estraté-
gias de incentivo à amamentação natural e educação alimentar. Cabe salientar que,
apesar dos melhoras da situação nutricional de alguns países, expressas na média naci-
onal, há grande discrepância regional.
A desnutrição no nordeste brasileiro tem sido um problema preocupante há algum
tempo para a Saúde Pública. O governo do Ceará, entre 1992 e 1994, recebeu apoio do
Banco Mundial para estabelecer centros de combate à desnutrição. Este trabalho foi
avaliado em 1996 quando constatou-se a baixa efetividade, que não corresponderia às
recomendações da OMS. As taxas de aumento de peso eram inadequadas, o período de
reabilitação era muito alto e a taxa de letalidade eram também demasiadamente alta:
40% ou mais. Isto ocorreu devido à má definição dos critérios de admissão e alta, a
profissionais mal qualificados e ao fato que as mães não recebiam instruções apropria-
das. Em conseqüência, recomendou-se providenciar nova estruturação dos centros, es-
tabelecimento de novos objetivos, padronização dos critérios de admissão e alta,
capacitação dos funcionários e estabelecimento de indicadores de resultados.
As mudanças nos padrões alimentares, o cuidado com a saúde e a urbanização afe-
taram tanto os grupos mais favorecidos como os mais carentes. Há problemas que não
afetam apenas as crianças mas também os adultos. A OMS analisou a obesidade em
crianças de 0 a 6 anos tomando como critério o peso corporal acima de dois desvios
padrões do valor mediano para a altura. No Brasil e Nicarágua foi de 2,2%, na Argenti-
na 2,5%, na Venezuela 3,8% atingindo 10,7% no Chile. Com relação à massa corporal,
observou-se que a prevalência foi maior em mulheres principalmente nas idades de 20 a
29 anos e em nível sócio-econômico menor. Observou-se obesidade em mulheres e
homens respectivamente no Chile (49,7% e 39,5%), na Colômbia (50% e 30,1%), no
Brasil (39,8% e 28,8%), na Costa Rica (39,6% e 22,1%), em Cuba (39,4 e 31,5%), no
Peru (36,7% e 28,2%) e na Argentina (28,3% e 39,9%). A obesidade é um problema de
Saúde Pública que requer atenção especial pois constitui um fator de risco para várias
enfermidades como diabetes méllitus tipo II, hipertensão arterial, outros distúrbios
cardiovasculares e respiratórios, diminuindo a esperança de vida.
Deficiência de micronutrientes
A deficiência de micronutrientes está localizada em determinadas áreas geográficas,
afetando grupos mais vulneráveis da população.
As informações a respeito da prevalência de anemia devida à carência de ferro
(anemia ferropriva) são limitadas devido a estudos não representativos. Segundo a OMS,
considera-se anemia quando a hemoglobina for inferior a 11 gramas/decilitro de sangue
em gestantes e crianças com idade inferior a cinco anos, uma vez que é a população
mais afetada. Os pontos de corte para a populações que vivem em grandes altitudes
ainda não está definido. Estudos recentes evidenciaram grandes disparidades de infor-
mações decorrentes de procedimentos inadequados de amostragem e fontes de infor-
mações.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 2 1
A deficiência de iodo pode causar vários problemas de saúde, afetando indivíduos
desde a fase fetal até a adulta. O bócio endêmico é a manifestação mais freqüente desta
carência e é considerado um problema de Saúde Pública quando sua prevalência ultra-
passa 10%. A excreção urinária de iodo é utilizada como parâmetro de avaliação da
população. Para valores inferiores a 5 microgramas por decilitro de urina estima-se risco
de moderado a acentuado para que a comunidade padeça de desordens por deficiência
de iodo.
Deve-se levar em conta a distribuição da carência de iodo dentro de cada país. A
prevalência mais elevada de baixas concentrações urinárias de iodo ocorreu no Perú,
México e Paraguai enquanto que a prevalência de bócio foi superior a 50% em Mérida
(Venezuela) e Chameza (Colômbia). Prevalências entre 20 a 50% foram encontradas
na Bolívia, Equador, El Salvador, Guatemala, Paraguai, Panamá (Azuero), Peru (na ser-
ra e na selva) e no Brasil (4 regiões).
O método mais efetivo e econômico de prevenção das desordens ocasionadas pela
carência de iodo está na introdução de iodo junto ao sal na proporção de 25 a 50 partes
por milhão. A maioria dos países conta com dispositivos legais que obrigam a iodação do
sal para consumo humano e em alguns países até para o consumo animal. Este procedi-
mento foi aprovado em vários países, entre outros na Bolívia.
A carência de vitamina A que leva à xeroftalmia, causa importante de cegueira nos
trópicos, é decorrente do ressecamento da conjuntiva ocular que acarreta lesões na
córnea. Considera-se um problema de Saúde Pública, quando 10% ou mais da popula-
ção menor de cinco anos apresenta valores de retinol séricos abaixo de 20 microgramas
por decilitro, ou se 5% ou mais apresenta valores inferiores a 10 microgramas por decilitro.
Os dados disponíveis na década de 80 indicam prevalência de deficiências de vitamina A
variáveis de 5 a 48,8% em diferentes áreas dos países das Américas.
É interessante ressaltar como as medidas políticas internacionais de bloqueio econô-
mico repercutem negativamente no desenvolvimento das crianças, como aconteceu em
Haití por ocasião de uma crise política. Embora Cuba enfrentasse problemas econômi-
cos, não foram observadas repercussões negativas no desenvolvimento de crianças.
As taxas de mortalidade elevadas, em decorrência de desnutrição, persistem em
grande parte como resultado de um tratamento malconduzido, conforme foi verificado
em muitas regiões do mundo. Assim, onde para as crianças com doença aguda foram
recomendado dietas com elevado conteúdo de proteínas, energia e sódio e um baixo
conteúdo de micronutrientes, o tratamento foi inapropriado.
A educação nutricional é tão carente que o povo não se nutre adequadamente, es-
quecendo que um dos alimentos mais completos e de menor preço é o leite. Também
deve-se considerar que a falta de nutrição adequada da gestante leva ao nascimento de
uma criança com limitações de raciocínio.
Bibliografia consultada e recomendada
Situação nutricional nas américas
Bortman, M. Factores de riesgo de bajo peso al nacer. Revista Panamericana de Salud Publica,
3(5):314-321,1998.
Esquivel, M., Romero, J.M., Berdasco, A., Gutiérrez, J.A., Jiménez, J.M., Posada, E., Ruben, M.
Estado nutricional de preescolares de Ciudad de La Habana entre 1972 y 1993. Revista
1 2 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Panamericana de Salud Publica, 1(5):349-354, 1997.
Mulder, O., Sibanda, M. Nutritional status of Haitian children, 1978-1995: deleterious consequences
of political instability and international sanctions. Revista Panamericana de Salud Publica,
4(5):346-349,1998.
Organización Panamericana de la Salud. Situacion Nutricional en las Américas. Boletin
Epidemiológico. Organización Panamericana de la Salud 15(3): 1-6, 1994.
PAHO – WHO, UNICEF, ICCIDD, PAMM. Virtual elimination of iodine deficiency disorders in
Bolivia. Revista Panamericana de Salud Publica, 2(3):215-219, 1997.
Schofield, C.Y., Ashworth, A. Por qué siguen siendo tan altas las tasas de mortalidad por
malnutricion grave? Revista Panamericana de Salud Publica, 1(4):295-300, 1997.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 2 3
V – Higiene de alimentos
Kathia Brienza Badini Marulli
A contaminação dos alimentos e a posterior transmissão de agentes patogênicos
àqueles que os ingerem dependem de inúmeros fatores para ocorrerem. Desde sua
produção até o momento do preparo, os alimentos podem ser contaminados, em maior
ou menor concentração, podendo ou não vir a causar danos à saúde de seus consumido-
res. Basicamente, existem dois tipos de contaminação:
1. Química, causada por pesticidas, metais pesados, ou outras substâncias químicas,
principalmente na etapa de produção. Quando ocorre posteriormente, em geral é por
erro na quantidade adicionada de substâncias químicas que fazem parte da formulação
do produto;
2. Biológica, causada por seres vivos, como bactérias, fungos, vírus ou helmintos, ou
por seus metabólitos. Estes seres vivos podem ser patogênicos, causando enfermidades
nas pessoas que consumirem os alimentos contaminados, ou causadores da deterioração
do alimento.
Um alimento pode ser contaminado por diversas maneiras. São elementos que po-
dem contaminar os alimentos:
o ar;
a água;
os equipamentos e utensílios;
os insetos;
os roedores e outros animais;
os manipuladores do alimento;
outros alimentos (contaminação cruzada).
A higiene pessoal de quem trabalha com alimentos e também a higiene de equipa-
mentos e utensílios que entrarão em contato com eles são fundamentais para a manuten-
ção da sanidade do produto. As equipes de Vigilância Sanitária, municipais ou estaduais,
são as responsáveis pela fiscalização dos estabelecimentos que produzem, manipulam e/
ou comercializam alimentos. As normas a serem seguidas no Estado de São Paulo, bem
como as ações passíveis de punição, encontram-se discriminadas, basicamente, no De-
1 2 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
creto no
12.342 de 27 de setembro de 1978, conhecido como Código Sanitário. Atual-
mente o Código está sendo objeto de estudo por parte de técnicos da área, a fim de que
ele seja revisto e atualizado.
Cada um dos elementos que podem contaminar os alimentos, colocando em risco a
saúde da população consumidora, está contemplado em um ou mais artigos do Código
Sanitário, permitindo que aqueles que desrespeitem as boas regras de higiene na mani-
pulação dos alimentos sejam punidos. Podemos exemplificar citando o Artigo 421, no
qual encontramos que “nenhuma substância alimentícia poderá ser exposta à venda sem
estar devidamente protegida contra poeira, insetos e outros animais”.
Enfermidades transmitidas por alimentos
São inúmeras as enfermidades que podem ser transmitidas através da ingestão dos
alimentos. Para que isso ocorra, entretanto, alguns fatores são necessários: primeira-
mente, o alimento precisa sofrer contaminação. Se pensarmos em contaminações bioló-
gicas, que são as mais freqüentes, será necessário um período de tempo após a contami-
nação para que aconteça a multiplicação dos microrganismos até atingirem uma quanti-
dade de células suficiente para provocar a enfermidade (ou para que produzam a toxina
causadora do problema de saúde). Supondo-se que a multiplicação dos microrganismos
tenha ocorrido, ainda será necessário que eles não sejam destruídos e sobrevivam até o
momento da ingestão do alimento em questão. Depois de tudo isso, ainda devem ser
consideradas características próprias do indivíduo que ingere um alimento contaminado,
as quais irão desempenhar um papel importante na determinação da gravidade do qua-
dro clínico.
As enfermidades transmitidas por alimentos (às vezes designadas pela sigla E.T.A.s)
podem ser classificadas em infecções e intoxicações. Quando falamos em infecções,
estamos nos referindo a um processo em que será o próprio microrganismo que irá
causar os efeitos deletérios sobre o organismo suscetível. Nestes casos, para que os
sintomas ocorram, é necessária a presença de células viáveis e em quantidade suficien-
te, denominada “dose infectante”, a qual, de maneira geral, é igual ou maior que 106
unidades formadoras de colônias por grama de alimento. As cepas enteroinvasivas de
E.coli, Shigella sp e Salmonella sp são exemplos de bactérias que devem invadir o
epitélio intestinal do hospedeiro para produzirem sintomas; já o C. perfringens, algumas
cepas de B.cereus e as cepas enterotoxigênicas de E. coli produzem enterotoxinas du-
rante a colonização do intestino (e não no alimento, como alguns outros microrganismo
citados a seguir).
Quando dizemos que determinada enfermidade é uma intoxicação, supomos que existe
alguma substância tóxica no alimento. Podemos estar diante de um tóxico químico, como
pesticidas ou metais pesados, ou de toxinas microbianas. Os tóxicos químicos geralmen-
te são agregados ao alimento durante sua produção, de forma acidental ou intencional.
As intoxicações alimentares mais comuns, entretanto, são as provocadas pelas toxinas
microbianas. Estas toxinas, que são formadas no alimento, serão as responsáveis pelo
desencadeamento do quadro patológico. Neste caso, a bactéria produtora da toxina não
necessariamente deverá estar no alimento, quando da ingestão (ela já poderá ter sido
destruída). Podemos citar como exemplo as enterotoxinas – que têm ação sobre o trato
gastrointestinal – formadas pelo Staphylococcus aureus e pelo Bacillus cereus, e a
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 2 5
neurotoxina produzida pelo Clostridium botulinum que é considerada um dos venenos
mais poderosos que o homem conhece até hoje.
Fatores relacionados à ocorrência de surtos de
enfermidades transmitidas por alimentos
1. Fatores relacionados à contaminação dos alimentos:
manipuladores infectados;
matéria-prima contaminada;
equipamentos e utensílios contaminados;
falta de ordem e higiene no ambiente;
substâncias tóxicas agregadas acidentalmente.
Os manipuladores dos alimentos são extremamente importantes para a manuten-
ção da qualidade e sanidade dos produtos. Só devem manipular alimentos pessoas que
tenham bons hábitos de higiene e que estejam em perfeitas condições de saúde. Assim,
o aconselhável é que todos os manipuladores sejam submetidos a treinamentos, nos
quais sejam explicadas a importância do asseio pessoal e a forma como ocorre a conta-
minação dos alimentos e suas conseqüências. Os manipuladores de alimentos devem
estar sempre com unhas e cabelos cortados e limpos; não devem usar anéis, esmalte nas
unhas ou barba; devem receber uniformes (avental, gorro e, dependendo da etapa de
produção e do tipo de alimento, luvas e máscaras) que devem ser de cores claras e
devem estar sempre limpos; devem usar calçados adequados e não devem fumar nas
áreas de manipulação dos alimentos. Qualquer funcionário que apresente problemas de
saúde (como resfriado, diarréia, infecções ou cortes nas mãos, infecções dermatológicas,
etc.) deve ser afastado das atividades de manipulação de alimentos. O Código Sanitário
exige que todo manipulador de alimento possua Carteira de Saúde, fornecida pelas uni-
dades básicas de saúde (Postos de Saúde).
As matérias-primas devem ser de boa procedência. O controle na aquisição das
mesmas deve ser rigoroso e, se possível, o estabelecimento produtor deve ser visitado
para que se tenha uma noção de como o alimento é tratado no seu local de produção.
Eventualmente este controle de qualidade pode incluir a remessa de amostras para aná-
lise laboratorial.
Os equipamentos, utensílios e superfícies que entram em contato com os ali-
mentos devem ser de fácil higienização e devem estar sempre limpos. Não devem ser
empregados utensílios de madeira. As máquinas para corte de frios e de moer carne
devem ser desmontadas diariamente e limpas. O ideal é a higienização com água quente
e a utilização periódica de desinfetantes apropriados. Também deve ser observado o
estado de conservação dos equipamentos.
Muitas vezes a contaminação do alimento acontece porque ele é manipulado num
ambiente completamente desorganizado. Assim, algumas pessoas não possuem lugares
apropriados para guardar materiais de limpeza, por exemplo, e os deixam junto com os
alimentos. Além do problema de odores fortes que os produtos de limpeza geralmente
possuem e que são absorvidos pelos alimentos, existe o risco de uma substância tóxica
ser agregada acidentalmente a um alimento que esteja sendo preparado, por ser da
mesma cor ou ter embalagem parecida com a de um tempero ou outro ingrediente.
1 2 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Ambientes desorganizados, na maioria das vezes, também possuem higiene precária e
oferecem grandes chances para que a contaminação dos alimentos ocorra.
2. Fatores relacionados à sobrevivência dos microrganismos:
processo industrial (ou de elaboração) inadequado;
cocção ou reaquecimento inadequado;
resfriamento inadequado.
Além de sofrer a contaminação por microrganismos, estes devem conseguir sobrevi-
ver e se multiplicar no alimento para que uma enfermidade ocorra, quando da ingestão
do referido alimento. Alguns fatores estão diretamente ligados à sobrevivência dos mi-
crorganismos.
Muitos alimentos passam por processos industriais antes de chegar aos consumido-
res. Se durante o processo ocorrer alguma falha, por descuido de quem estiver realizan-
do a técnica ou por problemas nos equipamentos, os objetivos de qualidade e segurança
do produto não serão alcançados. A pasteurização, por exemplo, visa à destruição da
grande maioria dos patógenos presentes no leite. Para isso, tempo e temperatura do
processo devem ser obedecidos. Se o pasteurizador estiver com algum problema que
interfira nesse binômio, a pasteurização não ocorrerá de forma adequada e, conseqüen-
temente, o leite poderá chegar ao consumidor com alta carga microbiana. Por outro lado,
se considerarmos um leite perfeitamente pasteurizado (e, portanto, seguro do ponto de
vista microbiológico) que ao ser utilizado no preparo de um creme para recheio de doces
é manipulado inadequadamente (ficando fora da geladeira durante períodos muito lon-
gos, exposto à contaminação ambiental ou sendo colocado em contato com utensílios
mal higienizados, por exemplo), o risco de contaminação e sobrevivência dos microrga-
nismos volta a existir.
O calor destrói parte ou toda a flora microbiana de um alimento, mas não possui
efeito residual, ou seja, depois de utilizado, o alimento pode se recontaminar. Assim, os
alimentos devem ser consumidos logo após seu cozimento ou colocados em recipientes
limpos e que impeçam essa recontaminação. O cozimento (ou cocção) dos alimentos
geralmente alcança temperaturas próximas à da ebulição (cerca de 1000
C). Entretanto,
esporos de alguns microrganismos conseguem resistir a essa temperatura. Deve-se lem-
brar, ainda, que, quando o alimento é cozido numa porção relativamente grande, sua
parte interna não alcança a mesma temperatura da superfície. Alimentos que sofrem
contaminação após o preparo, se são guardados e reaquecidos para serem servidos
novamente, representam um grande risco pois, geralmente, a temperatura de
reaquecimento é menor do que a de cozimento, podendo, em alguns casos, até facilitar o
crescimento bacteriano.
A maioria das bactérias não sobrevive ou, pelo menos, não se multiplica em baixas
temperaturas. Assim, o resfriamento dos alimentos é uma arma importante na preven-
ção de toxinfecções de origem alimentar. Entretanto, ele deve ser feito em equipamen-
tos próprios e de maneira adequada. Um refrigerador sujo, no qual os alimentos se
encontram sem embalagem e, por falta de espaço, entram em contato uns com os outros,
não permitirá um bom uso do frio. Os equipamentos devem passar por manutenção
técnica permanente a fim de que alcancem a faixa de temperatura desejada. Alimentos
perecíveis como carnes, leite, ovos e, em alguns casos, frutas e outros vegetais, devem
ser mantidos sob refrigeração numa temperatura inferior a 100
C, no caso de refrigera-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 2 7
dor único, do tipo doméstico. Estabelecimentos comerciais devem possuir diversas câ-
maras frias, cada qual com uma faixa de temperatura, ideal para armazenar cada tipo de
alimento. Cremes, molhos, alimentos prontos (principalmente os à base de carne) e res-
tos de comida também devem ser mantidos na geladeira.
3.Fatores relacionados ao desenvolvimento dos microrganismos:
fatores intrínsecos dos alimentos;
fatores do processo de preparo;
fatores ambientais;
grandes períodos de tempo entre preparo e consumo;
Com relação aos fatores do próprio alimento ou intrínsecos, são importantes os
nutrientes que o constituem, sua atividade de água, seu pH e sua estrutura física.
Existem alimentos considerados “ricos” e outros “pobres”, do ponto de vista nutritivo,
de acordo com seus constituintes. De maneira geral, pode-se dizer que os microrganismos
têm preferência pelos alimentos ricos, principalmente os protéicos, como o leite, por exem-
plo, considerado um excelente “meio de cultura”.
A atividade de água (aw) é uma mensuração técnica que corresponde à umidade
relativa do alimento: 80% de umidade relativa equivale a 0,80 de atividade de água. A
atividade de água varia de 0 a 1. Alimentos com atividade de água alta são mais susce-
tíveis à deterioração e ao desenvolvimento de microrganismos neles. Já os alimentos
desidratados e farináceos são mais seguros.
O pH também tem importante papel na manutenção da sanidade dos alimentos. Ali-
mentos muito ácidos geralmente não permitem um bom desenvolvimento dos microrga-
nismos. A maioria das bactérias se desenvolve melhor em pH entre 7,0 e 7,6.
Com relação à estrutura física dos alimentos, pode-se dizer que quanto maior sua
superfície, maior o risco de contaminação. Assim, uma peça de carne bovina inteira,
compacta, sofre um risco de contaminação menor que a carne bovina moída, cujas par-
tículas pequenas têm uma superfície de exposição aumentada.
Quanto aos fatores do processo de preparo dos alimentos, podem-se citar proces-
sos físicos e químicos. Como processo físico, o de maior importância é o calor. A
maioria dos alimentos que ingerimos é submetida a algum tipo de tratamento térmico
que, se for bem realizado, destruirá algum microrganismo que porventura tenha se insta-
lado no alimento. Alimentos malcozidos representam um risco maior para quem os inge-
re do que os bem cozidos. É fato amplamente conhecido que a temperatura que o ali-
mento sofre, no processo de cocção ou de fritura, não é distribuída igualmente em todas
as suas partes, sendo que sua superfície geralmente terá maior temperatura que o seu
interior. Deve-se ressaltar, entretanto, que na maioria das vezes a parte contaminada do
alimento é justamente a superfície. Assim, apesar dos processos de cocção e fritura não
garantirem completamente a segurança de determinado alimento, são métodos que auxi-
liam muito a alcançar este objetivo.
Ainda com relação à utilização do calor, devem ser mencionados os métodos de
esterilização e pasteurização. A esterilização consegue destruir todos os microrganis-
mos presentes num determinado alimento, que deve ser mantido em recipiente hermeti-
camente fechado, a fim de não permitir que ocorra recontaminação. Já a pasteurização
destrói os microrganismos patogênicos e boa parte daqueles responsáveis pela deterio-
ração dos alimentos.
Dentre os processos químicos, podem ser citados aqueles que alteram a atividade
1 2 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
de água do alimento, como a desidratação e a salga, os que alteram o pH, como a adição
de vinagre ou de ácidos naturais e, finalmente, a própria utilização de agentes químicos,
como por exemplo, os nitratos e nitritos.
Os fatores ambientais de maior importância relacionados ao desenvolvimento dos
microrganismos nos alimentos são a temperatura e a umidade. É fato amplamente co-
nhecido que o binômio temperatura-umidade tem papel fundamental no desenvolvimento
dos microrganismos. Com relação aos alimentos, se a temperatura ambiente estiver alta,
as condições para a multiplicação dos microrganismos serão melhores do que em tem-
peraturas muito baixas, pois a maioria dos microrganismos patogênicos são mesófilos,
isto é, desenvolvem-se melhor numa faixa de temperatura entre 30 e 400
C. Quanto à
umidade, seus efeitos podem ser melhor observados quando armazenamos alimentos
por algum tempo: se a umidade relativa for maior que 70%, haverá o aparecimento de
mofos (também designados bolores) e o alimento estará então sujeito à deterioração.
Muitas vezes, um alimento sofre contaminação microbiológica, mas como é servido
logo após o seu preparo, não traz nenhum prejuízo ao consumidor. Isto acontece porque
não houve o período de tempo necessário para a multiplicação dos microrganismos (e
para que eles atingissem a dose infectante necessária para provocar alterações patoló-
gicas no hospedeiro). Se fizermos o raciocínio inverso, fica fácil concluir que, quanto
maior o tempo entre o preparo e o consumo do alimento, maior a probabilidade de ele vir
a se tornar a fonte de um surto de intoxicação alimentar.
4. Fatores relacionados à gravidade da doença:
resistência da pessoa;
quantidade de alimento ingerida;
tipo de microrganismo envolvido;
rapidez do diagnóstico e tratamento.
Muitas vezes ingerimos alimentos contaminados mas não desenvolvemos qual-
quer sinal de enfermidade. Em outras ocasiões, várias pessoas que comem um mes-
mo alimento apresentam variações na manifestação de uma enfermidade relaciona-
da a ele, indo desde os assintomáticos, passando por casos leves e chegando a casos
que requerem medicação e, às vezes, internação hospitalar. São os fatores que de-
terminam esse tipo de acontecimento que comentaremos a seguir.
Em primeiro lugar, devemos levar em consideração que as pessoas não são iguais.
Sua constituição física, seus hábitos, as condições de vida a que estão sujeitas e até
mesmo sua herança genética irão determinar seu grau de resistência às agressões
externas (inclusive às microbiológicas). Assim, existem pessoas mais resistentes e ou-
tras mais suscetíveis às infecções e intoxicações, o que terá relação direta com a seve-
ridade da enfermidade que cada uma irá apresentar.
Se pensarmos que duas pessoas ingerem um mesmo alimento, contaminado por mi-
crorganismos, em quantidades diferentes, a chance daquela que ingere quantidades maiores
apresentar um problema de saúde é matematicamente maior do que a da pessoa que
ingere pequenas porções. Ao ingerir uma quantidade maior de alimento, provavel-
mente a pessoa estará ingerindo também uma quantidade maior de microrganismos (e,
muitas vezes, pequenas quantidades de bactérias não são suficientes para desencadear
enfermidades).
O tipo de microrganismo envolvido também é muito importante. Assim, a
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 2 9
neurotoxina produzida pelo Clostridium botulinum é considerada um dos venenos mais
potentes que o homem conhece e, freqüentemente, leva a pessoa que a ingere à morte.
Já os episódios desencadeados pela enterotoxina produzida pelo Staphylococcus aureus,
na maioria das vezes, são de curta duração e não causam conseqüências maiores, além
de mal-estar, vômitos e diarréia. É claro que, mesmo a toxina estafilocócica poderá
trazer grandes transtornos se acometer pessoas já debilitadas, idosos ou crianças muito
novas (por causa da resistência menor dos indivíduos, nestes casos).
Finalmente, quanto mais rápido se chegar ao diagnóstico correto e se iniciar o tra-
tamento adequado das pessoas acometidas, melhores os prognósticos e mais rápida a
recuperação.
Investigação de surtos de enfermidades transmitidas
por alimentos
Algumas etapas devem ser seguidas quando se pretende solucionar um problema
de saúde causado pela ingestão de alimentos. Vários fatores estarão envolvidos na
resolução deste “quebra-cabeças”: o processo se torna mais fácil quando todas as
pessoas acometidas freqüentaram um mesmo evento (todos participaram de uma fes-
ta ou são funcionários de uma mesma firma e almoçaram num mesmo refeitório, por
exemplo); quando os doentes são adultos (que costumam fornecer informações mais
confiáveis, nestes casos, do que as crianças); quando o cardápio servido é conhecido
(as opções de alimentos são conhecidas e relativamente restritas. Se o episódio ocorre
num local com múltiplas opções, as pessoas podem esquecer de relatar todos os ali-
mentos ingeridos, por exemplo); quando existem restos dos alimentos servidos no local
(e que poderão ser enviados para o laboratório); etc..
A seguir, as etapas que devem ser seguidas para a tentativa da resolução de surtos
de enfermidades transmitidas por alimentos:
1. Inquérito epidemiológico:
Entrevistar as pessoas envolvidas, colhendo dados como:
todos os alimentos ingeridos nas últimas 24 horas;
os sintomas: tipo e hora de início;
número de pessoas (doentes e não doentes) que comeu cada alimento.
2. Calcular a Taxa de Ataque (taxa de incidência):
número de pessoas que comeram alimento “x”
T.A. = e ficaram doentes X 100
número total de pessoas que comeram
alimento “x”
Fazer o cálculo para cada alimento a fim de determinar o alimento suspeito.
3. Tomada de amostras:
alimentos;
vômito dos pacientes;
1 3 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
fezes dos pacientes;
sangue (sintomas neurológicos);
urina (suspeita de intoxicação química).
Muitas vezes a coleta de amostras é dificultada por não existirem restos dos alimen-
tos ou pelos mesmos já terem sido jogados no lixo.
4. Análise dos dados:
Tentar descobrir o alimento envolvido, mediante a observação daquele que apresenta
a maior taxa de ataque. Pode-se suspeitar do agente etiológico pelo tipo de sintomas que
as pessoas apresentam e pelo tempo entre a ingestão e o início dos mesmos (período de
incubação).
5. Registro dos dados e resultados:
Esta etapa é extremamente importante para que comecemos a ter um registro destes
episódios, o que, no Brasil, atualmente não existe (há apenas o relato de ocorrências
isoladas, mas não se conhece a real prevalência das diferentes toxinfecções alimenta-
res).
Produtos hortícolas
Kathia Brienza Badini Marulli
A produção dos hortícolas sofreu transformações importantes nas últimas décadas.
Técnicas modernas de cultivo permitiram um aumento na produtividade, gerando maior
oferta destes produtos. A rapidez dos transportes e novas formas de comercialização
reduziram as perdas e a distância entre produtores e consumidores.
Em busca de melhor qualidade de vida, um grande número de pessoas aderiu às
dietas vegetarianas e naturalistas, elevando o consumo de hortaliças e legumes.
O fator mais importante para a intensa incorporação dos produtos hortícolas à ali-
mentação dos brasileiros, entretanto, decorre da crise econômica que o país atravessa, o
que freqüentemente obriga a substituição dos alimentos de origem animal por outros
mais baratos, sendo os hortícolas a melhor opção.
Sabendo-se que por meio dos vegetais podem ser veiculadas substâncias tóxicas e
agentes patogênicos ao homem, o profissional de Saúde Pública deve proceder rigoroso
controle higiênico-sanitário destes produtos, tendo como objetivo principal evitar surtos
ou casos isolados de enfermidades transmitidas por alimentos. Para isso, deve conhecer
todas as etapas por que passam os produtos, desde o plantio até seu destino final, detec-
tar o risco de contaminação que cada uma delas pode representar e tomar as medidas
preventivas necessárias para garantir sua qualidade e inocuidade.
Enfermidades transmitidas pelos produtos hortícolas
Para que ocorra a transmissão de doenças pelos alimentos, alguns fatores devem ser
considerados, como as características do agente etiológico, a natureza do alimento en-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 3 1
volvido e os hábitos alimentares e higiênicos do consumidor, bem como seu estado de
saúde.
A real grandeza das doenças causadas pela ingestão de vegetais crus é desconheci-
da. Tais enfermidades variam de indisposições leves por poucas horas à infecções com
duração de alguns dias, que podem tornar-se sérias. Como nem sempre o serviço médi-
co é procurado, o número de ocorrências nunca é determinado com precisão (Geldreich,
1971).
Devido à comprovada capacidade de sobrevivência dos microorganismos patogênicos
intestinais em hortaliças, estas, uma vez contaminadas, poderão servir de via de trans-
missão aos seus manipuladores, nas operações de colheita, transporte ou venda, e, de
maneira mais direta, aos consumidores. As hortaliças cujas folhas constituem a parte
comestível e principalmente aquelas que apresentam numerosas folhas imbricadas e de
superfície irregular, oferecem condições muito maiores para retenção e sobrevivência
dos microorganismos nelas depositados. Algumas, como é o caso da alface, podem mesmo,
pelas secreções de suas folhas, facilitar a retenção e a sobrevivência dos germes devido
à formação de camadas isolantes protetoras (Christovão et al., 1967).
Além dos microorganismos e parasitas que podem ser veiculados pelos vegetais,
outro grave problema para a Saúde Pública é a presença de agrotóxicos nestes alimen-
tos, o que recentemente tem sido controlado por meio da obrigatoriedade do uso do
Receituário Agronômico para a aquisição e utilização destes produtos.
As enfermidades mais freqüentemente relacionadas à contaminação dos hortícolas
são Febre Tifóide e Paratifóide, Salmonelose, Disenteria Bacilar, Cólera, Leptospirose,
Hepatite Infecciosa, Gastroenterites Virais e Disenteria Amebiana. Temos ainda outras
doenças menos comuns associadas com a irrigação de culturas, como Brucelose, Tuber-
culose, Tularemia, Erisipela Suína, Coccidiose, Ascaridíase, Cisticercose, Fasciolose,
Esquistossomose e outras infestações parasitárias (Geldreich, 1971).
Fontes de contaminação
Os produtos hortícolas podem sofrer contaminação durante as diferentes etapas por
que passam, desde seu plantio até sua comercialização.
A primeira fonte de contaminação para os vegetais pode ser o próprio solo onde eles
são produzidos. Resíduos industriais, lixo urbano, lodo de esgoto e fezes de animais
podem ser utilizados na adubação das culturas, desde que previamente tratados. Porém,
adubos orgânicos mal compostos ou crus servem como fonte potencial de microorganismos
patogênicos e o problema é ainda mais sério quando são usados em plantas cujas partes
comestíveis são as folhas. Também os agrotóxicos podem contaminar os solos e perma-
necer muitos anos neles. Os produtores devem ter sempre em mente que, uma vez
poluído, o solo é de difícil recuperação (Costa, 1985).
A água utilizada na irrigação dos vegetais é a fonte de contaminação mais freqüente.
Devido à grande quantidade de água utilizada nas plantações, raramente os produtores
servem-se de água tratada por companhias de saneamento, devido à inviabilidade econô-
mica que isso representaria. Assim, a água utilizada para irrigação normalmente provém
de rios e córregos, que muitas vezes recebem descargas de esgoto das comunidades vizi-
nhas. As chuvas, os animais e o próprio retorno da água utilizada para irrigação também
podem poluir o manancial. Como os rios geralmente são pequenos, a poluição recebida
1 3 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
rapidamente ultrapassa sua capacidade normal de purificação, estendendo a zona de peri-
go potencial rio abaixo, para outros usuários, muitas vezes também produtores que o utiliza-
rão para irrigar culturas.
Para avaliar a qualidade da água é realizada em laboratório a pesquisa do número
mais provável (NMP) de bactérias do grupo coliforme, utilizado como indicador de con-
taminação fecal. Somente pode ser utilizada para a irrigação de culturas a água com
concentração inferior a 1.000 coliformes fecais por 100 ml de amostra (C. V. S., 1991).
As médias aritméticas dos valores do NMP/100 ml, obtidas nas águas de 11 hortas do
município de São Paulo, no ano de 1967, variaram de 20.200 a 514.430 para bactérias
coliformes e de 11.042 a 452.533 para Escherichia coli. Tais índices ultrapassaram em
muito os limites máximos tolerados para a irrigação de vegetais consumidos crus. Além
disso, em 5 de 11 amostras de água de irrigação de hortas, foram isolados os vírus da
Poliomielite e vírus Coxsackie (Christovão, 1967).
Em 1970, a qualidade da água de cinco córregos das áreas urbanas e suburbanas de
Ribeirão Preto (SP), utilizada para irrigação de hortas, foi estudada e em todos, recepto-
res ou não de terminais de esgotos, foram encontrados tanto ovos de helmintos, como
cistos de protozoários. Foi observado que a freqüência do encontro de enteroparasitas
guardou relação inversa aos índices de precipitação pluviométrica. Assim, justamente na
época do ano em que os riachos encontram-se com uma maior concentração de material
orgânico de origem fecal, se faz necessária a maior utilização dos sistemas de irrigação
nas áreas de cultivo de hortaliças, que se utilizam principalmente dessas águas. Foram
isolados cistos de Giardia sp, Entamoeba sp, Endolimax sp, Iodamoeba sp e ovos de
Ascaris sp, Ancylostomidae, Trichocephalus sp, Hymenolepis sp, Taenia sp e
Enterobius sp. (Marzochi, 1970)
Em Israel, devido ao grave problema de falta de água, vem sendo amplamente estu-
dada a utilização de esgotos na irrigação de vegetais. Vários trabalhos demonstraram
que um largo espectro de microorganismos patogênicos aparece no esgoto em altas
concentrações e sobrevivem por dias, semanas e, às vezes, por meses, no solo e nas
culturas que entram em contato direto com esgoto sem tratamento ou mesmo com trata-
mento parcial. Em trabalho realizado em 1984, foi observado que a transmissão de
helmintos estava relacionada com a irrigação de hortaliças com esgoto, mediante obser-
vação dos resultados de exames de fezes. Durante as épocas em que vegetais irrigados
com esgoto eram comercializados na cidade, as taxas de exames positivos subiam muito
e, com a parada desse tipo de irrigação, as taxas de exames positivos caíam drastica-
mente. Os vegetais irrigados com esgoto também foram examinados e estavam alta-
mente contaminados (Shuval et al., 1984).
Durante a epidemia de Cólera em Israel, em 1970, os vegetais irrigados com esgoto
foram considerados a principal via de transmissão da doença. Quando o suprimento de
vegetais irrigados com esgoto parou, a epidemia rapidamente diminuiu e o último caso
clínico foi registrado 12 dias depois (Shuval et al., 1984).
A população exposta aos aerossóis derivados da irrigação com esgoto por aspersão
também sofre problemas de saúde. Foi verificado um aumento nas taxas de doenças
entéricas durante períodos com esse tipo de irrigação (Fattal et al., 1986).
Os animais selvagens, principalmente aves e roedores, que se aproximam das áreas
cultivadas à procura de alimentos, também podem contribuir para a contaminação dos
produtos hortícolas, por meio de suas fezes. Os insetos também geram uma contamina-
ção mensurável, porém geralmente baixa (Geldreich, 1971).
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 3 3
Os próprios trabalhadores da zona rural podem contaminar os alimentos. Estas pes-
soas normalmente possuem maus hábitos de higiene, baixo nível de informação e condi-
ções de moradia precárias do ponto de vista sanitário. Vivem geralmente em grande
proximidade com os animais e suas fezes podem albergar agentes patógenos.
Também nas etapas de embalagem, transporte e armazenamento os produtos hortícolas
podem sofrer contaminação. As caixas utilizadas para o acondicionamento dos vegetais
muitas vezes são aproveitadas para outros fins, como por exemplo, a deposição de lixo.
É comum o armazenamento das caixas a céu aberto, servindo às vezes de refúgio para
animais domésticos, como cães e gatos, e sofrendo também a contaminação por urina e
fezes de roedores. A não desinfecção das caixas antes de sua reutilização propicia a
disseminação de agentes patogênicos. Os alimentos ali colocados poderão contaminar-
se e, na dependência do agente, causar sérios transtornos à Saúde Pública (Miguel et al.,
1989).
Durante o transporte dos vegetais há uma ampla oportunidade de contaminação adi-
cional. Veículos sujos e abertos oferecem fácil acesso à poeira, poluição, insetos e roe-
dores. Os produtos são mantidos frescos borrifando-se os vegetais com água de qualida-
de questionável. O transporte em veículos sem refrigeração e a exposição a altas tem-
peraturas por longos períodos são fatores indesejáveis (Geldreich, 1971).
Os entrepostos e depósitos nem sempre oferecem condições adequadas de higiene,
temperatura e proteção contra insetos e roedores. Em alguns supermercados, ocorre um
manuseio adicional para o preparo do produto para a venda ao consumidor. São
desenfardados, cortados, classificados e reembalados e, muitas vezes, recebem um bor-
rifo adicional com água para manter seu frescor. Em outros pontos de venda, as frutas e
verduras são expostas a descoberto, sem proteção ou atenção às condições sanitárias,
como é o caso das feiras livres e “varejões”. É comum, nestes locais, a existência de
recipientes com água onde as verduras são mergulhadas, e onde provavelmente estarão
sofrendo uma contaminação extra.
Dados sobre a contaminação dos produtos
hortícolas no brasil
Normalmente encontramos dados quanto à contaminação da água de irrigação das
hortas, e não diretamente da carga microbiana existente nas hortaliças. Porém, algumas
pesquisas já foram feitas neste sentido. Pode-se citar um estudo realizado em 1983,
quando foram colhidas amostras de acelga, agrião, alface, cheiro-verde e couve-mantei-
ga, em oito municípios que abastecem Curitiba (PR). Em 100% das amostras foi obser-
vada contaminação fecal, sendo que 11 das 164 amostras continham E. coli
enteropatogênicas. De 151 amostras, 108 apresentaram ovos, larvas e/ou cistos de para-
sitas. Em 47 amostras foram pesquisados resíduos de 11 defensivos agrícolas e somente
1 não foi encontrado (Riedel, 1987).
Em pesquisa realizada em São Paulo, em 1991, foram encontrados níveis de contamina-
ção por enteroparasitas na ordem de 40% para alface lisa, 58% para alface crespa, 62% para
escarola e 78% para agrião, havendo isolamento de ovos e larvas. A análise da freqüência
dos helmintos identificados mostrou uma predominância da ocorrência de ancilostomídeos,
seguida de Ascaris sp, em todas as variedades de hortaliças pesquisadas. Ovos de Fasciola
sp foram observados apenas nas amostras de agrião (6,0%) e alface lisa (2,0%). Os resulta-
dos obtidos comprovaram a contaminação fecal em altos níveis e a baixa qualidade higiênica
1 3 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
destes produtos oferecidos ao consumo alimentar humano, na região metropolitana de São
Paulo,SP(Oliveira,1992).
O controle dos produtos hortícolas
e a legislação específica existente
No Brasil, a legislação sobre alimentos é da competência dos Ministérios da Saúde e da
Agricultura e a fiscalização é realizada em nível municipal, estadual (Secretarias da Agri-
cultura e da Saúde) e federal (Ministério da Agricultura). Além da legislação geral sobre
alimentos, existe alguma específica para os produtos hortícolas.
O Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, define como competência do
Ministério da Agricultura a padronização e inspeção de produtos vegetais e animais ou
de consumo nas atividades agropecuárias (Gouveia, 1990).
No Decreto no
12.342, de 27 de setembro de 1978, têm-se as exigências quanto às
instalações dos locais de comercialização dos produtos hortícolas. O Decreto no
12.486,
de 20 de outubro de 1978, aprova Normas Técnicas Especiais relativas a alimentos e
bebidas, sendo de interesse as NTAs no
1 em que se citam as normas gerais de higiene
para assegurar condições de pureza necessárias aos alimentos destinados ao consumo
humano; NTA no
12, sobre hortaliças; NTA no
13, sobre verduras; NTA no
14, sobre
legumes; NTA no
15, sobre raízes, tubiérculos e rizomas; NTA no
16, sobre cogumelos
comestíveis; NTA no
17, sobre frutas. Da NTA no
18 a NTA no
27, são abordados os
produtos de frutas industrializados (sucos, geléias, doces, etc..). A NTA no
31 é sobre
hortaliças em conserva e a NTA no
32 sobre extrato de tomate (Código Sanitário do
Estado de São Paulo, 1987).
O Decreto no
78.113, de 11 de novembro de 1978, aprova preceitos sobre produtos
vegetais, subprodutos e resíduos de valor econômico (Gouveia, 1990).
A Portaria no
001, de 28 de janeiro de 1987, estabelece os padrões microbiológicos
para frutas e hortaliças e polpas e produtos de frutas expostos à venda ou de alguma
forma destinados ao consumo (Gouveia, 1990).
Em julho de 1990, o Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria Estadual de Saúde
de São Paulo, baixou Portaria constituindo um grupo de trabalho para a fiscalização de
alimentos na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo –
CEAGESP (IVS-CVS, 1990).
No final do ano de 1990, um grupo de estudos constituído por Médicos Veterinários
especialistas em alimentos, coordenado pela Faculdade de Medicina Veterinária e
Zootecnia da U.S.P , e outro grupo, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do
Estado, elaboraram um Anteprojeto de Lei que, entre outras coisas, estabelece a
obrigatoriedade da prévia fiscalização dos produtos de origem animal e vegetal, criando
o Sistema Estadual Unificado de Inspeção Sanitária dos Produtos de Origem Animal e
Vegetal (Solís, 1991).
Em Portaria de 12 de dezembro de 1991, do Centro de Vigilância Sanitária da Secre-
taria da Saúde, ficou estabelecido o nível máximo de coliformes fecais na água de irriga-
ção das plantações de hortaliças e frutas rasteiras e a obrigatoriedade da análise
bacteriológica periódica da água, pelo produtor.
Esta Portaria foi apenas uma das medidas preventivas adotadas em virtude do risco
de uma nova epidemia de Cólera no país. O mapeamento das hortas existentes e as
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 3 5
visitas às propriedades para verificação da procedência da água de irrigação e de enxagüe
dos alimentos, colheita de amostras da água e das hortaliças para análise laboratorial e a
orientação dos agricultores quanto à proteção dos mananciais ou tratamento de manan-
ciais contaminados, foram outras atividades que passaram a ser desenvolvidas pelos
técnicos das Secretarias Estaduais de Saúde e de Agricultura e, também, Secretarias
Municipais de Saúde.
Durante Simpósio sobre Prevenção da Cólera, patrocinado pela Associação Brasilei-
ra das Empresas de Refeições Coletivas – ABERC – as normas recomendadas para
desinfecção dos vegetais foram as seguintes: imersão em solução de hipoclorito de sódio
ou de cálcio em concentração não superior a 200 mg/l de cloro ativo por 15 minutos ou
imersão por 30 minutos em solução de vinagre a 6%. Em locais onde o surto de Cólera
já esteja iniciado, a recomendação é no sentido de não consumir qualquer alimento cru,
inclusive verduras, legumes e frutas (Aberc, 1991). Deve-se citar que a Secretaria de
Estado de Saúde, que inicialmente recomendava o uso de vinagre como uma alternativa
para a desinfecção dos alimentos, tem suprimido esta informação em seus últimos bole-
tins oficiais.
Várias palestras, folhetos e mensagens passaram a ser veiculados de forma freqüen-
te nos meios de comunicação de massa, com a finalidade de informar os consumidores
e manipuladores de alimentos sobre as medidas a serem adotadas para impedir a disse-
minação da Cólera. Este trabalho de orientação auxilia na erradicação de diversas ou-
tras enfermidades, além da Cólera, que podem ser transmitidas pelos hortifrutigranjeiros.
Implantação de um programa de controle
de produtos hortícolas
Sistemas altamente eficientes de controle higiênico e sanitário dos alimentos já existem
em muitos países. Eles permitem cobrir muito mais tarefas do que simplesmente garantir
segurança do alimento produzido e distribuído dentro do país e de alimento importado ou
exportado. Contribuem para a vigilância, prevenção e controle de zoonoses e outras doen-
ças, a redução da desnutrição humana, a prevenção de perdas evitáveis de alimentos, a
proteção da saúde do ambiente (Panetta, 1982).
Diversos autores já propuseram a criação de Programas de Controle de Alimentos.
Este Programa deve abranger diferentes etapas, que serão aqui abordadas, dando-se
enfoque aos produtos hortícolas.
Fase de produção: devem-se efetuar o controle e fiscalização da qualidade da água
utilizada para irrigação e enxague das hortaliças. A obtenção e qualidade do adubo
orgânico a ser utilizado devem ser verificadas. Controlar a quantidade de agrotóxicos
utilizados nas culturas. Também devem ser padronizados e fiscalizados os recipientes
utilizados para acondicionamento dos alimentos e os veículos de transporte, bem como
exigida sua higienização periódica.
Educação Sanitária: treinamentos para produtores, manipuladores de alimentos e
público em geral. Deve-se esclarecer a população sobre o valor nutricional dos alimen-
tos, maneiras de desinfecção, principais doenças que possam ser veiculadas pelos ali-
mentos e como evitá-las. O consumidor deve ser alertado para exigir seus direitos, pois
somente com sua colaboração efetiva os produtores e comerciantes mudarão suas atitu-
des. Sabe-se que a fiscalização pelos órgãos públicos, isoladamente, tem efeito muito
reduzido.
1 3 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Controle de zoonoses: controle de vetores e roedores, para evitar perdas e/ou
contaminação dos alimentos. Controlar o destino das excretas animais e humanas. Pro-
ceder à criação sanitária dos animais.
Vigilância sanitária dos alimentos: treinar as equipes de forma direcionada e pe-
riódica. Proceder a um melhor aproveitamento dos recursos materiais e humanos exis-
tentes ou providenciar tais recursos onde eles não existirem ou forem insuficientes.
Fornecer apoio laboratorial às equipes. Realizar as atividades de fiscalização de maneira
programada.
Notificação das enfermidades transmitidas por alimentos: implementar um ser-
viço rápido de notificação destas enfermidades para que se consiga um levantamento
real da situação e se possam avaliar os dados obtidos.
Desenvolvimento de pesquisas científicas: pesquisas na área de produção de
alimentos, desenvolvendo técnicas aprimoradas e racionais. Realização de estudos que
avaliem melhor a contaminação e os riscos que os alimentos podem representar. As
pesquisas devem ser direcionadas para realmente auxiliarem o trabalho dos técnicos de
ponta.
Participação na elaboração e atualização de normas, regulamentos e leis: As
leis relacionadas à Saúde Pública devem ser elaboradas por técnicos que tenham um
conhecimento real e profundo da situação, e não por pessoas que visam apenas a inte-
resses pessoais e políticos, como às vezes acontece.
Formação profissional: o profissional precisa ser conscientizado de seu papel na
defesa da Saúde Pública e, para isso, no curso de graduação devem existir disciplinas
específicas, que o preparem para atuar nesta área.
As atividades são muitas e necessárias. Na área de Saúde Pública e particularmente
no que concerne à higiene de alimentos, os profissionais têm responsabilidades
intransferíveis perante a comunidade (Panetta, 1982).
Controle
Devido à maior importância que os produtos hortícolas vêm adquirindo para a alimen-
tação dos brasileiros, deve-se dar uma maior atenção aos aspectos higiênico-sanitários
destes alimentos.
São poucos os dados existentes sobre o papel destes produtos na transmissão de
enfermidades ao homem, porém, devido à alta contaminação que estes alimentos so-
frem, a probabilidade de servirem como via de transmissão de doenças é alta.
Os produtos hortícolas representam uma vasta área de atuação para o profissional de
Saúde Pública e, até este momento, pouca coisa foi feita.
A solução mais adequada para o problema é a implantação de um Programa de
Controle dos Produtos Hortícolas, com atuação em todas as etapas envolvidas, desde a
produção até a comercialização dos alimentos.
Para que se atinjam os objetivos deste Programa, além da conscientização do profis-
sional é necessário que todos os segmentos da sociedade estejam envolvidos. Assim, os
produtores devem ser orientados e assumir a responsabilidade pelo que irão produzir; os
funcionários dos órgãos de fiscalização e controle devem zelar pelo cumprimento da
legislação existente e pelo trabalho educativo a ser desenvolvido, e os consumidores
devem exigir um produto de qualidade. Somente assim, com cada um desempenhando
seu papel, pode-se alcançar uma melhora significativa na qualidade dos alimentos ofere-
cidos à população.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 3 7
Leite
Kathia Brienza Badini Marulli
No século XIX, o fornecimento de leite para as cidades era feito por chácaras situa-
das nas vizinhanças (Gancho, 1991). De acordo com a descrição de Mawe, “de galiná-
ceos e de gado havia abundância perto da cidade, mas como não se armazenavam
forragens, o gado só engordava no tempo de boas pastagens. As vacas eram ordenha-
das sem regularidade, recebiam fracas rações de sal e eram geralmente consideradas
‘um estorvo’; o uso de leite de cabra era mais generalizado. Os derivados do leite eram
produzidos sob precárias condições higiênicas, de modo que a manteiga logo ficava
rançosa e o queijo não prestava”. Na cidade de São Paulo, a comercialização de produ-
tos de fácil deterioração era feita nas ruas, nos tabuleiros das negras ou nas mulas dos
caipiras vindos das redondezas e de localidades mais distantes como Cotia e Juqueri
(Morse, 1970).
No início do século XX, com a propagação da energia elétrica, a indústria de laticínios
teve incremento considerável, principalmente na região do sul de Minas e em São Paulo.
O processo de industrialização expulsou bois e vacas das redondezas das cidades em
crescimento (Gancho,1991). Nessa época, a cidade de São Paulo possuía cerca de 240.000
habitantes, sendo a produção de leite efetuada na periferia da cidade, por produtores
cuja origem era predominantemente portuguesa, conhecidos como “vaqueiros”, que dis-
tribuíam o produto por meio de carrocinhas movidas por 2, 4 ou 6 animais de tração
(Meireles, 1983).
Nos anos 20, com o crescimento da cidade, a produção de leite tornou-se insuficiente
para abastecer a população e foi necessário importar leite de outras regiões, criando-se,
dessa maneira, as condições para a implantação de usinas e entrepostos na Capital,
voltados para a distribuição do leite. Nessa época surgiu a “Sociedade União dos Va-
queiros” que, por meio de uma usina de beneficiamento de leite, pasteurizava, engarra-
fava e distribuía à população o leite que vinha das cercanias de São Paulo (Meireles,
1983).
Na década de 30, o abastecimento de leite na cidade de São Paulo era realizado pelos
vaqueiros, que distribuíam leite cru, e pelos entrepostos e usinas. A partir de junho/julho
de 1933, a fiscalização sanitária sobre o leite comercializado pelos vaqueiros foi intensi-
ficada, pois os mesmos não estariam cumprindo o estabelecido no artigo 20 do Decreto
no
5.032 de 20/05/1931, que regulamentava produção, consumo e fiscalização do leite e
produtos derivados (Meireles, 1983).
Em julho de 1939, o Governo do Estado baixou decreto instituindo o “Regulamento do
Policiamento do Serviço de Alimentação Pública” que, entre outras exigências, estabele-
ceu que todo o leite a ser distribuído à população a partir de 01 de dezembro do mesmo ano
deveria ser pasteurizado (Meireles, 1983). Esta resolução gerou polêmica: alguns defendi-
am que a medida traria maior segurança ao consumidor, além de possibilitar o transporte
do leite de outras regiões sem que o produto se deteriorasse tão rapidamente. Entretanto,
outras pessoas eram radicalmente contrárias à pasteurização, afirmando que a mesma
permitiria a constituição do monopólio, fato este que acarretava o favorecimento de um
reduzido número de usinas particulares, assim como o encarecimento do produto, e a con-
1 3 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
seqüente queda do consumo. Os usineiros, já naquela época, pagavam pouco aos produto-
res, e muitos rebanhos leiteiros foram transformados em rebanhos de corte (Amaral, 1963).
A produção próxima ao centro consumidor (considerada melhor do ponto de vista econô-
mico,higiênicoesocial,segundoAmaral,1963)foiaprimeiraquesereduziu,pelapossibilida-
de dos interessados comprarem leite produzido em municípios distantes e até em outro esta-
dos, onde os preços eram insignificantes. Em 1936, 32,85% do leite consumido na cidade de
São Paulo, o que correspondia a 47.000 litros, era produzido nos arredores da cidade. Já em
1943, apenas 9,89% (10 a 15 mil litros) eram produzidos nas vizinhanças, sendo o restante
vindo de longe, até de Minas Gerais, de onde chegava repasteurizado, apesar disso ser proi-
bidoporlei(Amaral,1963).
Seja pela deficiência no abastecimento de leite realizado pelas usinas distribuidoras,
seja pelo hábito de consumo do leite cru ou pelos dois motivos citados, a verdade é que
a antiga forma de comercialização do produto nunca desapareceu.
O leite e a transmissão de doenças
No final do século XVIII e início do XIX, muitos surtos epidêmicos registrados tive-
ram seus agentes etiológicos transmitidos pelo leite, produzido, transportado e mantido
em condições higiênicas não satisfatórias.
Em 1892, das 4561 mortes (excluindo 280 natimortos) ocorridas na cidade de São
Paulo, 2.443 foram de crianças com menos de 8 anos e 170 de crianças entre 8 e 15
anos de idade. Declarava-se que as duas principais causas eram: moléstias
broncopulmonares e moléstias gastrointestinais, causadas por alimentação inadequada,
“amamentação mercenária” e leite de vaca impuro (Tapajós, 1984, citado por Morse,
1970).
Em 1904, no Município de São Paulo, como parte da campanha contra a tuberculose,
funcionava o serviço de inspeção de vacas. Eram examinadas as vacas que forneciam
leite para a população da Capital, por meio da inoculação de tuberculina. Os animais
positivos deveriam ser eliminados. Nesse ano, foram examinadas 4.091 vacas, sendo
que 17,8% (720) foram positivas. Ao invés de abaterem estes animais, seus proprietári-
os vendiam-nos por preços baixos para outras cidades do interior do Estado (Ribeiro,
1993).
Em 1908, nos Estados Unidos, 179 epidemias foram causadas pela ingestão de leite e
derivados contaminados (Armstrong & Parvan, citado por Nascimento, 1982). Casos de
tuberculose humana foram descritos na África do Sul, possivelmente relacionados à
ingestão de leite não pasteurizado (A. P. H. A., 1978).
Entre 1923 e 1958, ocorreram 1.131 surtos epidêmicos de doenças veiculadas pelo
leite, nos Estados Unidos, sendo 47.411 o número de casos, com 901 mortes (Santos,
1980). De 1923 a 1960, foram registrados 1.142 surtos epidêmicos de doenças
transmissíveis devidas ao leite, nos Estados Unidos, perfazendo um total de 45.146 casos
e 816 mortes (Leavell & Clark, 1976). Na Inglaterra e País de Gales, no período de 1951
a 1980, foram relatados 2.369 surtos de intoxicação alimentar causados por Salmonella
spp, 590 intoxicações estafilocócicas, 3 casos de tuberculose, 10 de brucelose e 715
outras enfermidades relacionadas à ingestão de leite cru (Galbraith, 1982).
Até 1941, no Brasil, haviam sido diagnosticados e confirmados bacteriologicamente
19 casos de brucelose humana: 12 em São Paulo, 3 no Rio Grande do Sul, 2 no Rio de
Janeiro, 1 no Pará e 1 no Paraná. Em 13 foram isoladas as brucelas: em 2 era B. abortus;
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 3 9
em 8 a B. suis; em 2 a B. melitensis; em 1 a B. paramelitensis. Assim, segundo o autor,
em apenas 2 casos a ingestão de leite de vaca poderia ser responsabilizada pela moléstia
(Rogick, 1941).
O processo de pasteurização
Ainda na tentativa de melhorar a qualidade do produto e de diminuir o risco de doen-
ças, foi estabelecida pelas autoridades a obrigatoriedade da pasteurização do leite a ser
distribuído à população, a partir de dezembro de 1939. A pasteurização é um processo
desenvolvido pelo cientista Louis Pasteur, entre 1860 e 1864, a partir de experiências
com vinho; foi aplicado para beneficiamento do leite para consumo das grandes cidades
dos Estados Unidos em fins do século passado. O processo utilizado era chamado “holder
pasteurization” (pasteurização lenta) e consistia em aquecer o leite durante 30 minutos a
uma temperatura pouco superior a 610
C. Esse mesmo processo foi utilizado no Brasil
principalmente nas décadas de 20 e 30, sendo substituído pelo denominado HTST (“high
temperature-short time”), a partir da década de 40 (Meireles, 1983).
Como sempre, alguns setores foram favoráveis à decisão, enquanto outros se
posicionaram contrariamente à pasteurização. Um médico da época afirmava que “não
basta qualquer pequena e casual ingestão de leite cru de animais doentes para que o
homem contraia uma infecção, como parecem dar a entender os técnicos dos serviços
responsáveis pela instituição da pasteurização obrigatória”. Relatava ainda que o produ-
to chegava às usinas de pasteurização com taxas de 5 a 30 milhões de germes/cm3
ou
mais e que, com a pasteurização, o produto transformava-se em “cemitério de micróbi-
os” (Amaral, 1957).
Alguns autores, naquela ocasião, defendiam a quebra do monopólio estabelecido pe-
las usinas, o reestabelecimento da produção próxima aos centros consumidores e a dis-
tribuição rápida do produto e em condições higiênicas satisfatórias. Para eles, a solução
seria abolir a pasteurização obrigatória para o produto com condições de chegar ao
consumidor satisfatoriamente, independente dela. Defendiam que, se houvesse a conve-
niência em manter a obrigatoriedade no tocante à pasteurização, ela deveria ser realiza-
da pelos produtores, possivelmente organizados em cooperativas fiscalizadas pelo go-
verno. Acreditavam que o ideal era tentar obter um produto que pudesse ser fornecido e
consumido cru (Amaral, 1963).
Apesar de obrigatória, a pasteurização, em 1958, atingiu apenas 312.988 toneladas de
leite, o que representava cerca de 10% da produção nacional (Amaral, 1963).
Qualidade do leite
A qualidade higiênica do leite depende de vários fatores, que vão desde o estado
sanitário dos animais, até a comercialização do produto. A limpeza efetiva dos recipien-
tes, utensílios e equipamentos utilizados na ordenha, a qualidade da água usada para
higienização, conjuntamente com a higiene cuidadosa do local e do pessoal, são elemen-
tos de grande importância. Interferindo na qualidade e quantidade do leite estão ainda a
zona de criação, o clima, a salubridade do lugar, a fertilidade das terras, a alimentação
dos animais, o pessoal encarregado do serviço, as vias de comunicação e a organização
do comércio. O conjunto destes itens é o que determina a obtenção de um bom leite no
1 4 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
sentido amplo da palavra (Rogick, 1979; Costa et al., 1983; 1984).
Para avaliar a qualidade do leite, devem ser realizadas provas físico-químicas, que irão
detectar alterações nas características do produto, algumas delas provenientes de adulte-
rações intencionais. Os testes microbiológicos vêm a seguir, pela importância do leite em
difundir e veicular patogênicos do rebanho ou do meio para o homem (Santos, 1980). O
número de microrganismos presentes no leite tem relação direta com as condições de
higiene de sua obtenção, transporte e conservação.
Em condições normais, a contaminação do leite é pequena, atingindo no máximo
10.000 microrganismos/mL, sendo cerca de 1.000/mL o valor médio. Estes, geralmente,
são saprófitas do animal e não crescem muito bem no leite, principalmente se o produto
for resfriado logo após a ordenha (Oliveira, 1976).
Quando há grandes deficiências higiênicas e, em casos de mastites, contaminações
maciças podem ocorrer, sendo extremamente variáveis tanto qualitativa, como
quantitativamente, de modo a acarretar elevadas contagens de microrganismos. Ocasi-
onalmente, microrganismos patogênicos são veiculados pelo leite, provenientes em sua
maioria do ordenhador ou do próprio animal (Santos, 1980; Nascimento, 1982).
O excelente valor alimentício do leite para o homem é quase igualado em sua qualida-
de pelo favorecimento ao crescimento bacteriano. Assim, quando as bactérias chegam
ao leite, multiplicam-se rapidamente, a menos que o produto seja mantido em temperatu-
ra baixa (Leavell & Clark, 1976). Como o leite possui nutrientes e pH próximo ao neutro,
que é preferido por muitos microrganismos, ele serve como meio de crescimento para
inúmeros microrganismos oportunistas e patogênicos (Vasavada, 1988).
Como o leite é praticamente o único alimento de origem animal costumeiramente
ingerido sem cozinhar, e está em contato íntimo com muitas pessoas durante os proces-
sos de produção e distribuição, as oportunidades para a introdução de germes patogênicos
são numerosas (Leavell & Clark, 1976). Surtos de intoxicações alimentares e outras
doenças envolvendo leite e derivados são descritos desde o início da indústria leiteira
(Vasavada, 1988).
Com o início da utilização da pasteurização, o problema assumiu dimensões menores.
O processo de pasteurização consiste em destruir os agentes patogênicos sem causar
mais do que alterações de mínima importância em sua composição, sabor e valor nutri-
tivo. Serve ainda para aumentar sua capacidade de conservação, a fim de que diversos
setores da população, urbana ou rural, possam receber uma quantidade suficiente de
leite de boa qualidade (Kay, 1966). A utilização da pasteurização é um dos fatores es-
senciais da produção leiteira em países onde a mesma encontra-se muito desenvolvida
(Iya, 1966).
Não se pode esquecer, porém, que “a tecnologia de beneficiamento apenas higieniza
o produto, mas não regenera os efeitos da matéria prima. Nada acrescenta, apenas
procura eliminar os fatores indesejáveis que nela se encontrem. Essa matéria prima é de
natureza a mais variada, tanto na sua composição, como em teores microbiológicos”
(Jardim, 1984).
A maioria dos saprófitas contidos no leite e a totalidade dos patógenos são destruídas
pela pasteurização (Cruz, 1984). Na verdade, a pasteurização adequada, perfeitamente
conduzida, é capaz de destruir 99,9% dos germes, sendo que o 0,1% que resta, depen-
dendo da contaminação inicial, pode representar uma elevada carga bacteriana no leite
(Rogick, 1981).
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 4 1
Devido à evolução do hábito de consumo, iniciado pelo leite cru, passando pelo fervi-
do, depois pelo pasteurizado e mais recentemente chegando ao “longa vida”, os consu-
midores estariam devidamente protegidos (Rogick, 1979).
Entretanto, não é essa a situação atual dos consumidores de leite. O leite cru conti-
nua sendo comercializado em larga escala e nem todos os seus usuários têm o hábito de
submetê-lo à fervura. A qualidade do leite pasteurizado continua sendo um problema e
grande parte de seus compradores tenta proteger-se fervendo o produto. E, por uma
série de motivos, o leite continua sendo um alimento que veicula agentes patogênicos
para o homem.
A contaminação do leite começa no momento da ordenha quando esta é realizada
sem obedecer os preceitos de higiene adequados. O próprio ordenhador é uma importan-
te fonte de contaminação para o produto. Têm-se ainda, os equipamentos, a água utiliza-
da para higienização dos equipamentos, o tempo decorrido entre a ordenha e o recolhi-
mento do leite pelos caminhões, não térmicos, que levarão o produto até a estação de
resfriamento ou usina de pasteurização, e que costuma variar de 4 a 7 horas (Aranalde
et al., 1974; Wilson, 1977). Ao realizarem a enumeração de Staphylococcus em leite
cru, alguns pesquisadores afirmaram que o tempo decorrido entre a ordenha e a chega-
da dos latões à plataforma de recepção das indústrias, bem como as condições de trans-
porte da matéria prima, influenciaram os resultados das contagens (Mesquita et. al.,
1988).
O principal problema sanitário da atividade leiteira é, indiscutivelmente, a mastite, e
alguns autores afirmam que 50% das vacas apresentam este problema (Krug, 1985). A
literatura cita que provavelmente o Staphylococcus aureus é o patógeno mais comumente
isolado das mastites bovinas. No Brasil, a freqüência de isolamento deste agente tem
variado de 5,0 a 83,54%, de acordo com dados de diferentes pesquisas (Ferreiro, 1980).
A presença de S. aureus em leite de conjunto tem sido verificada em 46,9 a 100% das
amostras estudadas (Nader Filho, 1987).
O S. aureus é um microrganismo cuja importância reside no fato de algumas cepas
serem capazes de produzir enterotoxinas termorresistentes, que permanecem ativas à
temperatura de 100o
C por 30 minutos. As enterotoxinas são designadas pelas letras A a
F, sendo que a mais envolvida em surtos de intoxicações alimentares é a enterotoxina A.
Geralmente são as cepas coagulase-positivas que produzem as toxinas, sendo que algu-
mas cepas podem produzir 2 ou 3 enterotoxinas diferentes (Acha & Szyfres, 1989).
Além do sério problema das mastites estafilocócicas, a estrutura de coleta do produto
cria condições para a multiplicação de S. aureus no leite, pois o produto fica à tempera-
tura ambiente até ser transportado à usina, como foi citado anteriormente. Tendo em
vista as condições sanitárias do rebanho nacional, aliada às condições higiênicas da
ordenha, torna-se difícil a obtenção de leite cru isento de Staphylococcus coagulase-
positiva (Mesquita et al., 1988).
Se, por um lado, sabe-se que nem todas as cepas de S. aureus coagulase-positiva são
produtoras de enterotoxinas (Mesquita et al., 1988), pode-se afirmar, em contrapartida,
que os estafilococos são os microrganismos mais comumente envolvidos em intoxica-
ções alimentares por produtos lácteos (Cruz, 1984) e o leite é a fonte mais comum das
toxinas estafilocócicas C e D (Holmberg & Blake, 1964, citados por Acha & Szyfres,
1989). Todos os estafilococos coagulase-positiva, isolados de alimentos, devem ser con-
siderados como potencialmente produtores de toxinas (Aranalde et al., 1974). Alguns
autores têm observado que, dentre as cepas de S. aureus isoladas em casos de mastite
1 4 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
bovina, 7,0 a 34,0% têm capacidade enterotoxigênica (Nader Filho, 1987).
Em trabalho realizado em Pelotas (RS), em que foi analisado leite cru entregue em
uma usina de pasteurização, foi possível isolar estafilococos coagulase-positiva de todas
as amostras, provenientes das 11 rotas da usina. Os autores supuseram que estariam
ocorrendo intoxicações alimentares pela toxina estafilocócica, tanto por leite, como por
produtos derivados, na região. Entretanto, não encontraram registros locais de casos de
intoxicações estafilocócicas, talvez por estarem passando despercebidos ou por recebe-
rem outro diagnóstico (Aranalde et al., 1974). No Brasil, os profissionais de Saúde Públi-
ca acreditam que a ocorrência de surtos de intoxicação alimentar estafilocócica devido
ao consumo de leite e produtos lácteos não é rara; entretanto, não existem registros
exatos para sustentar esta opinião (Santos et al., 1981).
Certos alimentos são mais apropriados para o crescimento de estafilococos e para a
produção de toxinas. Das 137 epidemias de intoxicação por estafilococos citadas no
Morbidity and Mortality Reports para os anos de 1957 a 1961, oito (5,8%) delas foram
devidas a leite e queijo. A estatística inglesa Panteleon em 1965 cita que dos 239 surtos de
intoxicação por toxina estafilocócica ocorridos durante 1957 a 1961, 16 (6,7%) foram de-
vido ao consumo de leite contaminado (Aranalde et al., 1974).
Além do leite, os derivados lácteos também podem representar um perigo à saúde
dos consumidores. Sabe-se, por exemplo, que o queijo tipo “Minas” é, na maioria das
vezes, fabricado com leite cru, em fazendas ou pequenas propriedades. A possibilidade
de persistência do S. aureus no queijo, com conseqüente produção de toxinas, é muito
grande. Os riscos de intoxicação são constantes, porém poucas vezes os surtos são
detectados e descritos.
Em estudo realizado em Juiz de Fora (MG), em que foi analisado o leite cru a ser
utilizado para a fabricação de queijos tipo Minas, S. aureus foi encontrado em 46,9% das
amostras (Santos et al, 1974).
Em 1987 ocorreu um surto de intoxicação alimentar, em Ouro Preto (MG), que atin-
giu quatro pessoas da mesma família, e cujo alimento causador foi um queijo “Minas”
contaminado por S. aureus ao nível de 9,3 x 107
UFC/g. Foram detectadas cepas produ-
toras de enterotoxinas dos tipos A, B, D e E. A amostra ainda revelou contaminação por
coliformes fecais de 1,1 x 105
/g (N.M.P.) (Sabioni et al., 1988).
Em experimento realizado em Ouro Preto (MG) para avaliar a qualidade microbiológica
de queijos “Minas” frescal, foi constatado que 41,1% das amostras analisadas estavam
contaminadas com S. aureus acima de 106
UFC/g (Nascimento et al., 1985, citados por
Sabioni et al., 1988).
Outro trabalho conduzido em Belo Horizonte (MG) revelou 21,5% das amostras de
queijos “Minas” com S. aureus acima de 105 UFC/g, sendo que, das cepas estudadas,
21,97% eram enterotoxigênicas (Mandil et al., 1982, citados por Sabioni et al., 1988).
Fraudes
Fraude, logro, ação praticada de má-fé, falsificação, adulteração. A rigor, fraude é
tudo aquilo que se desvia das características normais, inclusive de peso e preço de um
determinado alimento. Podem-se ainda considerar como fraude os artifícios usados sem
o consentimento oficial e que não fazem parte de uma prática universalmente aceita
(Riedel, 1987).
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 4 3
A adulteração dos alimentos sempre foi uma prática corriqueira. Dois fatores atua-
ram permanentemente para o aumento da quantidade de alimentos de forma artificial: o
aumento extraordinário da população e a insuficiente produção de alimentos frente ao
crescimento populacional (Ribeiro, 1993).
Em 1892 foi criado no Estado de São Paulo o Serviço Sanitário, composto pelo Con-
selho de Saúde Pública e pela Diretoria de Higiene, esta última auxiliada por diversas
seções, dentre as quais o Laboratório de Análises Químicas. A Diretoria de Higiene
realizava inúmeras atividades, como por exemplo a fiscalização da alimentação (Ribeiro,
1993).
Em 1894, o Laboratório de Análises Químicas divulgou relatório sobre as principais
falsificações encontradas nos alimentos consumidos pela população de São Paulo. Ana-
lisando o leite, foram constatadas a presença de bicarbonato de sódio e miolo de vitelas.
As falsificações não eram raras, e o leite, alimento de ampla demanda, era um dos
produtos mais cobiçados na multiplicação por meio de processos artificiais, principal-
mente nas épocas de entressafras (Ribeiro, 1993).
Em 1909, em matéria publicada no jornal Folha do Povo, encontrava-se o seguinte
comentário: “o leite de vaca não é alimento para ninguém, desnatado, diluído e contami-
nado, cheio de impurezas de toda a espécie”.
Segundo o chefe da subdivisão de Bromatologia e Química do Instituto Adolfo Lutz,
Bruno Rangel Pestana, o padrão de leite adotado em São Paulo a partir de 1934 permi-
tiria a inclusão de 15% de água no produto. A redução do teor de gorduras no leite para
3% seria uma possibilidade para as usinas pasteurizadoras fraudarem o produto por
meio da aguagem e do desnate (Amaral, 1963).
Ainda segundo Pestana, a aguagem era a fraude mais freqüente no leite de São
Paulo; cerca de 60% das amostras de leite analisadas no I.A.L. tinham água, apesar de
estarem com teor de gordura e extrato seco desengordurado dentro dos padrões estabe-
lecidos.
Um ex-secretário de saúde, Dr. Queirós Guimarães, referiu-se ao produto como “água
leitosa”. Já o Dr. Carlos Prado, diretor do Departamento da Criança, dizia que “a própria
vaca se sentiria humilhada e ofendida, diante da acareação com o suposto alimento
original de suas tetas” (Amaral, 1957).
Dentro do Programa de Monitoramento do Leite Pasteurizado no Estado de São
Paulo, realizado pela Secretaria de Estado da Saúde no período de fevereiro de 1990 a
dezembro de 1990, que analisou 383 amostras de leite pasteurizado tipos A, B, e C,
foram encontradas 93,20% das amostras com índice crioscópico acima do limite permi-
tido, o que demonstra que a fraude pela adição de água continua ocorrendo (Centro de
Vigilância Sanitária, 1993. Dados não publicados).
Panorama geral da situação
O leite exposto à venda no comércio varejista brasileiro sofre tratamento térmico
prévio, com o objetivo de diminuir seu risco de deterioração e destruir microrganismos
patogênicos. A classificação do produto é determinada pela carga microbiana inicial e
pelo tipo de tecnologia aplicada.
De acordo com o Decreto-Lei no
923 de 10/10/1969, a comercialização de leite cru
só é permitida, em caráter precário, em localidades que não possam ser abastecidas
1 4 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
permanentemente com leite beneficiado. Para que exista autorização para esse tipo de
comércio, o produto deve ser oriundo de propriedade cujas instalações permitam a ob-
tenção de leite em perfeitas condições de higiene, proceder de rebanho mantido em
condições sanitárias satisfatórias, ser distribuído ao consumo até três horas após o térmi-
no da ordenha, ser integral e satisfazer aos padrões oficiais (Decreto-Lei no
66.183 de 5/
2/1970).
Sabe-se, entretanto, que é grande o número de pessoas, produtores ou não, que ven-
dem leite cru nas cidades do interior do Brasil, mesmo naquelas onde tal procedimento é
proibido por lei. Por tratar-se de produto clandestino, não sofre qualquer tipo de controle
higiênico-sanitário, expondo a saúde pública a riscos incalculáveis. A falta de estudos
específicos e de dados estatísticos sobre tal situação permite apenas que se suponha a
gravidade da mesma.
Segundo a Comissão Técnica da Delegacia Federal de Agricultura (1982), o problema
do leite é complexo, com desdobramentos de natureza social, econômica, sanitária, política
e cívica. A produção de leite é sustentada por pequenos produtores rurais com poucos
recursos financeiros e técnicos. O baixo nível cultural do produtor revela sua necessidade
de receber treinamentos e assistência técnica para produzir mais e melhor (Krug, 1985).
Além disso, devido à sua condição social, a prescrição de normas higiênicas constitui fator
limitante, havendo uma acomodação evidente, não só do trabalhador braçal, como também
do proprietário (Costa et al, 1983).
A produtividade do rebanho nacional é baixa e o preço com que se remunera o leite
ao produtor brasileiro é um dos menores do mundo (Panetta, 1982; Krug, 1985). Assim,
numa tentativa de aumentar sua renda, uma parcela considerável de produtores vem
abandonando as cooperativas e entrando na chamada “economia informal”, vendendo
seu produto diretamente ao consumidor. Os que fazem o comércio clandestino de leite
cru ficam em situação privilegiada, pois não sofrem inspeção qualitativa de seu produto
e, ainda recebem o preço de mercado do leite tipo C, o dobro do que receberiam na
indústria.
Por questões culturais, boa parte da população prefere consumir o leite cru, ao invés
do pasteurizado. Em estudo realizado pela Federação da Agricultura do Estado do Paraná,
em 1969, foi constatado que o consumo de leite cru era cinco vezes maior que o de leite
pasteurizado.
Segundo dados de 1985, da produção brasileira estimada, pouco mais de 51% vinha
sendo entregue às indústrias com Inspeção Federal. A quantia restante ficava na propri-
edade para consumo próprio, produção de queijo e manteiga, alimentação de bezerros,
venda a queijarias e venda de leite cru diretamente ao consumidor, a qual, segundo o
autor, vinha aumentando assustadoramente (Krug, 1985). Em Santa Maria (RS), por
exemplo, aproximadamente 80% da população recebia leite cru, na década de 70 (Moreira,
1971). Em Minas Gerais representa 50% do abastecimento, está presente inclusive na
periferia de São Paulo, e em cidades isoladas seu consumo chega a 100% (Leite B,
1994).
A venda de leite cru diretamente à população não acontece somente no Brasil. Ocor-
re no México (“leche bronca”), inclusive na capital, no Uruguai (“leche del tambo”), na
Itália (“latte crudo”), e certamente em muitos outros países. Nos Estados Unidos seu
comércio é permitido em algumas regiões, desde que em pequena quantidade. O que
diferencia o Brasil do restante do mundo é o volume. Faltam estatísticas oficiais, mas
acredita-se que o leite cru corresponde a 30 ou 40% do total de leite bebido no país
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 4 5
(Leite B, 1994).
A baixa qualidade do leite é um problema muito comum no país (Krug, 1985). Este fato
torna-se mais alarmante em relação ao leite cru, produzido precariamente e distribuído nas
residênciaspelos“leiteiros”,que passamumtemporelativamentelongoentregandooprodu-
to, representando um perigo à Saúde Pública (Ferreiro, 1980).
Porém, para o consumidor, muitas vezes o que mais importa é a comodidade da entrega
domiciliar, o preço menor que o do leite pasteurizado, a manutenção de um hábito cultural
e/ou a possibilidade de liquidar sua conta mensalmente. Para ilustrar a questão econômica,
pode-se citar o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite B, Jorge
Rubez, que afirma que o leite foi tirado do cardápio dos pobres por causa do arrocho
salarial. “Em 1970, o salário mínimo comprava 350 litros de leite. Em 1980, já havia caído
para 230 litros. Em julho de 1994, antes da estréia do real, o mínimo de 64 URV só adquiriu
125 litros” (Leite B, 1994).
No Brasil, a média geral de consumo de leite fluido era de 42,1 litros por habitante,
por ano, em 1986. Somava-se a isso o consumo de derivados, da ordem de 19,2 litros/
habitante, perfazendo um total de 61,3 litros anuais ou 0,167 litro diário. O requerimento
da FAO (Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas), para nossas
condições, é de 0,400 litro diário (havia, então, um déficit de 39,6 litros anuais) (Revista
Balde Branco, 1986).
O Brasil é um dos principais países produtores de leite do Cone Sul, mas o consumo de
leite e derivados lácteos é um dos mais baixos, se comparado ao da Argentina, Chile e
Uruguai. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Leite B (ABPLB), o Brasil
produzia 13,3 bilhões de litros por ano, enquanto a Argentina produzia 5,9 bilhões de litros
por ano, o Chile 1,23 bilhões e o Uruguai, 989 mil litros de leite por ano. No entanto, o
consumo de leite e derivados no Brasil era de 85 litros por habitante ao ano, enquanto que
na Argentina era de 190 litros, no Chile 125 litros e no Uruguai, 230 litros por habitante, por
ano (A. B. P. L. B., 1990).
Vários fatores contribuem para que o consumo de leite em nosso país seja baixo, dentre
eles, o preço do produto. O leite e a carne bovina são os alimentos que representam os
maiores gastos na alimentação das famílias. Em todos os níveis de renda, o dispêndio com
esses produtos ultrapassa 20 por cento do gasto total (Barelli et al., 1988).
Assim, muitas vezes o consumo do leite cru passa a ser uma alternativa para que o
produto continue a ser comprado, apesar dos riscos que esta prática possa acarretar.
Além disso, quem compra o leite cru parece acreditar que está adquirindo um produto
melhor do ponto de vista nutricional, e isento de fraudes. Sabe-se, entretanto, que a
pasteurização tem pequeno ou nenhum efeito sobre o valor nutritivo do leite, e a segu-
rança obtida por esse processo excede qualquer possível efeito nos nutrientes. Com o
aumento de consumo do leite não pasteurizado, cresce também a possibilidade de ocor-
rência de surtos relacionados à ingestão deste alimento (A. P. H. A., 1978).
Finalizando este panorama geral da situação atual, deve-se citar a implantação de
miniemicrousinasdeleite.NoestadodeSãoPauloexistiam,em1995,65miniemicrousinas
registradas, com uma produção média de 50.000 litros de leite/dia. São estabelecimentos
que produzem e/ou recebem, beneficiam e empacotam até 3.000 litros diários e que
foram instituídas pela Resolução SAA no
24 de 01/08/94, que normatizou a Lei Estadual
no
8.208/92. Com isso, o produtor tem a possibilidade de beneficiar sua própria produção
de leite, oferecendo à população um alimento com preços competitivos, maior lucratividade
e com padrão de qualidade igual às outras empresas do ramo (Castilho, 1995).
1 4 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Carne
Kathia Brienza Badini Marulli
Aspectos históricos e legislativos
Na história brasileira a pecuária sempre representou uma atividade secundária e
acessória, dependendo das outras grandes explorações econômicas. A criação de bovi-
nos não exigia muito capital, nem muitos braços. Era uma atividade adequada para aque-
les que, não possuindo meios suficientes, não podiam se dedicar à agricultura de expor-
tação no litoral ou organizar a exploração de uma mina. O trabalho numa fazenda de
criar era relativamente fácil e simples (Holanda, 1985).
Durante a colonização da costa brasileira, a partir de 1534, a terra foi dividida em 14
capitanias, que foram doadas a elementos da pequena nobreza lusitana, os chamados
donatários, que deviam explorar as propriedades recebidas com seus próprios recursos
(Ferreira, 1979). Foram os capitães donatários que introduziram o gado bovino no Brasil,
trazendo os primeiros animais de outra colônia portuguesa, Cabo Verde (Gancho, 1991).
Em 1548, alguns exemplares da espécie bovina chegaram ao país com a frota do
governador-geral, Tomé de Sousa. No ano seguinte, a caravela “Galga” desembarcou
nova leva de “vacuns”. Tomé de Sousa considerava os bovinos “a maior nobreza e
fartura que pode haver nestas partes” e os distribuía pelos moradores da nova terra,
fornecendo aos mais aptos, terras de pastagem (Holanda, 1985).
A pecuária surgiu para apoiar a cultura canavieira, tendo início em São Vicente (SP);
esta, juntamente com a de Pernambuco, foi a capitania que apresentou os melhores resul-
tados, justamente pelo êxito da cana e da criação de gado (Ferreira, 1979).
Posteriormente, a pecuária adquiriu importância por outros motivos, como o
desbravamento e ocupação de inúmeras áreas do território, como no caso das caatingas
do Nordeste e das campinas do Sul. Em ambas as regiões, a criação de gado desenvol-
veu-se de forma rápida, principalmente devido ao consumo crescente dos trabalhadores
agrícolas e mineradores (Holanda, 1985).
A pecuária fornecia à população colonial a carne, um dos gêneros fundamentais da
alimentação do brasileiro daquela época, e o leite, ambos para consumo local (Gancho,
1991).
Os bovinos eram ainda o principal agente motor dos engenhos, o meio de transporte
mais utilizado pelas pessoas, além de fornecerem o couro, que era exportado e também
aproveitado na própria colônia.
No século XVII, minas de ouro e diamantes foram descobertas nos Estados de Mi-
nas Gerais e Goiás, e grande número de pessoas acorreu para essas regiões, onde sur-
giram alguns núcleos de povoamento, gerando um aumento da necessidade de alimen-
tos; a pecuária começou a se estender também para esses locais (Ferreira, 1979; Gan-
cho, 1991).
No início do século XIX, a pecuária apresentava resultados medíocres, não tendo
importância econômica. Havia alguma produção de laticínios em Minas Gerais e de
charque, no Rio Grande do Sul. A população do Brasil nessa época era de cerca de 3
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 4 7
milhões e meio de habitantes (Ferreira, 1979).
O ano de 1910 pode ser considerado o marco inicial da implantação do sistema de
inspeção de produtos de origem animal no Brasil, pois, por meio do Decreto no
7.945, de
7/4/1910, o governo estimulou a instalação de matadouros modelos e entrepostos frigo-
ríficos, estabelecendo nítida correspondência entre os anseios de exportação e a inspe-
ção sanitária (Andrade, 1985). Posteriormente, o Decreto no
9.194, de 9/12/1911, regu-
lamentou o Regulamento do Serviço de Veterinária, prevendo a inspeção sanitária de
matadouros, de entrepostos frigoríficos e estabelecimentos de laticínios (Pardi, 1982).
Em 27/1/1915, por meio do Decreto no
11.460, foi criada a Diretoria de Serviço de
Indústria Pastoril. Nessa época, vários fatores contribuíram para que a política comerci-
al desse maior ênfase ao comércio exterior, como por exemplo, a elevação da demanda
de carne no mercado externo, conseqüência do desequilíbrio comercial causado pela 1a
Guerra Mundial, e a consideração da carne como um produto nobre de exportação pelos
países do Prata (Pinto, 1992).
A partir de 1917 houve grande impulso na instalação de indústrias anglo-americanas
no Brasil, trazendo farta bagagem tecnológica para a área de carnes e derivados, o que
resultou numa necessidade de maior aprimoramento técnico na formação do Médico
Veterinário. Como resultado, constatou-se um grande progresso da referida classe e o
serviço de inspeção passou, assim, a configurar-se como o campo de trabalho pioneiro
da profissão (Pardi, 1982).
Com o Decreto no
14.711, de 5/3/1921, foi determinada a necessidade de uma fisca-
lização sanitária compulsória em frigoríficos e estabelecimentos de leite e derivados,
reservada aos produtos direcionados ao comércio interestadual e internacional, que vi-
gora até os dias de hoje no âmbito da inspeção federal (Andrade, 1985). Ainda em 1921,
foi ministrada a primeira aula no mundo da disciplina de “Inspeção de Carnes e Alimen-
tos de Origem Animal”, na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, em
Niterói (RJ) (Pardi, 1982).
Por meio de um novo regulamento, o Serviço de Indústria Pastoril passou a ter como
atribuições, dentre outras, a organização de projetos, planos e orçamentos de matadou-
ros, entrepostos e quaisquer outras instalações frigoríficas, incluindo os meios de trans-
porte de carnes e derivados (Andrade, 1985).
Com a aprovação do Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de
Origem Animal (RIISPOA), pela Lei no
1.283 de 18/12/1950, regulamentada pelo De-
creto no 30.691 de 29/3/1952, a inspeção não mais se limitava aos animais destinados ao
abate e seus produtos, sub-produtos e matérias-primas; estendia-se aos pescados, ovos,
mel, cera de abelhas e aos produtos não-comestíveis. Estabeleceu-se maior detalhamento
das normas, dos padrões e dos procedimentos em geral. Ademais, outras categorias de
estabelecimentos passaram a ser regidas por serviços oficiais de inspeção, antes limita-
dos aos estabelecimentos industriais. A necessidade de inspeção também estendeu-se
aos produtos de origem animal destinados ao consumo local ou estadual, atividade dele-
gada pelo Serviço de Inspeção Federal às repartições estaduais e municipais correlatas,
extremamente vulneráveis e sem interesse ou condições de fazer investimentos econô-
micos nessa área (Pinto, 1992).
Com a Lei no
5.760, de 3/12/1971, ocorreu uma mudança radical na política de inspe-
ção, pela instalação do processo de “federalização”, que alargou a atuação da Inspeção
Federal aos estabelecimentos ligados ao comércio estadual e municipal. Este processo
começou com a pretensão de estudar a situação, identificar os estabelecimentos que
1 4 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
deveriam ser incorporados à fiscalização, dimensionar as necessidades de pessoal e de
outros recursos e estabelecer prioridades. Decidiu-se, então, pela sua implantação inicial
nas capitais e cidades mais populosas, onde os estabelecimentos irregulares e/ou clan-
destinos prejudicavam as atividades da inspeção federal já existente (Pinto, 1992).
Muitos setores, sentindo-se prejudicados com o novo sistema, passaram a organizar
reações contrárias a ele. Desenvolveu-se, então, um trabalho de mobilização frente aos
políticos, com o intuito de paralizar o processo de federalização (Pinto, 1992). Sua anu-
lação política ocorreu quando foi sancionada a Lei no
6.275, de 1/12/1975, que regula-
mentava a possibilidade de se celebrarem convênios (o que já era previsto na Lei 5.760).
Na oportunidade, a União concedia aos Estados a permissão para o exercício das ati-
vidades de inspeção em pequenas e médias empresas, quando estas não se dedicassem
ao comércio interestadual ou internacional. Embora esteja explícita no Decreto no
78.713
de 11/11/1976, que instrui sobre os convênios, a relevância das orientações e normas do
SIF para os Estados conveniados, fica, no mesmo Decreto, estabelecida a pulverização
dos critérios de inspeção, ao se permitir a vigência de regulamentação própria do estado,
adequada às “peculiaridades” regionais (Andrade, 1985).
Conseqüentemente, a estratégia de eliminar os estabelecimentos marginais apoiando a
implantaçãodefrigoríficosregionais,antesembutidanasmetasdoprogramadefederalização,
não foi atingida e os marginais acabaram subsistindo (Pardi, 1982).
Os atropelos gerados pela incoerência das sucessivas leis, canalizando as decisões
do executivo para a revogação da Lei no
5.760 de um lado e, de outro, a reação de alguns
grupos do setor produtivo, preocupados com a concorrência desleal possivelmente de-
corrente do fim da federalização, bem como a campanha da classe veterinária frente ao
público e às autoridades político-administrativas, defendendo o prosseguimento do pro-
cesso, geraram impasse na definição dos rumos. Por vários anos, a referida lei permane-
ceu em vigor, contudo, de forma figurativa. Somente em 1989 consolidou-se a revogação
da Lei no
5.760, com a Lei no
7.889 de 23/11/1989, que alterou radicalmente o contexto
legal da inspeção de carnes no Brasil (Pinto, 1992).
A Lei no
7.889 distribuiu a competência da inspeção de produtos de origem animal no
Brasil a diferentes níveis da administração pública, de acordo com o tipo de comércio
realizado, ou seja, ficam subordinados à inspeção federal os estabelecimentos ligados ao
comércio interestadual e internacional; à estadual, o comércio intermunicipal e os esta-
belecimentos atacadistas e varejistas, pertencendo ao município a inspeção dos estabe-
lecimentos que realizam comércio municipal. Esta medida representou um retorno ao
ano de 1950, pois foi uma mera reimpressão da Lei n. 1.283, acrescentando apenas a
participação de órgãos municipais. Pouco evoluíram as transformações políticas do se-
tor de carnes e derivados, manifestando-se hoje, como antes, o desinteresse pelo contro-
le sanitário em nível estadual e municipal (Pinto, 1992).
Considerações a respeito do abate de bovino
O matadouro público surgiu no século XIX, em muitos países da Europa, com a
finalidade de concentrar a matança de animais e, dessa forma, permitir estrita vigilância
sanitária das carnes. Construído por iniciativa do município, por isso também conhecido
como matadouro municipal, oferece, aos interessados no comércio de carnes frescas,
serviços de matança mediante pagamento de taxas estipuladas. Entretanto, pelas carac-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 4 9
terísticas de funcionamento como serviço público, os matadouros municipais, como re-
gra geral, não se beneficiam dos progressos técnicos no setor de equipamentos e insta-
lações, sempre orientados a dar melhor aproveitamento aos subprodutos de matança e
melhores condições higiênicas para as operações (Mucciolo, 1985; Scarafoni, 1958).
No início do século XX, a iniciativa privada fez surgir o matadouro industrial (também
denominado matadouro-frigorífico), como centro de atividade econômica, onde, além das
operações de matança, produção de carnes frescas e frigorificadas, ainda se efetuam as
mais variadas etapas de industrialização da carne, visando ao integral aproveitamento dos
subprodutos, comestíveis e industriais, originados do abate dos animais. Uma vez que o ma-
tadouro-frigorífico é uma atividade empresarial que, por diversos aspectos, está
indissoluvelmente ligada à Saúde Pública, por um lado, e à Sanidade Animal, por outro, cabe
às autoridades oficiais a supervisão da construção, instalação e funcionamento desse tipo de
estabelecimento(Mucciolo,1985).
As instalações completas que um matadouro-frigorífico deve ter para proceder ao
abate envolvem: currais e anexos (currais de chegada e seleção, curral de observação e
departamento de necrópsia); rampa de acesso à matança (com chuveiros e seringa);
área de atordoamento (boxe de atordoamento e área de vômito); sala de matança com
subseções (sangria, esfola, evisceração, toalete, seções de miúdos), instalações frigoríficas
e graxaria (Brasil, 1971).
Ø Transporte dos animais:
No Brasil, os animais geralmente são transportados para o abate por via rodoviária, em
“caminhões boiadeiros”, tipo “truque”, com carroceria dividida em três partes. A capaci-
dade de carga média é de 5 bovinos nas partes anterior e posterior e 10 animais na parte
intermediária, totalizando 20 animais. O transporte rodoviário em condições desfavoráveis
pode conduzir a lesões, contusões, perda de peso e estresse dos animais. As altas tempe-
raturas, grandes distâncias de transporte e a diminuição do espaço ocupado por animal
também contribuem para que ocorram problemas de transporte. O espaço ocupado por
animal ou densidade de carga pode ser classificada em alta (600 kg/m2
), média (400 kg/
m2
) e baixa (200 kg/m2
). No Brasil, a densidade de carga utilizada é, em média, de 390 a
410 kg/m2
(Roça, 1994).
Ø Descanso e dieta hídrica:
O período de descanso ou dieta hídrica no matadouro é o tempo necessário para que
os animais se recuperem totalmente das perturbações surgidas pelo deslocamento desde
o local de origem até ao matadouro. Os animais devem permanecer em descanso, jejum
e dieta hídrica nos currais por 24 horas, podendo este período ser reduzido em função de
menor distância percorrida (Roça, 1994).
O descanso tem como objetivo principal reduzir o conteúdo gástrico para facilitar a
evisceração da carcaça (Thorton, 1969).
Ø Inspeção ante-mortem:
A inspeção “ante-mortem” é realizada durante o período em que os animais perma-
necem em descanso e dieta hídrica e tem como objetivo exigir e verificar os certificados
de vacinação e sanidade do gado; identificar o estado higiênico-sanitário dos animais
para auxiliar, com os dados informativos, a tarefa de inspeção “post-mortem”; identificar
1 5 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
e isolar os animais doentes ou suspeitos, antes do abate, bem como vacas com gestação
adiantada ou recém-paridas; verificar as condições higiênicas dos currais e anexos (Roça,
1994).
Ø Banho de aspersão:
Após o descanso, os animais seguem por uma rampa de acesso para o boxe de
atordoamento. Nessa rampa, é realizado o banho de aspersão, por meio de um sistema
de chuveiros dispostos transversal, longitudinal e lateralmente, com os jatos orientados
para o centro do banheiro. A água do banho deve ser hiperclorada, com 15ppm de cloro
disponível (Brasil, 1968).
O objetivo do banho antes do abate é limpar a pele para assegurar uma esfola higiê-
nica e reduzir a poeira, pois com a pele úmida, a sujeira na sala de abate estaria diminu-
ída. Também contribuiria para melhorar a sangria, devido à da vasoconstrição periférica
que provoca.
Ø Atordoamento:
O atordoamento ou insensibilização consiste em colocar o animal em um estado de
inconsciência que perdure até o fim da sangria, não causando sofrimento desnecessário
e promovendo uma sangria tão completa quanto possível (Gil, 1985).
Pode-se empregar um dos métodos de insensibilização a seguir: concussão cerebral,
pistola de dardo cativo, corte da medula, degola, eletronarcose e processos químicos
(Roça, 1994).
O método mais utilizado no Brasil é a concussão cerebral. O atordoamento pode ser
realizado por meio da marreta ou martelo pneumático ou pistola pneumática. O método
considerado mais eficiente e menos desumano para a insensibilização de bovinos e ovi-
nos é a utilização da pistola de dardo cativo, que não é recomendada, entretanto, para
suínos, devido à forma anatômica do crânio destes animais (Roça, 1994).
Para os rituais judaico e maometano de abate, deve-se proceder à degola ou jugulação
cruenta, por meio de incisão rápida no pescoço do animal, com faca bastante afiada,
cortando pele, músculos, esôfago, traquéia, artérias carótidas e veias jugulares (Roça,
1994).
Após a insensibilização, o animal desliza sobre a grade tubular da área de vômito e é
suspenso ao trilho aéreo por um membro posterior. Neste momento, pode ocorrer
regurgitação, devendo o local possuir água em abundância, para lavagem (Mucciolo,
1985).
Ø Sangria
É realizada pelo corte da barbela e secção da aorta anterior e veia cava anterior, no
início das artérias carótidas e final das veias jugulares. O sangue é recolhido pela canaleta
de sangria. É conveniente a utilização da duas facas de sangria, uma para o corte da
barbela e outra para os vasos sangüíneos. Após seu uso, as facas devem ser mergulha-
das na caixa de esterilização (Roça, 1994).
A quantidade de sangue de bovinos é estimada em 6,4 a 8,2 litros/100 kg de peso
vivo. Numa boa sangria, necessária para a obtenção de uma carne com adequada capa-
cidade de conservação, é removido cerca de 50% do volume total de sangue, sendo que
o restante fica retido nos músculos, vasos e órgãos vitais (Forrest, 1979; Piske, 1982).
Vários fatores podem interferir na eficiência da sangria, como por exemplo, o estado
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 5 1
físico do animal antes do abate, o método de atordoamento utilizado, e o intervalo entre
o atordoamento e a sangria (no Brasil, o Serviço de Inspeção Federal recomenda um
intervalo máximo de 1 minuto). Todas as enfermidades que debilitam o sistema circula-
tório afetam a sangria. As enfermidades febris, agudas, provocam vasodilatação gene-
ralizada, o que impede uma boa sangria. Isto também é observado em animais agônicos,
nos quais o sistema circulatório está notadamente alterado.
Ø Esfola
A esfola é a atividade de remoção do couro do animal. Ainda com o animal suspenso
no trilho, deve-se proceder a retirada dos chifres e patas dianteiras, abertura da barbela
até a região do mento, incisão longitudinal da pele do peito até o ânus e corte das patas
traseiras. Inicia-se, então, a retirada do couro e a desarticulação da cabeça. Deve-se
tomar muito cuidado ao executar todas as fases da esfola, a fim de evitar-se a contami-
nação cruzada entre o couro e a carne, por meio das mãos ou das facas (Roça, 1994).
Após a separação da pele nas extremidades, às vezes a esfola é completada mecani-
camente, por tração. A seguir, é realizada a oclusão do esôfago e a separação do con-
junto cabeça e língua (Roça, 1994).
Ø Evisceração
Geralmente é realizada pela abertura da cavidade torácica, abdominal e pélvica, atra-
vés de um corte que passa em toda a sua extensão. É realizada a serragem do esterno e
a oclusão do duodeno, próximo ao piloro e ao reto, juntamente com a bexiga urinária.
Deve-se tomar cuidado para que não ocorram lesões no trato gastrointestinal e urinário
durante a abertura do abdômen e separação do esterno com a serra (Roça, 1994).
As vísceras são extraídas (com exceção dos rins) e conduzidas para inspeção, por
meio de mesa rolante. Posteriormente, são encaminhadas à seção de triparia, geralmen-
te por meio de condutos denominados “chutes”.
Ø Lavagem das carcaças
As carcaças, depois de serem divididas com serra elétrica em duas meias carcaças,
devem ser submetidas à toalete, para remoção dos rins, rabo, gordura e medula. São,
então, lavadas com água sob pressão, a fim de remover esquírolas ósseas, coágulos e
pêlos. A lavagem com água quente e clorada tem como objetivo reduzir a contagem
microbiana da carne fresca (Roça, 1994).
Contaminação microbiana da carne
A carne, quando proveniente de animal sadio, é praticamente estéril, tendo sua su-
perfície contaminada pela poeira e manipulação, após o esquartejamento. Os produtos
cárneos são alimentos sujeitos a grandes contaminações por serem excelentes meios de
cultura para o desenvolvimento e multiplicação dos microrganismos (Florentino, 1997).
Em animais sadios, os tecidos, sangue, medula óssea, linfonodos e órgãos das cavida-
des torácica e abdominal podem ser considerados estéreis. A contaminação da carne
ocorre por contato com a pele, pêlos, patas, conteúdo gastrointestinal, leite do úbere,
equipamentos, mãos e roupas de operários, água utilizada para lavagem das carcaças e
pelos próprios ambientes de abate e armazenamento. A contaminação pode ocorrer em
1 5 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
todas as operações de abate, armazenamento e distribuição das carnes (Ingram, 1985).
No Brasil, as condições higiênico-sanitárias dos locais de abate, a forma como é feito
o transporte até os pontos de comercialização, a manipulação do produto e seu
armazenamento são geralmente realizados de maneira precária, aumentando o risco de
contaminação por bactérias patogênicas. A presença de patógenos em produtos cárneos,
principalmente Salmonella spp, constitui um sério problema para a saúde pública, uma
vez que estas bactérias são causadoras de graves infecções para o homem e para os
animais domésticos (Florentino, 1997).
Fontes de contaminação
Ø Pele: a pele apresenta uma grande e diversificada população de microrganismos,
normais da própria pele ou adquiridos do solo, água, pasto e fezes. O regime de criação
dos animais é um dos fatores que afetam a contaminação da pele. Bovinos em regime de
criação extensiva podem apresentar menos bactérias fecais e mais microrganismos do
solo do que os animais estabulados. Os principais microrganismos encontrados na pele
são os psicrotróficos (provenientes do solo, água, vegetais), Pseudomonas spp, Moraxela
spp e Acinetobacter spp (da água e vegetação) e Brochothrix thermosphacta (do solo
e fezes) (Roça, 1995).
Ø Trato gastrointestinal: no momento do abate, o rúmen pode conter aeróbios
mesófilos, psicrotróficos, E. coli, bactérias do grupo das Enterobacteriaceae e Salmonella
spp. Além dessas, as fezes podem também conter Clostridium perfringens. De acordo
com as estatísticas das toxinfecções alimentares, o gênero de bactérias mais perigoso
veiculado pelas carnes é o Salmonella spp (Ingram, 1985; Klinger, 1983). A população de
salmonelas no rúmen e nas fezes dos bovinos no momento do abate depende, entre outros
fatores, da alimentação e distância de transporte (quanto maior a distância, maior contato
dos animais com material fecal e, conseqüentemente, maior concentração de salmonelas
no rúmen) (Roça, 1995).
Ø Ar: após a remoção da pele, as carcaças ficam sujeitas à contaminação pela
deposição de microrganismos do ar da sala de matança (Empey, 1939). A qualidade do
ar depende principalmente do controle higiênico do estabelecimento, considerando que
pisos, paredes, equipamentos, utensílios, magarefes e sistemas de ventilação e drena-
gem são fontes potenciais de contaminação do ar atmosférico (Roça, 1995).
Entre os principais microrganismos presentes nos matadouros-frigoríficos, encon-
tram-se os micrococos, coliformes, bacilos e estafilococos. Geralmente, há predomínio
de Escherichia coli no ar ambiente de currais e sala de matança, e baixas contagens
deste microrganismo nas câmaras de resfriamento, ocorrendo o inverso com as
Pseudomonas spp (Barratt, 1983).
Momentos da contaminação
Ø Durante as operações de abate: a maior parte da contaminação bacteriana da
carcaça que ocorre durante as operações de abate é adquirida durante a esfola. A
superfície da carcaça é contaminada principalmente pela pele, mediante a faca utilizada
para as primeiras incisões, das mãos dos operários ou do próprio contato da carcaça
com a pele já separada (Roça, 1995).
Vários fatores afetam a adesão das bactérias na superfície das carcaças, como o
gênero do microrganismo, a temperatura ambiente, substratos presentes na carne e ca-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 5 3
racterísticas físico-químicas da carcaça, com pH e capacidade de retenção de água. As
bactérias da superfície da carne só penetram no tecido muscular se conseguirem atingir
altas contagens (Roça, 1995).
Muitos autores consideram a porção interna do músculo proveniente de animais sãos
como sendo estéril. Entretanto, existem evidências da presença ocasional de bactérias
aeróbias e anaeróbias nesse local (denominadas “bactérias intrínsecas”, que podem atingir
os tecidos antes ou após a morte e geralmente são oriundas do trato gastrointestinal).
Quando presentes na massa muscular profunda de animais saudáveis, o número de mi-
crorganismos é muito pequeno, em torno de 0,1 a 100 por grama (Ingram, 1972; 1976).
Aparentemente, as bactérias intrínsecas não constituem um problema importante para a
higiene da carne; a invasão das bactérias não ocorre nas primeiras horas post-mortem.
Esta invasão é importante quando, nos matadouros, por qualquer tipo de problema, o abate
é interrompido e o animal não é esfolado ou eviscerado após a sangria. No Brasil, a tole-
rância de tempo para que ocorra a evisceração após a morte do animal é de 30 minutos
(Roça, 1995).
Ø Após as operações de abate: durante o processo de resfriamento da carcaça
podem ocorrer variações do tipo de microrganismo contaminante. Inicialmente, predo-
minam as bactérias mesófilas, invertendo-se para psicrotróficas durante o armazenamento
sob refrigeração (Mc Dowell, 1985).
O início da deterioração da carne pode ser caracterizado pela deterioração da super-
fície, quando as contagens estão na faixa de 6,0 log10
UFC/g e é sucedida por odores
estranhos (7,0 a 8,0 log10
UFC/g). As alterações indesejáveis de sabor requerem níveis
de 8,0 a 9,0 log10
UFC/g e o máximo de contagem (9,0 log10
UFC/g) aparece na forma de
limo superficial (Greer, 1989).
Carne moida
A carne fresca só pode ser vendida moída se a moagem for realizada na presença do
comprador. Esta determinação visa proibir a adição de outros produtos ao alimento (“sebo”,
aponevroses, etc.) ou sua manutenção por longos períodos de tempo na forma moída, o
que aumentaria o risco de contaminação do produto (Riedel, 1987).
Em trabalho realizado em Campina Grande (PB), entre outubro de 1994 e novembro de
1995, foram analisadas 90 amostras de carne moída, sendo que 60 amostras foram colhi-
das em feiras livres e 30 em supermercados. Com relação a microrganismos mesófilos
aeróbios ou anaeróbios facultativos, os valores médios obtidos nas amostras provenientes
das feiras livres foi de 2,6 x 106
UFC/g e de 2,5 x105
UFC/g para as dos supermercados.
Das amostras de feiras livres, 55% apresentaram contagem superior a 106
UFC/g e 11,7%
superior a 107
UFC/g de bactérias mesófilas. Nas amostras coletadas em supermercados,
o nível de contaminação era menor: 73,3% das amostras apresentou contagem acima de
105
UFC/g (Florentino, 1997).
Ainda apresentando dados do trabalho citado acima, os pesquisadores encontraram
58,4% das amostras obtidas em feiras livres com valores maiores que 106 UFC/g de
coliformes totais, com valores médios de 1,9 x 106
UFC/g; contagem superior a 105
NMP/g em 50% das amostras para coliformes fecais (CF) e contagem superior a 104
UFC/g de Staphylococcus spp. Nas amostras dos supermercados os dados foram 66,6%
das amostras com contagem superior a 105
UFC/g com valores médios de 1,7 x 105
1 5 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
UFC/g de coliformes totais; 30% das amostras com contagem superior a 104
NMP/g de
CF e 53,3% das amostras com contagem superior a 102
UFC/g de Staphylococcus spp.
Em todas as amostras analisadas foi detectada a presença de Salmonella spp.
Os autores concluíram que o produto sofreu contaminação desde a etapa de abate
dos animais, até a etapa de moagem da carne, quando a contaminação superficial é
introduzida e distribuída no produto. A falta de higiene dos utensílios e equipamentos que
entram em contato com a matéria-prima e sua manipulação inadequada são importantes
fontes de contaminação. A diferença entre as amostras das feiras livres e as dos super-
mercados, relativamente pequena, deve-se à refrigeração do produto, fazendo com que
o crescimento dos microrganismos já existentes seja inibido (nas feiras livres as carnes
ficam expostas à temperatura ambiente, aumentando ainda mais o nível de crescimento
dos microrganismos). De acordo com a Portaria 01/87 do Ministério da Saúde, que
estabelece ausência de Salmonella spp em 25 g do produto, a carne moída comercializada
nas feiras livres e supermercados de Campina Grande estava inadequada para consu-
mo, constituindo um risco para a saúde de seus consumidores (Florentino, 1997).
Anabolizantes
A discussão sobre a utilização dos anabolizantes na pecuária de corte vem esten-
dendo-se há muitos anos. Os defensores dessa prática afirmam que é necessário
produzir uma quantidade maior de alimentos para suprir a demanda de uma popula-
ção mundial que cresce exageradamente; para isso, devem ser empregadas novas
formas de produção ou tecnologias, como os anabolizantes, por exemplo, que, além
de tudo, seriam inócuos à saúde dos consumidores. Outras pessoas acreditam que
somente alimentos naturais, ou produzidos de forma natural, devem ser consumidos
pelo homem; afirmam que os alimentos produzidos com o auxílio de anabolizantes
seriam cancerígenos. Quem estaria com a razão?
Anabolizantes são substâncias, de natureza hormonal ou não, que aumentam a reten-
ção, pelo organismo, de nutrientes fornecidos pela alimentação. Principalmente, aumen-
tam a retenção do nitrogênio protéico e não protéico presentes nos alimentos e sua
subseqüente transformação em proteína, particularmente nos músculos esqueléticos.
Portanto, produzem um aumento da massa muscular e do peso dos animais (Palermo
Neto, 1998).
Os anabolizantes de interesse agropecuário podem ser classificados, de acordo com
a sua origem, em três grupos: compostos naturais, sintéticos (xenobióticos) e estilbenes.
Os anabolizantes naturais são aqueles que existem normalmente no organismo dos ani-
mais (anabolizantes endógenos). Como exemplos, podem ser citados a testosterona,
17β-estradiol e progesterona. Os xenobióticos são anabolizantes obtidos por síntese
laboratorial (acetato de tembolona e acetato de melengestrol) ou por modificações da
estrutura química de substâncias naturais, como é o caso do zeranol. Finalmente, estilbenes
são anabolizantes sintéticos, obtidos a partir dos hormônios naturais (Palermo Neto, 1998).
Vários fatores podem modificar os efeitos dos anabolizantes. Entre eles, podem ser
citados, a presença ou não da castração; a espécie , raça, sexo e idade dos animais
tratados; o tipo, quantidade e freqüência do anabolizante usado, bem como a existência
ou não de associações de agentes, o tipo de implante empregado e o momento da admi-
nistração (quanto tempo antes do abate). De importância fundamental é a quantidade da
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 5 5
alimentação fornecida, uma vez que os anabolizantes necessitam de um bom nível de
nitrogênio protéico (sal protéico, boa pastagem, boa ração) ou não protéico (uréia), para
que produzam seu efeito (Macarini, 1997).
Segundo alguns pesquisadores, o crescimento de novilhos pode ser aumentado entre
3 e 12%, de acordo com o produto utilizado (Cotta, 1993). As associações de agentes
estrogênicos com androgênicos produzem uma resposta melhor nos novilhos. A combi-
nação estrógeno/acetato de trembolona produziu um aumento de peso de 12 a 20% e
uma retenção de nitrogênio da ordem de 24%. São igualmente eficazes em novilhos as
associações de zeranol/acetato de trembolona e zeranol/testosterona (Palermo Netto,
1998).
Os anabolizantes também exercem efeito favorável sobre o desempenho de bovinos
de corte adultos, podendo aumentar seu crescimento em 15% e melhorar sua conversão
alimentar entre 10 a 12%. Estes efeitos são mais importantes nos machos castrados e
nas vacas. O efeito dos hormônios é mais persistente em bovinos adultos do que nos
animais jovens (Cotta, 1993).
Para novilhas e vacas devem ser utilizados os anabolizantes androgênicos como a
testosterona e o acetato de trembolona, que proporcionam um aumento de peso da or-
dem de 13 a 17% e 14 a 20%, respectivamente (Palermo Neto, 1998). A prática de
implantar anabolizantes em machos não castrados não é freqüente, porém estudos têm
demonstrado que para estes animais os agentes mais eficazes são os estrogênios (17β-
estradiol, zeranol), apresentando um aumento de peso entre 5 e 20% (Pastore, 1988).
Segurança do uso de anabolizantes para a saúde dos con-
sumidores de carne
A segurança do produto, fator da maior importância para a saúde pública, envolve
principalmente a inocuidade para a saúde humana e o controle de resíduos nos tecidos
comestíveis, o que significa a certificação da ausência de riscos para o homem. Sabe-se
que a toxicidade de uma substância química e, portanto, de resíduos desta substância em
um produto de origem animal está relacionada não apenas com o tipo de substância e
com a sensibilidade do indivíduo que a ingere, mas também e, principalmente, com a sua
quantidade no alimento a ser consumido (Palermo Neto, 1998).
A avaliação da inocuidade de uma substância exige estudos trabalhosos e muito
especializados, de caráter farmacológico, toxicológico e analítico, para determinação de
parâmetros fundamentais como os farmacocinéticos, nível de não-efeito, limites de tole-
rância, dose diária aceitável, dentre outros.
A toxicidade é mensurada mediante estudos “in vitro” e “in vivo”, sendo que estes
últimos exigem testes de longa duração, voltados principalmente para as propriedades
mutagênicas, carcinogênicas e teratogênicas.
O desenvolvimento de metodologias analíticas bastante sofisticadas e capazes de
detecção em nível de partes por trilhão (ppt) permitiu que, a partir do início da última
década, um grande número de estudos focalizando as principais substâncias anabolizantes
fosse realizado. Entretanto, são poucas as instituições em todo o mundo que possuem
capacitação para tanto (Macarini, 1997).
Os resíduos dos medicamentos de uso veterinário e de seus metabólitos, incluindo-se
aqui os anabolizantes, têm seus limites internacionalmente fixados pelo Codex
1 5 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
alimentarius da FAO (órgão da Organização das Nações Unidas – ONU – voltado
para a alimentação). Em 1995, em sua 52a
Reunião Anual, os membros da Comissão do
Codex analisaram a segurança dos resíduos dos principais anabolizantes preconizados
para uso em pecuária de corte. De acordo com os dados científicos disponíveis na épo-
ca, consideraram o 17β-estradiol, a testosterona, a progesterona, o acetato de trembolona
e o zeranol como seguros à saúde do consumidor. Naquela ocasião, deliberaram serem
os resíduos dos anabolizantes naturais seguros à saúde do consumidor e vetaram o uso
do dietilestilbestrol, por considerá-lo potencialmente tóxico. Fixaram, ainda, Limites
Máximos de Resíduos (LMR) para o acetato de trembolona e para o zeranol, isto é,
consideraram como seguras à saúde do consumidor quantidades de resíduos destas subs-
tâncias inferiores a 2 e 10 mg/kg, respectivamente (Palermo Neto, 1998).
Programas de controle do uso de produtos anabolizantes ainda são pouco definidos,
existindo problemas de conflito entre o desejável e o factível para qualquer programa de
controle, como por exemplo, critérios de amostragem, metodologia analítica, tecidos ou
líquidos corporais a serem analisados, etc.. Apenas alguns países da Comunidade Euro-
péia, como por exemplo, Holanda, França e Alemanha, realizam alguns procedimentos
de controle. Na Polônia, os resíduos são monitorados desde 1990. De maneira geral, a
situação da Europa varia entre países que não possuem qualquer tipo de controle e
outros, que fazem uma triagem em pequena quantidade de amostras, à procura de
estilbenes (Macarini, 1997; Woniak, 1994).
A respeito das substâncias denominadas hormônios ou esteróides naturais, isto é,
compostos biossintetizados em tecidos e órgãos dos animais e do homem, desenvolveu-
se um consenso entre os grupos científicos, especialmente da Comunidade Econômica
Européia, sobre a impossibilidade de serem detectados resíduos em tecidos de animais
tratados com estas substâncias. Isto se deve à comprovação de que a quantidade destas
substâncias produzidas fisiologicamente no organismo animal é muito maior do que aquela
que poderia ser devida a um tratamento anabolizante. A exceção a esta conclusão ocor-
re quando se analisam os tecidos do local da aplicação intramuscular, se for esta a via de
administração utilizada. Portanto, a tendência geral é controlar nos tecidos apenas os
resíduos das substâncias chamadas não-naturais, isto é, as que não são normalmente
produzidas pelo próprio organismo (Macarini, 1997; Woniak, 1994).
Até abril de 1998, a utilização de anabolizantes continuava proibida no Brasil, apesar
de estarem acontecendo algumas reuniões entre os setores interessados, a fim de modi-
ficar esta situação. Com certeza, quaisquer que sejam as decisões tomadas pelos técni-
cos dos Ministérios da Saúde e da Agricultura, o uso de anabolizantes continuará a ser
uma questão polêmica que, somente com o passar do tempo e com a execução de
muitas pesquisas científicas, poderá ser definitivamente solucionada.
Bibliografia consultada e recomendada
Nutrição e saúde pública
Benenson, A. S. El control de las enfermedades transmisibles en el hombre. 14. ed. Washington:
OPS,1987.
Curso de investigação de surtos de doenças veiculadas por alimentos: apostilas. OPS/OMS, 1989.
Hobbs, B.C. e Gilbert, R.J. Higiene y toxicologia de los alimentos. Zaragoza: Editorial Acribia,
1996.
Riedel, G. Controle Sanitário dos Alimentos. São Paulo: Loyola, 1987.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 5 7
Sinell, H. Introduccion a la higiene de los alimentos. Zaragoza: Editorial Acribia, 1981.
Produtos hortícolas
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE REFEIÇÕES COLETIVAS. Cólera: ABERC
recomenda medidas para o preparo de alimentos. Higiene Alimentar, 5(18):5-10, 1991.
CENTRO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA CVS/SES – SP. Produtos da Ceagesp agora são fiscali-
zados. IVS Informação Vigilância Sanitária, 2:1, 1990.
CHRISTOVÃO, D.A., IARIA, S.T,, CANDEIAS, J.A.N. Condições sanitárias das águas de irriga-
ção de hortas do município de São Paulo. I- Determinação da intensidade de poluição fecal
através NMP de coliformes e de E. coli. Rev. Saúde Públ., 1(1):3-11, 1967.
CHRISTOVÃO, D.A., CANDEIAS, J.A.N., IARIA, S.T, Condições sanitárias das águas de irriga-
ção de hortas do município de São Paulo. II- Isolamento de vírus entéricos. Rev. Saúde Públ.,
1(1):12-17,1967.
COSTA, M.B.B.C. (coordenador) Adubação orgância: nova síntese e novo caminho para a
agricultura. São Paulo: Ícone Editora, 1985.
FATTAL, B., WAX, Y., DAVIES, M., SHUVAL, H.I. Health risks associated with wastewater
irrigation: an epidemiological study. Am. J. Publ. Health, 76(8):977-979, 1986.
GELDREICH,E.E.,BORDNER,R.H.Fecalcontaminationoffruitsandvegetablesduringcultivation
and processing for market. A review. J.Milk Food Technol., 34:184-195, 1971.
GOUVEIA, E.L.C. Nutrição Saúde & Comunidade. São Paulo: Livraria e Editora Reviver. 1990.
MARZOCHI, M.C.A. Estudo dos fatores envolvidos na disseminação dos enteroparasitas. I-
Estudo da poluição por cistos e ovos de enteroparasitas em córregos da cidade de Ribeirão
Preto, São Paulo, Brasil. Rev. Inst. Med. Trop., 12(4):249-256, 1970.
MIGUEL, M., MIGUEL, O., GERMANO, M.I.S., GERMANO, P.M.L. A importância das embala-
gens para produtos hortícolas em saúde pública. Comun. Cient. Fac. Med. Vet. Zootec. Univ.
S.Paulo,13(2):81-87,1989.
OLIVEIRA, C.A.F., GERMANO, P.M.L. Estudo da ocorrência de enteroparasitas em hortaliças
comercializadas na região metropolitana de São Paulo – SP, Brasil. (I) Pesquisa de Helmintos.
Rev. Saúde Públ., 26 (3), 1992.
OLIVEIRA, C.A.F., GERMANO, P.M.L. Estudo da ocorrência de enteroparasitas em hortaliças
comercializadas na região metropolitana de São Paulo – SP, Brasil. (II) Pesquisa de Protozoários.
Rev. Saúde Públ., 26 (4), 1992.
PANETTA, J.C. Responsabilidades dos serviços de vigilância alimentar.Higiene Alimentar, 1(2):86-
89,1982.
RIEDEL, G. Controle sanitário dos alimentos. São Paulo: Loyola, 1987.
SÃO PAULO – SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. Código Sanitário. Imprensa Oficial do
Estado S.A. IMESP. 1987.
SÃO PAULO – SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. Prevenção da Cólera – água para irriga-
ção de hortaliças – orientações ao produtor. CVS, 1991.
SHUVAL, H.I., YEKUTIEL, P., FATTAL, B. Epidemiological evidence for helminth and cholera
transmission by vegetables irrigated with wastewater: Jerusalem – a case study. Wat. Sci.
Tech.,17:433-442,1984.
SOLÍS, C.S. Qualidade de alimentos em entrepostos. Higiene Alimentar, 5(18):15-19, 1991.
Leite
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. OPAS - OMS, Washington, 2a
ed., 1989. Publ. cient. no
503.
AMARAL, F.P. O Leite, problema nacional. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1957.
AMARAL, F.P. O Problema da alimentação. Aspéctos médico-higiênico-sociais. v. II. Livraria
José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1963.
AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Communittee on microbiological methods for
1 5 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
foods. Compendium of methods for microbiological examination. Washington, 1976.
AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Standard methods for the Examination of dairy
Products. 14th Edition. Elmer H. Marth, Editor. New York, 1978.
ANTUNES, L.A.F., OLIVEIRA, J.S. Qualidade microbiológica de leite cru. Revista do Instituto de
Laticínios Cândido Tostes (Juíz de Fora), v.41, n.244, p.20-4, 1986.
ARANALDE, A.A., MARTINS, L.F., ZIEGLER, J.C. Ocorrência de Estafilococos Coagulase Posi-
tiva no leite cru da bacia leiteira de Pelotas, RS. Rev. Centro Ciências Rurais, v.4, n.2, p.155-
58,1974.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PRODUTORES DE LEITE B.LeitenoConeSul (Relatórioem
forma de apostila). São Paulo, 1990.
BARELLI, W., ALVES, E.G., DE MARTINI, V.G.L. Perfil do consumo alimentar da classe trabalha-
dora. Saúde em Debate (Londrina), n.23, p.26-31, 1988.
BRANDÃO, S.C.C. Leite: legislação, responsabilidade e saúde pública. Revista Balde Branco,
n.360,p.68-71,1994.
BRASIL. Decreto-Lei no
. 923 de 10 de outubro de 1969. In: VOX LEGIS, v.10, 1969.
BRASIL. Decreto-Lei no
66.183 de 5 de fevereiro de 1970. In: VOX LEGIS, v.14, p.34-5, 1970.
CASTILHO, V.V. Mini e Micro Usinas. Revista CRMV-SP(São Paulo), ano XVIII, n.47, p.12, 1995.
CLARK, D.S. et al. The international comission on microbiological specifications for foods -
ICMSF. Microrganismos de los alimentos. Técnicas de análises microbiológico. 2a
ed., Zaragoza,
v.1 citado por WENDPAP, L.L. & ROSA, O.O. Presença de S. aureus em queijo Minas consu-
mido no município de Cuiabá (MT). Higiene Alimentar, v.7, n.27, p.23-9, 1993.
COMISSÃO TÉCNICA DA DELEGACIA FEDERAL DE AGRICULTURA. Qualidade Higênico-
Sanitária do Leite: Medidas para Melhorá-la. Higiene Alimentar (São Paulo), v.1, n.1, p.48-50,
1982.
COSTA, L.C.G., CARVALHO, E.P. de., CARVALHO, A.S. de. Aspectos higiênicos do leite na
fonte de produção, no município de Lavras. Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.38,
n.230,p.43-6,1983.
COSTA, L.C.G., CARVALHO, E.P. de., CARVALHO, A.S. de. Qualidade microbiológica do leite
cru por meio da ordenha manual e mecânica, na fonte de produção. Rev. Inst. Lat. Cândido
Tostes (Juiz de Fora), v.39, n.235, p.3-6, 1984.
CRUZ, J.W. de B. Doenças transmissíveis ao homem pelo leite e seus derivados. Rev. Inst. Lat.
Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.39, n.236, p.33-6, 1984.
FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA DO ESTADO DO PARANÁ. Estudo Técnico Econômico do
Leite, p.87 e 98, 1975.
FERREIRO, L. Agentes etiológicos e terapêutica da mastite bovina no Brasil. Rev. Inst. Lat.
Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.35, n.211, p.37-42, 1980.
GALBRAITH, N.S., FORBES, P., CLIFFORD, C. Communicable disease associated with milk and
dairy products in England and Wales 1951-1980. British Med Journal, v.284, p.1761-5, 1982.
GANCHO, C.V., TOLEDO, V.V. Caminhos do boi: Pecuária Bovina no Brasil. 1991. Ed. Moderna.
HOLMBERG, S.D. & BLAKE, P.A. Staphylococcal food poisoning in the United States. New
facts and old misconceptions. J. Am. Med. Ass., v.251, p.487-89, 1984 citado por ACHA, P. &
SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales.
OPAS - OMS, Washington, 2a
ed., 1989.
INTERNATIONALCOMMISSIONONMICROBIOLOGICALSPECIFICATIONSFORFOODS.
Microrganisms in foods. 1. Their significance and methods of enumeration. Toronto, University
Toronto Press, 2. ed., 1978.
IYA, K.K. La higiene de la leche en la India. In: Higiene de la leche. Serie de monografias no
48.
genebra, O.M.S., 1966.
JARDIM, F.S.F. Leite. higiene e fiscalização. Comun. cient. Fac. Med. Vet. Zootec. Univ. S.Paulo,
v.8, n.1, p.23-9, 1984.
KAY, H.D. Metodos de Pasterizacion: Descripcion general e Inspeccion de Los Resultados. In:
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 5 9
Higiene de la leche. Serie de monografias no
48. Genebra, O.M.S., 1966.
KRUG, E.E.B. Perspectivas atuais e futuras da atividades leiteiras. Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes
(Juiz de Fora), v.40, n.239, p.75-90, 1985.
LEAVELL,H.R.&CLARK,E.G. MedicinaPreventiva.SãoPaulo:Ed.McGraw-HilldoBrasilLtda,
1976.
LEITE B Publicação da Associação Brasileira dos Produtores de Leite B, São Paulo, ano 8, n.88,
p.16,1994.
LEITE B Publicação da Associação Brasileira dos Produtores de Leite B, São Paulo, ano 8, n.89,
p.3,1994.
MANDIL, A. et al. Staphylococcus aureus em queijo tipo “Minas”. Cienc. Tecnol. Alim., n.2,
p.23-41, 1982 citado por SABIONI, J.G., HIROOKA, E.Y., SOUZA, M.L.R. de, Intoxicação
Alimentar por Queijo Minas Contaminado com Staphylococcus aureus. Rev. Saúde Públic.
(São Paulo), v.5, n.22, p.458-61, 1988.
MAWE, 1874 citado por MORSE, R.M. Formação histórica de São Paulo . São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1970.
MEIRELES, A.J. Leite Paulista: história da formação de um sistema cooperativista no Brasil. São
Paulo: Ed. Cultura.
MESQUITA, A.J. et al. Enumeração de Staphylococcus em leite cru. Anais Esc. Agron. e Vet.,
v.18, n.1, p.5-11, 1988.
MESQUITA, A.J. et al. Correlação entre diversos parâmetros de qualidade do leite obtido na
fonte de produção. Anais Esc. Agron. e Vet., v.18, n.1, p.13-20, 1988.
MESQUITA, A.J. et al. Qualidade microbiológica do leite cru obtido de latões na fonte de produção
na grande região de Goiânia., Goiás. Anais Esc. Agron. e Vet., v.18, n.1, p.21-8, 1988.
MOREIRA, W.S. et al. Da necessidade de pasteurização do leite fornecido à população - Santa
Maria - RS. Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.1, n.3, p.105-12, 1971.
MORSE, R.M. Formação Histórica de São Paulo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970.
NADER FILHO, A. Mastite estafilocócica e características microbiológicas do leite Tipo B “In
Natura” e Pasteurizado. Isolamento de Cepas S. aureus, Produção de Enterotoxina e Deter-
minação da Origem provável, Humana ou Bovina. Tese de Livre Docência, 1987.
NASCIMENTO, D. Contribuição ao conhecimento das condições bacteriológicas de amos-
tras de leite Tipo C, antes e após a pasteurização, Vendido na Cidade de João Pessoa, PB.
Tese de Doutoramento, 1982.
NASCIMENTO, D. et al. Avaliação microbiológica de queijos tipo Minas-frescal da cidade de
Ouro Preto (MG). Bol. SBCTA (Campinas), n.19, p.120-29, 1985, citado por SABIONI, J.G.,
HIROOKA, E.Y., SOUZA, M.L.R. de. Intoxicação Alimentar por Queijo Minas Contaminado
co Staphylococcus aureus. Rev. Saúde Públ. (São Paulo), v.5, n.22, p.458-61, 1988.
OLIVEIRA, J.S. Qualidade microbiológica do leite. Rev. Inst. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.31,
n.186,p.15-20,1976.
PANETTA, J.C. Higiene do leite de consumo. Higiene Alimentar, v.1, n.1, p.18-20, 1982.
REVISTA BALDE BRANCO. Cooperativa central de laticínios do estado de São Paulo, Ano XXI,
n.259,1986.
RIBEIRO,M.A. Históriasemfim... InventáriodaSaúdePública.SãoPaulo,EditoradaUNESP,1993.
RIEDEL, G. Controle sanitário dos alimentos. São Paulo: Edições Loyola, 1987.
ROGICK, F.A. Pesquisas sobre a Brucelose Caprina em São Paulo. Boletim de Indústria Animal,
ano X, n.1, p.33-7, 1941, citado por AMARAL, F.P. O problema da alimentação. Aspectos
médico-higiênico-sociais. Vol.II. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1963.
ROGICK, F.A. produção higiênica do leite, Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.34,
n.205,p.39-40,1979.
SABIONI, J.G., HIROOKA, E.Y., SOUZA, M.L.R. de. Intoxicação alimentar por queijo Minas
contaminado com Staphylococcus aureus. Rev. Saúde Públ. (São Paulo), v.5, n.22, p.458-61,
1988.
1 6 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
SANTOS, E.C. Critério de pagamento do Leite. Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.35,
n.210,p.7-10,1980.
SANTOS, E.C. Controle da flora estafilocócica em queijo Minas durante o processamento indus-
trial. Arq. Esc. Vet. UFMG, n.33, p.199-205, 1081, citado por SABIONI, J.G., HIROOKA, E.Y.,
SOUZA, M.L.R. de. Intoxicação alimentar por Queijo Minas contaminado com Staphylococcus
aureus. Rev. Saúde Públ., São Paulo, v.5, n.22, p.458-61, 1988.
SECRETARIADEESTADODASAÚDEDOESTADODESÃOPAULO.CENTRODEVIGILÂN-
CIA SANITÁRIA. Monitoramento da Qualidade do Leite Pasteurizado Comercializado no
Estado de São Paulo, 1990-1993. (Dados não publicados).
TAPAJÓS, T., 1984, citado por MORSE, R.M.. Formação histórica de São Paulo. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1970.
VASAVADA, P.C. Pathogenic bacteria in milk - a review. J. Dairy Sci., n.71, p.2809-16, 1988.
WILSON, D. Pesquisa de Staphylococcus aureus em leite a ser pasteurizado. Rev. Saúde Públ.
(São Paulo), n.11, p.1-11, 1977.
Carne
Andrade, L.A.G. A fiscalização da carne no Brasil: estudo de uma política regulatória. Revista de
Administração Pública, 19(13):49-73, 1985.
Barratt, J. et al. Hygiene assessment by air sampling in a new and old abattoir. Environ. Health,
91(10): 274-6, 1983 citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações
microbianas da carcaça. Higiene Alimentar, 9 (35): 8-13, 1995.
Brasil. Ministério da Agricultura. Departamento de Defesa e Inspeção Agropecuária. Regulamen-
to de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. São Paulo: Inspetoria do
SIPAMA, 1968, citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate de bovinos. Higi-
ene Alimentar, 8 (34): 14-20, 1994.
Brasil. Ministério da Agricultura. Padronização de técnicas, instalações e equipamentos. I-Bovi-
nos. DNPA, DIPOA, 1971, citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate de
bovinos. Higiene Alimentar, 8 (34): 14-20, 1994.
Cotta, T. Hormônios anabolizantes na produção animal: mitos e realidade. A Hora Veterinária,
13(75):51-55,1993.
Empey, W. A., Scott, W. J. Investigations on chilled beef. Part I. Microbial contamination acquired
in the meatworks. Counc. For Sci. and Indust. Res. Austr., 126: 1-71, 1939 citados por Roça,
R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça. Higiene Alimen-
tar,9(35):8-13,1995.
Ferreira, O L. História do Brasil. São Paulo: Ática, 1979.
Florentino, E.R., Leite Júnior, A. F., Sá, S.N., Araújo, M.S.O., Martins, R.S. Avaliação da qualidade
microbiológica da carne moída comercializada em Campina Grande, PB. Higiene Alimentar,
11(47):38-41,1997.
Forrest, J.C. et al. Fundamentos da ciência de la carne. Zaragoza: Acribia, 1979.
Gancho, C.V., Toledo, V.V. Caminhos do boi: pecuária bovina no Brasil. Ed. Moderna, 1991.
Gil, J.I., Durão, J.C. Manual de inspeção sanitária de carnes. Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian,
1985, citados por Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate de bovinos. Higiene Alimen-
tar,8(34):14-20,1994.
Greer, G.G. Bacteria and meat quality. J. Inst. Can. Sci. Technol. Aliment., 22(2):116-7, 1989, citado
por Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça. Higiene
Alimentar, 9 (35): 8-13, 1995.
Holanda, S.B. (diretor). História geral da civilização brasileira. Tomo I – Vol. 2. São Paulo:
DIFEL,1985.
Ingram, M. Meat preservation, past, present and future. R. Soc. Health J., 92(3):121-130, 1972
citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça.
Higiene Alimentar, 9 (35): 8-13, 1995.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 6 1
Ingram, M, Simonsen, B. Carney products cárnicos. In: International comission on microbiological
specifications for foods. Ecologia microbiana de los alimentos. Zaragoza: Acribia, 1985 citado
por Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça. Higiene
Alimentar, 9 (35): 8-13, 1995.
Macarini, J.D. Anabolizantes hormonais. A Hora Veterinária, 17(100):33-34, 1997.
McDowell, D. A. et al. Bacterial microflora of chill-stored beef carcasses. Environ. Health, 94(3):65-
8, 1985, citados por Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da
carcaça. Higiene Alimentar, 9 (35): 8-13, 1995.
Mucciolo, P. Carnes: estabelecimentos de matança e de industrialização. São Paulo: Ícone, 1985.
Palermo Neto, J. Anabolizantes e pecuária de corte. Revista de educação continuada do CRMV-
SP,1(1):10-15,1998.
Pardi, M.C. Tecnologia e inspeção sanitária de produtos de origem animal, um desafio para a
Medicina Veterinária. Higiene Alimentar, 1(3/4):164-71, 1982.
Pastore, S.T. O que há de novo sobre hormônio de crescimento? Gado Holandês, 54(149):65-77,
1988.
Pinto, P.S.A. História e política da inspeção de carnes no Brasil: desafio para as autoridades
sanitárias. Higiene Alimentar, 6(21):11-3, 1992.
Piske, D. Aproveitamento de sangue de abate para alimentação humana. Uma revisão. Bol. Inst.
Tecnol. Alim., 19(13):253-308, 1982, citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate
de bovinos. Higiene Alimentar, 8 (34): 14-20, 1994.
Riedel, G. Controle Sanitário dos Alimentos. São Paulo: Edições Loyola, 1987.
Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate de bovinos. Higiene Alimentar, 8 (34): 14-20, 1994.
Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça. Higiene Ali-
mentar,9(35):8-13,1995.
Thorton, H. Compêndio de inspeção de carnes. Londres: Bailliere Tindall and Cassel, 1969,
citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate de bovinos. Higiene Alimentar, 8
(34):14-20,1994.
Woniak, B., Wojton, B. Resíduos de hormônios anabolizantes em carcaça de animais na Polônia.
Medicina Veterinária, 50(10): 484-485, 1994.
1 6 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 6 3
VI - Mortalidade infantil
Mortalidade infantil
Maria Cristina Rolim Baggio
Introdução
As primeiras análises sobre nascimento e morte reportam ao século XVII. John Grant,
um comerciante londrino de roupas masculinas, foi o pioneiro das estatísticas de nascimen-
to e morte. Estudando o número de mortes em Londres, durante o último terço do século,
demostrou a regularidade de certos fenômenos sociais e vitais, publicando, em 1662, seu
clássico: “Observações Naturais e Políticas... Por meio dos Boletins de Mortalidade”. Foi
o primeiro a indicar o excesso de nascimento de homens em relação às mulheres e a
gradativa redução deste referencial (20, 21).
No século XVIII, cada vez mais se tomava consciência da necessidade das informa-
ções estatísticas para determinar-se o número e as características das populações, caben-
do à Suécia a primazia das coletas de estatísticas oficiais, em 1748 (21).
Por volta de 1750, iniciou-se um rápido aumento da população na Europa. O ponto
crucial desta expansão, com altas taxas de nascimentos, estava na mortalidade infantil,
extremamente alta, especialmente entre os filhos dos pobres. Em algumas freguesias de
Londres, a mortalidade de crianças variava entre 80 e 90%, sendo ainda mais alta entre os
menores de um ano. Como conseqüência desta grande perda de vidas, iniciou-se, na Ingla-
terra e em outros países, um movimento de reformas contra os fatores e condições respon-
sáveis pelas mortes de crianças (21).
Na passagem do século XVIII para o XIX, os estudiosos reconheciam ser possível
evitar grande parte da mortalidade infantil e acreditavam que suas principais causas
eram a desnutrição, a ignorância dos pais, o alimento contaminado, entre outros fatores,
atribuídos total ou parcialmente à pobreza. Sabia-se também, que o número de mortes de
crianças alimentadas artificialmente era maior do que o das alimentadas no peito (21).
Em 1816, o médico inglês, John Bunnel Davis, estabeleceu um dispensário para cri-
1 6 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
anças, em Londres. Revelando um conhecimento das reais causas da mortalidade infan-
til e das medidas necessárias para reduzi-la, promoveu a instrução das mães e organizou
uma equipe de visitadoras para ir até as residências (21).
Já em 1860, Alfred Caron fundou um ramo especial da higiene, relacionado com a
saúde dos bebes e denominado puericultura (ciência de criar filhos de modo higiênico e
fisiológico). Em 1878, Friedrich Ahlfeld, de Leipzig, introduziu a prática de se pesar os
bebês (21).
Ao longo do século XIX, vários esforços foram empreendidos para promover-se a
saúde infantil, tais como, campanhas de amamentação, oferecimento de prêmios a cada
mãe cujo filho conseguisse viver até a idade de um ano, assistência médica à mãe e ao
filho e fornecimento de leite puro e limpo (21).
No Brasil, mais particularmente em São Paulo, em 1892, o secretário de Negócios do
Interior, Dr. Cesário Motta Jr., também preocupado com a mortalidade infantil, instituiu
uma comissão para realizar estudos sobre suas causas. Os dados levantados mostravam
a ocorrência de 2.443 óbitos de crianças de 0 a 7 anos, sendo que 61% deste total era de
crianças menores de um ano. Em 1893, a comissão listava os principais fatores causado-
res das mortes: nascimento ilegítimo, alimentação precária, habitações insalubres e falta
de asseio, entre outras. A publicação do relatório da Comissão serviu mais para mostrar
a preocupação do governo com a questão do que para encontrar medidas para enfrentar
o problema, sendo feito pouco de concreto em relação à mortalidade infantil. A única
medida executada foi a recomendação da Comissão de se fiscalizar os serviços das
amas-de-leite, que passaram a ser registradas junto ao Serviço Sanitário, sendo também
organizado o atendimento para as crianças pobres e indigentes (16).
A preocupação das sociedades com a mortalidade infantil e o estudo de suas rela-
ções com as condições de vida da população não são, portanto, fatos recentes.
No início da década de 50, a Organização das Nações Unidas formou um Comitê que
tinha como incumbência preparar um informe sobre os métodos mais satisfatórios para
definir e avaliar o nível de vida de uma população. Um dos 12 componentes sugeridos
pelo Comitê, passíveis de quantificação e que serviriam como um catálogo internacional
para medir a qualidade de vida, eram a saúde e as condições demográficas (5).
Posteriormente, a Organização Mundial de Saúde criou um grupo de estudos que
sugeriu três tipos de indicadores de saúde. Entre aqueles que traduzem diretamente a
saúde (ou a sua falta), estava incluído o coeficiente de mortalidade infantil (5).
Conceitos e definições em mortalidade infantil
O coeficiente de mortalidade infantil que expressa o número de óbitos de menores de
um ano para cada mil nascidos vivos na mesma área e ano calendário tem sido conside-
rado, internacionalmente, como um dos mais sensíveis indicadores das condições de vida
de uma população por refletir “de maneira aguda as condições do parto, o ambiente em
que vivem as crianças, os cuidados que recebem, a água em que se lavam, sua comida”
(18).
O cálculo da mortalidade infantil, pelo método direto, utiliza a fórmula abaixo:
N.º de óbitos de residentes com menos de um ano, em uma dada população e ano
——————————————————————————————--- X 1000
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 6 5
N.º de nascidos vivos, na mesma população e ano
Em função da proximidade ou distância de valores já alcançados em sociedades mais
desenvolvidas, o que varia com o tempo, as taxas de mortalidade infantil são classifica-
das em altas (50 ou mais), médias (20-49) e baixas (menos de 20). A tendência à
queda dos coeficientes exige a revisão periódica deste valores (10).
A tabela 1 apresenta as taxas de mortalidade infantil mundial e dos países agrupados
segundo regiões e nível de desenvolvimento, anos de 1960 e 1997 (27).
Tabela 1. Taxas de mortalidade infantil segundo regiões e nível de desenvolvimento
dos países, nos anos de 1960 e 1997.
Taxa de Mortalidade Infantil (/1.000NV)
Regiões 1960 1997
Países africanos ao sul do Saara 154 105
Oriente Médio e Norte da África 154 48
Ásia Meridional 146 78
Leste da Ásia e Pacífico 133 40
América Latina e Caribe 103 33
ECO/CEI e Estado Bálticos 76 29
Países industrializados 37 7
Países em desenvolvimento 138 65
Países menos desenvolvidos 171 108
Mundial 124 59
Fontes: UNICEF, Divisão de População das Nações Unidas e Divisão de Estatísticas
das Nações Unidas.
A mortalidade infantil costuma ser dividida em dois componentes: mortalidade neonatal
(ou infantil precoce) e mortalidade pós-neonatal (ou infantil tardia). A neonatal compre-
ende os óbitos de crianças com menos de 28 dias e a pós-neonatal, de 28 dias (inclusive)
até o final do primeiro ano de vida. Esta divisão é usada no sentido de se avaliar indire-
tamente a importância das causas relacionadas às condições desfavoráveis do recém-
nascido, à qualidade da assistência ao pré-natal, ao parto e ao neonato, e das causas
relacionadas às condições ambientais hostis. Enquanto as primeiras seriam de difícil
redução, as segundas seriam vulneráveis tanto a melhorias nas condições gerais de vida,
quanto a intervenções específicas de caráter médico-sanitário (11).
À medida que o coeficiente de mortalidade infantil diminui, tende a haver uma con-
centração das mortes nas primeiras semanas e dias de vida. Assim, o componente neonatal
costuma predominar nos países mais desenvolvidos, sendo as causas perinatais as res-
ponsáveis pela maior parte das mortes (Tabela 2). Já nos países menos desenvolvidos,
as maiores responsáveis pelos altos níveis de mortalidade são as doenças diarreicas,
respiratórias agudas e infecciosas em geral, determinadas pela influência da qualidade
de vida (1).
Tabela 2. Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI), proporções dos componentes
neonatal e pós neonatal e proporção de mortes por diarréia em países e anos seleciona-
1 6 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
dos.
PÁIS ANO CMI Proporção (%) Proporção (%) Proporção (%)
(/1000) 0-27 dias > 27 dias diarréia
Japão 1960 30.7 55.5 44.5 7.7
1970 13.1 65.9 34.1 3.6
1980 7.5 65.8 34.2 0.9
1986 5.2 59.2 40.8 0.3
1992 4.5 53.0 47.0 0.2
EUA 1960 26.0 71.9 28.1 2.8
1969 21.0 74.7 25.3 1.2
1974 16.7 73.4 26.6 1.3
1984 10.8 64.9 35.1 0.4
1991 8.9 62.5 37.5 0.4
Portugal 1960 77.5 27.1 63.9 26.5
1971 49.8 45.3 54.7 20.9
1979 26.0 60.5 39.5 9.6
1985 17.8 68.2 31.8 3.8
1993 8.7 63.6 36.4 1.1
Polônia 1960 56.8 45.1 54.9 8.7
1970 33.2 59.0 41.0 2.2
1980 21.3 62.6 37.4 2.7
1985 22.1 70.5 29.5 1.1
1994 13.4 71.7 28.3 0.3
Chile 1974 63.3 40.7 59.3 14.0
1980 36.6 49.9 50.1 4.5
1989 17.1 53.4 46.6 2.2
Fonte: World Health Organization In: Szwarcwald et al, 1997.
A mortalidade infantil no brasil e nas grandes regiões
A precariedade das estatísticas de Registro Civil de nascimentos e de óbitos tem
limitado o cálculo do coeficiente de mortalidade infantil no Brasil.
Frente à necessidade de melhores informações sobre os nascidos vivos, em nível
nacional, que permitissem quantificá-los e caracterizá-los segundo variáveis
epidemiológicas, viabilizando assim, respectivamente, o cálculo mais fidedigno do coefi-
ciente de mortalidade infantil e estudos sobre os fatores de risco a ela associados, im-
plantou-se no Brasil, em 1990, o Sub-Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos –
SINASC – ficando padronizada, para todo o país, a Declaração de Nascido Vivo (7).
Esse documento, preenchido nos Hospitais ou Cartórios, possibilitou a obtenção do
número de nascidos vivos para o cálculo do coeficiente de mortalidade infantil, além de
dados referentes ao recém-nascido, entre eles o peso de nascimento, à gestação e ao
parto, bem como outras informações sobre a mãe, que poderiam estar relacionadas ao
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 6 7
comportamento da mortalidade de menores de um ano (7).
Apesar da disponibilidade de dois sistemas de informações sobre óbitos em nível
nacional, o da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBFE) e o
Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), um dos
grandes problemas que dificultam a análise da mortalidade de menores de um ano é o
sub-registro de óbitos. A subenumeração de óbitos, devido à ocorrência de sepultamen-
tos em cemitérios clandestinos sem a documentação necessária, é diferenciada por re-
gião – com magnitude expressiva sobretudo nas regiões menos desenvolvidas (Norte e
Nordeste) – e por idade, predominando entre os menores de um ano (25).
Os cálculos diretos das taxas de mortalidade infantil são feitos utilizando-se os
sistemas de informação em mortalidade (SIM) e de nascidos vivos (SINASC). Porém,
nas regiões com baixa cobertura dessas bases de dados, como no Norte e Nordeste,
faz-se necessária a utilização de um fator de correção, tanto para o número de óbitos
de menores de um ano, quanto para o de nascidos vivos. Cálculos de subenumeração
são realizados para que tais correções possam ser efetuadas. Desta maneira são obti-
dos coeficientes de mortalidade infantil estimados que, em geral, apresentam-se com
valores superiores aos calculados de forma direta (10).
No Brasil, o coeficiente de mortalidade infantil que expressa o risco de uma criança
nascida viva vir a morrer antes do primeiro ano vem apresentando tendência de queda
desde 1935 (11). Assim, de 160 por mil nascidos vivos, em 1940, caiu para 80, em 1979.
Embora reduzindo-se à metade, no período citado, o coeficiente ainda apresentava ele-
vado valor quando comparado ao do mundo desenvolvido (24).
Analisando-se a evolução da mortalidade a partir de 1980, nota-se que não houve
reversão da tendência declinante. Segundo o Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI/
FNS/MS) passou de 65,02, em 1980, para 29,22 por mil nascidos vivos, em 1996 (9).
Este declínio não aconteceu de maneira uniforme em todo país, sendo mais intenso nas
regiões Sul e Sudeste e mais lento nas regiões Norte e Nordeste (22).
A mortalidade proporcional entre os menores de um ano, coeficiente que indica o
peso relativo das mortes nessa faixa etária dentre o total de mortes ocorridas, sofreu
uma redução de quase 3 vezes, no período de 1980 a 1996, de 23,98% para 8,19%. Isto
equivale a dizer que, em 1980, de cada 4 mortes registradas no país, 1 ocorria entre os
menores de 1 ano, sendo que em 1996 esta relação reduziu-se para cerca de 1 em cada
13 (9).
As causas de morte de menores de um ano também apresentaram modificações
importantes no período de 1980 a 1996. Assim, as causas perinatais, relacionadas com
a assistência pré-natal, ao parto e ao recém-nascido, que correspondiam a 28,71% das
mortes, ampliaram seu peso relativo, passando a responder por quase metade dos
óbitos infantis em 1996 (49,19%). As doenças infecciosas e parasitárias, entre as
quais se inclui a diarréia, declinaram de 21,53 para 11,31, reduzindo sua importância.
Estes percentuais também variam de acordo com as regiões do país, sendo que no
Nordeste as doenças infecciosas e parasitárias ainda respondem por 15,35% das mor-
tes, valor que se reduz pela metade, 7,88%, na região Sul (9).
As taxas estimadas, obtidas pelo método indireto, utilizando dados dos Censos
Demográficos, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNDA) e estimativas
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são menos otimistas, apon-
tando para um coeficiente de 37,5 por mil nascidos vivos, em 1996. A tabela 3 apre-
1 6 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
senta os valores das taxas estimadas de mortalidade infantil, neonatal precoce, neonatal
tardia e pós-neonatal, do Brasil e regiões, segundo dados do Ministério da Saúde, nos
Indicadores e Dados Básicos – Brasil – 97 (IDB 97) (10).
Tabela 3. Coeficientes estimados de mortalidade infantil, neonatal precoce, neonatal
tardia e pós-neonatal, segundo regiões do Brasil, 1996.
Regiões Mortalidade Neonatal Pós-Neonatal
Infantil Precoce tardia (28 dias e mais)
(/1000 NV) (0 – 6 dias) (7 – 27 dias)
Norte 36,6 17,4 4,0 14,8
Nordeste 60,4 23,6 7,1 29,7
Sudeste 25,8 13,5 3,2 9,2
Sul 22,8 10,4 2,8 9,5
Centro-Oeste 25,8 12,9 3,4 9,5
Brasil 37,5 17,6 4,5 15,4
Fontes: MS – SIM e DPIS/IBGE – Censo Demográfico e PNADs.
Vários estudos têm demonstrado a existência de diferentes padrões de mortalida-
de infantil entre regiões do país, áreas de um mesmo município e entre estratos sociais
(22). As flutuações observadas no processo de declínio e a variabilidade interna de
padrões da mortalidade infantil têm sido explicadas pelo agravamento das desigualdades
sociais e econômicas. Os efeitos negativos gerados pela agudização da pobreza interagem
com os efeitos intermediadores, como a implementação de políticas sociais e de progra-
mas de prevenção de doenças, resultando em aumentos ou em declives, conforme o
desempenho relativo destes fatores (14, 26).
Segundo alguns autores, os verdadeiros fatores determinantes da redução da morta-
lidade infantil, nas últimas décadas, são externos às condições de vida social e material
da população. O declínio se deu devido a uma conjunção de fatores, tais como, medidas
médico-sanitárias, sobretudo no campo preventivo, e o declínio da fecundidade, em todo
o país (15).
Fatores que influenciam o comportamento
da mortalidade infantil
É no primeiro ano de vida que o recém-nascido tem os mais altos riscos de morte,
sendo que o momento do nascimento é um dos mais perigosos (29). Estes riscos depen-
dem, em primeiro lugar, das características próprias da criança, que constituem sua
bagagem biológica; em segundo lugar, das condições ligadas ao parto, tais como, afecções
da placenta, distócias, anóxias, entre outras. Superados estes riscos, estará sujeito a
outros que vão depender da classe social na qual sua família está inserida (1).
Características individuais do ponto de vista biológico, como idade materna, sexo e
peso da criança ao nascer, têm influência na mortalidade, atuando principalmente na
mortalidade infantil (1,29).
A influência do peso ao nascer na mortalidade dos menores de um ano, especialmen-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 6 9
te no período neonatal, vem sendo exaustivamente estudada. Crianças com baixo peso
ao nascer (menos de 2.500g) apresentam uma menor probabilidade de sobrevivência do
que as nascidas com peso adequado (19,29).
Puffer e Serrano, na década de 70, com base nos dados da Investigação Interamericana
de Mortalidade na Infância, observaram que 73% das mortes ocorridas no período
neonatal eram de crianças de baixo peso (19).
As diferenças que se estabelecem na freqüência de nascimentos com peso baixo,
quando se comparam os países mais desenvolvidos com os menos desenvolvidos, estra-
tos pobres com estratos ricos de um mesmo país, revelam uma associação causal com a
estrutura sócio-econômica das populações (12).
Nos países mais desenvolvidos, onde há registro dos pesos de nascimento, há nu-
merosos estudos discutindo o papel do baixo peso ao nascer como determinante da
mortalidade infantil. Porém, 90% das crianças nascidas com baixo peso são de países
periféricos, onde há poucas informações sobre a distribuição e o impacto desta variá-
vel na determinação da mortalidade nos menores de um ano (29).
O baixo peso ao nascer é influenciado por características ligadas às variáveis da
criança (sexo, idade gestacional, gemelaridade), fatores biológicos maternos (idade, peso,
altura, intervalo interpartal, antecedentes obstétricos), fatores sociais (escolaridade, fumo
na gravidez) e de assistência médica (consultas pré-natais e tipo de parto) (29).
A tendência declinante das curvas de mortalidade infantil merece ser analisada
mais detalhadamente, por meio do estudo simultâneo de séries históricas dos coefi-
cientes de mortalidade infantil e das freqüências de baixo peso ao nascer, para se
conhecer o papel desta variável na determinação da mortalidade (12).
A idade materna também tem sido considerada como fator de relevância no compor-
tamento da mortalidade infantil. A forte associação entre ambas tem sido bastante docu-
mentada, encontrando-se as mais altas taxas entre os filhos de mães adolescentes (me-
nores de 20 anos) e de maiores de 35 anos (2,4,6,19).
Estudo realizado nos Estados Unidos (3) referiu uma forte associação entre idade
materna e altas taxas de mortalidade infantil e idade materna e alta incidência de baixo
peso ao nascer. Os resultados sugeriram que a prevenção da mortalidade neonatal e, por
conseqüência, da mortalidade infantil entre os recém-nascidos de mães adolescentes
depende da prevenção do baixo peso ao nascer. Moreno Vásquez (13), analisando as
causas da redução da mortalidade neonatal em Cuba, no período de 1970 a 1987, men-
ciona, como condição favorável, a diminuição das taxas de fecundidade das mulheres
com menos de 20 anos, que vem ocorrendo desde de 1975.
Outro fator que mantém estreita relação com a mortalidade no primeiro ano de vida
é o sexo do recém-nascido, com a mortalidade masculina quase sempre maior que a
feminina, em todas as sociedades, independentemente do grau de desenvolvimento. Este
fenômeno é denominado de supermortalidade ou sobremortalidade masculina (1). Por
outro lado, o sexo feminino, segundo vários estudos, freqüentemente apresenta maiores
proporções de crianças com baixo peso ao nascer (8,23,28).
Estudos sobre a evolução da mortalidade infantil evidenciam sua associação com a
situação e as condições estruturais das sociedades, sendo a ela atribuídas não somente
causas biológicas mas, principalmente, causas e determinações de ordem sócio-econô-
mica e sócio-ambiental, por ser fortemente influenciada pelos agentes externos localiza-
dos na sociedade, tais como, os serviços de saúde, saneamento e higiene e as relações
1 7 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
familiares e sociais (moradia, trabalho, renda, nível de informação, proteção social, etc.)
(15).
Tais fatos mostram o caráter complexo dos determinantes da mortalidade infantil,
especialmente quando, concomitantemente à piora nas condições de vida, possam estar
ocorrendo outros fenômenos, tais como, redução da natalidade, espaçamento das gesta-
ções, a expansão do saneamento básico, a intervenção dos serviços de saúde, entre
outros (17).
Comentários finais
De maneira geral, o declive da mortalidade infantil no Brasil, quando comparado
com dados internacionais, foi lento e gradual, favorecendo as regiões mais desen-
volvidas, em que a presença de uma estrutura de serviços de atendimento à popula-
ção e um nível mais elevado de vida garantiram condições mais adequadas de sub-
sistência (15,25). Nestas regiões, há um predomínio do componente neonatal, e pro-
gressos adicionais dependerão do controle da mortalidade por causas perinatais e
por doenças respiratórias, por meio de intervenções específicas nos programas de
pré-natal e assistência ao parto e ao recém-nascido.
No Norte e Nordeste, que ostentam os níveis mais elevados do país, o descenso
apresentou um ritmo mais lento, permanecendo com um padrão semelhante ao de soci-
edades muito pobres, com altas taxas de morte por doenças intestinais e pouca redução
do componente pós-neonatal (15,22,25). Nestes estados, o controle da mortalidade in-
fantil envolve ainda, além das intervenções citadas acima, a implementação de políticas
públicas, tais como, extensão da rede de água potável e esgoto, campanhas de vacinação
e universalização dos acessos à assistência médico-hospitalar.
A importância do leite materno
na prevenção de doenças
Bruno Soerensen
Nada melhor para a alimentação de um recém-nascido que o leite materno, o qual,
independentemente de ser um alimento completo, ainda apresenta a grande vantagem
de conter anticorpos, isto é de possibilitar que o recém-nascido por meio do leite receba
proteção contra praticamente todas as doenças para as quais a mãe está protegida.
Na vida fetal a placenta é responsável pelas trocas metabólicas materno-fetal de
substâncias nutritivas, de enzimas, de síntese de hormônios e ainda da termorregulação.
Independentemente, existe passagem de anticorpos. Esta passagem de anticorpos está
relacionada ao tipo de placenta, assim, quanto maior as trocas materno-fetais, maior a
passagem de anticorpos e, quando esta passagem não é satisfatória, é completada por
meio do colostro que é da maior importância conforme o tipo de placenta da espécie
animal. A placenta epitélio-corial corresponde à da jumenta, égua, porca, camela, vaca,
cabra e ovelha. Nestes animais a passagem de anticorpos através da placenta é infe-
rior e portanto se processa na sua maior parte através do colostro. Segue, em
permeabilidade, a placenta endotélio-corial representada pela cadela e pela gata e,
finalmente, temos a placenta hemo-corial representada pela mulher, macaca, coelha,
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 7 1
cobaia, rata e camundonga. Neste último grupo as trocas materno-fetais são maiores.
Desta maneira, quanto à espécie humana, do ponto de vista prático, a imunoprofilaxia
do tétano umbilical (mal dos sete dias), em mães não imunizadas, deverá ser feita pela
vacinação durante a gravidez, para que forme anticorpos e os transfira ao feto impe-
dindo que o recém nascido corra o risco de apanhar tétano. Esta recomendação deve-
rá correr paralelamente à desinfecção do umbigo. Independentemente deste fato, se
recomenda a alimentação da criança recém-nascida com o leite materno, para com-
pletar a transferência de anticorpos que não foi possível pela via transplacentária.
No caso especial de animais, existe transferência de anticorpos pelo leite somente
nas primeiras horas após o parto.
Os trabalhos publicados pela Organização Mundial da Saúde sobre o assunto apre-
sentam as seguintes vantagens da lactância :
01. É a melhor alimentação para a criança;
02. Reduz a incidência de alergias;
03. Economia. Não se perde;
04. Anticorpos. Transmite imunidade contra infecções;
05. A criança não fica constipada e tem menos diarréia;
06. Temperatura sempre adequada e constante;
07. Leite sempre fresco, nunca coalha;
08. Vínculo emotivo;
09. Cômodo, uma vez aceito;
10. É digerido facilmente em duas a três horas;
11. Imediatamente disponível;
12. Nutritivamente balanceada;
13. Reduz as doenças diarréicas.
São raros os casos em que o uso do leite materno tem contra-indicação médica.
A lactância materna deve ser estimulada. Atualmente aumentam pressões sociais
para que isso não aconteça com as mães que trabalham. Recomenda-se que somente
na impossibilidade do uso do leite materno sejam ministrados substitutos.
Um estudo realizado em nosso país demonstrou que as crianças com idade de 0-2
meses que não foram alimentadas com leite materno tiveram 25 vezes mais possibilida-
des de morrer por doenças diarréicas comparadas àquelas alimentadas exclusivamente
com o leite da mãe. Ainda conclui-se que as crianças de seis meses a um ano de idade
que estavam sendo alimentadas com leite materno junto com alimentos para desmame e
outros leites, tiveram menos diarréia que aquelas em que a dieta não incluía o leite
materno.
Independentemente das vantagem do leite materno, soma-se incidência bem mais
elevada de câncer de mama em mulheres que não tiveram filho ou que não amamenta-
ram seus filhos.
Bibliografia consultada e recomendada
Mortalidadeinfantil
1. BERQUÓ, E. S. Fatores estáticos e dinâmicos (mortalidade e fecundidade). In: SANTOS, J.L.F.;
LEVY, M.S.F.; SZMRECSÁNYI, T. (Org.) Dinâmica da população. São Paulo: T. A. Queiroz,
1980. Cap. 3, p. 21-85.
1 7 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
2. FERREIRA, C. E. C. Mortalidade infantil e desigualdade social em São Paulo. São Paulo,
1990. 211p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.
3. FRIEDE, A.; BALDWIN, W.;RHODES, P. H.; BUEHLER, J. W.; STRAUSS, L. T.; SMITH, J. C.;
HOGUE, C. J. R. Young maternal age and infant mortality: the role of low birth weight. Public
Health Report, v. 102, n.2, p. 192-9, 1987.
4. GONZÁLES PÉREZ, G.; MENÉNDEZ VALONGA, M. C. La influencia de la maternidad precoz
en el nivel y la estructura de la mortalidad infantil. Revista Cubana de Higiene y Epidemiologia,
v. 23, n.2, p. 171-80, 1985.
5. LAURENTI, R., MELLO JORGE, M. H. P.; LEBRÃO, M. L., GOTILIEB, S. L. D. Estatísticas de
Saúde. 2. ed. São Paulo: E. P . U., 1987. 186p.
6. LAURENTI, R.; BUCHALLA, C. M. Estudo da morbidade e da mortalidade perinatal em mater-
nidades. II- Mortalidade perinatal segundo peso ao nascer, idade materna, assistência pré-
natal e hábito de fumar da mãe. Revista de Saúde Pública, v. 19, n.3, p. 225-32, 1985.
7.MELLOJORGE,H.P.M.;GOTLIEB,S.L.D.;SOBOLL,M.L.M.S.;ALMEIDA,M.F.,LATORRE,
M. R. D. O sistema de Informação Sobre Nascidos Vivos – SI-NASC. Informe Epidemiológico
do SUS, v. 1, n.4, p. 5-16, 1992.
8.MELLOJORGE,H.P.M.;GOTLIEB,S.L.D.;SOBOLL,M.L.M.S.;ALMEIDA,M.F.,LATORRE,
M. R. D. Avaliação do sistema de informação sobre nascidos Vivos e o uso de seus dados em
epidemiologia e estatísticas de saúde. Revista de Saúde Pública, v. 27, supl., p. 1-46, 1993.
9. MS (Ministério da Saúde), 1997. Centro Nacional de Epidemiologia.Mortalidade 1996. (online).
Disponível: http://www.fns.gov.br/cenepi/mortalidade.htm
10. MS (Ministério da Saúde), 1997. DATASUS. Indicadores e Dados Básicos – Brasil, 1997
(IDB-97). (online). Disponível: http://www.datasus.gov.br/cgi/idb97/apresent.htm
11. MONTEIRO, C. A. Saúde e nutrição das crianças de São Paulo: diagnóstico, contrastes
sociais e tendências. São Paulo: HUCITEC: Editora da Universidade de São Paulo, 1998. Cap.
11, p. 143-58: A mortalidade.
12. MONTEIRO, C. A. O peso ao nascer no município de São Paulo: impacto sobre os níveis de
mortalidade na infância. São Paulo, 1979. 131p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde
Pública, Universidade de São Paulo.
13. MORENO VÁSQUEZ, O Mortalidad infantil en Cuba com especial atencion al Recien nascido
de bajo peso. Revista Cubana de Pediatria, v. 60, n.6, p.889-97, 1988.
14. OLIVEIRA, L. A. P.; SIMÕES, C. C. S. O papel das políticas de saúde e saneamento na recente
queda de mortalidade infantil: significados, alcance e limitações estruturais. In: ____. Perfil
estatístico de crianças e mães no Brasil: aspectos sócio-econômicos de mortalidade infantil
em áreas urbanas. Rio de Janeiro, IBGE, 1986.
15. OLIVEIRA, L. A. P.; MENDES, M. M. S.. Mortalidade infantil no Brasil: uma Avaliação das
tendências recentes. In: MINAYO, M. C. S. (Org.) Os muitos Brasis: saúde e população na
década de 80. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1995. p. 291-303.
16. ORGANIZACION PANAMERICANA DE LA SALUD. Las condiciones de Salud en Las
Americas: edición de 1990. Washington, 1990. 2v. (Publicación científica, 524).
17. PAIM, J, S.; COSTA, M. C. N.. Decréscimo e desigualdade da mortalidade infantil: Salvador,
1980-1988. Boletín de La Oficina Sanitaria Panamericana, v. 114, n. 5, p. 415-28, 1993.
18. PAULA, S. G.. Morrendo à toa: causas da mortalidade no Brasil. São Paulo: Ática, 1991. 160p.
19. PUFFER, R. R.; SERRANO, C. V. Características de la mortalidad en la niñez. Washington:
Organizacion Panamericana de la Salud, 1973. 490p. (Publicación científica, 262).
20. ROSEN, G. Da polícia médica à medicina social: ensaios sobre a história da assistência
médica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. Cap. 7, p. 191-211: Atenção médica e política
social no século XVII inglês.
21. ROSEN, G.. Uma História da Saúde Pública. São Paulo: HUCITEC, Editora da Universidade
Estadual Paulista. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coleti-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 7 3
va, 1994. 423p.
22. SIMÕES, C. C. S.; MONTEIRO, C. A. Tendência secular e diferenciais regionais da mortalida-
de infantil no Brasil. In: MONTEIRO, C. A. (Org.) Velhos e novos males da saúde no Brasil: a
evolução do país e de suas doenças. São Paulo: HUCITEC, Editora da Universidade de São
Paulo, 1995. Cap. 9, p. 153-56.
23. SIQUEIRA, A. A.; ARENO, F. B.; ALMEIDA, P. A. M.; TANAKA, A. C. D. Relação entre peso
ao nascer, sexo do recém-nascido e tipo de parto. Revista de Saúde Pública, v. 15, n. 3, p. 283-
90,1981.
24. SZWARCWALD, C. L.; CHEQUER, P.; CASTILHO, E. A. Tendências da mortalidade infantil
no Brasil nos anos 80. Informe Epidemiológico do SUS, v.1, n. 2, p.35-42, 1992.
25. SZWARCWALD, C. L.; LEAL, M. C.; CASTILHO, E. A.; ANDRADE, C. L . T. Mortalidade
infantil no Brasil: Belíndia ou Bulgária? Cadernos de Saúde Pública, v. 13, n. 3, p. 503-16,
1997.
26. SZWARCWALD, C. L.; LEAL, M. C.; JAVIDAN, A. M. F. Mortalidade infantil: o custo social
do desenvolvimento. In: LEAL, M. C.; SABROZA, P, C.; RODRIGUEZ, R. H.; BUSS, P. M.
(Orgs.) Saúde, Ambiente e Desenvolvimento. São Paulo: HUCITEC-ABRASCO, 1992. V.2.
27. UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 1997. Situação Mundial da Infância,
1999. (online). Disponível: http://www.unicef.org.br/sowc/tabl.htm.
28. VARGAS, N. A.; RHOMAS, E.; MENDEZ, C.; VARGAS, S.; DAZZAROLA, P.; MELO, W.;
PULICO, N.; FLORES, G.; MONTT, J. Estudio colaborativo de nascimiento en Chile. Ver.
Médica de Chile, v. 115, n.4 p. 361-6, 1987.
29. VICTORIA, C. G.; BARROS, F. C.; VAUGHAN, J. P. Epidemiologia da desigualdade. 2 ed.
São Paulo: HUCITEC, 1989. 187p.
A importância do leite materno na prevenção de doenças
BERQUÓ, E. S. Fatores estáticos e dinâmicos (mortalidade e fecundidade). In: SANTOS, J.L.F.;
LEVY, M.S.F.; SZMRECSÁNYI, T. Org. Dinâmica da População. São Paulo: T. A. Queiroz,
1980. Cap. 3, p. 21-85.
FERREIRA, C. E. C. Mortalidade infantil e desigualdade social em São Paulo. São Paulo,
1990. 211p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
FRIEDE, A.; BALDWIN, W.;RHODES, P. H.; BUEHLER, J. W.; STRAUSS, L. T.; SMITH, J. C.;
HOGUE, C. J. R. Young maternal age and infant mortality: the role of low birth weight. Public
Health Report, v. 102, n.2, p. 192-9, 1987.
GONZÁLESPÉREZ,G.;MENÉNDEZVALONGA,M.C.Lainfluenciadela maternidadprecozen
el nivel y la estructura de la mortalidad infantil. Revista Cubana de Higiene y Epidemiologia,
v. 23, n.2, p. 171-80, 1985.
LAURENTI, R., MELLO JORGE, M. H. P.; LEBRÃO, M. L., GOTILIEB, S. L. D. Estatísticas de
Saúde. 2. ed. São Paulo: E. P . U., 1987. 186p.
LAURENTI, R.; BUCHALLA, C. M. Estudo da morbidade e da mortalidade perinatal em materni-
dades. II- Mortalidade perinatal segundo peso ao nascer, idade materna, assistência pré-natal
e hábito de fumar da mãe. Revista de Saúde Pública, v. 19, n.3, p. 225-32, 1985.
MELLOJORGE,H.P.M.;GOTLIEB,S.L.D.;SOBOLL,M.L.M.S.;ALMEIDA,M.F.,LATORRE,
M. R. D. O sistema de Informação Sobre Nascidos Vivos – SI-NASC. Informe Epidemiológico
do SUS, v. 1, n.4, p. 5-16, 1992.
MELLOJORGE,H.P.M.;GOTLIEB,S.L.D.;SOBOLL,M.L.M.S.;ALMEIDA,M.F.,LATORRE,
M. R. D. Avaliação do sistema de informação sobre nascidos Vivos e o uso de seus dados em
epidemiologia e estatísticas de saúde. Revista de Saúde Pública, v. 27, supl., p. 1-46, 1993.
MS (Ministério da Saúde), 1997. Centro Nacional de Epidemiologia. Mortalidade 1996. (online).
Disponível: http://www.fns.gov.br/cenepi/mortalidade.htm
MS (Ministério da Saúde), 1997. DATASUS. Indicadores e Dados Básicos – Brasil, 1997(IDB-
97).(online).Disponível: http://www.datasus.gov.br/cgi/idb97/apresent.htm
1 7 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
MONTEIRO, C. A. Saúde e nutrição das crianças de São Paulo: diagnóstico, contrastes sociais
e tendências. São Paulo: HUCITEC: Editora da Universidade de São Paulo, 1998. Cap. 11, p.
143-58: a mortalidade.
MONTEIRO, C. A.. O peso ao nascer no município de São Paulo: impacto sobre os níveis de
mortalidade na infância. São Paulo, 1979. 131p. Tese (Doutorado) Faculdade de Saúde Pública
da Universidade de São Paulo.
MORENO VÁSQUEZ, O Mortalidad infantil en Cuba com especial atencion al Recien nascido de
bajo peso. Revista Cubana de Pediatria, v. 60, n.6, p.889-97, 1988.
OLIVEIRA, L. A. P.; SIMÕES, C. C. S. O papel das políticas de saúde e saneamento na recente
queda de mortalidade infantil: significados, alcance e limitações estruturais. In__________
Perfil estatístico de crianças e mães no Brasil: aspectos sócio-econômicos de mortalidade
infantil em áreas urbanas. Rio de Janeiro, IBGE, 1986.
OLIVEIRA, L. A. P.; MENDES, M. M. S.. Mortalidade infantil no Brasil: uma Avaliação das
tendências recentes. In: MINAYO, M. C. S., Org. Os muitos Brasis: saúde e população na
década de 80. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1995. P. 291-303.
ORGANIZACIONPANAMERICANADELASALUD. LascondicionesdeSaludenLasAmericas:
edición de 1990. Washington, 1990. 2v. (Publicación científica, 524).
PAIM, J, S.; COSTA, M. C. N.. Decréscimo e desigualdade da mortalidade infantil: Salvador, 1980-
1988. Boletín de La Oficina Sanitaria Panamericana, v. 114, n. 5, p. 415-28, 1993.
PAULA, S. G.. Morrendo à toa: causas da mortalidade no Brasil. São Paulo: Ática 1991, 160 p.
PUFFER, R. R.; SERRANO, C. V. Características de la mortalidad en la niñez. Washington:
Organizacion Panamericana de la Salud, 1973. 490 p. (Publicación científica, 262).
ROSEN, G. Da polícia médica à medicina social: ensaios sobre a história da assistência médica.
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. Cap. 7, p. 191-211: atenção médica e política social no
século XVII inglês.
ROSEN, G.. Uma História da Saúde Pública. São Paulo: HUCITEC: Editora da Universidade
Estadual Paulista; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coleti-
va, 1994. 423p.
SIMÕES, C. C. S.; MONTEIRO, C. A. Tendência secular e diferenciais regionais da mortalidade
infantil no Brasil. In: MONTEIRO, C. A. org. Velhos e novos males da saúde no Brasil: a
evolução do país e de suas doenças. São Paulo: HUCITEC: Editora da Universidade de São
Paulo, 1995. Cap. 9, p. 153-56.
SIQUEIRA, A. A.; ARENO, F. B.; ALMEIDA, P. A. M.; TANAKA, A. C. D. Relação entre peso ao
nascer, sexo do recém-nascido e tipo de parto. Revista de Saúde Pública, v. 15, n. 3, p. 283-90,
1981.
SZWARCWALD, C. L.; CHEQUER, P.; CASTILHO, E. A. Tendências da mortalidade infantil no
Brasil nos anos 80. Informe Epidemiológico do SUS, v.1, n. 2, p.35-42, 1992.
SZWARCWALD,C.L.;LEAL,M.C.;CASTILHO,E.A.;ANDRADE,C.L.T.Mortalidadeinfantil
no Brasil: Belíndia ou Bulgária? Cadernos de Saúde Pública, v. 13, n. 3, p. 503-16, 1997.
SZWARCWALD, C. L.; LEAL, M. C.; JAVIDAN, A. M. F. Mortalidade infantil: o custo social do
desenvolvimento. In: LEAL, M. C.; SABROZA, P, C.; RODRIGUEZ, R. H.; BUSS, P. M., Orgs.
Saúde, Ambiente e Desenvolvimento. São Paulo: HUCITEC-ABRASCO, 1992. V.2.
UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 1997. Situação Mundial da Infância, 1999.
(online). Disponível: http://www.unicef.org.br/sowc/tabl.htm.
VARGAS,N.A.;RHOMAS,E.;MENDEZ,C.;VARGAS,S.;DAZZAROLA,P.;MELO,W.;PULICO,
N.; FLORES, G.; MONTT, J. Estudio colaborativo de nascimiento en Chile. Ver. Médica de
Chile, v. 115, n.4 p. 361-6, 1987.
VICTORIA, C. G.; BARROS, F. C.; VAUGHAN, J. P. Epidemiologia da desigualdade. 2. ed. São
Paulo:HUCITEC,1989.187p.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 7 5
1 7 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
SOERENSEN & BADINI MARULLI
VII - Uso abusivo de drogas
Luís Carlos de Araújo Lima
Valéria Pereira
Introdução
As práticas sócio-culturais do uso de drogas são bastante antigas. O escritor britâni-
co Aldous Huxley chegou a afirmar que muito antes da aurora da civilização, nossos
antepassados já se intoxicavam com sedativos, euforiantes e alucinógenos de origem
natural. Sabe-se, há muito tempo, que os povos andinos fazem uso de folhas de cocaína,
os índios do sul dos Estados Unidos e do México utilizam a mescalina e os afegãos, o
cânhamo, uma espécie de maconha (Graeff, 1984).
São bastante antigas também as preocupações relativas ao estudo das ações huma-
nas, que ocuparam lugar de destaque no pensamento dos fundadores da filosofia ociden-
tal. Para Sócrates, Platão e Aristóteles, a ação harmoniosa, racional, associada com o
saber e com o bem, recebia o nome de virtude; identificada pela idéia da moderação e
evitação dos excessos, a ação virtuosa tinha como parâmetro para o julgamento do
cidadão da antiga Grécia suas conseqüências para a vida na “polis” (cidade-estado).
O sentido oposto ao da virtude foi caracterizado pela palavra vício, derivada do latim
“vitiu”, que significa inclinação para o mal ou defeito grave que torna uma pessoa ou
coisa inadequada para determinados fins ou funções. O termo vício, com o passar do
tempo, foi sendo utilizado para significar o abuso de drogas.
Segundo Foucault, a idéia de que alguém pudesse ser um viciado começou a ser
gestada na metade do século passado, sendo que até o século XIX a ingestão regular de
álcool, por exemplo, só era entendida como um problema social se chegasse a causar
algum transtorno à ordem pública, ou seja, a compreensão dos vícios era regida por um
viés exclusivamente moral e público e não como um problema instalado no indivíduo
(Guiddens,1993). Só no início do século XIX, com os trabalhos pioneiros de Thomas
Trotter e Magnus Huss, os transtornos causados pela evolução dos quadros de alcoolis-
mo começaram a ser associados à idéia de uma doença manifesta no indivíduo, a uma
compulsão do indivíduo em relação a um determinado objeto e às suas conseqüências
orgânicas e psíquicas (Galduroz e Andreatini, 1992).
Em um dos seus últimos escritos, “O mal-estar na civilização”, Freud se refere à vida
por volta de 1929 como árida, proporcionando aos viventes apenas sofrimentos, decep-
ções e tarefas impossíveis, contrariando profundamente o princípio de prazer que deve-
ria comandar a vida e o funcionamento do aparelho psíquico desde o seu início. Tão
grande é o massacre sobre o indivíduo no seu processo de iniciação à cultura dominante
que o princípio de prazer acaba por transformar-se em um “modesto princípio de realida-
de”.
Nestes escritos, as drogas são chamadas de substâncias tóxicas ou veículos
intoxicantes, e são caracterizadas como armas entre as mais rudes e eficazes usadas
pelos homens para evitar a dor e os sofrimentos e na busca de prazer. De forma extre-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 7 7
mamente simples, Freud lançou a suspeita da existência de substâncias psicoativas, fa-
zendo menção à presença de neurotransmissores, só recentemente comprovada por
procedimentos avançados de pesquisa.
De fato, até meados de 1960, apenas um neurotransmissor produzido pelo nosso
organismo e com ação comprovada sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) era conhe-
cido: a acetilcolina. Só então, os trabalhos de neurofisiologistas, neuroquímicos e
farmacologistas constataram que diversas drogas (ilícitas e lícitas) possuíam uma confi-
guração molecular semelhante à dos neurotransmissores chegando, às vezes, a produzi-
rem uma ação mais potente e eficaz que o próprio neurotransmissor, por conterem em
suas propriedades químicas substancias que promovem alterações no funcionamento do
SNC.
Isso nos remete a definição de drogas ou substâncias psicoativas. São consideradas
drogas as substâncias que tenham ação direta sobre o SNC e que, atuando seletivamen-
te em certos mecanismos nervosos e não em outros, modificam a função de células
nervosas que compõem a estrutura cerebral. Com base nesta definição podemos enten-
der que tanto o tabaco como o guaraná, o café como a cocaína, a maconha como o
chocolate são substâncias psicoativas e que a classificação das drogas em lícitas ou
ilícitas não obedece a critérios bioquímicos ou farmacológicos, mas a flutuações do con-
texto sócio-cultural.
Drogas hoje consideradas ilícitas nem sempre o foram. Data da década de 20, nos
EUA, o tratamento jurídico que impediu a produção, venda e o consumo de cocaína,
heroína, maconha e bebidas alcoólicas. De forma geral, a justificativa para a proibição
legal do uso das drogas decorre do fato de as mesmas produzirem ou induzirem seus
usuários a estados de dependência física e/ou psíquica, resultando na manifestação de
comportamentos inadequados ou não aceitos socialmente, bem como por interferirem
nas atividades produtivas e necessárias à manutenção do tecido e da ordem social.
As drogas ilícitas têm ocupado um lugar privilegiado no rol das preocupações da
Organização das Nações Unidas (ONU), dos chefes de Estado, bem como da popula-
ção em geral. Órgãos ligados à OMS – Organização Mundial de Saúde – informam que
o narcotráfico movimenta anualmente em todo o mundo algo em torno de 400 a 600
bilhões de dólares, um valor bastante próximo ao PIB – produto interno bruto – do
Brasil. Esses dados nos permitem uma visão das dimensões políticas e sociais que envol-
vem o tráfico e o uso de drogas. A questão das drogas, longe de ser um problema de
repressão policial, se configura como um problema mundial com contornos políticos,
econômicos, diplomáticos, entre outros.
Uso abusivo de drogas
O consumo de drogas é uma prática bastante antiga, mas a década de 60 é descrita
como uma referência para o surgimento de novos padrões de consumo de drogas, tanto
do ponto de vista epidêmico (quantidade de usuários), quanto pelos casos de overdose
(superdose) que levaram artistas famosos à morte. Desde então, a incidência vem se
alastrando pela população, tanto nos grupos economicamente desfavorecidos quanto
nas camadas mais diferenciadas.
Dados mais recentes confirmam esta tendência: as internações na rede pública de
1 7 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
saúde brasileira (SUS) causadas pelo uso indiscriminado de drogas dobraram entre 1993
e 1997 e os gastos com os pacientes triplicaram no mesmo período, incluindo problemas
com o uso abusivo de drogas ilícitas e com remédios estimulantes do SNC socialmente
aceitos, como os antidepressivos, emagrecedores, anorexígenos, etc.
Graeff (1984) define abuso de drogas como a auto-administração de uma droga que
desvia dos padrões sócio-culturais aceitos, uma vez que a maioria das sociedades huma-
nas admitem a auto-administração de certas drogas e rejeitam de outras, da mesma
forma como diferem entre as culturas as normas de conduta social. O uso abusivo de
drogas vem sendo denominado pela imprensa, por pesquisadores e também pelo público
leigo como “vício”. Apesar do viés moral impregnado neste conceito, alguns autores
modernos apontam o vício como uma forma não estável de comportamento que tende a
aumentar em sua importância, podendo mesmo resultar num processo no qual uma de-
pendência cada vez maior do comportamento viciado gera, além de um comprometi-
mento de todas as atividades sociais e produtivas, sentimento de pânico e autodestruição
em substituição às sensações outrora obtidas de bem-estar e êxtase.
O componente psicológico nas manifestações do comportamento viciado ficou co-
nhecido neste século como compulsão, uma forma de comportamento que um indivíduo
acha muito difícil ou impossível interromper pelo poder da vontade e cuja realização
produz a liberação de uma tensão. Para Giddens, os processos de compulsão geralmente
são precedidos de uma sensação de êxtase, uma sensação especial de libertação, triunfo
ou relaxamento. Uma vez estabelecido o padrão de comportamento, a sensação de êx-
tase provinda deste passará a funcionar como fator de compensação.
Mesmo considerando as implicações químicas, os vícios nos remetem necessaria-
mente a processos psicológicos, uma vez que os estados mórbidos de dependência po-
dem se manifestar não só por meio do uso abusivo de cocaína, mas por meio de outros
comportamentos, tais como apostar em corridas de cavalos ou apresentar compulsão
sexual, por exemplo.
Depoimentos de usuários sobre as situações nas quais recorrem ao uso da droga
permitem vislumbrar algum sentido para a droga em suas vivências: circunstâncias de
extrema ameaça externa ou angústia (a droga é utilizada como um “analgésico psíqui-
co”), situações sentidas como lhes exigindo algo acima de suas capacidades (a droga é
usada como um “fortificante, que funciona como injeção de poder e coragem) e na
criação de um momento grupal de prazer e divertimento (a droga é utilizada como um
substituto ou complemento do lazer).
Uma vez incorporado pela medicina, o vício foi definido como uma doença resultan-
te da interação entre um organismo e uma droga, concepção que segundo alguns autores
significou o início de uma compreensão que se instauraria como oposição à idéia mora-
lista do vício (Galduroz e Andreatini,1992). Se por um lado, o conceito de drogadicção (o
vício entendido como uma doença) facilita a aceitação do problema do paciente por
parte dos amigos e familiares, fortalecendo a convivência familiar e comunitária, por
outro, pressupõe uma atitude passiva do dependente, incentivando sentimentos de inse-
gurança em seus próprios recursos (Ancona-Lopez e Figueiredo,1990).
O conceito de farmacodependência surgiu em 1973 e, por recomendação da OMS,
passou a ser utilizado em substituição aos conceitos de toxicomania, vício, drogadicção,
etc. Estado psíquico e às vezes físico produzido pela interação entre um organismo vivo
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 7 9
e uma substância, a farmacodependência “se caracteriza por modificações no compor-
tamento e por outras reações que compreendem sempre um impulso irreprimível a to-
mar uma substância de forma contínua ou periódica, a fim de experimentar seus efeitos
psíquicos e, muitas vezes, para evitar o mal-estar produzido pela sua falta” (Solero,
1979).
Silveira (1995) define farmacodependência com um processo biopsicossocial, na qual
estão envolvidos a substância psicoativa e suas propriedades, o indivíduo, com suas
características de personalidade e sua singularidade biológica, e o contexto sócio-cultu-
ral onde se realiza este encontro entre o indivíduo e a droga. A clínica da
farmacodependência não consegue reconhecer uma estrutura psíquica específica do
dependente de “fármacos”. Assim, em princípio, não se pode falar em “doença” mas
apenas em “conduta”. O autor propõe uma distinção entre o dependente e o usuário de
drogas, embora, na grande maioria das vezes, ambos procurem a droga pelo mesmo
motivo: a busca do prazer. O usuário de drogas é aquele que faz uso eventual, recreativo,
e que pode vir a prescindir da droga, enquanto o dependente de drogas é um indivíduo
para quem a droga passou a desempenhar um papel central na sua organização psíquica,
na medida em que, mediante o prazer, ocupa lacunas importantes, tornando-se indispen-
sável ao seu funcionamento psíquico.
Diagnóstico
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV –, publicado
pela Associação Americana de Psiquiatria, apresenta critérios diagnósticos para trans-
tornos relacionados a substâncias. A utilização do termo substância e não mais substân-
cia psicoativa objetiva não limitar a atenção às substâncias que têm como efeito principal
uma atividade de alteração cerebral (por exemplo, a cocaína), porque este conceito não
inclui substâncias químicas com propriedades de alteração cerebral (exemplo: solventes
orgânicos). E substância é preferível à droga (substância química, manufaturada), já que
os padrões de abuso podem estar associados ao consumo de substâncias que não se
destinam ao consumo humano (por exemplo, cola de avião ou de sapateiro). O abuso de
substância é mais comum quando o consumo é recente, embora alguns indivíduos pos-
sam continuar, por um longo tempo, sofrendo as conseqüências sociais adversas relaci-
onadas ao abuso da substância sem desenvolver evidências de dependência. A caracte-
rística essencial da dependência de substância é a presença de um agrupamento de
sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicando que o indivíduo continua
utilizando uma substância, apesar de problemas significativos relacionados a ela.
O abuso de substância é diagnosticado como um padrão mal-adaptativo de uso de
substância levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por
três ou mais dos sintomas abaixo relacionados, ocorrendo a qualquer momento, no mes-
mo período de 12 meses:
(1) uso recorrente da substância resultando em um fracasso em cumprir obrigações
importantes relativas a seu papel no trabalho, na escola ou em casa (por ex., repetidas
ausências ou fraco desempenho ocupacional relacionados ao uso de substância; ausên-
cias, suspensões ou expulsões da escola relacionadas à substância; negligência dos fi-
lhos ou afazeres domésticos);
1 8 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
(2) uso recorrente da substância em situações nas quais isto representa perigo físico
(por ex., dirigir um veículo ou operar uma máquina quando prejudicado pelo uso da
substância);
(3) problemas legais recorrentes relacionados à substância (por ex., detenções por
conduta desordeira relacionada à substância);
(4) uso continuado da substância, apesar de problemas sociais ou interpessoais per-
sistentes ou recorrentes, causados ou exacerbados pelos efeitos da substância (por ex.,
discussões com o cônjuge acerca das conseqüências da intoxicação, lutas corporais).
O diagnóstico de dependência de substância pode ser aplicado a qualquer classe de
substâncias, exceto a cafeína. A dependência é definida como um padrão mal-adaptativo
de uso de substância que leva a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, mani-
festado por três ou mais dos sintomas abaixo relacionados, que ocorram a qualquer
momento, no mesmo período de 12 meses:
1) Tolerância, que é definida por qualquer um dos seguintes aspectos:
(a) uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para
adquirir a intoxicação ou efeito desejado;
(b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de
substância.
2) Abstinência, que se manifesta por qualquer dos seguintes aspectos:
(a) síndrome de abstinência característica da substância:
A - desenvolvimento de uma síndrome de abstinência específica da substância devi-
do à cessação (ou redução do uso pesado e prolongado da substância);
B - síndrome de abstinência específica da substância causa sofrimento ou prejuízo
clinicamente significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas im-
portantes da vida do indivíduo;
C - os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são mais bem
explicados por outro transtorno mental.
(b) A mesma substância (ou substância estreitamente relacionada) é consumida para
aliviar ou evitar sintomas de abstinência.
3) A substância é freqüentemente consumida em maiores quantidade ou por um
período mais longo que o pretendido.
4) Existe um desejo persistente ou esforços malsucedidos no sentido de reduzir ou
controlar o uso da substância.
5) Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância
(por ex., consultas a múltiplos médicos ou longas viagens de automóvel), na utilização da
substância ou na recuperação de seus efeitos.
6) Importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou
reduzidas em função do uso da substância.
7) O uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou
psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela subs-
tância.
Classificação das drogas
Existem diversas classificações de drogas, que podem ser encontradas em manuais
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 8 1
de psiquiatria e literatura específica sobre drogas. O DSM-IV agrupa as substâncias em
11 classes: álcool; anfetaminas; cafeína; canabinóides; cocaína; alucinógenos; inalantes;
nicotina; opióides; fenciclidina e sedativos. Apresentaremos a seguir uma caracteriza-
ção simplificada que aborda sua composição, efeitos fisiológicos e comportamentais e
alguns dados históricos. Para cada classe específica de substâncias, apresentaremos a
descrição de, pelo menos, uma droga que exemplifique a classe.
1. Álcool
O etanol, ou álcool etílico, é a forma de álcool que se pode beber, que confere os
efeitos prazerosos mais significativos às bebidas alcoólicas.
O álcool promove alterações no humor, comprometimento crescente da crítica, com
conseqüente diminuição das inibições comportamentais, prejuízo da capacidade motora,
distúrbios da fala e diminuição dos reflexos. A ingestão de altas doses pode provocar
graves distúrbios orgânicos, paralisia respiratória e indução de um estado de coma. O
uso crônico de álcool pode provocar distúrbios gastrointestinais, cardiovasculares, neu-
rológicos e psiquiátricos.
O uso contínuo e progressivo de bebidas alcoólicas, passando das fermentadas (vi-
nho, cerveja) para as destiladas (pinga, vodca, uísque), é capaz de promover no indivíduo
um aumento de tolerância aos efeitos químicos do álcool, ou seja, o indivíduo vai neces-
sitar beber uma quantidade cada vez maior de bebida para obter o efeito químico dese-
jado.
Depois de instalado o quadro de dependência física e psíquica, o alcoolista precisa
recorrer constantemente à ingestão de doses de bebidas alcoólicas durante o dia como
forma de manter um nível de álcool em seu organismo, evitando durante um certo perí-
odo os desconforto dos sintomas de abstinência.
Neste estágio, as perdas da vida social do alcoolista já se fazem sentir: o relaciona-
mento familiar e profissional e sua saúde física e mental começam a apresentar as
seqüelas da evolução do quadro. Do ponto de vista clínico a situação limite para o depen-
dente de álcool é conhecida como “delirium tremens”, uma síndrome de abstinência na
qual o usuário é acometido por alucinações visuais e auditivas e disfunções cardíacas
que, sem atenção médica adequada, pode levar o indivíduo à morte.
2. Anfetaminas
As anfetaminas clássicas, metanfetamina, dextroanfetamina e metilfenidrato apre-
sentam seus principais efeitos no sistema dopaminérgico. As anfetaminas também são
chamadas de simpatomiméticos, estimulantes ou psicoestimulantes.
As anfetaminas causam a liberação de catecolaminas (dopamina e noradrenalina) e
de serotonina. Entre seus efeitos destacam-se a diminuição do sono, sensação de estar
bem disposto, estado de ânimo elevado e aumento de atividade motora, quando usadas
em baixas quantidades. Com o aumento da quantidade ingerida, as anfetaminas, indutoras
de estado de dependência, geram, nos estados de abstinência, letargia, depressão, com-
portamento agressivo, etc.
Segundo o DSM-IV, o sulfato racêmico de anfetamina (benzedrine) foi sintetizado
pela primeira vez em 1887 e introduzido na prática clínica em 1932, como um inalante
vendido sem prescrição para o tratamento de congestão nasal e asma. Em 1937, compri-
1 8 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
midos de sulfato de anfetamina passaram a ser utilizados no tratamento da narcolepsia
(desejo incontrolável de dormir, ou acessos repentinos de sono), parkinsonismo pós-
encefalítico, depressão e letargia. A inibição do seu amplo uso começou na década de
70. Atualmente, seu uso clínico aprovado limita-se ao transtorno de déficit de atenção/
hiperatividade, narcolepsia e transtornos depressivos. Embora com eficácia e segurança
muito discutíveis, as anfetaminas também são usadas no tratamento da obesidade.
Estatísticas publicadas pela ONU, em 1995, mostram que o Brasil é o quarto país que
mais consome estimulantes – emagrecedores, antidepressivos – e alguns tipos de anal-
gésicos, entre outros medicamentos, perdendo apenas para o Chile, Argentina e EUA.
A dependência de anfetamina pode resultar em uma rápida espiral descendente nas
capacidades de um indivíduo para lidar com obrigações e estresses relacionados ao
trabalho e à família. São necessárias doses gradativamente maiores para obtenção da
excitação habitual e o abuso continuado leva ao desenvolvimento de sinais físicos (por
ex., perda de peso e idéias paranóides).
Distúrbios cérebro-vasculares, cardíacos e gastrintestinais estão entre os efeitos ad-
versos mais sérios associados ao abuso de anfetaminas. Há risco de infarto do miocárdio,
severa hipertensão, acidente vascular cerebral e colite isquêmica. Uma série contínua
de sintomas neurológicos, desde cãibras musculares à tetania, convulsões, coma e mor-
te, está associada a doses gradativamente mais altas de anfetaminas. Os efeitos adver-
sos menos ameaçadores à vida incluem rubor, palidez, cianose, febre, cefaléia, taquicardia,
náuseas, vômito, ranger de dentes, falta de ar, tremor e ataxia. O uso de anfetaminas por
mulheres grávidas tem sido associado ao baixo peso do bebê ao nascer, pequeno períme-
tro cefálico, fetos pequenos para a idade gestacional e retardo no crescimento.
Os efeitos psicológicos adversos, associados ao uso de anfetamina, incluem inquieta-
ção, ansiedade, insônia, irritabilidade, hostilidade e confusão. A ansiedade generalizada e
o transtorno de pânico podem ser induzidos pelo uso de anfetaminas, além de delírios
paranóides e alucinações.
O Ecstasy, super-anfetamina de nova geração, ficou conhecido por seus efeitos pro-
longados. Relatos de usuários da droga informam que eles podem ficar em frenético
ritmo dançante e com aguda disposição sexual por muitas horas. É uma droga muito
perigosa tanto por sua potência (contra-indicada para alguém que possua qualquer sus-
peita de problemas cardíacos), quanto por nunca se saber ao certo qual a composição e
a procedência da droga. Alguns especialistas afirmam que atualmente existem 174 vari-
ações de Ecstasy sendo comercializadas.
3. Cafeína
A cafeína é mais freqüentemente encontrada na forma de café ou chá e é a substân-
cia psicoativa mais amplamente utilizada nos países ocidentais. O DSM-IV prevê os
diagnósticos de intoxicação com cafeína, transtorno de ansiedade induzido por cafeína e
transtorno de sono induzido por cafeína; não apresenta categorias diagnósticas para
abuso, dependência ou abstinência de cafeína, apesar de diversos estudos relatarem
dados consistentes como a presença de dependência física e fenômenos de abstinência
relacionados à cafeína.
Presente em uma variedade de bebidas, alimentos e medicamentos (vendidos com ou
sem prescrição médica), é possível encontrar cafeína em quantidades significativas no
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 8 3
cacau, chocolate e em refrigerantes, suficientes para provocar alguns sintomas de into-
xicação com cafeína em crianças, com o consumo de uma barra de chocolate ou de 300
ml de refrigerante.
A cafeína evidencia todos os traços associados com as substâncias de abuso geral-
mente aceitas. Tem a capacidade de agir como um reforçador positivo, induz a uma leve
euforia e a efeitos comportamentais associados ao comportamento de busca repetida
pela substância. A tolerância a alguns efeitos da cafeína pode ser observada, bem como
a ocorrência de sintomas de abstinência. O aparecimento de sintomas de abstinência é
um reflexo da tolerância e da dependência fisiológica que se desenvolve com o seu uso
continuado. Os sintomas mais comuns de abstinência são cefaléia e fadiga, podendo ser
observados, ainda, ansiedade, irritabilidade, leves sintomas depressivos, desempenho
psicomotor prejudicado, náusea, vômito, avidez por cafeína, dor e rigidez muscular.
O uso da cafeína apresenta como efeitos comprovados por vários estudos uma
vasoconstrição cerebral global com diminuição do fluxo sangüíneo cerebral. Em altas
doses ou concentrações a cafeína pode afetar a atividade dopaninérgica e noradrenérgica.
Os sintomas associados à intoxicação com cafeína incluem o transtorno de ansieda-
de induzido por cafeína: o paciente fica “elétrico”, falante, apresenta agitação psicomotora,
inquietação, irritabilidade e queixas psicofisiológicas, como abalos musculares, rubor facial,
náusea, diurese, perturbação gastrointestinal, perspiração excessiva, formigamento nos
dedos das mão e dos pés e insônia.
O consumo de mais de um grama de cafeína pode estar associado a um fluxo errático
do pensamento e da fala, taquicardia ou arritmia cardíaca, períodos de inexaustibilidade,
agitação psicomotora acentuada, timidez e leves alucinações visuais (lampejos de luz).
O consumo de mais de 10g de cafeína causa convulsões tônico-clônicas generalizadas,
parada respiratória e morte.
4. Canabinóides
Cannabis é o nome abreviado para Cannabis sativa, planta que contém canabinóides
psicoativos, dentre os quais o tetrahidrocanabinol (THC) é o mais abundante. Chamada
habitualmente de maconha, erva ou marijuana, é possível encontrar também outras no-
menclaturas descrevendo formas de variadas potências: hemp, chasra, bhang, ganja,
dagga, sensemilla, haxixe.
Os efeitos imediatos do uso da maconha são a vasodilatação do vasos sanguíneos
das conjuntivas (daí os olhos vermelhos) e a taquicardia. Verifica-se ainda um sentimen-
to de euforia, risos despropositados, gracejos, zombaria, liberação sexual, secura na boca
e aumento do apetite (vulgarmente denominado “larica”). O uso continuado pode levar à
fadiga extrema, isolamento, eventos alucinatórios de caráter persecutório e distorção da
noção de tempo e espaço. Seu uso crônico pode levar a doenças respiratórias crônicas
e câncer pulmonar, em função da inalação dos mesmos hidrocarbonos carcinogênicos
presentes no tabaco.
O uso repetido em grandes quantidades de maconha induz à tolerância, mas sem
grande capacidade de provocar estados agudos de abstinência. Os sintomas de absti-
nência, com uma interrupção súbita, limitam-se a um ligeiro aumento da irritabilidade,
inquietação, insônia, anorexia e leve náusea.
Os potenciais efeitos medicinais da Cannabis como analgésico, anticonvulsivante e
1 8 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
hipnótico foram reconhecidos no séc. XIX e início deste século. Recentemente, a cannabis
e seu principal componente ativo (THC) têm sido utilizados com sucesso no tratamento
de náusea secundária às drogas, no tratamento do câncer e para estimular o apetite em
pacientes com AIDS, além disso sua utilização no tratamento de glaucoma tem sido
proposta, devido à redução da pressão intra-ocular.
Alguns estudos constatam (ainda sem confirmações conclusivas) que o uso prolon-
gado de maconha pode alterar as concentrações de testosterona (reduzir a produção de
espermatozóides), desregular o ciclo menstrual e aumentar a suscetibilidade a convul-
sões.
5. Cocaína
A cocaína é um dos vários alcalóides extraídos das folhas de coca, planta cultivada e
usada pelos índios do Peru há mais de 1000 anos. Era uma erva considerada sagrada
pelos Incas e seu uso era restrito a cerimônias religiosas e sacrifícios.
Lima (1996) apresenta alguns dados curiosos sobre o histórico do uso da cocaína na
América. Em 1884, a cocaína pura já estava disponível para comercialização e um ano
após já era vendida pelo laboratório Parke-Davis em quinze formas diferentes, incluindo
cigarros, injetável e para ser inalada. O produto era anunciado pela empresa como algo
que “substitui a comida, torna o fraco corajoso, o silencioso loquaz e torna a dor suportá-
vel”. Outras companhias comercializavam kits sofisticados de cocaína que incluíam até
seringas hipodérmicas. Um extrato de folhas de coca foi produzido e tornou-se um su-
cesso imediato, a ponto de seu criador ser condecorado com uma medalha pelo Papa
Leão XII, um reconhecido adepto da bebida. Sua publicidade apregoava que o “Vinho de
Coca Mariani liberta o corpo do cansaço, elevando o espírito, criando uma sensação de
bem-estar”.
Os efeitos da cocaína são semelhantes à maioria dos estimulantes, vasoconstrição
periférica e taquicardia, aumento da capacidade física, excitação, redução do sono e de
apetite. Observam-se, ainda, estado de alerta, euforia, hiperatividade, irritabilidade,
agressividade, agitação e impotência. O uso crônico induz à dependência e o aumento
das quantidades consumidas pode acarretar o aparecimento de um estado psicótico que
se caracteriza por tendências paranóides, comportamentos excêntricos e incontroláveis.
A reação tóxica ou overdose pode provocar convulsões, alucinações táteis e visuais,
falência cárdio-respiratória e grande risco de morte.
O “crack” é resultado de um processo no qual a cocaína não refinada, em forma de
pó (cloridrato de cocaína) ou pasta, se volatiza ao ser adicionada ao bicarbonato de sódio
e aquecida, se transformando em pedra. O seu nome se origina do som característico da
cocaína sendo “fritada”. Quando fumado, a absorção pelos alvéolos pulmonares aumen-
ta em cerca de 200 vezes o poder da droga, se comparada à cocaína inalada. Os efeitos
da droga são sentidos num intervalo entre 10 a 20 segundos e sua duração é de no
máximo 5 a 10 minutos, favorecendo a instalação rápida da compulsão da droga. O
tempo de ação desta forma de administração da cocaína é bem semelhante ao da coca-
ína consumida pela via intravenosa (“baque” ou “pelos canos”).
Araújo Lima (1997) apresenta alguns dados sobre a evolução do uso do crack. Em
maio de 1985, o New York Times publicou seu primeiro artigo sobre o crack, “uma
simples e barata forma de cocaína fumada”, uma droga altamente potente que começa-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 8 5
va a fazer parte do circuito de drogas daquela cidade. Em 1986 o consumo e o tráfico de
crack atingiram dimensões alarmantes em grandes cidades norte-americanas, e passa-
ram a ser responsabilizados por um aumento significativo dos índices de violência e
criminalidade,
No Brasil, e mais especificamente em São Paulo, os primeiros relatos de uso da
droga datam de 1988, e o risco que o seu consumo representava foi minimizado tanto por
autoridades policiais como por órgãos responsáveis por políticas de informação e pre-
venção.
O consumo e tráfico de crack na Grande São Paulo começaram a atingir escalas
crescentes a partir de 1991 e, desde então, a relação entre crack, aumento da criminalidade
e violência urbana na figura de homicídios e chacinas, é constante nos meios de comuni-
cação e nas análises de cientistas sociais que afirmam que esta potente forma de uso da
cocaína só vem ressaltar e denunciar problemas sociais como a miséria, o desemprego,
o desmonte dos serviços e políticas públicas de saúde, etc.
Quanto à sua ação no Sistema Nervoso Central, estudos afirmam que o crack blo-
queia a recaptura do neurotransmissor dopamina, mantendo-a por mais tempo nos espa-
ços sinápticos, superestimulando as atividades motoras e sensoriais, provocando sensa-
ção de euforia e poder. Em pouco tempo, os receptores são ajustados (reduzidos) às
necessidades do sistema nervoso, as sinapses se tornam lentas, comprometendo as ati-
vidades cerebrais e corporais. O crack aumenta a pressão arterial e a freqüência cardí-
aca. Há riscos de convulsão, infarto e derrame cerebral.
Os usuários de crack relatam os efeitos devastadores característicos da droga por
meio de gírias. O êxtase de seu efeito, que dura entre 5 e 10 minutos, é chamado de
“tuim”, referência a uma espécie de estampido no ouvido que acompanha a “primeira
paulada”. O período onde o efeito começa a se esvair e provocar a necessidade de
repetição do uso é chamado de “fissura”, que provoca comportamentos estranhos e às
vezes alucinatórios, chamados de “nóia” – a impressão de que existem pedaços da
pedra no chão faz com que os “craqueiros” fiquem tentando pegá-los. Relatos da sensa-
ção de estar sendo perseguido, observado, de ouvir sirenes de carros da polícia, também
são freqüentes.
6. Alucinógenos
Os alucinógenos também são chamados de psicodélicos ou psicomiméticos, porque,
além de induzirem alucinações, causam perda do contato com a realidade e uma expan-
são ou elevação da consciência. Não possuem uso médico e apresentam alto potencial
de abuso. São encontrados vários alucinógenos na natureza, sendo os mais conhecidos a
psilocibina (de alguns cogumelos) e a mescalina (do cacto peiote). Há mais de 100
alucinógenos sintéticos e naturais usados atualmente. O alucinógeno sintético clássico é
a dietilmanina do ácido lisérgico (LSD).
O LSD foi sintetizado em 1938, por Albert Hoffman, que vivenciou o primeiro episó-
dio alucinógeno induzido pela droga. O LSD pode ser discutido como protótipo geral dos
alucinógenos e seus principais efeitos são sobre os sistema de recepção da serotonina.
A tolerância para o LSD desenvolve-se rapidamente (em 3 ou 4 dias de uso contí-
nuo), mas também é rapidamente revertida (em 4 a 6 dias). Não existe uma dependência
física de alucinógenos nem sintomas de abstinência, mas pode-se desenvolver uma de-
1 8 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
pendência psicológica das experiências de ampliação da consciência associadas ao seu
uso. A dependência psicológica é rara, porque cada experiência com LSD é diferente e
não há garantia de euforia.
O DSM-IV descreve como efeitos as percepções incomumente brilhantes e inten-
sas, cores mais ricas, contornos mais nítidos, música emocionalmente profunda, odores e
paladares salientados, mudanças na imagem corporal e na percepção de espaço e tem-
po. As alucinações geralmente são visuais, envolvendo formas e figuras geométricas.
Há alterações abruptas das emoções e aumento da sugestionabilidade e consciência dos
órgãos internos. A liberação de materiais inconscientes na forma simbólica, regressão,
recordações de eventos passados, reflexão instrospectiva e experiências religiosas e
filosóficas são comuns.
O efeito adverso mais comum do LSD e outros alucinógenos é uma “viagem ruim”,
uma reação de pânico aguda (semelhante à induzida por Cannabis, só que mais severa)
e ocasionalmente, um episódio psicótico, no qual o curso do pensamento é alterado, com
possível aparecimento de idéias delirantes do tipo paranóico (sensações de estar sendo
perseguido ou sofrendo alguma ameaça externa). O transtorno psicótico prolongado é
menos freqüente e, supostamente, mais comum em indivíduos com muita ansiedade e
instabilidade mental. Há casos de psicose crônica após a ingestão da droga, mas não é
possível avaliar o quanto o indivíduo já era predisposto. As mortes causadas pelo uso de
alucinogênicos podem estar associadas a patologias cardíacas, vascular cerebral, lesões
corporais causadas por ações irrefletidas (acidentes automobilísticos, tentativas de voar).
O indivíduo pode experimentar um “flashback”, uma recorrência espontânea e tran-
sitória da experiência induzida pelo alucinógeno. A maioria dos flashbacks são episódios
de distorção visual, alucinações geométricas, alucinações de sons e vozes, lampejos de
cores, rastros de imagens de objetos em movimentos, entre outros. Os episódios duram,
em média, de alguns segundos a alguns minutos.
7. Inalantes ou Solventes
Os inalantes são substâncias que contêm hidrocarbonetos que volatizam facilmente
e, quando aspirados, são rapidamente absorvidos pelos pulmões e enviados ao cérebro,
atuando de forma bastante similar ao álcool. Tem efeitos farmacodinâmicos específicos
que não são bem compreendidos, exercem ação depressora sobre o SNC e potencializam
os efeitos de outros depressores como o álcool, barbitúricos e benzodiazepínicos.
Essas substâncias são comercializadas por meio de produtos para os mais diferentes
usos: combustíveis, solventes de tintas, removedores de manchas, etc., podendo-se citar
como exemplos dessas substâncias a acetona, água-raz, benzina, cola de sapateiro, cola
de aviões, fluidos de isqueiros, éter, gasolina, lança-perfume, tiner, tintas em spray, etc.
Os inalantes, em pequenas doses, atuam como desinibidores, e provocam sensações
de euforia, excitação e sensações agradáveis de estar flutuando. Altas doses provocam
medo, ilusões sensoriais, alucinações visuais e auditivas e distorções do tamanho corpo-
ral. Os sintomas neurológicos podem incluir fala arrastada, velocidade diminuída da fala
e ataxia. O uso prolongado pode estar associado a irritabilidade, instabilidade emocional
e comprometimento de memória.
A síndrome de abstinência não é freqüente, mas caracteriza-se por perturbações do
sono, irritabilidade, inquietação, sudorese, náusea, vômito, taquicardia e, ocasionalmente,
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 8 7
delírios e alucinações. Efeitos adversos do uso prolongado incluem dano hepático ou
renal irreversível, dano muscular permanente, problemas gastrintestinais e
cardiovasculares, sérios efeitos sobre o desenvolvimento fetal. O efeito mais adverso é
a morte, que pode resultar da depressão respiratória, de arritmias cardíacas, asfixia,
aspiração de vômito, acidentes ou ferimentos resultantes de ações irrefletidas por intoxi-
cação.
8. Nicotina
O tabagismo, comportamento bastante valorizado até o final da primeira metade des-
te século, passou a sofrer um intenso combate com restrições, tanto em relação aos
pontos de comercialização quanto ao uso nos locais públicos.
O componente psicoativo do tabaco é a nicotina que tem efeitos sobre o sistema
nervoso central, agindo sobre os receptores de acetilcolina. Embora seja classificada
como um psicostimulante suave, a nicotina pode desencadear quadros bastante severos
de dependência em fumantes inveterados e a falta de nicotina no organismo desenca-
deia uma síndrome de abstinência, com sintomas tais como, tremores nas mãos, irritação,
ansiedade, depressão, etc.
Os efeitos comportamentais da nicotina são uma melhor atenção, aprendizagem e
capacidade para solução de problemas. Usuários relatam melhora do humor, diminuição
da tensão e de sentimentos depressivos. Contrastando com os efeitos estimulantes sobre
o SNC, a nicotina atua como um relaxante dos músculos esqueléticos.
Os sintomas de intoxicação em doses baixas incluem náusea, vômito, salivação, pali-
dez (vasoconstrição periférica), diarréia, tontura, cefaléia, aumento da pressão sanguí-
nea, taquicardia, tremores e suores frios. Doses de 60 mg em adulto são fatais.
As contra-indicações ao consumo contínuo e progressivo do cigarro são muitas, como
o desenvolvimento de bronquite crônica que pode levar ao enfisema e outras disfunções
respiratórias graves. O uso crônico de cigarros pode levar o seu usuário a desenvolver
insuficiência cardíaca e a acidentes vasculares coronarianos.
Além da nicotina, a combustão do cigarro libera outras substâncias, igualmente noci-
vas ao organismo humano, como o alcatrão. Inúmeras pesquisas apontam uma clara
correlação epidemiológica entre a freqüência do uso do cigarro e o aumento dos casos
de câncer pulmonar. Além disso, verificaram que a fumaça do cigarro inalada por outras
pessoas é tão nociva (ou mais) do que para o próprio fumante.
A adoção de políticas que disciplinem e previnam tanto o uso de cigarros quanto o do
álcool são de difícil execução em virtude dos fatores psíquicos e sociais que encorajam
o seu uso em alguns contextos, além dos interesses econômicos dos fabricantes da
ordem de alguns bilhões de dólares.
9. Opióides
Opiáceo e opióide são termos que têm origem na palavra ópio. Extraído do suco da
papoula, uma planta cultivada na Ásia, o ópio teve o seu principal alcalóide isolado em
1803 pelo farmacêutico alemão Sertürner, que o denominou morfina devido a Morfeu,
deus do sono.
Os opiáceos abrangem qualquer preparo ou derivado do ópio, como o próprio ópio, a
morfina, a heroína e a codeína. Os opióides referem-se aos narcóticos sintéticos de ação
1 8 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
semelhante: meperidina (Demerol), pentazocina, propoxifeno e metadona. São substân-
cias capazes de provocar uma rápida tolerância no organismo e dependência física e
psíquica extremas. Há três classes de opiáceos endógenos dentro do cérebro, incluindo
as encefalinas e endorfinas (envolvidas na transmissão neural e supressão da dor).
Seus efeitos comportamentais são euforia, sonolência, anorexia, impulso sexual dimi-
nuído, hipoatividade e alterações da personalidade. Alguns padrões consistentes de com-
portamentos, conhecidos como síndrome comportamental da heroína, consistem de de-
pressão subjacente de tipo agitado com sintomas de ansiedade e impulsividade, masca-
rando medo de fracasso, baixa auto-estima, falta de esperanças e agressão, baixa tole-
rância à frustração e necessidade de gratificação imediata, que parecem especialmente
pronunciados em adolescentes com dependência.
A heroína (diacetilmorfina) é um opiáceo de ação similar à da morfina mas com
efeitos duas vezes mais potentes (daí o nome heroína, do alemão, heroich – enérgico,
potente). Sintetizada a partir de opiáceos naturais pelo químico Dreser, em 1874, e utili-
zada a princípio pela medicina como analgésico e antitussígeno, teve sua fabricação,
importação e emprego na medicina proibidos nos EUA em 1925, dada sua grande capa-
cidade de induzir a dependência. A heroína é o opiáceo usado com maior freqüência
pelas pessoas com transtornos relacionados a esta classe de substâncias.
No Brasil, seu uso foi proibido em 1938, quando foi classificada como entorpecente.
Até outubro de 1996 não havia relato em publicação científica de nenhum caso de de-
pendência de heroína. Em 1991, o prof. Edson Passetti da PUC-SP havia previsto que a
heroína chegaria brevemente ao país em virtude das políticas oficiais adotadas no com-
bate a cocaína e da estabilidade do valor da moeda brasileira. Os primeiros casos clíni-
cos de dependência da droga atestam a recente entrada da heroína em nosso país. O
cultivo de papoula em terras andinas parece repetir a rota colombiana de tráfico da
cocaína, no qual agora o Brasil ocupa dupla função, a de consumidor e também de
corredor para o narcotráfico mundial.
Nos tratamentos dos dependentes de heroína, até recentemente era utilizada a clonidina
(forte analgésico utilizado no tratamento da hipertensão), associada a altas doses de
benzodiazepínicos e anti-espasmódicos, com objetivo de amenizar os sintomas da absti-
nência. Recentemente, iniciou-se a administração da metadona por via oral (opióide
sintético, de potente ação analgésica, utilizado na oncologia e anestesia). Este medica-
mento já é utilizado oficialmente nos países da União Européia, EUA, Canadá e Austrá-
lia em cerca de 1 milhão de pessoas.
A utilização da metadona permite ao paciente ficar sem a heroína e o capacita a se
reinserir socialmente, sem sentir as fortes dores e sintomas da abstinência – calafrios,
espasmos musculares, tremores, cólicas abdominais, sudorese, febre, rinorréia, midríase,
taquicardia,hipertensãoarterial,insônia,irritabilidade,discreta“fissura”e“delirium”.Como
a metadona também é uma droga, o paciente também pode vir a desenvolver dependência
em relação a ela, mas os danos são menores. Além disso, diminui o risco de contaminação
pelo vírus HIV (quando se compartilham seringas), de “overdose” e problemas cardíacos
decorrentes do uso da heroína.
10. Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos
Os ansiolíticos são inibidores da ansiedade, reduzem a tensão subjetiva e induzem a
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 8 9
tranqüilidade mental. O termo ‘sedativo’ é virtualmente sinônimo de ‘ansiolítico’, uma
droga que reduz a ansiedade. Em parte da literatura especializada mais antiga, os seda-
tivos, ansiolíticos e hipnóticos são agrupados juntos com os tranqülizantes (termo ambí-
guo, que deve ser evitado).
As drogas contidas nesta classe são os benzodiazepínicos (diazepan, lorazepan e
bromazepan, comercializados sob a forma de quase cem medicamentos – diazepan,
dienpax, valium, somalium, lorax, lorium, lexotan, lexpiride, entre outros) e barbitúricos
(secobarbital, conhecido como “vermelinhos” ou “demônios vermelhos”, o pentobarbital,
conhecido como “amarelos” ou “jaquetas amarelas”, e uma combinação de secobarbital
com amobarbital conhecida como “arco-íris”) e substâncias do tipo barbitúricos que
incluem metaqualona, meprobanato e glutetimida.
Os benzodiazepínicos são usados primeiramente como ansiolíticos, hipnóticos,
antiepiléticos, relaxante muscular e anestésico e para combater os sintomas da abstinên-
cia álcool.
As síndromes de intoxicação induzidas por estas drogas são similares, com diferen-
ças clínicas sutis observáveis e confirmadas com exames toxicológicos, especialmente
nas intoxicações com baixas doses. A intoxicação com benzodiazepínicos pode estar
associada a desinibição comportamental, resultando em comportamento agressivo ou
hostil. O efeito é mais comum quando os benzodiazepínicos são consumidos em combi-
nação com o álcool. A síndrome clínica de intoxicação por barbitúricos e substâncias do
tipo barbitúricos não é diferenciável daquela associada à intoxicação com álcool. Os
sintomas incluem lentidão, deficiência na coordenação, dificuldade para pensar, fraca
memória, lentidão da fala e compreensão, julgamento comprometido, desinibição dos
impulsos sexuais e agressivos, faixa estreita de atenção, instabilidade emocional e um
exagero dos traços básicos da personalidade. Outros sintomas potenciais são hostilida-
de, tendência a discussões, morosidade e, ocasionalmente, ideação paranóide e suicida.
Os efeitos neurológicos incluem nistagmo, diplopia, estrabismo, marcha atáxica, hipotonia
e reflexos superficiais diminuídos.
Entre as conseqüências do seu uso prolongado se encontram a dependência física e
psicológica como também um aumento da tolerância aos seus efeitos e ocorrência de
sintomas de abstinência. Os sintomas de abstinência de benzodiazepínicos incluem ansi-
edade, disforia, intolerância a luzes e ruídos altos, náusea, sudorese, contrações muscu-
lares e, ocasionalmente, convulsões.
A síndrome de abstinência de barbitúricos e substâncias tipo barbitúricos vai de sin-
tomas leves (ansiedade, fraqueza, sudorese, insônia) a sintomas severos ( convulsão,
delirium, colapso cardio-vascular, anorexia, alucinações, convulsões repetidas e morte).
Tratamento e prevenção
Silveira (1995) apresenta diversas abordagens terapêuticas utilizadas no tratamento
de dependências: a manutenção da abstinência (ex.: Alcoólicos Anônimos, Narcóticos
Anônimos, etc.); a substituição de uma dependência ilícita por outra similar, porém sob
controle do médico (ex.: substituição do uso de heroína por metadona); o controle
medicamentoso da sintomatologia associada às dependências (modelo psiquiátrico tradi-
cional, com utilização de benzodiazepínicos); a adequação de indivíduos que apresentam
1 9 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
comportamentos desviantes a uma norma estatisticamente definida (modelos
comportamentais); a reestruturação da personalidade que apresenta distúrbios no seu
desenvolvimento (modelos psicoterápicos).
O tratamento ao dependente de drogas é realizado em duas etapas. A primeira etapa
consiste na desintoxicação, ou retirada da droga, por meio de atendimento ambulatorial
ou internação (de acordo com o grau de comprometimento do indivíduo) e administração
de medicamentos para minimizar sintomas decorrentes da abstinência ou eventuais dis-
túrbios psiquiátricos associados. A segunda, na manutenção e reorganização da vida do
indivíduo sem o uso prejudicial da droga, seja em regime de abstinência, seja em um
contexto de uso recreativo. Vale ressaltar que, em casos de drogas que submetem seus
usuários a severos estados de dependência e compulsão, tais como o crack ou a heroína,
a reorganização da vida do seu usuário pode depender da adoção de uma droga substi-
tuta, de efeito parecido porém mais tênue que a droga de eleição. Silveira relata que em
sua experiência clínica diversos pacientes, abstêmios de crack, acabavam por utilizar a
maconha como forma de minimizar os estados de abstinência do crack.
O atendimento à família é indicado quando a família ou o cônjuge aparecem como
elemento significativo na história do uso de drogas, seja como fator patogênico ou
como recurso de cura. Quando a família é vista como recurso de cura, o atendimento
em geral, breve, limita-se a um reconhecimento mútuo (família e instituição). Quando
um casal procura atendimento em situação de conflito, em cujo centro está o abuso de
drogas por um de seus membros, a terapia sistêmica possibilita o diálogo entre os
interessados, em um clima cooperativo e não de julgamento, abrindo-se assim possibi-
lidades de novas formas de convivência, nas quais a droga perde a função de comuni-
cação. Existe atualmente um consenso por parte de especialistas e dependentes sobre
a importância fundamental, quando isto é possível, do apoio e acompanhamento fami-
liar em todas as etapas do tratamento. A terapia ocupacional pode possibilitar o desen-
volvimento de canais de expressão e comunicação não-verbais, constituindo valioso
recurso terapêutico complementar.
Ancona-Lopez e Figueiredo (1990) apresentam vários tipos de psicoterapias com
objetivos diversos: readaptação dos padrões de ação do indivíduo, por meio de orienta-
ção e mudanças no ambiente; reeducação envolvendo conscientização dos conflitos,
mudança de objetivos e aproveitamento mais amplo do potencial do indivíduo; e recons-
trução do psiquismo que requer análise de conflitos e motivações conscientes e incons-
cientes. Existem, ainda, as abordagens sociais, que implicam na manipulação do meio e
retomada dos processos de socialização do indivíduo, como as comunidades terapêuti-
cas, que desenvolvem uma programação que inclui avaliação, tratamento e transição de
reentrada gradual do indivíduo a seu meio de origem. A fase de tratamento é prolongada
e enfatiza a necessidade de desenvolver um trabalho produtivo na comunidade. O
aconselhamento espiritual e religioso, que pressupõe a dependência de drogas como
uma questão moral e espiritual, tem seu discurso permeado por uma filosofia do amor e
utiliza técnicas terapêuticas grupais, baseando sua intervenção em persuasão, confis-
sões, catarse e pressão do grupo.
O Ministério da Saúde(1991) definiu diretrizes para a efetivação de uma política
pública de saúde dirigida aos serviços de atenção aos problemas relativos ao abuso de
drogas ou substâncias psicoativas. Aborda a questão do engajamento no tratamento,
afirmando que a aderência do usuário ao tratamento depende também de uma postura
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 9 1
tranqüila e desmistificadora a respeito da questão das drogas por parte do profissional de
saúde, que deve sempre lembrar que está diante de um paciente, e não de um marginal
ou delinqüente, ainda que este possa apresentar-se como tal.
A educação preventiva tem um papel importante no uso abusivo de drogas. Pinto
(1993, p.43) apresenta os três modelos mais utilizados. O amedrontador, que procura
assustar o público-alvo com exagero e/ou ênfase nos sintomas. Por meio de palestras ou
vídeos que divulguem os óbitos, exibam fotos de pessoas muito doentes e desfiguradas.
O modelo de educação continuada, que se baseia na formação de multiplicadores, de
forma que o público-alvo seja sujeito do seu próprio processo e possa trabalhar por si só,
a partir das informações recebidas. Pressupõe a criação de mecanismos que possam
combinar sensibilização e atualização constante de informações. O trabalho é desenvol-
vido coletivamente, por meio de oficinas, e propicia não só a troca de informações mas
também de angústias, fracassos e êxitos. O modelo de redução de danos procura reduzir
as situações de risco mais constantes para um determinado público-alvo, embora não
trate de todas as situações de risco à saúde. Ex.: distribuição e troca de seringas entre
usuários de drogas injetáveis para prevenção de AIDS.
Considerações finais
Os problemas decorrentes do uso abusivo de drogas se configuram como um proble-
ma de Saúde Pública com desdobramentos em todas as áreas da vida da população e
demandam um esforço de toda a sociedade civil para sua superação. O enfrentamento
desses problemas passa por um debate com toda a população sobre políticas de saúde,
de prevenção e da transformação da realidade social brasileira.
É extremamente necessária a revisão de todas as políticas adotadas até agora na
medida em que o agravamento das questões de saúde pública relacionadas ao consumo
de cigarro e de álcool, e a violência que circunda o uso de consumo de drogas ilícitas
com o assassinato diário de jovens, crianças e adolescentes, nos dão mostras de que o
atual tratamento dispensado ao problema é extremamente inadequado.
Não existem soluções prontas, mas experiências bem-sucedidas em todo o mundo
nos indicam que não há combate bem-sucedido ao uso abusivo de drogas (sejam lícitas
ou ilícitas) sem o combate à miséria, às desigualdades sociais, e sem que se consiga a
melhoria da condições de vida de toda a população.
Bibliografia consultada e recomendada
ADOLESCÊNCIA E SAÚDE. Comissão de Saúde do Adolescente. São Paulo: Paris Editorial,
Secretaria de Estado da Saúde, 1988.
ANCONA-LOPEZ, M; Figueiredo, L.C. Guia Psi. Quando e quem procurar se você ou alguém de
sua família necessita de atendimento psicológico. São Paulo: Marco Zero, 1990.
ARAÚJO LIMA, Luís C. O vício e a violência. O cotidiano do crack e as narrativas do vício.
Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) Pontifícia Universidade Católica. São Paulo,
1997.
CID-10. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde.
Organização Mundial de Saúde; tradução Centro Colaborador da OMS para a Classificação
de Doenças em Português. 3. ed. São Paulo: Edusp, 1996.
1 9 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
DSM-IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Tradução Dayse Batista. 4.
ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
GARDUROZ, José Carlos F., ANDREATINI, Roberto, In: FORMIGONI, Ma. Lucia O.S. (Coord.).
A intervenção breve na dependência de drogas: a experiência brasileira. São Paulo: Contex-
to, 1992.
GRAEFF, Frederico Guilherme. Drogas psicotrópicas e seu modo de ação. São Paulo: EPU, 1984.
GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade. São Paulo: Editora UNESP, 1993.
LIMA, Elson S. Drogas nas Escolas: Quem consome o quê? In: Papel da educação na ação
preventiva ao abuso de drogas e às DST/AIDS / Cibele de Moraes Amaro... [et al.]; Devanil A.
Tozzi, Nivaldo Leal dos Santos, coordenadores. São Paulo: FDE, Diretoria de Projetos Especi-
ais/Diretoria Técnica, 1996. 250p. (Série Idéias, 29).
MINISTÉRIO DA SAÚDE - Departamento de Programas de Saúde. Coordenação de Saúde Men-
tal. Normas e procedimentos na abordagem do abuso de drogas. Brasília, 1991.
Papel da educação na ação preventiva ao abuso de drogas e às DST/AIDS / Cibele de Moraes
Amaro...[et al.]; Devanil A. Tozzi, Nivaldo Leal dos Santos, coordenadores. São Paulo: FDE,
1996 (Série Idéias, 29).
SILVEIRA, Dartiu. Drogas, Vícios: Conceitos e Preconceitos. Revista da Sociedade Junguiana
nº12,1994.
_________, Abordagens Terapêuticas. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assis-
tência à Saúde. Coordenação do PN DST/AIDS. Drogas, AIDS e Sociedade. Brasília: Coorde-
nação-Geral de Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS, 1995.
SOLLERO, Lauro. Farmacodependência. Rio de Janeiro: Agir, 1979.
WÜSTHOF, Roberto. O que é prevenção de drogas. São Paulo: Brasiliense, 1991. (Coleção Pri-
meiros Passos, v. 252).
Algumas Referências para Orientações e Pesquisas
CEBRID– CentroBrasileirodeInformaçõessobreDrogasPsicotrópicasdaUniversidadeFede-
ral de São Paulo - Dr. Elisaldo A. Carlini (coordenador)
Tel. (011) 5390155 fax (011) 5084.2793 e-mail: cebrid@psicobio.epm.br
GREA – Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Departamento de Psiquiatria
da Faculdade de Medicina da USP – Dr. Artur Guerra (coordenador) Tel. (011) 644973
PROAD – Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes de Drogas da Universidade
Federal de São Paulo. Dr. Dartiu Xavier Silveira (diretor) Tel. (011) 576 4472
UNIAD – Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo Dr.
Ronaldo Laranjeira (coordenador) Tel. (011) 576 4341 e-mail: laranjeira@psiquiatria.emp.br.
VIII - Saúde mental
Valéria Pereira
Marlene Fragoso Nabarro
Luís Carlos de Araújo Lima
Introdução
A saúde mental não pode ser compreendida descontextualizada da saúde num senti-
do mais amplo. Saúde, hoje, não é mais concebida como ausência de doença, mas como
uma complexa inter-relação de fatores que dizem respeito à relação do homem com o
seu meio social. O binômio saúde-doença, por sua vez, não pode ser compreendido
isolado do contexto sócio-histórico-cultural; os aspectos sociais devem ser considerados
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 9 3
tanto na compreensão dos processos de adoecimento, quanto nos modelos e propostas
de tratamento adotados.
Só mais recentemente os problemas de saúde mental têm sido abordados nas discus-
sões mundiais sobre saúde. Historicamente, a preocupação e a produção de conheci-
mento sobre a saúde mental se deu a partir das áreas de saúde que lidavam diretamente
com a doença mental, as enfermidades, os pacientes, os desvios da norma.
A 4a
Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada em Jacarta, em
1997, é a primeira a incluir o setor privado no apoio à promoção da saúde e reconhece
que os problemas de saúde mental necessitam de providências urgentes, assim como as
doenças infecciosas, novas e re-emergentes. Apresenta como pré-requisitos da saúde a
paz, o abrigo, a instrução, a segurança social, as relações sociais, o alimento, a renda, o
direito de voz das mulheres, um ecossistema estável, o uso sustentável dos recursos, a
justiça social, o respeito aos direitos humanos e a equidade. Aponta a pobreza como a
maior ameaça à saúde, além das tendências demográficas tais como a urbanização, o
aumento no número de pessoas idosas e a prevalência de doenças crônicas, um compor-
tamento mais sedentário, a resistência a antibióticos, o maior uso abusivo de drogas, a
violência civil e doméstica.
A “loucura” não é um fenômeno exclusivo da modernidade. Na Idade Média, as
doenças eram consideradas problemas religiosos (castigo divino) e era a Igreja que se
encarregava dos doentes (leprosários, obras de caridade e estabelecimentos hospita-
lares). Os doentes mentais foram tratados no mesmo modelo de exclusão (com obje-
tivo de controle) com que foram tratados os leprosos (até nos mesmos equipamentos,
a partir do momento em que a lepra já havia sido controlada). É sob a influência do
modo de internamento, tal como ele se constitui no século XVII, que a doença venérea
se isolou, numa certa medida, de seu contexto médico e se integrou ao lado da loucura,
num espaço moral de exclusão (Foucault, 1993). Progressivamente, a administração
dos hospitais passou à responsabilidade da cidade, e os loucos passaram a ser tratados
como doentes mentais e internados nos asilos ou hospitais psiquiátricos, perpetuando o
preconceito e a exclusão.
A Psiquiatriasurgiu no início do século XIX, nomomentoemqueosvaloresiluministas
proclamavam o paradigma de racionalidade, a loucura era vista como des-razão e os
loucos, vítimas da grande internação, eram acorrentados nos hospitais gerais.
Despossuídos de razão e vontade, os loucos eram considerados incapazes de preservar
os seus direitos sociais e sem discernimento para usufruir da liberdade. O objetivo da
Psiquiatria era restituir o louco ao universo do contrato social e do exercício da cidada-
nia, controlar seus excessos, e transformá-lo num sujeito da razão e da vontade (Brandão,
1998).
A Psiquiatria se desenvolveu por meio de estudos neuroanatomofisiológicos que
objetivavam identificar causas orgânicas para a doença mental. Sua produção de conhe-
cimento deu-se mediante a delimitação das enfermidades psíquicas que passaram a ser
concebidas como unidades independentes. Kraepelin propôs o conceito de unidade
nosológica, um critério de classificação das patologias que agrupava causas comuns,
sintomas e evolução do quadro semelhantes. Posteriormente, outros autores contribuí-
ram para a classificação das doenças mentais, propondo novos tipos, fazendo descrições
mais detalhadas, e apresentando subtipos às patologias por ele propostas.
1 9 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Esse enfoque organicista ainda hoje é bastante presente, e os avanços tecnológicos
permitem pesquisas cada vez mais complexas das desordens biológicas, que poderiam
vir a explicar a doença mental (neurotransmissores, genética molecular, etc). A indústria
farmacêutica patrocina boa parte destas pesquisas e a cada ano lança novos medica-
mentos no mercado para corrigir e controlar comportamentos que fogem ao padrão
socialmente definido.
Psiquiatras como o sul-africano David Cooper e o inglês Ronald Laing questionaram
as premissas científicas e filosóficas, métodos de estudo e prática psiquiátrica tradicio-
nal, por considerar que fornecem uma visão fragmentada da mente humana e de seus
desvios. Cooper utilizou pela primeira vez o termo antipsiquiatria no seu livro Psiquia-
tria e Antipsiquiatria (1967). Os movimentos de antipsiquiatria revolucionaram o
conceito de doença mental e as formas de tratamento, buscando a integração do “paci-
ente” psiquiátrico na comunidade, combatendo o estereótipo e o preconceito, tornando
possível uma mudança na compreensão dos problemas psicológicos, diferente do enfoque
organicista dos critérios nosológicos, que colocava o sujeito na condição inapelável de
“doente” (Macedo, 1986). Mas o impacto desses movimentos sobre as instituições psi-
quiátricas, apesar de relevante, ainda não atingiu as metas propostas. O Brasil lidera,
ainda hoje, a lista de países com maior quantidade de pacientes em manicômios.
O Asylo de Alienados do Juquery, maior hospital psiquiátrico do Brasil, localizado
no município de Franco da Rocha, em São Paulo, fez 100 anos em 1998. Desde o prin-
cípio, servia de abrigo para todos os que fossem considerados “improdutivos”, por pro-
blemas físicos ou mentais, imigrantes, mendigos, marginais, apresentando um cresci-
mento espantoso durante a ditadura militar. Hoje, dos cerca de 1.670 pacientes, apenas
25% são apontados como “doentes mentais”. Um dos motivos para tão alto índice de
pacientes sem diagnóstico que justifique a internação é o abandono pela família ou ou-
tras instituições. A família nem sempre tem recursos (financeiros e internos) para lidar
com uma pessoa que precisa de atendimentos especiais. A sociedade não consegue
conviver com aqueles que entende como diferentes. O abandono sistemático dos paci-
entes era também favorecido pela prática psiquiátrica que cuidava do paciente isolado
do seu núcleo familiar. O trabalho com a família (orientação) capacita seus membros
para lidar com o problema e verificar em que medida estão implicados na produção ou
manutenção do sintoma e como podem favorecer a recuperação.
O Movimento de Luta Antimanicomial procura reverter este quadro no Brasil há
mais de uma década. Congrega usuários de saúde mental e familiares, trabalhadores,
entidades formadoras, parlamentares, sindicatos e conselhos profissionais da área da
saúde, na luta pela reformulação da assistência em saúde mental, por atendimentos de
qualidade, que garantam a cidadania dos indivíduos, e pela extinção dos hospitais psiqui-
átricos nos quais os pacientes permanecem confinados e têm seus direitos humanos
violados.
A Carta de Direitos dos Usuários e Familiares de Serviços de Saúde Mental,
de 1993, defende que a atenção em saúde mental deve ser realizada em serviços abertos
e o menos restritos possível – hospitais-gerais, centros e núcleos de atenção psicossocial,
centros de convivência e cooperativas, hospitais dia e noite, lares e pensões abrigados,
associações comunitárias e grupos de auto-ajuda –, e ressalta os direitos dos usuários,
como o acesso às informações contidas no prontuário, a informação das opções de
serviços e tratamentos em linguagem do seu entendimento, devendo a decisão final
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 9 5
contar com o seu consentimento ou de pessoa de sua confiança. O atendimento às
crianças e adolescentes tem que ser realizados em serviços especializados que garan-
tam os direitos reconhecidos no Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CRP-06, 1997).
Obviamente, há casos em que a internação se faz necessária – por ex. quando a
pessoa pode colocar em risco a sua própria vida e a de outros; quando o contato com a
realidade está comprometido; na contenção de surtos ou síndromes de abstinência, até
que a medicação faça efeito e os conflitos possam ser trabalhados em atendimentos
ambulatoriais, psicoterapia etc. – mas o modelo de atenção psiquiátrica não pode ser
baseado em hospitais psiquiátricos, devendo contar com uma rede de atendimento em
emergências e enfermarias de saúde mental em pronto-socorros e hospitais gerais, resi-
dências terapêuticas e hospitais-dia. A internação durante décadas, com uma rotina
ociosa, sem estimulação adequada nem exercício de cidadania, promove no psiquismo a
experiência da negação de sua subjetividade, do individual, do que distingue uma pessoa
de outras pessoas fazendo que ela seja única, enquanto qualquer serviço de saúde men-
tal deveria promovê-los.
Atenção em saúde mental
A atenção em saúde mental deve acontecer em três níveis fundamentais: a aten-
ção comunitária, primária e secundária.
A atenção comunitária é composta pelos trabalhadores que atuam na comunidade
(como parte de programas de saúde, de trabalho social, de educação etc.), responde
pelo trabalho nas famílias e comunidade, apoio e socialização, detecção da demanda e
encaminhamento dos casos que não podem ser acompanhados nesse nível.
A atenção primária é composta pelos Centros de Saúde, responsáveis pelo atendi-
mento dos casos simples, detecção de demanda e diagnósticos e tratamento de pacien-
tes com depressão leve, reação de ansiedade, epilepsia, alcoolismo, doenças
psicossomáticas, casos de neurose e psicose em estado de manutenção terapêutica en-
tre outros. Coleta dos dados essenciais e referência dos casos que não podem ser aten-
didos nesse nível. Supervisão do pessoal comunitário e educação.
A atenção secundária é composta pelo sistema de atenção psiquiátrica (hospital
psiquiátrico e hospitais gerais que atendem enfermos mentais). É responsável pelo diag-
nóstico, manejo dos casos graves e encaminhamento dos casos que podem ser acompa-
nhados no nível de atenção primária ou comunitária, formação e supervisão do pessoal
de atenção primária, coleta de dados, acompanhamento nos hospitais gerais e trabalho
para substituir a utilização do manicômio (anteriormente definida como atenção terciária)
como tratamento.
Abordamos aqui uma concepção psicossocial de saúde mental que considera a
importância da dinâmica social no sofrimento mental e se caracteriza por uma tentativa
de ultrapassar a organização exclusivamente médica do trabalho e da atenção em saúde
mental – racionalizando a distribuição do trabalho e das responsabilidades na equipe,
ultrapassando a rigidez dos papéis, diminuindo a burocracia e procurando utilizar todas
as medidas terapêuticas disponíveis, não somente os psicofármacos, mas também o
manejo psicoterapêutico e a intervenção no meio.
Este modelo de atenção em saúde mental utiliza estudos epidemiológicos
1 9 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
(monitoramento da ocorrência de fenômenos de saúde mental na população) para iden-
tificar características regionais e nacionais, avaliar o impacto das intervenções,
redimensionar os recursos humanos e materiais disponíveis e planejar atividades preven-
tivas.
“Para melhorar a saúde mental é indispensável dispor de dados concretos so-
bre os recursos e serviços existentes; em conseqüência deve-se estabelecer um
sistema de avaliação contínua de toda nova atividade. É importante conhecer a
proporção de sujeitos que necessitam de assistência no setor de saúde mental e
que realmente a recebem. Quando os recursos são limitados, assim mesmo é impor-
tante saber se é dada prioridade aos transtornos mais urgentes e mais incapacitantes
e se os serviços disponíveis estão bem distribuídos” (Saraceno, 1997).
Alguns dados sobre a ocorrência dos transtornos mentais
na população brasileira
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, 35% da população tem algum tipo de
transtorno mental. O anuário estatístico do IBGE indica que ocorreram 443.656 internações
psiquiátricas em todo o território nacional no ano de 1995 a um custo de R$ 304.817.894.
O Estado de São Paulo responde com 149.213 internações, o que representa 33,63 %
das internações em nível nacional.
Matéria jornalística publicada na Folha de S. Paulo no dia 29 de novembro de 1998,
com o título “Socialização é mais rápida fora de hospital”, informa que o valor mensal
gasto pelo SUS por cada paciente internado em hospital psiquiátrico é de R$ 700,00 mais
que o dobro do custo de uma outra forma de atenção baseada na ressocialização dos
portadores de transtornos mentais por meio de lares abrigados, a um custo de R$ 300/
mês por cada morador. Os serviços alternativos à internação psiquiátrica possibilitam,
além de uma tratamento mais eficaz, a realização de pesquisas que nos fornecem infor-
mações preciosas acerca dos indicadores de sofrimento mental da população da comu-
nidade abrangida pelo serviço de saúde.
Pesquisa realizada pela psiquiatra Laura Silveira Guerra de Andrade, do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, com 1.464 pessoas, em 95 e 96 na
região de Pinheiros, na cidade de São Paulo, constatou que apenas 25% das pessoas que
tiveram transtorno mental e foram atendidas nos serviços de saúde um mês antes de
responder aos questionários contaram com ajuda psicológica e que 46% da população
daquela região já teve algum tipo de transtorno mental ao longo da vida. A pesquisadora
concluiu que os serviços não estão preparados para diagnosticar, nos pacientes que
recebem, transtornos como depressão, ansiedade, dependência química ou fobias. Sinto-
mas físicos são medicados como se não estivessem relacionados a problemas psicológi-
cos. A coordenadora de saúde mental da região na Secretaria de Estado da Saúde,
Luizemir Lago, diz que, quando o programa de saúde mental do Estado começou a ser
implantado, há cerca de oito anos, cada posto de saúde do Estado tinha um psiquiatra.
Hoje, restam alguns poucos, principalmente por causa dos baixos salários.
São considerados transtornos mentais os problemas psicológicos que, ao alterar
o comportamento das pessoas, prejudicam sua vida profissional ou relacionamento
social. O hábito de fumar, por ex., só é considerado um transtorno mental se a pessoa
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 9 7
acorda muitas vezes durante a noite para fumar, deixa de viajar de avião para não ter
que ficar sem o cigarro e perde compromissos.
A dependência de nicotina é o transtorno mental mais freqüente, atingindo 25% das
pessoas, seguido pela desordem afetiva, 18,4% e depressão, 18 %. A ansiedade 12,5%,
as fobias, 8,4% (conforme quadro abaixo). A pesquisadora afirma que os dados da
pesquisa demonstram os principais sintomas dos habitantes dos grandes centros urba-
nos, onde o tempo para o lazer é reduzido, e que pesquisas anteriores feitas em grandes
cidades de outros países chegaram a resultados muito parecidos.
TranstornosFreqüência ...................................... (%)
Dependência de Nicotina .......................................... 25
Desordem Afetiva .................................................. 18,4
Depressão e Depressão Crônica............................... 18
Ansiedade ............................................................... 12,5
Fobias........................................................................ 8,4
Dependência de Álcool ............................................ 5,5
Fobia Social............................................................... 3,5
Síndrome do Pânico .................................................. 1,6
O modelo médico de classificação dos transtornos mentais
Dentre as classificações dos transtornos mentais mais utilizadas atualmente no
modelo médico, destacamos a CID-10 – Classificação Internacional de Doenças, da
Organização Mundial de Saúde –, e o DSM-IV – Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria. A décima revisão da
CID foi publicada em 1992 e a quarta edição do DSM foi publicada em 1994. Os dois
grupos de trabalho sofreram influências mútuas.
A categorização estatística dos sintomas visa obter uma maior compreensão dos
transtornos mentais. O diagnóstico é realizado a partir da descrição dos sintomas e do
comportamento manifesto, sem interpretação ou comprometimento com teorias etiológicas.
A classificação é realizada sobre a patologia, o quadro, os sintomas e as síndromes que
o indivíduo apresenta num determinado momento.
Se por um lado o DSM-IV é reconhecido por suas normas internacionais na defini-
ção do diagnóstico, sua opção pela descrição objetiva que não considera os dinamismos
intrapsíquicos nem as causas dos transtornos tem lhe rendido freqüentes críticas de
biologização do sofrimento mental. Alguns autores criticam a complexidade (pouco prá-
tica) de suas categorias diagnósticas articuladas e requintadas.
No DSM-IV, os transtornos são agrupados em 17 categorias diagnósticas (16 prin-
cipais e uma adicional). Transtorno é a expressão utilizada atualmente no diagnóstico
médico, uma vez que pode dizer respeito a uma perturbação, um comprometimento fun-
cional de intensidade variável, um funcionamento mal-adaptativo, de sistemas ou fun-
ções físicas ou psíquicas.
As categorias diagnósticas serão apresentadas a seguir num breve resumo:
Os transtornos diagnosticados pela primeira vez na infância agrupam aqueles
transtornos que em geral são diagnosticados na infância ou adolescência. Entre eles,
destacam-se: retardo mental (funcionamento intelectual significativamente abaixo da
1 9 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
média); transtornos de aprendizagem (funcionamento acadêmico substancialmente
abaixo do esperado, tendo em vista a idade cronológica, medidas de inteligência e educa-
ção apropriada à idade); transtornos das habilidades motoras (coordenação motora
substancialmente abaixo do esperado); transtornos da comunicação (dificuldades na
fala ou linguagem); transtornos invasivos do desenvolvimento (severo déficit e
prejuízos em diferentes áreas, cognitiva, motora, social, interação e de linguagem em
múltiplas áreas do desenvolvimento, incluindo interação social recíproca, comunicação e
apresentação de comportamentos, interesses e atividades estereotipados); transtornos
de déficit de atenção (sintomas proeminentes de desatenção e/ou hiperatividade-
impulsividade) e transtornos disruptivos (violação dos direitos do outro, normas ou
regras sociais apropriadas à idade, comportamento negativista, hostil e desafiador); trans-
tornos de alimentação da primeira infância (perturbações persistentes na alimenta-
ção, como por ex. rejeição sistemática, vômitos, etc.); transtornos de tique (vocais ou
motores); transtornos da excreção (repetidas evacuações ou eliminação de urina em
locais impróprios) e outros transtornos da infância ou da adolescência que incluem
o transtorno de ansiedade de separação (ansiedade excessiva em termos evolutivos
envolvendo a separação da casa ou das pessoas a quem a criança tem apego); mutismo
seletivo (fracasso seletivo para falar em situações sociais específicas, apesar de falar
em outras); transtorno de apego reativo (ligações sociais acentuadamente perturba-
das e inadequadas ao estágio evolutivo); transtorno de movimento estereotipado
(comportamento motor repetitivo, aparentemente impulsivo e não funcional, que interfe-
re acentuadamente nas atividades normais e ocasionalmente pode resultar em lesões
corporais).
Delirium, demência, transtorno amnético e outros transtornos cognitivos cons-
tituem uma categoria que agrupa aqueles transtornos nos quais a perturbação predomi-
nante é um prejuízo clinicamente significativo na cognição ou na memória, quando se
compara ao que o paciente apresentava anteriormente (são, portanto, transtornos que
acontecem depois da capacidade já ter sido desenvolvida).
Os transtornos mentais devido à condição médica geral são caracterizados
pela presença de sintomas mentais considerados como conseqüência fisiológica direta
de uma condição médica geral presente, no qual existam evidências a partir da história,
exame físico ou achados laboratoriais. Nesses casos, embora não haja diretrizes infalí-
veis para determinar uma relação de causa-efeito, algumas considerações oferecem
alguma orientação: a associação temporal entre ambos, a presença de características
atípicas do transtorno mental primário (ex.: alterações de humor de problemas de tireóide,
depressão associada a epilepsia).
Os transtornos relacionados a substâncias incluem desde os transtornos relacio-
nados ao consumo de uma droga de abuso, até os efeitos colaterais de um medicamento
e a exposição a toxinas. (Os trantornos relacionados a substâncias podem ser consulta-
dos no capítulo referente ao uso abusivo de drogas).
A esquizofrenia e outros transtornos psicóticos agrupam os transtornos que
apresentam como aspecto definidor a presença de sintomas psicóticos, relacionados a
delírios e alucinações proeminentes, discurso desorganizado ou comportamento desor-
ganizado ou catatônico. Nesta categoria encontram-se vários transtornos dos quais des-
tacamos a esquizofrenia. O diagnóstico da esquizofrenia envolve uma constelação de
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
1 9 9
sintomas característicos de disfunções cognitivas e emocionais que acometem a percep-
ção, o pensamento inferencial, a linguagem e a comunicação, o monitoramento
comportamental, o afeto, a fluência e produtividade do pensamento e do discurso, a
capacidade hedônica, a volição, o impulso e a atenção, associados a acentuada disfunção
social ou ocupacional.
Os transtornos do humor têm como característica predominante uma perturbação
no humor. Essa categoria agrupa os transtornos depressivos (o indivíduo sente angústia,
ansiedade, desânimo e falta de energia, fica deprimido, melancólico, “pra baixo”) e o
transtorno bipolar, antigamente denominado psicose maníaco-depressiva, com uma
alternância entre períodos depressivos e de euforia/mania (falta de senso crítico,
desinibição, hipersexualidade, energia e otimismo aumentado, avaliação distorcida da
realidade). Trazem incapacitação e prejuízo importante à vida do paciente, muitas vezes
colocando-a em risco.
Os transtornos de ansiedade (ansiedade é a antecipação apreensiva de um futuro
perigo ou infortúnio interno ou externo) agrupam transtornos tais como: transtornos de
pânico caracterizado por ataques de pânico inesperados e recorrentes (início súbito de
apreensão, temor ou terror, freqüentemente associados a sentimentos de catástrofe imi-
nente); agorafobia (ansiedade ou esquiva a locais ou situações das quais poderia ser
difícil ou embaraçoso escapar); fobia específica (dirigida a um objeto ou situação);
fobia social (certos tipos de situações sociais ou de desempenho); transtorno obses-
sivo-compulsivo (obsessões que causam acentuada ansiedade e compulsões que ser-
vem para descarregar a ansiedade; ex., lavar inúmeras vezes as mãos); transtorno de
estresse pós-traumático (revivência de evento extremamente traumático), entre ou-
tros.
Os transtornos somatoformes são caracterizados pela presença de sintomas físi-
cos sem a existência de uma condição médica geral diagnosticável que explique plena-
mente os sintomas físicos. Esta categoria agrupa o transtorno de somatização (histo-
ricamente chamado de histeria, combinação de dor, sintomas gastrintestinais, sexuais e
pseudoneurológicos), o transtorno somatoforme indiferenciado (queixas físicas
inexplicáveis com duração de 6 meses ou mais), o transtorno conversivo (sintomas ou
déficits motores que sugerem condição neurológica), transtorno doloroso (caracteri-
zado pela dor como foco predominante), hipocondria (preocupação com medo ou idéia
de ter uma doença grave, com base em interpretação errônea de sintomas ou funções
corporais) e transtorno dismórfico corporal (preocupação com um defeito imaginado
ou exagerado na aparência física).
Os transtornos factícios são caracterizados por sintomas físicos, psicológicos ou
combinados, intencionalmente produzidos ou simulados para que o indivíduo possa assu-
mir o papel de doente. A apresentação pode incluir a fabricação de queixas subjetivas
(por ex., queixas de dor abdominal aguda na ausência de qualquer dor desta espécie;
conduções auto-infligidas, como produção de abscessos por injeção subcutânea de sali-
va), exagero ou exacerbação de condições médicas gerais preexistentes (por ex., simu-
lação de uma convulsão quando há história prévia de transtorno convulsivo) ou qualquer
combinação ou variação destes elementos. No comportamento factício não há incenti-
vos externos, o que o diferencia do ato de simulação, no qual há um objetivo específico
e perceptível, por ex. ganho econômico, esquiva de responsabilidades legais e o sujeito
2 0 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
poderia simular os sintomas para conseguir uma pensão ou evitar a prisão. A presença
de sintomas factícios não exclui a coexistência de sintomas somáticos ou psicológicos
verdadeiros.
Os transtornos dissociativos caracterizam-se essencialmente por uma perturba-
ção nas funções habitualmente integradas de consciência, memória, identidade ou per-
cepção do ambiente. O distúrbio pode ser súbito ou gradual, transitório ou crônico, esta
categoria compreende os seguintes transtornos: amnésia dissociativa, fuga dissociativa,
transtorno dissociativo de identidade, transtorno de despersonalização.
Os transtornos sexuais e da identidade de gênero agrupam três categorias: as
disfunções sexuais, caracterizadas por uma perturbação no desejo sexual e nas altera-
ções psicofisiológicas que caracterizam o ciclo de resposta sexual (excitação, orgasmo e
resolução), causando sofrimento acentuado e dificuldade interpessoal (ex.: aversão se-
xual, ejaculação precoce, disfunção erétil, vaginismo, etc.); parafilias, caracterizadas
por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem
objetos (fetichismo), sofrimento ou humilhação (masoquismo), crianças com 13 anos
ou menos (pedofilia), pessoas sem o seu consentimento (frotteurismo), entre outros; e
os transtornos da identidade de gênero, apresentando forte e persistente identifica-
ção com o gênero oposto e desconforto com o próprio sexo, ou sensação de inadequação
no papel de gênero deste sexo. As situações incomuns causam sofrimento ou prejuízo
em alguma área importante da vida do indivíduo.
Os transtornos alimentares caracterizam-se por severas perturbações no com-
portamento alimentar como a anorexia nervosa (recusa em manter o peso corporal em
uma faixa normal mínima), a bulimia nervosa (episódios repetidos de compulsões ali-
mentares seguidos de compensações como vômitos auto-induzidos ou uso de laxantes,
ou outros medicamentos, jejuns e exercícios excessivos), e transtorno alimentar sem
especificação.
Os transtornos do sono são agrupados em quatro sessões principais, de acordo
com a suposta etiologia. Os transtornos primários do sono decorrem de anormalida-
des endógenas nos mecanismos de geração ou nos horários de sono/vigília. Quando o
transtorno do sono está relacionado a outro transtorno mental (por ex., transtor-
no de humor ou transtorno de ansiedade), é necessária uma atenção clínica independen-
te. O transtorno de sono devido a uma condição médica envolve efeitos fisiológicos
diretos de uma condição médica geral sobre o sistema de sono/vigília. O transtorno de
sono induzido por substância envolve o uso atual ou descontinuação recente do uso
de uma substância.
Há transtornos do controle dos impulsos não classificados em outro local. A
característica essencial dos transtornos do controle dos impulsos é o fracasso em resistir
a um impulso ou tentação de executar um ato perigoso para a própria pessoa ou para
outros. Nesta categoria agrupam-se alguns transtornos tais como a cleptomania (impul-
so incontrolável para o furto), a piromania (impulso incontrolável de atear fogo) e a
tricotilomania (puxar de forma recorrente os próprios cabelos).
Os transtornos da personalidade podem ser definidos como um padrão persisten-
te e relativamente estável ao longo do tempo num modo de pensar, sentir ou se compor-
tar, que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, que é invasivo
e inflexível. Tem seu início na adolescência ou começo da idade adulta, é estável ao
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 0 1
longo do tempo e provoca sofrimento ou prejuízo. São 10 os transtornos agrupados nesta
seção, subdivididos em 3 grupos:
esquisito-excêntrico: paranóide (desconfiança e suspeitas, os motivos dos ou-
tros são interpretados como malévolos), esquizóide (distanciamento dos relacionamen-
tos sociais, com uma faixa restrita de expressão emocional) e esquizotípica (descon-
forto agudo em relacionamentos íntimos, distorções cognitivas ou da percepção de com-
portamento excêntrico);
dramático-emotivo: anti-social (desconsideração ou violação dos direitos dos
outros), borderline (instabilidade nos relacionamentos interpessoais, auto-imagem e
afetos, bem como uma acentuada impulsividade), histriônica (excessiva emotividade e
busca de atenção) e narcisista (grandiosidade, necessidade por admiração e falta de
empatia);
ansioso-medroso: esquiva (inibição social, sentimentos de inadequação e
hipersensibilidade a avaliações negativas), dependente (comportamento submisso e
aderente, necessidade excessiva de proteção e cuidados), obsessivo-compulsiva (pre-
ocupação com organização, perfeccionismo e controle).
Outras condições que podem ser um foco de atenção clínica constituem uma
categoria que inclui fatores psicológicos que afetam a condição médica, transtornos do
movimentos induzidos por medicamentos, problemas de relacionamento, problemas rela-
cionados ao abuso ou negligência (abuso físico, sexual ou negligência da criança, ou do
adulto) e condições adicionais que podem ser foco de atenção clínica (problema de
identidade, religioso, de aculturação, problema de fase da vida).
Diagnóstico e prognóstico
Talvez essas categorias diagnósticas tenham sugerido (ou descrito) características
próprias ou de pessoas próximas (parentes, amigos). Isso é possível uma vez que elas
abordam reações humanas, anseios, desejos e medos. Mas uma característica só atinge
o nível de transtorno quando “promove um sofrimento clinicamente significativo”, isto é
quando incomoda a pessoa, promove perdas nas suas relações afetivas, financeiras, ou
de trabalho, quando a pessoa passa a se esquivar (evitar determinadas situações) em
função dela. Assim, de maneira nenhuma o indivíduo é capaz de fazer um “auto-diag-
nóstico”. O diagnóstico de um transtorno mental precisa satisfazer critérios que não
foram aqui descritos. Apenas um profissional de saúde mental treinado (psicólogo, psi-
quiatra) pode realizar um diagnóstico com segurança, definindo inclusive o tipo de inter-
venção necessária.
O diagnóstico tem um papel fundamental no modelo médico, fornece uma descrição
dos sintomas que permite indicar a estratégia de intervenção (tratamento mais adequado
para cada quadro) e estabelecer o prognóstico (prever o desenvolvimento da enfermida-
de). Saraceno (1997) questiona a importância atribuída ao diagnóstico em saúde mental
e chama a atenção para as suas limitações no sentido de definir o prognóstico, destacan-
do outras variáveis que interferem no tratamento e que seriam capazes de explicar
diferentes evoluções e resultados a partir de um mesmo diagnóstico:
histórico da enfermidade, agudez ou cronicidade do quadro;
recursos ou características individuais do paciente: (nível intelectual e grau
2 0 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
de informação, status social, sexo e idade);
meio familiar: nível de patologia relacional dos familiares, status social da família;
(segundo o autor, essa variável fornece mais informação sobre a estratégia de interven-
ção e desenvolvimento da doença que o próprio diagnóstico);
rede de apoio social: solidariedade/hostilidade dos familiares e vizinhos, nível de
agregação/desagregação social do meio onde vive o paciente (bairro, cidade);
recursos dos serviços de atenção em saúde mental: espaço físico, medicamen-
tos, profissionais de saúde, organização, acesso da população aos serviços, integração
entre os vários serviços de saúde e estilo de trabalho da equipe de saúde mental;
recursos do contexto do serviço de atenção: solidariedade de outras organi-
zações presentes no contexto, qualidade e eficiência do sistema de saúde do país, atitude
positiva ou negativa por parte da organização sanitária para com as iniciativas da equipe
de saúde mental.
Algumas modalidades de tratamento
A psicoterapia pode ser definida como uma relação interpessoal que se caracteriza
pela escuta do psicoterapeuta, que propicia ao paciente uma reflexão sobre o que está
sendo comunicado. As intervenções variam de acordo com as concepções teóricas, mas
visam, em geral, um maior autoconhecimento (relações entre os seus sintomas e suas
experiências), a melhoria da capacidade de adaptação, o alívio do sofrimento, o aumento
da autonomia nas decisões e a busca de uma vida mais plena utilizando suas
potencialidades.
A reabilitação pode ser definida como o trabalho sobre os aspectos de incapacidade
do paciente, objetivando o restabelecimento das relações afetivas e sociais, dos direitos
na comunidade e do poder social, na medida em que se reconhece a existência de uma
relação muito estreita entre saúde mental e fatores psicossociais.
A psicofarmacologia consiste em promover por meio de princípios
farmacologicamente ativos uma ação terapêutica sintomática (modificação no organis-
mo humano), no nível bioquímico (como os antipsicópicos) ou funcional (como os
benzodiazepínicos). É utilizada quando o objetivo da intervenção é controlar ou suprimir
uma expressão do problema que é nociva ou muito incômoda ao paciente ou que impede
uma comunicação (interação) entre o paciente, seu ambiente e o meio assistencial, que
se acredita útil. A eficácia curativa nas enfermidades mentais tem sido alvo de investi-
gações, que procuram relacionar transtornos funcionais específicos com alterações nos
neurotransmisssores que poderiam ser controladas com medicamentos.
Os grupos de auto-ajuda são uma forma de organização fundamentada na eleição
de um objetivo comum que consegue congregar pessoas de diversas classes sociais e de
diferentes credos religiosos. Neles, as pessoas encontram acolhida, suas experiências
podem ser ouvidas e reconhecidas na sua especificidade, o que parece ser responsável
pelos elevados níveis de adesão. As estratégias são centradas na modificação dos com-
portamentos considerados prejudiciais ao sujeito. Ex.: Alcoólatras Anônimos, Neuróti-
cos Anônimos, Comedores Compulsivos, Vigilantes do Peso, etc.
As práticas alternativas vêm sendo procuradas para resolução de problemas de
saúde e, embora não sejam consideradas uma modalidade de tratamento em saúde, são
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 0 3
um fenômeno que tem ocupado muitos pesquisadores da área da saúde. São práticas
que propõem autoconhecimento, desenvolvimento da consciência e desbloqueio emoci-
onal, utilizando técnicas que não têm comprovação científica ou se baseiam em “crenças
cosmológicas” (concepções de morte, vida e destino), não passíveis de avaliação cientí-
fica. Incluem-se sob esta denominação genérica conjuntos heterogêneos de atividades:
técnicas advinhatórias e de descrição de personalidade, como tarô e astrologia; técnicas
de medicina alternativa, como florais, e esotéricas, como harmonização energética, an-
jos e gnomos (Tourinho e Carvalho Neto, 1995). A procura por tais práticas para trata-
mento de problemas de saúde denuncia a dificuldade de acesso aos serviços de saúde,
como também de adesão aos tratamentos propostos que, com freqüência, não conside-
ram o sujeito como um todo, nem as especificidades de seu contexto sócio-cultural.
Cientistas sociais entendem a proliferação das práticas alternativas como uma reação à
opressão do humano pela objetividade social e ao afastamento da psicologia de questões
como mito, religião e misticismo que não importantes no desenvolvimento humano e
precisam ser melhor compreendidas (Ciampa, 1998).
Considerações finais:
A classificação dos problemas de saúde mental proposta pelo DSM-IV, bem como o
modelo médico, apesar de hegemônicos, não são a única possibilidade de compreensão
do sofrimento humano. As críticas mais persistentes à lógica proposta por este modelo
dizem respeito a uma excessiva objetivação dos sintomas por meio de categorias
nosológicas que acabam por perder de vista tanto o fator humano, como também as
determinações econômicas, políticas e sociais presentes no cotidiano da pessoas que
demandam atenção para os seus agravos de saúde.
Uma outra possibilidade para a compreensão do sofrimento mental é a proposta pelo
modelo psicossocial que busca encontrar o sujeito concreto no entrecruzamento das
suas experiências de vida com as determinações do contexto social. Os adeptos deste
modelo acreditam ser possível obter uma compreensão rigorosa do binômio saúde-doen-
ça sem negar a singularidade da experiência do sujeito, bem como as determinações da
realidade concreta.
Altos índices de sofrimento mental denunciados por surtos epidêmicos de pessoas
acometidas por depressão, stress, síndrome do pânico, uso abusivo de drogas, etc. são
resultantes das formas de organização social que negam, à imensa maioria da população
brasileira, as condições básicas para a garantia de uma existência digna.
Não se quer afirmar aqui que todo o sofrimento psíquico advém das adversidades e
desigualdades sociais, e muito menos que eles se extinguiriam quando as referidas desi-
gualdades fossem superadas. A falta e a incompletude são as marcas constitucionais do
ser humano e, mesmo em condições sociais bastante favoráveis, as insatisfações pesso-
ais não vão deixar de produzir algum sofrimento psíquico.
O que podemos afirmar é que um contexto favorável ao desenvolvimento humano
oferece às pessoas formas e meios mais adequados para a expressão de suas insatis-
fações, angústias, frustrações, etc. Os serviços de saúde mental alternativos ao mode-
lo psiquiátrico (núcleos de atenção psicossocial, centros de convivência, lares abriga-
dos, etc.) funcionam como um espaço bastante importante para aqueles que deman-
2 0 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
dam a apropriação e atribuição de um sentido para suas experiências.
As questões relativas às formas de manifestação do binômio saúde-doença mental
são indissociáveis de temas como políticas públicas, direitos humanos e ética, e nos
remetem à nossa responsabilidade frente à vida do ser humano. Esta perspectiva enten-
de o direito a uma vida digna como um princípio inalienável da condição de cidadão,
vislumbra uma sociedade onde as relações sejam pautadas por uma premissa que afirme
a natureza humana idêntica para todos os seres humanos, repudiando qualquer forma de
segregação ou discriminação, e almeja uma sociedade onde as relações sejam mediadas
por códigos políticos que definam os direitos e deveres de cada indivíduo (Jardilino,
1998).
Bibliografia consultada e recomendada
ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL 1916-1995. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Rio de Janeiro : IBGE, 1995.
BRANDÃO, E.P. Sobre a ética das práticas psi: felicidade e cidadania. Revista Psicologia Ciên-
cia e Profissão 18 (1), 1998.
CIAMPA, A. C. Objeto da Psicologia: Ética e Pesquisa. Práticas Alternativas: Campo da Psico-
logia? Conselho Regional 6ª
Região. Gestão “Psicologia em Ação”. São Paulo, 1998.
CID-10. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde.
Organização Mundial de Saúde; tradução Centro Colaborador da OMS para a Classificação
de Doenças em Português. 3. ed. - São Paulo: Edusp, 1996.
COOPER, D. Psiquiatria e Antipsiquiatria. São Paulo: Perspectiva, 1967.
CRP-06 - Conselho Regional de Psicologia 6ª
Região. Trancar não é tratar. Liberdade: o melhor
remédio. São Paulo, 1997.
DSM-IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1995.
FOUCAULT, M. História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1993.
GASPAR, M. Transtorno Mental não recebe diagnóstico. Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 nov.
1998.
JARDILINO, J.R. (org.). Ética: subsídios para a formação de profissionais na área da saúde. São
Paulo: Pancast, 1998.
MACEDO, R.M.S. Psicologia e Instituição. Novas formas de atendimento. São Paulo: Cortez,
1986, 2ª
ed.
PAPELDAEDUCAÇÃONAAÇÃOPREVENTIVAAOABUSODEDROGASEÀSDST/AIDS/
Cibele de Moraes Amaro...[et al.]; Devanil A. Tozzi, Nivaldo Leal dos Santos, cooordenadores
– São Paulo: FDE, 1996. (Série Idéias, 29).
PROMOÇÃO DA SAÚDE: Carta de Otawa, Declaração de Adelaide, Sundsvall e Santa Fé de
Bogotá. Trad.: Luis Eduardo Fonseca. Brasília: Ministério da Saúde, 1996.
SARACENO; ASIOLI; TOGNONI. Manual de Saúde Mental. Guia Básico para Atenção Primária.
Trad. de Willians Valentini. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
TOURINHO, E.Z.; CARVALHO NETO, M.B. As Fronteiras entre a Psicologia e as Técnicas
Alternativas: algumas considerações. In: Psicologia no Brasil: Direções Epistemológicas.
Conselho Federal de Psicologia... (et.al.) Brasília: O Conselho, 1995.
Algumas Referências para Orientação e Pesquisa:
· GRUDA - Grupo de Estudos de Doenças Afetivas do Hospital das Clínicas tel. (011) 30696648/
fax(011)30643321.
· Grupo de Estudos Psiquiátricos do Hospital do Servidor Público Estadual. tel. (011) 5740211.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 0 5
· Universidade Federal de São Paulo tel. (011) 5702828
· Hospitais-Dia, Postos de Saúde Municipais e Estaduais que disponham de atendimento de
médicos psiquiatras.
· A CASA - Instituto de Desenvolvimento e Pesquisa de Saúde Mental e Psicossocial. http://
www.dialdata.com.br/clientes/conexao/acasa
· Movimento da Luta Antimanicomial. http://www.psicologia-online.org.br/atualidades
· Epidemiologia e Saúde Mental. Linha de Pesquisa. Controle de variáveis em projetos http://
www.ensp.fiocruz.br/pesquisa/linhas
· Saúde do Trabalhador | Saúde Mental |Textos & Debates | Movimento Popular http://
www.alternex.com.br/~saudebrasil/ponto
· SOS Ética e Cidadania. Conselho Regional de Psicologia 6ª
Região. tel. (011) 574.7133
IX – Epidemiologia dos traumatismos
Epidemiologia dos traumatismos
Luiz Antonio Athayde Cardoso
Compreende-se por trauma ou traumatismo toda lesão produzida por agente externo
que provoca dano tecidual no organismo. Nos indivíduos abaixo dos 40 anos, o trauma
representa a principal causa de óbito ou invalidez, consistindo em sério problema de
saúde pública. Em estimativa realizada no Brasil em 1998 pelo serviço de cirurgia do
trauma do Professor Dario Birolini da Universidade de São Paulo, ficou constatado que
cerca de 125 mil indivíduos morrem por ano devido ao trauma. Neste estudo, verificou-
se também que sobrevivem aproximadamente 200 mil com seqüelas permanentes. Em
relação à etiologia, observaram uma maior prevalência dos agentes penetrantes, em
relação aos acidentes com veículos. Finalizando, os pesquisadores relataram que o go-
verno gastou uma quantia aproximada de 1 bilhão de dólares para atender, ainda que
precariamente, a todo este contingente. Em que pesem a prevenção e a elaboração de
leis mais rígidas numa tentativa de controlar sua progressão, o número de pacientes com
trauma vem aumentando ao longo do tempo pelo desenvolvimento tecnológico, o aumen-
to populacional e a maior oferta de equipamentos que desprendem grande quantidade de
energia.
Indubitavelmente os traumatismos faciais são aqueles que mais preocupam o pacien-
te, embora outras lesões corporais também sejam de importância.
A face pode ser dividida didaticamente em três regiões. O terço superior compreende as
órbitas e seu conteúdo que executam a função visual. No terço médio, situam-se a maxila, o
nariz e o pavilhão auricular e na porção inferior, a mandíbula. Juntos estes elementos perfa-
zem as funções auditivas, respiratórias e de alimentação. Por ser a principal região que o
indivíduoutilizaparaserelacionarcomomeioambienteeseussemelhantes,ostraumatismos
e desfigurações que ocorrem na face têm um impacto sócio-econômico mais acentuado
que em outras regiões do corpo humano.
A transformação de energia cinética em energia de deformação aplicada à face
produz lesões que são dependentes da direção e do tempo de aplicação. Renê Le Fort
foi um dos primeiros a estudar sistematicamente a relação entre quantidade de energia,
2 0 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
direção, duração do impacto com suas conseqüências sobre a face, num trabalho publi-
cado em 1901. Seus estudos iniciais levavam em conta impactos de energia relativamen-
te baixa, que produziam fraturas clássicas na região que se tornaram conhecidas com os
nomes de Le Fort I, Le Fort II e Le Fort III. Todavia estas relações deixaram de ser
encontradas nos dias de hoje porque as máquinas mais recentes, oriundas do avanço
tecnológico, manipulam grandes quantidades de energia, produzindo fraturas complexas
no esqueleto craniofacial.
Os principais agentes encontrados nos traumatismos faciais são:
a) Acidentes com veículos automotores em geral;
b) Agressão;
c) Acidentes domésticos e ligados ao lazer.
Outras causas como fraturas patológicas, armas de fogo, arma branca e acidentes de
trabalho são particulares de uma região.
As conseqüências dos traumatismos faciais demandam uma considerável quantia de
recursos dos órgãos oficiais e empresas seguradoras. Dependendo da gravidade do
traumatismo, o indivíduo sofrerá uma perda que pode ser de natureza estética, funcional,
ou ambas, mobilizando um número grande de profissionais na tentativa de restituir as
perdas. Entre as especialidades médicas mais solicitadas encontram-se a neurologia,
cirurgia plástica, oftalmologia, microcirurgia. Outras especialidades são a ortodontia, ci-
rurgia bucomaxilar, fonoaudiologia, fisioterapia e psicologia. Dependendo da gravidade,
os tratamentos são prolongados e os períodos de convalescência arrastam-se por anos,
com a realização de várias cirurgias.
Repercussões sociais dos acidentes automobilísticos
Bruno Soerensen
Os acidentes de trânsito, nas grandes cidades e em estradas de importância das
regiões desenvolvidas do mundo, e converteram-se nas primeiras causas de morte e
incapacidade. Nas regiões urbanas, a congestão, o ruído e a emissão de gases dos
veículos determinam doenças psíquicas e físicas limitando o bem-estar do homem. No
mundo, mais de um bilhão de pessoas ficam expostas às contaminações atmosféricas
de dióxido de carbono. Esta contaminação leva também a um aumento da temperatura
ambiental, com repercussões futuras de alterações climáticas imprevisíveis e até ca-
tastróficas. Atualmente, a degradação do ambiente já é atribuída ao parque automobi-
lístico, ao trânsito urbano e rural.
Se fosse possível minimizar o uso do transporte automotivo pelo transporte alternativo
como o de bicicleta ou mesmo a pé, as cidades ficariam bem mais saudáveis.
Daremos alguns dados sobre o assunto retirados de um trabalho de Tápia Granados
publicado em março deste ano na Revista Panamericana de Saúde Pública. A pro-
dução mundial anual de automóveis passou de 11.000.000 em 1950 a 53.000.000 em
1995. Segundo informações recentes, em 1995 no mundo circulavam pelo menos
600.000.000 veículos automotores, dos quais mais ou menos três quartos são automó-
veis e o restante caminhões e ônibus. Dos 420.000.000 de automóveis em circulação
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 0 7
no início de 1950, aproximadamente 330.000.000 (80%) se encontravam nos países
industrializados da América do Norte, Europa Ocidental e Oceania, onde mora 18%
da população mundial. Os demais 90.000.000 (20%) são do resto do mundo, onde
mora 82% da população.
Os efeitos nocivos do trânsito podem resumir-se da seguinte maneira:
a) A mortalidade, as lesões e as incapacidades gerais por lesões.
b) Aumento da mortalidade geral e incidência de diversas enfermidades, devido à con-
taminação ambiental.
c) Desenvolvimento de sedentarismo e obesidade.
d) Transformação das cidades em espaços onde o automóvel deixa de lado os demais
usuários da via pública, transformando o espaço urbano desumanizado e favorecen-
do a desintegração social.
e) Desenvolvimento de uma infra-estrutura viária urbana e rural com enormes recursos
em detrimento da proteção ambiental.
As grandes cidades do mundo optaram pela diminuição do trânsito de veículos
automotores. Para termos uma idéia do prejuízo da contaminação ambiental, conforme
experimentações feitas na Universidade de Marília- UNIMAR - SP, um cobaio morre em
14 minutos quando exposto à contaminação do escapamento de um automóvel movido por
gasolina, em 25 minutos quando movido por Diesel e 28 minutos quando movido por álcool,
demostrando-se, portanto, a necessidade de desligar o motor quando é interrompido o
trânsito em túneis ou estacionamentos fechados.
O número de óbitos, independentemente de lesões corporais, por acidentes automo-
bilísticos, foi calculado para 1993 em 835.000 mortes no mundo, competindo como causa
de mortes com as doenças cardiovasculares e o câncer, em regiões desenvolvidas.
Destaca-se ainda que o maior número de mortes corresponde a adolescentes e adul-
tos jovens.
Paralelamente aos dados apontados deverão ser consideradas ainda as lesões não
mortais ocasionadas pelos veículos, incluindo-se aqueles de pedestres e ciclistas. De-
vem ser somadas também a atenção médica, hospitalização e a incapacidade permanen-
te.
Nos Estados Unidos, em 1992, 5.000.000 de pessoas tiveram lesões, somado 500.000
hospitalizações. No Brasil, em 1989, aproximadamente 450.000 pessoas tiveram lesões,
vindo a falecer aproximadamente 50.000.
Indiscutivelmente, um planejamento adequado das vias públicas de maneira que se
tornem mais seguras, uma fiscalização das leis de trânsito e uma diminuição do volume
do trânsito contribuirão para o controle e a diminuição dos acidentes.
Características do atendimento pré-hospitalar
Nadia Maria Gebelein
ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR (A.P.H.), como o próprio nome diz, é o aten-
dimento inicial, baseado em técnicas e procedimentos, a um agravo à saúde antes da
chegada do paciente a um recurso hospitalar.
2 0 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Os objetivos desse atendimento são: preservar a vida, minimizar o número de seqüe-
las, restaurar a saúde e aliviar o sofrimento.
Historicamente o atendimento pré-hospitalar iniciou-se com as grandes guerras e
desde então vem se aprimorando (1), desenvolvendo novas técnicas, procedimentos e
equipamentos. Esse conceito de atendimento antes da entrada no hospital, isto é, no local
do agravo à saúde, tornou-se mais forte a partir dos anos 70, ocupando posição de
destaque na Medicina Brasileira.
Os sistemas de Atendimento pré-hospitalar têm vários modelos mundiais: o norte-
americano, um dos mais antigos, utiliza como profissionais os chamados paramédicos,
que são profissionais habilitados mediante cursos extensos de capacitação a realizar
atendimento pré-hospitalar; são divididos em níveis (EMT-I, EMT-II,...) por meio de
siglas que significam técnico de emergência médica nível I, nível II, etc.; a diferença de
nível decorre do tempo de atuação e dos cursos especializantes que fizeram, permitindo-
se aos mais avançados realizarem procedimentos invasivos que aqui no Brasil só são
permitidos aos médicos. Esses técnicos são supervisionados à distância por um médico
que está na Central de Atendimento monitorando os chamados.
Já nos sistemas francês (S.A.M.U.), alemão e argentino, médicos tripulam as viatu-
ras de atendimento pré-hospitalar. Nestes sistemas o que se observa é a alta resolutividade
no local da ocorrência, isto é, o médico avalia, diagnostica e medica o paciente, remo-
vendo para o hospital somente os casos que não podem ser resolvidos no local.
No Brasil, o sistema de atendimento pré-hospitalar é misto, isto é, um pouco america-
no e um pouco francês, pois existem os dois tipos de viatura, aquelas tripuladas somente
por técnicos, ou melhor dizendo, socorristas habilitados a realizar o suporte básico à
vida (S.B.V.), e aquelas tripuladas por médico e enfermeiro destinadas a prestar supor-
te avançado à vida (S.A.V.), sendo solicitadas nas ocorrências mais graves que neces-
sitam da presença de um médico.
Além disso, no Brasil, em um grande número de cidades há dois sistemas realizando
o atendimento pré-hospitalar, o primeiro é do Estado e é realizado pelo Corpo de Bom-
beiros acionado pelo número de telefone 193 e o segundo é realizado pela Prefeitura e é
acionado pelo número telefônico 192. Essa divisão se deu basicamente por dois motivos:
em primeiro lugar, a diferença entre o tipo de atendimento, isto é, os profissionais do
Corpo de Bombeiros atuam em situações mais específicas, os chamados resgates, situ-
ações particularmente difíceis que necessitam de materiais e equipamentos específicos
para a retirada da pessoa do local e geralmente relacionadas a trauma, ao passo que
sistema municipal deveria se encarregar do atendimento das emergências clínicas. O
segundo motivo é a divisão dos gastos entre os dois governos.
Como conseqüência desta dicotomia e da não-existência de um número telefônico
único para acionamento dos serviços de emergência, há um atraso significante no aten-
dimento a uma emergência, pois a população geralmente faz confusão sobre qual núme-
ro deve acionar, além de haver uma grande diferença entre os serviços, diferenças estas
relacionadas ao tempo-resposta, número de veículos, profissionais, forma de trabalho,
que causa um desgaste do sistema.
O atendimento pré-hospitalar no Brasil foi normatizado em 25 de outubro de 1995
pelo Conselho Federal de Medicina, porém este primeiro parecer era muito superficial e
abordava apenas o aspecto do trauma (3) que corresponde a 30% das emergências pré-
hospitalares, sendo que os outros 70% representados pelas emergências clínicas não
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 0 9
foram abordados. Por isso, foi feita uma revisão, aprovada em 8 de julho de 1998, que
ampliava os conceitos e normatizava o atendimento pré-hospitalar, inclusive descreven-
do os profissionais, os tipos de viatura e os materiais necessários para esse serviço.
Ainda falta regulamentar os cursos para os profissionais que fazem atendimento pré-
hospitalar, pois por todo o país há diferenças na carga horária, teórico–prática. Com
relação ao profissional médico, as técnicas e os procedimentos necessários para o A.P.H.
não fazem parte do currículo das Escolas Médicas, com exceção de uma experiência
pioneira da Universidade Federal de São Paulo que introduziu em 1998, como parte da
grade curricular, o ensino de Atendimento Pré-Hospitalar. Para quem trabalha com aten-
dimento pré-hospitalar é fácil afirmar que se trata de uma nova especialização médica.
Como em todos os lugares do mundo, em São Paulo a situação não foi diferente.
Médicos e profissionais de vários pronto-socorros, preocupados com a forma como pes-
soas vítimas de acidentes chegavam aos hospitais com o Corpo de Bombeiros, que en-
contrava uma dificuldade enorme porque, após liberar as pessoas do que as prendia no
local do acidente, não tinha como atendê-las e muito menos como transportá-las, acarre-
tando esse fato alta mortalidade e morbidade, criaram em 1979 o “Projeto Vaga Zero”
para gerenciar o atendimento das emergências como um todo e posteriormente, em
1983, a chamada “Comissão de Recursos Assistenciais de Pronto Socorro – CRAPS”.
Desse envolvimento de vários órgãos e da necessidade da busca de conhecimento e
aprimoramento do atendimento às emergências, criou-se uma associação chamada “Com-
panheiros das Américas” para o intercâmbio entre Estados Unidos e Brasil. Essa associ-
ação é composta por quatro oficiais do Corpo de Bombeiros, um membro da Defesa Civil
e três médicos que foram a Chicago em 1986 para realizar um Curso de Técnicas em
Emergências Médicas. No regresso, os oficiais apresentaram um relatório ao Comandan-
te Geral da Corporação, no qual propunham a reformulação dos conceitos e da instrução
de primeiros socorros bem como a criação de um serviço específico com viaturas, equipa-
mentos e pessoal, específicos para o atendimento e transporte das vítimas. Disso surgiu o
Projeto Resgate em 1987 e, posteriormente, em 10 de março de 1994, após sete anos de
atendimento, consolidado pelo decreto, o Sistema Integrado de Atendimento às Emergên-
cias do Estado de São Paulo – SISTEMA RESGATE – convênio entre Secretaria de
Segurança Pública, representada pelo Corpo de Bombeiros, e Secretaria do Estado da
Saúde.
Paralelamente a isso, médicos da Cirurgia Geral e do Trauma do Hospital das Clíni-
cas de São Paulo, que iniciaram o processo de estudos em 1979, foram para os Estados
Unidos fazer o curso do A.T.L.S. (Advanced Trauma Life Support) e trouxeram para
o Brasil em 1987 para sua difusão. Hoje já contamos também com o P.H.T.L.S. (Pre
Hospital Trauma Life Support) e o A.C.L.S. (Advanced Cardiac Life Support) entre
outros, como o pediátrico e alguns mais básicos para profissionais não médicos.
Todo esse esforço representa uma redução na taxa de mortalidade de 30% das víti-
mas atendidas pelo Sistema Resgate, embora o número de ocorrências tenha aumenta-
do.
O Serviço iniciou no começo do ano de 1990 com atuação na Grande São Paulo e em
mais de 14 municípios do Estado, utilizando-se 36 Unidades de Resgate, duas Unidades
de Suporte Avançado e um Helicóptero para atendimento de 1.896 ocorrências.
Atualmente, no ano de 1998, existem 237 Unidades de Resgate, sendo 37 na capital,
duas Unidades de Suporte Avançado, helicóptero e cerca de 4.000 técnicos em Emergên-
2 1 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
cias Médicas, responsáveis pelo atendimento a 146.011 ocorrências no Estado de São
Paulo, em 1998, dos quais 42.262 na Capital e 103.749 no interior (dados fornecidos pelo
C.S.M./C.B., Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo).
O tempo médio da chegada da Unidade de Resgate é de sete minutos na cidade de
São Paulo, sendo que esse é o tempo médio e não de todas as unidades, pois há fatores
que interferem nesse tempo, por exemplo: hora do dia, localização do chamado, condi-
ções locais da pista.
Mesmo com a magnitude do Sistema Resgate e os esforços dos serviços municipais,
segundo informações do Serviço da A.P.H. da Prefeitura do Município de São Paulo, a
soma dos dois sistemas atende menos de 40% da demanda da cidade de São Paulo (4).
Portanto, há necessidade de revisão desses números e da utilidade de se possuir um
serviço de Atendimento pré-hospitalar.
De forma genérica o processo do atendimento pré-hospitalar compreende os seguin-
tes passos: a chamada telefônica do Serviço de Emergência Médica, a caracterização
da ocorrência (local e tipo), o despacho da viatura, a chegada ao local, a avaliação e o
atendimento para estabilização do paciente, as informações enviadas a Central de Aten-
dimento e os transporte para o hospital.
É um processo complexo que envolve múltiplos profissionais e estrutura grande e
ramificada, visando ao atendimento de melhor qualidade e mais adequado, incluindo o
destino do paciente, uma vez que nem sempre o hospital mais próximo é o mais adequa-
do. Por exemplo, a pessoa pode apresentar um trauma de crânio e necessitar de uma
tomografia computadorizada e da avaliação de um neurocirurgião e o hospital mais pró-
ximo pode não dispor destes recursos ou, então, dispõe deles, porém a sua capacidade
de atendimento no momento está esgotada. Só a Central de Atendimento tem condições
de fornecer esses dados à unidade no local para que busque socorro em outro hospital.
Se não existe o sistema de Atendimento pré-hospitalar, isso não ocorre, aumentando as
taxas de morbi-mortalidade dos pacientes, sobrecarregando hospitais sem recursos e
ainda desguarnecendo-os na eventual necessidade de transferência de uma paciente
deste tipo, além da busca praticamente sem fim por uma vaga para este paciente.
Essa situação é tão complexa que na cidade de São Paulo foi criado, no ano passado,
o S.R.M. (Sistema Regular Metropolitano) (5), a partir do plantão controlador que já
existia, para auxiliar médicos e pacientes na distribuição melhor dos recursos hospitala-
res já tão escassos. Este sistema já está em expansão para o interior do Estado de São
Paulo, onde existem dez Centrais Reguladoras.
Nos Estados Unidos o serviço de atendimento pré-hospitalar foi terceirizado para
empresas prestadoras de serviço visando baixar custo e melhorar a qualidade de aten-
dimento. Lá o tempo para chegada do auxílio é de 2-3 minutos e, além disso, os hospitais
são preparados para receber os diversos tipos de ocorrências, existindo inclusive Cen-
tros de Trauma.
Os serviços de atendimento pré-hospitalar basicamente atendem a dois tipos de emer-
gências: as clínicas e as traumáticas. Dentre as clínicas as campeãs de incidência são as
urgências relacionadas ao sistema cardiovascular: infarto, angina, crise hipertensiva,
acidente vascular cerebral e parada cardíaca, que acometem adultos na maioria acima
dos 40 e abaixo dos 65 anos de idade. São responsáveis por cerca de 43% dos óbitos de
todas as causas (6) em mulheres e homens. Além disso, aproximadamente dois terços
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 1 1
das mortes súbitas devidas a uma coronariopatia acontecem fora do hospital e é possível
que um grande número dessas mortes pudesse ser evitado pelo acesso rápido ao serviço
médico de emergência e ao desfibrilador, uma vez que cerca de 90% das paradas cardí-
acas acontecem em fibrilação ventricular.
O traumatismo é a maior causa de óbito e de seqüelas comprometendo desde a popula-
ção pediátrica até a adulta jovem (1-44 anos). A faixa etária mais afetada é a de 15-35 anos,
constituindo-se o trauma na primeira causa de óbito desta faixa. O trauma atinge, portanto,
população economicamente ativa que, se não morre, fica seqüelada, deixando de produzir e
aumentando os gastos devido ao tratamento das seqüelas.
Segundo o Departamento Nacional de Trânsito, em 1997 30.430 pessoas morreram e
268.925 ficaram feridas no País por acidentes de trânsito. Na fixa etária de 15-35 anos,
situam-se 13.892 mortes e 126.931 feridos.
Registram-se em média um acidente a cada 2,6 minutos, uma pessoa ferida a cada
11,7 minutos e uma pessoa morta a cada 4,3 horas (7).
Além da perda de vidas e gastos com a saúde, que no ano de 1997 foram de U$ 300
milhões, há danos materiais (U$ 400 milhões) e perdas de produção (U$ 800 milhões)
para o país, que é um dos líderes mundiais da mortalidade no trânsito (o índice de fatali-
dade do Brasil supera a marca dos 10 – número de mortos em acidentes para cada
conjunto de 10.000 veículos).
Tanto nas emergências clínicas quanto nas traumáticas, a primeira ação ainda é a
prevenção, para minimizar os fatores de risco e melhorar a qualidade de vida e seguran-
ça das pessoas.
Grande parte dos acidentes está relacionada ao consumo de álcool (8), ao não-uso ou
uso inadequado dos dispositivos de segurança e à desobediência, principalmente em
relação ao limite de velocidade.
A educação da população é fundamental para prevenir e evitar as emergências e,
quando elas acontecem, é importante também que a população saiba o que fazer, isto é,
acionar o Sistema Médico de Emergências e iniciar o Suporte Básico à vida, mantendo as
condições até que o serviço de atendimento pré-hospitalar chegue.
Nos moldes nacionais atuais, enfoca-se o atendimento às emergências e, pratica-
mente, muito pouco o atendimento às urgências médicas. Por quê? As emergências
médicas são os agravos à saúde que põem em risco a vida do paciente e necessitam ser
atendidas em minutos. Nos casos de trauma, estudiosos dão valores aos minutos; por
exemplo, os dez minutos que se seguem a um trauma são chamados minutos de platina
e a primeira hora, hora de ouro. As urgências não necessitam ser atendidas em minutos;
por exemplo, um paciente com cólica renal que não melhora com medicação via oral de
uso de costume, necessita de medicação endovenosa; “ – Esse paciente irá morrer?
Claro que não, mas necessita de atendimento médico? – Sim.” Provavelmente este
paciente terá que contar com o apoio de vizinhos, amigos ou solicitar um táxi, pois o
serviço público nas proporções em que se encontra não dá conta das emergências clíni-
cas, quanto mais das urgências, sem contar os casos psiquiátricos que são um outro
problema.
Por esse motivo estão crescendo os serviços privados de atendimento pré-hospitalar
que proporcionam atendimento de emergência, urgência e, em alguns casos, até de con-
sulta. Não são iguais aos argentinos que vendem o plano individual; a maioria, aqui no
Brasil, está ligado a um convênio médico ou seguro saúde que, mediante o pagamento de
2 1 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
um “plus” sobre a mensalidade, dá o direito ao “resgate”, palavra aplicada de forma
errada pelos meios de Marketing, pois nenhum desses serviços proporciona o resgate e,
sim, atendimento pré-hospitalar.
Bibliografia consultada e recomendada
Epidemiologia dos traumatismos
Cardim, V. L. M.; Marques, A.; Morado-Deoteiro, J. Cirurgia plástica: Sociedade Brasileira de
Cirurgia Plástica Regional São Paulo. São Paulo: Atheneu, 1996. 429p.
Carreirão, S.; Lessa, S.; Zannini, S. Tratamento das fissuras lábiopalatinas. Rio de Janeiro:
Revinter, 1996. 354p.
Digman, R. O. & Natvig, P. O Cirurgia das fraturas faciais. 2. ed., São Paulo: Livraria e Editora
Santos, 1983. 376p.
McCarthy, J. G. – Plastic surgery. Philadelphia, W. B. Saunders Co, 1990. 5556p. 8v.
Manson, P. N.; Clifford, C. M.; Su, C. T.; Iliff, N. T.; Morgan, R. Mechanisms of global support and
posttraumatic enophthalmos: The anatomy of the ligament sling and its relation to intramuscular
cone orbital fat. Plast. Reconstr. Surg., 77: 193-202, 1986a
.
Mélega, J. M.; Zanini, S. A.; Psillakis, J. M. Cirurgia plástica reparadora e estética. Rio de
Janeiro, Medsi Editora Médica e Científica, 1988. 1094p.
Nguyen, P. N. & Sullivan, P. Advances in the manangement of orbital fractures. Clin. Plast. Surg.,
19:87-97,1992.
Tourniex, A. A. B. – Atualizaçãoemcirurgiaplásticaestética.São Paulo: Robe Editorial, 1994. 637p.
Yab, K.; Tajima, S.; Ohba, S. Displacements of eyeball in orbital blowout fractures. Plast. Reconstr.
Surg.;100:1409-417,1997.
Repercussões sociais dos acidentes automobilísticos
Características do atendimento pré-hospitalar
(3) SOBANIA, L.C. – Revisão parecer n.º 47/95. Conselho Federal de Medicina. 1998.
( 2) Eid, C.A., MONTEIRO, J. Atendimento Pré-Hospitalar: a mais eficiente forma de socorro.
ABRAMET Ver. 1997; 20;10.
( 5) Jornal do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. 1998; 135: 10-11.
( 1)MARK, C.; HENRY. M.D.; EDWARD R. stapeton. EMT – P, EMT Prehospital Care. 1992, W.B.
Sunders Company.
( 6) AMERICAN Heart Association. Suporte Avançado de vida em Cardiologia. 1997, 17: 1-9.
( 7) Fatos & Estatísticas de acidentes de trânsito em São Paulo, 1997. Departamento Nacional
de Trânsito e Ministério da Saúde.
( 8) Melo de Oliveira E., Melcop AG. Álcool e Trânsito, 1997: 72-86.
( 4) Padronização no atendimento pré-hospitalar do Brasil. Anais do 3º Congresso Brasileiro de
Acidentes de Medicina de Tráfego, 1997: 118-129.
X - Epidemiologia das doenças
não-transmissíveis
Procuramos, neste capítulo, analisar de maneira sucinta os fatores, os hábitos, enfim,
as condições relacionadas ao comportamento individual coletivo, social e político que
possa, de forma direta ou indireta, influir na saúde do homem.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 1 3
Abordaremos as principais doenças da Cardiologia, da Neurologia e da Endocrinologia.
Falaremos, ainda, sobre a Epidemiologia do Câncer, abordando separadamente o Cân-
cer Cutâneo. Também será discutida a Dermatite Ocupacional. Lembremos que pode
haver uma inter-relação entre elas e só as separaremos por uma questão didática.
Cardiologia
Carlos Benedito de Almeida Pimentel
Não há dúvida quanto aos fatores que contribuem para uma doença cardíaca: o taba-
gismo; a dieta sem orientação; o “stress” dentro das atividades diárias, quer profissionais
ou domésticas; o álcool e suas implicações cardíacas; o exercício, que pode não fazer bem
ao coração; a hipertensão arterial que nem sempre é tratada e acompanhada de forma
ideal. Não podemos deixar de citar o aspecto da hereditariedade familiar e outras doenças
que facilitam a afecção cardíaca, tais como o Diabetes Mellitus, Doenças Pulmonares,
Disfunções Tireoideanas, Doenças Hematológicas, Doenças Reumáticas Auto-imunes,
Doenças Neuro-musculares e outras.
TABACO – É indubitável a relação entre o hábito de fumar e a cardiopatia. Clara-
mente, fumar leva ao aumento da arteriosclerose tanto no homem quanto na mulher.
Os mecanismos envolvidos incluem o efeito do monóxido de carbono, da nicotina e
de outras substâncias, no metabolismo lipídico, no transporte de oxigênio, na maior libe-
ração de aminas vaso-pressoras, nas injúrias ao endotélio vascular, permitindo que me-
canismos sejam ativados na íntima de determinadas artérias.
O uso do tabaco nas diferentes formas também facilita a trombose pelo aumento dos
níveis de fibrinogênio, pelo aumento da agregação plaquetária, pela policitemia que acon-
tece como doença pulmonar e o sinergismo com a vaso-constrição periférica.
Há indícios de que o tabaco, por meio de sua mutagenicidade, se relaciona com a
aterogenicidade; o fumante submetido aos efeitos cancerígenos do tabaco sofreria alte-
rações celulares em nível de células da musculatura lisa.
Quanto aos lípides, há aumento do processo oxidativo das lipo-proteínas de baixa
densidade, ponto de partida para as primeiras modificações do endotélio vascular.
DIETA – A dieta ocupa um dos lugares mais importantes na gênese das cardiopatias,
principalmente as isquêmicas. Sem dúvida a presença das gorduras de forma excessiva
na alimentação se relaciona com a doença arterial coronariana (DAC).
A média do consumo da gordura total, ácidos saturados, colesterol da dieta é exces-
siva em muitos países. Observações e estudos demonstram que os níveis séricos de
colesterol estão relacionados à taxa de mortalidade e ao aumento da probabilidade da
doença arterial coronariana (DAC).
Uma forma de sentirmos o problema são observações a respeito dos japoneses que
vivem no Japão, no Havaí e nos EUA. Elas mostram o impacto ambiental e dos costu-
mes em indivíduos com uma origem genética comum. No Japão, onde a incidência de
doenças cardíaca é baixa, a quantidade de gorduras saturadas na dieta é tradicionalmen-
te baixa.
Em japoneses que vivem no Havaí, a incidência se situa entre a dos japoneses que
2 1 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
vivem no Japão e a dos que vivem nos EUA. Os japoneses que vivem nos EUA conso-
mem, aproximadamente, a mesma quantidade de gordura saturada e colesterol que os
outros grupos étnicos, tendo o mesmo risco de DAC que eles.
A incidência da DAC é mais baixa nos países onde a dieta é tradicionalmente vege-
tariana. Gostaríamos de lembrar que nos períodos de escassez de alimentos, nas condi-
ções de semi-inanição que ocorreram na Europa na época da Segunda Guerra Mundial,
a ocorrência de DAC foi reduzida. Após a guerra, com a normalização dos alimentos
voltou a crescer a incidência de doenças ateroscleróticas e do Diabetes Mellitus.
STRESS – O “stress” pode ser classificado como doméstico, intermediário e profis-
sional. O doméstico inicia-se logo que abrimos os olhos e acordamos, os primeiros raios
de luz atingem nossa retina e provocam a primeira grande liberação de aminas vaso-
pressoras na circulação.
Consideramos como doméstico todo “stress” relacionado aos problemas domésticos
e familiares. Chamamos de “stress” intermediário o “stress” da rua, do transporte, do
social. O “stress” profissional é o do próprio trabalho, da competição inerente ao traba-
lho e a guerra paralela que com freqüência acontece nos bastidores do trabalho.
Sabemos claramente que neste aspecto há enorme influência da política do governo
quanto à ordem, à segurança, ao mercado de trabalho, à meta educacional e principal-
mente à política econômica. Consideremos a equação: bem-estar mental no numerador
e “stress” no denominador, quando esta fração tende ao mínimo há aumento da doença
coronariana.
ÁLCOOL – Alguns estudos mostraram que o consumo moderado de álcool, em
torno de 35 mililitros de álcool por dia, e o risco de doença arterial coronariana (DAC)
variam em relação inversa. O mecanismo pelo qual o consumo moderado de álcool
protege contra a DAC não está claro. Possivelmente está relacionado com aumento da
concentração do colesterol de alta densidade (HDL Colesterol). Quando analisamos o
consumo excessivo, observamos aumento da mortalidade.
EXERCÍCIOS – Devemos esclarecer um erro que vem se imortalizando na idéia das
pessoas, de que o exercício faz bem ao coração de uma forma direta, deixando-o mais
forte. Isto não é verdade!
O exercício faz bem aos músculos dos membros do corpo e principalmente ao san-
gue, depurando-o dos excessos calóricos habituais, dessa forma reduzindo fatores que
contribuiriam para induzir aumento da aterogenicidade. Devemos lembrar que o ideal
seria a ingestão de um suporte calórico adequado aos gastos diários normais. O coração
já se exercita batendo de 60 a 100 vezes por minutos durante as 24 horas de cada dia,
independentemente dos exercícios extras.
HIPERTENSÃO ARTERIAL – A hipertensão arterial é um dos mais importantes
fatores de risco para a morbi-mortalidade cardiovascular. A pressão arterial elevada
mantida por longo prazo leva à falência de múltiplos órgãos como coração, cérebro, rins,
olhos e vasos sistêmicos. Com relação ao coração, por exemplo, temos comprometi-
mento vascular, incremento da aterogenicidade, podendo-se da angina progressiva che-
gar ao máximo de evento lesivo: o Infarto do Miocárdio (IM). Há também comprometi-
mento miocárdico, ou seja do músculo cardíaco, hipertrofia ventricular esquerda e insu-
ficiência cardíaca.
O indivíduo hipertenso apresenta um envelhecimento precoce de seu sistema arterial,
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 1 5
os vasos sangüíneos de hipertensos são comparados aos vasos de normotensos idosos.
No nível vascular podemos encontrar, seguindo sua evolução natural, sem interferência
de tratamento, acometimento de vasos de resistência e de grandes vasos, constituindo a
fase tardia da vasculopatia hipertensiva.
O Programa Nacional de Educação para a Hipertensão Arterial (NHBPEP), coor-
denado pelo Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue (NHLBI) dos Institutos
Nacionais de Saúde, foi instituído em 1972. O programa está sendo um sucesso em sua
missão de aumentar a consciência, prevenção, tratamento e controle da hipertensão.
Desde o National Health and Nutrition Examination Survey de 1976-80 (NHANES
III, fase I), a porcentagem de hipertensão aumentou de 51% para 73%. Entre as pesso-
as com hipertensão o tratamento tem aumentado durante o mesmo período de 31% para
55%.
O número de americanos que se têm conscientizado da necessidade de as pessoas
com hipertensão arterial manterem a mesma em níveis abaixo de 140/90 mmhg tem
aumentado de 10% (NHANES II) para 29% (NHANES III fase I).
Estas mudanças têm contribuído para reduções dramáticas na morbidade e mortali-
dade atribuídos à hipertensão. Por exemplo, a taxa de mortes ajustada para idade em
conseqüência de acidente vascular cerebral tem declinado para quase 60% e por doen-
ça arterial coronariana (DAC) para perto de 53%.
Estas tendências são evidentes em homens e mulheres e em afro-americanos e bran-
cos. O benefício da redução da mortalidade por acidente vascular cerebral é particular-
mente impressionante em mulheres com idade de 50 anos ou mais: metade dos benefíci-
os entre mulheres brancas e quase dois terços do benefício entre mulheres afro-ameri-
canas podem ser atribuídos à queda da pressão arterial.
Estas melhorias são compatíveis com o declínio da incapacidade entre idosos ameri-
canos e têm importantes implicações para a redução dos custos nacionais com cuidados
de saúde.
Entretanto estas dramáticas melhorias têm diminuído, desde 1993; as taxas de aci-
dente vascular cerebral ajustadas para a idade têm aumentado ligeiramente e a inclina-
ção da taxa de declínio ajustada para idade em DAC parece estar equilibrada.
Além disso, as taxas têm aumentado para ambos, a incidência de doença rural termi-
nal, para qual a hipertensão arterial é o segundo antecedente comum mais importante, e
a prevalência de insuficiência cardíaca, na qual a grande maioria dos pacientes tem
antecedentes de hipertensão.
Também as taxas de controle de hipertensão não têm continuado a melhorar
(NHANES III, fase 2). Se a conscientização, tratamento e taxas de controle continuas-
sem a tendência estabelecida entre 1976-80 e 1991-98, deveria ter havido um aumento
na conscientização, tratamento e controle da hipertensão, também a avaliação seriada
em algumas comunidades evidencia que a relação pressão arterial média e idade tem
aumentado.
O progresso tem sido estável na direção de se alcançar os objetivos estabelecidos
pelo Departamento de Saúde e Serviços Sociais para doença cardíaca e acidente vascular
cerebral, mas esforços são necessários para atingir estes objetivos até o ano 2000.
Doença arterial coronariana e infarto no miocárdio
2 1 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Infarto é uma condição patológica, caracterizada pela necrose que se segue de anóxia
ou hipóxia, em território com circulação do tipo terminal, podendo formar-se em qual-
quer órgão; porém a maioria dos infartos ocorre nos rins, baço, cérebro e no coração.
O infarto no miocárdio ocorre devido à obstrução coronária. Esta obstrução ocorre
pela formação de ateroma que, com o passar do tempo, se acumula nas paredes das
artérias, tornando-as mais estreitas. O sangue flui com dificuldade, tornando a circula-
ção sangüínea mais lenta e é possível que ocorra a formação de coágulos, que obstruem
a passagem do sangue. Isto leva à necrose do tecido do coração.
A maioria dos infartos do miocárdio (IM) ocorre pela manhã, quando a agregação
plaquetária é maior, e os produtos liberados pelas plaquetas podem ser identificados no
sangue imediatamente após um infarto (Bogliolo, 1978).
Segundo dados do IBGE de 1990 (Anuário Estatístico do Brasil, 1994), as doenças da
circulação pulmonar e outras formas de doenças do coração foram responsáveis por
9,57% dos casos de óbitos, sendo que o infarto agudo do miocárdio, isoladamente, foi
responsável por 6,12% do número total de óbitos. Na região sudeste o número de óbitos
por infarto foi de 30.844 indivíduos, o que representa 3,77% do número total de óbitos
ocorridos no Brasil em 1990.
Geralmente o homem tem cinco vezes mais a chance de ter um infarto do miocárdio
que as mulheres. O risco feminino é mais alto a partir da menopausa e no caso e mulhe-
res que trabalham fora de casa.
Sendo o infarto do miocárdio uma situação patológica de alta letalidade, há uma
preocupação em se conhecerem os fatores determinantes de sua ocorrência. Sabe-se
que fatores de risco exógenos e endógenos, entre os quais os fatores hereditários, indu-
zem primeiro à aterogênese e posteriormente ao infarto do miocárdio.
Entre os fatores bioquímicos que levam ao aumento do risco de o indivíduo sofrer um
infarto no miocárdio, os mais importantes e conhecidos são o colesterol elevado, glicose
elevada e agregação plaquetária elevada.
O colesterol, em níveis elevados, é um dos fatores contribuintes para a formação de
ateromas, o que leva a complicações arterioscleróticas.
Diversos estudos epidemiológicos têm permitido observar que o risco de contrair
doenças cardíacas (para indivíduos com mais de 40 anos) com colesterolemia menor ou
igual a 2,10 g/l é três vezes menor que em indivíduos com mais de 2,30 g/l, e seis vezes
menor que em indivíduos com mais de 2,60 g/l.
O colesterol é geralmente dividido em frações, em que a HDL (lipoproteína de alta
densidade) é considerado como fator protetor, e a LDL e VLDL (lipoproteína de baixa
densidade e lipoproteína de muito baixa densidade) são consideradas como fator de risco
(Allain et al. 1974).
Os triglicérides formam a maior parte do peso do tecido adiposo, constituindo-se, desse
modo, numa potente forma de armazenamento de energia. O movimento dos ácidos graxos
no organismo ocorre com grande rapidez em resposta a vários estímulos (dieta, exercícios
físicos, stress, etc.). Por este motivo é de se esperar que os triglicérides (um dos mais
importantes veículos para o transporte dos ácidos graxos) variem também a sua concen-
tração em resposta a estes fatores fisiológicos. O equilíbrio desse mecanismo pode ser
alterado conduzindo a níveis anormais de triglicérides circulantes. A persistência dessa
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 1 7
condiçãopodelevaramuitaspatologias,taiscomodoençashepáticas,renais,hiperlipidemias
essenciais, etc. (Trinder, 1969).
Um caso que apresenta um grande interesse é o aumento de triglicérides em indiví-
duos obesos, o que pode levar a uma doença cardíaca. Por volta de 50% dos lipídeos das
lesões ateromatosas que ocorrem nas artérias coronárias são triglicérides. Uma grande
porcentagem de pacientes com infarto no miocárdio também exibe hipertriglicemia
(Trinder, 1969).
Os níveis plasmáticos de glicose são importantes porque refletem alterações na bio-
química celular em nível citoplasmático e mitocondrial, há interferência nos mecanismos
da síntese de colesterol e de sua auto-regulagem. As modificações osmóticas provavel-
mente afetam a parede vascular. Estes efeitos bioquímicos e físico-químicos fazem com
que quatro entre cinco diabéticos morram de alguma doença circulatória ou cardíaca.
O exame de agregação plaquetária tem grande importância na prevenção de doen-
ças do miocárdio, pois por meio dele é possível analisar se o comportamento agregante
das plaquetas na corrente sangüínea ocorre espontaneamente ou não, de forma exacer-
bada.
Para a formação de um ateroma é necessário que a placa na túnica íntima apresente
uma agregação central de células com origem nos macrófagos e nas células musculares
lisas (CML), algumas das quais podem ter morrido e liberado lipídeos extra-celulares e
resíduos celulares circundados por CML, e possivelmente por fibroblastos originados na
parede arterial. O ateroma em desenvolvimento foi relacionado a uma reação inflamató-
ria crônica, com células T ativadas, monócitos, macrófagos, células endoteliais, plaquetas
e CML. O IM pode ocorrer devido a um espasmo sobre a lesão ou ruptura de uma placa
e formação de um trombo que interrompe subitamente o fluxo de sangue; a adesão e
ativação plaquetária junto com a malha de fibrina contribuem para a formação do trombo.
Miocardiopatias
São as Doenças Cardíacas em que há comprometimento da função contrátil do mús-
culo cardíaco com modificação da geometria da contração. São todas as doenças do
coração de qualquer origem, exceto defeitos congênitos, doença valvular, doença vascular
sistêmica ou pulmonar, doença pericárdica isolada, doença isolada do tecido nodal ou de
condução e doença coronariana epicárdica em todas as suas formas, exceto em situa-
ções que resultam em disfunção secundária crônica e difusa do miocárdio.
A etiologia primária pode ser uma de várias condições ou a doença pode ocorrer na
ausência de qualquer processo patológico identificável. Lançando mão da anamnese,
exame físico, exames complementares não invasivos ou mesmo invasivos poderemos
determinar a etiologia. Quando não encontramos uma etiologia, a doença miocárdica é
considerada primária ou idiopática.
Estabelecemos uma classificação didática para o estudo das miocardiopatias em
Miocardiopatia congestiva dilatada, Miocardiopatia hipertrófica e Miocardiopatia restritiva.
Com relação à primeira, do ponto de vista etiológico, considerando aquelas etiologias que
nos interessem neste capítulo, destacamos: as isquêmicas, as relacionadas aos estados
metabólicos, as secundárias às drogas e toxinas, as neoplásicas, as que acompanham
distúrbios do tecido conjuntivo, dos distúrbios neurológicos e neuromusculares heredo-
familiares e, por último, as que ocorrem na gravidez.
2 1 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
A miocardiopatia hipertrófica apresenta como possível etiologia: neurofibromatose,
acromegalia, feocromocitoma e dominante autossômica hereditária. A miocardiopatia
restritiva apresenta: amiloidose sistêmica difusa, hemacromatose, fibrose encocárdica,
fibroelastose, doença de Löeffler, neoplasias e doença de Gaucher.
I)Miocardiopatia Congestiva Dilatada
A sua fisiopatologia está tanto na inflamação aguda como, mais freqüentemente, na
fibrose crônica e perda difusa de miócitos miocárdicos, dependendo da fase da doença;
em uma primeira fase há uma miocardite provavelmente por vírus, como uma reação
auto-imune, levando a uma dilatação. A geometria ventricular alterada leva a insuficiên-
cia funcional secundária mitral ou tricúspede e dilatação atrial. Caindo a fração de ejeção
(FE), o débito cardíaco se mantém às custas de aumento da freqüência cardíaca e
aumento do volume de enchimento diastólico que, por sua vez, aumenta a tensão sobre a
parede e o consumo de O2
pelo miocárdio.
Clinicamente se apresenta como dispnéia aos esforços, cansaço mais fácil, edema de
membros inferiores, êxtase jugular, sinais de hipertensão venosa pulmonar, podendo na
ausculta cardíaca encontrarmos alterações do ritmo e a presença de sopros. Com fre-
qüência há hepatomegalia e nos casos mais graves ascite e hipotrofia muscular esquelética.
O diagnóstico se estabelece a partir da análise da história, do exame físico e dos exames
subsidiários.
II) Miocardiopatia Hipertrófica
Trata-se de distúrbios congênitos ou adquiridos, caracterizados pela hipertrofia
ventricular acentuada na ausência de elevação da pós-carga, como na estenose valvular
aórtica, coartação da aorta ou hipertensão sistêmica. O músculo cardíaco é geralmen-
te anormal com desorganização celular e de miofibrilas. Mais freqüentemente o septo
ventricular se hipertrofia mais do que a parede livre do ventrículo esquerdo (hipertrofia
septal assimétrica). A hipertrofia congênita é autossômica dominante na hipertrofia
septal assimétrica, mas não em outras variedades. A principal conseqüência
fisiopatológica é o endurecimento com formação de uma câmara rígida, pouco com-
placente, geralmente o ventrículo esquerdo que compreende o enchimento diastólico,
acarretando aumento na pressão diastólica final que vai refletir em uma pressão maior
em nível pulmonar. Tonturas e síncopes induzidas por esforço podem ser conseqüên-
cia da resistência a saída do sangue do ventrículo esquerdo por um obstáculo que se
forma na sístole cardíaca, além da diminuição do período diastólico com aumento da
freqüência cardíaca.
As manifestações clínicas são dor torácica, síncope, palpitações, dispnéia de esforço
e morte súbita. Geralmente na ausculta cardíaca encontramos sopro sistólico ao nível do
3 e 4 EIE no rebordo esternal esquerdo. Com freqüência o ECG mostra padrões de
hipertrofia ventricular esquerda. Em geral o estudo radiológico mostra área cardíaca
normal; por meio do ecocardiograma de modo-M e bidimensional paredes ventriculares
espessadas podem ser observadas e medidas permitindo diferenciar as várias formas de
miocardiopatia hipertrófica. Deixamos a indicação de cateterismo cardíaco para os ca-
sos em que há possibilidade de indicação cirúrgica. O prognóstico é reservado, a morta-
lidade anual é de 4%.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 1 9
III) Miocardiopatias Restritivas
Neste grupo de miocardiopatia temos distúrbios que se caracterizam por paredes
ventriculares não complacentes de um ou dos dois ventrículos, mais comumente o es-
querdo resistindo ao enchimento diastólico. Sua etiologia em geral é desconhecida, é a
forma mais rara das miocardiopatias. Do ponto de vista fisiopatológico encontramos
espessamento do endocárdio ou infiltração miocárdica com perdas de miócitos, hipertrofia
compensatória e fibrose final. A principal conseqüência hemodinâmica destes estados
patológicos é a elevação da pressão de enchimento em uma câmara rígida e pouco
complacente. A função sistólica pode se deteriorar se os mecanismos de compensação
não forem adequados. Os sintomas são conseqüência da elevação da pressão diastólica
com aparecimento de hipertensão venosa pulmonar, dispnéia de esforço, ortopnéia e
edema periférico quando há envolvimento do ventrículo direito. O ECG habitualmente é
inespecífico, alterações da repolarização, algumas vezes ondas Q sem infarto prévio do
miocárdio, o ecocardiograma mostra função sistólica normal e permite analisar as condi-
ções do pericárdio e a presença ou não de algum tipo de hipertrofia. Geralmente são
necessários cateterismo cardíaco e biopsia miocárdica para um estudo completo e ade-
quado do paciente.
Neurologia
Jaime Newton Kelmann
Vasculopatias cerebrais oclusivas
Introdução
Os neurônios e a glia necessitam para o seu metabolismo ininterrupto de um supri-
mento de cerca de 150 mg de glicose e 72 litros de oxigênio para um período de 24 horas,
pois estas substâncias não podem ser armazenadas e a função cerebral só pode funcio-
nar por poucos minutos se elas forem reduzidas a um nível crítico. O sangue arterial
supre o tecido cerebral com os nutrientes necessários para o seu metabolismo e o san-
gue venoso remove os produtos tóxicos como o CO2, metabólitos ácidos e calor.
Cada contração do coração leva através da aorta ascendente cerca de 70 ml de
sangue, dos quais 15 ml são destinados ao cérebro. O cérebro adulto pesa aproximada-
mente 1.500 g, tendo um fluxo sanguíneo de 750 a 1.000ml de sangue por minuto. Deste
total, 350 ml fluem através da artéria carótida interna e 100 a 200 ml através do sistema
vertebro-basilar.
Considerações anatômicas
Cada hemisfério cerebral é suprido pela sua própria artéria carótida interna que é
originária da bifurcação da artéria carótida comum que se encontra na altura do angulo
2 2 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
da mandíbula ao lado da faringe e entra no crânio pelo canal carótido. As duas artérias
carótidas internas entram pelo seio cavernoso ao lado da sela túrcica. Após o seio temos
os ramos da artéria oftálmica, que se divide em dois ramos, as artérias cerebrais anteri-
ores e médias. Este sistema vascular supre os nervos ópticos e a retina, os lobos frontais,
parietais e parte do lobo temporal.
As artérias vertebrais e basilar funcionam como únicas. Cada artéria vertebral é
originária da artéria subclavia que vem através de um canal ósseo da vértebra cervical e
entra no crânio pelo forame magno, dando a artéria cerebelar postero-inferior e as arté-
rias espinais médias e anteriores. Na junção ponto medular, as duas artérias vertebrais
unem-se para formar a artéria basilar, que emite três grupos de ramos: as artérias
paramediana, circunferencial curta e circunferencial longa. O fim da artéria basilar no
nível do meio do tronco cerebral se divide em em duas artérias cerebrais posteriores que,
por sua vez, suprem a porção medial dos lobos temporais occipitais do cérebro. O siste-
ma vêrtebro-basilar supre a porção superior da medula espinal, o tronco cerebral, o
cerebelo, o tálamo óptico e os aparelhos auditivos e vestibulares.
Existem várias conexões entre os sistemas carotídeos e vêrtebro-basilares através
do circulo de Willis, através das artérias comunicantes anterior e posteriores. Esta rica
rede anastomótica protege o cérebro por algumas obstruções que possam acontecer.
Por exemplo, uma obstrução da artéria carótida interna no pescoço pode receber sangue
através da carótida externa, oftálmica e artéria interna intracraneana. Obstrução de
artéria vertebral pode receber sangue através da interconexão entre a carótida externa
e as artérias vertebrais distais. Uma obstrução na artéria cerebral média assintomática é
suprida pela interconexão entre os ramos distais da artéria cerebral posterior e a artéria
cerebral anterior.
As pequenas artérias e arteríolas que saem da superfície das artérias e penetram no
parênquima têm poucas conexões entre si. Quando uma destas fica obstruída, temos
uma isquemia ou infarte no tecido.
Estas pequenas artérias e arteríolas controlam o fluxo no cérebro. Os capilares ter-
minam próximos ao corpo celular dos neurônios, levando os nutrientes para as células.
Acredita-se que os astrócitos regulam o fluxo de nutrientes e metabólitos entre o corpo
celular e o sangue capilar.
Dentro deste sistema, somente as arteríolas têm um sistema de trocas do pCO2 e o
pO2 e respondem dramaticamente a agentes farmacológicos. Quando a pressão parcial
de dióxido de carbono do sangue arterial aumenta, as arteríolas se dilatam e o fluxo
sanguíneo cerebral aumenta. Quando o CO2 é reduzido, elas sofrem constrição e o fluxo
é diminuído. Mudancas na pressão parcial de oxigênio têm o efeito oposto, embora não
seja tão dramático.
Considerações etiológicas e patológicas
Doença cerebrovascular é uma desordem que envolve os vasos e o suprimento san-
guíneo do cérebro.
As alterações cerebrais que ocorrem são ocasionadas por um infarto ou hemorragia.
Isquemia e infarto-oclusivas
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 2 1
Quando o suprimento sanguíneo é interrompido por três segundos, desenvolve-se
uma isquemia e o metabolismo é alterado. Após um minuto, a função neuronal pode
cessar e após cinco minutos inicia-se uma anoxia tecidual que pode ser irreversível
levando a um infarto cerebral. Se o suprimento sanguíneo é restaurado durante o estágio
de isquemia, pode não haver danos.
ETIOLOGIA – Existem muitas causa de isquemia, incluindo oclusão por um trombo
ou um êmbolo na artéria. A isquemia ocorre quando os níveis pressóricos arteriais caem
a um patamar crítico. Isto também ocorre quando aumenta a viscosidade sanguínea
como a policitemia vera ou quando o nível de glicose e oxigênio é tão baixo que diminui
a atividade metabólica.
Meningite aguda ou crônica, encefalite ou arterite causadas pela sífilis podem causar
trombose em uma ou mais artérias cerebrais. Outras causas não-frequentes de infarto
são a tromboangeite obliterante, poliarterite nodosa e oclusão de veias de drenagem do
cérebro. As neoplasias ou edema podem comprimir os vasos cerebrais e prejudicar o
tecido nervoso. O espasmo das artérias cerebrais não é causa comum de isquemia, mas
ocorre nas síndromes enxaquecosas.
Os sinais e sintomas das lesões oclusivas dependem da circulação colateral de cada
paciente. A adequação dessa circulação depende de muitos fatores e do grau da obstru-
ção.
A causa mais comum de infarto são a arteriosclerose e o embolismo. Aterotrombose
é causada por um coágulo localizado em uma placa ulcerada da parede do vaso. O
coágulo propaga-se até a oclusão do lúmen ou por microêmbolos da parte distal das
artérias.
Placas arterioescleróticas podem desenvolver-se em qualquer ponto do sistema
carótido e vêrtebro-basilar; o lugar mais comum é o seio carotídeo, na junção da artéria
carótida interna com a carótida comum.
PATOLOGIA – Os passos da evolução de um infarto são:
1-vasodilatação local
2-estase da coluna sanguínea pela segmentação das hemácias
3-edema
4-necrose.
Embora os enfartos, em sua maioria, sejam pálidos, o infarto vermelho é ocasional-
mente produzido por uma hemorragia local no tecido necrótico. Esta hemorragia prova-
velmente ocorre quando o coágulo ou o êmbolo migram e fluem através da área infartada.
Se a interrupção é suficientemente prolongada, desenvolve-se o infarto, o tecido fica
amolecido, liquefeito e finalmente forma uma cavidade nas quais o debris é removido
pelos fagócitos da micróglia. Posteriormente a astróglia invade a área amolecida e novos
capilares são formados. Se a área é muito grande, a cavidade pode colabar ou no local
pode formar um cisto cheio de líquido.
Pequenos cistos de infartos ou lacunas são as causas mais comuns. Ocorrem no
gânglio basal, na cápsula interna, nas bases pontinas e, menos comum, no centro semioval
e cerebelo. Eles resultam da oclusão das artérias perfurantes causadas pelo dano que
uma pressão arterial elevada persistente proporciona.
2 2 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Embolismo
Embolismo cerebral é o termo usado para descrever a oclusão de uma artéria pelo
fragmento de um coágulo de sangue, tumor, gordura, ar, ou outra substância estranha. A
seqüência de eventos é parecida com a descrita para o enfarto, exceto pelo elemento
vasoespasma que pode ser suprimido. Os êmbolos, em sua maioria, são estéreis, mas
podem ocorreu nas endocardites bacterianas aguda e subaguda ou processo séptico no
pulmão que contenha bactéria. Como resultado podemos ter uma arterite, abscesso,
encefalite localizada ou meningite.
ETIOLOGIA – O embolismo pelo ar pode ser causado por traumas no pulmão ou
liberação de bolhas de nitrogênio na circulação geral seguida de uma rápida redução da
pressão barométrica. O embolismo gorduroso é associado a fraturas ósseas ou injúria
nos tecidos.
Nas crianças, o embolismo cerebral é comumente associado a doença valvular do
coração (reumática ou congênita), sobreposta por uma endocardite. Nos adultos, o
embolismo é comumente causado pela fibrilação atrial ou infarto do miocardio. Um
trombo no átrio esquerdo pode ser deslocado durante uma fibrilação ou após uma
cardioversão para restaurar o ritmo cardíaco. Após o infarto do miocárdio, a porção do
coágulo que forma pode chegar às artérias cerebrais.
A causa mais comum de ataques isquêmicos transitórios é o microembolismo das
placas arterioescleróticas das artérias que vão para o cérebro. Essas placas formam os
coágulos que podem ser quebrados ou ulcerados, colocando na circulação o seu conteú-
do de colesterol e cálcio.
PATOLOGIA – O tecido suprido por uma artéria embolizada fica isquêmico e, a
menos que o êmbolo se desintegre ou migre, o infarto pode virar hemorrágico. Exceto
nos casos em que o êmbolo contenha bactéria, as mudanças patológicas no tecido cere-
bral são as mesmas do infarto cerebral devido à aterotrombose. Se o êmbolo é séptico,
ele pode levar à formação de um aneurisma micótico que pode romper-se posteriormen-
te. O êmbolo cerebral é geralmente múltiplo e associado ao embolismo de vasos perifé-
ricos, como o infarto no pulmão, fígado, rins, e outras vísceras.
Considerações clínicas
Incidência
A doença cerebrovascular é a mais comum causa neurológica nos adultos, sendo
encontrada em 25% das autópsias realizadas. Choques que ocorrem nos estágios finais
das doenças cerebrovasculares são catastroficamente resultantes da arteriesclerose e
hipertensão. O AVC mata 275.000 e deixa com seqüelas cerca de 300.000 americanos
anualmente, sendo 30% abaixo de 65 anos de idade. A arterioesclerose cerebral repre-
senta 15% das admissões de doentes crônicos .
A freqüência de sintomáticos de doenças cérebro-vasculares depende em parte da
idade, sexo e localização geográfica. Cerca de 70% dos ictos são devidos a
ateromatrombose, 20% a hemorragia de vários tipos e 10% a embolismo. Todavia o
embolismo é mais freqüente em jovens e a hemorragia em negros. Coonseqüentemente,
a incidência de varias formas encontradas em hospitais depende da população local.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 2 3
Embora as lesões cérebro-vasculares ocorram em qualquer idade, em qualquer esta-
ção, em qualquer tempo, em ambos os sexos, em todas as raças, cada um destes fatores
afeta a incidência e a prevalência de varios tipos de doença cérebro-vascular. A hemor-
ragia cerebral e o infarto são incomuns antes dos 40 anos. A incidência de infarto é
maior entre 60 e 80 anos de idade e a hemorragia cerebral entre 40 e 70 anos de idade.
A incidência de embolismo cerebral e hemorragia cerebral primária é mais evidente na
quinta e sexta década. Icto é mais freqüente no frio que nos meses quentes.
Perfil da tendência do icto
O infarto cerebral não é uma ocorrência acidental. É um termo comumente usado,
sendo mais freqüentemente chamado de acidente vascular cerebral, mas isto é resultado
de uma cadeia de eventos que surgem antes que o episódio ocorra. Investigações
epidemiológicas identificam pessoas suceptíveis, que tenham fatores desencadeantes do
icto, os quais são previamente associados a fatores simples ou combinados. Os compo-
nentes conhecidos que mostram o perfil de tendência de icto são:
1-Ataque isquêmico transitório, previamente a um infarto cerebral;
2-Hipertensão;
3-Anormalidades cardíacas.
A-Anormalidades no ECG por hipertrofia do ventrículo esquerdo.
B-Infarto do miocárdio.
C-Disritmias cardíacas; particularmente a fibrilação atrial.
D-Evidência ao RX de aumento cardíaco; particularmente acompanhado por
alteração no ECG de hipertrofia do ventrículo esquerdo.
E-Insuficiência cardíaca congestiva.
4-Evidências clínicas de arterioesclerose.
A-Angina pectoris.
B-Claudicação intermitente nas pernas.
C-Sopros arteriais; especialmente quando o pulso carótido esta ausente.
5-Diabetes melitus ou evidência de aumento da taxa de glicose.
6-Elevação da taxa de lipídeos.
A-Colesterol; abaixo dos 40 anos.
B-Beta lipoprotenemia e possíveis triglicérides endógenos e pré beta lipoprotenemia.
Outras causas bem documentadas de possiveis fatores de risco de choque
trombótico:
1-Fumar cigarros
2-Eritrocitose
3-Gôta – hiperuricemia.
Sinais que antecedem o icto
Embora os vários tipos de doença cérebro-vascular difiram no modo de a
sintomatologia e o curso clínico aparecem, é difícil encontrar o modo que determina o
grau de lesão.
Pacientes com doença cérebro-vascular são geralmente assintomáticos antes que a
desordem apareça de uma só vez – icto. Sinais que antecedem o choque são infreqüente.
Quando ocorrem são inespecíficos.
2 2 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Sinais focais que antecedem o icto, quando presentes, são um presságio de que vai
ocorrer um infarto ou uma hemorragia. Em um terço dos casos, ataques isquêmicos
transitórios causam afasia, parestesia, alteração nos campos visuais, ou parestesias em
um lado do corpo antes do déficit permanente.Um aneurisma pode comprimir um nervo
craneano e causar sinais focais por semanas e meses antes que se rompa.
As seguintes informações devem ser obtidas do paciente ou da família em todos os
casos de fatos premonitórios:
1-Convulsões
2-Irregularidades cardíacas
3-Dor de cabeça
4-Distúrbios visuais
5-Distúrbios auditivos
6-Alterações mentais
7-Fatores precipitantes-TCE-hematoma subdural, etc.
8-Fatores predisponentes
9-História pregressa
10-História familiar.
Início
Na maioria dos casos, os sintomas do episódio cérebro-vascular são abruptos e
aparecem com a máxima intensidade em poucos minutos ou horas. Estes sintomas
podem ser focais ou generalizados. Desde um sintoma neurológico focal, paralisia,
perda da sensibilidade, alterações na fala, etc. são relatadas como o local em que
ocorreu o infarto ou a hemorragia e as correlacionamos com a provável síndroma de
varias artérias cerebrais. Sintomas generalizados, que incluem cefaléia, vomitos, con-
vulsões e coma, são mais comuns nos pacientes com hemorragia intracerebral e sub-
aracnoidea. Em muitos casos a confusão, desorientação e perda da memória são tam-
bém presentes durante o período imediato do icto. São relatados como disturbios da
função cerebral e associados com doença cérebro-vascular generalizada.
Curso
O curso da doença depende do tipo e da extensão da lesão e da presença ou ausência
de outros fatores complicantes. A mortalidade é cerca de 80% nos casos seguidos de
hemorragia cerebral, cerca de 50% nos casos de hemorragia subaracnoidea e cerca de
30% na oclusão de vasos por um trombo. Quando existem pequenos vasos no local do
trombo ou do embolo, o paciente geralmente vive, a menos que ocorram complicações.
Em casos graves, podemos ter uma sobrevida de poucas horas a muitos meses.
Como exceção, temos a ruptura de um aneurisma grande que pode causar a morte em
alguns minutos. Ocasionalmente, o paciente com hemorragia cerebral pode sobreviver.
A morte em menos de 24 horas é rara em pacientes que apresentaram embolia ou
infarto cerebral, se ocorrer será muitos dias ou semanas após o icto.
Os sintomas focais neurológicos em caso de hemorragia cerebral, com pouca exce-
ções, são mais severos logo no início da doença.Uma pequena porcentagem aumenta a
severidade e a extensão em um periodo de poucas horas e pode ser explicado pelo aumen-
to da hemorragia. A progressão dos sinais neurológicos focais é incomum em pacientes
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 2 5
com infarto ou embolismo cerebral. Quando isto ocorre pode ser explicado devido ao
envolvimento independente de outros vasos na propagação do trombo do ponto original
para outro ramo, trombosando o vaso. Em pacientes com trombose da artéria basilar e
cerebelar póstero-inferior a progressão da sintomatologia neurológica pode ocorrer num
periodo de poucas horas ou dias.
Os sintomas que geralmente são produzidos pelo choque são mais intensos após o
icto, podendo levar ao coma profundo e à morte. Em casos fatais, o estágio terminal da
doença é caracterizado por aumento da temperatura, pulso e alteração respiratória e
declínio progressivo do nível de consciência.
Prognóstico
O prognóstico quanto ao retorno da função não pode ser previsto quanto ao grau
durante os primeiros dias ou semanas após o choque. Na maioria dos casos não fatais
também não poderemos opinar quanto ao prognóstico. Alguns atributos transitórios
são sintomas no caso de espasmo cérebro-vascular, mas a mais provável explicação é
transitória associada à isquemia cerebral com microembolismo ou vaso-espasmo. Mas,
comumente, a melhora tem lugar vagarosamente e o paciente fica com alguma seqüe-
la residual, como dificuldade para deambular, usar suas mãos ou falar. Em alguns
pacientes não encontramos melhora.
Metade dos pacientes que sobrevivem ao choque fica inválida e sujeita ao perigo de
recorrência em semanas, meses ou anos. Metade dos pacientes que sofreram infarto
cerebral pode eventualmente morrer de doença cardíaca.
Em pacientes idosos, com arterioesclerose generalizada, o curso pode ocorrer com a
presença de muitas pequenas lesões cérebro-vasculares chamadas de lacunas, que po-
dem produzir sintomas mínimos e sinais como torpor, tontura, cãibra e disartria.
Prevenção do choque
Devemos ficar cientes dos fatores que predispõem ao choque; a profilaxia pode ser
usada para identificar a pessoa que tem a probabilidade de ter um choque e podem-se
instituir medidas preventivas. A primeira e mais destacada é a que tem história de hiper-
tensão, hiperlipoproteinemia, diabetes melitus, doença coronariana em parentes da famí-
lia.
Em adição à suscibilidade genética, existem vários fatores como o nível excessivo de
colesterol e gorduras, fumar cigarros e presença de estresse crônico e prolongado con-
flito emocional.
A hipertensão arterial é a mais importante causa, quando determinada por um au-
mento crônico das pressões sistólicas e diastólicas, o risco de choque é grande. O au-
mento abrupto da pressão arterial apresenta um grande risco. É essencial que os pacien-
tes hipertensos controlem sua pressão.
Tratamento
A terapia deve ser dividida em duas partes. A primeira fase é ligada diretamente a
salvar a vida do paciente e a segunda será a reabilitação.
Epilepsia
2 2 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Conceito
Não existe uma definição completamente satisfatória de epilepsia. Trata-se, geral-
mente, de uma condição crônica, compreendendo um grupo de doenças que têm em
comum crises epilépticas que recorrem na ausência de doença tóxico-metabólica ou
febril.
Crises epilépticas são eventos clínicos que refletem disfunção temporária de uma
pequena parte do cerebro (crises focais) ou de área mais extensa envolvendo os dois
hemisférios cerebrais (crises generalizadas). A crise epiléptica é causada por descarga
anormal excessiva e transitória das células nervosas. Os sintomas de uma crise depen-
dem das partes do cérebro envolvidas na disfunção.
Crises epilépticas são sintomas comuns de doenças neurológicas agudas:
meningoencefalite, trauma cranioencefálico, doenças cérebro-vasculares.
Ou doenças clínicas: anóxia, estado hipoglicêmico não cetótico, insuficiência renal,
hepática.
Uma das primeiras descrições registradas de um paciente com epilepsia pode ser
encontrada em um texto de Acádico de 2000 a.C., o qual fornece uma descrição de um
episódio convulsivo. No passado acreditava-se que a epilepsia fosse uma manifestação
de espíritos do mal ou uma expressão do descontentamento divino. Dois pesquisadores
são considerados os introdutores dos conceitos modernos da epilepsia: Jackson Hughlings,
que caracterizou uma crise como uma descarga elétrica excessiva, súbita na substância
cinzenta, e Growers, que contribuiu para enriquecer os dados sobre as características
clínicas das várias formas de epilepsia, sendo um dos primeiros a levantar questões
relativas ao tratamento e prognóstico.
Diagnóstico
O primeiro passo no diagnóstico é definir, pela anamnese, se os episódios realmente
são epilépticos e então tentar identificar a causa.
O processo para o diagnóstico das crises epilépticas geralmente depende da decrição
pormenorizada das crises pelo paciente, por parente ou testemunha. A história deve
incluir a descrição dos sintomas prodrômicos ou iniciais “aura ou crise parcial”, as mani-
festações críticas e os sintomas ou sinais pós-íctais. A maior dificuldade pode ocorrer
nas primeiras crises. Quando várias crises já ocorreram, de modo geral, os dados podem
ser verificados por vários informantes ou situações distintas.
Obter informações precisas sobre a ocorrência dos eventos é fundamental no pro-
cesso diagnóstico. Devem-se incluir na documentação do episódio fatores precipitantes,
ocorrência de aura ou aviso, áreas do corpo inicialmente afetadas, progressão da ativi-
dade e sua evolução, duração da crise e momento de ocorrência no dia.
Devem ser observados os movimentos involuntários ou automatismos, tais como es-
talar os lábios, mastigação ou careta, movimentos oculares, alteração da consciência,
liberação esfincteriana, apnéia, cianose, quedas, mudança no comportamento, confusão
mental, mordedura de língua ou traumatismo, automatismo ou movimentos involuntários
com os membros, déficits focais transitórios durante e após a crise, apatia, disturbio de
linguagem e cefaléia.
O médico que inicialmente atende o paciente deve obter a maior quantidade possível
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 2 7
de dados. O paciente deve ter tempo e ser estimulado a falar espontaneamente sobre a
descrição dos sintomas e sinais e, posteriomente, ser intensamente interrogado.
O exame físico geral deve ser dirigido para sinais de doenças específicas ou
malformações que causam epilepsias, tais como alterações cutâneas, como manchas
café com leite, que são associadas a manchas cor-de-vinho-do-porto com sindrome de
Stuge-Weber, adenoma sebáceo facial com assimetria de face e membros que sugere
lesão lateralizada e auscuta de sopro craneano que aponta para doenças vasculares.
O exame neurológico convencional é geralmente normal em pacientes com epilepsia.
A presença de anormalidades sugere que as crises são secundárias e a doença cerebral
orgânica.
Epidemiologia - incidência e prevalência
A incidência de uma doença é a taxa de ocorrência de casos novos em uma popula-
ção definida. Em uma doença crônica com baixo índice de mortalidade, a taxa de
prevalência será consideravelmente mais elevada do que a incidência. Estudos mundiais
da incidência de epilepsia mostram uma ampla faixa de variação de 11/100.000 a 134/
100.000.
A prevalência de uma doença é o numero de todos os casos de uma doença em uma
população definida. Como verificado com relação à incidência, as taxas referidas vari-
am amplamente de 1,5/1000 a 31/1000.
Os dados de freqüência de epilepsia são muito variáveis. Esta variação é explicada
pelas dificuldades metodológicas, que vão desde as definições adotadas de epilepsia até
a fonte de obtenção dos dados.
A taxa de incidência varia de 11 a 131/100.000 por ano e a prevalência de 1,5 a 30/
1000.000 a sexta.
Marino et al. encontraram prevalência na grande São Paulo de 11,9/1000. Mais re-
centemente, Fernandes et al. determinaram uma prevalência de 16,5 a 20,3/1000, res-
pectivamente para epilepsia ativa e inativa em Porto Alegre.
A faixa etária mais acometida é a infantil, particularmente abaixo de 2 anos de idade
e, em segundo lugar, idosos com mais de 65 anos. Apresenta uma dominância nos ho-
mens em relação as mulheres (1,1 a 1,7 vezes).
A tendência nos países desenvolvidos é a de que a freqüência das crises diminua nas
crianças e aumente na população idosa.
Prognóstico
O estabelecimento do prognóstico é importante, tanto para planejar um tratamento
racional como para a verificação dos fatores preditores dos resultados. Numerosos pon-
tos podem ser examinados ao se verificar o prognóstico da epilepsia e estes incluem: o
risco de recorrência após a primeira crise, as chances de remissão após mais de uma
crise, as chances de recorrência quando deveria ocorrer remissão e a perspectiva de
aumento de mortalidade.
Recorrência de crises após a primeira crise não-febril
Constituem aspectos importantes no prognóstico. Eles influenciarão a conduta a ser
tomada com um paciente visto após uma crise única e permitirão a verificação do efeito
2 2 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
de uma intervenção precoce.
TAXA DE RECORRÊNCIA – Em estudos publicados, foram verificadas taxas de
risco de recorrência variáveis, de 16-81%, após uma convulsão única não febril. Esta
variação pode ser explicada principalmente por diferenças metodológicas. Taxas de
recorrência baixas tendem a ser referidas em estudos retrospectivos e em estudos que
incluíram pacientes atendidos em hospital ou que não incluíram pacientes antes da
ocorrência de uma segunda crise. Isto ocorre a despeito do fato que pacientes atendi-
dos em hospital deveriam ter taixas mais elevadas de recorrência devido à gravidade
de suas crises ou à etiologia sintomática.
FATORES QUE INFLUENCIAM A TAXA DE RECORRÊNCIA – A maioria dos
estudos tem mostrado um risco de recorrência mais elevado após uma crise com uma
causa identificável, tal como um tumor ou acidente vascular; foi encontrado uma taxa de
recorrência de 77% até 5 anos, comparada com 45% para crises idiopáticas. Outros
fatores preditivos de taxa de recorrência mais elevada são os déficits neurológicos ao
nascimento, idade abaixo de 16 anos e acima de 65 anos e crises parciais. Pacientes
com descargas generalizadas de espículas no eletroencefalograma também apresentam
maiores taxas de recorrência.
EFEITOS DO TRATAMENTO COM DROGA ANTIEPILÉPTICA APÓS UMA
CRISE INICIAL – Em estudos descritivos, pacientes com crises graves serão mais
provavelmente tratados. Deste modo, tanto Hauser et al. como Hirtz et al. encontraram
que o tratamento não afetava o risco de recorrência, embora outros estudos descritivos
tenham mostrado que o risco de recorrência é mais baixo em pacientes tratados. Um
estudo de pacientes tratados ao acaso também mostrou que o risco de uma segunda
crise foi 2,8 vezes mais elevado no grupo não tratado, mas estes resultados encorajadores
precisam ser confirmados.
REMISSÃO – Define-se remissão como o período livre de crises em um paciente
que tenha apresentado previamente mais de uma crise. Esta pode ser permanente ou
temporária. Growers, no Hospital Nacional de Doenças Nervosas, foi o primeiro a exa-
minar sistematicamente o prognóstico da epilepsia. Ele notou que o desaparecimento da
crise é um evento muito raro para ser antecipado e que cada crise facilita o aparecimen-
to de outra. Em 1968, Rodin acompanhou 222 pacientes de sua clínica no EUA e encon-
trou que as chances de alcançar remissão eram de menos de 20%. Ele repetiu a impres-
são de Growers em sua descrição de epilepsia como uma condição crônica caracteriza-
da pela tendência a recorrência das crises.
TAXAS GERAIS DE ESTUDOS BASEADOS EM POPULAÇÕES HOSPITA-
LARES – No Japão foi feito um estudo em 20 instituições neurológicas entre 1964 e
1974 e encontrou-se uma taxa de remissão de 58%.
Num estudo semelhante realizado na Dinamarca os valores variavam de 47% para
pacientes com epilepsia generalizada primária a 28% para pacientes com crises parciais
complexas.
Um estudo prospectivo multicêntrico, realizado na Italia, analisou uma população de
pacientes com epilepsia recente vistos em hospitais, envolvendo tanto adulto como crian-
ças com todas as variedades de epilepsia. Destes, 81% foram seguidos por 2 anos e 28,9%
por 5 anos. 77% dos pacientes tiveram uma remissão de 1 ano em alguma época do
seguimento e 70% tiveram uma remissão terminal de 1 ano, 78% tinham tido uma remissão
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 2 9
de 3 anos em alguma época até o termino de 5 anos.
TAXAS GERAIS DE ESTUDOS POPULACIONAIS – Em 1975 Hauser e Kurland
nos EUA relataram o prognóstico de 516 pacientes atendidos na Clinica Mayo, entre
1935 e 1967. Dez anos após o diagnóstico, 40% tiveram uma remissão terminal de 2
anos, esta taxa elevou-se para 49% em 15 anos e para 55% aos 20 anos. O relato mais
recente analisou 306 pacientes diagnosticados até 1978. Neste estudo, a probabilidade
de alcançar, após 20 anos, um período livre de crises de 5 anos, foi de 75%.
FATORES QUE INFLUENCIAM A REMISSÃO – Epilepsia não é uma doença
individual, mas a expressão clínica de grande numero de diferentes desordens cerebrais.
Assim, o conceito de prognóstico para uma criança com epilepsia rolândica benigna é
melhor do que um paciente com uma condição neurológica degenerativa progressiva.
Os fatores que afetam o prognóstico para diferentes tipos de pacientes com epilepsia
apresentam provavelmente maior interesse do que as taxas de remissão como um todo.
IDADE E SEXO – A maioria dos estudos tem mostrado que a juventude é um fator
preditor de melhor prognóstico, embora isto não tenha sido sempre confirmado. Do pon-
to de vista neurobiológico, seria surpreendente se o sexo tivesse qualquer efeito no prog-
nóstico da epilepsia. Contudo Hauser e Kurland encontraram uma taxa de remissão
terminal de 2 anos discretamente melhor em homens do que em mulheres, embora esta
diferença não tenha sido estatisticamente significante.
TIPO DE CRISE – Não tem relação significativa sobre o prognóstico para a remis-
são das crises.
ETIOLOGIA – É de importância fundamental para determinar o prognóstico. Embo-
ra pudesse ser esperado que quando a epilepsia é associada a uma causa focal o prog-
nóstico seria pior, isto ainda não foi conclusivamente substanciado. Os estudos de
Rochester não foram capazes de indentificar pacientes com causas conhecidas de sua
curva de remissão, possivelmente porque tais casos são prontamente divididos naqueles
com causas letais e nos benignos ou causas tratadas com sucesso e bom prognóstico.
RETIRADA DE DROGAS – Embora 80% dos pacientes com epilepsia que iniciam
tratamento com drogas antiepilépticas (DAE) entrem em remissão, esta porcentagem
pode refletir a história natural de certos tipos de epilepsia, ao invés de qualquer efeito
benéfico direto ao tratamento. Como a maioria dos pacientes entra em remissão mantida,
com a continuação do tratamento há riscos decorrentes dos efeitos colaterais associa-
dos a DAE. A retirada das droogas é então uma opção razoável e ética para pacientes
que se encontrem livres de crises após certo periodo de tempo. O efeito da retirada de
drogas é também importante para o paciente, que freqüentemente considera cura como
liberdade do tratamento medicamentoso e das crises.
MORTALIDADE – A epilepsia pode representar uma condição com risco de vida e
a taxa de mortalidade em pacientes epilepticos é de duas a três vezes superior à espera-
da na população geral.
Classificação das crises epilépticas e das epilepsias
As crises são classificadas de acordo com esquema proposto pela Internacional League
Against Epilepsy (ILAE) em 1981.
TABELA I – CLASSIFICAÇÃO DAS CRISES EPILÉPTICAS
2 3 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
1. CRISES PARCIAIS (ou focais ou locais)
Crises parciais simples (CPS)-(consciência preservada)
com sinais motores
com sinais sensitivos somatosensoriais ou especiais
com sinais ou sintomas autonômicos
com sintomas psíquicos
Crises parciais complexas(CPC)-(consciência alterada)
Inicio de crise parcial simples seguida por alteração na consciência
Alteração de consciência no início
Secundariamente generalizadas
CPS evoluindo para crises tônico-clônicas generalizadas (CTCG)
CPC evoluindo para CTCG
CPS evoluindo para CPC e então para CTCG
2.CRISES GENERALIZADAS (desde o início)
crises tônico-clônicas generalizadas
crises de ausência
crises de ausência atípicas
crises mioclônicas
crises tônicas
crises clônicas
crises atônicas
3.CRISES NÃO CLASSIFICÁVEIS
Para a classificação das crises epilépticas, a consciência é entendida como a capaci-
dade de responsividade e de percepção consciente. Quando estas estão alteradas, diz-se
que há comprometimento da consciência.
O que distingue a crise parcial simples da complexa é o comprometimento da consci-
ência na última.
A Classificação das Epilepsias e Síndromes Epilépticas proposta pela ILAE em 1989
(Tabela II) é baseada nas semelhanças em relação ao tipo de crises, idade de início,
sinais clínicos ou neurológicos associados, história familiar, achados eletroencefalográficos
e prognóstico. A maioria das síndromes epilépticas, entretanto, não tem necessariamen-
te causas comuns.
Nos últimos anos, o vídeo-EEG e o conhecimento da história natural das muitas for-
mas clínicas têm permitido uma visão terapêutica e prognóstica muito mais acurada,
como pode ser compreendido com os estudos de determinadas síndromes e subsíndromes.
TABELA II – CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DAS EPILEPSIAS E
SÍNDROMES EPILÉPTICAS E CONDIÇÕES RELACIONADAS
1. SÍNDROMES E EPILEPSIAS LOCALIZADAS (locais, focais, parciais)
1.1.IDIOPÁTICA (início relacionado à idade)
Epilepsia Benigna da Infância com Espículas Centro-Temporais
Epilepsia da Infância com Paroxismos Occipitais
Epilepsia Primária da Leitura
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 3 1
1.2. SINTOMÁTICA
Epilepsia Parcial Contínua Progressiva Crônica
Síndromes c/ Crises c/ Quadros Específicos de Manifestação
- Epilepsia Lobo Temporal
- Epilepsia Lobo Frontal
- Epilepsia Lobo Parietal
- Epilepsia Lobo Occipital
1.3. CRIPTOGÊNICAS
2. SÍNDROMES E EPILEPSIAS GENERALIZADAS
2.1. IDIOPÁTICA (início relacionado à idade)
Convulsão Familiar Neonatal Benigna
Convulsão Neonatal Benigna
Epilepsia Mioclônica Benigna do Lactente
Epilepsia Ausência da Infância
Epilepsia Ausência Juvenil
Epilepsia Mioclônica Juvenil
Epilepsia com Crises Tônico-Clônicas ao Despertar
Outras Epilepsias Idiopáticas Generalizadas
Epilepsias Desencadeadas por Modos Específicos de Ativação
2.2. CRIPTOGÊNICA OU SINTOMÁTICA
Síndrome de West
Síndrome de Lennox-Gastaut
Epilepsia com Crises Mioclônico-astáticas
Epilepsia com Ausências Mioclônicas
2.3. SINTOMÁTICAS
2.3.1. Etiologia inespecífica
Encefalopatia Mioclônica Precoce
Encefalopatia Epiléptica Infantil Precoce com Surto-supressão
Outras Epilepsia Generalizadas Sintomáticas
2.3.2. Síndromes específicas
Crises Epilépticas Complicando Outras Doenças
3. SÍNDROMES E EPILEPSIAS INDETERMINADAS SE FOCAIS OU GENE-
RALIZADAS
3.1. COM CRISES FOCAIS E GENERALIZADAS
Crises Neonatais
Epilepsia Mioclônica Severa do Lactente
Epilepsia com Espícula-onda Lenta Contínua Durante Sono Lento
Afasia Epiléptica Adquirida
Outras Epilepsias Indeterminadas
3.2. SEM CRISES INEQUÍVOCAS FOCAIS OU GENERALIZADAS
2 3 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
4. SÍNDROMES ESPECIAIS
4.1. CRISES CIRCUNSTANCIAIS
Convulsões Febris
Crises Isoladas ou Estado de Mal Isolado
Crises Ocorrendo Somente em Evento Tóxico ou Metabólico
As principais características clínicas que permitem localizar a origem das epilepsias loca-
lizadas sintomáticas ou criptogênicas podem ser esquematizadas na Tabela III.
TABELA III : PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DAS CRISES COM
RELAÇÃO À LOCALIZAÇÃO NOS LOBOS
Crises de Lobo Frontal: CPS±CPC±CTCG
Movimentos adversivos da cabeça, manifestações motoras proeminentes, particular-
mente nas pernas. Crises freqüentes (muitas ao dia), com duração de segundos. Apesar
da alteração de consciência há pouca confusão pós-crítica.
Crises de Lobo Parietal: CPS±CTCG
Sintomas sensitivos e motores (com marcha jacksoniana). Algumas vezes com sen-
sações dolorosas.
Crises de Lobo Temporal: CPC±CTCG
Sensação epigástrica, alucinações olfatórias ou gustativas, dèjá vu, jamais vu,
automatismos alimentares, alucinações visuais e confusão pós-ictal proeminente.
Crise de Lobo Occipital: CPS±CTCG
Fenômenos visuais simples: brilho, relâmpago, pisca-pisca, clarão.
A epilepsia do lobo temporal vem sendo reconhecida como uma síndrome especifica
devido à sua alta prevalência e a freqüente refratariedade ao tratamento medicamentoso.
Geralmente inicia-se na infância, embora possa aparecer em qualquer idade. Alterações
eletroencéfalograficas, com descargas epileptiformes uni ou bilateralmente na região
temporal anterior e início ictal no eletrodo esfenoidal, são caracteristicas da síndrome,
apesar de não ocorrerem em todos os pacientes.
Os pacientes geralmente têm exame neurológico normal, exceto com déficit de me-
mória recente, observado na maioria dos indivíduos controlados.
Observam-se exames radiodiagnósticos normais ou evidência de alteração na RM
sugestivas de esclerose mesial, hipometabolismo no SPECT interictal e hipermetabolismo
ictal na região temporal, e evidência de disfunção uni ou bilateral na avaliação
neuropsicológica. Os pacientes podem ter história familiar de epelepsia e antecedentes
de convulsão febril prolongada na infância.
Diagnóstico diferencial
Distúrbios episódicos ou paroxísticos podem simular crises epilépticas.
Crises refratárias ao tratamento, quando acompanhadas de função cognitiva e EEG
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 3 3
normais, podem necessitar de uma reavaliação diagnóstica.
A possibilidade de outras condições não epilépticas deve ser considerada, tais como:
enxaqueca, pseudocrise, síncope, hiperventilação, perda de fôlego, distúrbio do sono,
tique, ataque de raiva (síndrome do descontrole episódico) e refluxo gastroesofágico.
Etiologia
Aproximadamente 70% dos pacientes têm epilepsias idiopáticas ou criptogênicas.
Assim em 30% dos pacientes, quando bem investigados, podemos determinar a etiologia.
Quase todas as doenças que atingem a substância cinzenta, muitas da substância
branca (doença metabólica) e inúmeras doenças sistêmicas podem causar crises epilép-
ticas. Três fatores causais podem estar envolvidos: predisposição individual, presença de
lesão epileptogênica cerebral (local ou generalizada) e alterações bioquímicas ou elétri-
cas cerebrais.
As causas das crises podem ser divididas em dois grupos: agudas ou remotas.
As causas agudas variam com a faixa etária. Entre as causas podemos citar: fatores
genéticos e perinatais, doenças infecciosas, fatores tóxicos, trauma ou agentes físicos,
distúrbios vasculares, metabólicos e nutricionais, doenças degenerativas e
heredofamiliares. No nosso meio, a causa mais freqüente é a neurocisticercose.
Eletroencefalograma
Mesmo com o avanço da neuroimagem, o EEG ainda é o exame de maior sensibilida-
de na avaliação das epilepsias. O EEG interictal tem a finalidade de: a) confirmar o
diagnóstico clínico, b) ajudar na classificação das crises e das síndromes epiléptica, c)
fornecer informação prognóstica. Um primeiro EEG pode ser normal em 30 a 40% dos
pacientes epilépticos, sendo mais usado no seguimento de pacientes epilépticos crônicos,
mas neste caso não está bem estabelecido.
Tratamento medicamentoso
O tratamento medicamentoso das epilepsias é aceito como tratamento sintomático,
isto é, visa primáriamente ao controle das crises epilépticas.
A seleção das drogas antiepilépticas é baseada, primariamente, na sua eficácia para
tipos específicos de crises de epilepsia.
Imagem e cirurgia
A ressonância magnética tem provocado verdadeira revolução no esclarecimento
etiológico das epilepsias, identificando alterações estruturais passíveis de remoção, tais
como lesões atróficas, displásicas ou neoplásicas. Os resultados cirúrgicos têm sido
particularmente excelentes quando estas lesões ocorrem no lobo temporal.
Estigma
A palavra epilepsia ainda provoca rejeição de pacientes e até de determinados médi-
cos. Disritmia, termo inadequado, cada vez menos é utilizado como sinônimo de epilep-
sia. Muitas vezes reflete o preconceito do próprio médico em relação às epilepsias.
O esclarecimento para o paciente e para a família, da condição crônica e da impor-
tância da adêrencia ao tratamento, é fundamental.
2 3 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Epilepsia na infância
É na infância que encontramos a maior quantidade de pessoas que apresentaram
episódios convulsivos. Temos as crises neonatais, as convulsões febris e as chamadas
de epilepsia benigna na infância e as graves da infância.
Convulsão febril
Convulsão febril (CF) é um evento próprio da infância, geralmente ocorrendo entre 3
meses e 5 anos de idade, associado à febre, mas sem evidência de infecção intracraneana
ou com outra causa definida. São excluídas da definição aquelas crianças que tiveram
convulsões afebris previamente. CF deve ser distinguida de epilepsia, que se caracteriza
por crises afebris recorrentes.
O baixo limiar da córtex em desenvolvimento, a suceptibilidade da criança a infec-
ções, a propensão alta e o componente genético afetando o limiar convulsígeno são
fatores que se combinam e justificam porque a CF é um fenômeno da primeira infância
e é sobrepujado com o crescimento.
CF pode ser simples: se a crise for generalizada, com duração inferior a 15 minutos,
não recorrer em 24 horas e não apresentar anormalidade neurológicas pós-ictal, ou com-
plexa se a crise for focal ou durar mais do que 15 minutos ou recorrer em 24 horas.
A incidência de CF na população febril varia de 1% na China, 8% no Japão, 14% em
Guam, 2 a 4% na Europa e EUA, e 4% no Brasil.
O prognóstico a longo prazo é favorável. Em crianças acompanhadas até 7 anos de
idade não foram observados óbitos ou seqüelas motoras ou aumento do prejuízo intelec-
tual.
Cerca de um terço das crianças que tiveram CF terão uma ou mais CFs recorrentes.
Consideram-se os principais fatores preditivos de recorrência: a idade em que ocorre a
primeira crise (menor de 18 meses), a presença de história familiar positiva para convul-
sões, a duração de febre alta antes da CF inicial e a temperatura durante a CF. A história
familiar positiva para CF significa similar convulsígeno à febre geneticamente determi-
nado e, como este limiar é mais baixo, o início do quadro é precoce e a curta duração da
febre (muitas vezes com temperaturas não são altas) pode desencadear a crise.
O risco global de epilepsia seguido à CF é bastante baixo e variável segundo o
estudo e o tempo de seguimento. O risco de epilepsia nestes pacientes foi de 1,5% na
idade de 7 anos. Os seguintes fatores são de risco para a epilepsia: história familiar de
epilepsia, anormalidades neurológicas e complexa. Se nenhum fator estiver presente,
o risco será de 1%. Quando apenas um só fator estiver presente, o risco será de 2%.
Do pequeno grupo de alto risco com dois ou mais fatores presentes (6% da casuística),
10% das crianças desenvolveram epilepsia.
Alguns autores acreditam que o melhor tratamento para crianças que tiveram a
primeira CF não é a prescrição medicamentosa, mas sim, a conversa com os pais,
procurando informá-los e acalmá-los, assegurando-lhes que a grande maioria das
CFs são únicas, não causam dano físico e não necessitam de tratamento.
O maior benefício do tratamento da CF é a prevenção de futuras CFs. Não há qual-
quer evidência de que o tratamento prolongado com anticonvulsivantes previna o desen-
volvimento de posterior epilepsia.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 3 5
Crises neonatais
O período neonatal é limitado, convencionalmente, às quatro primeiras semanas de
vida e as crises convulsivas, relativamente freqüentes nesse período, constituem mani-
festações de anormalidade cerebral, estando associadas a alto risco de mortalidade ou a
seqüelas neurológicas permanentes. O prognóstico está relacionado à etiologia das cri-
ses, aos fatores perinatais e às condições associadas à evolução clínica neurológica. A
incidência varia de 1,5 a 14/1.000 nascidos vivos em função não somente do diagnóstico
clínico como da idade gestacional do récem-nascido (RN).
As manifestações clínicas das convulsões neonatais constituem-se não somente de
movimentos clônicos fragmentários, abalos mioclônicos, extensão tônica, espasmos
posturais, como também de crises sutis caracterizadas por períodos breves de apnéia,
choro súbito anormal, desvio tônico do olhar, alterações vasomotoras e movimentos de
sucção ou deglutição que ocorrem isolados ou associados a outras manifestaçõoes epi-
lépticas. As alterações clínicas associam-se ou não a padrões eletrográficos ictais ca-
racterísticos no RN a termo e pré-termo. Dessa maneira, anormalidades críticas típicas
ou atípicas e os registros poligráficos obtidos por ocasião das descargas estão relaciona-
dos ao desenvolvimento neuro-anatômico e fisiológico do cerebro, estando os neurônios,
prolongamentos axonais e comissuras, em início de desenvolvimento.
Nas crises neonatais as manifestações críticas podem ou não estar associadas à
alteração no EEG e apresentam a classificação a seguir:
1. Crises associadas à alteração no EEG:
a) Focal clônica
b) Mioclônica
c) Focal tônica
d) Apnéia
2. Crises sem alterações consistentes no EEG ou não relacionadas:
a) Automatismo motor: movimentos oro-linguais, oculares, pedalagem, rotatórios dos
braços ou movimentos complexos;
b) Generalizada tônica: em extensão, flexão ou mista;
c) Mioclônicas: generalizada, focal e fragmentária.
3. Espasmos infantis.
4. Crises eletroencefalográficas sem manifestação clínica.
As descargas no EEG permanecem localizadas, sendo sua propagação lenta, rara-
mente sincrônica bilateral, variável em voltagem e freqüência, possibilitando a detecção
de alterações na freqüência cardíaca e respiratória antecedendo a descarga elétrica
encefálica anormal.
As convulsões neonatais podem ser secundárias a multiplas causas, todavia as prin-
cipais são: trauma de parto, anóxia, anormalidades congênitas, metabólicas gerais, infec-
ções, drogas, hipertensão, dependência a piridoxina, aminoacidopatias, kernicterus, tóxi-
ca e familial.
A encefalopatia-hipóxico isquêmica secundária à asfixia perinatal constitui a etiologia
mais comum de crises convulsivas neonatais, podendo estar relacionada à idade
gestacional, em que no RN pré-termo se constata comprometimento proeminente da
substância branca periventricular e nos RN a termo, nas regiões corticais.
2 3 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
O diagnóstico etiológico das crises neonatais pode ser feito por meio dos anteceden-
tes maternos e familiares, da história gestacional e pirinatal do RN. O exame clínico e
neurológico minucioso deve ser realizado juntamente com a investigação laboratorial. A
história pregressa do parto é fator importante para a apresentação de hipóteses
diagnósticas.
Constatando-se uma única vez os fenômenos convulsivos e afastada a possibilidade
de alterações metabólicas, inicia-se a terapêutica com anticonvulsivantes. Em nosso
meio, o fenobarbital constitui a droga de primeira escolha e a fenitoína de segunda.
Do ponto de vista evolutivo, os fatores que conferem mau prognóstico às crises
convulsivas neonatais são: o estado de mal, as crises do tipo tônicas e mioclônicas, o
índice de Apgar menor que 3 no quinto minuto e o padrão do EEG (baixa voltagem),
multifocal, surto supressão.
Epilepsias benignas da infância
A Classificação Internacional de Epilepsias e Síndromes Epilépticas de 1989, feita
pela ILAE, propõe categorização baseando-se no tipo de início do fenômeno epiléptico,
isto é, se localizado ou generalizado.
Na infância, tal precisão é muitas vezes difícil, o que justifica a forma de apresenta-
ção feita em 1985 na qual se considera a faixa etária em que ocorrem as síndromes
epilépticas.
Uma síndrome epiléptica é considerada “benigna” se o curso clínico tende para a
remissão completa sem riscos de deterioração neuropsíquica. Para tanto, é necessário
considerar os dados clínicos e eletroencefalográficos do início do processo e observar
atentamente sua evolução. Os critérios utilizados são discutíveis e variáveis, mas os
propostos por Aicard são bastante abrangentes.
TABELA I
SÍNDROMES EPILÉPTICAS DA INFÂNCIA
1-PERÍODO NEONATAL
Convulsão neonatal idopática benigna: familiar e não familiar
Encefalopatia mioclônica precoce
Encefalopatia epiléptica infantil precoce com surto-supressão
2- PERÍODO LACTANCIA E INFÂNCIA PRECOCE
Síndrome de West
Epilepsia mioclônica benigna do lactente
Epilepsia mioclônica grave do lactente
Epilepsia mioclônica astática da infância precoce
Síndrome de Lennox-Gastaut
3-PERÍODO INFÂNCIA
Epilepsia ausência infantil
Epilepsia parcial benigna com espículas centro-temporais
Epilepsia benigna da infância com paroxismos occipitais
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 3 7
Epilepsia parcial benigna com sintomas afetivos
Epilepsia parcial benigna com potenciais evocados somato-sensitivos das extre-
midades
Epilepsia com crise tônico-clônica generalizada na infância
Síndrome de Landau-Kleffner
Epilepsia com espículas-ondas contínuas do sono lento
4-PERÍODO INFÂNCIA TARDIA E ADOLESCÊNCIA
Epilepsia com ausência mioclônica
Epilepsia da leitura
Epilepsia ausência juvenil
Epilepsia mioclônica juvenil
Epilepsia com CTCG do despertar
Epilepsia parcial benigna do adolescente
Epilepsia fotossensível
Síndrome de Kojewnikow
Epilepsia mioclônica progressiva
TABELA II
CRITÉRIOS DE BENIGNIDADE SEGUNDO AICARDI
Inteligência normal
Ausência de sinais neurológocos
Ausência de dano cerebral demonstrável
Início após os dois anos
Baixa freqüência de crises
Limitado numero de crise tônico-clônicas generalizadas
Apenas um tipo de crise
Ausência de crises tônico-atônicas
Breve período de crises incontroláveis
Boa resposta à terapia anticonvulsivante
EEG normal no início do tratamento
Rápida melhora eletroencefalográfica com a terapia
Epilepsias graves da infância
As epilepsias constituem síndromes epilépticas que podem apresentar etiologias vari-
adas além de configuração eletroclínica e evolutiva peculiares. São consideradas, por
alguns autores, como o resultado de processos similares que ocorrem em momentos
distintos na evolução do sistema nervoso central.
Incluem-se neste grupo de doenças as encefalopatias epilépticas com crises
mioclônicas, que podem ocorrer mesmo na ausência de anormalidades metabólicas ou
estruturais do cérebro.
As epilepsias graves da infância costumam ser acompanhadas de atraso do desen-
volvimento ou involução das funções cognitivas da criança.
ENCEFALOPATIA MIOCLÔNICA PRECOCE – Síndrome caracterizada clinica-
2 3 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
mente pela ocorrência de crises mioclônicas erráticas, fragmentárias ou mioclônicas
maciças associadas a outros tipos de crises, com início no período neonatal. O traçado
eletroencefalográfico é do tipo surto-supressão, evoluindo para hipsiarritimia. Os paci-
entes são gravemente acometidos, ocorrendo óbito em 50% dos casos no primeiro ano
de vida e os demais sobrevivendo em estado vegetativo. Não há predomínio de sexo. É
evidente a ocorrência familiar, relacionando-se com aminoacidopatias, em particular, a
hiperglicemia não cetótica, podendo apresentar outras etiologias.
ENCEFALOPATIA EPILÉPTICA INFANTIL PRECOCE – Constitui-se em uma
das encefalopatias epilépticas dependentes da idade e que, posteriormente, evoluirá para
a síndrome de West (SW) e síndrome de Lennox-Gastaut (SLG), indicando-se, assim, a
estreita correlação entre as três síndromes. Inicia-se no período neonatal, ou precoce-
mente, no primeiro ano de vida, com predomínio dos espasmos tônicos isolados ou em
salvas, podendo associar-se a outros tipos de crises epilépticas. O traçado
eletroencefalográfico apresenta-se padrão surto-supressão, evoluindo para a hipsiarritmia
e posteriormente complexos espícula-onda lenta 2-2,5Hz. Todas as crianças têm grave
comprometimento do desenvolvimento neuropsicomotor, com óbito em um terço dos
casos até o segundo ano de vida. Há várias etiologias, principalmente as malformações
do sistema nervoso central.
SÍNDROME DE WEST – Relatada pelo Dr W.J. West em 1841, consiste da tríade:
espasmos infantis, deterioração ou retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, e tra-
çado eletroencefalográfico com padrão de hipsiarritmia. Inicia-se quase que exclusiva-
mente no primeiro ano de vida, com maior incidência entre os 4-7 meses de idade. O
sexo masculino é o mais afetado. Os espasmos podem ser em flexão, extensão ou mis-
tos. Outros tipos de crises podem preceder ou associar-se aos espasmos infantis. A
deterioração no desenvolvimento neuropsicomotor está presente em 95% dos casos. O
melhor prognóstico ocorre nos 5% dos casos que permanecem com desenvolvimento
normal. A SW pode ser dividida em dois grupos em relação à etiologia: o criptogênico, no
qual o lactente é normal até o inicio dos espasmos, sem qualquer lesão cerebral detectável,
e o grupo sintomático, no qual há prévio desenvolvimento neuropscomotor anormal, alte-
rações ao exame neurológico e/ou lesões cerebrais identificadas pelo CT.
Os espasmos infantis são geralmente resistentes às drogas antiepilépticas. Lombroso
relatou o controle dos espasmos em casos griptogênicos de início precoce (antes de 4
semanas do início dos espasmos), e com tratamento pelo ACTH (20-160U//m/d, IM).
Salientam-se os efeitos colaterais de hipertensão arterial sistêmica, disturbios eletrolíticos,
insuficiência adrenal e infecções, que podem ser sérias e levar ao óbito. Há relato de
casos tratados com pirodoxina em altas doses e controle dos espasmos infantis.
Nos casos sintomáticos ou que não responderam ao uso do ACTH, o tratamento
instituído é o mesmo utilizado para as demais formas de epilepsias graves. O valproato
(VA) é uma opção de tratamento, havendo autores que usaram altas doses (150 a 300
mg/kg/d), com resultados satisfatórios no controle das crises. Os benzodiazepínicos tam-
bém podem ter ação eficaz nas epilepsias graves. O nitrazepam é o mais indicado na
SW, podendo-se utilizar o clonazepan.
O prognóstico, mesmo nos casos tratados precocemente, permanece reservado, ob-
servando-se em 90% dos casos a presença de deficiência mental. Distúrbios psiquiátri-
cos são freqüentes, em especial a hipercinesia e os traços autísticos. Outras sindromes
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 3 9
epilépticas podem seguir à SW, sendo que, 50 a 60% dos casos evoluem para SLG,
epilepsia multifocal parcial secundariamente generalizada.
EPILEPSIA MIOCLÔNICA GRAVE DO LACTENTE – Descrita por Dravet et
al., inicia-se no primeiro ano de vida na forma de convulsões febris recorrentes e poste-
rior aparecimento de abalos mioclônicos. Freqüentemente há crises parciais com ou sem
generalização secundária, associadas a história familiar positiva para epilepsia e convul-
são febril, em 31% dos casos. O traçado eletroencefalogáfico mostra espícula-onda
lenta generalizada e poliespículas, com fotosensibilidade precoce e anormalidades fo-
cais. A partir do segundo ano de vida, observa-se o aparecimento de ataxia e sinais
piramidais (81% dos casos), além de mioclonias. Este tipo de epilepsia é muito resistente
ao tratamento medicamentoso e todas as criancas afetadas apresentam deficiência inte-
lectual e distúrbio da personalidade.
EPILEPSIA MIOCLÔNICO-ASTÁTICA – É constituída por crises primáriamente
generalizadas mioclônicas, astáticas e mioclônico-astáticas, associadas a crises de au-
sência, generalizadas tônicas e tônico-clônicas. Inicia-se entre o primeiro e o quinto ano
de vida, em crianças normais, com predomínio no sexo masculino. (2:1). O traçado
eletrencefalográfico apresenta espículas-ondas lentas bilaterais de 2-3 Hz e poliespículas-
ondas lentas. A evolução é variável, podendo haver remissão expontânea ou evolução
para demência, especialmente nos casos associados a crises generalizadas. Os casos de
prognóstico mais reservados são aqueles em que as crises se iniciam no primeiro ano de
vida, febris ou afebris, do tipo tônico-clônica generalizada, além da presença do estado
de mal, crises de ausência e lentificação do ritmo de base no traçado eletroencefalográfico.
Valproato é a droga de escolha, sendo indicado ACTH nos casos resistentes (15-30U/
m). Apresenta predisposição genética, do tipo poligênica.
SÍNDROME DE LENNOX-GASTAUT – Esta síndrome epiléptica foi definida por
Gastaut et al. Constitui-se por crises epilépticas, em sua maioria do tipo axial tônica, mas
também de crises atônicas, ausências atípicas e mioclonias; o traçado
eletroencefalográfico apresenta complexos espículas-ondas lentas difusas ou espículas-
ondas lentas ao redor de 2Hz e presença de retardo mental, associado a distúrbios psi-
quiátricos. Inicia-se antes de 8 anos, com maior incidência entre os 3-5 anos e predomí-
nio no sexo masculino. Em relação à etiologia, a SLGG pode ocorrer em crianças
préviamente normais ou em crianças com comprometimento do desenvolvimento
neuropsicomotor, associados ou não a disturbios psiquiátricos, ou ser precedida por SW.
O prognóstico é reservado em relação ao controle das crises, que são de vários tipos e,
devido à deterioração intelectual, psíquica e neurológica, podem estar presentes preco-
cemente. Também é comum a presença de estado de mal epiléptico, ocorrendo em 2/3
dos casos. Os anticonvulsivantes usados são os mesmos já descritos anteriormente,
porém, sendo discutível o uso de corticoides. Atualmente, resultados favoráveis são
descritos com lamotrigina e felbamato.
EPILEPSIA COM AUSÊNCIA MIOCLÔNICA – Clinicamente é caracterizada
por mioclonias rítmicas graves e difusas, associadas a descargas de complexos espículas-
ondas lentas generalizadas ao redor de 3Hz. Ocorre predomínio no sexo masculino e
início ao redor de 7 anos. O prognóstico é reservado, com crises resistentes ao trata-
mento medicamentoso, evoluindo para a deterioração mental, assemelhando-se à SLG.
Pode ocorrer remissão espontânea.
2 4 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
SÍNDROME DE LANDAU-KLEFFNER(SLK) – Em 1957, Landau e Kleffner
descreveram seis crianças com afasia adquirida e epilepsia. A afecção geralmente aco-
mete crianças previamente normais. O distúrbio de linguagem pode começar abrupta ou
insidiosamente, e é caracterizado por deterioração da compreenção associada a redu-
ção progressiva da fala espontânea, ocasionalmente o mutismo. Por isso, SLK pode ser
confundida com autismo ou surdez.
Alterações do comportamento, particularmente hiperatividade, podem ocorrer. Ma-
nifestações psicóticas aparecem em alguns casos. As crises epilépticas podem ser de
diversos tipos e podem preceder ou suceder a instalação do quadro de linguagem. Epi-
lepsia, porém, não é considerada essencial para o diagnóstico, uma vez que as crises
ocorrem em aproximadamente 72% dos pacientes. As descargas eletroecefalográficas
estão sempre presentes.
O prognóstico da SLK é variável. As crises epilépticas geralmente desaparecem,
mas o distúrbio de linguagem pode permanecer.
A etiologia é deconhecida e o tratamento sintomático é feito com drogas
anticonvulsivantes. O uso de corticoide é controvertido.
Epilepsia mioclônica juvenil
As mioclonias foram relacionadas à epilepsia desde o início do século passado. Em
1867 Herpin (apud Janz e Christian) mencionou o primeiro caso de epilepsia mioclônica
juvenil em paciente de 14 anos de idade e inteligência normal, que desde os 13 anos
apresentou mioclonias, chamadas por Herpin de abalos, comoções ou impulsões, aco-
metendo principalmente os membros superiores que eram impulsionados para a frente,
podendo provocar queda de objetos que o paciente estivesse segurando. Ocorriam usu-
almente pela manhã, ao despertar, sendo também desencadeadas pelo despertar súbito e
forçado durante a noite. Três meses após o início da smioclonias surgiram crises tônico-
clônicas generalizadas (CTCG) sempre precedidas por duas, três ou mais mioclonias.
Endocrinologia
José Augusto Sgarbi
I. Introdução
Endocrinologia é a ciência que estuda a comunicação e o controle de funções fisioló-
gicas de organismos vivos, através de mensageiros químicos, denominados de hormônios,
sintetizados no próprio organismo, em estruturas orgânicas que constituem as glândulas
endócrinas. Os hormônios são secretados para circulação sistêmica e desenvolverão
suas ações à distância, em parte ou em todos os tecidos orgânicos.
Os hormônios participam de todas as funções fisiológicas, como a reprodução,
hematopoiese e o crescimento. A insulina e os hormônios tiroidianos são de particular
interesse para os seres humanos, pois as alterações na biossíntese, secreção ou na ação
periférica desses hormônios, são as causas das endocrinopatias de maior prevalência e,
portanto, de maior relevância clínica em todo o mundo: diabetes mellitus e as disfunções
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 4 1
tiroidianas.
II. Diabetes mellitus
Diabetes mellitus pode ser definido como uma doença crônica resultante do metabo-
lismo alterado da glicose, devido à diminuída produção, secreção ou ação da insulina nos
tecidos periféricos. Constitui-se, hoje, em um dos principais problemas de saúde pública
em todo mundo, pois há um aumento global de sua prevalência, principalmente nos paí-
ses desenvolvidos e em desenvolvimento, provavelmente conseqüência da
“ocidentalização” dos hábitos alimentares, estilo de vida mais sedentário e aumento da
prevalência da obesidade. Em 1990, 118 milhões de indivíduos sofriam de diabetes em
todo o mundo, mas acredita-se que até o ano 2015, este número possa dobrar. No Brasil,
a prevalência encontrada da doença, pelo Ministério da Saúde, foi de 7,5%, sendo que
em alguns Estados, principalmente os da região sudoeste e sul, esta prevalência foi
maior, em torno de 8,5% a 9,0%. No entanto, um censo, recentemente realizado na
cidade de Ribeirão Preto, mostrou que a prevalência está em torno de 11,5%, indicando
para um aumento significativo e preocupante.
O aspecto epidêmico desta enfermidade é extremamente preocupante, pois é a prin-
cipal causa de cegueira adquirida em adultos e idosos e uma importante causa de insufi-
ciência renal resultando em necessidade de diálise ou transplante renal. Além disso,
constitui-se na mais importante condição associada às amputações não traumáticas de
membros inferiores e em fator de risco independente para infarto do miocárdio e aciden-
te vascular cerebral. Se não bastasse, os diabéticos ainda têm que enfrentar o conceito
generalizado na população de ser impossível evitar a progressão da doença e seus efei-
tos devastadores, o que, não raro, têm levado à depressão e à não-aderência aos precei-
tos do tratamento. Não obstante o sofrimento humano, o aumento da prevalência do
diabetes fará crescer, substancialmente, os gastos com o tratamento dessa enfermidade,
das suas complicações e com as políticas de saúde que objetivam a sua prevenção,
resultando, provavelmente, em uma limitação de recursos públicos para o tratamento e
prevenção de outras doenças, principalmente em países não desenvolvidos ou em de-
senvolvimento, como é o caso do Brasil.
De um ponto de vista prático, o aumento da prevalência do diabetes mellitus, mos-
trou, claramente, o que já era óbvio, mas não reconhecido, ou seja, que não há
endocrinologistas suficientes para o acompanhamento de todos os diabéticos. Dessa
forma, faz-se necessário que as recomendações para o tratamento do paciente diabético
sejam voltadas ao médico generalista, e não ao especialista, o qual acompanha somente
a minoria dos casos.
II. 1. Classificação
Recentemente, a Associação Americana de Diabetes, um comitê de especialistas da
Federação Internacional de Diabetes e a Organização Mundial de Saúde propuseram
uma nova classificação para o diabetes, com o intuito de atualizar os critérios existentes,
tornando-a mais apropriada, funcional e uniforme, levando-se em conta os novos conhe-
cimentos adquiridos nos últimos anos, em relação, principalmente, aos mecanismos de
desenvolvimento da doença.
2 4 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
As principais modificações realizadas foram no seu embasamento quanto à possível
etiologia e não mais na sistemática anterior, que considerava como base o tratamento
farmacológico da doença. Retirou-se o termo “insulino-dependente” e “não insulino-
dependente”; manteve-se o termo “tipo 1” e “tipo 2”, mas com algarismos arábicos no
lugar dos romanos e um novo estágio de homeostase alterada foi criado e denominado
de “glicemia de jejum alterada” (Tabela 1).
Tabela 1. Classificação atual do Diabetes Mellitus.
I. Diabetes tipo 1
II. Diabetes tipo 2
III.Outros tipos específicos
A. Defeitos genéticos da célula bb pancreática
B. Defeitos genéticos da ação da insulina
C. Doenças do pâncreas exócrino
D. Endocrinopatias
E. Induzido por drogas ou substâncias químicas
F. Infecções
G. Formas incomuns de diabetes imuno mediado
H. Outras síndromes genéticas associadas ao diabetes
Os principais tipos de diabetes encontradas no população são o de tipo 2 e de tipo 1,
respectivamente.
O diabetes tipo 1 ocorre, predominantemente, em indivíduos magros com idade infe-
rior a 35 anos de idade, particularmente, entre 10 e 14 anos. A instalação é súbita, os
sintomas exuberantes; há tendência para o desenvolvimento de cetoacidose diabética e
o tratamento com insulina faz-se mandatário. Não há relação evidente com histórico
familiar para a doença e os mecanismos básicos de patogênese estão fundamentados
em uma diminuição progressiva da secreção insulínica, conseqüência de processo infla-
matório auto-imune destrutivo das células bb - pancreáticas.
Por outro lado, o diabetes tipo 2, responsável pela maioria dos casos de diabetes
(aproximadamente 90%), anteriormente denominado de diabetes tipo II ou diabetes
mellitus não insulino-dependente, caracteriza-se pela sua associação com a obesidade e
com antecedentes familiares de diabetes. Compromete, geralmente, indivíduos com mais
de 35 anos de idade, sendo a instalação insidiosa, os sintomas de leve a moderada inten-
sidade e os episódios de cetoacidose raros. O tratamento, habitualmente, não requer o
uso de insulina, sendo a doença facilmente controlada apenas com a dieta, emagreci-
mento e um programa de atividade física. No entanto, a maioria dos pacientes necessita
do uso de hipoglicemiantes orais ou de drogas com ação anti-hiperglicemiantes, pois a
aderência a um programa adequado de dieta e de atividades físicas é pequena. A
patogênese do diabetes tipo 2 parece ser multifatorial, representada por fatores genéti-
cos e ambientais que levariam a resistência à ação insulínica, diminuição da secreção
bb-pancreática, tolerância diminuída à glicose e, finalmente, ao diabetes.
II.2. Critérios de diagnóstico
O comitê de especialistas, ao mesmo tempo em que propôs a nova classificação para
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 4 3
o diabetes mellitus, também recomendou mudanças em relação aos critérios de diagnós-
tico, o que foi, posteriormente referendado pela Organização Mundial de Saúde.
As mudanças sugeridas têm como base evidência de que quase a metade dos porta-
dores da enfermidade não tem conhecimento do diagnóstico e, quando esse é realizado,
a doença já existia há pelo menos cinco anos, de forma assintomática ou oligossintomática;
de que a glicemia de jejum está associada à complicações micro e macrovasculares e de
que complicações do diabetes aparecem com níveis de jejum mais baixos.
A principal mudança em relação aos critérios anteriormente adotados (WHO, 1979),
refere-se à glicemia de jejum. Um diagnóstico de diabetes passa a ser realizado em
indivíduos com níveis plasmáticos de glicose, em jejum, ³ a 126 mg/dl, realizados em
duas ocasiões diferentes, ao invés de ³ 140 mg/d, como no critério anterior. Além
disso, criou-se uma categoria adicional de “homeostase alterada da glicose”, em jejum
(glicemia ³ 110 mg/dl e < 126 mg/dl) ou ao teste oral de tolerância à glicose (glicemia
de 2 horas ³ 140 mg/dl e 200 mg/dl). Os novos critérios utilizados para o diagnóstico de
diabetes mellitus podem ser visualizados na Tabela 2.
Tabela 2. Novos critérios para o diagnóstico do diabetes.
Diabetes: glicemia de jejum ³ a 126 mg/dl, confirmado por segundo teste ou glicemia
de 2 horas ³ 200 mg/dl no teste oral de tolerância à glicose (GTT).
Homeostase alterada da glicose: glicemia de jejum ³ 110 mg/dl e < 126 mg/dl. GTT
de 2 horas ³ 140 mg/dl e 200 mg/dl.
Normal: glicemia de jejum < 110 mg/dl e glicemia de 2 horas no GTT < 140 mg/dl.
II. Tirotoxicose
Tirotoxicose é um estado clínico e bioquímico resultante do aumento da oferta de
hormônios tiroidianos para os múltiplos tecidos, independentemente de sua origem. O
termo hipertiroidiano é utilizado quando a tirotoxicose ocorre por um aumento sustentado
da biossíntese e secreção de hormônios tiroidianos pela glândula tiróide. Portanto, pode-
mos ter um indivíduo com sinais de tirotoxicose, porém, sem hipertiroidismo. A Tabela 3
mostra as principais causas de tirotoxicose, com e sem hipertiroidismo.
Tabela 3. Principais causas de tirotoxicose.
TIROTOXICOSE COM TIROTOXICOSE SEM
HIPERTIROIDISMO HIPERTIROIDISMO
Doença de Graves Tiroidite sub aguda
Bócio multinodular tóxico Tiroidite silenciosa
Adenoma tóxico Tirotoxicose factícia (uso
desconhecido de hormônios
tiroidianos)
Adenoma hipofisário Tirotoxicose iatrogênica
produtor de TSH (terapia de reposição e de
supressão hormonal)
A doença de Graves é a causa mais comum de hipertiroidismo em qualquer faixa
etária, sendo mais freqüente, entretanto, em mulheres jovens (aproximadamente 5 mu-
2 4 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
lheres para 1 homem). Caracteriza-se, clinicamente, pela presença de bócio difuso,
hipertiroidismo, sinais oculares (oftalmopatia de Graves) e pela presença de dermopatia
infiltrativa (mixedema pré-tibial). A oftalmopatia de Graves ocorre, clinicamente, em
cerca de 25% a 50% dos pacientes, podendo ser reconhecida pela presença de sinais
inflamatórios (hiperemia conjuntival e palpebral, quemose, edema palpebral e de carúncula
e dor retro-ocular, espontânea ou a movimentação), proptose e de alterações funcionais
dos músculos retro-oculares (estrabismo, plegia, etc.). Em uma minoria de pacientes
mais graves, pode, ainda, haver comprometimento da córnea e do nervo óptico, podendo
levar a quadros severos de ceratite de exposição e perda da acuidade visual.
A doença de Graves é uma doença auto-imune, na qual os antígenos tiroidianos reco-
nhecidos, de importância na sua patogênese, são o receptor da tirotrofina (TSH-R), a
tiroglobulina (Tg) e a enzima tiroperoxidade tiroidiana (TPO). Autoanticorpos contra o
receptor do TSH (TRAb), com ação estimuladora, têm sido implicados tanto no aumento
da função tiroidiana, quanto na hiperplasia glandular. Existem evidências de fatores ge-
néticos, associados com certos haplotipos do sistema HLA, principalmente os de classe
II – DR.
A doença de Graves pode sofrer remissão espontânea ou evoluir para o hipotiroidismo,
seja pelo desaparecimento dos autoanticorpos estimuladores do TSH-R (TSAb) e
surgimento de autoanticorpos “bloqueadores” ou pela destruição auto-imune do tecido
glandular levando ao hipotiroidismo de Hashimoto.
De modo distinto do hipertiroidismo de Graves, as doenças nodulares tóxicas da tiróide
não estão associadas a fenômenos de natureza auto-imune. Embora os mecanismos
básicos que causam o bócio multinodular tóxico não sejam totalmente conhecidos, acre-
dita-se que repetidas divisões de células autônomas formem áreas de hiperplasia que
crescem até tornarem-se clinicamente aparentes. O adenoma tóxico, por sua vez, tem
sido associado a mutações somáticas no gene do TSH-R ou no gene da proteína-G.
Os bócios nodulares tóxicos (adenoma e multinodular) são mais comuns em pacien-
tes idosos e as manifestações clínicas de tirotoxicose não são tão intensas quanto as
observadas em pacientes com doença de Graves, havendo, no entanto, um predomínio
de manifestações cardiovasculares.
As manifestações clínicas do hipertiroidismo são mostradas na Tabela 4.
Tabela 4. Principais manifestações clínicas da tirotoxicose.
SINTOMAS SINAIS
Nervosismo Hiperatividade
Palpitação Taquicardia
Fraqueza Hipertensão sistólica
Perspiração excessiva Pele úmida
Intolerância ao calor Pele quente
Fadiga Fraqueza muscular
Emagrecimento Fáceis de síndrome consuptiva
Hipercinesia Tremor, hiperreflexia
O diagnóstico de hipertiroidismo é geralmente sugerido pelas manifestações clínicas
conseqüentes do hipermetabolismo, como cansaço, palpitações, nervosismo, insônia,
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 4 5
irritabilidade e emagrecimento, apesar do aumento do apetite, entre outros (tabela 4). No
entanto, em alguns casos, principalmente em pacientes idosos, a sintomatologia pode não
ser característica e, inclusive, apresentar-se de forma atípica, com anorexia, emagreci-
mento, apatia e depressão, condição conhecida como hipertiroidismo apático. Quando
da presença de bócio difuso e sinais de oftalmonopatia, o diagnóstico clínico de
hipertiroidismo de Graves se impõe. A cintilografia da tiróide, apesar de dispensável
para a confirmação do diagnóstico, pode ser útil, sendo típico a presença de hipercaptação
precoce e tardia com aumento difuso da glândula e distribuição homogênea do
radiotraçador. No bócio multinodular tóxico, a distribuição do radiotraçador faz-se
geterogênea, com área de maior ou menor concentração e a captação pode ser normal
ou elevada. No adenoma tóxico, há concentração do radiotraçador na projeção do nódu-
lo e supressão do tecido normal adjacente.
O diagnóstico laboratorial de tirotoxicose com hipertiroidismo tornou-se bem menos
complicado nos últimos anos, com a introdução de ensaios mais sensíveis para a determi-
nação do TSH, de tal forma que a presença de concentrações suprimidas do TSH sugere
hipertiroidismo provável, exceto se em uso de drogas que interfiram com a secreção do
TSH, como os glicocorticóides, na existência de doença sistêmica grave concomitante ou
de alterações hipotalâmicas e hipofisárias. Pacientes com níveis baixos do TSH devem ter
determinado a tiroxina livre (T4L). Níveis elevados confirmam o diagnóstico e, quando
normais, apontam para a possibilidade de hipertiroidismo subclínico. Não há, nos dias de
hoje, nenhuma necessidade, nem benefícios aos pacientes, da solicitação de exames como
a triiodotironina total (T3) e da tiroxina total (T4). A determinação de autoanticorpos
tiroidianos antitiroperoxidase deve ser solicitada a todos pacientes com bócio, nodular ou
não, e titulações elevadas para a presença de doença auto-imune da tiróide.
O tratamento do hipertiroidismo vai depender da sua etiologia, da experiência pessoal
do médico e das condições clínicas do paciente. O hipertiroidismo de Graves é, nos países
europeus e asiáticos, assim como no Brasil, preferencialmente tratado com drogas
antitiroidianas, reservando-se, aos pacientes idosos, aos com contra-indicações ou compli-
cações por drogas antitiroidianas o uso da dose terapêutica de iodo radioativo. O tratamen-
tocirúrgicoéindicadoapenasemcondiçõesespeciais.Poroutrolado,osbóciosmultinodulares
e nodulares tóxicos, são, na maioria das vezes, tratados com iodo radioativo. Em pacientes
mais jovens ou com bócios volumosos e invasão de estruturas do pescoço, prefere-se o
tratamento cirúrgico.
IV. Hipotiroidismo
O hipotiroidismo ocorre quando há diminuição da oferta de hormônios tiroidianos aos
múltiplos sistemas do organismo, conseqüente de diminuída produção glandular de
hormônios tiroidianos.
O hipotiroidismo é uma doença comum, afetando mulheres mais comumente que
homens, sendo que, em ambos os sexos, a prevalência aumenta com o avançar da idade.
Na Inglaterra, um estudo epidemiológico mostrou que 7,5% das mulheres e 2,8% dos
homens tinham hipotiroidismo. Os dados do estudo de Framingham mostraram que 8,5%
de indivíduos com mais de 60 anos de idade tinham hipotiroidismo, 11,7% de mulheres e
3,9% de homens. O hipotiroidismo subclínico, definido quando da presença de concen-
2 4 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
trações elevadas do TSH e normal do T4L, apresenta uma prevalência maior, de até
16%, em alguns estudos.
A importância clínica e de saúde pública do hipotiroidismo é bem conhecida, podendo
o mesmo estar associado ao aumento da morbidade e também da mortalidade. Em cri-
anças, pode retardar o desenvolvimento estatural, puberal e a maturação esquelética.
Além disso, pode estar associado à dificuldade de aprendizado e repetência escolar. Nos
recém-nascidos, o hipotiroidismo congênito pode ser devastador e de custo social eleva-
do e inaceitável, pois se não tratado até o terceiro mês de vida, provoca danos neuroló-
gicos irreversíveis levando ao cretinismo. Em adultos, está associado à diminuição da
produtividade, falta excessiva ao emprego, hiperlipidemia, acidentes coronarianos e
infertilidade e, nos idosos, à depressão. Em casos mais graves, o quadro pode evoluir
para o coma mixedematoso, no qual a mortalidade é muito elevada.
Como os hormônios tiroidianos influenciam diferentes células e tecidos, as manifes-
tações clínicas do hipotiroidismo são múltiplas e podem variar de severidade, de acordo
com o tempo de instalação da doença e a idade do paciente. Por isso, os sintomas do
hipotiroidismo podem ser confundidos com outros, associados a órgãos específicos, des-
viando a atenção do médico, que deixa de pensar na possibilidade, retardando portanto,
um diagnóstico de fácil comprovação e gratificante tratamento. Na Tabela 5 procura-
mos mostrar as principais confusões diagnosticadas em relação ao hipotiroidismo.
Tabela 5. Alguns sintomas e sinais de hipotiroidismo que desviam a atenção do médi-
co para outras categorias de diagnóstico.
Sintoma/ Sinal Especialidade envolvida Diagnóstico diferencial
no atendimento
Artralgias Reumatologia Doença osteoarticular
Degenerativa
Anemias Medicina interna Anemias carenciais ou
Hematologia por perdas menstruais
Cansaço e fadiga Medicina interna Insuficiência cardíaca
Cardiologia
Edemas Nefrologia Edema idiopático
Insuficiência renal
Crônica
Hiperpolimenorragias Ginecologia Mioma uterino
Sangramento uterino
Disfuncional
Tonturas, zumbidos Otorrinolaringologia Labirintopatia
Rouquidão Otorrinolaringologia Edema de corda vocal
Calosidade de corda
Vocal
Tristeza, desânimo Psiquiatria Depressão
indisposição
O hipotiroidismo pode ser classificado em primário, se o defeito básico da ineficiente
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 4 7
produção é primário da glândula tiróide, ou central, quando o problema causador origina-
se na hipófise (secundário) ou no hipotálamo (terciário). O Quadro 1 apresenta os prin-
cipais fatores etiológicos do hipotiroidismo.
Quadro 1. Classificação etiológica do hipotiroidismo
Hipotiroidismoprimário
-Tiroidite crônica auto-imune
-Terapia com ¹³¹ I
-Tiroidectomia
-Defeitos na biossíntese
-Drogas: lítio, iodo, amiodarona
Hipotiroidismo central
-Hipotalâmico (terciário)
-Hipofisário (secundário)
A causa mais comum de hipotiroidismo é uma inflamação crônica na tiróide, de natu-
reza auto-imune, denominada de tiroidite crônica auto-imune ou tiroidite de Hashimoto.
O mecanismo da doença é semelhante ao de outras doenças auto-imunes da tiróide,
como a doença de Graves e a tiroidite pós-parto. Outras causas mais freqüentes são a
ablação cirúrgica da tiróide ou após uso de dose terapêutica de iodo radioativo para
tratamento de hipertiroidismo.
O hipotiroidismo primário é facilmente diagnosticado pela presença de concentra-
ções séricas elevadas do TSH sensível. Reduções do T3 total e do T4 total podem não
ser demonstradas pelos métodos empregados, pois uma série de condições analíticas e
pré-analíticas com muita freqüência interferem nos ensaios destes hormônios. Por isso,
a prática enraigada entre os clínicos, da solicitação dos níveis séricos do T3 e do T4
deveria ser desencorajada e definitivamente abandonada. Em seu lugar, nos casos em
que as concentrações do TSH estiverem elevadas, a determinação do T4 livre pode ser
solicitada para confirmar o hipotiroidismo primário quando estiver baixo ou para definir o
hipotiroidismo subclínico. A presença de concentrações elevadas do T4 livre e
concomitante elevações do TSH deve remeter o médico para questões de maior com-
plexidade como a síndroma de resistência aos hormônios tiroidianos, exigindo, portanto,
avaliação especializada do endocrinologista.
O tratamento de hipotiroidismo faz-se, preferencialmente, com L-tiroxina, em dose
diária matutina, em concentrações suficientes para manter normal os níveis do TSH. A
dose de reposição habitual da L-tiroxina é de 100 a 200 mcg/diário, ou seja, em torno de
1,6 a 1,7 mcg/Kg/peso por dia, podendo alcançar, entretanto, doses maiores. Dado que
aproximadamente 80% do T3 circulante é proveniente da conversão periférica a partir
do T4, não é necessário a adição de T3 na reposição com L-tiroxina.
Epidemiologia do câncer
Sérgio Antônio Nechar
2 4 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
A epidemiologia permite o estudo da distribuição das várias formas de câncer
entre a população, a observação e análise das variações de sua ocorrência em dife-
rentes grupos ou comunidades, e os fatores de risco a que eles se expõem.
Mediante a correlação existente entre os dados de morbidade e mortalidade e as
diferenças verificadas nas condições ambientais, hábitos de vida ou de constituição ge-
nética, observadas entre esses grupos, é possível estabelecer hipóteses sobre as prová-
veis causas do câncer.
Como este não representa uma única moléstia, mas sim um processo comum a
um grupo heterogêneo de doenças que diferem em sua etiologia, freqüência e mani-
festações clínicas, é necessário estabelecer critérios de classificação para o seu
estudo. Usualmente, em Cancerologia, utilizam-se classificações segundo a locali-
zação primária, o tipo histopatológico e a extensão anatômica dos tumores.
Os estudos comparativos de freqüência do câncer devem considerar sempre a co-
bertura e a qualidade dos serviços de diagnóstico, na medida em que as variações obser-
vadas entre as diferentes regiões do território nacional podem refletir apenas esses com-
ponentes. A comparabilidade dos dados dependerá sempre também da utilização unifor-
me dos critérios adotados em diferentes regiões, instituições e, até, entre profissionais de
um mesmo serviço de saúde.
Conceitos e definições
Para se medir a freqüência das doenças e a mortalidade por elas provocada, utilizam-
se taxas ou coeficientes que têm três elementos essenciais:
- o grupo de população exposto ao risco de adoecer, ou morrer;
- o fator tempo;
- o número de casos, de doenças, ou de mortes ocorridas na população exposta, em
um certo período de tempo.
As taxas de mortalidade podem ser específicas para várias características, tais como
sexo, idade, tipo ou localização de tumores, etc., permitindo comparações entre diferen-
tes subgrupos de uma mesma população. A morbidade pode ser expressa pelas taxas de
incidência e prevalência.
A incidência expressa o risco de uma determinada população desenvolver uma doen-
ça. A prevalência é a quantidade de casos existentes de uma doença (casos novos e
antigos), relacionando-se, portanto, com a incidência e com a duração da doença. Doen-
ças agudas e fatais como a raiva, por exemplo, têm, assim, incidência e prevalência
semelhantes.
As taxas são utilizadas para comparar dados de diferentes populações. Entretanto, a
análise comparativa entre taxas deve ser cuidadosa. Diferenças entre elas podem refle-
tir, por exemplo, apenas diferenças na composição etária das populações estudadas. Por
esta razão, utiliza-se o recurso da padronização de taxas por idade, visando a anular o
efeito, neste caso, da diferença observada na estrutura etária das populações. A padro-
nização das taxas por idade permite a comparabilidade dos coeficientes de distintos
registros ou países, mesmo que as populações tenham diferentes distribuições etárias.
A Agência Internacional Para Pesquisa Sobre o Câncer (IARC, sigla em Inglês), em
suas publicações sobre a incidência do câncer nos cinco continentes, tem adotado três
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 4 9
populações-modelo de padronização: africana, mundial e européia. A primeira é repre-
sentativa de uma população jovem; a terceira, típica de uma população velha; enquanto
a segunda representa um padrão intermediário entre os dois extremos de modelos
(Waterhouse & Muir et al., 1987).
A Tabela 1 mostra a mortalidade e a incidência brutas por câncer, segundo o sexo,
em Fortaleza, em 1985, e as taxas ajustadas por idade, segundo a população mundial de
1960. Como Fortaleza tem uma população predominantemente jovem, a padronização
com o modelo mundial aumenta em muito as taxas da capital cearense.
Para limitar-se à influência da idade, também pode ser usada a comparação restrita
ao grupo etário compreendido entre os 35 e 64 anos, compondo-se a chamada população
truncada. Na Tabela 2, figuram taxas de incidência de câncer, padronizadas pela popu-
lação mundial, inclusive a truncada, comparando-se dados de registros selecionados no
mundo. Tal comparação mostra que as taxas de incidência brasileiras são expressivas, e
Porto Alegre ocupa lugar de destaque entre as regiões de mais alta incidência.
Sexo Bruta Padronizada
Masculino 65,17 110,61
Feminino 52,68 71,63
Masculino 121,52 203,49
Feminino 138,81 188,72
Tabela 1 – Comparação das taxas * bruta e padronizada ** de mortalidade e incidên-
cia de câncer, por sexo, em Fortaleza, 1985.
*Por 100.000 habitantes ** pela população mundial de 1960.
Fonte: Registro de Câncer de Base Populacional de Fortaleza, 1985.
Homens Mulheres
Registro/Ano Mundial Truncada Mundial Truncada
(35-64 anos) Truncada (35-74 anos)
Brasil, Porto Alegre (1987) 461,4 645,1 292,4 292,4
Suíça, Genebra (1983-87) 394,5 541,9 274,5 475,2
Canadá, Quebec (1938-87) 370,9 484,6 268,6 463,7
Havaí (1983-87)
- branco 362,4 463,0 309,6 541,3
- japonês 243,5 296,9 186,9 318,4
- havaiano 392,6 443,0 278,9 510,9
-filipino 203,7 259,1 201,8 388,1
- chinês 207,9 247,8 255,1 415,2
EUA Connecticut (1983-87)
- branco 321,7 424,9 278,7 485,3
- negro 352,7 551,5 227,4 411,9
Espanha, Navarra (1983-86) 302,5 449,3 186,6 328,5
Finlândia (1982-86) 301,1 376,0 226,6 368,6
Brasil, Goiânia (1988-89) 293,6 419,1 328,5 564,6
Inglaterra, Oxford (1983-87) 286,6 356,2 242,2 415,5
Japão, Osaka (1983-87) 266,5 372,3 156,1 259,0
2 5 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Colômbia, Cáli (1984-87) 229,0 302,0 263,6 458,2
China, Shangai (1983-87) 228,8 325,5 147,5 244,1
Cuba (1986) 217,2 278,4 187,2 317,8
Índia, Bombaim (1983-87) 126,0 192,9 116,8 232,6
Gâmbia (1987-89) 59,1 131,0 39,6 94,0
Tabela 2 – Taxas padronizadas * de incidência (por 100.000 habitantes) para o total de
Neoplasias malignas, segundo o sexo, em diversas regiões do mundo.
* Pela população mundial e truncada.
Fonte: Parkin, DM et alii, 1992.
Fonte: Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Programas
de Controle do Câncer. “O Problema do Câncer no Brasil”, 4ª ed. revisada e atualiza-
da. Rio de Janeiro, 1997.
No cenário dos problemas de saúde, no Brasil, uma das questões que se destaca é o
envelhecimento da população. Em princípio essa informação é positiva. Revela que a
expectativa de vida aumentou para o país como um todo, apesar de todos os problemas
de ordem econômica e social, das disparidades regionais e de acesso a equipamentos
sociais básicos, tais como transporte, moradia, educação e saúde. A mudança, no entan-
to, oferece novos desafios para o setor saúde, porque há uma série de problemas co-
muns ao idoso, como as doenças crônico-degenerativas, dentre elas o câncer, que re-
querem adequação dos programas sanitários.
Na verdade, o Brasil vive hoje uma situação muito especial, pois precisa adequar
seus programas de saúde não só para o aumento das doenças crônico-degenerativas,
mas também para a existência, ainda, das doenças infecciosas e parasitárias.
Em vez da esperada transição epidemiológica presenciada nos países desenvolvi-
dos, onde as doenças crônico-degenerativas substituíram as doenças infecciosas e para-
sitárias, o Brasil apresenta um quadro onde coexistem, e muitas vezes se superpõem, as
doenças da modernidade com as doenças ditas do atraso.
As causas infecciosas e parasitárias vêm reduzindo sua importância relativa, de
modo constante, embora configurem-se ainda em um problema sério em algumas regi-
ões do Brasil, enquanto as doenças crônico-degenerativas só aumentaram sua participa-
ção proporcional entre os óbitos ocorridos.
A industrialização, a urbanização, a exposição freqüente a uma gama de produtos
potencialmente cancerígenos e a expectativa maior de vida contribuem para que o cân-
cer venha assumindo uma importância relativa cada vez maior entre as causas de morte
no país; em 1930 os neoplasmas representavam menos de 3% dos óbitos ocorridos; em
1998, passaram a representar 11,08% dos óbitos ocorridos, constituindo-se, então, na
terceira causa de morte por doença no Brasil (Tabela 3).
Tabela 3 – Brasil
Distribuição proporcional das principais causas de morte – 1998
Causa do Óbito Distribuição percentual (%)
Doenças Ap. Circulatório 27,36
Causas externas ** 12,85
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 5 1
NEOPLASMAS 11,08
Doenças Ap. Respiratório 9,32
Gland. Endócrinas 5,52
Doenças Infec. e Parasitárias 4,33
Outras 29,54
Total * 100
* Exclui sintomas, sinais e afecções mal definidas.
** As causas externas incluem os suicídios e homicídios.
*** O número de óbitos refere-se ao Brasil e não somente às capitais.
Fonte: SIM. Sistema de Informação sobre Mortalidade. DATASUS/MS.
A maioria dos estudos sobre a saúde da população baseia-se na análise da mortalida-
de, porque o óbito dá origem a um documento legal, a certidão de óbito, que é de preen-
chimento obrigatório. Logo, todas as mortes ocorridas, teoricamente, são registradas.
Apesar de todos os problemas referentes à utilização dessa fonte de dados, essas infor-
mações estão disponíveis em todas as partes do mundo e datam de longo tempo. Para
óbitos por câncer a qualidade da informação é considerada boa, em comparação com
outras causas de morte.
Em saúde pública, tanto para estudos epidermiológicos como para administração e
planejamento de serviços, é muito importante que se tenham disponíveis e de boa quali-
dade dados a serem estudados. Infelizmente, os dados nem sempre se encontram dispo-
níveis ou num nível de desagregação do interesse do profissional que deles necessitam.
E somente com uma base de dados confiável é que será possível caracterizar qual ou
quais são os problemas prioritários de uma população e, assim, estabelecer programas
de saúde que, após serem implantados, necessitam ser acompanhados e avaliados. Nes-
se sentido as estimativas e projeções são armas preciosas, quando informações essenci-
ais não estão disponíveis, para dar o suporte técnico necessário à tomada de decisões.
Tão importante quanto o número de casos novos ou de óbitos de uma determinada
doença, por sexo e idade, é também dispor de informações sobre a população exposta ao
risco de adoecer e morrer, distribuída também por sexo e faixa etária.
A falta de inquéritos em anos intermediários aos anos censitários, a ausência de
informações sobre os fenômenos migratórios, o atraso na realização e divulgação dos
resultados dos censos fazem com que o exercício de projetar populações transforme-se
num trabalho altamente complexo e sujeito a elevado grau de incerteza (Duchiade, 1995).
Para a implantação de programas de controle do câncer, faz-se necessário que todas
as áreas envolvidas e suas respectivas atividades sejam planejadas, avaliadas e acompa-
nhadas, para o que se torna indispensável a disponibilidade de dados.
A informação sobre o Câncer torna-se, assim, também uma área fundamental, per-
passando todas as demais implicadas no controle deste.
A estimativa anual de casos novos e dos óbitos por câncer reveste-se, dessa forma,
de um caráter obrigatório, para que o planejamento se faça com base em dados mais
atuais. Além do mais, o cálculo por estimativa permite a extrapolação desses dados em
termos populacionais e geográficos, visto que nem todos os habitantes e locais têm de
estar necessariamente cobertos por registros de câncer de base populacional – RCBP,
que medem a incidência desta doença.
2 5 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Os dados dos RCBP e do Sistema de Informação Sobre Mortalidade – SIM, do
Ministério da Saúde, constituem-se na base das informações para se proceder a esta
estimativa.
O aperfeiçoamento de um sistema nacional de informação sobre o câncer é um dos
objetivos maiores do Instituto Nacional de Câncer – INCA, que, visando a obter dados
cada vez mais reais sobre a distribuição do câncer no Brasil, tem incentivado e apoiado
a implantação de novos registros.
Os cinco RCBP em operação, com dados já publicados, são os de Belém, Fortaleza,
Goiânia, Campinas e Porto Alegre e se constituem na base desta publicação. Além
destes, existem mais oito registros implantados em outras capitais brasileiras, encontran-
do-se em diferentes fases de operação.
Antes do acelerado crescimento da mortalidade por causas externas, verificado des-
de o final da década de 80, o câncer representava a segunda causa de morte entre a
população brasileira adulta. Desde 1987, ele tem permanecido como a terceira causa de
óbitos (12%, em média), sendo que, de 1987 a 1995, aumentou em torno de 28% ao ano.
Na figura abaixo, encontram-se os percentuais de mortalidade por causas mais comumente
informadas em 1995.
Distribuição proporcional das principais causas de morte - Brasil – 1995.
Fonte: SIM – Sistema de Informação sobre Mortalidade – DATASUS/MS.
O Brasil classifica-se entre os países com maior incidência de câncer, em todo o
mundo. Porto Alegre apresenta as mais altas taxas brasileiras, entre os homens, seguida
por Fortaleza, Belém, Campinas e Goiânia. No sexo feminino, a ordem é a mesma,
exceto pela taxa maior em Goiânia do que em Campinas.
A partir dos dados desses cinco RCBP, do SIM e de censos populacionais, estima-se,
para 1998, que ocorrerão 269.000 casos novos de câncer, sendo 140.705 em mulheres
(52,3%) e 128.295 em homens (47,7%) em todo o Brasil. Quanto à mortalidade por
câncer, para este mesmo ano, a estimativa é de 107.950 óbitos, dos quais 58.070 (53,8%),
entre homens, e 49.880 (46,2%) entre mulheres.
Na tabela a seguir, esses óbitos e casos novos são distribuídos por sexo e principais
localizações primárias de tumor, com suas respectivas taxas específicas.
Tabela 4 - Números e taxas específicas de casos novos e óbitos por câncer estima-
dos para 1998, segundo localização primária e sexo.
O número esperado de óbitos por câncer no Brasil, para 1998, estimado a partir do
número médio de óbitos do período de 1980-95, foi calculado por topografia, sexo e faixa
etária. Este número foi dividido pela população média do período, o que gerou as taxas,
também médias, de óbitos por 100.000 habitantes, igualmente distribuídas por topografia,
sexo e faixa etária.
O número de óbitos esperados para 1998, dividido pela população padrão censitária
de 1991, originou a taxa estimada de mortalidade por câncer, para o Brasil, em 1998.
Supondo-se que o padrão de mortalidade por câncer do período de 1980-95 não se alte-
rará em 1998, obteve-se o número de óbitos estimado para este ano, multiplicando-se a
taxa média de óbitos daquele período pela população estimada para 1998.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 5 3
A população de 1998, por sua vez, foi estimada, baseando-se nas populações censitárias
de 1980 e 1991. E, pelo método geométrico, estimou-se a população residente no Brasil
em 1998, por sexo e faixa etária. A distribuição da população por região, segundo sexo,
foi baseada na proporcionalidade com relação à população censitária de 1991.
A taxa de mortalidade específica por localização e sexo resultou da divisão do núme-
ro total de óbitos, relativo a cada localização, pelo número correspondente de homens e
mulheres.
Os óbitos esperados para 1998 por neoplasia malignas são apresentados nas tabelas
abaixo, distribuídos por faixa etária, sexo e localizações primárias selecionadas. A dife-
rente subdivisão de faixas etárias abaixo de 29 anos apresentadas nas tabelas Brasil –
Homens e Brasil – Mulheres deve-se a que ou não se registraram óbitos entre 0 e 29
anos ou as topografias selecionadas são incompatíveis com esta faixa etária.
Número de óbitos por câncer estimado para 1998, segundo faixa etária e sexo. Brasil
- Faixa etária
(anos) Homens Mulheres Total
0 a 9 915 720 1.635
10 a 19 860 635 1.495
20 a 29 1.140 1.055 2.195
30 a 39 2.240 3.160 5.400
40 a 49 5.360 6.040 11.400
50 a 59 10.760 8.985 19.745
60 a 69 15.965 11.890 27.855
70 a 79 13.770 10.615 24.385
80 e mais 7.060 6.780 13.840
Total 58.070 49.880 107.950
Número de óbitos por câncer estimado para 1998, segundo faixa etária,
sexo e topografias selecionadas.
Brasil – Homens
Faixa etária (anos) Pulmão Estômago Próstata Esôfago Cólon e Reto
Menores de 29 60 50 10 10 70
30 a 39 180 250 10 80 130
40 a 49 730 775 45 480 230
50 a 59 2.015 1.660 290 1.015 430
60 a 69 3.230 2.590 1.170 1.225 730
70 a 79 2.345 2.295 2.015 795 735
80 e mais 840 1.060 1.655 355 420
Total 9.400 8.680 5.195 3.960 2.745
Número de óbitos por câncer estimado para 1998, segundo faixa etária,
sexo e topografias selecionadas.
Brasil – Mulheres
Faixa etária (anos) Mama Colo do Útero Estômago Pulmão Cólon e Reto
2 5 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Menores de 29 70 130 50 40 55
30 a 39 640 710 180 115 150
40 a 49 1.370 1.310 360 315 265
50 a 59 1.690 1.495 640 645 480
60 a 69 1.650 1.500 1.120 945 805
70 a 79 1.095 1.090 1.265 810 880
80 e mais 650 580 905 430 660
Total 7.165 6.815 4.520 3.300 3.295
Para o cálculo do número estimado de casos novos de câncer, a fonte primária de
dados foram os Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP). Utilizaram-se os
dados publicados ou informados pelos cinco RCBP, relativos aos seguintes anos, por
Registro: Belém (1987, 1988, 1989-91), Fortaleza (1979-82, 1983, 1985), Goiânia (1988-
95), Campinas (1991-93) e Porto Alegre (1979-82, 1987, 1990-93).
O total de casos novos de câncer foi calculado, por RCBP, para os respectivos perí-
odos de tempo e, a partir do total da população do mesmo período, calculou-se uma taxa
de incidência média para cada Registro. Esta taxa foi multiplicada pela população da
macro-região correspondente a cada registro, estimada para 1998. Os resultados deste
cálculo são os respectivos números de casos novos de câncer esperados para 1998. A
soma destes números, por sua vez, gerou o total de casos esperados para o Brasil.
O número de casos novos esperados para cada macrorregião, em 1998, dividido pela
respectiva população padrão censitária, levantada em 1991, originou a correspondente
taxa estimada de incidência de câncer, para 1998. E o número de casos novos de câncer
esperados para o Brasil, neste ano, dividido pela sua população censitária, em 1991,
gerou a taxa estimada de incidência de câncer no Brasil em 1998.
Além do cálculo do número total de casos novos e das taxas estimadas de incidência
de câncer, calcularam-se também esses índices para as topografias tumorais mais fre-
qüentes, de acordo com a informação resgatada dos relatórios atualizados dos RCBP e
da publicação Câncer no Brasil – Dados dos Registros de Câncer de Base Populacional,
Vol. II, editada pelo INCA, em 1995.
A taxa de incidência de câncer específica por topografia e sexo foi calculada com a
mesma metodologia usada para o cálculo da taxa de mortalidade específica.
A tabela abaixo mostra o número de casos novos e a taxa de incidência de câncer
específica por sexo e localizações primárias dos tumores de maior ocorrência, espera-
dos para 1998, no Brasil.
Foram calculados, também, os mesmos números, taxas e percentuais por
macrorregiões: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
Como na publicação de 1997, os tumores de pele foram alocados na categoria “Ou-
tros”.
Casos novos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo
localização primária e sexo.
Brasil
Total Homens Mulheres
Localização Nº de % Nº de Taxa Nº de Taxa
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 5 5
Primária casos casos Esp.* casos Esp.*
Mama (174) 32.695 12,15 - - 32.695 44,0
Colo de Útero (180) 21.725 8,08 - - 21.725 29,2
Estômago (151) 20.665 7,68 13.595 18,7 7.070 9,5
Pulmão (162) 20.000 7,43 15.040 20,7 4.960 6,7
Cólon e Reto (153-4) 19.555 7,27 9.305 12,8 10.250 13,8
Próstata (185) 14.665 5,45 14.665 20,2 - -
Boca (140-5) 8.145 3,03 5.970 8,2 2.175 2,9
Bexiga (188) 7.655 2,85 5.800 8,0 1.855 2,5
Esôfago (150) 7.140 2,65 5.370 7,4 1.770 2,4
Corpo do Útero (182) 5.685 2,11 - - 5.685 7,6
Outras * 111.070 41,3 58.550 80,8 52.520 70,6
Total 269.000 100,00 128.295 176,8 140.705 189,2
* por 100.000 homens - * por 100.000 mulheres - * inclui pele
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e
mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998.
Casos novos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo
localização primária e sexo.
Região Norte
Homens Mulheres
Localização Nº de Taxa Localização Nº de Taxa
Primária casos Esp.* primária casos Esp.**
Estômago (151) 1.310 25,6 Colo do Útero (180) 2.300 46,8
Pulmão (162) 720 14,1 Mama (174) 1.0802 2,0
Próstata (185) 530 10,4 Estômago (151) 510 10,4
Boca (140-5) 350 6,8 Cólon e Reto (153-4) 340 6,9
Cólon e Reto (153-4) 225 4,4 Pulmão (162) 220 4,5
Esôfago (150) 175 3,4 Boca (140-5) 1803,7
Bexiga (188) 140 2,7 Corpo do Útero (182) 100 2,0
Outras * 3.785 74,0 Esôfago (150) 40 0,8
Total 7.235 141,4 Bexiga (188) 350,7
Outras* 2,580 52,5
Total 7.385 150,3
Homens e Mulheres
Localização primária Número de casos
Colo do Útero (180) 2.300 15,73 %
Estômago (151) 1.820 12,45 %
Mama (174) 1.080 7,39 %
Pulmão (162) 940 6,43 %
Cólon e Reto (153-4) 565 3,86 %
Próstata (185) 530 3,62 %
Boca (140-5) 530 3,62 %
Esôfago (150) 215 1,47 %
2 5 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Bexiga (188) 175 1,2 %
Corpo de Útero (182) 100 0,68 %
Outras * 6.365
Total 14.620
* por 100.000 homens
* por 100.000 mulheres
* inclui pele
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e
mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998.
Casos novos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo
localização primária e sexo.
Região Nordeste
Homens Mulheres
Localização Nº de Taxa Localização Nº de Taxa
Primária casos Esp.* primária casos Esp.**
Estômago (151) 5.280 25,3 Mama (174) 8.770 40,5
Próstata (185) 3.150 15,1 Colo do Útero (180) 8.210 37,9
Pulmão (162) 2.790 13,4 Estômago (151) 2.460 11,4
Cólon e Reto (153-4) 1.400 6,7 Cólon e Reto (153-4) 1.520 7,0
Esôfago (150) 1.180 5,7 Corpo do Útero (182) 1.280 5,9
Boca (140-5) 1.170 5,6 Pulmão (162) 1.000 4,6
Bexiga (188) 620 3,0 Boca (140-5) 710 3,3
Outras * 18.870 90,6 Esôfago (150) 480 2,2
Total 34.460 165,4 Bexiga (188) 220 1,0
Outras* 16.935 78,1
Total 41.585 191,9
Homens e Mulheres
Localização primária Número de casos
Mama (174) 8.770 11,53 %
Estômago (151) 8.210 10,80 %
Mama (174) 7.740 10,18 %
Pulmão (162) 3.790 5,0 %
Cólon e Reto (153-4) 3.150 4,14 %
Próstata (185) 2.920 3,84 %
Boca (140-5) 1.880 2,47 %
Esôfago (150) 1.660 2,18 %
Bexiga (188) 1.280 1,58 %
Corpo de Útero (182) 840 1,1 %
Outras * 35.805
Total 76.045
* por 100.000 homens
* por 100.000 mulheres
* inclui pele
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 5 7
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e
mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998.
Casos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo
localização primária e sexo.
Região Centro-Oeste
Homens Mulheres
Localização Nº de Taxa Localização Nº de Taxa
Primária casos Esp.* primária casos Esp.**
Próstata (185) 1.105 23,3 Mama (174) 1.710 36,4
Pulmão (162) 670 14,1 Colo do Útero (180) 1.525 32,5
Estômago (151) 630 13,3 Cólon e Reto (153-4) 540 11,5
Cólon e Reto (153-4) 420 8,9 Estômago (151) 390 8,3
Boca (140-5) 360 7,6 Pulmão (162) 280 6,0
Esôfago (150) 270 5,7 Corpo do Útero (182) 155 3,3
Bexiga (188) 230 4,9 Bexiga (188) 120 2,6
Outras * 6.880 145,4 Boca (140-5) 105 2,2
Total 10.565 223,2 Esôfago (150) 80 1,7
Outras* 7.320 155,9
Total 12.225 260,4
Homens e Mulheres
Localização primária Número de casos
Mama (174) 1.710 7,50 %
Colo do Útero (180) 1.525 6,69 %
Próstata (185) 1.105 4,85 %
Estômago (151) 1.020 4,48 %
Cólon e Reto (153-4) 960 4,21 %
Pulmão (162) 950 4,17 %
Boca (140-5) 465 2,04 %
Bexiga (188) 350 1,54 %
Esôfago 350 1,54%
Corpo de Útero (182) 155 0,68 %
Outras * 14.200
Total 22.790
* por 100.000 homens
** por 100.000 mulheres
* inclui pele
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e
mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998.
Casos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo
localização primária e sexo.
Região Sul
Homens Mulheres
2 5 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Localização Nº de Taxa Localização Nº de Taxa
Primária casos Esp.* primária casos Esp.**
Pulmão (162) 6.430 58,6 Mama (174) 8.250 74,0
Próstata (185) 3.670 33,4 Colo do Útero (180) 3.300 29,6
Cólon e Reto (153-4) 2.590 23,6 Cólon e Reto (153-4) 2.870 25,7
Estômago (151) 2.200 20,0 Pulmão (162) 1.950 17,5
Esôfago (150) 2.020 18,4 Estômago (151) 1.080 9,7
Bexiga (188) 1.540 14,0 Corpo do Útero (182) 990 8,9
Boca (140-5) 1.210 11,0 Esôfago (150) 835 7,5
Outras * 8.985 81,9 Bexiga (188) 435 3,9
Total 26.645 260,9 Boca (140-5) 305 2,7
Outras* 8.17073,2
Total 28.185 252,7
Homens e Mulheres
Localização primária Número de casos
Pulmão (162) 8.380 14,75 %
Mama 174) 8.250 14,52 %
Cólon e Reto (153-4) 5.460 9,61 %
Próstata (185) 3.670 6,46 %
Colo do Útero (180) 3.300 5,81 %
Estômago (151) 3.280 5,77 %
Esôfago 2.855 5,02 %
Bexiga (188) 1.975 3,40 %
Boca (140-5) 1.515 2,67 %
Corpo de Útero (182) 990 1,74 %
Outras * 17.155
Total 56.830
* por 100.000 homens
** por 100.000 mulheres
* inclui pele
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e
mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998.
Casos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo
localização primária e sexo.
Região Sudeste
Homens Mulheres
Localização Nº de Taxa Localização Nº de Taxa
Primária casos Esp.* primária casos Esp.**
Próstata (185) 6.210 20,2 Mama (174) 12.885 40,3
Cólon e Reto (153-4) 4.665 15,2 Colo do Útero (180) 6.390 20,0
Pulmão (162) 4.420 14,4 Cólon e Reto (153-4) 4.980 15,6
Estômago (151) 4.175 13,6 Corpo do Útero (182) 3.160 9,9
Bexiga (188) 3,270 10,6 Estômago (151) 2,630 8,2
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 5 9
Boca (140-5) 2.880 9,7 Pulmão (162) 1.520 4,7
Esôfago (150) 1.720 5,6 Bexiga (188) 1.045 3,3
Outras * 20.030 65,1 Boca (140-5) 875 2,7
Total 47.370 154,1 Esôfago (150) 340 1,1
Outras* 17.520 54,8
Total 51.345 160,6
Homens e Mulheres
Localização primária Número de casos
Mama (174) 12.885 13,05 %
Cólon e Reto (153-4) 9.645 9,77 %
Estômago (151) 6.805 6,89 %
Colo do Útero (180) 6.390 6,47 %
Próstata (185) 6.210 6,29 %
Pulmão (162) 5.940 6,02 %
Bexiga (188) 4.315 4,37 %
Boca (140-5) 3.755 3,80 %
Corpo do Útero (182) 3.160 3,20 %
Esôfago 2.060 2,10 %
Outras * 37.550
Total 98.715
* por 100.000 homens
** por 100.000 mulheres
* inclui pele
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e
mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998.
Considerações finais
Os números de óbitos estimados e casos novos por câncer devem ser interpreta-
dos com cautela, quando utilizados para estudos comparativos e de tendências.
O número estimado de óbitos baseia-se na suposição de que o padrão de mortalidade
do período estudado se manterá o mesmo no período estimado. O mesmo raciocínio se
dá com o número de casos novos, cujo cálculo se baseia no pressuposto de que a distri-
buição desses casos, no período divulgado pelo registro, também se manterá no ano da
estimativa.
A estimativa anual do número de óbitos e de casos novos de câncer busca atualizar
os dados de morbi-mortalidade por câncer no Brasil. Por sua vez, a extrapolação dos
dados dos RCBP permite estimar a incidência do câncer em toda a população brasileira.
Quanto maior a extrapolação, menor a precisão dos dados estimados, daí a necessi-
dade de se continuar buscando ampliar a cobertura populacional dos registros de câncer.
À medida que estimativas anuas se sucederem, com dados mais completos, poder-
se-á contar, no Brasil, com informações cada vez mais próximas da realidade.
Além disso, o trabalho contínuo dos RCBP permitirá a análise de séries históricas da
2 6 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
incidência de câncer no país, à semelhança de que já se dispõe com relação à mortalida-
de.
Isso permitirá não somente melhor planejar ações de saúde, como também avaliar,
em bases reais, o impacto das mesmas.
Câncer cutâneo
Eugênio Raul de Almeida Pimentel
O Câncer Cutâneo está entre os mais freqüentes do organismo humano. Entre os
cânceres cutâneos mais freqüentes estão o Carcinoma Basocelular (71,4%), o Carcino-
ma Espinocelular e o Melanoma Maligno, segundo levantamento realizado em laborató-
rio de Anatomia Patológica no Brasil.
O aparecimento destes tumores está relacionado ao binômio pele clara e exposição
ao sol.
Observou-se ultimamente o aumento da incidência em pessoas jovens e a possível
explicação é pela maior exposição solar, por razões de ordem estética no processo de
bronzeamento e pela diminuição da camada de ozônio atmosférico.
Os Carcinoma Basocelular e o Carcinoma Espinocelular estão mais relacionados à
exposição crônica ao sol e uma evidência da participação solar é a maior freqüência
destes tumores nas áreas corpóreas menos protegidas das radiações solar. Entre estas a
mais importante é a Radiação Ultravioleta B e, em seguida, a Radiação Ultravioleta A.
A faixa etária de maior prevalência destes tumores é dos 40 aos 60 anos e não há
preferência quanto ao sexo.
Quanto à clínica, o Carcinoma Basocelular apresenta alguns aspectos morfológicos
diferentes, classificados nos seguintes tipos principais: nodular, superficial,
esclerodermiforme e terebrante, podendo ter como variantes o tipo pigmentado e ulcera-
do.
Observam-se dois dados comuns aos tipos clínicos morfológicos: a presença de
telangiectasias e o aspecto perláceo.
O Carcinoma Basocelular é de crescimento lento, demorando meses ou anos para
ser notado. Apesar de ser uma neoplasia maligna, o seu crescimento é expansivo sendo
uma raridade o aparecimento de metástase, mas muitas vezes por um crescimento pro-
gressivo forma grandes tumores, desfigurantes para o paciente.
A diagnose diferencial se faz com outros tumores malignos e benignos como o Car-
cinoma Espinocelular, Melanoma, Queratose, Seborréica, Nevocelular, Disqueratose de
Bowen.
Com relação ao tratamento, existem várias modalidades:
- A cirurgia excisional, procedimento clássico em quaisquer tipos de Carcinoma
Basocelular.
- A Curetagem e Eletrocoagulação, procedimento simples e prático, reservado aos
tumores menores do que 1,0 cm e não próximo dos orifícios naturais.
- A Criocirurgia, utilizando o Nitrogênio Líquido (-196º), destrói a massa tumoral por
congelamento, sendo também prático e de fácil execução, tendo as mesmas indicações
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 6 1
da curetagem e eletrocoagulação.
- A Radioterapia é um método clássico menos usado atualmente e contra-indicado
nos doentes mais jovens.
- A Cirúrgica Micrográfica de Mohs é uma cirurgia mais trabalhosa pois envolve um
laboratório para exame por congelação, mas é a que tem mostrado maior índice de cura,
sendo indicada principalmente nos tumores recidivados, ou do tipo esclerodermiforme ou
naqueles com limites mal definidos.
Com relação ao Carcinoma Espinocelular, podem-se utilizar as mesmas modalidades
terapêuticas, com mais ênfase para Cirurgia Excisional ou Cirurgia Micrográfica de
Mohs, e a avaliação da presença de matástases principalmente em gânglios, pois este
tipo de tumor pode disseminar-se sobretudo quando localizado em mucosas ou extremi-
dades e quando não evolui de queratoses actínicas ou com até 6 mm de diâmetro.
Quanto ao Melanoma, o tratamento é essencialmente cirúrgico e é importante o exa-
me histopatológico para avaliar a profundidade de invasão, ou seja, os Níveis de Clark e
Breslow, pois assim poderá ser orientada a margem cirúrgica e a probabilidade de
metástase e poderá ser definido se a retirada de gânglios será realizada profilaticamente.
Como medida preventiva importante deve-se orientar a população, especialmente as
pessoas de pele clara, quanto à exposição ao sol, principalmente entre as 9 e 16 horas no
verão e uso de protetor contra a radiação ultravioleta, usando barreiras físicas como o
guarda-chuva, chapéus ou equivalentes.
Podem-se utilizar também os protetores químicos como os cremes ou loções com
substâncias fotoprotetoras.
É importante também o tratamento de lesões precursoras do câncer cutâneo. As
lesões precursoras do câncer cutâneo não melanomas são:
- Queratose Actínica e leucoplasias que podem evoluir para o carcinoma espinocelular.
- Cicatrizes de Queimaduras, radiodermatite crônica, úlceras crônicas que podem
evoluir para carcinoma basocelular ou espinocelular.
As lesões precursoras do melanoma são os nevos melanocíticos congênitos, princi-
palmente aqueles maiores do que 20 cm de diâmetro; os nevos melanocíticos adquiridos
que aparecerem na infância e adolescência; os nevos displásticos que surgem na infân-
cia, adolescência e no jovem adulto, sendo diferenciado dos anteriores por não apresen-
tarem a cor ou borda uniformes.
Por último, uma mancha pigmentada de crescimento lento, que aparece no idoso,
chamada Lentigo Maligno, pode evoluir para Melanoma em aproximadamente 30% dos
casos.
A importância quanto à saúde pública é esclarecer a população sobre as modifica-
ções destes nevos pigmentados, tais como o crescimento rápido, modificações na cor,
alterações das bordas, ou presença de halo eritemato, prurido, ulcerações e presença de
pequenos pontos escuros ao redor.
Resumindo, a prevenção do câncer cutâneo deve ser a conscientização da população
quanto à exposição ao sol e ao tratamento precoce das lesões pré-malignas ou malignas
em fase inicial por meio de orientação de grupos paramédicos e de campanhas de saúde
pública.
2 6 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Dermatite ocupacional
Eugênio Raul de Almeida Pimentel
A Dermatite de Contato é uma das dermatoses mais freqüentes atualmente, pois
cada vez é maior o número de produtos ou substâncias químicas com que o homem entra
em contato no dia-a-dia.
Profissionalmente este contato, seja direto ou por inalação ou ingestão, é capaz de
desencadear a Dermatite de Contato.
A Dermatite de Contato pode ocorrer por dois mecanismos:
- Irritante primário, na qual fenômenos imuno-alérgicos não estão envolvidos.
- Por sensibilização, onde mecanismos imuno-alérgicos são os responsáveis pelo apa-
recimento das lesões cutâneas e do prurido.
A Dermatite de Contato Ocupacional é a doença profissional mais freqüente e os
testes de contato com uma série de alérgicos como “screening” têm mostrado um gran-
de número de substâncias imputáveis.
Na indústria ou em qualquer local de trabalho, os testes de contato são indicados
somente para diagnose da dermatite eczematosa de contato alérgico ou por sensibilização.
Lembramos que os testes de contato não têm nenhum valor na Dermatite de Contato
por irritante primário.
Na suspeita de Dermatite Ocupacional antes dos teste de contato, é importante a
história clínica, quadro clínico e a avaliação da exposição ao contactante suspeito.
A história clínica pode orientar qual tipo de substância ou grupo de substâncias esta-
riam envolvidos na dermatite e também direcionar na escolha das substâncias suspeitas
para a realização dos testes de contato.
A anamnese nos auxiliaria também na detecção do uso de cremes ou outros produtos
tópicos utilizados previamente no tratamento, que poderiam ter agravado ou mesmo
serem os responsáveis pelo quadro dermatológico.
Alguns exemplos de tópicos que poderão ser sensibilizantes são:
Baixo poder de Sensibilização Maior poder de sensibilização
Anestésicos Lidocaína Tópica Banzocaína
Antibióticos Neomicina
Anti-histamínicos Aqueles utilizados em cremes
Anti-sépticos Sol. De Betadina Thimerosal
Nitrofurezone
Além destes princípios ativos que podem sensibilizar, o uso de conservantes ou
antioxidantes utilizados na preparação de cremes, como a etilenodramina e o grupo pa-
rabéns, também apresenta potencial de sensibilização.
O quadro clínico é importante, pois nos auxilia na localização de substância suspeita,
tanto quanto a topografia. A morfologia das lesões poderia sugerir qual tipo de material
estaria envolvido. Por exemplo: lesões bolhosas na Dermatite por um tipo de madeira, a
Aroeira nos trabalhadores de serrarias, ou em doentes que apresentam lesões seme-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 6 3
lhantes às da escabiose e que trabalham com níquel, apresentando um quadro cutâneo
chamado sarna dos niqueladores.
Nos locais de trabalho onde exista a possibilidade da Dermatite Ocupacional, as
pessoas deveriam ser orientadas quanto ao uso de luvas especiais, à utilização de barrei-
ras físicas para evitar o contato com a substância química e à utilização de aspiradores
para evitar a aspiração de produtos químicos.
Quando o diagnóstico de Dermatite de Contato é realizado, deve-se tratar o mais
precocemente para evitar o agravamento ou complicação.
Bibliografia consultada e recomendada
Cardiologia
Neurologia
COCKERELL O C;SHORVON S D, Epilepsia conceitos atuais. Institute os Neurology and Naci-
onal Hospital for Neurology and Neurosurgery,Queen Square,London,traduzido pela Dra
Elza Marcia T Yacubian Sào Paulo Lemos Editorial –1997
GAGLIARDI, R. J. Doença cerebrovascular – Ed Sociedade Brasileira de Doenças
cerebrovasculares São Paulo 1996
GUERREIRO C M A;GUERREIRO M M,Epilepsia.—2.ed. São Paulo: Lemos Editorial,1996
MARSHALL, J. The management of cerebrovascular disease. 3.ed. London: Blackell Scientific
Publications, 1976.
MERRIT, H. H. A text book os neurology. 5.ed. Philadelphia: Ed Lea e Febiger, 1973.
OJERMANN, R. G.; HEROS, R. C.; CROOWELL, R.M. Surgical Management of cerebrovascular
disease. 2.ed. Williams e Wiilkins USA –1987.
SHORVON, S. D. Conceitos atuais na compressão e conduta das epilepsias. Epilepsy Monitor
(London), v.1, n.3, 1997
THE LANCET, Epilepsy: A Lancet Review, (London), 1990.
Endocrinologia
Epidemiologia do câncer
BRASIL. Ministério do Planejamento e Orçamento. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE. Censo Demográfico do Brasil de 1991. Rio de Janeiro. IBGE, Home Page.
BRASIL. Ministério da Saúde. Estatísticas de Mortalidade: Brasil 1980 – 1985, Sistema de Infor-
mação Sobre Mortalidade – SIM. Brasília. FNS/DATASUS, Home Page.
BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Câncer no Brasil – Dados dos
Registros de Câncer de Base Populacional, vol. II. Rio de Janeiro. Pro-Onco/INCA, 1995.
BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Pro-Onco. Estimativa de incidência
e mortalidade por câncer no Brasil para 1995. Rabelo, MS e Cols (Coord). Rio de Janeiro,
1995.
BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Pro-Onco. Câncer no Brasil – dados
dos Registros de Câncer de Base Populacional, vol. II. Rio de Janeiro, 1995.
DUCHIADE, M. P. Estimativas e projeções populacionais: fonte de dados e métodos. Texto
apresentado no International Course on Cancer Registration. Rio de Janeiro, out. 1995.
GRANADOS. M.P. (Org.). Métodos para proyecciones subnacionales de población. Bogotá:
Centro Latino Americano de Demografia, 1989.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Anuário Estatístico do
Brasil. Rio de Janeiro. IBGE, 1994.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. National Cancer Control Programmes: Policies and
2 6 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Managerial Guidelenes. Genebra. WHO, 1995.
XI - Imunoprofilaxia
Noções de Imunologia
Kathia Brienza Badini Marulli
Introdução
O termo “imunologia” tem sua origem no vocábulo grego “immunis”, que significa
“livre de”, “protegido contra”. Assim, pode-se concluir que o objeto de estudo desta
ciência é a maneira como ocorre a proteção do organismo.
Existem várias aplicações para os princípios e conhecimentos da Imunologia:
prevenção de doenças ou imunoprofilaxia: é feita principalmente por meio da apli-
cação de vacinas, que imunizam aqueles que as recebem, protegendo-os contra
doenças específicas;
diagnóstico: existem vários testes para diagnóstico que se baseiam nos princípios
das reações imunológicas (sorodiagnóstico, alergodiagnóstico, etc.);
tratamento das doenças: muitas vezes a intervenção terapêutica deve ser imedia-
ta, não havendo tempo para que o organismo produza sua própria defesa. Nestas
ocasiões, os pacientes necessitam receber soros hiperimunes, ou seja, com anticorpos
específicos já prontos, produzidos por outros indivíduos (soro antiofídico, antitoxina
botulínica e tetânica, por exemplo).
Para se entender como ocorre a proteção do organismo do homem e dos animais,
alguns dos fatores envolvidos na relação entre hospedeiro (animais domésticos, homem)
e parasitas (agentes patogênicos) devem ser recordados.
Agentes patogênicos (ou patógenos) são aqueles capazes de causar doenças, como
bactérias, vírus, fungos, protozoários, helmintos, etc.. Quando um agente patogênico
invade os tecidos do hospedeiro, neles se multiplicando, dizemos que está ocorrendo uma
infecção. Nem todas as infecções resultam em doença (algumas ficam subclínicas, por
exemplo); vários fatores determinarão se a enfermidade ocorrerá ou não, como, por
exemplo, a virulência do agente, o número de patógenos a que o hospedeiro é exposto e
a resistência do hospedeiro. Virulência é o grau de patogenicidade de um agente infec-
cioso, indicado pelas taxas de letalidade e pela sua capacidade para invadir e danificar os
tecidos do hospedeiro. A patogenicidade é a capacidade de o agente produzir doença.
Alguns microrganismos não afetam o homem (ou os animais) porque são incapazes
de ultrapassar as barreiras naturais do hospedeiro à infecção (ou seja, a defesa do orga-
nismo, nestes casos, é eficiente).
Mecanismos inespecíficos de defesa
Os mecanismos inespecíficos de defesa também são denominados resistência
inespecífica ou defesa inata. São mecanismos gerais de defesa do hospedeiro. Servem
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 6 5
como proteção para diversos agentes. Não dependem do contato prévio com o agente
infeccioso (que passaremos a denominar ANTÍGENO). Estão presentes ao nascer ou
se desenvolvem naturalmente com o crescimento e/ou maturação do hospedeiro. A de-
fesa inespecífica é tão importante quanto a específica.
Estes mecanismos são constituídos por:
1. BARREIRAS ANATÔMICAS (físicas e químicas):
- pele e mucosas (servem para dificultar a entrada do agente no organismo. Ex.: a
mucosa respiratória produz muco, que envolve o agente invasor).
- Secreções (ácido clorídrico no estômago; ácidos graxos na pele; enzimas com ativi-
dade bactericida, como a lisozima, etc.).
2. DEFESA HUMORAL:
Substâncias presentes no soro, que auxiliam na defesa do organismo:
- sistema complemento (conjunto de proteínas do soro);
- interferon (proteína produzida por células infectadas por vírus);
- interleucinas (ou citocinas).
3. DEFESA CELULAR:
Células responsáveis pela fagocitose, ou seja, pela englobação e destruição de partí-
culas sólidas. As células fagocitárias dividem-se em:
- polimorfonucleares: neutrófilos, eosinófilos, basófilos;
- mononucleares: monócitos e macrófagos (sistema retículo-endotelial).
4. RESPOSTA INFLAMATÓRIA:
Caracterizada por edema, eritema, dor e calor, a resposta inflamatória é uma respos-
ta do organismo a uma agressão externa. É composta por vários fenômenos, dentre eles
o acúmulo de polimorfonucleares e macrófagos no local.
FATORES QUE INFLUENCIAM A RESPOSTA NÃO ESPECÍFICA
idade;
sexo;
raça e espécie (fatores genéticos);
nutrição;
irradiação;
drogas supressoras (corticóides);
traumatismos;
estresse (aumenta a secreção de glicocorticóides, que limitam a produção de
linfócitos e a síntese de imunoglobulinas).
Mecanismos específicos de defesa
Os mecanismos específicos de defesa são também conhecidos como imunidade ad-
quirida ou, simplesmente, imunidade. A imunidade difere da resistência inespecífica por-
que é ativa contra um determinado patógeno (antígeno). Para que o organismo desen-
volva uma defesa específica deve ser exposto previamente ao antígeno.
2 6 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
ANTÍGENO (ou substância antigênica) é a substância capaz de estimular uma res-
posta imunológica como, por exemplo, a produção de anticorpos. Geralmente é uma
proteína, estranha ao hospedeiro. Pode ser também um polissacarídeo.
ANTICORPOS são proteínas sintetizadas em resposta a um estímulo antigênico.
DETERMINANTE ANTIGÊNICO: menor porção da molécula do antígeno capaz
de induzir a resposta imune. O determinante antigênico deve estar exposto na molécula
do antígeno.
Quando um antígeno entra no organismo do hospedeiro, é atacado pelas células
fagocitárias, primeiramente pelos neutrófilos e, a seguir, pelos macrófagos. Estas células
tentam destruir o antígeno, por meio da fagocitose. Se elas conseguirem, o problema esta-
rá resolvido. Entretanto, se a ação destas células não for suficiente para a destruição
completa do antígeno, será desencadeada uma resposta de defesa específica (resposta
imune).
MATERIAL ESTRANHO —> organismo —> Células Fagocitárias
(antígeno) Neutrófilos Macrófagos
atacam
ingerem
destroem
A resposta imune é composta por uma complexa seqüência de eventos, sendo
desencadeada pela introdução de um estímulo (antígeno) e, geralmente, culminando na
eliminação do agente provocador.
Quem realiza a resposta imune (ou resposta imunológica) no organismo é o sistema
linfóide, composto por células e órgãos linfóides.
Os órgãos linfóides dividem-se em primários ou centrais e secundários ou periféricos.
Os órgãos linfóides primários são o timo e a “bursa” ou bolsa de Fabricius, sendo que este
último é um órgão que existe exclusivamente nas aves. A função dos órgãos linfóides
primários é a formação, desenvolvimento e maturação das células linfóides. Nos mamífe-
ros, a medula óssea desempenha a função da bolsa de Fabricius.
Os órgãos linfóides secundários são responsáveis pelo armazenamento e distribuição
das células linfóides. Estes órgãos encontram-se estrategicamente distribuídos pelo cor-
po e são eles os linfonodos, o baço e agregados linfóides como, por exemplo, as amídalas,
as placas de Peyer e o apêndice.
As células linfóides possuem uma origem comum, uma célula primordial ou célula-
mãe, que se diferenciará em vários tipos celulares diferentes. Estas células primordiais
(também denominadas “stem cell”) são produzidas nas ilhotas sangüíneas do saco vitelino,
no fígado fetal e, nos adultos, na medula óssea.
As células primordiais dão origem aos linfócitos, neutrófilos, eosinófilos, basófilos,
monócitos (que, por sua vez, darão origem aos macrófagos) e às hemácias e plaquetas.
Os linfócitos são as células imunocompetentes, ou seja, aquelas responsáveis pela
realização da resposta imune. Eles dividem-se em duas grandes subpopulações: linfócitos
T (aqueles que amadurecem no timo) e linfócitos B (provenientes da bolsa de Fabricius
ou da medula óssea). Os linfócitos T serão os responsáveis pela resposta imune do tipo
celular, enquanto os linfócitos B farão a resposta imune do tipo humoral, como será
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 6 7
comentado a seguir.
A função primária da resposta imune é identificar elementos estranhos ao organismo
(microrganismos, enxertos, substâncias do meio ambiente). A discriminação entre o “pró-
prio” e o “não-próprio” é obtida por meio das moléculas do complexo principal de
histocompatibilidade (CPH ou MHC = major histocompatibility complex). O antígeno
só é reconhecido pelos linfócitos T quando está em conjunto com moléculas do CPH.
O CPH é um grupo de proteínas localizadas na superfície de várias células. Existem
duas classes diferentes de CPH, e cada uma delas é reconhecida por um tipo de linfócito
T. As moléculas de CPH de classe I são expressas virtualmente por todos os tipos de
células somáticas e são usadas para apresentar substâncias às células T-CD8, a maioria
das quais são citotóxicas. Praticamente qualquer célula pode apresentar antígenos às
células T-citotóxicas e assim servir como objeto de uma resposta citotóxica.
As proteínas CPH de classe II são expressas apenas por macrófagos (e por algu-
mas outras poucas células) e são necessárias para a apresentação do antígeno às célu-
las T-CD4 (células helper). Como a ativação dos linfócitos T-helper é necessária para a
ocorrência de todas as respostas imunes, as CPH de classe II ligadas à célula apresen-
tadora de antígeno (APC) desempenham um papel essencial no controle destas respos-
tas.
Os antígenos são capturados pelas células apresentadoras de antígeno, são proces-
sados e ficam expostos na superfície da célula, associados às moléculas de CPH de
classe II. Desta forma, podem ser detectados por células T-helper. Este processo é
denominado apresentação do antígeno. Um linfócito T-CD4 que entra em contato direto
com uma célula apresentadora de antígeno torna-se ativado (para que isso aconteça, o
linfócito deve possuir receptores em sua superfície que reconheçam e se liguem ao
complexo CPH-antígeno apresentado pela APC).
Linfócitos t
São as células responsáveis pela imunidade celular. Não produzem anticorpos. São
importantes na defesa contra fungos, enxertos, células neoplásicas, enfermidades infec-
ciosas crônicas (como, por exemplo, a Tuberculose).
Os linfócitos T agem pela liberação de fatores solúveis (interleucinas), que emitem
sinais para outras células, ou por interação direta célula a célula.
Ø Linfócitos t-helper ou t-auxiliares
São responsáveis pelo processo de ativação celular dos linfócitos T em repouso e dos
linfócitos B por meio da elaboração de fatores de crescimento, fatores blastogênicos e de
diferenciação celular (interleucinas). Os linfócitos T-auxiliares interagem com as células
B, auxiliando-as na produção de anticorpos. Também auxiliam os fagócitos mononucleares
na destruição de patógenos.
Possuem, em sua superfície, receptores CD4+. Correspondem a 70% (aproximada-
mente 2/3) dos linfócitos circulantes.
Ø Linfócitos T-citotóxicos ou T-supressores
Atacam antígenos tumorais presentes nas células neoplásicas, destruindo-as. Partici-
pam ativamente nos processos de hipersensibilidade citotóxica, destruindo, por exemplo,
2 6 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
células transplantadas. Destroem células infectadas por vírus ou outros parasitas
intracelulares, por meio de sua atividade citotóxica. As reações citotóxicas são mecanis-
mos geralmente utilizados contra células que não podem ser fagocitadas devido a seu
tamanho.
Possuem, em sua superfície, receptores CD8+. Correspondem a 25% (cerca de 1/3)
dos linfócitos. Têm vida mais longa que os linfócitos T-CD4+.
OBS.: Existem subpopulações menores de linfócitos: linfócitos T-CD4-8- (cerca de
4%) e linfócitos T-CD4+8+ (cerca de 1%), cuja importância e função ainda estão sendo
estudadas.
Linfócitos B
São os responsáveis pela imunidade humoral.
Não possuem receptores CD4, nem CD8, em sua superfície. Apresentam receptores
paracomponentesdoSistemaComplemento,paraaFcdeimunoglobulinaseimunoglobulinas
na superfície.
Mediante a ação de interleucinas produzidas pelos linfócitos T, os linfócitos B dife-
renciam-se em células denominadas plasmócitos, cuja vida média é de 2 a 3 dias. A
principal função dos plasmócitos é a produção de proteínas denominadas imunoglobulinas
(anticorpos).
Interleucinas
Asinterleucinas(oucitocinas)sãocompostasporpeptídeosouglicoproteínas.Possuema
função de mediadores, que atuam como reguladores positivos e negativos das respostas
imune e inflamatória e da resposta de reparo do hospedeiro a lesões.
As citocinas produzidas por linfócitos são conhecidas como LINFOCINAS e as pro-
duzidas por macrófagos e monócitos, como MONOCINAS.
v Os linfócitos t e a resposta imune celular
É conhecida como tendo um padrão ou perfil TH1. As principais citocinas envolvidas
nesta resposta são: interleucina 2 (IL-2), -TNF (fator de necrose tumoral) e IFN-
(interferon).
A resposta imune celular é especialmente importante contra microrganismos
intracelulares (vírus, algumas bactérias, protozoários intracelulares como por exemplo a
Leishmania spp, helmintos como o Schistosoma mansoni etc.)
v Os linfócitos t e a resposta imune humoral
Possui padrão ou perfil TH2, ou seja, ocorre produção principalmente de IL-4, IL-5 e
IL-10. Auxilia os linfócitos B a produzir imunoglobulinas.
A resposta deste tipo é importante principalmente contra antígenos extracelulares
(algumas bactérias, alérgenos, helmintos, protozoários extracelulares como Ameba
spp e Giardia spp, etc.).
Células NK (células “natural killer”)
São células citotóxicas naturais. São responsáveis pela citotoxicidade celular sem
sensibilização prévia do organismo. Não possuem receptores CD4, nem CD8 (os recep-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 6 9
tores de membrana das células NK ainda não foram identificados). São importantes na
destruição de células parasitadas por agentes intracelulares (por exemplo, em processos
virais) ou células anômalas (por exemplo, células tumorais).
As células NK constituem uma subpopulação de linfócitos que se originam de uma
célula precursora proveniente da medula óssea. Estas células não possuem especificidade
antigênica e não adquirem memória imunológica após exposição inicial a células infectadas
por vírus ou tumores.
Sistema complemento
Conjunto de proteínas presentes no soro dos vertebrados. O Sistema Complemento é
necessário para certas reações imunológicas ou as amplia.
O título (a quantidade) de Complemento no soro não aumenta pela imunização.
Pode ser inativado pelo aquecimento a 560
C por 30 minutos (ou seja, é uma substân-
cia termo-lábil).
O Sistema Complemento é constituído por nove componentes, denominados C1 a C9
(sendo que o C1 possui 3 subcomponentes, perfazendo um total de 11 proteínas).
Certas reações requerem a interação dos nove componentes do Complemento:
bacteriólise específica, citólise específica ou hemólise específica e destruição específica
das células de tecidos. O Complemento também é responsável pelo controle do proces-
so inflamatório.
A reação em cadeia (em seqüência) dos nove componentes do Complemento é cha-
mada “cascata do Complemento” ou via clássica para ativação do Complemento. Após
a ativação, por reação de anticorpos (IgG ou IgM) com antígenos, o primeiro componen-
te adquire a capacidade de ativar o componente seguinte, este ativa o próximo e assim
sucessivamente. A ativação do Complemento por anticorpos ligados a antígenos é um
mecanismo de resposta específica.
A via alternativa começa com a ativação de C3. Algumas bactérias ativam o sistema
Complemento espontaneamente, pela via alternativa (mecanismo inespecífico). Ocorre
o revestimento da bactéria com moléculas do Sistema Complemento, facilitando sua
fagocitose. Este fenômeno recebe o nome de opsonização.
Com a lise da parede bacteriana, são liberados produtos do Sistema Complemento,
que atraem fagócitos para o local. Este fenômeno recebe o nome de quimiotaxia.
As imunoglobulinas IgG e IgM são as únicas que fixam Complemento pela via clássica.
O Complemento não é fixado quando há um extremo excesso de antígeno em relação aos
anticorpos ou quando há extremo excesso de anticorpos em relação ao antígeno.
Anticorpos
São proteínas encontradas no soro que reagem muito especificamente com o antígeno
que estimulou sua produção. A produção de anticorpos é um tipo de resposta imunológica.
Os anticorpos também são conhecidos como imunoglobulinas.
Existem cinco classes de imunoglobulinas: IgM, IgG, IgA, IgE e IgD. As
imunoglobulinas são termo-estáveis, ou seja, não são inativadas pelo aquecimento do
soro num banho-maria a 560
C por 30 minutos. Exceção: IgE.
O feto, no útero, tem a capacidade de produzir IgM (por volta da 20a
semana de
gestação). Ao nascimento, a quantidade de IgM é muito pequena (na ausência de infec-
2 7 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
ção). Por outro lado, ao nascer, a criança tem um nível de IgG igual ao do soro normal de
um adulto (adquiriu da mãe).
Nos primeiros meses de vida, os anticorpos recebidos da mãe são dissipados e, aos
dois meses de idade, a criança está com o menor nível de imunoglobulinas. Deve, então,
começar a produzir seus próprios anticorpos, por meio de estímulos antigênicos do meio
ambiente, vacinação, etc..
Cinética da resposta imune
v Resposta primária
O primeiro contato de um indivíduo com um imunógeno (antígeno) leva a uma
resposta imune denominada primária. Neste caso, é necessário um período de uma
semana (ou mais) para que se tenha um nível significativo de anticorpos no soro. Os
primeiros anticorpos que se formam são da classe IgM. Posteriormente, são forma-
das as IgG (então o nível de IgM decresce, enquanto o de IgG aumenta). Esta
resposta é considerada relativamente fraca e de curta duração.
v Resposta secundária ou resposta anamnéstica ou resposta de
memória
Quando o indivíduo entra em contato com um antígeno com o qual já havia tido um
contato anterior, ocorre a chamada resposta imune secundária ou anamnéstica. Os ní-
veis de anticorpos aumentam rapidamente até um nível mais elevado e permanecem
detectáveis no soro por períodos mais longos. Isso acontece devido às células T e B de
memória, formadas durante a resposta primária. As células T de memória respondem a
doses mais baixas de antígeno e as células B de memória têm a capacidade de produzir
IgG precocemente. As células efetoras sobrevivem apenas alguns dias; já as células de
memória permanecem durante toda a vida e respondem rapidamente.
Este mecanismo é utilizado na aplicação de doses de reforço de vacinas. O aconse-
lhável é a aplicação do antígeno 30 dias após o primeiro contato.
Características da resposta secundária: o título de anticorpos sobe mais rapidamente;
os anticorpos persistem por mais tempo; a principal espécie de anticorpos produzida é
IgG.
Características das imunoglobulinas
v IgM
É a maior das imunoglobulinas. É o primeiro anticorpo formado após a imunização.
Encontrada principalmente dentro dos vasos sangüíneos. Fixa Complemento e é muito
eficiente na aglutinação de bactérias e hemácias. Corresponde a cerca de 10% do total.
v IgG
Corresponde a cerca de 70-75% do total de imunoglobulinas do organismo. Alta
concentração no sangue (intravascular) e nos tecidos (extravascular). Consegue passar
através da placenta e é responsável pela imunidade passiva do recém-nascido. É a
principal imunoglobulina formada na resposta secundária.
v IgA
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 7 1
Presente predominantemente na saliva e secreções do trato respiratório e
gastrointestinal. Também presente no sangue. Quando nas secreções, contém porção
secretora, que torna as moléculas mais resistentes à digestão por enzimas proteolíticas.
É importante na imunidade local dos tecidos, especialmente contra vírus.
v IgE
Responsável por algumas reações de hipersensibilidade do tipo imediato, como por
exemplo a anafilaxia e a atopia. É termo-lábil. Precisa ser demonstrada por técnicas
especiais, pois não causa precipitação, aglutinação ou fixação de Complemento.
v IgD
Corresponde a menos de 1% do total. Sua função biológica ainda não está totalmente
esclarecida.
TIPOS DE IMUNIDADE
Podemos classificar os tipos de imunidade (resistência específica) em:
1. Imunidade Ativa: é quando o próprio organismo produz os anticorpos. Pode ser:
1.1. Naturalmente adquirida – quando o organismo tem contato com um microrganis-
mo de forma espontânea. Ex.: infecção.
1.2. Artificialmente adquirida – o antígeno é ministrado ao indivíduo. Ex.: vacinação.
2. Imunidade passiva: os anticorpos são produzidos num indivíduo e transferidos para
outro.
2.1. Naturalmente adquirida – passagem de anticorpos da mãe para o feto através da
placenta (IgG) ou passagem de anticorpos da mãe para o filho via colostro (cães: IgA,
IgM e IgG).
2.2. Artificialmente adquirida – aplicação de soros hiperimunes.
Quadro 1. Comparação entre imunidade ativa e imunidade passiva
CARACTERÍSTICA IMUNIDADE ATIVA IMUNIDADE PASSIVA
Papel do hospedeiro ativo passivo
Método de indução exposição a antígeno injeção de anticorpos pré-
de agentes infecciosos formados em outro indivíduo
Tempo p/ desenvol- 7 a 14 dias imediatamente após a injeção
vimento dos anticorpos
Eficácia boa regular a boa
Duração da imunidade meses a anos poucas semanas
Tipos de vacina
Composição:
1. Vacina bacteriana morta. (Ex.: carbúnculo sintomático, gangrena gasosa);
2. Vacina bacteriana atenuada. (Ex.: brucelose);
A cepa atenuada está viva, mas está com a virulência diminuída, ou seja, está atenu-
ada a ponto de não ser mais capaz de causar doença, mas deve estar antigenicamente
inalterada. É melhor que a morta, porque a imunidade induzida pela atenuada persiste
por mais tempo.
2 7 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
3. Vacina viral morta (inativada). (Ex.: febre aftosa);
4. Vacina viral atenuada. (Ex.: Sabin, raiva, cinomose, parvovirose);
5. Toxóide: toxina é tratada de tal forma que suas propriedades tóxicas são destruídas
sem afetar sua antigenicidade (o tratamento geralmente é feito com formalina). Ex.:
tétano (toxóide tetânico), difteria.
Quando vários antígenos são misturados numa vacina, deve-se determinar se há ou
não competição entre os diferentes antígenos e se a combinação deles não diminui a
resposta imunológica que seria produzida contra um único antígeno.
ADJUVANTE: é uma substância que é misturada com os antígenos de uma vacina
para aumentar a resposta imunológica do hospedeiro. O adjuvante não pode ser antigênico.
Muitas vezes a função do adjuvante é precipitar o antígeno e mantê-lo nos tecidos por
mais tempo, tornando o estímulo antigênico prolongado (ex.: alúmen).
REAÇÕES ADVERSAS À VACINAÇÃO:
vFatores relacionados à vacina:
- características da cepa;
- título do material antigênico;
- grau de impurezas contido no meio de cultura;
- processo de inativação;
- adjuvante;
- preservativo usado na vacina.
vFatores relacionados aos indivíduos vacinados:
- idade;
- vacinação anterior;
- sensibilidade anterior devido à infecção natural;
- anticorpos adquiridos passivamente como os de origem materna;
- imunodeficiência;
- desnutrição;
- doenças intercorrentes.
vFatores relacionados à aplicação da vacina:
- local da inoculação;
- método de inoculação (injetores a pressão, seringa e agulha, multipuntura);
- via de inoculação.
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES: As vacinas inativadas e toxóides geralmente
desencadeiam reações nas primeiras 48 horas. Já as vacinas de vírus vivos atenuados
provocam reações tardias (dias ou semanas).
Vacinas vivas atenuadas não devem ser administradas a pessoas que apresentam
imunodeficiências ou que estão recebendo drogas imunossupressoras.
Vacinas de vírus vivo atenuado não devem ser aplicadas em gestantes devido ao
perigo da passagem transplacentária para o feto.
Hipersensibilidade
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 7 3
A hipersensibilidade é um estado de reatividade aumentada. As reações de
hipersensibilidade agridem os tecidos do hospedeiro. O processo pelo qual um indivíduo se
torna hipersensível é geralmente chamado sensibilização (e não imunização). O antígeno
responsável pela iniciação da resposta alérgica é chamado alérgeno.
Como sinônimo de hipersensibilidade é utilizado o termo alergia (inicialmente, o ter-
mo alergia foi usado para indicar a reatividade alterada do hospedeiro).
A hipossensibilidade é um estado de reatividade diminuída. Já o termo anergia
refere-se a um estado em que um hospedeiro previamente sensibilizado não apresenta
nenhuma espécie de resposta alérgica após a exposição ao alérgeno.
Os tipos de reações de hipersensibilidade foram inicialmente classificados de acordo
com o tempo que demoravam para ocorrer. Assim, uma reação que ocorresse em al-
guns minutos era denominada imediata e outra, que demorasse horas ou dias para acon-
tecer, recebia o nome de retardada ou tardia. Atualmente, os termos imediata e retar-
dada são empregados para designar respostas de hipersensibilidade com mecanismos
diferentes.
Reações de hipersensibilidade do tipo imediato: causada por reações entre antígeno-
anticorpo. Ex.: choque anafilático.
Reações de hipersensibilidade do tipo retardado: é mediada por células, causada por
uma reação de linfócitos. Ex.: prova cutânea de injeção de tuberculina.
Imunoprofilaxia
Bruno Soerensen
A imunoprofilaxia consiste na proteção, preventiva das coletividades por meio da
vacinação. Indubitavelmente, a disponibilidade de uma vacina que proteja satisfatoria-
mente, sempre é indicada no controle e na erradicação da doença.
A imunoprofilaxia clássica das doenças infecciosas pode ser feita com vacinas
inativadas ou com vacinas de virulência atenuada – toxóides e vacinas extrativas – que
podem, em determinadas circunstâncias, ser usadas simultaneamente.
O objetivo das vacinações é a proteção específica das coletividades, determinando o
declínio da moléstia e a modificação da morbidade nas populações vacinadas e contribu-
indo para o controle e a erradicação.
As vacinas inativadas ou mortas são preparadas com microrganismos tratados física
ou quimicamente e não deverão portanto ter capacidade de se reproduzir, assim como
deverão ser destituídos de qualquer ação tóxica.
As vacinas bacterianas denominadas somáticas são constituídas de uma suspensão
de bactérias mortas, como as vacinas contra a coqueluche, a febre tifóide e a coléra. Os
toxóides, entretanto, são preparados partindo de toxinas inativadas geralmente pelo formol
e transformadas em anatoxinas, como os toxóides Tetânico e Diftérico. No campo da
virologia, temos também diversas vacinas mortas, como a vacina contra a raiva, a gripe,
a encefalite.
Na imunoprofilaxia têm sido usadas com todo êxito vacinas contra o tétano, a difteria,
a coqueluche, a raiva, a poliomelite, a encefalite, a tuberculose e, recentemente, vacinas
polissacarídicas contra a meningite meningocócica, entre outras.
2 7 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Para a produção das vacinas inativadas é necessário que o microrganismo possa ser
cultivado “in vitro” em meio de cultura de preferência sintético, como no caso das vaci-
nas bacterianas, ou ainda em cultura celular ou no organismo vivo como com as vacinas
virais. Desta maneira pode-se preparar a vacina contra o sarampo cultivando o vírus em
fisioblastos de embrião de galinha, ou a vacina contra a raiva em cérebro de camundon-
gos lactantes (vacina Fuenzalida-Palácios) ou ainda a vacina anti-rábica preparada com
células diplóides humanas (HDCV).
Um caso muito especial é o das vacinas contra a Hepatite B que até o presente
momento são preparadas com antígeno de superfície do vírus da Hepatite B (HBs Ag),
tratando o antígeno de superfície viral o plasma humano para eliminar os componentes
indesejáveis do plasma e evitar, assim, qualquer risco de microrganismos patogênicos
contidos no plasma do doador, com destaque para a Síndrome de Imunodeficiência Ad-
quirida.
A proteção conferida pelas vacinas de microrganismos de virulência atenuada se
aproxima à obtida na infecção natural, podendo ocorrer manifestação clínica decorrente
da vacinação, mas sempre deverá ser de importância secundária, de maneira a não
comprometer a saúde dos vacinados.
As vacinas vivas contra a tuberculose, poliomielite, sarampo, rubéola, caxumba e
febre amarela são utilizadas amplamente.
Na preparação das vacinas de virulência atenuada devemos utilizar microrganismos
geneticamente estáveis para evitar reversões genéticas da cepa na preparação da vaci-
na ou no indivíduo vacinado, embora até o presente momento não tenha sido relatado
esse fenômeno. O acidente de Lübeks ocorrido na Alemanha em 1930, quando 72 crian-
ças morreram de 251 vacinadas com BCG administrada por via oral, foi devidamente
esclarecido pois, mediante rigoroso inquérito, foi verificado que o laboratório produtor da
vacina não tomou os devidos cuidados, utilizando ao invés de cepa BCG uma amostra
virulenta de M. tuberculosis.
Existem recomendações de utilização de cepas seguras, de características bem co-
nhecidas e, sempre que possível, sob a forma de lote semente Seed lot com a finalidade
de diminuir qualquer risco de modificação de suas características originais.
Embora nenhuma vacina possa ser considerada absolutamente inócua, o risco no seu
uso deverá ser muito menor do que aquele que apresenta a doença que se pretende
prevenir. No caso das vacinas vivas contra a poliomielite, para cada 3 milhões de doses
de vacina administrada pode-se esperar, aproximadamente, um caso de paralisia relaci-
onada à vacina, embora este fato não tenha tido confirmação.
Alguns vírus do herpes estão associados à transformação celular, existindo portanto
possibilidades de determinar neoplasia maligna, e deverá ser tomado o maior cuidado no
caso especial de vacinas atenuadas preparadas com esses agentes no sentido de rigoro-
sas provas de inocuidade.
A produção das vacinas inativadas e das vacinas vivas deverá obedecer a rigorosos
controles de processamento, assim como atender aos requisitos específicos para cada
vacina, no referente à segurança e à capacidade protetora.
Por meio de nova biotecnologia, podemos ter duas técnicas de grande importância:
1. Manipulação de seqüência de codificação definida do DNA e sua expressão con-
trolada em células hospedeiras apropriadas.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 7 5
2. Utilização de tecnologia de fusão celular para produzir estirpes imortais de células
que produzam anticorpos monoclonais.
O alcance desta tecnologia é descrita por Schild e Assaad (1), da seguinte maneira:
Técnica do dna recombinante
Os genes contendo o código de um determinado produto podem ser isolados e propa-
gados pela inserção do material genético de origem natural ou sintético em organismo
vetor apropriado, mediante a seleção de clones individuais que contenham o gene procu-
rado. Estes trabalhos de clonação foram realizados especialmente com plasmídios de
Escherichia coli.
As etapas fundamentais do processo compreendem a inserção do gene no vetor com
ajuda de enzimas endonucleases de restrição específica, que seccionam o DNA do vetor
em locais predeterminados e ligações que recombinam o gene inserido no vetor.
Atualmente, existem técnicas para a expressão controlada de genes microbianos ou
celulares correspondentes, após inserção em sistemas de vetores apropriados. Com a
utilização desses métodos, pode-se conseguir que, com sistemas celulares apropriados,
sejam produzidas proteínas microbianas ou oligopéptidos que representam, por exemplo,
os epítopes de microrganismos de interesse para a imunização.
Esses métodos oferecem a possibilidade de utilização na produção em escala indus-
trial de materiais a serem usados como vacinas.
Algumas das principais aplicações da tecnologia do DNA recombinante são as se-
guintes:
1. Produção de ácidos nucléicos de uma especificidade microbiana definida para sua
utilização como reagentes para diagnóstico na pesquisa em epidemiologia.
2. Modificação de genomas microbianos para a produção de mutantes de virulência
atenuada estáveis destinados à preparação de vacinas vivas.
3. Identificação detalhada da estrutura química dos antígenos de maneira que seja
possível sintetizar determinadas partes das moléculas obtendo-se, assim, vacinas de
peptídeos sintéticos.
4. Produção por meio de uma expressão controlada de genes em microrganismos
vetores apropriados, de proteínas microbianas definidas ou oligopeptídeos para sua utili-
zação como vacinas ou como reagentes imunodiagnósticos.
5. Produção de anticorpos “sintéticos” para uso terapêutico, ainda em fase de estu-
do.
Técnica de fusão celular
Em 1975, Köhler e Milstein informaram pela primeira vez sobre a produção de
anticorpos monoclonais em células híbridas obtidas por meio da fusão nuclear de células
de mieloma de camundongos com linfócitos de animais imunizados. Essas técnicas per-
mitiram obter clones celulares imortais que produzem de maneira contínua grandes quan-
tidades de anticorpos contra antígenos de origem bacteriano, viral ou parasitário. Os
anticorpos monoclonais são utilizados como instrumentos específicos para determinar a
localização de determinates antigênicos microbianos, com a finalidade de identificar aque-
les que oferecem maiores possibilidades para sua inclusão em vacinas. Também apre-
sentam papel importante na purificação de antígeno por meio de cromatografia de afini-
2 7 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
dade.
A produção em escala industrial de imunoglobulinas monoclonais antimicrobianas
definidas tem seu papel relevante na imunoprofilaxia, assim como na imunoterapia e
imunodiagnóstico, como, por exemplo, a imunoglobulina relacionada à toxinas
antimicrobianas ou anticelulares.
A preparação de clones de células imunocompetentes (células B, células T) desem-
penha uma função na pesquisa imunológica básica ou, ainda potencialmente no futuro
próximo, na luta contra doenças.
Por meio desta nova biotecnologia estão sendo preparadas, prioritariamente, vacinas
de difícil obtenção pelos métodos convencionais, como as da Hepatite B ou ainda outras
como a vacina contra Febre Hemorrágica Africana.
Por que falham as vacinas
Bruno Soerensen
Indiscutivelmente as vacinas constituem a maior contribuição à Saúde Pública no com-
bate às doenças. Milhões de vidas anualmente são salvas graças às vacinações das mais
diversas moléstias como Tétano, Difteria, Coqueluche, Poliomielite, Tuberculose, Sarampo
e outras. Podemos ter uma idéia da magnitude da contribuição das vacinas pelos resulta-
dos obtidos na erradicação da Varíola no mundo em 1979, constituindo-se possivelmente
na maior contribuição à Saúde Pública no século XX.
A vacinação preventiva é o método mais prático e mais econômico para se prevenir
as doenças; entretanto, os benefícios decorrem de cuidados especiais com a vacina,
desde sua fabricação, transporte e estocagem, seu uso no prazo de validade estipulado
na embalagem do produto, reconstituição, quando for o caso, e cuidados específicos
para cada vacina na sua aplicação na idade certa e nas dosagens recomendadas. Todas
as recomendações deverão ser obedecidas para se conseguir com segurança as metas
previstas de controle e erradicação das moléstias preveníveis por meio da vacinação.
Qualquer descuido em um dos pontos abordados abaixo pode levar a insucesso.
1 - Elaboração da vacina
1.1 - Deve-se evitar o uso de cepas não suficientemente antigênicas (impróprias).
Com esta finalidade, os microorganismos a serem usados na fabricação de vacinas são
fornecidos aos laboratórios fabricantes pela Organização Mundial da Saúde e pelo Mi-
nistério da Saúde para as vacinas de uso humano, e pelo Ministério da Agricultura, para
as de uso veterinário.
1.2 - A tecnologia de produção deverá garantir a obtenção de uma boa vacina.
1.3 - O laboratório produtor deverá submeter cada lote de vacina a provas de segu-
rança, inoculando-a em animais de laboratório, independentemente de testes químicos,
provas estas que têm como finalidade verificar se a vacina, quando inoculada, não irá
trazer problemas.
As provas de potência visam avaliar em animais de laboratório, em cultura celular,
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 7 7
em meios de cultura ou, ainda, por meio dos métodos imunológicos ou químicos, junto a
uma vacina Padrão Internacional, se a vacina está em condições de proteger especifica-
mente contra a moléstia.
1.4 - Devem ser feitas provas de termo-estabilidade, para verificar se a vacina sub-
metida a condições adversas de temperatura conserva a sua capacidade imunizante e
durante que período de tempo.
2 - Transporte e estocagem
2.1 - O transporte depende da labilidade térmica da vacina e deverá ser feito a baixa
temperatura (2-8ºC), em caixas de isopor apropriadas e acondicionadas com gelo reciclável.
Quando o tempo previsto para o transporte for de vários dias, e especialmente em zonas
tropicais com elevadas temperaturas, poderá ser acondicionada com gelo seco, toman-
do-se as devidas preocupações para se evitar o congelamento de vacinas líquidas, cuja
qualidade possa ser alterada, como a vacina tríplice humana contra a Difteria, Coquelu-
che e Tétano. As vacinas que contêm microorganismos de virulência atenuada geral-
mente são liofilizadas, isto é, desidratadas a baixa temperatura, pois na forma de pó os
microorganismos mantêm-se vivos durante longos períodos, alguns deles mesmo fora de
refrigeração, existindo entretanto, recomendações para sua manutenção a temperaturas
baixas (2-8 ºC).
2.2 - A estocagem de todas as vacinas, mesmo as liofilizadas, deverá ser feita a baixa
temperatura (2-8ºC), obedecendo-se assim as recomendações da bula que acompanha a
vacina. Somente desta maneira poderemos garantir a qualidade da mesma durante o
período de validade.
Os grandes centros de estocagem de vacinas deverão estar dotados de câmaras
frigoríficas e congeladores com sistemas de segurança para garantir a manutenção das
temperaturas recomendadas mesmo quando exista interrupção de energia elétrica na
cidade. Isto é conseguido com geradores de partida automática, que entram em ação
sempre que exista corte da corrente elétrica.
Doses de vacinas são inutilizadas em número elevado devido ao transporte ou
estocagem em condições inadequadas. Quando a estocagem é feita em centros peque-
nos, recomenda-se que os refrigeradores sejam usados somente para esta finalidade,
evitando-se de qualquer maneira que outros materiais, como alimentos, sejam guardados
na mesma geladeira.
3 - Prazo de validade
O prazo de validade refere-se ao período de tempo de estocagem da vacina durante
o qual a mesma poderá ser usada, sempre que sejam obedecidas rigorosamente as con-
dições de transporte e estocagem.
As vacinas deverão ser usadas no período compreendido no prazo de validade esti-
pulado na embalagem da vacina.
4 - Aplicação da vacina
2 7 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
4.1 - A vacinação deverá ser feita no momento epidemiológico indicado, anteceden-
do as epidemias e na idade certa, evitando-se, neste último caso, que a vacinação seja
inútil pela interferência, entre outras, de anticorpos de origem materna, como acontece
com a vacina contra o Sarampo. Deverá ser completada a vacinação por meio de
revacinações a intervalos oportunos, ou ainda, vacinações em massa, em um único dia
em todo o país, como com a vacina Sabin, ou ainda outros visando interromper o ciclo do
vírus com o objetivo de se erradicar a Poliomielite.
4.2 - Quanto às vacinas liofilizadas, deverão ser reconstituídas com o líquido que
acompanha a vacina, obedecendo as recomendações para se evitar a formação de grumos,
como acontece com a vacina BCG. A vacina já reconstituída deverá ser usada no mes-
mo dia e o restante deverá ser desprezado.
4.3 - Deverá anteceder uma agitação à abertura da ampola ou do frasco-ampola,
especialmente quando a vacina normalmente apresenta depósito, evitando-se entretan-
to, a formação de espuma, para que a seringa seja carregada logo a seguir.
4.4 - A retirada da vacina deverá ser feita, quando de frasco-ampola, após desinfec-
ção da rolha de borracha, especialmente se se tratar de frasco-ampola de doses múlti-
plas, cuja a rolha é perfurada por diversas vezes.
4.5 - As seringas deverão ser descartáveis para se evitar a transmissão de doenças
como a hepatite e, quando usados injetores à pressão “Ped-o-jet”, deverão ser previa-
mente esterilizados e, se forem usados produtos químicos com esta finalidade, deverá
ser tomado o cuidado de se desprezar as primeiras doses para eliminar o referido produ-
to. Desta maneira, pode-se evitar que o produto químico inative o vírus, especialmente
quando utilizamos o “Pet-o-Jet” na vacinação contra o Sarampo, que é uma vacina viva
de virulência atenuada. Entretanto, o procedimento deverá garantir que não exista con-
taminação com sangue.
4.6 - A vacina deverá ser aplicada pela via e na dosagem recomendada pelo labora-
tório. A via de inoculação e a dosagem são de importância para se evitar acidentes
vacinais e para que a vacinação alcance as finalidades desejadas. A anti-sepsia da pele
deverá ser obrigatória para se evitar a formação de abscessos por contaminação.
5 - Reações adversas ou indesejáveis
São aquelas que podem ser esperadas, embora em número extremamente reduzido,
conforme a vacina. As reações indesejáveis podem ser gerais ou localizadas. As gerais
se manifestam por febre, dor de cabeça e, às vezes, náuseas e vômitos e, muito rara-
mente, por problemas de maior gravidade, num período de 48 horas após a vacinação.
As reações locais podem ser dor, calor, rubor e aumento de volume no local da inoculação
da vacina. Algumas vacinas, também raramente, podem dar lugar à formação de um
pequeno nódulo ou abscesso frio, isto é, sem a presença de microorganismos
contaminantes. Para cada vacina está calculado o risco de reação adversa. As vacinas
bacterianas de virulência atenuada como a BCG, indicada pela via intradérmica, podem
determinar normalmente a formação de pequeno nódulo persistente por vários meses,
podendo chegar a drenar, dando saída à pequena quantidade de pus, mas não deve ser
considerada como reação adversa. Já a formação de adenopatia satélite (comprometi-
mento dos linfonodos axilares correspondentes ao braço em que foi aplicada a vacina) é
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 7 9
considerada uma reação adversa e se deve à inoculação profunda no tecido subcutâneo
ao invés da via intradérmica como é recomendada.
Em outras vacinas constituídas também por microorganismos vivos, como algumas
virais, entre outras a do Sarampo, pode-se esperar uma febrícula e o aparecimento de
uma discreta erupção na pele das crianças vacinadas poucos dias após a vacinação.
Esta reação não é considerada reação adversa e está relacionada à virulência da cepa
do vírus do Sarampo utilizada na elaboração da vacina.
6 - Acidentes vacinais
Os acidentes vacinais, raríssimos, são devido a erros graves na fabricação da vacina,
por falta de cuidados nos testes de segurança. Geralmente decorrem de uma inativação
incompleta dos microorganismos utilizados na elaboração da vacina, a qual, ao invés de
prevenir a moléstia para a qual está indicado o seu uso, muito pelo contrário, determina
a moléstia em toda a sua plenitude. Podem ainda ser decorrentes de toxinas residuais,
levando a processos graves.
Os adjuvantes (substâncias adicionadas a algumas vacinas com a finalidade de se
conseguir melhor efeito protetor), quando adicionados em quantidade exagerada, ou ain-
da, anti-sépticos (que têm por finalidade evitar a proliferação de bactérias e fungos
contaminantes, adicionados às vacinas), em quantidades além das permitidas, também
podem ser responsáveis por reações no local da vacinação. As vacinas contaminadas
durante sua elaboração ou no momento de sua aplicação podem ser responsáveis por
abscessos no ponto de inoculação, sendo possível o isolamento do microorganismo
contaminante responsável. Acidentes desta natureza são atualmente raros devido ao
rigoroso controle exercido pelos Ministérios da Saúde e da Agricultura, assessorados
pela Organização Mundial da Saúde. A verificação de número elevado de reações vacinais
provocadas por vacinas de um mesmo lote indica uma possível falha na fabricação da
vacina.
7 - Coberturas de vacinação
Finalmente, para se obter repercussões epidemiológicas, como o declínio da doença
nas populações, é necessária uma cobertura de vacinação ao redor de 80% da popula-
ção alvo; somente desta maneira, com a redução de suscetíveis (pessoas não imunes)
poderemos controlar e erradicar a doença.
Quanto maior for o número de crianças vacinadas, melhores serão os resultados. Da
mesma forma, se a população adulta de alto risco (grupo da população que devido à sua
condição sócio-econômica, hábitos ou atividade profissional se encontra exposto a con-
trair determinadas doenças) for protegida por meio da vacinação, teremos um declínio e
um controle das doenças preveníveis. Neste aspecto, a educação sanitária se reveste de
enorme importância.
Bibliografia consultada e recomendada
Noções de imunologia
2 8 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
ANTUNES, L.J e MATOS, K.T.F. Imunologia Médica. São Paulo: Atheneu, 1992.
BIER, O. Bacteriologia e Imunologia. 16. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1986.
CALICH, V.L. e VAZ, C.A.C. Imunologia Básica. São Paulo: Artes Médicas, 1989.
ROESEL, C. Imunologia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1981.
ROITT, I.; BROSTOFF, I.; MALE, D. Immunology. 4. ed. Barcelona: Times Mirror International
Publisher Limited, 1997.
SOERENSEN, B. Vacinas. São Paulo: Santos, 1995.
Imunoprofilaxia
SOERENSEN, B. Vacinas. São Paulo: Santos, 1995.
Porque falham as vacinas
SOERENSEN, B. Vacinas. São Paulo: Santos, 1995.
XII – Diretrizes e normas regulamentadoras de
pesquisa envolvendo animais e seres humanos
Bruno Soerensen
Recomendações para o uso de animais em trabalhos
experimentais
Até a presente data (1998), não foi sancionada recomendações da Comissão de
Ética do Conselho Nacional de Controle em Experimentação Animal. Poderão ser feitas
entretanto as seguintes recomendações básicas:
1. O progresso científico tem como ponto de partida a experimentação animal, a
qual, entretanto, deverá ser bem conduzida.
2. A experimentação animal visa em princípio a segurança e o benefício, antece-
dendo o uso do procedimento em seres humanos.
3. O experimento animal deverá obedecer critérios restritos quando se pretende
salvar vidas humanas ou mesmo a de outros animais.
4. A utilização de modelos experimentais indicados para o projeto de pesquisa de-
verá obedecê-los obrigatoriamente.
5. A utilização de animais em extinção deverá ser evitada.
6. Qualquer experimentação animal deverá ser estritamente planejada para se evi-
tar o sofrimento inútil do animal.
7. Somente deverão ser utilizados animais para pesquisa quando houver estrita indi-
cação do experimento, visando sempre um progresso científico ou um benefício
social.
8. O sacrifício dos animais, quando estritamente necessário, deverá ser realizado
por procedimento que evite, no que for possível, o sofrimento animal.
9. É obrigatório o uso de recursos de biosegurança nas experimentações, quando
necessárias.
10. Independentemente da espécie animal, deverá ser dado tratamento humanitário.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 8 1
11. Deverá ser minimizado ao máximo possível o sofrimento do animal.
12. Os animais em experimentação deverão ser utilizados uma única vez na pesquisa
científica, excetuando-se procedimentos de punções como a venosa ou ainda de
inoculações. Entretanto, a inoculação pela via intra cerebral deverá ser feita em
animal anestesiado e de preferência uma única vez.
13. Qualquer ato cirúrgico deverá ser precedido de procedimentos de anestesia.
14. O uso de tranqüilizantes será obrigatório em animais sempre que exista a sua
indicação.
15. Aos animais em experimentação deverão ser fornecidos alimento e água; os
animais serão mantidos em condições adequadas à espécie, respeitando-se as
medidas higiênicas.
Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa
envolvendo seres humanos
Decorridos dezenas de anos foi normatizado o envolvimento de seres humanos em
trabalhos de pesquisa realizados no Brasil.
Anteriormente ao estabelecimento das normas visando a permissibilidade do uso de
seres humanos em pesquisa, foram utilizados grupos com limitações como crianças in-
ternadas em creches, refugiados de guerra, deficientes mentais ou ainda aqueles detidos
em cadeias públicas. A responsabilidade do produtor das vacinas deverá ser seguida
para evitar acidentes como aquele ocorrido em Lübeck. Nesta oportunidade o médico
responsável pela elaboração da vacina teria trocado a cepa de BCG por uma amostra
virulenta de bacilo de tuberculose (cepa Kiel), pois achava que o resultado fosse melhor.
Este detalhe se reveste de grande importância no sentido de se estudar se os especialis-
tas envolvidos possuem capacidade suficiente, aliado à biosegurança e ao comporta-
mento psíquico de cada pesquisador.
Quanto às diretrizes das normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres
humanos, adotamos a Resolução no
196, de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional
de Saúde do Ministério da Saúde do Brasil.
Conselho Nacional de Saúde Resolução no
196, de 10 de outubro de
1996. BRASIL.
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde em sua Quinquagésima Nona Reunião
Ordinária, realizada nos dias 09 e 10 de outubro de 1996, no uso de suas competências
regimentais e atribuições conferidas pela Lei no
8.080, de 19 de setembro de 1990, e pela
Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, resolve:
Aprovar as seguintes diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo
seres humanos:
I – Preâmbulo
A presente Resolução fundamenta-se nos principais documentos internacionais que
emanaram declarações e diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos: o
Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos dos Homem (1948), a Decla-
ração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989), o Acordo
2 8 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso
Nacional Brasileiro em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para
Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982 e 1993) e as
Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991).
Cumpre as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1998 e da
legislação brasileira correlata: Código de Direitos do Consumidor, Código Civil e Código
Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 19/09/90
(dispõe sobre as condições de atenção à saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes), Lei 8.142, de 28/12/90 (participação da comunidade na ges-
tão do Sistema Único de Saúde), Decreto 99.438, de 07/08/90 (organização e atribuições
do Conselho Nacional de Saúde), Decreto 98.830, de 15/01/90 (coleta por estrangeiros
de dados e materiais científicos no Brasil), Lei 8.489, de 18/11/92 e Decreto 879, de 22/
07/93 (dispõem sobre retirada de tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano com
fins humanitários e científicos), Lei 8.501, de 30/11/92 (utilização de cadáver), Lei 8.974,
de 05/01/95 (uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de
organismo geneticamente modificados), Lei 9.279, de 14/05/96 (regula direitos e obriga-
ções relativos à propriedade industrial), e outras.
Esta Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro
referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça,
entre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade
científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.
O caráter contextual das considerações aqui desenvolvidas implica em revisões
periódicas desta Resolução, conforme necessidades nas áreas tecnocientífica e ética.
Ressalta-se, ainda, que cada área temática de investigação e cada modalidade de
pesquisa, além de respeitar os princípios emanados deste texto, deve cumprir com as
exigências setoriais e regulamentações específicas.
II – Termos e definições
A presente Resolução adota no seu âmbito as seguintes definições:
II.1 – Pesquisa – classe de atividades cujo objetivo é desenvolver ou contribuir para
o conhecimento generalizável. O conhecimento generalizável consiste em teorias, rela-
ções ou princípios ou no acúmulo de informações sobre as quais estão baseados, que
possam ser corroborados por métodos científicos aceitos de observação e inferência.
II.2 – Pesquisa envolvendo seres humanos – pesquisa que, individual ou coletiva-
mente, envolva o ser humano, de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes
dele, incluindo o manejo de informações ou materiais.
II.3 – Protocolo de Pesquisa – documento contemplando a descrição da pesquisa em
seus aspectos fundamentais, informações relativas ao sujeito da pesquisa, à qualificação
dos pesquisadores e a todas as instâncias responsáveis.
II.4 – Pesquisador responsável – pessoa responsável pela coordenação e realização
da pesquisa e pela integridade e bem-estar dos sujeitos da pesquisa.
II.5 – Instituição de pesquisa-organização, pública ou privada, legitimamente consti-
tuída e habilitada na qual são realizadas investigações científicas.
II.6 – Promotor – indivíduo ou instituição responsável pela promoção da pesquisa.
II.7 – Patrocinador – pessoa física ou jurídica que apoia financeiramente a pesquisa.
II.8 – Risco da pesquisa – possibilidade de danos à dimensão física, psíquica, moral,
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 8 3
intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em qualquer fase de uma pesqui-
sa e dela decorrente.
II.9 – Dano associado ou decorrente da pesquisa – agravo imediato ou tardio, ao
indivíduo ou à coletividade, com nexo causal comprovado, direto ou indireto, decorrente
do estudo científico.
II.10 – Sujeito da pesquisa – é o (a) participante pesquisado (a), individual ou coleti-
vamente, de caráter voluntário, vedada qualquer forma de remuneração.
II.11 – Consentimento livre e esclarecido – anuência do sujeito da pesquisa e/ou de
seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subor-
dinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da
pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo
que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua
participação voluntária na pesquisa.
II.12 – Indenização – cobertura material, em reparação a dano imediato ou tardio,
causado pela pesquisa ao ser humano a ela submetida.
II.13 – Ressarcimento – cobertura, em compensação, exclusiva de despesas decor-
rentes da participação do sujeito na pesquisa.
II.14 – Comitês de Ética em Pesquisa – CEP – colegiados interdisciplinares e inde-
pendentes, com “munus público”, de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados
para defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e
para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos.
II.15 – Vulnerabilidade – refere-se a estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer
razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo
no que se refere ao consentimento livre e esclarecido.
II.16 – Incapacidade – refere-se ao possível sujeito da pesquisa que não tenha capa-
cidade civil para dar o seu consentimento livre e esclarecido, devendo ser assistido ou
representado, de acordo com a legislação brasileira vigente.
III – Aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos.
As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigências éticas e cien-
tíficas fundamentais.
III.1 – A eticidade da pesquisa implica em:
a) consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos vul-
neráveis e aos legalmente incapazes (autonomia). Neste sentido, a pesquisa en-
volvendo seres humanos deverá sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los
em sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade;
b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou
coletivos (beneficiência), comprometendo-se com o máximo de benefícios e o
mínimo de danos e riscos;
c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficiência);
d) relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da
pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a
igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua
destinação sócio-humanitária (justiça e eqüidade).
III.2 – Todo procedimento de qualquer natureza envolvendo o ser humano, cuja acei-
2 8 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
tação não esteja ainda consagrada na literatura científica, será considerado como pes-
quisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes da presente Resolução. Os procedimen-
tos referidos incluem, entre outros, os de natureza instrumental, ambiental, nutricional,
educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, sejam eles
farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidade preventiva, diagnóstica ou terapêu-
tica.
III.3 – A pesquisa em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres humanos
deverá observar as seguintes exigências:
a) ser adequada aos princípios científicos que a justifiquem e com possibilidades
concretas de responder a incertezas;
b) estar fundamentada na experimentação prévia realizada em laboratórios, animais
ou em outros fatos científicos;
c) ser realizada somente quando o conhecimento que se pretende obter não possa
ser obtido por outro meio;
d) prevalecer sempre as probabilidades dos benefícios esperados sobre os riscos
previsíveis;
e) obedecer à metodologia adequada. Se houver necessidade de distribuição aleató-
ria dos sujeitos da pesquisa em grupos experimentais e de controle, assegurar
que, a priori, não seja possível estabelecer as vantagens de um procedimento
sobre outro através de revisão de literatura, métodos observacionais ou métodos
que não envolvam seres humanos;
f) ter plenamente justificada, quando for o caso, a utilização de placebo, em termos
de não maleficiência e de necessidade metodológica;
g) contar com o consentimento livre e esclarecido do sujeito da pesquisa e/ou seu
representante legal;
h) contar com os recursos humanos e materiais necessários que garantam o bem-
estar do sujeito da pesquisa, devendo ainda haver adequação entre a competên-
cia do pesquisador e o projeto proposto;
i) prever procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a pro-
teção da imagem e a não estignatização, garantindo a não utilização das informa-
ções em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades, inclusive em termos de
auto-estima, de prestígio e/ou econômico-financeiro;
j) ser desenvolvida prefencialmente em indivíduos com autonomia plena. Indivíduos
ou grupos vulneráveis não devem ser sujeitos de pesquisa quando a informação
desejada possa ser obtida através de sujeitos com plena autonomia, a menos que
a investigação possa trazer benefícios diretos aos vulneráveis. Nestes casos, o
direito dos indivíduos ou grupos que queiram participar da pesquisa deve ser as-
segurado, desde que seja garantida a proteção à sua vulnerabilidade e incapaci-
dade legalmente definida;
k) respeitar sempre os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, bem
como os hábitos e costumes quando as pesquisas envolvem comunidades;
l) garantir que as pesquisas em comunidades, sempre que possível, traduzir-se-ão
em benefícios cujos efeitos continuem a ser fazer sentir após sua conclusão. O
projeto deve analisar as necessidades de cada um dos membros da comunidade e
analisar as diferenças presentes entre eles, explicitando como será assegurado o
respeito às mesmas;
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 8 5
m) garantir o retorno dos benefícios obtidos através das pesquisas para as pessoas e
as comunidades onde as mesmas forem realizadas. Quando, no interesse da comu-
nidade, houver benefício real em incentivar ou estimular mudanças de costumes
ou comportamentos, o protocolo de pesquisa deve incluir, sempre que possível,
disposições para comunicar tal benefício às pessoas e/ou comunidades;
n) comunicar às autoridades sanitárias os resultados da pesquisa, sempre que os mes-
mos puderem contribuir para a melhoria das condições de saúde da coletividade,
preservando, porém, a imagem e assegurando que os sujeitos da pesquisa não sejam
estigmatizados ou percam a auto-estima;
o) assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em
termos de retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pes-
quisa;
p) assegurar aos sujeitos da pesquisa as condições de acompanhamento, tratamento
ou de orientação, conforme o caso, nas pesquisas de rastreamento; demonstrar a
preponderância de benefícios sobre riscos e custos;
q) assegurar a inexistência de conflito de interesse entre o pesquisador e os sujeitos
da pesquisa ou patrocinador do projeto;
r) comprovar, nas pesquisas conduzidas do exterior ou com cooperação estrangei-
ra, os compromissos e as vantagens, para os sujeitos das pesquisas e para o
Brasil, decorrentes de sua realização. Nestes casos devem ser identificado o
pesquisador e a instituição nacionais co-responsáveis pela pesquisa. O protocolo
deverá observar as exigências da Declaração de Helsinque e incluir documento
de aprovação, no país de origem, entre os apresentados para avaliação do Comi-
tê de Ética em Pesquisa da instituição brasileira, que exigirá o cumprimento de
seus próprios referenciais éticos. Os estudos patrocinados do exterior também
devem responder às necessidades de treinamento de pessoal no Brasil, para que
o país possa desenvolver projetos similares de forma independente;
s) utilizar o material biológico e os dados obtidos na pesquisa exclusivamente para a
finalidade prevista no seu protocolo;
t) levar em conta, nas pesquisas realizadas em mulheres em idade fértil ou em
mulheres grávidas, a avaliação de riscos e benefícios e as eventuais interferênci-
as sobre a fertilidade, a gravidez, o embrião ou o feto, o trabalho de parto, o
puerpério, a lactação e o recém-nascido;
u) considerar que as pesquisas em mulheres grávidas devem ser precedidas de pes-
quisas em mulheres fora do período gestacional, exceto quando a gravidez for o
objetivo fundamental da pesquisa;
v) propiciar, nos estudos multicêntricos, a participação dos pesquisadores que de-
senvolverão a pesquisa na elaboração do delineamento geral do projeto; e
w) descontinuar o estudo somente após análise das razões da descontinuidade pelo
CEP que a aprovou.
IV – Consentimento livre e esclarecido
O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após
consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por
seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa.
2 8 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
IV.1 – Exige-se que o esclarecimento dos sujeitos se faça em linguagem acessível e
que inclua necessariamente os seguintes aspectos:
a) a justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa;
b) os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados;
c) os métodos alternativos existentes;
d) a forma de acompanhamento e assistência, assim como seus responsáveis;
e) a garantia de esclarecimentos, antes e durante o curso da pesquisa, sobre a
metodologia, informando a possibilidade de inclusão em grupo controle ou placebo;
f) a liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em
qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuida-
do.
g) a garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados
confidenciais envolvidos na pesquisa;
h) as formas de ressarcimento das despesas decorrentes da participação na pesqui-
sa; e
i) as formas de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa.
IV.2 – O termo de consentimento livre e esclarecido obedecerá aos seguintes requi-
sitos:
a) ser elaborado pelo pesquisador responsável expressando o cumprimento de cada
uma das exigências acima;
b) ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa que referenda investigação;
c) ser assinado ou identificado por impressão dactiloscópica, por todos e cada um
dos sujeitos da pesquisa ou por seus representantes legais; e
d) ser elaborado em duas vias, sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou por seu
representante legal e uma arquivada pelo pesquisador.
IV.3 – Nos casos em que haja qualquer restrição à liberdade ou ao esclarecimento
necessários para o adequado consentimento, deve-se ainda observar:
a) em pesquisa envolvendo crianças e adolescentes, portadores de perturbação ou
doença mental e sujeitos em situação de substancial diminuição em suas capaci-
dades de consentimento, deverá haver justificação clara da escolha dos sujeitos
da pesquisa, especificada no protocolo, aprovada pelo Comitê de Ética em Pes-
quisa e cumprir as exigências do consentimento livre e esclarecido, através dos
representantes legais dos referidos sujeitos, sem suspensão do direito de infor-
mação do indivíduo, no limite de sua capacidade;
b) a liberdade do consentimento deverá ser particularmente garantida para aqueles
sujeitos que, embora adultos e capazes, estejam expostos a condicionamentos
específicos ou à influência de autoridade, especialmente estudantes, militares,
empregados presidiários, internos em centros de readaptação casas-abrigo, asi-
los, associações religiosas e semelhantes, assegurando-lhes a inteira liberdade de
participar ou não da pesquisa, sem quaisquer represálias;
c) nos casos em que seja impossível registrar o consentimento livre e esclarecido,
tal fato deve ser devidamente documentado, com explicação das causas da im-
possibilidade, e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa;
d) as pesquisas em pessoas com o diagnóstico de morte encefálica só podem ser
realizadas desde que sejam preenchidas as seguintes condições:
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 8 7
documento comprobatório da morte encefálica (atestado de óbito);
consentimento explícito dos familiares e/ou do responsável legal, ou manifesta-
ção prévia da vontade da pessoa;
respeito total à dignidade do ser humano sem mutilação ou violação do corpo;
sem ônus econômico financeiro adicional à família;
sem prejuízo para outros pacientes aguardando intenção ou tratamento;
possibilidade de obter conhecimento científico relevante, novo e que não possa
ser obtido de outra maneira;
e) em comunidades culturamente diferenciadas, inclusive indígenas, deve-se contar
com anuência antecipada da comunidade através dos seus próprios líderes, não
se dispensando, porém, esforços no sentido de obtenção do consentimento indivi-
dual;
f) quando o mérito da pesquisa depender de alguma restrição de informações aos
sujeitos, tal fato deve ser devidamente explicitado e justificado pelo pesquisador e
submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa. Os dados obtidos a partir dos sujei-
tos da pesquisa não poderão ser usados para outros fins que os não previstos no
protocolo e/ou no consentimento.
V – Riscos e benefícios
Considera-se que toda pesquisa envolvendo seres humanos envolve risco. O dano
eventual poderá ser imediato ou tardio, comprometendo o indivíduo ou a coletividade.
V.1 – Não obstante os riscos potenciais, as pesquisas envolvendo seres humanos
serão admissíveis quando:
a) oferecerem elevada possibilidade de gerar conhecimento para entender, prevenir
ou aliviar um problema que afete o bem-estar dos sujeitos da pesquisa e de outros
indivíduos;
b) o risco se justifique pela importância do benefício esperado;
c) o benefício seja maior, ou no mínimo igual, a outras alternativas já estabelecidas
para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento.
V.2 – As pesquisas sem benefício direto ao indivíduo devem prever condições de
serem bem suportadas pelos sujeitos da pesquisa, considerando sua situação física, psi-
cológica, social e educacional.
V.3 – O pesquisador responsável é obrigado a suspender a pesquisa imediatamente
ao perceber algum risco ou dano à saúde do sujeito participante da pesquisa, consequente
à mesma, não previsto no termo de consentimento. Do mesmo modo, tão logo constata-
da a superioridade de um método em estudo sobre outro, o projeto deverá ser suspenso,
oferecendo-se a todos os sujeitos os benefícios do melhor regime.
V.4 – O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição deverá ser informado de todos os
efeitos adversos ou fatos relevantes que alterem o curso normal do estudo.
V.5 – O pesquisador, o patrocinador e a instituição devem assumir a responsabilidade
de dar assistência integral às complicações e danos decorrentes dos riscos previstos.
V.6 – Os sujeitos da pesquisa que vierem a sofrer qualquer tipo de dano previsto ou
não no termo de consentimento e resultante de sua participação, além do direito à assis-
tência integral, têm direito à indenização.
V.7 – Jamais poderá ser exigido do sujeito da pesquisa, sob qualquer argumento,
2 8 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
renúncia ao direito à indenização por dano. O formulário do consentimento livre e escla-
recido não deve conter nenhuma ressalva que afaste essa responsabilidade ou que impli-
que ao sujeito da pesquisa abrir mão de seus direitos legais, incluindo o direito de procu-
rar obter indenização por danos eventuais.
VI – Protocolo de pesquisa
O protocolo a ser submetido a revisão ética somente poderá ser apreciado se estiver
instruído com seguintes documentos em português:
V.I.1 – Folha de rosto: título do projeto, nome, número da carteira de identidade, CPF,
telefone e endereço para correspondência do pesquisador responsável e do patrocina-
dor, nome e assinatura dos dirigentes da instituição e/ou organização;
V.I 2 – descrição da pesquisa, compreendendo os seguintes itens:
a) descrição dos propósitos e das hipóteses a serem testadas;
b) antecedentes científicos e dados que justifiquem a pesquisa. Se o propósito for
testar um novo produto ou dispositivo para a saúde, de procedência estrangeira
ou não, deverá ser indicada a situação atual de registro junto a agências regulatórias
do país de origem;
c) descrição detalhada e ordenada do projeto de pesquisa (material e métodos,
casuística, resultados esperados e bibliografia);
d) análise crítica de riscos e benefícios;
e) duração total da pesquisa, a partir da aprovação;
f) explicitação das responsabilidade do pesquisador, da instituição, do promotor e do
patrocinador;
g) explicitação de critérios para suspender ou encerar a pesquisa;
h) local da pesquisa: detalhar as instalações dos serviços, centros, comunidades e
instituições nas quais se processarão as várias etapas da pesquisa;
i) demonstrativo da existência de infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da
pesquisa e para atender eventuais problemas dela resultantes, com a concordân-
cia documentada da instituição;
j) orçamento financeiro detalhado da pesquisa: recursos, fontes e destinação, bem
como a forma e o valor da remuneração do pesquisador;
k) explicitação de acordo preexistente quanto à propriedade das informações gera-
das, demonstrando a inexistência de qualquer cláusula restritiva quanto à divulga-
ção pública dos resultados, a menos que se trate de caso de obtenção de
patenteamento; neste caso, os resultados devem se tornar públicos, tão logo se
encerre a etapa de patenteamento;
l) declaração de que os resultados da pesquisa serão tornados públicos, sejam eles
favoráveis ou não; e
m) declaração sobre o uso e destinação do material e/ou dados coletados;
V.I.3 – informações relativas ao sujeito da pesquisa:
a) descrever as características da população a estudar: tamanho, faixa etária, sexo,
cor (classificação do IBGE), estado geral de saúde, classes e grupos sociais, etc.
Expor as razões para a utilização de grupos vulneráveis;
b) descrever os métodos que afetem diretamente os sujeitos da pesquisa;
c) identificar as fontes de material de pesquisa, tais como espécimens, registros e
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 8 9
dados a serem obtidos de seres humanos. Indicar se esse material será obtido
especificamente para os propósitos da pesquisa ou será usado para outros fins;
d) descrever os planos para o recrutamento de indivíduos e os procedimentos a
serem seguidos. Fornecer critérios de inclusão e exclusão;
e) apresentar o formulário ou termo de consentimento, específico para a pesquisa,
para a apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, incluindo informações sobre
as circunstâncias sob as quais o consentimento será obtido, quem irá tratar de
obtê-lo e a natureza da informação a ser fornecida aos sujeitos da pesquisa;
f) descrever qualquer risco, avaliando sua possibilidade e gravidade;
g) descrever as medidas para proteção ou minimização de qualquer risco eventual.
Quando apropriado, descrever as medidas para assegurar os necessários cuida-
dos à saúde, no caso de danos aos indivíduos. Descrever também os procedimen-
tos para monitoramento da coleta de dados para prover a segurança dos indivídu-
os, incluindo as medidas de proteção à confidencialidade; e
h) apresentar previsão de ressarcimento de gastos aos sujeitos da pesquisa. A im-
portância referente não poderá ser de tal monta que possa interferir na autono-
mia da decisão do indivíduo ou responsável de participar ou não da pesquisa.
V.I.4 – qualificação dos pesquisadores: “Curriculum vitae” do pesquisador responsá-
vel e dos demais participantes;
V.I.5 – termo de compromisso do pesquisador responsável e da instituição de cum-
prir os termos desta Resolução.
VII – Comitê de Ética em Pesquisa – CEP
Toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um
Comitê de Ética em Pesquisa.
VII.1 – As instituições nas quais se realizem pesquisas envolvendo seres humanos
deverão constituir um ou mais de um Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, conforme
suas necessidades.
VII.2 – Na possibilidade de se constituir CEP, a instituição ou o pesquisador respon-
sável deverá submeter o projeto à apreciação do CEP de outra instituição, preferencial-
mente dentre os indicados pela Comissão nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS).
VII.3 – Organização – A organização e criação do CEP será da competência da
instituição, respeitadas as normas desta Resolução, assim como o provimento de condi-
ções adequadas para o funcionamento.
VII.4 – Composição – O CEP deverá ser constituído por colegiado com número não
inferior a 7 (sete) membros. Sua constituição deverá incluir a participação de profissio-
nais da área de saúde, das ciências exatas, sociais e humanas, incluindo, por exemplo,
juristas, teólogos, sociólogos, filósofos, bioeticistas e, pelo menos, um membro da socie-
dade representando os usuários da instituição. Poderá variar na sua composição, depen-
dendo das especificidades da instituição e das linhas de pesquisa a serem analisadas.
VII.5 – Terá sempre caráter multi e transdiciplinar, não devendo haver mais que
metade de seus membros pertencentes à mesma categoria profissional, participando
pessoas dos dois sexos. Poderá ainda contar com consultores “ad hoc”, pessoas perten-
centes ou não à instituição, com a finalidade de fornecer subsídios técnicos.
VII.6 – No caso de pesquisas em grupos vulneráveis, comunidades e coletividades,
2 9 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
deverá ser convidado um representante, como membro “ad hoc” do CEP, para participar
da análise do projeto específico.
VII.7 – Nas pesquisas em população indígena deverá participar um consultor famili-
arizado com os costumes e tradições da comunidade.
VII.8 – Os membros do CEP deverão se isentar de tomada de decisão, quando
diretamente envolvidos na pesquisa em análise.
VII.9 – Mandato e escolha dos membros – A composição de cada CEP deverá ser
definida a critério da instituição, sendo pelo menos metade dos membros com experiên-
cia em pesquisa, eleitos pelos seus pares. A escolha da coordenação de cada Comitê
deverá ser feita pelos membros que compõem o colegiado, durante a primeira reunião de
trabalho. Será de três anos a duração do mandato, sendo permitida recondução.
VII.10 – Remuneração – Os membros do CEP não poderão ser remunerados no
desempenho desta tarefa, sendo recomendável, porém, que sejam dispensados nos ho-
rários de trabalho do Comitê das outras obrigações nas instituições às quais prestam
serviço, podendo receber ressarcimento de despesas efetuadas com transportes, hospe-
dagem e alimentação.
VII.11 – Arquivo – O CEP deverá manter em arquivo o projeto, o protocolo e os
relatórios correspondentes, por 5 (cinco) anos após o encerramento do estudo.
VII.12 – Liberdade de trabalho – Os membros dos CEPs deverão ter total indepen-
dência na tomada das decisões no exercício das suas funções, mantendo sob caráter
confidencial as informações recebidas. Deste modo, não podem sofrer qualquer tipo de
pressão por parte de superiores hierárquicos ou pelos interessados em determinada pes-
quisa, devem isentar-se de envolvimento financeiro e não devem estar submetidos a
conflito de interesse.
VII.13 – Atribuições do CEP:
a) revisar todos os protocolos de pesquisas envolvendo seres humanos, inclusive os
multicêntricos, cabendo-lhe a responsabilidade primária pelas decisões sobre a
ética da pesquisa a ser desenvolvida na instituição, de modo a garantir e resguar-
dar a integridade e os direitos dos voluntários participantes nas referidas pesqui-
sas;
b) emitir parecer consubstanciado por escrito, no prazo máximo de 30 (trinta) dias,
identificando com clareza o ensaio, documentos estudados e data de revisão. A
revisão de cada protocolo culminará com seu enquadramento em uma das se-
guintes categorias;
aprovado;
com pendência: quando o Comitê considera o protocolo como aceitável, porém
identifica determinados problemas no protocolo, no formulário do consentimento
ou ambos, e recomenda uma revisão específica ou solicita uma modificação ou
informação relevante, que deverá ser atendida em 60 (sessenta) dias pelos pes-
quisadores;
retirado: quando, transcorrido o prazo, o protocolo permanece pendente;
não aprovado; e
aprovado e encaminhado, com o devido parecer, para apreciação pela Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP/MS, nos casos previstos no capítulo
VIII, item 4.c.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 9 1
c) manter a guarda confidencial de todos os dados obtidos na execução de sua
tarefa e arquivamento do protocolo completo, que ficará à disposição das autori-
dades sanitárias;
d) acompanhar o desenvolvimento dos projetos através de relatórios anuais dos pes-
quisadores;
e) desempenhar papel consultivo e educativo, fomentando a reflexão em torno da
ética na ciência:
f) receber dos sujeitos da pesquisa ou de qualquer outra parte denúncias de abusos
ou notificações sobre fatos adversos que possam alterar o curso normal do estu-
do, decidindo pela continuidade, modificação ou suspensão da pesquisa, devendo,
se necessário, adequar o termo de consentimento. Considera-se como anti-ética
a pesquisa descontinuada sem justificativa aceita pelo CEP que a aprovou;
g) requerer instauração de sindicância à direção da instituição em caso de denúnci-
as de irregularidades de natureza ética nas pesquisas e, em havendo comprova-
ção, comunicar à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP/MS e, no
que couber, a outras instâncias; e
h) manter comunicação regular e permanente com a CONEP/MS.
VII.14 – Atuação do CEP:
a) A revisão ética de toda e qualquer proposta de pesquisa envolvendo seres huma-
nos não poderá ser dissociada da sua análise científica. Pesquisa que não se faça
acompanhar do respectivo protocolo não deve ser analisada pelo Comitê.
b) Cada CEP deverá elaborar suas normas de funcionamento, contendo metodologia
de trabalho, a exemplo de: elaboração das atas; planejamento anual de suas ativi-
dades; periodicidade de reuniões; número mínimo de presentes para início das
reuniões; prazos para emissão de pareceres; critérios para solicitação de consul-
tas de experts na área em que se desejam informações técnicas; modelo de
tomada de decisão, etc.
VIII – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONSEP/MS).
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP/MS é uma instância colegiada,
de natureza consultiva, deliberativa, normativa, educativa, independente, vinculada ao
Conselho Nacional de Saúde.
O Ministério da Saúde adotará as medidas necessárias para o funcionamento pleno
da Comissão e de sua Secretaria Executiva.
VIII.1 – Composição: A CONEP terá composição multi e transdiciplinar, com pesso-
as de ambos os sexos e deverá ser composta por 13 (treze) membros titulares e seus
respectivos suplentes, sendo 05 (cinco) deles personalidades destacadas no campo da
ética na pesquisa e na saúde e 08 (oito) personalidades com destacada atuação nos
campos teológico, jurídico e outros, assegurando-se que pelo menos um seja da área de
gestão da saúde. Os membros serão selecionados a partir de listas indicativas elabora-
das pelas instituições que possuem CEP registrados na CONEP, sendo que 07 (sete)
serão escolhidos pelo Conselho Nacional de Saúde e 06 (seis) serão definidos por sor-
teio. Poderá contar também com consultores e membros “ad hoc”, assegurada a repre-
sentação dos usuários.
VIII.2 – Cada CEP poderá indicar duas personalidades.
2 9 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
VIII.3 – O mandato dos membros da CONEP será de quatro anos com renovação
alternada a cada dois anos, de sete ou seis de seus membros.
VIII.4 – Atribuições da CONEP – Compete à CONEP o exame dos aspectos éticos
da pesquisa envolvendo seres humanos, bem como a adequação e atualização das nor-
mas atinentes. A CONEP consultará a sociedade sempre que julgar necessário, caben-
do-lhe, entre outras, as seguintes atribuições:
a) estimular a criação de CEPs institucionais e de outras instâncias;
b) registrar os CEPs institucionais e de outras instâncias;
c) aprovar, no prazo de 60 dias, e acompanhar os protocolos de pesquisa em áreas
temáticas especiais tais como:
1) genética humana;
2) reprodução humana;
3) farmácos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos novos (fases I, II, III) ou
não registrados no país (ainda que fase IV), ou quando a pesquisa for referente a
seu uso com modalidades, indicações, doses ou vias de administração diferentes
daquelas estabelecidas, incluindo seu emprego em combinações;
4) equipamentos, insumos e dispositivos para a saúde novos, ou não registrados no
país;
5) novos procedimentos ainda não consagrados na literatura;
6) populações indígenas;
7) projetos que envolvam aspectos de biossegurança;
8) pesquisas coordenadas do exterior ou com participação estrangeira e pesquisas
que envolvam remessa de material biológico para o exterior;
9) projetos que, a critério do CEP, devidamente justificado, sejam julgados merece-
dores de análise pela CONEP;
d) prover normas específicas no campo da ética em pesquisa, inclusive nas áreas
temáticas especiais, bem como recomendações para aplicação das mesmas;
e) funcionar como instância final de recursos, a partir de informações fornecidas
sistematicamente, em caráter ex-ofício ou a partir de denúncias ou de solicitação
de partes interessadas devendo manifestar-se em um prazo não superior a 60
(sessenta) dias;
f) rever responsabilidade, proibir ou interromper pesquisas, definitiva ou temporari-
amente, podendo requisitar protocolos para revisão ética inclusive, os já aprova-
dos pelo CEP;
g) constituir um sistema de informação e acompanhamento dos aspectos éticos das
pesquisas envolvendo seres humanos em todo o território nacional, mantendo
atualizados os bancos de dados;
h) informar e assessorar o MS, o CNS e outras instâncias do SUS, bem como do
governo e da sociedade, sobre questões éticas relativas à pesquisa em seres
humanos;
i) divulgar esta e outras normas relativas à ética em pesquisa envolvendo seres
humanos;
j) a CONEP, juntamente com outros setores do Ministério da Saúde, estabelecerá
normas e critérios para o credenciamento de Centros de Pesquisa. Este
credenciamento deverá ser proposto pelos setores do Ministério da Saúde, de
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 9 3
acordo com suas necessidades, e aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde; e
k) estabelecer suas próprias normas de funcionamento.
VIII.5 – A CONEP submeterá ao CNS para sua deliberação:
a) propostas de normas gerais a serem aplicadas às pesquisas envolvendo seres
humanos, inclusive modificações desta norma;
b) plano de trabalho anual;
c) relatório anual de suas atividades, incluindo sumário dos CEP estabelecidos e dos
projetos analisados.
IX – Operacionalização
IX.1 – Todo e qualquer projeto de pesquisa envolvendo seres humanos deverá obe-
decer às recomendações desta Resolução e dos documentos endossados em seu pre-
âmbulo. A responsabilidade do pesquisador é indelegável, indeclinável e compreende os
aspectos éticos e legais.
IX.2 – Ao pesquisador cabe:
a) apresentar o protocolo, devidamente instruído ao CEP, aguardando o pronuncia-
mento deste, antes de iniciar a pesquisa;
b) desenvolver o projeto conforme delineado;
c) elaborar e apresentar os relatórios parciais e final;
d) apresentar dados solicitados pelo CEP, a qualquer momento;
e) manter em arquivo, sob sua guarda, por 5 anos, os dados da pesquisa, contendo
fichas individuais e todos os demais documentos recomendados pelo CEP;
f) encaminhar os resultados para publicação, com os devidos créditos aos pesquisa-
dores associados e ao pessoal técnico participante do projeto;
g) justificar, perante o CEP, interrupção do projeto ou a não publicação dos resulta-
dos.
IX.3 – O Comitê de Ética em Pesquisa institucional deverá estar registrado junto à
CONEP/MS.
IX.4 – Uma vez aprovado o projeto, o CEP passa a ser co-responsável no que se
refere aos aspectos éticos da pesquisa.
IX.5 – Consideram-se autorizados para execução, os projetos aprovados pelo CEP,
exceto os que se enquadrarem nas áreas temáticas especiais, os quais, após aprovação
pelo CEP institucional deverão ser enviados à CONEP/MS, que dará o devido encami-
nhamento.
IX.6 – Pesquisas com novos medicamentos, vacinas, testes diagnósticos, equipa-
mentos e dispositivos para a saúde deverão ser encaminhados do CEP à CONEP/MS e
desta, após parecer, à Secretaria de Vigilância Sanitária.
IX.7 – As agências de fomento à pesquisa e o corpo editorial das revistas científica
deverão exigir documentação comprobatória de aprovação do projeto pelo CEP e/ou
CONEP, quando for o caso.
IX.8 – Os CEPs institucionais deverão encaminhar trimestralmente à CONEP/MS a
relação dos projetos de pesquisa analisados, aprovados e concluídos, bem como dos
projetos em andamento e, imediatamente, aqueles suspensos.
X. Disposições transitórias
2 9 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
X.1 – O grupo Executivo de Trabalho-GET, constituindo através da Resolução CNS
170/95, assumirá as atribuições da CONEP até a sua constituição, responsabilizando-se
por:
a) tomar as medidas necessárias ao processo de criação da CONEP/MS;
b) estabelecer normas para registro dos CEP institucionais;
X.2 – O GET terá 180 dias para finalizar as suas tarefas.
X.3 – Os CEPs das instituições devem proceder, no prazo de 90 (noventa) dias, ao
levantamento e análise, se for o caso, dos projetos de pesquisa em seres humanos já em
andamento, devendo encaminhar à CONEP/MS, a relação dos mesmos.
X.4 – Fica revogada a Resolução 01/88.
Conselho nacional de saúde resolução nº 102, de 07 de novembro
de 1996
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde em sua Sexagésima Reunião Ordinária,
realizada nos dias 6 e 7 de novembro de 1996, no uso de suas competências regimentais
e atribuições conferidas pela Lei no
8.080, de 19 de setembro de 1990, e pela lei no
8.142,
de 28 de dezembro de 1990, considerando:
a) a necessidade de completar o trabalho do Grupo Executivo criado através da
Resolução nº 170 de 09 de novembro de 1995; e
b) o estipulado no item 2, Capítulo X, da Resolução nº 196 de 10 de novembro de
1996, que aprova as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envol-
vendo Seres Humanos, resolve:
Aprovar o seguinte Plano de Trabalho:
1) Desenvolver as atribuições da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP,
nos termos do item 1, Capítulo X, da Resolução nº 196/96. Período: até a criação
da CONEP;
2) Distribuir amplamente a Resolução nº 196/96, como passo inicial para:
a) assegurar a divulgação das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas
Envolvendo Seres Humanos;
b) promover a criação de Comitês de Ética em Pesquisa – CEP, de acordo com as
novas diretrizes;
c) obter informações básicas sobre os Comitês de Ética em Pesquisa;
d) registrar os CEPs no Ministério da Saúde;
e) desenvolver Banco de Dados sobre os Comitês de Éticas; e
f) divulgar Boletim sobre o processo de organização dos Comitês no país, por Uni-
dade Federada, contendo lista com as instituições que possuem CEP cadastrado
no Ministério da Saúde. Período: novembro de 1996 a março de 1997.
3) Solicitar sugestões sobre as sete áreas temáticas especiais referidas na letra c,
item 4, Cap VIII, da Resolução nº 196/96, como subsídios ao trabalho de elabora-
ção das Normas e Diretrizes destas áreas. Período: novembro de 1996 a março
de 1997;
4) Promover revisão da bibliografia e organizar o trabalho de elaboração das nor-
mas das áreas temáticas especiais. Período: janeiro a fevereiro de 1997;
5) Definir as prioridades de trabalho na elaboração das normas de pesquisa das
áreas temáticas especiais. Período: fevereiro de 1997.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 9 5
6) Identificar, para cada área temática, as pessoas, sociedades, instituições etc., que
serão consultados e, eventualmente, poderão contribuir na elaboração das nor-
mas específicas. Período: janeiro e fevereiro de 1997.
7) Elaborar o plano de trabalho das áreas temáticas especiais priorizadas para apre-
sentação na Reunião Ordinária do CNS do mês de abril de 1997; e
8) Apresentar, na Reunião Ordinária do CNS do mês de abril de 1997, proposta de
estruturação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, nos termos dos itens
1, 2 e 3 do Capítulo VIII e da letra a do item 1, Capítulo X, das Disposição
Transitórias da Resolução nº 196/96.
Instruções para preparar o Sumário do protocolo
Um Sumário de cada um dos itens seguintes deve ser anexado a cada proposta de
investigação antes que esta seja avaliada pelo Comitê de Voluntários Humanos. O Su-
mário deve conter um máximo de três páginas. Se um determinado item não for relevan-
te à pesquisa, descreva as razões pelas quais você crê que o item não se aplica.
1) Faça um breve resumo dos propósitos do estudo, incluindo os métodos e materi-
ais a serem empregados.
2) Descreva a população de referência do estudo e o que será requerido dos parti-
cipantes. (Quando a população consistir de grupos especiais, tais como prisionei-
ros, crianças e pacientes psiquiátricos ou outros grupos cuja capacidade de for-
necer informação voluntária com conhecimento de causa é questionável, faz-se
necessário fornecer uma justificativa para o emprego desse tipo de população.)
3) Informar se a investigação exige o uso de documentos papeletas (incluindo
papeletas hospitalares, atestado de óbito ou nascimento, etc.), órgãos, tecidos
(histologia ou outros), líquidos orgânicos (sangue ou soro, por exemplo), feto ou
aborto.
Se a informação identificando os pacientes for obtida de documentação (tal como os
prontuários), indique o tipo de informação a ser obtida, o propósito para o qual os dados
serão usados, durante quanto tempo a informação será conservada e como a informa-
ção será eliminada no futuro.
4) Descreva e avalie riscos potenciais – físicos, psicológicos, sociais e outros – e
avalie a probabilidade e a seriedade de tais riscos.
a) Descreva os procedimentos para proteger indivíduos contra tais riscos (ou como
os riscos serão minimizados) e avalie a eficácia de tais procedimentos.
b) Se os métodos a serem utilizados na investigação proposta criam riscos em po-
tencial, descreva outros métodos (se existentes) que foram considerados durante
o desenho do protocolo e porque estes não serão usados.
5) Avalie os benefícios em potencial a serem obtidos pelo indivíduo participante da
pesquisa, pela sociedade em geral, como resultado da pesquisa proposta. Indique
porque você acredita que os benefícios serão maiores do que os riscos.
6) Descreva os procedimentos de “consentimento” a serem usados, indicando como
e onde o “consentimento informado” (consentimento com conhecimento de cau-
sa) será obtido. Quando há riscos em potencial para o indivíduo ou quando a sua
privacidade pode ser lesada, o investigador deverá obter um consentimento infor-
mado assinado pelo participante. No caso de crianças ou pacientes psiquiátri-
cos, o consentimento informado assinalado pode ser obtido do pai/mãe ou guardião
2 9 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
legal do indivíduo. As informações sobre o estudo deverão ser claramente trans-
mitidas às crianças participantes, a fim de que estas forneçam seu consentimen-
to. Anexe uma cópia da descrição do estudo a ser lida aos participantes e/ou do
consentimento com conhecimento de causa.
a) Se o consentimento com conhecimento de causa não for obtido, explique porque
este requisito deve ser omitido e forneça uma descrição e justificativa para o
procedimento a ser seguido.
b) Se a informação básica não for transmitida aos participantes, explique este tipo
de ação.
c) Participantes deverão obter informação dos investigadores sobre a disponibilida-
de (ou não disponibilidade) de tratamento ou compensação monetária a ser
fornecida como resultado de enfermidades ou lesões decorrentes da sua partici-
pação no estudo.
7) Descreva os instrumentos pelos quais será assegurado o caráter confidencial e/
ou medidas para proteger o anonimato dos participantes. (Informe ao Comitê
onde os dados serão mantidos e quais são os planos para destruir os dados iden-
tificados indivíduos, após o término do estudo.)
8) Se o estudo incluir entrevistas, descreva onde e em que contexto a entrevista
será realizada. (A duração aproximada da entrevista deverá ser mencionada no
“consentimento informado” a ser lido pelo participante.)
9) Se o questionário final não for anexado a este, as seguintes informações deverão
ser incluídas no Sumário da investigação:
a) Uma descrição das áreas a serem cobertas pelo questionário e que possam ser
consideradas “delicadas” ou que venham a constituir uma invasão da privacidade
do participante.
b) Exemplos de perguntas a serem endereçadas relacionadas com os tópicos refe-
ridos.
c) Data em que o questionário será apresentado ao Comitê para avaliação.
Proposta de formulário para o comitê de pesquisa em voluntários humanos
Investigador principal: ____________________________________
Co-investigador: ________________________________________
Departamento: _________________________________________
Universidade e/ou Instituição responsável: ___________________
Endereço: _____________________________________________
Telefone: ______________________________________________
Título do estudo: ________________________________________
_____________________________________________________
O protocolo está sendo
Avaliado pela primeira vez ________________________________
Reavaliado ____________________________________________
1. Natureza da população em estudo:
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 9 7
a) Pacientes (enfermos) Sim( ) Não( )
b) Indivíduos sadios Sim( ) Não( )
c) Crianças Sim( ) Não( )
d) Estudantes Sim( ) Não( )
e) Prisioneiros Sim( ) Não( )
f) Doentes mentais (incluindo retardados mentais) Sim( ) Não( )
2. O estudo incluirá os seguintes aspectos:
a) Uso de papeletas médicas, certificados
de óbito, certificados de nascimento, etc. Sim( ) Não( )
b) Uso de material radioativo Sim( ) Não( )
c) Uso de agentes infecciosos Sim( ) Não( )
d) Uso de tecido fetal ou aborto Sim( ) Não( )
e) Uso de órgãos ou fluidos
corpóreos (como sangue etc.) Sim( ) Não( )
3. O estudo poderá levar às conseqüências assinaladas a seguir:
a) Riscos físicos Sim( ) Não( )
b) Riscos sociais Sim( ) Não( )
c) Riscos psicológicos Sim( ) Não( )
d) Desconforto nos indivíduos estudados Sim( ) Não( )
e) Invasão da privacidade do indivíduo Sim( ) Não( )
f) Liberação de informações potencialmente
nocivas ao indivíduo ou a terceiros. Sim( ) Não( )
4. Os indivíduos incluídos na investigação serão claramente informados a respeito de:
a) Objeto e natureza do estudo Sim( ) Não( )
b) Métodos a serem usados, incluindo
alternativas Sim( ) Não( )
c) Riscos e reações colaterais Sim( ) Não( )
d) Questões de natureza privada Sim( ) Não( )
e) Possíveis benefícios Sim( ) Não( )
f) Direito de recusar a participação no estudo
ou interrompê-la a qualquer momento depois
do estudo ter sido iniciado Sim( ) Não( )
g) Tratamento confidencial dos dados
h) Possível reembolso de despesas que os
indivíduos possam vir a fazer ligadas ao
estudo (incluindo as despesas médicas e
outras advindas de reações colaterais e/ou
efeitos nocivos decorrentes do estudo) Sim( ) Não( )
5. Haverá um “consentimento informado” oral ou escrito?
Especifique: Com assinatura___________oral______________
Se sim,
2 9 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
a) Dos indivíduos Sim( ) Não( )
b) Dos pais ou responsável legal (se os
b) indivíduos são crianças ou doentes mentais) Sim( ) Não( )
6. Uma cópia do formulário para obter o consentimento será dada ao indivíduo ou ao
responsável legal:
Sim( ) Não( )
7. Serão tomadas precauções para proteger o caráter confidencial dos dados e o anoni-
mato dos participantes:
Sim( ) Não( )
8. O presente protocolo se inclui na categoria de “isento” de revisão ética:
Sim( ) Não( )
Se sim responda aos seguintes itens a fim de evidenciar as razões pelas quais o
estudo proposto estaria isento de revisão ética:
a)___________A pesquisa envolve apenas entrevistas ou procedimentos com base
em questionários e os fatores seguintes não estarão todos presentes:
_____________Os indivíduos só poderão ser identificados direta ou indiretamente
através de códigos conectados com o indivíduo
_____________O indivíduo estará correndo algum risco
_____________A pesquisa lida com aspectos delicados ligados ao comportamento
doindivíduo
b)___________A pesquisa inclui somente revisão de dados existentes (papeletas
ou outros documentos ou espécimes patológicos ou diagnósticos); adicionalmente, as
fontes de informação são disponíveis ao público em geral (ex: atestado de óbito) ou
informação está arquivada de tal maneira que é impossível identificar o indivíduo direta
ou indiretamente
c)___________A pesquisa inclui somente observação de comportamento público e
os seguintes fatores não estarão todos presentes:
_____________Os indivíduos não podem ser identificados direta ou indiretamente
através de códigos conectados com o indivíduo
_____________O indivíduo estará correndo algum risco
_____________A pesquisa lida com aspectos delicados ligados ao comportamento
doindivíduo
9. Verificar a existência dos seguintes documentos que devem ter sido anexados para
avaliação crítica do Comitê de Voluntários Humanos:
____________Sumário do protocolo
____________Descrição do protocolo a ser lida ou dada ao indivíduo participante
do estudo
____________Formulário para “consentimento informado” a ser assinado pelo in-
divíduo
____________Formulário para que o pai/mãe ou tutor consinta que a criança parti-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
2 9 9
cipe do estudo
____________Descrição dos procedimentos a serem adotados para manter o cará-
ter confidencial
____________Aprovação do estudo pela instituição (instituição financiadora de
pesquisa)
Nós assumimos responsabilidade pelas respostas aos itens acima e concordamos em
tentar obter a aprovação do Comitê de Voluntários Humanos, antes de quaisquer modi-
ficações no protocolo de pesquisa envolvendo seres humanos.
___________________ ___________________ __/__/__
Coordenador do Projeto Chefe do Departamento Data
XIII– Principais enfermidades transmissíveis
de importância em saúde pública
A saúde nas Américas: tendências atuais
Roberto Soerensen
A Organização Panamericana da Saúde (OPS) realiza levantamentos epidemiológicos
nas Américas situando os problemas que interferem com a saúde do homem e indicando
a maneira de solucioná-los tendo como objetivo a saúde física, mental e social.
Os países das Américas antecedendo o ano 2000 experimentam uma série de extra-
ordinárias mudanças políticas, econômicas e demográficas. O sistema atual de econo-
mia aberta leva a uma competição em nível mundial e a população aumenta de ano para
ano. Desta maneira os cálculos aproximados do número de habitantes é de 800 milhões
de pessoas para a região das Américas, representando 14% da população mundial. Apro-
ximadamente uma terça parte mora nos Estados Unidos, outra terça parte no México e
no Brasil e a terça parte restante em 45 países e territórios das Américas.
O número de nascimento, de maneira geral, aumentou com uma taxa de nascimento
de 19,2 nascidos vivos por 1.000 habitantes. De todos os países das Américas o Canadá
tem a taxa de nascimento menor (11,9 por 1.000) e a Guatemala a mais elevada (36,1
por 1.000 habitantes).
Conforme projeções das Nações Unidas, em 1998 nasceram mais de 15 milhões de
crianças nas Américas e os valores estimados que são calculados é que no ano 2003 o
número de nascimentos será praticamente idêntico ao de 1998.
Estados Unidos, Brasil e México, os países mais populosos das Américas, têm o
maior número de óbitos. Os Estados Unidos, Canadá e Bermuda tiveram 8,7 óbitos por
3 0 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
1.000 habitantes em 1998, entretanto Costa Rica teve o menor índice de mortalidade de
3,8 por 1.000 habitantes. As tendências de nascimento e mortalidade resultam difíceis de
se definir pois a população flutuante e migratória geralmente foge ao controle.
O deslocamento das populações rurais para o meio urbano levou ao crescimento
vertiginoso, com destaque das cidades latino-americanas, constatando-se o crescimento
de 60% em alguns centros urbanos nos últimos 10 anos.
Na Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai aproximadamente 85% de seus habitantes
moram em zonas urbanas. A população de indígenas é estimada em 42 milhões que
moram em mais de 400 povoados ou aldeias. O México tem 12 milhões de indígenas,
Guatemala 5,3 milhões, Peru 9,3 milhões, Bolívia 4,9 milhões e Equador 4,1 milhões.
A saúde da população
Os coeficientes de Saúde Pública indicam uma melhora gradativa nas Américas.
Desde a década de 80 até a metade da década de 90, a esperança de vida ao nascer
aumentou de 68,7 para 71,1 anos. Em 1995 na América Latina a taxa foi de 70 anos e no
Caribe de 74,3 anos, constando-se sempre taxas superiores para o sexo feminino. A
diminuição das mortes prematuras, com menos de 75 anos de idade, teve como causa a
diminuição da mortalidade dos primeiros anos de vida, especialmente por doenças
transmissíveis. As não transmissíveis são ao redor de duas terças partes de toda a mor-
talidade na América Latina e o Caribe.
A mortalidade infantil na década de 50 na América Latina e no Caribe foi de 125
por 1000 nascidos vivos e no início da década de 80 foi de 59 por 1000. A taxa de
mortalidade infantil no Canadá e nos Estados Unidos passou de 29 por 1000 dos anos
50 para aproximadamente 8 por 1000 na década de 90. A Bolívia e Haiti no mesmo
período sofreram um decréscimo da metade na mortalidade infantil.
Fazendo um retrospecto, a Varíola foi erradicada da face da terra em 1979, a Polio-
mielite foi erradicada das Américas, o Sarampo se encontra sob controle e avançou-se
muito para o controle da Doença de Chagas.
Aproximadamente a metade dos 1,6 milhões dos casos notificados de AIDS no mun-
do, desde o início da epidemia, foi nas Américas. A partir de 1986 foram registrados
472.562 mortes decorrentes da AIDS. Até dezembro de 1997 foram notificados 808.540
casos de AIDS na Região das Américas, representando 47,5% do total de casos assina-
lados no mundo. Realmente, este número poderia duplicar se pensarmos nos casos sem
notificação.
O aspecto atual da AIDS nas Américas é a mudança do predomínio da transmissão
de homens homossexuais para os heterossexuais. O maior número de AIDS notificado
é no grupo de homens de 30 a 34 anos, seguido pelo de 25 a 29 anos de idade. No grupo
feminino, o maior número de notificações foi de 25 a 29 anos seguido pelo de 30 a 34
anos. Como decorrência do panorama da AIDS observa-se a prevalência de crianças
que nascem comprometidas pelo vírus HIV, constatando-se que, no fim de 1996, 6.911
casos foram com idade inferior a 14 anos e 5.095 casos perinatais.
Em 1991, após um silêncio epidemiológico de praticamente um século, a Cólera rea-
parece nas Américas comprometendo 21 países onde foram notificados 1,2 milhões de
casos desde o início da epidemia.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 0 1
A Dengue, especialmente o tipo hemorrágico, e ainda outras doenças transmitidas
por vetores se apresentam de maneira epidémica nos países das Américas.
A emergência e reemergência de novas doenças também preocupam. A Tuberculo-
se com os problemas de resistência a antibióticos indica a necessidade do aperfeiçoa-
mento dos sistemas de vigilância epidemiológica. Em 1996 foram notificados 253.867
casos de Tuberculose resultando numa taxa superior a 32 casos por 100.000 habitantes,
correspondendo a Bolívia e Peru as mais elevadas, de 100 casos por 100.000 habitantes.
Independentemente das doenças transmissíveis, as repercussões na Saúde Pública
de aspectos sociais devem ser abordados como as formas de violência, incluindo-se a
familiar e os acidentes. Os dados estatísticos correspondentes ao período compreendido
entre os anos de 1984 a 1994 mostram que a violência teria diminuido. Alguns países
como Suriname, El Salvador, Bahamas, Nicarágua, México, Trinidad e Tobago e Barbados
diminuíram o número de óbitos por acidentes e violências. No que se refere a El Salva-
dor e a Nicarágua a redução é atribuída ao fim das guerras civis na década de 1990.
Os transtornos mentais, o tabagismo e o alcoolismo são outros problemas presentes
nas Américas. O desenvolvimento deficitário das crianças, muitas vezes decorrente de
desnutrição, compromete até 50% de crianças em idade pré-escolar e escolares. A
carência de iodo e de vitamina A está sendo reduzida gradativamente, entretanto a
carência de ferro é um problema nutricional importante especialmente em crianças e em
mulheres em idade reprodutiva.
Os problemas ambientais também são deficientes. Aproximadamente 78% da po-
pulação da América Latina e do Caribe conta com abastecimento de água potável.
Existem detalhes, entretanto, assim em Costa Rica todas as residências tem água
encanada e tratada, não acontecendo a mesma coisa com Haiti e Paraguai onde so-
mente quatro de cada 10 lares contam com abastecimento de água potável. A defici-
ência de uma disposição sanitária de águas residuais e de excretas é ainda maior
nestes países, pois somente 69% da população possui instalações adequadas e somen-
te 10% dos esgotos são tratados. A contaminação de alimentos, a falta de tratamento
do lixo e a precariedade das residências somam-se aos fatores anteriores.
A pobreza é mais um fator negativo. É de conhecimento que nos grupos de popula-
ção pobre a saúde é também deficiente pois são mais propensos a adquirirem doenças.
Os financiamentos precários na área da saúde são também um problema. O setor
público de países da América Latina gasta ao redor de 25% do produto interno bruto
(PIB), entretanto um país industrializado gasta mais de 40%. Em sistemas de segurança
social um país industrializado gasta 15% e a América Latina 2,5%.
As políticas de saúde devem-se adequar às necessidades regionais para eliminar as
desigualdades desnecessárias e injustas em termos da saúde e do bem-estar individual e
coletivo. As reformas do setor saúde estão dirigidas atualmente a redefinir o papel do
governo central e dos governos regionais e locais para garantir a saúde a população.
Conquistas da medicina e os
novos problemas de saúde pública
3 0 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Bruno Soerensen
As Ciências evoluem dia a dia e nesta evolução são detectados mecanismos novos,
vários deles nunca imaginados. Na Ciência Médica o avanço, com destaque no fim do
século passado e neste século, contribuiu para uma verdadeira revolução de conheci-
mentos. Se nos atermos somente às áreas da Microbiologia e da Imunologia, as doenças
Infecciosas e suas repercussões para a Saúde Pública são realmente deslumbrantes. A
descoberta de agentes causadores de inúmeras doenças por eminentes pesquisadores
trouxe conhecimentos sólidos para o combate às seguintes doenças: Carbúnculo (Pollender
e Davaine, 1850); Pús Azul (Lucke, 1862); Lepra (Hansen, 1882); Clostridiose (Pasteur
e Joubert, 1877); Gonorréia (Neisser, 1879); Pneumonia Lobar (Pasteur, 1880);
Furunculose e Osteomielite (Pasteur, 1880); Febre Puerperal (Pasteur e Doléris, 1880);
Febre Tifóide (Eberth, 1880); Mormo (Loefler e Schiitz, 1882); Tuberculose (Koch, 1882);
Difteria (Klebs, 1883); Cólera (Koch, 1883); Tétano (Nicolaier, 1884); Meningite
Meningocócica (Weichselbaum, 1887); Intoxicação Alimentar por Salmonela (Gaertner,
1889); Gripe por Hemófilos (Pfeiffer, 1892); Peste (Yersin e Kitasato, 1894); Brucelose
(Bang, 1895); Febre Paratifóide (Achard e Bensaude, 1896); Botulismo (Van
Ermengem,1896); Disenteria Bacilar (Shiga, 1898); Coqueluche (Bordet e Gengou, 1900);
Sífilis (Schaudinn e Hoffmam,1905); Tularemia (McCoy e Chapin, 1910); Tifo
Exantemático (Rocha Lima, 1916).
No campo da imunoprofilaxia, da mesma maneira, foram descobertas inúmeras vaci-
nas, como a primeira de todas, a Vacina Antivaríolica (Jenner, 1796). Devem-se a Pasteur
a introdução científica do processo de imunização e o preparo das primeiras vacinas
vivas de virulência atenuada, como a vacina contra a Cólera Aviária em 1879, a do
Carbúnculo em 1881, da Erisipela dos suínos e finalmente da vacina contra a Raiva,
aplicada pela primeira vez no homem em 1885.
Os avanços no campo da imunoprofilaxia prosseguiram, conseguindo a atenuação da
virulência de vários microrganismos patogênicos como a vacina a BCG obtida por Calmette
e Guérin em 1924 ou ainda outras inativadas como a vacina antipestosa de Haffkine em
1895, a vacina antitifóidica de Wright em 1896, a vacina contra o Tifo Exantemático de
Weigl em 1932, a vacina contra a Coqueluche de Leslie e Gardner em 1933. Em 1923,
foram descobertas por Ramon as primeiras anatoxinas, a diftérica e a tetânica, constitu-
indo-se nas primeiras vacinas químicas.
A obtenção do cultivo dos vírus em animais de laboratório, em ovo embrionado e em
cultura celular, contribuiu sobremaneira para a obtenção das vacinas contra a Febre
Amarela por Sellard e Laigret em 1932 e Max Theiler em 1937, a vacina contra a
Poliomielite por Salk em 1953 e por Sabin em 1956, a vacina contra a Parotidite por
Smorodintvev em 1954, contra o Sarampo por Enders em 1958, contra a Rubéola por
Meyer e Parkman em 1966.
A substituição de células de origem animal por células diplóides humanas na obten-
ção de vacinas também representou considerável avanço.
As vacinas acelulares (extrativas) polissacarídicas de cápsulas bacterianas como a
pneumocóccica e a meningocóccica, obtidas em 1969 por Gotschlich e colaboradores,
as entéricas, contra a Cólera, Salmoneloses, e Shigeloses, de germes vivos de virulência
atenuada, também enriqueceram o capítulo das vacinas.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 0 3
As vacinas virais contra a Hepatite, vírus respiratórios, Herpes, arboviroses, vacinas
contra doenças parasitárias (Malária), anavenenos (para acidentes ofídicos), vacinas
contra cáries dentárias de origem bacteriana, vacina acelular contra a Coqueluche e a
contra AIDS (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida) já estão em pleno uso ou em
experimentação.
Os estudos de novos adjuvantes usados especialmente na área veterinária aumen-
tando a resposta imune, a identificação de antígenos protetores, novos métodos de
fracionamento antigênico, manipulação genética e síntese antigênica, levarão a mudan-
ças fundamentais a produção de vacinas.
No campo da patologia humana experimental se encontram em desenvolvimento di-
versos produtos antigênicos contra as moléstias neoplásicas, generativas e ainda anti-
concepcionais.
A conquista de novos antígenos profiláticos ou curativos, associada a outras medidas
higiênico-sanitárias e terapêuticas, exigiu anos de luta, sacrifício até da própria vida,
despreendimento, visando ao controle e à erradicação das diferentes moléstias.
O advento da quimioterapia antibacteriana com a descoberta do Prontosil (1935) veio
como a pavimentar o caminho para a era dos antibióticos, conduzindo em 1940 à produ-
ção em escala industrial da Penicilina. É necessário lembrar a descoberta da Penicilina
por Fleming em 1929 e a retomada dos estudos da produção industrial dez anos mais
tarde, pelos pesquisadores Chain, Florey e colaboradores. Atualmente o arsenal terapêutico
médico dispõe de dezenas de quimioterápicos e antibióticos.
Como resultado de toda esta conquista científica o mundo médico teve o controle de
diversas doenças, como a erradicação da Varíola Humana no mundo em 1973, por meio
de vacinação e, no presente momento, o controle da Poliomielite nas Américas, também
por meio de vacinação.
Contrastando com o desenvolvimento da medicina que poupa milhões de vítimas anu-
almente, a ciência médica enfrenta no momento os problemas decorrentes das chama-
das Doenças Novas, Doenças Emergentes e Doenças Reemergentes.
Os recursos de laboratório fizeram com que o homem pudesse detectar e individua-
lizar, com segurança, novas situações no campo da patologia, que permitiram a definição
pela Organização Mundial da Saúde de novos critérios de classificação das doenças
Infecciosas. Desta maneira, Doenças Novas são aquelas detectadas no mundo pela
primeira vez; Doenças Emergentes aquelas que no presente momento epidemiológico,
como o nome diz, se encontram emergindo e as últimas, as Reemergentes, aquelas que
já foram consideradas controladas no passado e voltam a se apresentar como problema
de Saúde Pública.
Foram consideradas como Doenças Novas para o homem, em 1995, a Microsporidiose,
os Arenavirus Sulamericanos, a Síndrome por Hantavirus, o vírus Ebola e a AIDS.
Doença Emergentes, a Criptosporidiose e a Colite determinada pela Escherichia coli.
Entre as doenças Reemergentes podem ser citadas a Tuberculose, Dengue e Dengue
Hemorrágica, Febre Amarela, Cólera, Malária e Peste.
As características médicas e epidemiológicas destas doenças podem-se resumir da
seguinte maneira: a Microsporidiose Humana é relatada com maior freqüência em pes-
soas aidéticas, compreendendo três espécies novas de microsporidios (Encephalitozoom
bieneusi, Encephalitozoon hellem e o Encephalitozoon intestinalis). Estas espécies
foram descritas pela primeira vez em indivíduos infectados pelo HIV nos Estados Uni-
3 0 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
dos e no Caribe.
Os Arenavirus Sul-americanos, comprometendo o homem, se relacionam à explora-
ção de novas regiões de matas na atividade agrícola.
No caso da Síndrome Pulmonar por Hantavirus, a mesma se encontra relacionada
à exposição do homem a roedores infectados, comprometendo adultos jovens normais,
resultando numa mortalidade de 50%. Foram identificados mais de 100 casos em 22
estados dos Estados Unidos e no Canadá foram notificados 7 casos. Em outros países
do continente americano também foi notificado e se encontra aumentando o número
de casos desta doença como no Brasil com 3 casos confirmados e 2 óbitos. Na Argen-
tina, foi possível ter dados indicativos de que, nos anos de 1991 e 1995, aconteceram 3
surtos da Síndrome Pulmonar por Hantavirus.
O vírus Ebola, determinando a Febre Hemorrágica, foi assinalado pela primeira vez
no Zaire nos anos de 1976 e 1979, repetindo-se o surto a partir de 6 de maio de 1995
quando se registraram, somente neste ano, até junho, um total de 297 casos e 233 óbitos,
portanto 78% de letalidade. Os mecanismos referentes a reservatórios do vírus Ebola
ainda não se encontram bem definidos; entretanto, quanto ao quadro clínico, a doença é
bem conhecida. O período de incubação é de 2 a 21 dias, caracterizando-se por febre,
dores musculares, dor de cabeça, sudorese seguida por vômitos, diarréia, erupção, com-
prometimento dos rins, do fígado e hemorragia. Aproximadamente 50 a 90% dos que
apresentam estes sintomas morrem. A confirmação do diagnóstico é feita pelo isola-
mento do vírus responsável pela doença. Não existe ainda vacina ou tratamento especí-
fico. A Organização Mundial da Saúde (OMS) preocupada com esta nova doença, de
comum acordo com o Governo do Zaire, estabeleceu medidas para o controle do surto.
As medidas de controle incluem: bloqueio da epidemia, estudo das características do
vírus Ebola, como também de que maneira se dissemina a doença, como se manifesta e
se existe comprometimento de algum animal como reservatório. Foi estabelecida uma
Coordenação Técnico Científica por meio de uma Comissão Internacional em Kikwit,
incluindo-se ainda o alerta à população diante de Doenças Potencialmente Epidêmicas.
No momento, 1996, não parece existir maior risco de disseminação da doença no mun-
do.
A Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS), assinalada pela primeira vez nos
Estados Unidos em 1979 com apenas 8 casos, atingiu, em apenas 4 anos, 1.982 casos
projeta-se em progressão geométrica comprometendo o mundo todo e, se não for con-
trolada nos próximos anos, poderá transformar-se num dos maiores flagelos da humani-
dade. A Organização Mundial da Saúde calculou, em 1995, que ultrapassa atualmente
1,5 milhões o número de pessoas contaminadas pelo vírus HIV na América Latina e no
Caribe. A doença é transmitida preferentemente pelo contato sexual, pela transfusão
sangüínea e por agulhas contaminadas. É interessante destacar a constatação de que a
AIDS leva a maior suceptibilidade ao câncer, entre outros, ao câncer do colo uterino,
principal causa da morte das mulheres em países desenvolvidos.
Entre as Doenças Emergentes, temos a Criptosporidiose, assinalada com as caracte-
rísticas de surto em 1993 nos Estados Unidos. Esta doença, que tem como agente cau-
sador um parasita intestinal, o Cryptosporidium, teve como fonte de infecção o abaste-
cimento da água municipal de uma cidade e pode ser mortal, comprometendo
preferentemente os imunodeprimidos, como aidéticos. Também em 1993 uma bactéria
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 0 5
patogênica emergente, a Escherichia coli 0157:H7 causou um surto epidêmico de Colite
Hemorrágica e Síndrome Urêmico Hemolítico, doença esta contraída pela ingestão de
alimentos contaminados.
Entre as Doenças Reemergentes, podemos citar a Tuberculose, que já se encontrava
praticamente erradicada na população humana nos Estados Unidos, países da Europa e
Japão e ressurge, de maneira rápida, especialmente nos Estados Unidos. Este ressurgi-
mento da Tuberculose poderia explicar-se por ter caráter de infecção oportunista, com-
prometendo de maneira importante a população de aidéticos por apresentarem uma di-
minuição da resistência orgânica. Atualmente aqui no Brasil e também em Honduras,
Argentina e México a infecção oportunista de maior importância é a Tuberculose. No
ano de 1992 comprometeu, nesta região, mais de 330.000 pessoas. A associação da
Tuberculose à AIDS foi responsável pelo ressurgimento da Tuberculose, pois resultou
num aumento da fonte de infecção especialmente nos Estados Unidos.
A Dengue compromete atualmente o mundo todo, ressurgindo como importante pro-
blema de Saúde Pública nas Américas onde a média do número de casos anuais notifi-
cados, especialmente de Dengue Hemorrágica entre 1989 e 1993, teve um aumento de
60 vezes, comparando-se ao quinquênio anterior (1984-1988). Em cinco países da Amé-
rica do Sul reapareceu após um silêncio epidemiológico de 50 anos.
A Febre Amarela, que compromete atualmente cinco países da América Tropical,
ocasiona esporadicamente surtos epidêmicos de pouca importância na população expos-
ta à infecção, nas matas. A doença reapareceu com força total no Peru em 1995 deter-
minando o maior surto epidêmico da história do país, notificando-se ao redor de 400
casos com uma taxa de letalidade de aproximadamente 50%.
Após aproximadamente 90 anos a cólera voltou a comprometer o continente ameri-
cano em proporções epidêmicas em 1991. Conforme informações da Organização
Panamericana da Saúde, até 1995 foram notificados na região mais de um milhão de
casos e 9.000 óbitos.
A Malária fármaco-resistente por Plasmodium falciparum está presente em todas
as regiões sul-americanas. A fármaco-resistência, isto é a resistência de microrganis-
mos a quimioterápicos e antibióticos, é mais um fator que leva ao ressurgimento de
doenças já controladas anteriormente. A resistência a cloroquina e posteriormente a
outras combinações de medicamentos é uma das causas da reemergência da Malária.
A venda de antibióticos sem receita e a automedicação são responsáveis pelo ressur-
gimento de numerosas doenças, levando a uma situação semelhante à observada anteri-
ormente à descoberta dos quimioterápicos e antibióticos.
Finalmente a Peste, doença que ao longo dos últimos 50 anos se apresentava de
maneira esporádica no Peru, em outubro de 1992 ressurgiu com caráter epidêmico. Até
o fim de 1994 foram notificados 1299 casos com 69 óbitos.
No nosso modo de ver os problemas que o homem enfrenta são apenas substituídos,
mas infelizmente, sempre persistirão.
Bacterioses
Cólera
3 0 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Bruno Soerensen
A Cólera é uma infecção intestinal que apresenta uma incubação de um a quatro
dias, com início abrupto, náuseas, vômitos, cólicas abdominais, diarréia profusa e fezes
de aspecto de água de arroz. A perda rápida de água e sais leva à uma profunda desidra-
tação acompanhada de hipotermia, queda da pressão arterial, anúria e colapso circulató-
rio.
Do ponto de vista laboratorial, observam-se especialmente hemoconcentração,
hipovolemia e acidose por perda de bicarbonato. Nas regiões onde a doença é endêmica,
a evolução da moléstia pode ser benigna.
O agente responsável é o Vibrio cholerae, bactéria em forma de vírgula que pode
ser cultivada facilmente em laboratório. Em 1978 foi isolado em águas de esgoto da
cidade de Santos. A amostra isolada, entretanto, não era patogênica, portanto sem risco
de causar a doença. Isto pode explicar porque na oportunidade não foi observado ne-
nhum caso clínico.
EPIDEMIOLOGIA
A Cólera é moléstia relacionada intimamente às condições precárias de saneamento
básico e à falta de educação sanitária da população. Porcentagem elevada da população
de nosso país apresenta elevado risco potencial para contrair a moléstia. Independente-
mente da água contaminada, desempenham papel relevante na propagação da cólera os
alimentos poluídos como verduras, frutas e, particularmente, mariscos e ostras que se
consomem cruas. O Vibrio cholerae se conserva viável ao longo do tempo, mais de
uma semana, especialmente em alimentos conservados na geladeira.
Por ocasião da segunda pandemia, entre 1829 e 1850, a Cólera comprometeu pela
primeira vez as Américas, tendo sido introduzida em 1832 por navios procedentes da
Europa, apesar das precauções de quarentena tomadas em Gross Island, perto de Quebec
no Canadá. A doença propagou-se ao longo do rio Saint Lawrence, comprometendo o
interior do país. Independentemente, apareceu nos Estados Unidos nas cidades de Nova
York e Filadélfia, avançando para o oeste até a costa do Pacífico. Nesta oportunidade
esta pandemia também comprometeu a América Latina e o Caribe e possivelmente,
conforme relatos, também Chile, Peru e Equador. Nos anos de 1833 e 1854 comprome-
teu o México. Em 1833 foi registrado em Cuba e nas Guianas em 1836 e 1837, embora
sem maiores conseqüências; entretanto na Guatemala e Nicarágua a epidemia foi de-
vastadora. Em 1848 a Cólera voltou a atacar os Estados Unidos e, a seguir, Canadá,
México, Panamá, Colômbia, Equador e novamente Cuba, este último país com violência.
A terceira pandemia nos anos de 1852-1860 comprometeu novamente Estados Uni-
dos, México e as Ilhas do Caribe. Nesta ocasião a Cólera também comprometeu Trinidad
e Tobago. Em 1854 e 1855 continuou a doença nos Estados Unidos, México e Ilhas do
Caribe, Uruguai, Colômbia, Venezuela. O Brasil foi comprometido pela primeira vez em
1854, embora existam referências a uma anterior no Estado do Paraná em 1851. Em
1856 foi relatada a doença na Argentina, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Nicarágua
e Guatemala.
Nos anos de 1863 a 1875 (quarta pandemia) a doença comprometeu várias ilhas do
Caribe. A Cólera nesta oportunidade foi introduzida em Marselha, França, República
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 0 7
Dominicana, Cuba, Chile e Paraguai. Os Estados Unidos registraram em 1865 um surto
grave, introduzido por navios procedentes da Europa ou ainda como conseqüência de
uma simples recrudescência da doença.
Em Honduras foi registrada, nos anos de 1866 a 1871. Um caso importado de Nova
Orleans levou a moléstia a América Central. Nicarágua e Honduras Britânicas (atual-
mente Belice) foram comprometidas nos anos de 1866 a 1868. Guatemala também apre-
sentou surtos em 1866 e o Brasil foi comprometido novamente no mesmo ano. No mes-
mo tempo, atingiu as tropas paraguaias durante a guerra com o Brasil, Argentina e
Paraguai. Nesta mesma oportunidade, em 1868 a doença penetrou na Argentina avan-
çando para a Bolívia e Peru e contaminando a Costa do Pacífico, incluindo-se a do Chile.
Em 1867, a doença também penetrou no Brasil, a partir do Paraguai, propagando-se
aos Estados de Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Na quinta pandemia (1881-1896), a cidade de Nova York foi comprometida por meio
de uma importação da Cólera em navio procedente de Nápoles e Marselha. Nesta opor-
tunidade foram observados surtos no México nos anos de 1886 a 1888, no Uruguai em
1886 e no Chile nos anos de 1886 a 1888. A doença foi constatada no Brasil nos anos de
1893 a 1895, na Argentina 1894 e 1895 e no Uruguai em 1895.
Na sexta pandemia, ocorrida nos anos de 1899 a 1923, a doença não comprometeu
as Américas, sendo a Ilha da Madeira o ponto ocidental mais afetado, em 1910.
A atual e sétima pandemia, iniciada em 1961 a partir de um foco endêmico na Indonésia,
espalhou-se a toda a Ásia, a região oriental da Europa, ao norte da África, a península
Ibérica, atingindo a Itália em 1973. No mesmo ano, nos Estados Unidos (Texas) foi
registrado um caso de origem desconhecida. Em 1978 foram detectados 8 casos clínicos
esporádicos no Estado de Luisiana e 3 infecções assintomáticas. A partir de 1978 continu-
aram aparecendo nos Estados Unidos casos autóctones, 18 em 1986, 6 em 1987 e 7 em
1988, todos relacionados ao consumo de ostras cruas colhidas no Golfo do México. Em
1989 não foram relatados casos autóctones e em 1990 dois casos autóctones no Estado
de Luisiana.
Nos anos de 1977 e 1978, registraram-se pequenos surtos no Japão e casos esporá-
dicos importados em pessoas que regressaram à Europa Ocidental, ao Canadá e à Aus-
trália.
A propagação desta pandemia em 30 anos tem características que devem ser consi-
deradas, entre outras o atual agente causador Vibrião colérico biotipo El Tor, que deter-
mina um número elevado de casos de infecções, assintomáticas algumas, confundidas
com outros processos diarreicos agudos, mas basicamente o fator de maior importância
é a deficiência do saneamento básico na América Latina e em nosso País em particular,
onde os rios recebem sem tratamento prévio o esgoto das cidades, constituindo-se em
grave problema de Saúde Pública. O Vibrião colérico é veiculado pela água contamina-
da, fazendo com que as populações tenham alto risco de contrair Cólera, devido também
à deficiência de cloração da água e, por vezes, à total ausência de tratamento de alimen-
tos como verduras, frutas, ostras, peixes consumidos crus ou ainda de outros alimentos
manipulados sem nenhuma higiene tornam nosso país vulnerável.
O avanço da cólera no brasil
A doença ficou restrita inicialmente à região amazônica, devido a baixa densidade
demográfica, entretanto à medida que aumenta a mobilidade de população por via fluvial
3 0 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
(Rio Amazonas), a veiculação hídrica do Vibrião colérico poderá afetar massivamente
esta região. O maior risco de disseminação da moléstia no país é o rio Amazonas e
acreditamos que considerando-se diversos fatores, entre outros a progressão observada,
nos meses de março a abril teremos a contaminação da costa atlântica progredindo a
disseminação da doença para o litoral norte e sul. Desde o início da epidemia foram
constatados pelo menos 3.000 casos da doença e aproximadamente 40.000 portadores.
O papel de maior importância para a disseminação da cólera no litoral Atlântico
deverá ser desempenhado por pescadores, assim como aconteceu na contaminação de
todo o litoral do Pacífico.
Na interiorização da cólera a população esta representada, nas grandes cidades,
pelas favelas. Acreditamos ainda que existe o avanço da doença para o oeste, a partir do
litoral, comprometendo por meio de surtos as populações de alto risco. Esta dissemina-
ção deverá ser processada especialmente por via rodoviária e por via férrea. Somente
qualquer mudança nas características do Vibrio cholerae quanto à virulência ou à ca-
pacidade de resistência ao meio ambiente poderá mudar a progressão da moléstia, con-
siderando-se ainda a inexistência de vacina eficaz. A imunidade conferida pela doença
também é precária. A vigilância sanitária, a educação sanitária, o saneamento futuro e a
melhoria das condições sócio-econômicas contribuirão no futuro para se evitar a cólera
assim como outras doenças relacionadas às deficiências acima referidas. O tratamento
adequado dos doentes diminuirá o número de óbitos.
O fracasso no bloqueio da doença na porta de entrada (região amazônica) diminui as
possibilidades de se evitar uma epidemia em nível nacional. É preocupante a falência no
controle da progressão da doença e nos perguntamos: a cólera vem para ficar?, assim
como na Índia, teremos recrudescimentos periódicos?
A vacina contra a cólera
A vacina contra Cólera em uso atualmente é preparada com bactérias inteiras (vaci-
na somática), mortas por processo químico ou físico, ministrada por via parenteral, de
proteção moderada por período reduzido sendo ineficaz para a prevenção e o controle
da moléstia. O grau de proteção é de 30-60% administrada em duas doses. Esta vacina
foi preparada no Brasil em outras oportunidades; o seu procedimento é simples, entre-
tanto, desde 1973 a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda o seu uso
por ser ineficaz para prevenir a disseminação da Cólera, assim como também não reco-
menda a exigência de vacinação como condição para permitir a entrada das pessoas que
chegam a uma área endêmica.
Entretanto, o uso de uma vacina eficaz poderia ser de grande utilidade, paralelamente
às outras medidas que serão assinaladas.
Foi verificado, em trabalhos experimentais realizados com voluntários que se recupe-
raram da Cólera, que os mesmos se encontram protegidos contra a reinfecção durante
vários anos. Independentemente deste fato, os conhecimentos em imunologia referentes
à proteção das mucosas contra infecções entéricas serviram de base para a obtenção de
novas vacinas mais eficazes. A vacina recomendável seria aquela que conseguisse pro-
teger contra a doença grave e ainda reduzisse o risco de infecção assintomática.
Existem várias vacinas em estudos de campo, entre outras, uma vacina constituída
de vibrião colérico morto, dos sorotipos Inaba e Ogawa, e biotipos clássico e El Tor,
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 0 9
adicionados de um componente inócuo da toxina da Cólera de capacidade imunogênica
(Vacina CE/B). Esta vacina é administrada pela via oral e estimula a resposta em nível
da mucosa intestinal, assim como a resposta sérica. O estudo de campo foi realizado em
Blangladesch no período de 1985 a 1988.
O biotipo de V. cholerae, isolado atualmente nas Américas e responsável pela epide-
mia, é o El Tor e para este biotipo os resultados de vacinação não foram muito alentado-
res. Em Bangladesch, 60 a 70% dos casos de Cólera se devem ao biotipo clássico,
portanto o agente causador da Cólera nas Américas não é idêntico à prevalência das
cepas responsáveis naquele país. Na produção de vacinas é importante incluir o biotipo
correspondente ao responsável pela epidemia.
Outra vacina encontra-se também em estudo, a vacina oral de células vivas CVD-
103 HgR, constituída de bactérias vivas V. cholerae de virulência atenuada. Esta vacina
poderá provocar, embora em porcentagem reduzida de vacinados, diarréia leve de curta
duração. Isto foi observado em ensaio feito em voluntários nos Estados Unidos. Os
resultados de proteção desta vacina comparados à vacina morta foram bem melhores,
como era esperado; entretanto, há necessidade de estudo de campo para se verificar
com segurança a proteção conferida e a ausência de reações colaterais à vacina em
regiões onde existam a Cólera endêmica e a epidêmica.
Medidas preventivas
Até o presente momento, as medidas preventivas de maior valor para controlar a
epidemia de Cólera são a vigilância sanitária, os programas de tratamento dos pacientes,
a educação sanitária, o abastecimento de água e alimento não contaminados e um fim
adequado aos diferentes materiais (fezes e vômito) provenientes dos pacientes. Inde-
pendentemente, recomenda-se um tratamento também adequado do esgoto e do lixo,
pois existem, além da Cólera, pelo menos vinte doenças relacionadas ao saneamento
básico.
As cidades no nosso país, em sua maioria, são extremamente deficientes quanto a
saneamento básico.
Coqueluche
Bruno Soerensen
A Coqueluche, doença infecciosa aguda, compromete o trato respiratório provocan-
do tosse paroxística com duração de várias semanas. A doença acomete preferentemente
crianças de zero a 15 anos.
Etiologia
Um coco-bacilo Gram-negativo aeróbio a Bordetella pertussis com três espécies o B.
pertussis, B. parapertussis e a B. bronchiseptica, é o agente etiológico, embora a pri-
meira seja o mais importante.
Distribuição geográfica
3 1 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
A doença, de distribuição mundial, é de elevada prevalência e de alta mortalidade,
ocorre especialmente na primavera e no verão.
Epidemiologia
A contagiosidade é elevada nas populações de nível sócio-econômico baixo e densi-
dade demográfica elevada pois se transmite por via aerógena por contato direto com
material de nasofaringe da pessoa infectada. O período de transmissibilidade é de 7 dias
a 3 semanas depois de iniciada a sintomatologia.
Não foi descrita imunidade transplacentária, portanto a ocorrência é em crianças
com poucos meses de idade. Nas crianças com menos de um ano de idade a doença é
de maior gravidade levando a maior número de óbitos. A coqueluche leva a sólida imu-
nidade e atualmente devido à vacinação se encontra em declínio. A morbidade e a
letalidade, entretanto, já foram elevadas no passado, atribuindo-se seu declínio ao uso de
antibióticos e preferentemente à vacinação preventiva. A doença apresenta uma fase
catarral, uma paroxística e, finalmente, o período de convalescência.
As complicações respiratórias, neurológicas e hemorrágicas são as mais freqüentes,
revestindo-se de gravidade.
Diagnóstico
O diagnóstico é clínico, caracterizado pela presença da “tosse comprida” muito ca-
racterística. O quadro hematológico é de leucocitose (geralmente superior a 20.000 cé-
lulas por mm3 ) já na fase catarral.
Entretanto a confirmação diagnóstica é feita mediante isolamento da Bordetella no
meio de Bordet e Gengou. Os métodos sorológicos na pesquisa de anticorpos auxiliam o
diagnóstico, com destaque ao método ELISA.
É de importância o diagnóstico diferencial com processos causados por adenovírus, o
Haemophilus influenzae, o vírus sincicial respiratório, o vírus parainfluenza tipo 2, a
Bordetella parapertussis e a Bordetella bronchiseptica.
Tratamento
Consiste em isolamento e tratamento do doente e de seus contatos com eritromicina,
tetraciclina ou cloranfenicol. Crianças com mais de um ano geralmente podem ser trata-
das em casa, mas as menores de seis meses, dependendo do caso clínico, exigem
hospitalização. Paralelamente deve-se reduzir o risco de aspiração, colocando-se o paci-
ente de bruços, com a cabeça mais baixa que o corpo, durante os acessos paroxísticos,
melhorando com isso a drenagem do muco pela ação da gravidade. Poderá se recorrer
ao uso de gamaglobulina. Os casos graves devem ter tratamento médico.
Profilaxia
Em primeiro lugar, encontra-se o isolamento do paciente para impedir a disseminação
da doença. Soma-se o tratamento do doente com antibióticos e, se houver indicação,
gamaglobulina.
Entretanto, o controle da doença deverá ser feito com a vacinação em massa, mediante
a imunização ativa conseguida pela vacinação associada da DTP (Diftérica, Tétanica,
Pertussis) ou ainda associada a outros antígenos. A vacina tradicional contra a coqueluche
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 1 1
é a somática absorvida pelo hidróxido de alumínio. Outras vacinas estão sendo testadas.
Emboraavacinasomáticaabsorvidapelohidróxidoalumínio,associadaàtetânicaediftérica,
nos testes de potência realizados em camundongos resulte pouco antigênica, os resultados
obtidos em crianças são satisfatórios diminuindo a doença em coletividade assim como
modificando o curso clínico.
Difteria
Kathia Brienza Badini-Marulli
Enfermidade de ocorrência mundial, popularmente conhecida como Crupe, é causa-
da pela toxina produzida pelo Corynebacterium diphtheriae.
O agente possui três biotipos, gravis, intermedius e mitis, associados à gravidade da
doença. O habitat normal do bacilo diftérico é o trato respiratório superior do homem,
sendo que somente as cepas lisogênicas (infectadas com bacteriófagos temperados) são
toxigênicas.
Transmissão
O agente é transmitido através do contato direto, por gotículas respiratórias ou, mais
raramente, por meio de fômites como lenços e toalhas. As bactérias crescem no trato
respiratório superior e iniciam a produção da toxina que é a responsável pelo apareci-
mento dos sintomas.
A toxina diftérica é uma exotoxina de natureza protéica, composta por dois fragmen-
tos, A e B. O fragmento A é o responsável pelos efeitos tóxicos da molécula; o fragmen-
to B é o que promove a fixação a receptores da mucosa. A porção B é necessária para
que ocorra a entrada do fragmento A no citoplasma da célula. A ação do fragmento A
consiste no bloqueio da síntese protéica.
É uma enfermidade que ocorre mais freqüentemente no inverno, acometendo princi-
palmente crianças na faixa etária de 1 a 7 anos. Atualmente, é de ocorrência rara nos
países em que a vacinação é generalizada.
A incidência da Difteria vem apresentando um declínio no estado de São Paulo desde
1973, variando seu coeficiente de incidência de 5,45 casos por 100.000 habitantes em
1973 (1.504 casos) até 0,02 casos por 100.000 habitantes em 1994 (5 casos).
A doença no homem
O período de incubação dura geralmente de 3 a 6 dias.
A infecção geralmente inicia-se no trato respiratório superior, com os bacilos se mul-
tiplicando nas camadas superficiais das mucosas. Aí eles elaboram a toxina, que causa
necrose nos tecidos vizinhos. A resposta inflamatória resulta no acúmulo de um exsudato
acinzentado que, eventualmente, forma a pseudomembrana diftérica. Ela aparece inici-
almente nas amídalas ou na faringe, podendo então espalhar-se para cima, pelas fossas
nasais (Difteria Nasofarigeana), ou para baixo, para a laringe e traquéia (Difteria
Laringeana). Cerca de 10 dias depois, estas pseudomembranas regridem, são destruídas
ou se desprendem.
3 1 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Os principais sintomas são anorexia, prostração, febre e dor de garganta. A Difteria
Laringeana é particularmente perigosa devido à obstrução mecânica que pode causar
sufocação, sendo necessário desobstruir a via aérea por intubação ou traqueostomia.
A doença nos animais
Além do homem, o único outro reservatório natural tanto para cepas toxigênicas
como para não-toxigênicas de Corynebacterium diphtheriae é o trato respiratório su-
perior de eqüinos, mas apenas no homem foi descrita a infecção natural.
A infecção experimental, no entanto, já foi produzida em vários animais de laborató-
rio. São sensíveis à toxina diftérica os coelhos, cobaias, macacos, pombos e galinhas; os
ratos e camundongos são resistentes.
Diagnóstico
O diagnóstico da Difteria é geralmente clínico. O exame bacteriológico direto é de
pouco valor, porque não permite diferenciar a espécie patogênica de outras corinebactérias
da flora normal da garganta. As culturas devem ser feitas com secreções colhidas no
local das lesões, no meio de Loeffler, e a identificação do agente deve ser feita mediante
testes bioquímicos.
Ao se isolar a bactéria, deve-se pesquisar sua virulência, a fim de determinar se a
cepa é ou não toxigênica. Para isso, inocula-se o material em duas cobaias, via subcutâ-
nea. Uma delas deve receber previamente o soro antidiftérico, via intraperitoneal. Caso
a cepa seja toxigênica, a outra cobaia morrerá em 1 a 4 dias.
Existe, ainda, o método de Elek, de acordo com o qual uma tira de papel de filtro
impregnada com antitoxina é colocada numa placa de ágar e as amostras suspeitas são
semeadas perpendicularmente à fita. Se aparecerem linhas de precipitação, será sinal
da produção de toxina diftérica.
Tratamento
Deve-se aplicar o soro antidiftérico (antitoxina) o mais brevemente possível, na dose
de 200 a 1000 U/Kg de peso. A precocidade da administração da antitoxina determinará
o prognóstico, podendo haver alta letalidade se houver demora para seu início (a antitoxina
só tem ação sobre a toxina circulante; depois de fixada às células, ela não é mais neutra-
lizada).
Associados ao uso da antitoxina devem ser empregados antibióticos (Penicilina,
Eritromicina ou Tetraciclinas), para acelerar a destruição dos microrganismos causado-
res da lesão primária.
Pessoas que se recuperaram completamente podem continuar a abrigar os microrganis-
mos no nariz ou na garganta durante semanas ou meses. Antigamente, eram estes portado-
res sãos que propagavam a doença, mantendo as bactérias toxigênicas na população; o
advento da imunização causou uma drástica redução na taxa de portadores.
Controle
A principal medida de controle é a imunização com o toxóide diftérico. Crianças
recém-nascidas, cujas mães são resistentes, adquirem imunidade temporária por meio
de anticorpos transplacentários, porém esta imunidade passiva dura apenas alguns me-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 1 3
ses. A imunização ativa das crianças geralmente é feita com uma vacina combinada
contendo toxóide diftérico, toxóide tetânico e vacina anticoqueluche (DPT ou vacina
tríplice bacteriana). Atualmente, no Brasil, a primeira dose desta vacina está sendo feita
aos dois meses de idade, com doses de reforço aos 4, 6, 15 meses e 5 ou 6 anos. Aos 15
anos é recomendada mais uma dose, da vacina “dupla tipo adulto”, contra Difteria e
Tétano. Estima-se que cerca de 1-2% das pessoas não respondem à vacinação, perma-
necendo suscetíveis.
Enfermidade de lyme
Bruno Soerensen
A enfermidade de Lyme, também chamada de Artrite de Lyme, Eritema Crónico
Migratório com Artrite, tem como agente etiológico uma espiroqueta isolada em 1983
por Steere e colaboradores. Esta espiroqueta com nome proposto de Borrelia
burgdorferi possui características próximas às dos treponemas e das borrélias.
Esta doença foi descrita pela primeira vez na região de Lyme, Connecticut USA,
ocorrendo pelo menos em 14 Estados dos Estados Unidos. Encontra-se relacionada à
ocorrência do vetor, carrapatos do complexo Ixodes ricinus (I. dammini e I. pacificus).
Nos Estados Unidos existem 3 regiões comprometidas como a do Noroeste, a dos Esta-
dos centronorte como Wisconsin e Minnesota e ao do Norte da California e Oregón na
costa do Pacífico. Foram descritos casos na Europa, na Austrália, na Região do Cáucaso
da antiga União Soviética.
Transmissão
Os estudos atribuem como vetores carrapatos de diferentes gêneros e espécies, como
os do gênero Ixodes e Amblyomma, conforme a região em que é estudada a enfermida-
de e a prevalência dos carrapatos. Foi atribuído como vetor por meio de isolamento das
espiroquetas com caracteres morfológicos e bioquímicos idênticos aos isolados de paci-
entes.
O isolamento de espiroquetas de carrapatos indicaria que teriam-se infectado em
algum reservatório animal, portanto a fonte de infecção seriam possivelmente animais
silvestres ou o próprio cão. A transfusão de sangue também desempenha papel de im-
portância na transmissão.
Sem nenhuma dúvida, os animais silvestres podem ser considerados como reservató-
rios do agente etiológico e o homem seria um hóspede acidental.
A doença no homem
Foram relatados no período de 1975 a 1979, 512 casos, sendo na Região de Lyme, no
mesmo período, 242 casos (47% do total) e dados mais recentes relacionam mais de 444
casos para a mesma Região. A enfermidade ocorre no verão, coincidindo com a abun-
dância e atividade dos carrapatos.
A lesão cutânea de Eritema Crônico Migratório (ECM) aparece de 3 a 20 dias após
a picada do carrapato, iniciando-se por uma mácula ou pápula vermelha que progride
3 1 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
gradativamente.
Os bordos são bem nítidos, a região central é mais pálida. O eritema pode desapare-
cer e voltar novamente acompanhando lesões secundárias em outras partes do corpo.
As lesões cutâneas são acompanhadas de mal estar, febre, cefalalgia, rigidez de nuca,
mialgias, astralgias e linfoadenopatia persistindo por várias semanas. Transcorridas se-
manas ou até mesmo meses, alguns pacientes manifestam menin-
goencefalite, neuropatias, miocardite e taquicardia atrioventricular. Pode-se observar
ainda, mais tarde, artrite das grandes articulações, que pode persistir por vários anos,
independentemente da sintomatologia referida acima, portanto aparentemente não rela-
cionada. Conforme os relatos, o tratamento com penicilina seria eficaz.
A doença nos animais
Em estudos sorológicos foi detectada a presença de anticorpos em animais silvestres
e no cão na região oriental de Connecticut, inclusive em cervos, camundongos, ardilhas,
cães e outros animais, conseguindo-se o isolamento de espiroquetas do sangue de um
camundongo.
A manifestação clínica nos animais é desconhecida.
Diagnóstico e tratamento
A suspeita clínica deverá ser confirmada pela ocorrência da doença na região. O
isolamento do agente etiológico por meio de cultura, embora difícil, deverá ser tentada.
O teste sorológico pela imunofluorescência indireta com soros conjugadas IgG e IgM
fornece dados de grande valor em pacientes com evolução clínica de pelo menos 3
semanas. A prova de ELISA também é de grande utilidade para a confirmação
diagnóstica.
O tratamento com penicilina e tetracilina pode abreviar a evolução da enfermidade
com possibilidades de evitar as manifestações tardias. Os pacientes tratados precoce-
mente não apresentam títulos elevados nos exames sorológicos.
Controle
Recomenda-se evitar as áreas endêmicas e as picadas por carrapatos por meio do
uso de sapatos e de roupa protetora. Os repelentes contra carrapatos podem ser tam-
bém indicados e o uso de carrapaticidas em cães.
Febre tifóide
Kathia Brienza Badini Marulli
A Febre Tifóide é uma enfermidade infecciosa aguda que tem como agente etiológico
a Salmonella typhi. Quadros clínicos com sintomatologia semelhante, porém mais bran-
da, são geralmente causados pelas Salmonella paratyphi A, B e C e recebem o nome
de Febres Paratifóides.
A S. typhi causa doença natural apenas no homem; chimpanzés, camundodngos e
outros animais podem apresentar a infecção experimentalmente. Já a S. paratyphi pode,
ocasionalmente, causar a infecção natural também em animais.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 1 5
Transmissão
As Febres Tifóide e Paratifóide são doenças relacionadas com a água de má qualida-
de. Localidades com problemas em seus sistemas de tratamento, distribuição e abaste-
cimento de águas apresentam maior prevalência da doença.
As principais fontes de infecção são os doentes e portadores, por meio de suas
excreções (fezes e urina) e, em alguns casos, pelo vômito, expectoração ou pus. Após a
enfermidade clínica ou subclínica, as pessoas podem permanecer como portadores por
vários meses ou anos. Tornou-se famoso, no meio médico, o caso de “Maria Tifosa”
(“Typhoid Mary”), uma cozinheira americana que, ao longo de vários anos foi responsá-
vel por mais de 50 casos.
O homem se infecta pela ingestão de água ou alimentos contaminados. Os alimentos
mais envolvidos com a transmissão da Salmonella typhi são legumes e verduras irriga-
dos com água contaminada, leite, frutos do mar, alimentos enlatados e congelados não
pasteurizados, como sorvetes, por exemplo.
As mãos dos pacientes e seus objetos de uso pessoal (roupas, lençóis, etc.) também
podem servir como fontes de contaminação em situações de falta de higiene e promis-
cuidade.
A doença no homem
O período de incubação varia de poucos dias a semanas, sendo considerado como
período médio cerca de 10 dias. Inicialmente o paciente apresenta febre, dor abdomi-
nal, vômitos, anorexia e cefaléia. A partir da segunda semana, os sintomas intensifi-
cam-se; ocorre prostração e o estado de consciência altera-se progressivamente. O
paciente entra em estado de torpor, fica delirante e indiferente ao ambiente. Ocorre
desidratação, diarréia abundante e esverdeada, esplenomegalia, hepatomegalia. Po-
dem ocorrer hemorragia e perfuração intestinais. No abdômen e no tórax aparecem
sinais cutâneos característicos, de 2 a 5 mm de diâmetro, que desaparecem à pressão,
evoluem em dois ou três dias, e são denominadas “roseólas tíficas”. A partir da quarta
semana de estado, a febre começa a diminuir progressivamente e o paciente entra em
fase de recuperação, que é bastante demorada.
Pacientes no período de convalescença podem sofrer uma recaída, ou seja, o
reaparecimento dos sintomas durante dois dias ou mais. Isso ocorre em cerca de 3 a
20% dos casos, geralmente 15 dias após o término da febre. Em pacientes tratados entre
7 a 10 dias este fato é mais comum do que nos que recebem tratamento por períodos de
15 dias ou mais.
Antes do advento dos antibióticos, a letalidade ficava em torno de 10 a 20%; atual-
mente, varia de 0,2 a 3,8%.
Diagnóstico
Pode ser confirmado pelo isolamento e identificação da Salmonella, por meio da
hemocultura(principalmentenaprimeirasemanadaenfermidade),coproculturaouurinocultura
(ambas com máxima positividade na terceira semana clínica), mielocultura, ou a partir de
outros materiais como as roséolas tíficas, secreções purulentas, bile, etc..
Como prova sorológica, é empregada a reação de Widal, prova de soroaglutinação de
3 1 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
execução simples e rápida. Consideram-se significativos títulos de anticorpos acima de
1:100. Existem, ainda, outros testes, como reação de fixação em superfície, contra-
imunoeletroforese, ELISA.
Tratamento
Os quimioterápicos mais indicados são: cloranfenicol, ampicilina, amoxacilina e
sulfametoxazol-trimetoprim. Para o tratamento dos portadores são recomendadas a
ampicilina ou a amoxacilina pelo período de duas a quatro semanas.
Controle
Deve-se realizar o controle e tratamento das fontes de água e sistemas de abasteci-
mento. Em locais onde a obtenção de água seja precária, pode-se lançar mão de artifíci-
os como a fervura ou cloração caseira da água. Deve-se dar um destino adequado às
excretas humanas e ao lixo e controlar moscas, que podem servir como vetores mecâni-
cos para as salmonelas.
Fervura ou pasteurização do leite; fiscalização sanitária dos alimentos; programas de
educação sanitária da população e dos manipuladores de alimentos; tratamento dos do-
entes e desinfecção concorrente de dejetos e utensílios são outras importantes medidas
de controle.
É extremamente importante a identificação e tratamento dos portadores que, muitas ve-
zes, são os responsáveis pela manutenção do agente e pela origem de surtos epidêmicos.
Portadores devem ser afastados de atividades relacionadas à manipulação de alimentos. O
critério de restabelecimento do portador consiste na negativação de coproculturas realizadas
durante três dias de cada semana por um período de um mês.
As vacinas existentes atualmente são recomendadas para pessoas altamente expos-
tas, que vivem ou viajam freqüentemente em regiões endêmicas de alta incidência da
doença e para aquelas que vivem em instituições com condições higiênicas insatisfatórias.
Meningites
Bruno Soerensen
A meningite é um processo inflamatório do espaço subaracnídeo e das membranas
leptomeníngeas que envolvem o encéfalo e a medula espinhal podendo atingir por conti-
güidade estruturas do Sistema Nervoso Central. Podem ter como agente etrológico
bacterias, vírus, protozorários, helmintos, espiroquetas e fungos.
Estudos realizados no Hospital Emilio Ribas, de São Paulo, das meningites relaciona-
das aos agentes etiológicos que foi possível determinar situam em ordem de importância
a Neisseria meningitides: o Streptococais pneumonial: o Haemophilus influenzae:
Mixovirus (caxumba); o Mycobacterium tuberculosis e outros agentes de menor im-
portância incluindo-se bactérias e fungos. Não há diferenças de suscetibilidade de sexo
e de grupos étnicos. Cerca de dois terços dos casos ocorrem antecedendo os 15 anos de
idade.
A meningite meningocóccica, a mais comum de todas com seu agente causador a
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 1 7
Neisseria meningitidis, determina a meningite cérebro-espinhal epidémica, embora possa
ser endência ou esporádica. Caracteriza-se por febre, cefaléia intensa, náusea, vomitos,
rigidez de nuca e freqüentemente “rash” petequial.
Diagnóstico
O diagnóstico tem como base o quadro clínico que inclui febre, vômitos, rigidez da
nuca e alterações funcionais do Sistema Nervoso Central. A confirmação do agente
etiológico é feita pelo exame liquórico. O aspecto do liquor, a citologia, o exame químico,
o exame bacteriológico e micológico são imprescindíveis. A pesquisa de antígenos e
anticorpos pode ser feita pelas provas de latex, imunoenzimatico (ELISA),
radioimunoensaio e imunofluorescência, entre outras.
Epidemiologia
A meningite meningocóccica é de grande distribuição geográfica e se mantém de
maneira endêmica em várias regiões, produzindo casos esporádicos, principalmente em
crianças. Entretanto, periodicamente, independentemente da sua faixa de endemicidade,
pode apresentar caráter epizoótico como aquela que ocorreu em São Paulo em 1947 e
em 1971 a 1974 com maior incidência nos meses de inverno e no início da primavera.
Profilaxia
A profilaxia da meningite meningocóccica tem como base o isolamento dos doentes
e a imediata notificação, o tratamento do doente e de todos os familiares e comunicantes
de casos de meningite.
A vacinação com polissacárides purificados constitui o recurso prático que deve-se
impor, embora as vacinas polissacarídicas não apresentem a antigenicidade das vacinas
proteicas. Por este motivo a algumas vacinas polissacarídecas foram adicionadas prote-
ínas contidas no meningococo com o intuito de aumentar o seu resultado protetor. Diver-
sos experimentos realizados em grupos militares teriam fornecido resultados satisfatórios.
No surto observado em São Paulo, de 1971 a 1974, predominou o tipo C de meningococo
e daí por diante o tipo A. A epidemia se alastrou por todo o País, o que exigiu das
autoridades sanitárias a vacinação em massa indiscriminada de aproximadamente oiten-
ta milhões de adultos e crianças com uma vacina bivalente A-C em todo o território
brasileiro, em 1975.
Esta vacinação de grande extensão, entretanto, não foi controlada com bases cientí-
ficas como seria desejável, embora após a vacinação se tenha observado um declínio do
número de casos, sobretudo no que concerne ao tipo A em crianças acima de um ano.
Um detalhe que pode ter invalidado os aludidos bons resultados foi o fato de ter sido
implantada a vacinação somente no início do declínio da curva epidemiológica, momento
epidemiológico este em que é esperado obrigatoriamente o declínio de casos. Recente-
mente foram observados acidentes vacinais possivelmente pela presença de endotoxinas
na vacina utilizada.
Sífilis
3 1 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Kathia Brienza Badini-Marulli
Enfermidade também conhecida como Lues Venérea, é causada por uma espiroqueta
denominada Treponema pallidum. O agente é anaeróbio obrigatório, possui baixa resis-
tência ao meio ambiente e aos desinfetantes, podendo sobreviver até 10 horas em obje-
tos úmidos.
O nome Sífilis vem do Grego, língua na qual Sys significa porco e philein, amar,
demonstrando que a ocorrência da enfermidade sempre esteve relacionada ao conceito
de que o amor (no caso, o sexo) é uma coisa suja. Já a palavra Lues vem do Latim e
quer dizer praga, peste, corrupção.
A enfermidade é extremamente antiga, havendo a descrição de sintomas compatí-
veis em documentos médicos chineses de 2.637 a.C.. Durante o século XV, ocorreu sob
a forma de epidemias em todo o continente europeu e era conhecida como “mal fran-
cês”, “mal alemão”, “napolitano”, “americano”, ou por inúmeros outros nomes, confor-
me o caso, cada nação tentando jogar a culpa de sua eclosão na Europa em outro povo.
Foi a doença “da moda” durante o período da Renascença, considerada uma moléstia de
natureza secreta, contagiosa, mortífera e causadora de lesões repugnantes.
Em 1905 Schaudinn consegue determinar o agente etiológico.
Transmissão
A Sífilis é uma enfermidade endêmica na maioria das regiões do mundo. É conside-
rada a segunda doença sexualmente transmissível mais grave, sendo suplantada apenas
pela AIDS.
O homem é a única fonte do agente. A transmissão pode ocorrer por meio do contato
sexual, por transfusões sangüíneas, inoculação direta acidental, ou mesmo pelo beijo, se
houver alguma lesão prévia na mucosa oral. Outra forma de transmissão bastante impor-
tante é a via transplacentária, ocasionando a Sífilis Congênita.
A doença no homem
A Sífilis desenvolve-se numa seqüência de três formas clínicas, denominadas primá-
ria, secundária e terciária. A Sífilis Primária é também conhecida como Cancro Duro. A
lesão, que varia de uma pequena erosão até uma úlcera profunda, aparece cerca de 10
a 20 dias após a contaminação. Como a principal via de transmissão da Sífilis é o contato
sexual, esta lesão inicial geralmente surge nos órgãos genitais, podendo, entretanto, loca-
lizar-se em outros órgãos. A lesão muitas vezes é única e oculta, principalmente nas
mulheres, o que dificulta o diagnóstico. Apresenta bordas duras, bem definidas, com a
base recoberta por exsudação purulenta e desencadeia uma linfoadenite regional. A
lesão cicatriza em 4 a 6 semanas, mesmo sem tratamento.
A Sífilis Secundária desenvolve-se aproximadamente de 2 a 10 semanas após o
surgimento do Cancro Duro. Ocorre linfoadenopatia generalizada, erupções cutâneas,
úlceras nas mucosas oral, vaginal e anal. Estas lesões cedem em poucas semanas.
A Sífilis Terciária pode acometer o paciente de 8 a 25 anos após a infecção original.
Nesta forma clínica as lesões desenvolvem-se em qualquer órgão ou tecido, sendo os
pontos preferenciais o sistema nervoso central, a porção ascendente da aorta e os ossos.
São lesões geralmente destrutivas e graves. Alguns grandes granulomas denominados
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 1 9
“gomas” podem aparecer, mas isso não é freqüente.
A Sífilis Congênita acomete crianças nascidas de mães com Sífilis, não tratadas ou
tratadas de forma inadequada. Os sintomas são semelhantes aos das Sífilis Secundária e
Terciária e manifestam-se nos dois primeiros anos de vida da criança, sendo comum seu
aparecimento até o terceiro mês de idade. A Sífilis também pode provocar morte fetal e
aborto; estima-se que cerca de 25% das gestantes infectadas abortam e as outras trans-
mitem a enfermidade a seus filhos.
Diagnóstico
Deve ser feito pela demonstração do Treponema na secreção da lesão. Existe tam-
bém o diagnóstico sorológico, que deve ser feito em duas fases: a primeira por meio da
prova conhecida como VDRL (“Veneral Disease Research Laboratory”); a segunda,
pela imunofluorescência indireta com antígeno treponêmico (FTA-ABS, “Fluorescent
Treponemal Antibodies, Absorbed”), considerada como prova confirmatória.
Tratamento
O antibiótico de escolha é a Penicilina e, aparentemente, não existem cepas resisten-
tes até o momento. Também podem ser empregadas as Cefalosporinas, Tetraciclinas e
a Eritromicina. A cura completa às vezes requer vários anos.
Pode ocorrer uma reação ao tratamento, uma a duas horas após o início da
antibioticoterapia, em pacientes secundários ou terciários, denominada Reação de
Hersheimer, em que ocorre cefaléia, febre, calafrio, dores musculares e reativação das
lesões, devido à destruição intensa dos treponemas.
Controle
Tratamento dos doentes até a obtenção de cura completa. Impedir o contato da pele
ou mucosa dos doentes com pessoas sadias. Notificação dos casos às autoridades sani-
tárias (a Sífilis Congênita é de notificação compulsória no Brasil desde 1986). Durante o
acompanhamento pré-natal deve-se submeter as gestantes ao exame VDRL na primei-
ra consulta e no início do 3o
trimestre de gestação.
Em função de alguns levantamentos sorológicos realizados no Brasil, o Ministério da
Saúde admitiu uma soroprevalência para o VDRL em gestantes atendidas em serviços
públicos de 3,5%. Considerando a porcentagem de gestantes na população total igual a
3% e estimando que a taxa média de transmissão vertical para a gestante não tratada é
de 85%, a estimativa para o Brasil para o ano de 1994 foi de 140.730 possíveis casos
conseqüentes de Sífilis na gestação. Para o Estado de São Paulo, a estimativa de casos
no ano de 1994 seria de 19.732 possíveis casos, considerando 2% de gestantes na popu-
lação geral, pois o índice de fertilidade do Estado é menor do índice de alguns outros
locais do país. Entretanto, em 1994, foram notificados 339 casos de Sífilis Congênita no
Estado de São Paulo. Esta disparidade pode ter várias hipóteses explicativas, entre elas
uma baixa sensibilização do sistema de Vigilância Epidemiológica para a questão da
Sífilis Congênita, levando a uma elevada subnotificação dos casos. Frente a estes dados
e visando diminuir a subnotificação e a ocorrência de casos, a Divisão de Epidemiologia
do Programa Estadual de DST/AIDS, a partir de 1994 passou a adotar uma nova defini-
ção de caso e a estabelecer novas estratégias de controle da doença, propondo a “elimi-
3 2 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
nação da Sífilis Congênita até o ano 2000”.
Tuberculose
Bruno Soerensen
Etiologia
Os agentes etiológicos da Tuberculose são bactérias do gênero Mycobacterium. O
principal causador da tuberculose humana é o M. tuberculosis, na África Tropical o M.
africanum, nos bovinos o M. bovis. O M. africanum tem características intermediárias
entre o M. tuberculosis e o M. bovis.
Atualmente o M. avium, antigamente incluído como o agente da tuberculose nas
aves, é estudado no capítulo das doenças causadas pelas micobactérias não tuberculosas.
Distribuição geográfica
Mundial, embora há poucos anos já se encontra-sse erradicada em vários países,
atualmente é um exemplo de doença reemergente.
Ocorrência no homem
Trata-se de doença sócio-econômica em declínio lento no mundo, com predominân-
cia maior nas regiões pobres. Nos últimos anos está sendo constatado o resurgimento da
Tuberculose.
A maior incidência da Tuberculose Humana é pelo M. tuberculosis, constituindo-se
como agente etiológico de importância secundária o M. bovis. O M. bovis foi isolado
com maior freqüência em crianças na Inglaterra, constituindo-se em 1945 em 5% dos
casos fatais e em 30% dos casos da doença em crianças com menos de cinco anos de
idade. Com o controle da erradicação da Tuberculose Bovina, em vários países, os casos
humanos são atribuídos ao M.tuberculosis.
Nos países onde a Tuberculose Bovina é enzóotica, como em vários países da Amé-
rica Latina, os casos humanos geralmente são localizados, com comprometimento de
gânglios linfáticos da região cervical ou ainda de gânglios linfáticos mesentéricos e ex-
cepcionalmente comprometimento hepático. A transmissão é por meio do consumo de
leite cru. O leite não pasteurizado e não fervido, portanto, se constitui na fonte de infec-
ção humana. Deve-se considerar que uma vaca portadora de Tuberculose não necessita
do comprometimento da glândula mamária pela doença para que elimine o bacilo da
tuberculose pelo leite. O M. bovis é de virulência menor para o homem que o M.
tuberculosis.
Na Argentina, no período de 1978 a 1981, foram estudados 7.195 cepas de bactérias
isoladas de casos de Tuberculose Pulmonar, classificando-se 1,1% como M. bovis.
Anualmente morrem no mundo pelo menos 3 milhões de pessoas e surgem 4 a 5
milhões de novos casos de Tuberculose com baciloscopia positiva, que infectam outros
indivíduos. Paralelamente, outros 5 milhões de casos ativos com baciloscopia negativa
aparecem anualmente, dentre eles muitos somente com cultura positiva, outros com
Tuberculose extrapulmonar.
A taxa de incidência de Tuberculose declina gradativamente no mundo, mas é um
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 2 1
dos maiores problemas da Saúde Pública nos países em desenvolvimento, encontrando-
se relacionada a condições sócio-econômicas precárias, assim nas Filipinas a taxa de
incidência da moléstia é de 20 vezes maior que nos Estados Unidos. A desnutrição é
fator predisponente. Considerando-se a população de desnutridos no Brasil estariam
expostos a adquirir Tuberculose aproximadamente 20 milhões de habitantes. Outro fator
predisponente é a AIDS, fator importante no ressurgimento da tuberculose no mundo.
Conforme dados da Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária, em nosso país as
taxas de incidência de Tuberculose nos últimos anos (100.000 habitantes) são as seguin-
tes: 1978:48,5; 1979:54,0; 1980:60,0; 1981:71,4; 1982:70,4; 1983:66,8; 1984:66,7; e a mor-
talidade 1977:13,4; 1978:11,6; 1979:10,6; 1980:9,9; 1981:8,6; 1982:7,5. Os dados de au-
mento da incidência não correspondem à realidade e possivelmente existam falhas de
notificação. O risco de infecção para 1984 foi estabelecido para o território nacional em
1,0% com variações de 2,0% para as regiões norte e 0,5% para a região sul.
Ocorrência nos animais
Nos países industrializados, a Tuberculose Bovina foi erradicada ou se encontra sob
controle, entretanto nos países em desenvolvimento isso não ocorreu; muito pelo contra-
rio, na ausência de um dimensionamento do problema os dados são contraditórios ou
ainda inexistentes.
Nos países da Europa ocidental a prevalência da infecção bovina é inferior a 0,1%.
No Canadá e nos EUA as taxas de infecção são baixas, assim em 1969 nos EUA foi
referido 0,06% de reatores a tuberculina em 4,5 milhões de bovinos examinados e a
grande maioria dos reatores não apresentou lesões em matadouros.
Na América Latina, somente Cuba e Venezuela possuem programas de controle em
nível nacional.
Os maiores índices se encontram nas fazendas produtoras de leite de gado estabulado.
No Brasil não existe nenhum controle nem legislação eficaz visando à erradicação da
Tuberculose Bovina. Pode-se dizer que os índices variam consideravelmente e os dados
existentes não são verídicos. Praticamente todo produtor de leite com um plantel superi-
or a dez vacas de gado holandês estabulado possui sua fonte de Tuberculose.
Nos países da América do Sul onde os suínos são alimentados com produtos lácteos
(não pasteurizados), as taxas de infecção são similares ao dos bovinos, conforme regis-
tro de matadouros. Neste particular, entretanto, deverá ser realizado um diagnóstico
diferencial com as Micobacterioses, freqüentes nos suínos.
A doença no homem
A infecção inicial, muitas vezes, é inaparente e a prova de tuberculina após algumas
semanas se torna positiva, as lesões iniciais regridem espontaneamente, como acontece
com freqüência nos pulmões, e uma adenopatia satélite pode-se detectar com fibrose e
calcificação da lesão pulmonar e dos gânglios que drenam a região. Esta primo-infecção
recebe o nome de “complexo primário tuberculoso” e a calcificação é considerada como
o sepultamento do bacilo de Tuberculose. Elevado número da população é portadora do
complexo primário tuberculoso (tuberculose infecção) que difere da Tuberculose Doen-
ça, podendo-se observar a Tuberculose Evolutiva, que progride lentamente levando à
morte se não tratada adequadamente. A Tuberculose pode comprometer todos os teci-
3 2 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
dos e órgãos, entretanto a localização mais freqüente é a Tuberculose Pulmonar. Pode-
se observar a disseminação da doença, especialmente nos indivíduos que não tiveram
Complexo Primário ou ainda naqueles que não foram vacinados com BCG.
A generalização precoce, comum nas crianças e jovens, pode-se revestir de maior
gravidade. A Meningite Tuberculosa em crianças é relativamente comum. Existe um
organotropismo do bacilo de Tuberculose pelo tecido pulmonar, daí a importância do
exame radiológico dos pulmões que pode revelar quadro compatível com Tuberculose.
Do ponto de vista clínico a Tuberculose se inicia por fadiga, febre, emagrecimento, tosse,
ronquidão, dor torácica e hemoptise.
As pessoas doentes são reagentes à prova de tuberculina de duas unidades
tuberculínicas (2UT) de PPD (Derivado Protéico Purificado). A prova tuberculínica,
entretanto também é positiva em indivíduos portadores de Tuberculose não evolutiva,
assim como naqueles vacinados com BCG. A prova tuberculínica pode falhar nos
tuberculosos que se encontram na fase final da doença, em pacientes medicados com
drogas antialérgicas, etc.
A sintomatologia da Tuberculose varia consideravelmente quando o órgão compro-
metido não são os pulmões. As tuberculoses disseminadas geralmente são devidas ao
M. tuberculosis e as localizadas, geralmente, de adenites, ao M. bovis.
A doença nos animais
Diversas espécies animais são susceptíveis a Tuberculose. Entretanto,
indubitavelmente, a Tuberculose Bovina é a mais importante, não somente do ponto de
vista da sua incidência, mas também do ponto de vista econômico e como doença zoonótica.
A Tuberculose Bovina já foi erradicada há mais de 20 anos em vários países como na
Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Suíça, Inglaterra, Estados Unidos,
Canadá e Japão. A erradicação foi conseguida por meio do diagnóstico dos animais
doentes pela prova de tuberculina e do sacrifício dos tuberculino-positivos, recebendo
indenização os seus proprietários. Nestes países foi observado, em conseqüência, o declínio
da Tuberculose Humana de origem bovina. Gradativamente tem-se conseguido a
erradicação da Tuberculose Bovina em outros países. Em nosso país, entretanto, diante
da impossibilidade do sacrifício sistemático dos animais tuberculino-reatores, pois há
necessidade de indenização dos animais sacrificados, ela ainda se mantém em níveis
elevados. Tem-se tentado o controle da moléstia por outros procedimentos como a vaci-
nação preventiva dos bovinos com BCG, observando-se em nosso meio uma
dessensibilização progressiva expontânea à tuberculina num período de 16 meses, inter-
ferindo entretanto negativamente, nesse período, no valor da prova de tuberculina como
método semiológico. Embora a vacinação BCG tenha-se mostrado efetiva no homem,
não é recomendada nos bovinos, considerando-se o inconveniente da sensibilização à
tuberculina. Tem-se observado também complexo primário tuberculoso em bovinos
infectados propositalmente, apresentando reação tuberculínica positiva sem ser eviden-
ciada na necropsia Tuberculose evolutiva.
No meio rural a Tuberculose Humana de origem bovina, em regiões onde não existe
controle, encontra-se entre 5 e 10% geralmente em jovens impúberes e, nos pacientes
urbanos, 3 a 5%. A sua maior incidência ainda é em profissionais como veterinários,
magarefes, ordenhadores, pelo contato direto com as lesões pulmonares, cutâneas e
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 2 3
ainda infecção por pó de estábulos, ingestão de leite e derivados não pasteurizados. Na
tuberculose de origem aviária o contágio se deve a lida com aves, poeira de aviários e a
sua limpeza a seco. Os suínos se infectam geralmente pela ingestão de alimentos conta-
minados.
Quanto à susceptibilidade dos animais domésticos aos três tipos de bacilos de tuber-
culose, pode-se afirmar que nos bovinos, suínos, ovinos, caprinos, cães, gatos e eqüinos
podem ser isolados com relativa freqüência o M. bovis; dos bovinos, suínos, cães, gatos
e eqüinos o M. tuberculosis e finalmente das aves, suínos, bovinos, ovinos, caprinos,
cães, gatos e eqüinos o M. avium.
Nos suínos, é mais comum a ocorrência da Micobacteriose, que pode-se confundir
com a Tuberculose, nos matadouros.
O homem é susceptível aos três tipos de bacilos de Tuberculose com maior frequência
ao M. tuberculosis, seguindo-se o M. bovis e raramente o M. avium. A doença pode
ocorrer também em animais silvestres, destacando-se entre eles os primatas não huma-
nos que são susceptíveis ao M. tuberculosis, M. bovis e ao M. africanum.
Quanto aos alimentos de origem animal que podem estar contaminados, encontra-se
em primeiro lugar o leite (leite cru ou não pasteurizado), manteiga, creme, queijo fresco
e queijo integral curado, verificando-se ainda a sobrevivência do M. bovis em manteiga
conservada à temperatura ambiente por 32 dias, manteiga salgada conservada à 4º C até
por 180 dias e ainda em queijos gordos até um ano. A carne de animais doentes também
pode veicular bacilos, embora em pequena quantidade; entretanto, o critério de condena-
ção de carcaças de animais doentes e o fato da cocção diminuem consideravelmente o
risco.
Diagnóstico
O diagnóstico da Tuberculose no homem tem como base a detecção clínica, radioló-
gica, bacteriológica e finalmente a reprodução experimental em cobaio. A prova
tuberculínica é de importância secundária como recurso no diagnóstico da tuberculose
no homem, entretanto nos animais se constitui em recurso de importância.
Fonte de infecção, transmissão e medidas de controle e erradicação
A fonte de infecção de maior importância é constituída pelo portador da doença, com
especial destaque para os portadores de Tuberculose aberta, portanto contaminantes,
destacando-se entre as medidas a notificação à autoridade local, o isolamento do doente
para diminuir a contagiosidade e a quimioterapia específica. Somente os pacientes bacteri-
ologicamente negativos, que não tossem ou que se encontram sob quimioterapia adequa-
da confirmada, não precisam ser isolados. A desinfecção concorrente inclui a
descontaminação microbiana do ar, suplementada pela luz ultravioleta e a utilização de
filtros esterilizantes contribui a diminuir o risco de contagio. A imunização de contatos
tuberculino-negativos com BCG pode contribuir ao bloqueio da fonte de infecção.
O tratamento dos pacientes com Tuberculose pulmonar com uma combinação de
medicamentos antimicrobianos, incluindo-se entre outros a isoniazida (INH), a rifampicina
(RFM), a estreptomicina (SM) e o etambutol (EMB) em esquemas apropriados, se torna
indispensável. O êxito do tratamento possibilitou que se realize em condições ambulatoriais.
A tuberculose de origem animal, em que o leite constitui a principal fonte de infecção,
3 2 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
deve ser considerada e portanto a pasteurização ou pelo menos a fervura do mesmo
deve ser praticada.
A vacinação BCG no homem é obrigatória, recomendando-se precocemente já no
primeiro mês de vida. A vacinação BCG pela via intradérmica é a recomendada, situan-
do-se em eficiência ligeiramente superior ao método da multipuntura. Paralelamente, a
nutrição adequada do povo deverá se constituir como base na erradicação da doença. O
controle e erradicação da tuberculose animal, especialmente a bovina pelo sacrifício dos
animais tuberculino-positivos, deve-se somar às recomendações anteriores quando se
pretende a erradicação da Tuberculose. A pasteurização do leite, quando processada
adequadamente, pode diminuir o risco de infecção humana pelo bacilo bovino.
Viroses
Dengue
Bruno Soerensen
A Dengue tem como agente responsável um RNA vírus, do gênero Flavivirus da
família Togaviridae, com quatro sorotipos diferentes. É uma doença que confere sólida
imunidade para o sorotipo que causou a enfermidade. É de ampla distribuição geográfi-
ca, ocorrendo nas Américas, com preferência na região do Caribe, América Central e
norte da América do Sul. Ocorre, também, na Ásia tropical, África ocidental e oriental,
Polinésia e Micronésia.
Nas Américas tivemos quatro epidemias nos últimos 20 anos, sendo a primeira em
1963, atribuída ao vírus sorotipo 3, que comprometeu as ilhas do Caribe e Venezuela; a
segunda em 1969 pelo sorotipo 2, novamente nas ilhas do Caribe e na Colômbia; a
terceira em 1977, também pelo sorotipo 2, comprometeu a Jamaica, ilhas do Caribe,
México, América Central e Venezuela; a quarta epidemia, em 1981, devida ao sorotipo
4, ocorreu em San Bartolomé (Antilhas Francesas), ilhas do Caribe, Belice e, pela pri-
meira vez em cinqüenta anos, aqui no Brasil. Foram assinalados, ainda em 1983, surtos
localizados da doença no México e em El Salvador.
Por meio de provas sorológicas foi possível avaliar a extensão do comprometimento
nas diferentes regiões, pois existem ocasiões em que a doença não é diagnosticada,
sendo, entretanto, evidenciada na prova de detecção de anticorpos no sangue circulante.
Transmissão da doença
A Dengue é transmitida por pernilongos do gênero Aedes, sendo o vetor de maior
importância no continente americano o Aedes aegypti, que se reproduz com facilidade
em recipientes com águas paradas, dentro das casas ou nas suas proximidades. Outros
pernilongos, como o Aedes albopictus e o Aedes scutellaris, desempenham papel im-
portante na transmissão da doença, principalmente em outros continentes.
O pernilongo, ao sugar o sangue do doente no período virêmico (período febril, duran-
te 5 a 6 dias, em que o vírus se encontra no sangue circulante), se contamina e o vírus se
multiplica dentro dele migrando para suas glândulas salivares. Após aproximadamente
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 2 5
dez dias, estes pernilongos já transmitem o agente causador da doença para pessoas que
ainda não tiveram Dengue.
Os estudos referentes à transmissão da doença revelaram a importância para a Saú-
de Pública de um ciclo silvestre da Dengue, possivelmente tendo como vetor o Aedes
albopictus, originário da Ásia, de ocorrência freqüente na selva. Foi constatado ainda
que o Aedes albopictus, contaminado com o vírus, pode transmitir o vírus por via
transovariana a novas gerações de pernilongos, somando-se a este mecanismo o fato da
suscetibilidade de macacos ao vírus responsável pelo Dengue. Desta maneira, poderia
explicar-se a existência de um ciclo silvestre entre macacos, que justificaria a sobrevi-
vência do vírus em determinadas áreas geográficas nos períodos inter-epidêmicos. Em-
bora até a presente data não tenha sido isolado o vírus de primatas não-humanos (maca-
cos), a presença de anticorpos nestes animais indica que entraram em contato com o
vírus causador da Dengue.
A doença no homem
A Dengue é uma doença febril aguda e benigna, com um período de incubação de 5
a 8 dias. A febre é acompanhada de prostração, calafrios, dor de cabeça intensa, dor
retro-orbitária, dores musculares e articulares. Podem-se observar ainda náuseas, vômi-
tos, dor de garganta e aumento de volume dos linfonodos. Dificilmente são observados
óbitos. A Dengue hemorrágica (febre hemorrágica), entretanto, pode ter uma evolução
grave, inclusive levando à morte, especialmente em crianças.
A doença nos animais
Os animais, primatas não-humanos, inoculados experimentalmente com o vírus, não
apresentam nenhuma sintomatologia.
Diagnóstico
O material a ser utilizado para o isolamento do vírus é o sangue, colhido do paciente
no período febril, semeado em cultura celular. As provas sorológicas podem ser úteis,
como a inibição da hemaglutinação, a fixação de complemento e a soroneutralização.
Controle
A prevenção da Dengue baseia-se, fundamentalmente, no controle e erradicação do
Aedes aegypti, evitando-se o acúmulo de água em recipientes, nos quais os pernilongos
poderiam proliferar.
Febre amarela
Kathia Brienza Badini Marulli
Enfermidade causada por um RNA vírus do gênero Flavivirus, da família Togaviridae,
é também denominada Vômito Negro.
A Febre Amarela ocorre nos continentes africano e americano, existindo diferenças
antigênicas entre as cepas dos diferentes continentes.
3 2 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Transmissão
A enfermidade é considerada ocupacional, acometendo principalmente homens que
trabalham em regiões de floresta, agricultores, extratores de látex (seringueiros), caça-
dores, etc..
Existem duas modalidades epidemiológicas da doença, a urbana e a silvestre. Na
modalidade urbana, o hospedeiro é o homem e a transmissão é feita pelo vetor biológico
Aedes aegypti. O agente pode ser transmitido a outro homem de 10 a 12 dias após o
mosquito sugar sangue de alguém enfermo.
No ciclo silvestre, o agente é mantido pelo hospedeiros, que são os macacos, e pelo
vetor, mosquitos do gênero Haemagogus. Neste caso, o homem é um hospedeiro aci-
dental, que se infecta quando se aproxima de regiões de floresta, em situações de traba-
lho ou de lazer.
Os ciclos urbano e silvestre são independentes e auto-suficientes, mas a infecção
pode passar de um ciclo a outro, dependendo das condições. Como fatores que influen-
ciam a extensão do ciclo silvestre às cidades, podem ser citados: título e duração da
viremia no homem; densidade da população de Aedes aegypti; freqüência da exposição
do vetor a pacientes virêmicos em áreas urbanas; nível de imunidade da população
urbana.
Nas Américas, foram notificados 710 casos de 1975 a 1980. Em 1981-1982, Brasil,
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru notificaram um total de 368 casos com 183 óbitos.
Não ocorrem surtos de Febre Amarela urbana nas Américas desde 1942. Na África,
nos últimos 30 anos, têm ocorrido extensas epidemias da doença, principalmente nas
áreas de savana. Entre 1965 e 1983, foram notificados oficialmente 2.840 casos no
continente africano.
A doença no homem
A infecção no homem varia desde uma forma assintomática até enfermidade grave,
com desfecho fatal. O período de incubação da doença varia de 3 a 6 dias depois da
picada do mosquito infectado. A viremia ocorre nos primeiros quatro dias da enfermida-
de.
Os casos leves apresentam um quadro clínico indefinido, semelhante a outros esta-
dos febris. Os casos graves possuem três períodos clínicos: infecção, remissão e intoxi-
cação. O período de infecção começa repentinamente com febre, dor de cabeça, mal-
estar generalizado, fraqueza, dor na região lombo-sacral, náusea e vômitos. Esta fase
dura cerca de 3 dias e nesse período o vírus está circulando no sangue em altas concen-
trações e o paciente pode servir como fonte de infecção para os mosquitos. A febre e os
sintomas podem desaparecer por um período de 24 horas, retornando com maior inten-
sidade. O período de intoxicação é caracterizado por icterícia, albuminúria, oligúria, ins-
tabilidade cardiovascular e manifestações hemorrágicas, incluindo hematemese. Os sin-
tomas nervosos, como delírios, convulsões, estupor e coma antecedem a morte.
Nos casos gravíssimos, a morte ocorre entre o terceiro e o sétimo dia, existindo
relatos de óbitos no segundo ou terceiro dia. Se a enfermidade se prolonga por mais de
10 dias, existe tendência de recuperação do paciente. Pacientes que sobrevivem à fase
tóxica aguda podem apresentar sinais de falência renal. A convalescença é lenta, com
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 2 7
fraqueza e fadiga, durando cerca de 3 meses, e mortes tardias, durante este período, são
atribuídas à falência cardíaca. Em populações autóctones de áreas endêmicas, a letalidade
é menor que 5%; nos casos severos, aproxima-se de 50%.
Os casos de Febre Amarela que são notificados às autoridades oficiais são, geral-
mente, aqueles que levam o paciente a óbito. Estima-se que a verdadeira incidência da
enfermidade nas Américas é de, pelo menos, 10 a 20 vezes maior do que o notificado.
Contribuem para o problema da subnotificação o baixo índice de suspeita, acesso limita-
do aos serviços médicos em áreas remotas e dificuldade em obter testes diagnósticos
específicos.
A doença nos animais
A doença ocorre em diferentes espécies de macacos, cuja suscetibilidade é variável.
Os sintomas são semelhantes aos apresentados pelo homem. Os macacos africanos
estão mais adaptados ao vírus, apresentando menor letalidade que os americanos.
As espécies suscetíveis são: Aotus (macaco noturno), Cebus (capuchinho ou bran-
co), Ateles (macaco aranha), Alouatta, Callithrix e Saimiri.
Diagnóstico
Deve ser feito por meio do isolamento do vírus, pela inoculação em camundongos ou
em macacos Rhesus. Também pode ser realizado o diagnóstico sorológico (ELISA,
fixação de complemento, inibição da hemaglutinação e neutralização).
O exame histopatológico post-mortem de amostras de fígado é um importante méto-
do de vigilância epidemiológica.
Tratamento
Alguns trabalhos experimentais têm demonstrado a ação terapêutica de algumas dro-
gas antivirais, como o ribaverin, tiazofurin e os interferons humanos Alpha e Gama.
Entretanto, seu valor no tratamento da doença in vivo ainda não foi estabelecido. Assim,
o tratamento preconizado para a Febre Amarela consiste em dar condições de suporte
aos pacientes, por meio da reposição da volemia e do equilíbrio eletrolítico, administra-
ção de antieméticos e antiácidos, reposição sanguínea e tratamento do choque. Em al-
guns casos, torna-se necessário realizar diálise peritoneal e hemodiálise.
Controle
Vacinação de pessoas que moram ou vão viajar para zonas enzoóticas. A principal
vacina é conhecida como 17D e é constituída por vírus vivo atenuado. A revacinação
deve ser feita a cada 10 anos.
Outra importante medida de controle é a tentativa de erradicar o vetor Aedes aegypti.
Nas regiões onde este objetivo for alcançado, devem ser implementadas medidas de
vigilância, para que não ocorra o mesmo que aconteceu no continente americano: por
meio de campanhas contra o vetor, a partir de 1947, foi conseguida sua erradicação em
80% da área infestada nas Américas, em 1960. Entretanto, com o retrocesso da campa-
nha, ocorreu a reinfestação.
3 2 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Febre hemorrágica pelo vírus Ebola
Bruno Soerensen
“Com a mesma velocidade com que a ciência consegue erradicar doenças no mundo,
aparecem outras novas como se fosse para substitui-las.”
A Varíola foi erradicada da face da terra em 1979 e neste ano (1995) foi erradicada a
Poliomielite nas Américas, embora seja ainda necessária a persistência da vacinação, pois
existem possibilidades da reintrodução da Paralisia Infantil de outras regiões do mundo
onde ainda é assinalada. A próxima meta é a erradicação do Sarampo.
É interessante destacar a substituição dos problemas. A cólera voltou em 1991 ao
Brasil após um século.
Uma nova doença, a AIDS, encontra-se em franca progressão.
Outras doenças emergentes como a Infecção Pulmonar por Hantavirus, nos Estados
Unidos, a Neuropatia Epidêmica em Cuba e a Febre Hemorrágica na Venezuela também
podem ser citadas.
Como se não fosse suficiente uma nova doença, a Febre Hemorrágica pelo vírus Ebola
apareceu no Zaire neste ano.
No dia 6 de maio de 1995 foi notificado à Organização Mundial da Saúde (OMS), pelas
autoridades de saúde do Zaire, um surto de Febre Hemorrágica Viral na região de Kikwit
(Bandundi-Zaire), tendo como agente causador o vírus Ebola. Esta doença, entretanto, já
tinha sido observada anteriormente pela primeira vez em 1976 na região Oeste Equatorial
do Sudán e no Zaire, e ainda pela segunda vez na mesma região em 1979.
A partir de maio deste ano até o dia 28 de junho, foram notificados 297 casos pelo vírus
Ebola incluindo-se 233 óbito (78%); considera-se entretanto que o momento crítico se
encontra superado. Os mecanismos quanto a reservatórios do vírus ainda não se encon-
tram bem definidos; entretanto, quanto ao quadro clínico, a doença é bem conhecida. O
período de incubação (período da demora para o aparecimento dos primeiros sintomas
desde o momento da contaminação) é de 2 a 21 dias, caracterizando-se por febre, dores
musculares, dor de cabeça, sudorese seguida por vômitos, diarréia, erupção cutânea (man-
chas vermelhas na pela), comprometimento dos rins, do fígado e hemorragia.
Aproximadamente 50 a 90% dos que apresentam estes sintomas morrem. A confirma-
ção do diagnóstico é feita pelo isolamento do vírus responsável pela doença. Não existe
ainda vacina ou tratamento específico.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), preocupada com esta nova doença, de co-
mum acordo com o Governo do Zaire, estabeleceu medidas para o controle do surto.
As medidas de controle incluem: bloqueio da epidemia, estudo das características do
vírus Ebola, de que maneira se dissemina a doença, como se manifesta e se existe compro-
metimento de algum animal como reservatório. Foi estabelecida uma coordenação técni-
co-científica por meio de uma Comissão Internacional em Kikwit, incluindo-se ainda alerta
à população diante de Doenças Potencialmente Epidêmicas.
No momento, não parece existir maior risco de disseminação da doença no mundo.
Gastroenterites por rotavírus
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 2 9
Kathia Brienza Badini Marulli
Enfermidade causada por RNA vírus, do gênero Rotavirus, da família Reoviridae.
Os rotavírus foram detectados pela primeira vez em 1973, na Austrália, por meio do
exame, ao microscópio eletrônico, de fragmentos da mucosa duodenal de crianças com
gastroenterite aguda não-bacteriana.
Transmissão
Os rotavírus têm distribuição universal. São classificados em subgrupos denomina-
dos I e II e em sorotipos, de acordo com seus determinantes antigênicos, que eram
supostamente espécie-específicos (a transmissão experimental interespécies já foi
conseguida, o que indica que a barreira de espécie animal não é estrita; entretanto, não
se conhece em que grau acontece este intercâmbio de vírus entre as diferentes espécies
na natureza).
No Brasil, os rotavírus foram detectados pela primeira vez em Belém (PA), em duas
crianças que apresentavam quadro diarréico agudo. Cerca de 30% das gastroenterites
agudas envolvendo crianças de baixa idade são causadas por esses agentes. O subgrupo
II é de ocorrência predominante em crianças, em relação ao I.
A epidemiologia da doença ainda não foi totalmente esclarecida. O vírus é resistente
e pode sobreviver meses nas fezes, à temperatura ambiente; assim, a contaminação do
ambiente pode ser uma fonte de contaminação para os animais. Em analogia com outras
infecções intestinais, parece que tanto no homem como nos animais o modo de transmis-
são é fecal-oral. Também existem várias indicações de que surtos de gastroenterite em
populações humanas ocorreram devido à contaminação da água corrente com rotavírus.
A doença no homem
O número de sorotipos do vírus para a espécie humana ainda é objeto de controvér-
sia: acredita-se que existam de 3 a 5 sorotipos, com distribuição geográfica uniforme.
Os rotavírus acometem principalmente crianças com idade entre zero e seis anos. O
período de incubação varia de 1 a 3 dias. A maior excreção de vírus ocorre no terceiro
ou quarto dia da doença (1.010 ou mais partículas por grama de fezes) e após o oitavo
dia, dificilmente são detectáveis. Em recém-nascidos e adultos podem ocorrer infecções
inaparentes.
O principal sintoma em crianças é a diarréia, que pode levar à desidratação e à
morte, principalmente quando ocorre em crianças subnutridas. Podem estar presentes
anorexia, cólicas abdominais, astenia e vômitos, sendo que alguns pacientes apresentam
apenas vômitos, sem diarréia. A febre pode ou não ocorrer. Às vezes, acompanhando o
processo gastrointestinal, as crianças apresentam comprometimento respiratório alto;
foram relatadas mortes súbitas em pacientes com este tipo de quadro clínico. Crianças
mais velhas (15 a 34 meses) podem apresentar diarréia com sangue. Em crianças
imunodeficientes pode-se estabelecer uma infecção crônica, com diarréia e excreção
viral por mais de seis semanas.
Nos países tropicais, 20 a 40% das diarréias de crianças hospitalizadas de até 5 anos
de idade são causadas por rotavírus; nos países de clima temperado a taxa seria de 40 a
3 3 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
60%.
A associação de rotavírus com bactérias enteropatogênicas é comum e acredita-se
que as infecções por esses vírus possam ser precursoras das gastroenterites por
coliformes. De acordo com algumas pesquisas, os rotavírus encontram-se associados a
outros enteropatógenos em 55% dos quadros diarréicos.
Cepas atípicas de rotavírus, destituídas do determinante antigênico comum ao grupo,
produzem extensos surtos epidêmicos, com envolvimento de adultos. O período de incu-
bação nestes casos é de 1 a 3 dias, a transmissão é fecal-oral e os sintomas permane-
cem geralmente por uma semana. A veiculação hídrica dos rotavírus já foi assinalada
por vários autores.
A doença nos animais
Diversas espécies animais são acometidas, principalmente mamíferos. Rotavírus
atípicos ou novos foram recentemente detectados em mamíferos e aves.
Nos animais, a enfermidade ocorre principalmente em neonatos e animais jovens,
mas pode ocorrer em animais de qualquer faixa etária. Os sintomas consistem em de-
pressão, anorexia e diarréia. Em leitões, foram observados vômitos. Se não existirem
outros microrganismos associados, a doença pode ser afebril. Quando a diarréia é pro-
longada, pode ocorrer desidratação e morte.
Em leitões e bezerros a infecção por rotavírus costuma ser menos severa, com rela-
ção à letalidade que a provocada por E.coli ou coronavírus, apesar de existirem relatos
de epizootias que causaram até 90% de mortalidade.
Diagnóstico
Pode ser realizado por meio da detecção de vírus ou antígenos virais nas fezes, com
o auxílio de microscópio eletrônico. Pode-se ainda empregar imunofluorescência, fixa-
ção de complemento e ELISA para detecção de rotavírus em espécimes fecais. O diag-
nóstico sorológico não é realizado como prova de rotina, mas também pode ser feito
pelas técnicas citadas acima, dentre outras.
Controle
Levando em consideração que a via de transmissão provavelmente é fecal-oral, a
prevenção deve se basear na educação sanitária e observação de regras de higiene
pessoal. A higiene também deverá ser rigorosamente observada em berçários e hospi-
tais, onde a ocorrência de surtos de diarréia por rotavírus são freqüentes e atingem alta
incidência.
O colostro contendo anticorpos específicos protege animais recém-nascidos contra a
enfermidade. O leite humano parece exercer papel importante principalmente quanto à
severidade do quadro clínico e as imunoglobulinas de origem humana também protegem
recém-nascidos contra as gastroenterites por rotavírus, durante certo tempo.
Existem várias tentativas de produção de vacinas eficazes, atualmente, a partir de
cepas humanas menos virulentas ou de cepas atenuadas de origem bovina. A vacina
deverá ser polivalente, com antígenos de diversos sorotipos que infectam o homem, e de
administração oral, para estimular a produção de IgA secretória específica na luz intes-
tinal.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 3 1
Hepatites virais
Bruno Soerensen
As hepatites virais, devido à elevada morbidade, se constituem em importante proble-
ma de saúde pública mundial. Os diferentes agentes etiológicos comprometem o tecido
hepático e raramente têm comprometimento sistêmico. Considerando-se os agentes
etiológicos, existem pelo menos quatro moléstias distintas.
Etiologia
A hepatite viral tipo A (HVA), a hepatite viral tipo B (HVB), a hepatite viral não A,
não B (HVNANB), a hepatite viral delta (HVD), embora seus aspectos clínicos sejam
similares, diferem quanto a etiologia, epidemiologia e imunopatogênese.
A hepatite, chamada “infecciosa”, “epidêmica” é a que possui como agente etiológico
o do tipo A, reproduzível em macacos (Saguinus mystax) e detectável pela
imunoflurescência, radioimunoensaio, hibridação, etc.
Na “hepatite aguda benigna” pode-se considerar a fase prodrómica ou pré-ictérica, a
fase ictérica e a fase convalescente.
A “hepatite aguda fulminante” se caracteriza por necrose maciça de células hepáti-
cas, alterações mentais graves e progressivas, desde confusão, torpor, coma e morte. A
taxa de letalidade é elevada.
Entre as “hepatites crônicas” podem-se considerar a hepatite crônica lobular, a hepa-
tite crônica persistente e a hepatite crônica ativa.
Profilaxia
As hepatites virais podem ser evitadas ou minimizadas com vacinas (imunização
ativa), ou pelo uso de gamaglobulina humana (imunização passiva). A primeira é preven-
tiva e a segunda é destinada preferencialmente a contatos.
Somam-se às medidas acima referidas cuidados higiênico-sanitários como o isolamen-
to, cuidado na manipulação de fézes, urina e outras secreções do doente, abstinencia sexu-
al durante a fase aguda da doença especialmente nos tipos B e não A não B; esterilização
de instrumentos hospitalares e a desinfecção terminal como uso de detergentes e desinfe-
tante na higiene de superfícies contaminadas. Nos Bancos de Sangue, devem-se evitar
doadores profissionais e selecionar para uso os sangues a serem transfundidos sempre
negativos para reações sorológicas de radioimunoensaio ou ELISA. Pode ser usada ainda
a dosagem de transaminases séricas que permite selecionar os portadores assintomáticos
ou do vírus não A e não B.
Influenza
Bruno Soerensen
3 3 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
A Influenza é doença aguda febril acompanhada de sintomatologia respiratória, cefaléia,
mialgia e prostração.
Etiologia
É causada por três principais vírus A, B e C e um número elevado de variantes. Estes
vírus são classificados como Orthomyxovirus. O aparecimento das variantes de vírus
de características antigênicas diferentes pode explicar as sucessivas epidemias, pois não
confere proteção cruzada.
Epidemiologia
A influença, doença de distribuição Mundial, foi responsável por várias pandemias
como as ocorridas em 1900, 1918, 1946, 1957 e 1968.
A pandemia de 1918 ocasionou ao redor de vinte milhões de mortes, constituindo-se
na maior pandemia de todos os tempos. Nos intervalos das pandemias ocorrem epidemi-
as regionais a intervalos anuais ou bianuais na dependência das variantes antigénicas do
vírus que não conferem imunidade.
A doença se transmite de pessoa a pessoa pelo contato íntimo ou por meio de aerossois
contendo vírus. A disseminação é rapidíssima, comprometendo crianças e adultos. As
complicações pulmonares bacterianas por pneumococos e estafilococos são frequentes.
A influenza dos suínos pode ocasionalmente ser transmitida ao homem.
Diagnóstico
O diagnóstico confirmando as características antigênicas do vírus é feito em labora-
tório pelo isolamento em cultura de tecido de embrião de galinha ou ainda por meio da
especificidade antigeno-anticorpo em soros de indivíduos convalescentes.
Profilaxia
A vacinação com vírus inativados da influenza tratados com formol administrada
pela via parenteral é a mais comumente usada. Vacinas de vírus vivo de virulência
atenuada também foram ensaiadas.
O maior problema da utilização das vacinas são as variantes do vírus que comprome-
tem cada epidemia, tendo sido observada uma determinada variante no início da curva
epidemiológica e o aparecimento de novas variantes no decorrer da mesma curva
epidemiológica, fato este que impede freqüentemente o êxito da vacinação.
A droga amantadina e a rimantadina são eficazes na prevenção da influenza por
vírus A. A vacinação e a administração das drogas acima referidas podem ser indicadas
nos grupos de maior risco como idosos, cardíacos, profissionais de saúde, serviços públi-
cos, forças armadas, etc.
Poliomielite
Bruno Soerensen
O agente etiológico da poliomielite é um vírus que pertence ao grupo RNA e está
situado na família Picornaviridae (pico = pequeno) gênero Enterovirus, que compreen-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 3 3
dem três grupos genéricos de interesse na patologia humana: 11, 22
os poliovírus (com três
sorotipos), os Coxsackie (A, com 24 sorotipos e B, com seis sorotipos) e os ECHO (com
30 sorotipos).1, 2, 7, 22, 24.
Dos três sorotipos do polivírus, o tipo 1 é o que mais freqüentemente causava doença
paralítica, 4
em endemias ou epidemias, enquanto o tipo 2 é o menos virulento.4
As cepas vacinais são capazes ainda de causar paralisia em macacos rhesus e
cynomolgus quando injetadas em altas doses diretamente no SNC. Vários métodos
distinguem cepas vacinais de cepas “selvagens”: sensibilidade à temperatura (as cepas
vacinais têm replicações diminuídas a 40°C); por marcadores antigênicos, testes nos
quais anticorpos preparados contra cepas vacinais são capazes de discriminar sutis dife-
renças antigênicas entre vírus homólogos e cepas “selvagens” do mesmo sorotipo.
Após penetrar no organismo humano pela via oral, o vírus atinge a orofaringe e o tubo
intestinal, onde inicia a sua proliferação, passando, a seguir, para os tecidos linfáticos
regionais. Nesta fase, pode ocorrer a viremia “minor”, pela qual tecidos retículo-endoteliais
(SRE) se tornam suscetíveis. Em poucas pessoas, depois, a replicação no SRE dá vazão
à viremia “major”, que corresponde temporariamente à “doença menor” conhecida como
“poliomielite abortiva”. Na maior parte das vezes, a infecção limita-se apenas à multipli-
cação viral no tubo digestivo e à invasão dos gânglios regionais, não ocorrendo a viremia.
Esta proliferação é, no entanto, suficiente para conferir ao infectado títulos de anticorpos
protetores para toda a vida.3, 22.
Formas clínicas
A poliomielite pode-se apresentar sob quatro formas: inaparente, abortiva, meningite
asséptica e paralítica. Esta última corresponde à forma mais grave e é um evento bas-
tante raro.3, 20, 24.
A forma inaparente não tem manifestação clínica e pode ser demonstrada de duas
formas: por meio de inquéritos sorológicos em populações e pela demonstração do
poliovírus na faringe ou nas fezes de pessoas clinicamente sadias. Esta forma, também
chamada de assintomática, ocorre em 99 por cento dos casos.3, 20, 22.
A forma abortiva, que incide em 0,9 por cento dos indivíduos suscetíveis contamina-
dos, caracteriza-se por quadro clínico inespecífico, tendo início de forma súbita, com
febre, cefaléia, dor da garganta, tosse, coriza e sintomas gastrintestinais como anorexia,
vômitos, dor abdominal e diarréia. É comumente confundida, em decorrência de sua
sintomatologia pouco específica, com episódios gripais e seu diagnóstico de certeza está
na dependência do isolamento do poliovírus nas fezes ou na orofaringe.3, 7, 20, 22, 24.
O comprometimento do SNC ocorre em 0,1 por cento dos casos e pode-se dar como
meningite asséptica ou como forma paralítica. Na primeira eventualidade, o início apre-
senta-se com as mesmas características da forma abortiva com sintomatologia
inespecífica. Ao exame clínico, o estado geral do paciente não se mostra tão comprome-
tido como nas meningites bacterianas; a orofaringe pode estar hiperemiada, existem
sinais evidentes de irritação radicular (sinais de Kerning e Brudzinski positivos) e obser-
va-se rigidez de nuca;3, 24.
não há evidências de paresias e os reflexos miotáticos encon-
tram-se presentes.
Na forma paralítica da pólio podem ser observados diversos quadros clínicos refe-
rentes ao comprometimentos espinhal, bulbar ou encefálico, de forma isolada ou associ-
3 3 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
ada. O período de incubação, até se chegar à forma paralítica, pode variar de cinco a 35
dias (com média de 17 dias).
Epidemiologia
Modos de transmissão
Embora não se conheça com precisão a forma pela qual se dá a passagem do vírus
de uma pessoa infectada para uma suscetível, a maior parte dos estudiosos acredita que
a difusão se dê por meio do contato inter-humano, principalmente pelas fezes.7, 22, 24.
A capacidade de disseminação do vírus varia de acordo com a idade. Crianças abai-
xo de dois anos de idade, em decorrência de seus hábitos de higiene, são particularmente
propensas a transmitir os vírus.7
A hipótese da disseminação por via intestinal-oral é fortalecida pelo fato de saber-se
que a prevalência do vírus é maior em condições sanitárias inadequadas, pela coincidên-
cia do período de maior infectividade com o de maior eliminação fecal do vírus e pelo
fato de, raramente, se encontrar o vírus na orofaringe, após a primeira semana da doen-
ça.7
O poliovírus já foi muitas vezes detectado em esgotos de áreas epidêmicas, embora
sua presença pareça ser muito mais uma repercussão da epidemia do que a sua causa.
Insetos já foram apontados como vetores da infecção, mas sua importância epidemiológica
é discutível.7
Comportamento epidemiológico
Podem-se distinguir três comportamentos epidemiológicos na poliomielite: o endêmico,
o epidêmico e o da era pós-vacinação.4, 9.
O comportamento endêmico existe nas áreas populosas dos países em desenvolvi-
mento, onde, caracteristicamente, crianças com menos de cinco anos de idade são aco-
metidas pela forma paralítica, constituindo as verdadeiras “paralisias infantis”. São paí-
ses geralmente com más condições de saneamento, baixa renda per capita e situados
em regiões tropicais, que apresentam alta prevalência dos enterovírus, inclusive o polivírus,
na sua população.9.
Onúmerodecasosnotificadosdepoliomielitenessespaísesé,noentanto,pequeno,edois
fatores são comumente aventados para explicar esse fenômeno. O primeiro deles é de que a
presença de anticorpos contra os três tipos de polivírus é quase universal nas gestantes e
existe passagem transplacentária dos mesmos para os fetos;2, 9
assim, caso o lactente entras-
se em contato com o poliovírus nos primeiros seis meses de vida, estaria parcialmente prote-
gido e não desenvolveria a forma paralítica da doença. O segundo fator é que a freqüencia de
infecções inaparentes é mais alta nas crianças de baixa idade do que nos adolescentes e
adultos. As populações desses países estariam em condições muito favoráveis para serem
contaminadas pelo poliovírus nos primeiros anos de vida, quando a infecção teria um curso
mais benigno.7, 9, 22.
Profilaxia
O controle da poliomielite foi conseguido, em grande parte, com o desenvolvimento
das vacinas de vírus inativados de Salk e de vírus atenuados de Sabion. A primeira é
aplicada por via intramuscular e, a segunda, por via oral.1, 7, 9.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 3 5
Vacina com poliovírus inativado (Salk)
Foi extensamente utilizada a partir de 1955 até o início da década de 60 e é ainda
utilizada em países como Suécia, Finlândia e Holanda9, 20, 21, 22
. A imunização é obtida
com o emprego de quatro inoculações, as três primeiras espaçadas por um período de
quatro a seis semanas e a Quarta após seis a 12 meses. Posteriormente, é necessária
uma dose de reforço a cada quatro ou cinco anos.9
As suas vantagens e os seus problemas estão resumidos no Quadro 12.1, da página
anterior.9
Vacinas com poliovírus atenuado (Sabin)
Utilizadas desde 1960, são atualmente empregadas na maior parte do mundo, inclusi-
ve no Brasil, sendo altamente eficazes no controle da poliomielite.9, 20
Elas podem ser
mono-, bi- ou trivalentes;22
o esquema usual de vacinação consiste em três doses, dadas
a partir dos dois meses de vida, com intervalos de dois meses, seguindo-se reforço aos
18 meses e, às vezes, aos seis anos de idade, não sendo necessárias novas doses na
maior parte das vezes.9
A erradicação da Poliomielite no continente Americano.
LEITURA RECOMENDADA
1. Bell, W. E. & McCormick, W. F. – 1975 – Enterovirus. In: Neurologic Infections of Children. 1
st ed. Philadelphia: W. B. Saunders Company, p. 157.
2. Cherry, J. D. – 1976 – Enteroviruses. In: Infections Diseases of the Fetus Newborn Infant.
Remington, J. S. and Klein, J. O., editors, 1 st ed., Philadelphia: W. B. Saunders Company, p.
366.
3. Diament, A. J. – 1980 – Neuroviroses. In: Neurologia Infantil. Lefèvre, A. B. e Diament, A. J.,
editores, 1. ed., Sarvier, S. Paulo, p. 594.
4. Gaudin, O. G. – 1976 – La notion de risque dans la poliomyélite. Rev. Epidém. et Santé Publ.,
24:231.
5. Guyer, B.; Bisong, A. A. E.; Gould, J.; Brigalo, M. & Aymard, M. – 1980 – Infections and
paralytic poliomyelitis in tropical África. Bull. Word Health Organ., 58(2): 285.
6. Hubinger, M. G.; Meulman, I.; Madeira, M. I. A. & Pinto, O. S. – 1974 – Padrões imunológicos
da poliomielite em adultos na Guanabara. Rev. Med. Est. Guanab., 41 (2): 112.
7. Krugman, S. & Ward, R. – 1977 – Enteroviral Infections. In: Infectious Diseases of Children and
Adults. 6 th ed. St. Louis, C. V. Mosby Company.
8. Lasch, E. E.; Joshua, H.; Gazit, E.; Elmassri, M.; Marcus, O. & Zamir, R. – 1970 – Study of the
HLA antigen in Arab Children with paralytic poliomyelistis Is. J. Med. Sci., 15 (1):12.
9. Melnick, J. – 1978 – Advantages and disavantages of killed and live poliomyelitis vaccines.
Bull. World Health Organ., 56 (1): 21.
10.Metsellar,D.;MacDonald,K.;Gemert,W.;Vanrens,M.M.&Muller,A.S.–1977–Poliomyelitis
epidemiology and prophylaxis. Bull. World Health Organ., 55(6): 747.
11. Modlin, J.F. – 1985 – Poliovirus. In: Mandell, G.L.; Douglas, R.G., Jr. & Bennett, J.E. – Principles
and Practice of Infectious Diseases. 2 nd edition. John Wiley & Sons. New York, p. 806.
12. Monif, G.R.S. – 1969 – Viral Infections of the Human Fetus. Toronto, MacMillan Co.
13. Mulder, D.W.; Rosenbaum, R.A. & Layton, D.D. Jr. – 1972 – Late progression of poliomyelitis
or forme fruste amyotrophic lateral sclerosis? Mayo Clin. Proc., 47:756.
14. Neves, W.E. – 1972 – Alguns aspectos da poliomielite no primeiro semestre de vida. Estudo
de 241 casos. Tese de doutoramento. Fac. Med. Univ. S. Paulo.
3 3 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
15. Neves, W.E.:; Carvalho, R.P.S. & Silva, W.V. – 1975 – Paralisia facial em crianças. Importância
do diagnóstico virológico. Rev. Inst. Med. Trop. São Paulo, 17(3): 181.
16. Nicholas, D.D.; Kratzer, J.H.; Ofusu-Amaah, S. & Belcher, D.W. – 1977 – Is poliomyelitis a
serious problem in developing countries? The Danfa experience. Br. Med. J., 1: 1009.
17. Oberhofer, T.R.: Brown, G.C. & Monto, A.S. – 1975 – Seriommunity to poliomyelitis in an
American comunity. Amer. J. Epidem., 101(4): 333.
18. Ofusu-Amaah, S.; Kratzer, J.H. & Nicholas, D.D. – 1977 – Is poliomyelitis a serious problem in
developing countries? Lameness in Ghanaian schools. Br. Med. J., 1: 1012.
19. Pietsch, M.C. & Morris, P.J. – 1974 – An association of HL-A7 with paralytic poliomyelitis.
Tissue Antigens, 4:50.
20. Prince, R.W. & Plum, F. – 1978 – Poliomyelitis. In: Handbook of Clinical Neurology. Infections
of the Nervous System, Part II, Vol. 34. Vinken, P.J. and Bruyn, G.W., editors, Elsevier North-
Holland Biomedical Press, Amsterdam, p. 93.
21. Sabin, A.B. – 1980 – Vaccination against poliomyelitis in economically inderdeveloped countries.
Bull. World Health. Organ., 58 (1):141.
22.Sabin,A.B.-1981–Poliomyelitis.In:Braude,A.I.;Davis,I.E.&Fierer,J.– MedicalMicrobiology
and Infectious Diseases. W.B. Saunders Company, Philadelphia, p. 1348.
23. Salk, J. & Salk, D. – 1955 –Control of Influenza and Poliomyelitis with killed virus vaccines.
Science, 195:834.
24. Shepherd, G.; Simsolo, V. – 1976 – Enterovírus. I. Poliomielite. In: Doenças Infecciosas e
Parasitárias, Veronesi, R., editor. 6ª ed., Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, p. 104.
25. Stewien, K.E.; Barbosa, V. & Rosenburg, C.P. – 1977 – Níveis de imunidade contra a poliomi-
elite em uma amostra de escolares do Mun. De São Paulo. Rev. Saúde Públ., 11(2): 270.
26. Volpi, A.; Raguna, G.; Biondi, W.; Rocchi, G. & Archetti, I. – 1976 – Seroimmunity to poliovirus
in an urban population of italy. Bull. World Health Organ., 54(2):275.
27. Weekly Epidemiological Record. – 1978 – 53(32):237.
Rubéola
Bruno Soerensen
A Rubéola é uma doença exantemática com evolução de três a cinco dias compro-
metendo com maior frequência a infância e a adolescência. A doença exantemática
com um período de incubação de duas a três semanas pode apresentar um período
prodrômico caracterizado por discreta febre, arrepios de frio, cefaléia, dores generaliza-
das e aumento dos gânglios do pescoço mastóides e suboccipitais. Um dos graves pro-
blemas é que a incidência precoce na gravidez pode induzir malformações congênitas e
ainda poder ser transmitida ao feto.
Etiologia
O agente etiológico é um vírus da família Togaviridae gênero Rubivirus. Os testes
sorológicos podem ser utilizados.
Epidemiologia
As epidemias ocorrem com intervalo de 7 a 12 anos e principalmente na primavera
comprometendo especialmente crianças abaixo de 15 anos. Ocorre com maior frequência
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 3 7
em populações de escolares, entretanto casos esporádicos podem ser observados a cada
ano. A doença é de distribuição mundial.
Diagnóstico
Independentemente do diagnóstico clínico, realizam-se provas sorológicas em
convalescentes; durante longos períodos as provas positivas persistem. O método
rápido de aglutinação de látex e o método de ELISA são os mais utilizados.
Tratamento
Os casos mais graves são os de Rubéola congenita e de crianças acometidas por
múltiplas lesões congênitas. Nenhum medicamento tem ação antiviral e, conforme rela-
tos, o tratamento com imunoglobulinas não tem valor terapêutico. As crianças com rubé-
ola podem ser consideradas portadoras da infecção pelo período de seis meses e devem
ser tomados cuidados especialmente com mulheres grávidas.
Profilaxia
Há mais de vinte anos tem-se utilização a imunização ativa com vacinas com resulta-
dos alentadores, tendo como meta prioritária as crianças de 15 meses de idade. As
vacinações de rotina incluem sarampo, caxumba e rubéola. As mulheres sem anticorpos
devem ser vacinadas, evitando-se entretanto mulheres em gestação. A vacina pode ser
aplicada após o parto, com a recomendação de evitar uma gravidez durante os três
meses que se seguem.
A vacina protege durante um período de pelo menos três anos. O uso de imunoglobulina
pode ter indicação médica em casos especiais.
Sarampo
Bruno Soerensen
O agente causador do Sarampo é um vírus do gênero Morbillivirus da família
Paramyxoviridae. Ao mesmo gênero pertence o vírus responsável pela Cinomose, que
compromete os cães. O Sarampo é de distribuição mundial.
A doença no homem
Anteriormente ao uso da vacinação, esta doença comprometia com extrema fre-
qüência as crianças (90%) até chegarem aos dez anos de vida. O Sarampo era doença
endêmica e, com intervalos de aproximadamente dois anos, eram observadas as epide-
mias.
A vacinação utilizada na prevenção do Sarampo é de grande eficácia. É uma vacina
de vírus vivo, de virulência atenuada que, dependendo da virulência residual do vírus
utilizado na elaboração da vacina, pode, eventualmente, manifestar na criança vacinada
uma pequena reação à vacina, um “sarampinho” que, entretanto, não apresenta nenhum
risco para a criança (crianças de nove meses de idade), resultando em sólida imunidade.
É uma das vacinas que compõem o Plano Nacional de Imunização, e há expectativa de
3 3 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
uma possível erradicação da doença nos próximos 10 anos. Atualmente, os casos
registrados se referem, em sua maioria, a adolescentes e adultos que não tiveram a
doença quando crianças ou que não foram vacinados. Entretanto, recentemente foi ve-
rificado um ressurgimento da doença no Brasil iniciado em 1996 e o seu declínio gradativo
em 1998.
Todas as mães que se encontram protegidas contra o Sarampo transferem esta imu-
nidade para a criança recém-nascida. Se esta criança for vacinada durante o período em
que se encontra imune, a vacina não confere proteção, e é devido a este fato que a
vacinação é feita em crianças com 9 meses de idade, porque nesta fase a criança já
perdeu os anticorpos contra o Sarampo, não prejudicando os benefícios trazidos pela
vacina.
Foi constatado que, em nosso país, aproximadamente 15% das mães não possuem
imunidade contra o Sarampo e, conseqüentemente, não existem anticorpos a serem trans-
feridos da mãe ao filho através da placenta. Considerando-se que a vacinação é feita
aos 9 meses de idade, pode-se dizer que 15% das crianças brasileiras se encontram
desprotegidas durante praticamente todo o primeiro ano de vida, e nesta faixa de idade é
constatada mortalidade elevada por diferentes doenças, incluindo-se o Sarampo.
Sintomatologia
O período de incubação é de 8 a 13 dias. A doença inicia por febre, conjuntivite, coriza,
tosse e manchas localizadas na mucosa bucal. Com grande freqüência podem ser observa-
das inflamações da faringe e das vias aéreas superiores. Após 3 a 7 dias de evolução, inicia
uma erupção (manchas vermelhas, na pele do rosto e a seguir em todo o corpo), que após 4
a 7 dias regride com descamação da pele. O Sarampo é uma doença de importância em
Saúde Pública devido às complicações que podem sobrevir como otite média, pneumonia e
encefalite, levando à morte cerca de 10% das crianças doentes, especialmente aquelas que
se encontram desnutridas.
O Sarampo se transmite de pessoa a pessoa, pela via aerógena, especialmente pela
tosse. O período de transmissão se inicia já antes de qualquer sintomatologia, prolongan-
do-se até 4 dias após a erupção.
A doença nos animais
Independentemente da ocorrência da moléstia no homem, também foi registrada em
primatas não-humanos em cativeiro, mantidos em centros de primatologia, institutos ci-
entíficos e zoológicos.
Nestes animais foram observados inclusive epizootias em pelo menos dez espécies
diferentes de macacos. A sintomatologia nos primatas não-humanos é semelhante à do
homem. Possivelmente, os macacos mantidos em cativeiro adquirem a doença em con-
tato com seres humanos e esta transmissão é pela via aerógena, uma vez que o vírus
pode ser isolado das secreções nasofaríngeas do homem. Não foi constatada a trans-
missão de Sarampo dos macacos ao homem, portanto é uma doença que sendo erradicada
no homem deverá desaparecer também nos primatas não-humanos. Os macacos que
não são destinados à experimentação com vírus do Sarampo, como os criados em Cen-
tros de Primatologia e zoológicos, poderão ser vacinados visando o controle e erradicação
da doença no mundo.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 3 9
Diagnóstico
O vírus pode ser isolado em cultura de fibroblasto de embrião de galinha, a partir de
lavado faríngeo, sangue ou urina. Pode-se pesquisar a presença de anticorpos no soro do
paciente após convalescência, através de provas de laboratório como fixação de com-
plemento e inibição da hemaglutinação.
Prevenção e controle
Indiscutivelmente, a vacinação da população susceptível é a base fundamental para o
controle e erradicação do Sarampo. A recomendação de vacinação do PNI (Programa
Nacional de Imunização) do Brasil é de crianças de 9 meses a 9 anos de idade, com
índices de cobertura de vacinação superior a 80%. Em 1992 foi estabelecido no Brasil o
Plano Nacional de Saúde e Eliminação do Sarampo com uma estratégia de atualização
da vacinação da população de 9 meses a 14 anos e implementação da vigilância
epidemiológica, incluindo-se amostragem de sangue da população para verificar-se a
presença de anticorpos contra o sarampo e determinar a susceptibilidade à doença.
Durante a epidemia de sarampo nos anos 1996-1997, foi constatada a ocorrência, embo-
ra em proporção pequena, em adultos que possivelmente não teriam sido imunizados
quando crianças. A epidemia decorreu com grande possibilidade devido a uma cobertu-
ra de vacinação inferior à mínima recomendada de 80% da população infantil. A reco-
mendação inicial era da vacinação aos 7 meses e uma segunda dose aos 12 meses. Esta
recomendação não incluiria 15% das crianças que nascem sem anticorpo, pois pela via
transplacentária não receberiam anticorpo das mães. A este fato deve-se o adoecimento
prematuro de crianças antes de completarem o primeiro ano de vida. Entretanto, a partir
de 1983, foi iniciada uma única dose aos nove meses de vida. Em alguns Estados da
Federação foi recomendada uma segunda dose aos 15 meses de idade, ministrada na
vacina tríplice contra sarampo, parotidite e rubéola.
A vacinação ao nascimento não é recomendada pois a presença de anticorpo
transplacentário até os seis meses de idade prejudica o efeito da vacinação, pois a vaci-
na contém vírus vivos de virulência atenuada que são mortos pelos anticorpos
transplacentários presentes.
Apesar dos insucessos colhidos, o Sarampo é a próxima doença a ser erradicada da
face da Terra, pois, quando bem conduzida, a vacinação confere sólida imunidade soma-
da ao fato de não possuir reservatório no reino animal, pois os únicos susceptíveis são os
primatas não humanos.
Síndrome da Imunodeficiências Adquirida (AIDS)
Bruno Soerensen
A síndrome conhecida como AIDS (“Acquired Immune Deficiency Syndrome”) cons-
titui no momento a mais preocupante doença sexualmente transmitida, considerando-se
até o presente a ausência de tratamento eficiente, a elevada letalidade, suas repercus-
sões sociais e o número crescente de novos casos da doença em todos os países do
mundo.
Foi assinalada pela primeira vez nos Estados Unidos em 1979, com apenas oito ca-
3 4 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
sos, atingindo em quatro anos 1.982 casos e até a presente data milhões de casos e
milhares de óbitos.
Os primeiros casos, entretanto, comprometendo de maneira desapercebida milhares
de pessoas, teriam acontecido na África Equatorial. Através de Haiti e Ilhas do Caribe
por turistas ou trabalhadores e o vírus teria penetrado nos Estados Unidos. Acredita-se
ainda que o vírus da AIDS tenha passado do macaco para o homem por meio de contato
íntimo desses animais com os nativos africanos.
O agente etiológico é um vírus da família Retroviridae, vírus HTLV (“Human T
Lynphotropic Vírus”). Um retrovirus linfotrópico que ataca especificamente os linfócitos
T humanos “Helper” (Th) OKT4 + destruindo-os ou tornando-os funcionalmente insufi-
cientes. Um dos mais freqüentemente isolados é o HTLV – III que se multiplica em
laboratório em cultura celular de características próprias possibilitando a reprodução do
vírus.
Epidemiologia
Inicialmente foi verificada a ocorrência da doença em homossexuais masculinos em
aproximadamente 80% dos casos, em toxicômanos, hemofílicos, politransfundidos, imi-
grantes haitianos e em portadores do sarcoma de Kaposi, doença esta que ocorria ante-
riormente à AIDS somente na África Central.
Os novos aspectos epidemiológicos da AIDS, entretanto, mudaram, comprometendo
atualmente também os bissexuais masculinos, heterossexuais e, conseqüentemente,
mulheres e crianças.
Independentemente do contato sexual vaginal, a AIDS pode-se transmitir por meio
do contato sexual anal, oral, do beijo em casos da existência de solução de continuidade
da mucosa oral, transfusão sanguínea, agulhas contaminadas.
Em estudo realizado em prostitutas de Georgetown, Guyana no ano de 1993, consta-
tou-se que a soro positividade ao HIV era superior em prostitutas de condições sócio-
econômicas de baixo nível comparando-se com aquelas de nível melhor. As prostitutas
de condições sócio-econômicas piores usavam em menor proporção preservativo e en-
tre elas era mais freqüente o uso de cocaína.
Calcula-se que em homossexuais masculinos com comportamento sexual hiperativo
a probabilidade de desenvolver a doença num período de até três anos é de 70 a 90%,
entretanto em portadores assintemáticos não pertencentes a grupos de risco a possibili-
dade calculada é de 0 a 3%.
A tendência epidemiológica é de um aumento significativo da doença comprometen-
do grande parte da população do mundo. Os principais elementos epidemiológicos a
serem considerados são: idade, sexo, procedência, grupo de risco, estilo de vida, tipo de
prática sexual, transfusões de sangue nos últimos cinco anos, se hemofílico, se preso por
mais de um mês em ambiente promíscuo ou se é profissional de saúde. O uso de copos,
xícaras, talheres não oferece perigo de transmissão. A possível transmissão por artrópodos
está sendo estudada. O dentista portador de HIV poderá transmitir a doença em casos
de sangramento das mãos e a contaminação do intrumental em intervenções cruentas.
A doença leva a uma profunda imunodepressão imunológica e o organismo desprotegido
sofre com a associação de microrganismos, incluindo-se alguns oportunistas. As doen-
ças que com maior freqüência se associam são o sarcoma de Kaposi, a pneumonia por
Pneumocystis carinii e a tuberculose por Mycobacteriun tuberculosis.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 4 1
A doença no homem
Apresenta ampla variedade de formas clínicas, desde assintomáticas até formas clí-
nicas que evoluem para a morte. A soro positividade em populações de risco de indivídu-
os sintomáticos é relativamente elevada; portanto, eles constituem o grupo infectado. A
possibilidade do portador assintomático evoluir para doença não se encontra bem
esclarecida.
O período de inoculação da AIDS pode ser muito curto como seis a treze dias, embo-
ra geralmente seja longo, de vinte meses para crianças e trinta meses para adultos.
Uma das primeiras manifestações sugestivas da infecção pelo HIV são lesões orais
de placas esbranquiçadas nos bordos laterais da lingua que podem ter como agente
etiológico a Candida albicans ou um vírus como os correspondentes ao herpes simples,
citomegalovirus, vírus Epstein-Barr ou ainda serem relacionadas ao sarcoma de Kaposi,
carcinoma de células escamosas, linfomas não-Hodgkin, papilomas ou melanomas. Es-
tas manisfestações podem preceder a AIDS plenamente manifesta por um período de
um a 33 meses.
As manifestações clínicas decorrem da infecção pelo HIV e das infecções que se
associam devido à imunodepressão desencadeada pelo vírus. Pode-se observar
poliadenopatia com ausência de qualquer doença conhecida, lembrando o mononucleose
infecciosa. Há queda do estado geral e cansaço aos pequenos esforços, anorexia e
perda significativa do peso corporal, ressecamento da pele, sudorese noturna, febre,
diarréia crônica, tosse geralmente não produtiva, disturbios da esfera psíquica e neuroló-
gica. Associam-se com frequência histoplasmose disseminada, candidíase brônquica ou
pulmonar, isosporíase causando diarréia crônica, linfomas não-Hodgkin, sarcoma de
Kaposi, tuberculose.
No estado mais avançado da doença, instala-se uma série de infecções oportunistas
e neoplásicas apresentando quadro clínico correspondente à doença que estiver associ-
ada.
A doença nos animais
Não são conhecidos reservatórios.
Diagnóstico
Independentemente do grupo de risco e do aspecto clínico, deverão ser considerados
aspectos epidemiológicos e laboratoriais. Entre os epidemiológicos, os grupos de risco,
embora com a disseminação atual da doença os grupos de risco tendam a desaparecer
comprometendo gradativamente a população.
Quanto ao diagnóstico laboratorial, revestem-se de grande importância os testes
sorológicos de grande sensibilidade e especificidade para a pesquisa de anticorpos como
o Western–blot que, quando bem conduzido, pode expressar grande segurança. O méto-
do imunoenzimático (ELISA), a imunofluorescência indireta, a radioimunoprecipitação
situam-se como de menor valor comparados ao Western-blot.
Outros novos testes já se encontram em experimentação, entre eles alguns que de-
tectam o antígeno viral a partir de duas semanas de infecção, portanto antecedendo a
formação de anticorpos HIV que somente aparecem de seis a oito semanas após a
3 4 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
infecção primária, ou seja no período negativo de “janela imunológica”.
Nos portadores assintomáticos, avaliados em milhões de indivíduos somente no Bra-
sil, podem ser encontrados títulos elevados de anticorpos e ausência de antigenos possi-
bilitando a persistência desta situação imunológica durante vários anos. Os estudos atu-
almente indicam que na população de risco (prostitutas) não todas possuem susceptibili-
dade à aquisição da doença.
Tratamento e prevenção
Para o tratamento específico da infecção pelo HIV temos as drogas que impedem a
penetração do vírus na célula-alvo como os anticorpos monoclonais anti-gp., o peptídio T
o AL 721, os inibidores da transcriptase reversa como o Suramin o AZT, a Dideoxynosina,
o CD 4, a Rifabutina e o Ácido Fosfonofórmico.
Outras drogas atuam em etapas posteriores à síntese do DNA viral, como a Ribavisina,
o Interferon, o Ampligen e as associações de drogas que mostraram ação sinérgica
contra o HIV.
O tratamento inespecífico tem como finalidade o combate às infecções secundárias
que se associam.
Entre as medidas preventivas pode-se citar:
1. Evitar a promiscuidade e o sexo anônimo.
2. Limitar e selecionar os parceiros.
3. Higiene adequada após a prática sexual (lavagem com água e sabão).
4. Usar preservativos.
5. Evitar sexo oral, principalmente com grupos de risco.
6. Evitar ambientes promíscuos.
7. Para viciados em drogas injetáveis, usar seringa descartável.
8. As mulheres devem ter ciência da possibilidade da transmissão da AIDS por via
placentária.
9. Nos bancos de sangue evitar o uso de sangues soro positivos para AIDS.
10. Os profissionais de saúde (médicos, dentistas, enfermeiros, técnicos de laborató-
rio) devem adotar medidas que evitem a contaminação.
VACINAÇÃO
Diversas vacinas estão sendo ensaiadas em grupos de risco, incluindo-se prisioneiros
em penitenciária; entretanto, qualquer resultado deverá ter validade se os grupos de
vacinados e não vacinados forem observados por um período não inferior a cinco e a dez
anos e com um declínio significativo no grupo vacinado.
Bibliografia consultada e recomendada
A saúde nas américas – tendências atuais.
Borroto, R.J. Supervivência de Vibrio cholerae O I en agua dulce superficial y cólera endemico:
Una hipótesis geoecológica. Revista Panamericana Salud Pública. 4(6): 371-374, 1998.
Darras, C. Diferencias de mortalidad infantil dentro de Bolívia. Revista Panamericana Salud
Pública.4(6):393-397,1998.
Gomes do Monte, C. M.; Ashworth, A.; Barreto Sá, M.L. and Portela Diniz, R. L. Revista
Panamericana Salud Pública. 4(6): 375-382, 1998.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 4 3
Organización Panamericana de la Salud (OPS) Salud en las Américas. Boletin Epidemiológico.
19(3):1-6,1998.
Bacterioses:
Cólera
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Coqueluche
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Difteria
PERCI, R. D. Difteria. Akrôpolis – Revista da UNIPAR., 3 (9): 3-14, 1995.
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Enfermidade de lyme
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Febre tifóide
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Meningites
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8a
ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Sífilis
FREGONESI, A, FERREIRA, U., ESTEVES, S.C. Doenças sexualmente transmissíveis. Ver. Bras.
Med.,51:59-66,1995.
HABER, L.E., GUINSBURG, R., IAZZETTI, A V. Sífilis congênita: situação atual. Conduta
diagnóstica e terapêutica. Pediatria Moderna, 29(6): 772-778, 1993.
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Tuberculose
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. Publ. cient. no
503.
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Viroses:
Dengue
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Febre amarela
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Febre hemorrágica pelo vírus Ebola
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
3 4 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Gastroenterites por rotavírus
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Hepatites virais
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Influenza
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Rubéola
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Sarampo
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. Publ. cient. no
503.
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Síndrome da imunodeficiência adquirida (aids)
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
XIV – Zoonoses e enfermidades transmissíveis
comuns ao homem e aos animais
A saúde do homem depende em grande
parte da saúde dos animais
Bruno Soerensen
Diversos microorganismos responsáveis por doenças nos animais também compro-
metem o homem, como os causadores da Tuberculose, Leptospirose, Moléstia de Cha-
gas, Brucelose, Carbúnculo, Colibacilose, Listeriose, Salmonelose, Histoplasmose, Fe-
bre Q, Encefalite, Hepatite, Raiva, Toxoplasmose, Hidatidose, Teníase, Ascaridíase,
Estrongiloidose, Triquinelose, Sarna, etc. Como se isso não fosse suficiente, diversos
microorganismos responsáveis por diarréia nos animais são também responsáveis por
diarréia no homem; milhões de crianças morrem anualmente em nosso país em conseqü-
ência de processos diarréicos, e as doenças diarréicas são as principais responsáveis
pela mortalidade infantil no primeiro ano de vida.
Bactérias, vírus e protozoários patogênicos, que causam diarréia ao homem, podem
ser encontrados nos intestinos dos animais.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 4 5
Nos países em desenvolvimento, as doenças diarréicas são o principal fator de
mortalidade nas crianças, assim como nos animais domésticos, principalmente nos
mais novos. Nas zonas rurais, este problema é mais acentuado, devido ao contato com
animais doentes ou portadores das doenças. Neste sentido, um estudo realizado na
Índia (estado de Haryana), mostrou que 10% de um plantel de búfalos e bovinos apre-
sentavam Campylobacter nas fezes, incluindo-se animais com diarréia e sãos. Em
suínos, a mesma bactéria responsável pela diarréia em crianças foi isolada em 50%
dos animais e, no mesmo ambiente contaminado, em 10% das crianças que tiveram
suas fezes examinadas foi isolado o Campylobacter.
Os alimentos e a água contaminados pelas fezes destes animais podem transmitir a
moléstia ao homem, especialmente às crianças. Foi comprovado ainda que brinquedos
contaminados com material fecal de animais podem veicular microorganismos respon-
sáveis, entre outros, por processos diarréicos. Em nosso país e nos demais países da
América Latina, porcentagem elevada de ratos, principalmente os ratos de esgoto, são
portadores de Leptospira e Salmonella typhimurium, agentes, respectivamente, da
Leptospirose e da Salmonelose, moléstias de grande importância em Saúde Pública.
Considerando-se a contaminação fecal-oral e a importância de microorganismos na
etiologia das doenças diarréicas, a Organização Mundial da Saúde recomenda reduzir os
riscos de contaminação da seguinte maneira:
1. Manter os animais em boas condições de saúde, isolar os doentes, tratá-los ade-
quadamente e manter as crianças afastadas dos animais doentes;
2. Evitar que os animais habitem dentro das casas;
3. Recolher ou enterrar as fezes dos animais, jogar no vaso sanitário ou em local ao
qual as crianças não tenham acesso;
4. Evitar que os animais freqüentem áreas onde brincam crianças, especialmente as
mais novas;
5. Impedir que os animais comam nos mesmos pratos usados pelas pessoas, ou que
contaminem mesas ou locais onde são preparados os alimentos;
6. Recomendar às crianças que sempre lavem as mãos antes das refeições ou de
tocarem em alimentos (frutas entre outros), especialmente após terem brincado com
animais.
1. Bacterioses
Actinomicose
Bruno Soerensen
O agente de maior importância como causador da Actinomicose no homem é o
Actinomyces israelii e, nos animais, o Actinomyces bovis, embora existam outros
actinomicetos, como o Actinomyces viscosus, responsável pela Actinomicose em cães.
Têm sido relatados casos de Actinomicose pelo A. bovis no homem e pelo A. israelii em
animais, porém isso é raro.
Os actinomicetos são considerados, atualmente, como bactérias superiores, próxi-
3 4 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
mas aos fungos. São Gram-positivos, anaeróbios e normalmente encontrados na cavida-
de oral.
A Actinomicose é de distribuição mundial, com grandes diferenças regionais.
A doença no homem
A porta de entrada do microorganismo no corpo humano é constituída por feridas
ou lesões cirúrgicas comprometendo os tecidos moles e os ossos. A infecção pelo
Actinomyces israelii determina um processo granulomatoso supurativo que, poste-
riormente, fistuliza. Quanto à sua localização, a cervico-facial é a mais freqüente,
seguida pela torácica (pulmonar), abdominal e generalizada.
A localização cérvico-facial possui um quadro clínico bem característico, iniciando
com um aumento de volume de consistência dura, ao nível da mandíbula e região cervical,
evoluindo gradativamente e apresentando áreas moles e drenagem ao exterior de pus
amarelado contendo grãos de cor amarela de aproximadamente meio milímetro de diâ-
metro, assemelhando-se a “grãos de enxofre”. Estes pequenos grãos não são outra
coisa que colônias do Actinomyces israelii, observáveis ao microscópio, e que recebem
o nome de “druzas actinomicóticas”, morfologia esta que serve para se diagnosticar a
doença.
Na clínica odontológica da Universidade de Marília, foi observado um caso raríssimo
de comprometimento do maxilar superior com grande destruição óssea, recuperado por
meio de tratamento adequado.
A forma pulmonar simula tuberculose e as formas características acima descritas
(“grãos de enxofre”) podem ser encontradas no exame de escarro. A forma abdominal
é sempre caracterizada por aumento de volume capsulado localizado no intestino ou,
ainda, na parede abdominal. Nos últimos anos tem-se observado a ocorrência da doença
no trato genital de mulheres que usam dispositivos intra-uterinos por longos períodos.
A doença nos animais
O Actinomyces bovis é o agente etiológico de maior importância, especialmente em
bovinos. O quadro clínico mais freqüente é o comprometimento da mandíbula, com au-
mento de volume, formação de tecido granulomatoso e processo purulento, que drena
através de condutos fistulosos. O pus é viscoso, amarelado, contendo grânulos amarela-
dos semelhantes a “grãos de enxofre”. O animal tem dificuldades de mastigação e perde
peso.
Nos suínos a doença compromete, geralmente, as mamas sob forma de abscessos,
que fistulizam. Estas lesões são atribuídas a ferimentos causados pelos leitões na opor-
tunidade de mamar. Nos cães, podem-se observar abscessos cervico-faciais, osteomielite,
pneumonia, comprometimento dos órgãos abdominais ou, ainda, abscessos subcutâneos.
Aqui no Brasil, tivemos a oportunidade de relatar, em 1959, o primeiro caso de
Actinomicose em coelhos descrito no mundo.
Fonte de infecção e transmissão
A Actinomicose ocorre com mais freqüência no meio rural, portanto é possível que o
agente etiológico possa ter sua origem no reino vegetal. Estudos realizados em vários
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 4 7
países mostram que os actinomicetos podem ser encontrados em 40% de amígdalas
humanas e em 30 a 48% de amostras de saliva e material de dentes cariados, como
também em 10% de secreções vaginais de mulheres que usavam dispositivos intra-
uterinos.
De qualquer maneira, o quadro cérvico-facial pode ser explicado pela penetração do
microorganismo por ferimentos ou através de dentes cariados.
A infecção dos animais não é transmitida ao homem e, da mesma maneira, nunca foi
assinalada nenhuma transmissão inter-humana.
Diagnóstico e controle
O quadro clínico no homem e nos animais é bem sugestivo. A demonstração micros-
cópica em material observado entre lâmina e lamínula da existência de formações radiadas
(“druzas actinomicóticas”) confirma o diagnóstico.
A identificação do tipo de actinomiceto é feita por meio de culturas em meios espe-
cíficos.
Quanto ao homem, é recomendável para a prevenção da doença, a higiene bucal e
cuidados após a extração dentária ou qualquer intervenção na cavidade bucal.
No que se refere à Actinomicose animal, ainda não foi encontrada nenhuma reco-
mendação prática.
Bibliografia consultada e recomendada
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Botulismo
Bruno Soerensen
O microrganismo responsável pelo Botulismo é o Clostridium botulinum, que elabo-
ra uma toxina considerada a mais potente de todas as conhecidas. É uma bactéria
anaeróbia, que esporula, possibilitando sua resistência no meio ambiente.
São conhecidos quatro grupos (I a IV) relacionados às características de prolifera-
ção em meios de cultura ou ainda à classificação sorológica. Existem pelo menos sete
tipos diferentes de toxinas botulínicas (A,B,C,D,E,F,G).
O Botulismo Clássico é adquirido pela ingestão de alimentos contaminados contendo
a toxina pré-formada. Finalmente, mais recentemente, foi identificada nova entidade
clínica, o Botulismo Infantil, como conseqüência da proliferação do Clostridium botulinum
na luz intestinal de lactentes, produzindo toxina absorvida por via intestinal.
O Botulismo foi relatado em todas as regiões do mundo, com maior ou menor inci-
dência e de maneira esporádica ou em grupos.
O Botulismo Clássico é uma intoxicação alimentar pela ingestão de alimentos pro-
cessados de maneira inadequada, especialmente os de fabricação caseira estocados por
3 4 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
longos períodos. O Clostridium botulinum pode ser encontrado espontaneamente no
meio ambiente, contamina o alimento e, caso este apresente teor baixo de oxigênio, o
microorganismo inicia sua proliferação e elabora a toxina. Por ocasião do consumo do
alimento, a toxina é absorvida, provocando uma intoxicação alimentar de extrema gravi-
dade, determinando elevada letalidade, especialmente quando o paciente não é socorrido
com premência.
Atualmente, em decorrência de uma produção industrial de alimentos de origem ani-
mal e vegetal, especialmente enlatados, obedecendo à tecnologia segura, a tendência é a
diminuição do risco da intoxicação e do número de casos da doença.
Para termos uma idéia das fontes de alimentos contaminados pelas diferentes toxinas
botulínicas, trabalhos relatados nos Estados Unidos indicam que as hortaliças se situam
em primeiro lugar, com elevada incidência das toxinas botulínicas tipo A e B, seguindo-
se o peixe e derivados onde predominam as toxinas dos tipos E a A. Seguem-se as frutas
e os condimentos, com predominância das toxinas A e B. Finalmente, os seguintes ali-
mentos em ordem de importância: carne bovina, leite e seus derivados, carne de suínos
e de aves.
Alguns países dispõem de dados confiáveis: nos Estados Unidos o registro em 1978
foi de 80 mortes por Botulismo e, na Argentina, em 1974, 26 mortes.
No Brasil, em 1958 foram comunicadas seis mortes numa mesma família, atribuídas ao
Botulismo, por ingestão de peixe em conserva de preparação caseira. Em 1981, outros dois
casos suspeitos, no Rio de Janeiro, por ingestão de um alimento de preparação industrial.
Entre 1997 e 1999 ocorreram alguns casos de Botulismo no Estado de São Paulo relacio-
nados à ingestão de palmitos em conserva.
A doença no homem
A intoxicação botulínica por alimentos é causada pelos tipos A,B,E e F.
O período de incubação é de 18 a 36 horas, entretanto, já foram registrados períodos
muito curtos, de poucas horas, ou ainda manifestação tardia, como 8 dias após a ingestão.
A sintomatologia pelos diferentes tipos de toxina botulínica é praticamente a mesma,
embora seja atribuída mortalidade maior à intoxicação pelo tipo A.
Os pacientes não apresentam febre, e sim sintomas gastrointestinais como náuseas,
vômitos, dores abdominais e, posteriormente, sintomas nervosos, como debilidade ou
paralisia descendente, dificuldade de visão e de deglutição, permanecendo presentes até
a morte a consciência e a sensibilidade. A morte é geralmente por parada respiratória.
As possibilidades de morte são altas, especialmente quando o período de incubação é de
poucas horas. Os pacientes que sobrevivem demoram muito tempo para chegar à recu-
peração total. Uma das pessoas que contraíram a doença a partir da ingestão de palmito
contaminado, uma jovem de 21 anos, permaneceu internada de fevereiro a agosto de
1997, tendo alta quase seis meses depois do início dos sintomas. Ela apresentou paralisia
total da musculatura e conseguiu recuperar-se completamente.
Nos casos de Botulismo Infantil, se inicia por constipação seguida de fraqueza, perda
de apetite, tosse, dificuldade de deglutição, fraqueza muscular e falta de controle muscu-
lar da cabeça. Existe paralisia dos nervos cranianos, da musculatura periférica e respira-
tória até por terminar com a morte da criança. É atribuída ao Botulismo a morte súbita
de muitos lactentes. O Botulismo por feridas, quanto à sintomatologia nervosa, é pratica-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 4 9
mente idêntico aos anteriores.
A doença nos animais
A doença nos mamíferos domésticos é devido aos tipos C e D e nas aves, ao tipo C.
Nos bovinos, nos países da América Latina, o Botulismo é relativamente freqüente e se
associa à deficiência de fósforo. O Clostridium botulinum prolifera com facilidade em
ossos resultantes de cadáveres abandonados no campo, onde a bactéria excreta a toxi-
na. Estes ossos são roídos por bovinos deficientes em sais minerais que apanham a
doença dessa maneira. Os bovinos são muito suscetíveis à toxina botulínica, manifestan-
do-se a doença por paralisia parcial ou completa dos músculos da locomoção, mastigação
e deglutição. Os animais apresentam dificuldade de locomoção, permanecem durante
muito tempo imóveis ou deitados e, com o progredir do Botulismo, o animal não conse-
gue levantar a cabeça, levando à letalidade de praticamente 100% dos animais.
Os ovinos e os eqüinos também são suscetíveis à doença e a sintomatologia é seme-
lhante à dos bovinos.
O Botulismo nas aves se manifesta por paralisia das asas, estendendo-se a outros
músculos e, finalmente, aos do pescoço, mantendo-se, especialmente nos casos das
galinhas, como que sentadas, apoiando o bico no solo. A doença em galinhas não é rara
em nosso país, principalmente em frangos criados no chão, onde as fezes empastadas
dos animais junto à cama, criam condições para a proliferação do Clostridium botulinum
geralmente do tipo C, e as aves se intoxicam pela ingestão destas fezes misturadas a
restos de alimentos.
Controle
No referente ao homem, o controle consiste num rigor na regulamentação e inspeção
do envasamento dos alimentos e na educação sanitária quanto ao risco de consumo de
conservas de fabricação caseira ou de gosto alterado. Os pacientes portadores de
Botulismo devem ser tratados com urgência com soro anti-botulínico apropriado ao tipo
de toxina responsável pela intoxicação.
No Botulismo animal, como medida preventiva, é recomendada a administração de
suplementos contendo fosfato e a vacinação contra o Botulismo dos plantéis onde a
doença ocorre.
Bibliografia consultada e recomendada
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Brucelose
Kathia Brienza Badini Marulli
A Brucelose no homem também é chamada de Febre Ondulante, Febre de Malta e
3 5 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Febre do Mediterrâneo e, nos animais, Aborto Contagioso, Aborto Epizoótico ou Doen-
ça de Bang. Tem como agente causador uma bactéria, do gênero Brucella, com seis
espécies conhecidas: B. melitensis, B. suis, B. neotomae, B. ovis e B. canis. As três
primeiras ainda se dividem em biotipos.
A doença nos animais
A Brucelose é doença de grande importância em Medicina Veterinária, pois compro-
mete várias espécies animais, como os bovinos, nos quais o agente de maior importância
é a Brucella abortus, sendo a manifestação mais notória o aborto na segunda metade
da gestação, geralmente com retenção de placenta, podendo ser seguida de metrite e
infertilidade permanente e com conseqüente diminuição da produção leiteira. Após acon-
tecer o primeiro ou o segundo aborto, as vacas chegam a parir normalmente, mas po-
dem-se observar natimortos, ou ainda, recém-nascidos fracos, portadores da doença. É
interessante observar que a suscetibilidade à doença varia, isto é, nem todos os animais
apanham a doença; no entanto, é mantida na criação e se manifesta quando houver ou
forem introduzidos animais suscetíveis.
O touro também é comprometido, localizando-se a bactéria nos testículos e glândulas
genitais anexas, provocando o aumento do volume de um ou ambos testículos e, posteri-
ormente, levando à atrofia do testículo comprometido e, como resultado final, à esterili-
dade do macho.
É estimada na América Latina uma perda anual de aproximadamente 600 milhões de
dólares devido à Brucelose. No Brasil, a doença é observada em todos os Estados da
Federação. Na região de Marília, dificilmente é encontrada uma propriedade onde não
exista o problema, embora com reduzido comprometimento. A Brucelose bovina é de
distribuição mundial e somente foi erradicada na Finlândia, Noruega, Suécia, Dinamar-
ca, Holanda, Bélgica, República Federal da Alemanha, Áustria, Hungria, Checoslováquia,
Romênia e Bulgária. A Inglaterra, Irlanda, Polônia, Canadá, Estados Unidos, Cuba, Pa-
namá, Austrália e Nova Zelândia estão erradicando a moléstia. A América Latina não
possui programa de controle da doença e é impossível avaliar a extensão do problema.
Compromete com maior freqüência o gado leiteiro. A fonte principal de contaminação
bovina são as descargas vaginais contendo grande quantidade de Brucelas. Em grau
menor, podem contribuir à contaminação do campo as fezes de bezerros que se alimen-
tam com leite contaminado. O pasto, a forragem e a água contaminados podem resultar
em fonte de contaminação quando ingeridos. O hábito das vacas de lamber as membra-
nas fetais, fetos, recém-nascidos ou, ainda, os órgãos genitais de outras vacas, contribui
também para a transmissão da Brucelose. A inseminação natural e artificial, quando
utilizados portadores da moléstia, também são responsáveis pela transmissão da doença.
Nos suínos, o agente causal é a B. suis e, assim como nos bovinos, as vias principais
de transmissão são a digestiva e a venérea. Com freqüência a introdução de um reprodutor
doente é a causa da disseminação da doença no plantel. É possível que nos suínos a
infecção por aerossóis através da via respiratória e, ainda, a via conjuntival desempe-
nhem papel relevante.
Nos caprinos e ovinos, a infecção pela B. melitensis ocorre de modo similar aos
bovinos. A Brucella ovis também compromete o rebanho caprino e ovino.
A infecção dos cães pela Brucella canis acontece por meio de contato com secre-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 5 1
ções vaginais, fetos e membranas fetais. Os machos infectados transmitem a doença às
fêmeas no momento da cobertura. O leite de cadelas portadoras também poderá repre-
sentar papel importante na transmissão da doença. Existem aproximadamente 30 casos
humanos por Brucella canis na literatura internacional contraídos possivelmente pela
exposição do homem a abortos recentes.
Os eqüinos também podem ficar infectados pela Brucella abortus e Brucella suis,
apresentando a doença chamada “Mal da cernelha”.
Outros animais, como os gatos, podem apresentar Brucelose de maneira esporádica
pela Brucella abortus, B. suis e B. melitensis. Em animais silvestres, a infecção brucélica
já foi assinalada em ratos pela Brucella neotomae; em lebre pela Brucella suis; em
raposas e furão, pela Brucella abortus e suis e ainda foi relatado em antílope e vison
americano. As Brucellas também foram isoladas de artrópodes como carrapatos, em-
bora o papel que possam representar na transmissão da moléstia seja de caráter secun-
dário. As aves também representam papel sem maior importância, embora tenham sido
isoladas amostras de Brucella de aves domésticas, em casos de infecção inaparente ou
apresentando perda de peso, queda de postura ou diarréia.
Diagnóstico nos animais
Na Clínica Veterinária, o isolamento em laboratório do agente causador da Brucelose
é um dos métodos para confirmar o diagnóstico, embora do ponto de vista da Medicina
Preventiva o diagnóstico sorológico seja o mais indicado.
Os levantamentos epidemiológicos por meio das reações de aglutinação,
complementados pelas de fixação de complemento, hemólise indireta, imunoenzimática,
imunodifusão radial, mercapto - 2 - etanol e a de rivanol, são feitos em criações, princi-
palmente de bovinos e suínos, contribuindo para o controle da Brucelose nos animais. A
interpretação dos resultados deve ser criteriosa e o seguimento dos rebanhos absoluta-
mente indispensável. Os animais com Brucelose devem ser sacrificados. A vacinação
sistemática de bovinos com a vacina B 19, excluindo-se os machos, deverá ser obrigató-
ria. A falta de conscientização de muitos criadores e a ausência de uma ação efetiva das
autoridades do setor são responsáveis pela perpetuação da Brucelose na América Lati-
na.
A doença no homem
O homem adquire a infecção dos animais por contato direto ou indiretamente, pela
ingestão de produtos de origem animal ou, ainda, pela inalação de aerossóis infectantes.
Existem grupos de risco de ocupação profissional como a de tratadores de animais prin-
cipalmente de suínos, pois a incidência predominante da moléstia no homem no Brasil é
pela Brucella suis e, a seguir, pela Brucella abortus. São incluídos na população de
risco os trabalhadores de matadouros e médicos veterinários. O homem geralmente
contrai a moléstia ao manipular fetos e membranas fetais e ao entrar em contato com
secreção vaginal, excretas e produtos provenientes de animais infectados. O
microorganismo penetra através de soluções de continuidade da pele e também quando
se levam as mãos contaminadas até as conjuntivas. O homem também pode adquirir a
enfermidade de caprinos e ovinos contaminados.
Queijo fresco, leite cru e produtos lácteos de vaca e de cabra portadoras da doença
3 5 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
podem conter Brucella sp. Os leites acidificados, cremes e manteigas ácidas e queijos
fermentados conservados por mais de três meses dificilmente representam fonte de
contaminação. O leite deverá ser pasteurizado ou fervido.
O homem é suscetível à infeção pela B. melitensis, B. suis, B. abortus e B. canis. O
período de incubação é geralmente de uma a três semanas e, excepcionalmente, de
vários meses. É uma doença de caráter septicêmico apresentando febre contínua, inter-
mitente ou irregular. Na Brucelose aguda, como em outras doenças febris, os sintomas
consistem em calafrios, sudorese e elevação térmica. Um sintoma freqüente é a astenia,
cansaço ao menor esforço. A temperatura pode variar de normal, pela manhã, até 40º C
à tarde e os suores se apresentam à noite. É acompanhado de insônia, impotência sexu-
al, constipação, falta de apetite, dor de cabeça e dores generalizadas, irritação, nervosis-
mo e depressão.
Muitos pacientes apresentam os gânglios aumentados de volume e aumento de volu-
me do baço e do fígado. A doença pode se prolongar por algumas semanas, meses ou
ainda durante alguns anos. Podem ser observadas ainda complicações sérias como
encefalite, meningite, neurite, artrite e endocardite. Existe tratamento médico.
Como medidas preventivas para a população de alto risco podemos citar práticas de
higiene pessoal, o uso de desinfetantes e vestimentas protetoras. Na Rússia e na China
é utilizada como medida preventiva a vacinação desta população de risco com a vacina
19 BA de B. abortus (derivada da cepa 19 usada em bovinos), aplicada por escarificação
da pele. Na China também é usada para a vacinação humana a vacina viva de virulência
atenuada da cepa de B. abortus 104M, pela via percutânea, e ainda, na Rússia e na
França, com bons resultados, frações antigênicas de Brucella sp. Considerando-se que
os animais são os reservatórios da doença, o controle da doença nas populações animais
repercutirá favoravelmente na erradicação da Brucelose no homem.
Bibliografia consultada e recomendada
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Campilobacteriose
Bruno Soerensen
O gênero Campylobacter é de grande importância em Saúde Pública. São germes
Gram-negativos de forma curva ou em espiral. São duas espécies patogênicas, o
Campylobacter jejuni e o Campylobacter fetus. O Campylobacter jejuni tem gran-
de interesse médico pois é causador de enterite. Entretanto, os quadros clínicos determi-
nados pelas duas espécies, C. jejuni e C. fetus, são diferentes. Esta doença é de distri-
buição mundial.
O Campylobacter jejuni é responsável por uma enterite chamada também vibriônica.
O Campylobacter coli ocasionalmente também causa enterite, especialmente no ho-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 5 3
mem, mas é de importância secundária. O gênero Campylobacter compreende deze-
nas de sorotipos e a tipificação é de importância do ponto de vista epidemiológico, por-
que separa rastreamento da fonte de infecção.
O Campylobacter fetus é responsável por infertilidade em bovinos e por aborto
epizoótico em ovinos, com duas subespécies, a fetus (intestinalis) e a subespécie
venerealis. As duas espécies de Campylobacter são de distribuição mundial.
Campylobacter jejuni
Esta espécie é responsável por enterite e diarréia no homem, especialmente nos
países desenvolvidos, onde a incidência é comparável à enterite pelo gênero Salmonella
ou ainda é superior. Na Inglaterra foi constatado que 20% dos casos de enterite estavam
relacionados à Campilobacteriose, embora também o agente possa ser isolado de pesso-
as sem diarréia. As epidemias de maior importância tiveram como fonte de contamina-
ção o leite e a água contaminada. A doença compromete especialmente as crianças nos
meses de temperatura elevada, sendo os mamíferos e aves domésticas e silvestres o
reservatório de maior importância do ponto de vista da Saúde Pública.
A doença no homem
Se manifesta por enterite de caráter agudo, com um período de incubação de dois a
cinco dias.
As manifestações clínicas são diarréia, febre, dor abdominal, vômito e sangue e muco
nas fezes em número elevado de pacientes. De maneira geral os pacientes se recupe-
ram num período de 10 dias. Há casos que simulam apendicite e outros podem levar à
septicemia, meningite e aborto.
A doença nos animais
Os bovinos, especialmente bezerros, apresentam sintomatologia comparável à do
homem. Foram observados casos de mastite. Em ovinos podem ocorrer abortos no fim
da gestação e/ou nascem bezerros mortos ou muito fracos.
Os cães e gatos podem apresentar diarréia e servem como fonte de contaminação
para seus donos. Macacos e potros também podem ser comprometidos pela
Campilobacteriose. Nas aves pode-se observar enterite, lesões hemorrágicas e necróticas
no fígado e diminuição da produção de ovos. Em suínos e búfalos também foi observada
a doença.
Diagnóstico e controle
Na fase inicial da doença pode-se isolar o Campylobacter do sangue e, posterior-
mente, das fezes. Há necessidade do cultivo em meios seletivos incubando-se numa
atmosfera de 5% de oxigênio, 10% de C02
e 85% de nitrogênio, de preferência a uma
temperatura de 43º C. O diagnóstico sorológico pela imunofluorescência é de utilidade.
Quanto à prevenção da doença, recomenda-se evitar o consumo de água não trata-
da, de leite não pasteurizado ou ainda o consumo de frangos não suficientemente cozi-
dos. Os cães e gatos apresentando diarréia se constituem em fonte de contaminação e,
portanto, devem ser aplicadas medidas de higiene como:
1 - Manter os animais em boas condições de saúde, isolar os doentes, tratá-los ade-
3 5 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
quadamente e manter as crianças afastadas dos animais doentes.
2 - Evitar que os animais habitem dentro das casas.
3 - Recolher ou enterrar as fezes dos animais, jogar no vaso sanitário ou em local
onde as crianças não tenham acesso.
4 - Evitar que os animais freqüentem área onde brincam crianças, especialmente as
mais novas.
5 - Impedir que os animais comam no mesmo prato que é usado pelas pessoas, ou
que contaminem mesas ou locais onde são preparados os alimentos.
6 - Recomendar às crianças que sempre lavem as mãos antes das refeições ou antes
de tocarem em alimentos (frutas entre outros), especialmente após terem brincado com
animais.
Campylobacter fetus
Este microorganismo é responsável, como foi referido anteriormente, por problemas
da reprodução, especialmente em bovinos e em ovinos.
A doença no homem
Independentemente de sua ocorrência rara, aparentemente não parece repre-
sentar problemas de Saúde Pública. A Campilobacteriose no homem se encontra
associada a fatores predisponentes que levam a uma queda de resistência como
gestação, alcoolismo crônico, neoplasias e doenças cardiovasculares. Tem-se isola-
do o Campylobacter fetus de gestantes, crianças prematuras e pessoas com mais
de 45 anos de idade. A Campilobacteriose pode ocasionar no homem processos
septicêmicos, podendo nestes casos ser isolado o Campylobacter do sangue circulante,
quando colhido no periodo febril. Também foi isolado do líquido sinovial, do líquor e
de fezes de pacientes com enterite aguda.
A doença nos animais
Nos bovinos e ovinos a doença pode causar grandes perdas por infertilidade e abor-
tos.
A Campilobacteriose causada pelo Campylobacter fetus variedade venerealis é a
de maior importância nos bovinos, sendo de interesse secundário o Campylobacter
fetus variedade fetus, invertendo-se esta importância em ovinos. Nos bovinos causa a
infertilidade epizoótica.
Fonte de infecção e transmissão
A fonte de contaminação para o homem está constituída pelos animais infectados e
se adquire o agente por ingestão de alimentos e água contaminada.
A fonte de infecção para os bovinos são os touros portadores e as fêmeas que podem
se manter infectadas de uma a outra parição. Os fetos abortados e as descargas vagi-
nais de bovinos e ovinos se constituem também em fonte de contaminação. As fezes e
os pastos contaminados também são de importância mas, sem dúvida alguma, é uma
doença que se transmite pelo contato sexual, incluindo-se a inseminação artificial.
Diagnóstico e controle
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 5 5
O método de diagnóstico laboratorial é idêntico ao da Campilobacteriose pelo
Campylobacter jejuni, incluindo-se como material de isolamento o corrimento vaginal,
fetos e envoltórios abortados, secreção prepucial e líquido seminal.
Quanto à doença no homem, os dados disponíveis ainda não autorizam recomenda-
ções e medidas de controle. Nos animais, a melhor maneira de prevenir a doença é a
inseminação artificial utilizando-se sêmen proveniente de animais não portadores. As
vacinas somáticas adicionadas de adjuvantes são úteis especialmente em ovinos. O des-
tino sanitário imediato de fetos e envoltórios abortados, o isolamento de ovelhas que
abortaram e a proteção da água são medidas recomendáveis.
Bibliografia consultada e recomendada
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Carbúnculo
Kathia Brienza Badini Marulli
O Carbúnculo, também chamado de Antrax, Pústula Maligna e Carbúnculo Hemático,
tem como agente causador uma bactéria, o Bacillus anthracis. A doença é de distribui-
ção mundial e é considerada uma zoonose, uma vez que compromete o homem e os
animais, principalmente bovinos, ovinos e caprinos.
Nos países de economia avançada, a moléstia é de ocorrência rara, em conseqüência
do controle da doença nos animais. Os casos relatados se relacionam à importação de
subprodutos de origem animal contaminados, como couros, lãs e crinas.
O Carbúnculo humano, portanto, é mais freqüente em áreas enzoóticas, em países
em desenvolvimento e, especialmente, em pessoas que trabalham com gado, consomem
carne mal cozida proveniente de animais doentes, manipulam animais doentes, ou ainda,
em trabalhadores que negociam ou processam lã, pêlo de caprinos e couros.
Ainda ocorrem surtos epidêmicos de Carbúnculo no homem, como no Haiti, onde
entre os anos de 1973 a 1977 ocorreram 1.587 casos. Na Rússia, ao redor de 1.000
pessoas faleceram de Carbúnculo decorrente possivelmente da ingestão de carne de
animais doentes, provenientes de abate clandestino. Nestes casos, foi observado um
quadro clínico gástrico, já assinalado em outra oportunidade na Ásia, na África e mesmo
na América.
A doença no homem
A doença no homem apresenta um período de incubação de 2 a 5 dias, observando-
se três formas clínicas: a cutânea, a pulmonar e a gastro-intestinal. A cutânea é a mais
freqüente, devido ao contato com animais mortos por Carbúnculo ou ainda com lã e
couros contaminados (pincel de crina contaminado, usado para fazer barba, por exem-
plo). No local da pele lesada e contaminada observa-se prurido e, a seguir, uma pápula
3 5 6
SOERENSEN & BADINI MARULLI
que se transforma em escara deprimida e de cor preta. Esta lesão cutânea geralmente
não causa muita dor, contribuindo este fato a se evitar a consulta de um médico. Entre-
tanto, se o paciente não for tratado, a doença progride, levando a um processo septicêmico
e à morte em 5 a 20% dos casos.
A forma pulmonar decorre da inalação de esporos do Bacillus anthracis, especial-
mente em ambientes onde se manipulam lãs e pêlos de animais doentes. A sintomatologia
inicial pode ser confundida com uma infecção comum de vias respiratórias superiores;
entretanto, após 3 a 5 dias os sintomas pioram, observa-se febre e, posteriormente,
choque e elevada mortalidade.
Finalmente, o Carbúnculo intestinal é contraído pela ingestão de carne proveniente de
animais doentes abatidos de maneira clandestina. Nestes casos observa-se gastroenterite
hemorrágica, acompanhada de vômitos, causando uma letalidade que varia de 25 a 75%.
A bactéria Bacillus anthracis elabora uma toxina potente na qual se evidenciam três
frações: fator I, responsável pelo edema; fator II, responsável pela proteção (este fator
deverá estar contido nas vacinas destinadas à proteção contra a doença), e fator III,
também chamado de fator letal (responsável pela morte do paciente).
A doença nos animais
A doença compromete diversas espécies animais como os bovinos, caprinos, ovinos,
eqüinos e, ainda, animais silvestres de zoológicos. A doença também já foi relatada em
cães e suínos.
A sintomatologia nos animais é a seguinte: na forma aguda em bovinos e ovinos,
observa-se febre alta, falta de ruminação, excitação seguida de depressão, dificuldade
respiratória, incoordenação de movimentos, convulsão e morte. Pode-se observar ainda
hemorragia pelos orifícios naturais e edemas em locais diferentes. A forma crônica,
mais freqüente em bovinos, eqüinos e cães, apresenta edema da faringe e da língua,
acompanhado freqüentemente de espuma sanguinolenta na boca e, a seguir, morte por
asfixia. Nos suínos, pode-se observar o Carbúnculo intestinal.
À necrópsia, nos casos de manifestação aguda, observa-se a presença de sangue
nas aberturas naturais. A decomposição é rápida, com produção de gás. A rigidez cada-
vérica é incompleta. Hemorragias nos órgãos internos; esplenomegalia, com coloração
escura e consistência mole ou semi-fluída; fígado, rins e linfonodos congestos e aumen-
tados de volume, contendo sangue preto geralmente não coagulado.
Os animais geralmente contraem a moléstia pela ingestão de capim e água contami-
nados pelo Bacillus anthracis, especialmente em campos onde não foram tomadas
medidas para se evitar a disseminação da doença, e que se transformam nos chamados
“Campos Malditos”, onde existe de maneira permanente o Carbúnculo. Isto decorre do
abandono no pasto de cadáveres de animais que morrem de Carbúnculo ou, ainda, da
abertura desses animais, contaminando o ambiente, somado à ação das chuvas que le-
vam os esporos a lugares de maior declive. Estes esporos germinam e a bactéria se
multiplica. Os animais pastando se contaminam e adquirem a doença. Estas bactérias
também podem ser levadas à distância por animais, inclusive pelas aves.
Os surtos de maior gravidade são observados em verões secos após chuvas abun-
dantes. Outra fonte de contaminação para os animais consiste na administração de fari-
nhas de ossos e de sangue contaminadas, utilizadas na composição da alimentação ani-
mal.
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 5 7
Diagnóstico e controle
A confirmação do diagnóstico do Carbúnculo no homem e nos animais é feita por
meio de exame bacteriológico, inicialmente pelo exame microscópico do material (con-
teúdo líquido da lesão no homem e nos animais, líquido aspirado da pústula maligna e
sangue). Pode ser feita ainda a cultura do material e a inoculação experimental em
cobaia ou camundongo. A técnica de esfregaços de sangue diante de anticorpos fluores-
centes pode resultar em método útil.
A prova de Ascoli é de valor no exame de couros. Nos casos de Carbúnculo de
evolução lenta, podem ser de utilidade as provas de hemaglutinação indireta, imuno-
precipitação em ágar e a prova de Farr com antígeno marcado em iodo 131.
O controle da doença no homem tem como base a prevenção da infecção nos ani-
mais. Deve-se evitar o contato com animais infectados e produtos contaminados; pro-
mover a higiene ambiental e pessoal nos lugares onde se manipulam subprodutos de
origem animal; tratar as lesões cutâneas e, finalmente, desinfetar pêlos e lãs destinados
à comercialização. Os grupos populacionais de risco podem ser vacinados quando existe
indicação.
Nos animais, a melhor maneira de prevenir o Carbúnculo é por meio da vacinação
anual de todas as espécies onde foi assinalada a moléstia.
O diagnóstico precoce e o tratamento com antibióticos como a penicilina também são
recomendados. Os animais doentes devem ser isolados e, naqueles que vierem a morrer,
não se deve praticar a necrópsia. Se o cadáver não for aberto, entra em putrefação
rápida e a forma vegetativa do Bacillus anthracis é destruída em pouco tempo. O
diagnóstico laboratorial é feito colhendo-se sangue com seringa esterilizada e enviando
ao laboratório, onde serão realizadas a bacterioscopia e a cultura.
Os animais mortos devem ser incinerados no mesmo local onde morreram ou, então,
enterrados a dois metros de profundidade, cobrindo-se com cal.
Bibliografia consultada e recomendada
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Colibacilose
Bruno Soerensen
A Colibacilose recebe também o nome de diarréia enteropatogênica. O agente res-
ponsável é a Escherichia coli, da família Enterobacteriaceae. É um bacilo Gram-
negativo, considerado como componente da flora microbiana normal do intestino grosso
dos animais e do homem.
A Escherichia coli, entretanto, pode causar enterite, classificando-se em:
enterotoxigênicas, enteroinvasoras e enteropatogênicas. As cepas enterotoxigênicas ela-
3 5 8
SOERENSEN & BADINI MARULLI
boram dois tipos de toxinas, uma termolábil e outra termoestável. Estas cepas
enteroxigênicas, para poderem produzir toxinas, fazem uso de suas fímbrias, que entram
em contato com as células epiteliais. As características antigênicas das fímbrias, adap-
tadas a bezerros e cordeiros, são predominantemente K99 embora possa ser isolado
também outro grupo antigênico como K88 e 987P. Nos leitões, as famílias relacionadas
à Colibacilose Enterotóxica são K88, K89 e 987P e, no homem, CEFA1 e CFA2.
As enteroinvasoras invadem a mucosa determinando uma sintomatologia disentérica,
à semelhança da determinada pelas bactérias do gênero Shigella. Estas cepas de E.
coli multiplicam-se na mucosa intestinal, causando um processo inflamatório e colite.
Quanto às enteropatogênicas, o mecanismo pelo qual determinam diarréia não se
encontra bem esclarecido.
A Colibacilose é de distribuição mundial, prevalecendo nos países em desenvolvi-
mento.
A doença no homem
A Escherichia coli enterotoxigênica compromete preferentemente crianças com
menos de dois anos de idade. Tem sido relatada também em viajantes (“Diarréia do
viajante”) quando estes visitam áreas endêmicas, indicando uma possível imunidade da
população que vive nessas regiões.
As cepas de E. coli enteroinvasoras são de ocorrência rara podendo ser responsá-
veis por surtos de diarréia em adultos, em crianças em idade escolar e ainda em hospi-
tais. Nestes casos foi constatada estar relacionada à ingestão de água e de queijo conta-
minados.
Quanto às cepas de E. coli enteropatogênicas, são responsáveis por epidemia de
enterite infantil, sendo raro o seu isolamento de surtos na comunidade.
O período de incubação da Colibacilose é de 12 a 72 horas e, quando se trata de
cepas enterotoxigênicas de E. coli, pode se apresentar com sintomatologia semelhante à
Cólera, com diarréia intensa aquosa, cólicas abdominais, vômitos, acidose e desidrata-
ção. As fezes não contêm muco nem sangue e pode ou não haver febre. Esta
sintomatologia, de maneira geral, desaparece em questão de dois dias.
As cepas enteroinvasoras determinam um quadro clínico disentérico, com diarréia
mucóide, acompanhada ou não de sangue.
As cepas enteropatogênicas têm sua importância especialmente em berçários, pro-
vocando surtos da doença.
A E. coli, paralelamente à sua atividade entérica, é de importância como responsável
por infecções urogenitais.
A doença nos animais
A E. coli pode causar mastites, infecções urogenitais, abortos, independentemente
de outras patologias.
Diarréia dos bezerros (diarréia branca) é de caráter agudo e de elevada mortalidade,
comprometendo animais com menos de dez dias. Esta doença é comum em animais que
não receberam colostro, que é rico em anticorpos da classe IgM. Nas primeiras 36 horas
de vida, a mucosa intestinal do bezerro é permeável às imunoglobulinas, que penetram
na corrente sanguínea e protegem contra os germes do ambiente. Esta patologia é das
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 5 9
mais importantes, levando um número elevado de bezerros à morte por diarréia ou sep-
ticemia. Aqueles que sobrevivem podem apresentar artrite ou meningite.
A mastite por E. coli é de relativa freqüência em vacas velhas acompanhada de
processo febril, anorexia, interrupção da produção leiteira e perda de peso.
A doença foi assinalada também em cordeiros, manifestando-se por diarréia branca,
septicemia, sintomatologia nervosa, ascite e hidropericardite.
Em eqüinos, causa morte de recém-nascidos e abortos. Da mesma maneira, ocorre em
leitões, com as mesmas características da diarréia dos bezerros, considerando-se neste caso
a desmama como fator desencadeante, devido ao estresse que ocasiona.
Finalmente, foram isolados de aves sorotipos patogênicos de E. coli de casos de
salpingites e de pericardites. Foram verificadas em aves lesões granulomatosas no fíga-
do, no ceco, baço, medula óssea e pulmões. Estas lesões lembram Tuberculose, e delas
foram isoladas cepas mucóides de E. coli.
Fonte de infecção e transmissão
A principal fonte de contaminação para o homem são as fezes humanas de doentes
ou portadores da Colibacilose ou objetos contaminados, sendo a transmissão mais co-
mum por meio da via fecal-oral. Nos casos de diarréia em berçários pode-se admitir
uma transmissão aerógena pela permanência de bactérias no pó. Considerando-se que
existem cepas de E. coli similares comprometendo o homem e os animais, é possível
que determinados alimentos, como o leite, produtos derivados do leite e carne, possam
conter E. coli patogênicas.
Entre os animais, aqueles que apresentam diarréia, constituem importante fonte de
infecção. É possível ainda que cães e gatos doentes possam se constituir em reservató-
rios, principalmente para crianças.
Diagnóstico e controle
O diagnóstico da Colibacilose é feito pelo isolamento da Escherichia coli em meios
de cultura seletivos. Pelo método de ELISA pode-se pesquisar a existência da proteína
K99 em fezes de bovinos, a proteína K88 em fezes de suínos ou ainda a enterotoxina TL
em fezes humanas.
Para o controle da doença, recomenda-se a higiene pessoal, destino sanitário de
excretas, saneamento ambiental, higiene materno-infantil, proteção dos alimentos, pas-
teurização do leite e inspeção veterinária de produtos de origem animal.
Para controle na área veterinária, aconselha-se a ingestão de colostro e a vacinação
de vacas. A vacina para bovinos deve conter antígenos K99 e para suínos, antígeno
K88. No caso de ovelhas, vacinar com a vacina de antígeno K99. São estudadas as
possibilidades de uso humano de vacinas de administração oral, tanto com toxóides da
toxina termoestável e termolábil de E.coli toxigênicas, assim como aquelas contendo
fatores anti-adesivos (fímbrias purificadas).
Bibliografia consultada e recomendada
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
3 6 0
SOERENSEN & BADINI MARULLI
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Corinebacteriose
Bruno Soerensen
A Corinebacteriose tem como agente causador uma bactéria pertencente ao gênero
Corynebacterium com as espécies C. diphtheriae (agente da difteria humana) e as
espécies patogênicas para os animais, entre outras, a C. pseudotuberculosis (C.
kutsheri), C. kutscheri, C. equi, C. pyogenes e C. bovis. Independentemente das
espécies referidas, encontram-se algumas não patogênicas e ainda outros grupos de
Corinebactérias responsáveis por doenças em plantas. Recentemente foi atribuída
patogenicidade para o homem pela espécie C. ulcerans.
A doença no homem
Independentemente da difteria causada pelo Corynebacterium diphtheriae, doen-
ça que não compromete os animais, são raríssimos os casos de Corinebacteriose no
homem. São conhecidos somente 12 casos de infecção humana pelo C. equi (responsá-
vel por uma broncopneumonia altamente mortal em potros e que, nas éguas, pode causar
infecções uterinas), dos quais 11 pacientes se encontravam em tratamento com
imunodepressores. O comprometimento pulmonar foi o mais observado, com uma evo-
lução que durou de alguns dias a semanas, com febre, fadiga e tosse não produtiva. Em
um dos pacientes foram observados abscessos cerebrais múltiplos. A letalidade foi ele-
vada.
As infecções humanas pelo C. bovis (responsável por mastites em vacas e que pode
ser isolado com relativa frequência do leite), são extremamente raras, podendo causar
nefrite aguda, endocardite, afecção do sistema nervoso e otite crônica. Numa oportuni-
dade foi observado causando úlcera persistente na perna de um paciente.
Casos também esporádicos no homem podem ser observados pelo C.
pseudotuberculosis, por cepas intermediárias entre o C. pseudotuberculosis e o C.
ulcerans e ainda por outros, como uma cepa mutante do C. pyogenes, que podem ser
responsáveis por úlceras, linfadenites e amidalites. Estes microorganismos são também
responsáveis pela linfoadenite caseosa dos ovinos e caprinos, linfangite ulcerativa e abs-
cessos em eqüinos, especialmente pelo último deles, o C. pyogenes, que pode produzir,
em bovinos, abscessos e processos supurativos em diferentes órgãos e tecidos, endometrite,
piometra, artrite e mastite.
A doença nos animais
Contrariamente à reduzida importância desta moléstia na espécie humana, em Medi-
cina Veterinária se reveste de grande importância, como a Corinebacteriose pelo C.
pseudotuberculosis nos ovinos e caprinos determinando abscessos subcutâneos por
vezes localizados nos órgãos internos. Estes abscessos podem drenar espontaneamente
deixando sair um pus caseoso esverdeado. Nos eqüinos pode-se observar uma linfangite
ulcerativa nas regiões do metacarpo e metatarso falangeanas que, ao drenar, deixa sair
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 6 1
um pus espesso de cor esverdeada, dando lugar a um processo de difícil cicatrização.
Ainda em eqüinos, o C. pseudotuberculosis pode ser responsável por abscessos volu-
mosos e muito sensíveis no peito e nas regiões abdominal e inguinal. No Brasil foram
relatados, em camundongos, abscessos, geralmente localizados no subcutâneo, provoca-
dos pelo C. pseudotuberculosis (C. kutsheri).
O C. equi causa uma broncopneumonia bilateral supurativa e, como acima referido,
infecções uterinas em éguas.
O Corynebacterium pyogenes, independente de causar processos supurativos em
bovinos, é responsável, na Europa, pela “mastite do verão” e nos Estados Unidos e no
Brasil por mastite que ocorre em qualquer estação do ano. Na região de Marília, não é
raro se encontrar mastites em bovinos tendo como agente causador o C. pyogenes. Em
ovinos e caprinos pode ser responsável por pneumonia e artrites purulentas e, em suínos,
pode-se encontrar associado a diferentes processos purulentos.
Fonte de infecção e transmissão
A transmissão dos animais ao homem pode ser possível, embora isto não seja uma
hipótese necessária, uma vez que podem ser isoladas as Corinebactérias naturalmente
da terra. Já nos animais, a doença pode ser transmitida por ocasião da tosquia ou de
ferimentos. Nos camundongos, a doença se transmite por ferimentos causados na briga
de animais e pode-se isolar a Corinebactéria da saliva e da pele de animais normais.
Diagnóstico e controle
O isolamento da Corinebactéria pode ser feito em laboratório, no meio ágar sangue.
São bacilos Gram-positivos, com delicada granulação. Atualmente são usadas provas
sorológicas e cutâneas, com o objetivo de se detectar os animais portadores da doença.
No homem, o reduzido número de casos observados na literatura mundial não justifi-
ca nenhuma medida preventiva.
Nos animais, têm-se tentado vacinas preventivas; entretanto, até a presente data,
nenhuma apresentou resultado protetor. Devem-se evitar lesões em ovinos na oportuni-
dade da tosquia. As medidas higiênicas são recomendadas, especialmente contra a in-
fecção pelo C. equi, associadas à retirada de éguas prenhes de ambientes contamina-
dos.
Bibliografia consultada e recomendada
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Dermatofilose
Bruno Soerensen
Os principais responsáveis pela Dermatofilose são o Dermatophilus congolensis
3 6 2
SOERENSEN & BADINI MARULLI
com as espécies D. dermatonomus e D. pedis. É uma bactéria da ordem
Actinomycetales caracterizada por filamentos ramificados septados transversal e longi-
tudinalmente. Estes filamentos se fragmentam, quando maduros, deixando sair os esporos
flagelados, moveis, chamados zoosporas constituindo-se em elemento infectante.
A doença ocorre na África, Austrália, Nova Zelândia e nas Américas, podendo ser
considerada como de distribuição mundial.
A doença no homem
São raros os casos referidos no homem. Clinicamente se caracteriza por lesões
pustulosas múltiplas (2 a 25) nas mãos e no antebraço constituídas de exudato branco
amarelado deixando uma cavidade vermelha. As lesões evoluem num período de 3 a 14
dias, deixando uma escara vermelho-púrpura.
As principais referências da doença foram em 1961, em Nova York, Estados Unidos,
constatando-se em quatro pessoas que contraíram a doença após entrarem em contato
com um cervo portador de Dermatofilose. Logo a seguir num estudante da Universidade
de Kansas, Estados Unidos, três casos na Austrália e dois no Brasil.
A doença nos animais
Pode comprometer diversas espécies de animais domésticos e silvestres, mas com
maior freqüência os bovinos, ovinos e eqüinos especialmente nas regiões tropicais e
subtropicais.
A doença leva a perdas econômicas por afetar a qualidade do couro, da lã e peles de
maneira geral. Em países africanos foram registrados perdas em 16% (Kênia) e até
90% (Tanzânia) dos couros de bovinos. Na Inglaterra foi estimada uma perda de 20%
do valor comercial da lã. A doença também foi relatada em gatos domésticos, com um
comprometimento dos tecidos mais profundos, como na língua, bexiga e gânglios.
Fonte de infecção, transmissão e diagnóstico
O D. congolensis é um parasita obrigatório, sendo isolado somente das lesões.
Os casos humanos sempre foram relacionados ao contato direto com lesões de ani-
mais.
É possível que a transmissão entre animais seja devida ao transporte mecânico do
material infeccioso (zoosporas) por meio de artrópodes, incluindo-se carrapatos, moscas
e pernilongos que são mais freqüentes nas estações úmidas e quentes do ano. A trans-
missão pode acontecer também por meio de tesouras na oportunidade da tosquia.
Quanto ao diagnóstico, a suspeita clínica pode ser confirmada em laboratório
pela observação microscópica do agente etiológico em esfregaços corados pelo método
de Giemsa ou ainda pela imunofluorescência de esfregaços ou de cortes histológicos.
O isolamento do agente pode-se fazer no meio de ágar sangue, embora resulte difícil
devido às contaminações do material como exudatos e crostas. Os levantamentos
epidemiológicos podem ser feitos utilizando-se as provas de hemaglutinação passi-
va, imunodifusão em ágar e contra imunoeletroforese.
Controle
Para a prevenção da Dermatofilose no homem, recomenda-se evitar manipular le-
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 6 3
sões em animais sem proteção de luvas e especialmente redobrar o cuidado quando
existe solução de continuidade da pele das mãos.
Quanto aos animais, na África, foi demonstrado que o controle de carrapatos pode
prevenir eficazmente a Dermatofilose bovina.
No caso de ovinos, recomenda-se a tosquia dos animais doentes em separado e
queimar a lã comprometida.
São recomendados ainda banhos de imersão com 1% de alumem e, para os casos
crônicos, a administração de 70 mg de estreptomicina e 70.000 unidades de penicilina
pela via intramuscular dois meses antes da tosquia. Encontra-se em estudo uma vacina
preventiva contra a Dermatofilose.
Bibliografia consultada e recomendada
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Febre por mordedura de rato
Kathia Brienza Badini Marulli
Trata-se de enfermidade ocasional, provocada por dois agentes etiológicos distintos:
Streptobacillus moniliformis e Spirillum minus, ambos de ocorrência mundial.
A infecção causada por S. moniliformis recebe a denominação de Febre de Haverhill
e seu reservatório são os ratos sadios, que albergam o agente etiológico na nasofaringe.
A transmissão geralmente ocorre por meio da mordedura, porém foi descrito um
surto epidêmico devido ao consumo de leite cru, provavelmente contaminado com fezes
de ratos, em Haverhill, Estados Unidos da América.
A doença no homem
Dos 13 casos registrados nos EUA desde 1958, 6 foram devidos à mordedura de
ratos de laboratório e 12 foram causados por S. moniliformis.
Geralmente ocorrem casos esporádicos, que têm início febril, semelhante a uma gri-
pe. A incubação varia de 2 a 14 dias. A ferida no local da mordedura tem cura espontâ-
nea, sem complicações. Exantema, linfadenite regional, artralgias migratórias e mialgias
são comuns. Nos casos mais graves, observa-se poliartrite e pode ocorrer endocardite.
Em casos não tratados a mortalidade chega a 10%.
A doença nos animais
Os ratos às vezes apresentam lesões purulentas. Os camundongos são sensíveis à S.
moniliformis, apresentando altas morbidade e mortalidade e sintomas como poliartrite,
gangrena e amputação espontânea dos membros. Suspeita-se que camundongos de la-
boratório podem contaminar-se por via aerógena, quando alojados num mesmo ambiente
com ratos.
3 6 4
SOERENSEN & BADINI MARULLI
Em cobaias, pode desenvolver-se uma linfadenite cervical com abscessos dos gânglios
linfáticos da região. Foram descritos também surtos da doença em perus, cujo principal
sintoma foi artrite.
A Febre por mordedura de rato quando causada por Spirillum minus é também
conhecida como Sodoku. Esta enfermidade no homem é semelhante à anterior, sendo
que, neste caso, o período de incubação é geralmente maior, de uma semana a dois
meses.
A febre começa bruscamente, desaparece e retorna várias vezes, durante um a três
meses. Ocorre uma erupção exantemática generalizada que pode reaparecer a cada
ataque febril. A ferida ocasionada pela mordedura cicatriza no período de incubação,
apresentando uma infiltração edematosa e, muitas vezes, ulceração. Os linfonodos en-
contram-se hipertrofiados.
Em ratos, a infecção é inaparente e o agente pode ser isolado do sangue dos animais.
O reservatório da doença são os ratos e outros roedores. A saliva é a fonte de
contaminação para o homem e a transmissão se dá pela mordedura.
Existe a descrição de casos humanos devido à mordida de furões, cães, gatos e
outros carnívoros que possivelmente haviam-se contaminado ao apreender roedores e,
portanto, atuariam como transmissores mecânicos.
Diagnóstico
Para a enfermidade causada por S. moniliformis, deve-se isolar o agente em meios
enriquecidos com sangue ou soro, a partir do sangue ou de lesões articulares do indivíduo
suspeito.
No caso do Sodoku, deve-se proceder ao exame microscópico em campo escuro do
infiltrado da ferida. A inoculação intraperitoneal de camundongos com sangue ou infiltrado
da ferida e a observação microscópica do sangue e líquido peritoneal duas semanas após
a inoculação oferecem um diagnóstico bastante seguro. O Spirillum minus não se de-
senvolve em meios de cultura.
Controle
Controle da população de ratos e construção de habitações à prova destes animais.
No caso da Febre de Haverhill, recomenda-se a pasteurização do leite e proteção dos
alimentos contra roedores.
Ratos, camundongos e cobaias de laboratório devem ser alojados em ambientes dife-
rentes e o pessoal encarregado deve receber instruções sobre o manejo adequado dos
animais.
Bibliografia consultada e recomendada
ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no
503).
VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
Febre recorrente transmitida por carrapatos
MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA
3 6 5
Kathia Brienza Badini Marulli
Também denominada Febre Recorrente Endêmica, Borreliose ou Espiroquetose, é
causada por espiroquetas do gênero Borrelia.
Devido à especificidade que existe entre a espécie de carrapato transmissor e a
espécie de Borrelia que alberga, foi proposto classificar o agente etiológico segundo seu
vetor. Assim, o agente transmitido pelo Ornithodoros hermsii seria a Borrelia hermssi;
o veiculado pelo O. brasiliensis seria B. brasiliensis, etc...
Outros pesquisadores, entretanto, afirmam que todas as cepas são apenas variantes
de uma única espécie, Borrelia recurrentis, agente da Febre Recorrente Epidêmica,
transmitida por piolhos.
A enfermidade ocorre em todo o mundo, exceto na Austrália, Nova Zelândia e Oceania.
Transmissão
O reservatório das borrelias da Febre Recorrente Endêmica são os animais silvestres e
os carrapatos do gênero Ornithodoros, que também são os vetores da infecção.
As borrelias sobrevivem muito tempo nos carrapatos que, por sua vez, são muito
resistentes à dessecação e a longos períodos de jejum em ambientes de pouca u
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública
Manual de saúde pública

Mais conteúdo relacionado

PPT
Geometria molecular
PPTX
5° AULA - Assistência de Enfermagem no PARTO-PUÉRPERIO.pptx
PPTX
Hipertensão
PDF
Coleta e preparo da amostra biológica SBPC/ML (2014)
PPTX
AULA 9 ENFERMAGEM EM OBSTETRÍCIA E PRÉ NATAL.pptx
PPTX
Slides Introdução à Contabilidade
PDF
Questões de farmacologia (dissertativas e objetivas) [pré teste fcms]
PPT
Patologia geral
Geometria molecular
5° AULA - Assistência de Enfermagem no PARTO-PUÉRPERIO.pptx
Hipertensão
Coleta e preparo da amostra biológica SBPC/ML (2014)
AULA 9 ENFERMAGEM EM OBSTETRÍCIA E PRÉ NATAL.pptx
Slides Introdução à Contabilidade
Questões de farmacologia (dissertativas e objetivas) [pré teste fcms]
Patologia geral

Mais procurados (20)

PPTX
Gonorreia
PPT
Diagnósticos de Enfermagem: Uso das Taxonomias (NANDA, NIC, NOC e CIPE)
ODP
Aula 8 epidemiologia das doenças e agravos não transmissíveis
PPT
Saude da mulher
PPTX
Aula Programa Nacional de Imunizacao
PPT
Aula 2 coleta de material para exames laboratoriais.
PPTX
Imunização vacinas.pptx
PDF
Imunidade ativa e passiva
PPTX
Helmintos - Enfermegem
PPTX
Seminário sobre Helmintos
PPT
Incontinência Urinária e Fecal
PPT
Apresentacao técnico em enfermagem
PPTX
Fundamentos em enfermagem.pptx
PDF
Aula 01 Introdução a Microbiologia
PPTX
Promoção da saúde
PPTX
PDF
Sondagem gastrointestinal
PDF
Aula Introdutória de Saúde Coletiva
Gonorreia
Diagnósticos de Enfermagem: Uso das Taxonomias (NANDA, NIC, NOC e CIPE)
Aula 8 epidemiologia das doenças e agravos não transmissíveis
Saude da mulher
Aula Programa Nacional de Imunizacao
Aula 2 coleta de material para exames laboratoriais.
Imunização vacinas.pptx
Imunidade ativa e passiva
Helmintos - Enfermegem
Seminário sobre Helmintos
Incontinência Urinária e Fecal
Apresentacao técnico em enfermagem
Fundamentos em enfermagem.pptx
Aula 01 Introdução a Microbiologia
Promoção da saúde
Sondagem gastrointestinal
Aula Introdutória de Saúde Coletiva
Anúncio

Destaque (20)

DOC
Saúde pública – históricos e conceitos
PDF
Manual de saúde pública
PPTX
Saúde Pública aula 1
PDF
Veterinária
PDF
Bioterrorismo
PDF
Mod estrategias de_intervencao_psicopedagogica_v1
PDF
Manual saude publica pt
PDF
Apostila saude publica
PDF
Manual basico saude_publica
PDF
How to Make Awesome SlideShares: Tips & Tricks
PPT
Principios do sus
PPT
El Factor Religioso
DOC
Sus conhecimentos básicos de saúde pública
PDF
Origens da economia e gestão da saúde
PDF
Sp1 hupe-epidemio
PDF
Cartilha entendendo o sus
PPTX
Medicina veterinária
PDF
Mitos alimentares
PDF
1+aula+saúde+pública+e+epidemiologia
PDF
1.2.determinantes da saúde
Saúde pública – históricos e conceitos
Manual de saúde pública
Saúde Pública aula 1
Veterinária
Bioterrorismo
Mod estrategias de_intervencao_psicopedagogica_v1
Manual saude publica pt
Apostila saude publica
Manual basico saude_publica
How to Make Awesome SlideShares: Tips & Tricks
Principios do sus
El Factor Religioso
Sus conhecimentos básicos de saúde pública
Origens da economia e gestão da saúde
Sp1 hupe-epidemio
Cartilha entendendo o sus
Medicina veterinária
Mitos alimentares
1+aula+saúde+pública+e+epidemiologia
1.2.determinantes da saúde
Anúncio

Semelhante a Manual de saúde pública (20)

PDF
Dicionário da Educação Profissional em Saúde
PDF
Dicionario Educaçao Profissional
PDF
Finkelman jacobo(org.)
PDF
Caminhos da saude publica no brasil
PDF
PDF
Uso seguro-medicamentos
PDF
Medica seguros coren
PDF
MANUAL CLÍNICO E DE ACUPUNTURA MÉDICA PARA TRATAMENTO DA SÍNDROME PÓS-COVID-19
PDF
10360101112016 introducao a_saude_publica_aula_01
PDF
Tratado de Fisiologia Médica.pdf
PDF
Anais jornada med i ntensiva 2016
PDF
Livro saberes saude coletiva
PDF
Urofisioterapia-BR.pdf
PDF
E sample-wold
PDF
Curso apoio matricial na atenção básica - nasf
PDF
Livro texto fio cruz
PDF
Aleitamento: 5a turma de Especialização - Passo 1 SP
PDF
Urologia fundamental
PDF
Caminhos da saude publica no brasil (organização)
Dicionário da Educação Profissional em Saúde
Dicionario Educaçao Profissional
Finkelman jacobo(org.)
Caminhos da saude publica no brasil
Uso seguro-medicamentos
Medica seguros coren
MANUAL CLÍNICO E DE ACUPUNTURA MÉDICA PARA TRATAMENTO DA SÍNDROME PÓS-COVID-19
10360101112016 introducao a_saude_publica_aula_01
Tratado de Fisiologia Médica.pdf
Anais jornada med i ntensiva 2016
Livro saberes saude coletiva
Urofisioterapia-BR.pdf
E sample-wold
Curso apoio matricial na atenção básica - nasf
Livro texto fio cruz
Aleitamento: 5a turma de Especialização - Passo 1 SP
Urologia fundamental
Caminhos da saude publica no brasil (organização)

Mais de André Fidelis (7)

PDF
Psoríase » sbd sociedade brasileira de dermatologia
PDF
Apostila de clínica cirúrgica
PDF
Cipe versão 2.0 - enfermagem
DOCX
Apost sistema tegumentar humano parte 4
DOCX
Apost sistema esquelético parte 2
PPTX
Fisiologia do envelhecimento
PDF
Calendário vacinal atualizado
Psoríase » sbd sociedade brasileira de dermatologia
Apostila de clínica cirúrgica
Cipe versão 2.0 - enfermagem
Apost sistema tegumentar humano parte 4
Apost sistema esquelético parte 2
Fisiologia do envelhecimento
Calendário vacinal atualizado

Manual de saúde pública

  • 2. Manual de Saúde Pública
  • 3. Editora Arte & Ciência 1 9 9 9 BRUNO SOERENSEN KATHIA BRIENZA BADINI MARULLI Manual de Saúde Pública E D I T O R A
  • 4. Editora Arte & Ciência Rua dos Franceses, 91 – Bela Vista São Paulo – SP - CEP 01329-010 Tel/fax: (011) 253-0746 Internet:http://www.arteciencia.com.br © 1999, by Autores Direção geral Henrique Villibor Flory Editor e capa Aroldo José Abreu Pinto Ilustração de contra-capa Mulher em um interior de Fernand Léger Diretora Administrativa Luciana Ap. Wolf Zimermann Abreu Editoração Eletrônica e Projeto Gráfico Rejane Rosa Revisão Letizia Zini Antunes Marcela Cristina de Souza Catalogação na fonte: Universidade de Marília Biblioteca Central “Zilma Parente” Índice para catálogo sistemático: Medicina preventiva 614.44 Epidemiologia 614.44 Zoonoses 614.56 Soerensen, Bruno Manual de saúde pública / Bruno Soerensen, Kathia Brienza Badini Marulli - Marília: UNIMAR; São Paulo : Arte & Ciência, 1999. p.494; 27cm – ISBN: 85-7473-012-2 I. Soerensen, Bruno II. Marulli, Kathia Brienza Badini III. Manual de saúde pública IV. Saúde pública CDD – 614 S618m E D I T O R A Editora UNIMAR Av. Higyno Muzzy Filho, 1001 CEP 17525-902 Tel/Fax: (014) 433-8088 / 433-8691 Internet:http://www.unimar.com.br
  • 5. BRUNO SOERENSEN Diretor do Instituto de Pesquisa e Tecnologia da Universidade de Marília – UNIMAR Professor Titular da Disciplina de Microbiologia do Curso de Medicina da Universi- dade de Marília – UNIMAR. Professor Titular da Disciplina de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Marília – UNIMAR. Ex-Diretor da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade de Marília – UNIMAR. Ex-Diretor Geral do Instituto Butantan – São Paulo. Ex-Diretor da Divisão de Microbiologia e Imunologia do Instituto Butantan – São Paulo. Ex-Diretor dos Serviços de Bacteriologia e de Controle e Técnicas Auxiliares do Instituto Butantan – São Paulo. Pesquisador Científico Nível VI. Carreira de Pesquisador Científico do Estado de São Paulo. Ex-Professor Titular das Disciplinas de Microbiologia e Imunologia I e II, Criação e Exploração de Animais de Laboratório e Epidemiologia e Saneamento Aplicado do Cur- so de Medicina Veterinária da Universidade de Marília – UNIMAR. Ex-Professor Titular das Disciplinas de Laboratório Clínico Veterinário e Higiene Veterinária e Saúde Pública da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu – UNESP. Ex-Professor Titular da Disciplina de Laboratório Clínico da Faculdade de Medicina de Itajubá – Minas Gerais. Ex-Instrutor da Cadeira de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina Veteri- nária da Universidade de São Paulo – USP. KATHIA BRIENZA BADINI MARULLI
  • 6. Mestre em Medicina Veterinária Preventiva pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Jaboticabal (SP). Especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina da UNESP – Campus de Botucatu (SP). Professora Titular das Disciplinas de Epidemiologia e Saneamento Aplicado e Imunologia do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Marília – UNIMAR. Professora Assistente das Disciplinas de Microbiologia I e II e Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Marília – UNIMAR. Ex-Professora Titular da Disciplina de Epidemiologia do Curso de Medicina da Uni- versidade de Marília – UNIMAR. Ex-Diretora do Núcleo de Controle de Zoonoses do Serviço de Saúde de São Vicente – SESASV. Ex-Diretora do Núcleo de Vigilância Sanitária do Serviço de Saúde de São Vicente – SESASV. Ex-Membro da Equipe Técnica de Vigilância Sanitária do Escritório Regional de Saúde de Botucatu – Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Ex-Chefe da Casa da Agricultura de Buri – Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo. Dedicatórias
  • 7. 1 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI
  • 8. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 1 Ao Professor Euclydes Onofre Martins, antigo Diretor da Faculdade de Medicina Veterinária e Professor Catedrático de Anatomia Patológica da Universidade de São Paulo, meritoriamente Professor Emérito da Faculdade de Medicina Veterinária da Uni- versidade de São Paulo e Ex-Diretor da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (SP), pela competência e integridade de ação sempre demonstradas numa brilhante trajetória de administrador e de educador. Ao Professor Expedito Magalhães Ribeiro, pela luta incansável na sua formação científica iniciando-se como farmacêutico, nosso estagiário no Departamento de Patolo- gia Clínica do Hospital A. C. Camargo e como nosso estagiário na Divisão de Microbiologia e Imunologia do Instituto Butantan, São Paulo, como nosso aluno do Curso de Medicina e, finalmente, com uma brilhante administração, desta vez como Diretor da Faculdade de Medicina de Itajubá, M.G. Bruno Soerensen A meu marido, Enzo Marulli, pelo incentivo, compreensão, carinho e, principalmente, por me ensinar quais são as coisas realmente importantes na vida, dedico meu amor e esta obra. A meus filhos, Enrico e Giancarlo, na esperança de que entendam as horas que roubei de nossa convivência para dedicar-me aos estudos e ao trabalho. A meus pais, Esther e Joirdes Badini, que me proporcionaram as condições para me tornar a pessoa que sou. Kathia Brienza Badini Marulli Agradecimentos
  • 9. 1 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI
  • 10. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 3 À Organização Mundial da Saúde, pela autorização concedida para a utilização do livro Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales, de Pedro N. Acha e Boris Zsyfres, referência para as enfermidades citadas no Capítulo XIV desta obra; Ao Dr. Márcio Mesquita Serva, Magnífico Reitor da Universidade de Marília, pelo incentivo ao aprimoramento dos docentes da Instituição; À Professora Regina Lúcia Ottaiano Losasso Serva, Vice-Reitora da Universidade de Marília, pelas palavras de estímulo e amizade. Colaboradores Andréa Alves Soerensen
  • 11. 1 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI
  • 12. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 5 Enfermeira com Especialização em Saúde Pública, Chefe do Centro Cirúrgico do Hos- pital São Francisco de Ribeirão Preto (SP). Carlos Benedito de Almeida Pimentel Médico Cardiologista, Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Marília – UNIMAR – Marília (SP). Eugênio Raul de Almeida Pimentel Médico, Professor do Departamento de Dermatologia e Chefe da Cirurgia Dermatológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP). Jaime Newton Kelmann Médico Neurologista e Neurocirurgião. José Augusto Sgarbi Médico, Professor da Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Medicina de Marília – FAMEMA – Marília (SP). José Cezar Panetta Médico Veterinário, Professor Titular da Disciplina de Higiene dos Alimentos da Facul- dade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. – USP – São Paulo (SP). Supervisor de estágio em Psicologia Institucional da UNIBAN – São Paulo. Luís Carlos de Araújo Lima Psicólogo, Professor das Disciplinas de Ética e Psicologia Social da UNIBAN e UNICSUL – São Paulo (SP). Luiz Antonio Athayde Cardoso Médico do Departamento de Cirurgia Plástica da Universidade de Campinas – UNICAMP – Campinas (SP). Maria Cecília Bruno M. Oliveira Médica Dermatologista, Professora Titular da Disciplina de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Marília – UNIMAR – Marília (SP).
  • 13. 1 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Maria Cristina Rolim Baggio Médica, Professora das Disciplinas de Epidemiologia, Saúde Coletiva e Bioestatística da Faculdade de Medicina de Marília – FAMEMA – Marília (SP). Marlene Fragoso Nabarro Graduada em Ciências Jurídicas com Especialização em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP; Educadora da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo. Nádia Maria Gebelein Médica Anestesiologista, Gerente do Bandeirantes Emergências Médicas de São Paulo. Roberto Soerensen Médico Infectologista, Diretor Operacional do São Francisco Resgate de Ribeirão Preto (SP). Sebastião Marcos Ribeiro de Carvalho Professor da Disciplina de Estatística da Universidade de Marília – UNIMAR – Marília (SP). Sérgio Antonio Nechar Médico, Professor da Disciplina de Cirurgia, Chefe de Cabeça e Pescoço e Professor da Disciplina de Oncologia da Faculdade de Medicina de Marília – FAMEMA – Marília (SP). Valéria Pereira Psicóloga, Professora Universitária e Supervisora de Estágios Clínicos da UNIBAN – São Paulo (SP). Coordenadora do centro de Psicologia Aplicada da UNIBAN – São Paulo (SP).
  • 14. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 7 Sumário Introdução ........................................................................................................................... 21 I – Noções de Epidemiologia .............................................................................................. 23 II – Elementos de Bioestatística ......................................................................................... 43 III – Saneamento ambiental ................................................................................................ 81 Água ............................................................................................................................... 82 Esgoto ............................................................................................................................ 87 Lixo ................................................................................................................................ 91 Poluição atmosférica...................................................................................................... 94 Contaminação ambiental por gases resultantes da combustão de veículos automotores94 Impacto ambiental causado por siderúrgicas e metalúrgicas ................................... 96 Roedores ........................................................................................................................ 98 Insetos .......................................................................................................................... 101 Carrapatos .................................................................................................................... 105 Morcegos ..................................................................................................................... 106 IV – Nutrição e Saúde Pública .......................................................................................... 111 Produção de alimentos .................................................................................................. 111 Situação nutricional nas Américas ...............................................................................119 V – Higiene de alimentos ................................................................................................... 123 Produtos hortícolas ..................................................................................................... 130 Leite .............................................................................................................................. 137 Carne ............................................................................................................................ 146 VI – Mortalidade infantil ................................................................................................... 163 Mortalidade infantil ...................................................................................................... 163 A importância do leite materno na prevenção de doenças ......................................... 171 VII – Uso abusivo de drogas ............................................................................................ 177 VIII – Saúde mental .......................................................................................................... 195
  • 15. 1 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI IX – Epidemiologia dos traumatismos ............................................................................. 209 Epidemiologia dos traumatismos................................................................................. 209 Repercussões sociais dos acidentes automobilísticos ............................................... 210 Características do atendimento pré-hospitalar.............................................................211 X – Epidemiologia das doenças não-transmissíveis ........................................................ 217 Cardiologia ................................................................................................................... 217 Neurologia .................................................................................................................... 224 Vasculopatias cerebrais oclusivas ............................................................................... 224 Endocrinologia ............................................................................................................. 245 Epidemiologia do câncer.............................................................................................. 253 Câncer cutâneo ............................................................................................................ 268 Dermatite ocupacional ................................................................................................. 270 XI – Imunoprofilaxia ........................................................................................................ 273 Noções de Imunologia ................................................................................................. 273 Imunoprofilaxia ............................................................................................................ 282 Por que falham as vacinas........................................................................................... 285 XII – Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo animais e seres humanos .......................................................................................................... 291 XIII – Principais enfermidades transmissíveis de importância em saúde pública ..........311 A saúde nas Américas: tendências atuais.....................................................................311 Conquistas da medicina e os novos problemas de saúde pública .............................. 314 1. Bacterioses .................................................................................................................. 318 Cólera ........................................................................................................................... 318 Coqueluche .................................................................................................................. 322 Difteria.......................................................................................................................... 323 Enfermidade de Lyme .................................................................................................. 325 Febre tifóide ................................................................................................................. 327 Meningites .................................................................................................................... 328 Sífilis ............................................................................................................................ 330 Tuberculose ................................................................................................................. 332 2. Viroses .......................................................................................................................... 336 Dengue ......................................................................................................................... 336 Febre amarela............................................................................................................... 338 Febre hemorrágica pelo vírus Ebola ........................................................................... 340 Gastroenterites por rotavírus ...................................................................................... 341 Hepatites virais ............................................................................................................. 343 Influenza....................................................................................................................... 344 Poliomielite ................................................................................................................... 345 Rubéola......................................................................................................................... 349 Sarampo ....................................................................................................................... 350 Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) ..................................................... 352 XIV – Zoonoses e enfermidades transmissíveis comuns ao homem e aos animais ...... 359 A saúde do homem depende em grande parte da saúde dos animais ........................ 359
  • 16. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 9 1. Bacterioses .................................................................................................................. 360 Actinomicose ............................................................................................................... 360 Botulismo...................................................................................................................... 362 Brucelose ...................................................................................................................... 364 Campilobacteriose........................................................................................................ 367 Carbúnculo................................................................................................................... 370 Colibacilose .................................................................................................................. 372 Corinebacteriose .......................................................................................................... 375 Dermatofilose............................................................................................................... 377 Febre por mordedura de rato ...................................................................................... 378 Febre recorrente transmitida por carrapatos .............................................................. 380 Hanseníase ................................................................................................................... 381 Infecção clostridiana de feridas .................................................................................. 383 Intoxicação alimentar clostridiana ............................................................................... 385 Intoxicação alimentar estafilocócica ........................................................................... 387 Leptospirose................................................................................................................. 389 Listeriose ...................................................................................................................... 391 Micobacteriose............................................................................................................. 393 Necrobacilose .............................................................................................................. 395 Nocardiose ................................................................................................................... 397 Pasteurelose ................................................................................................................. 399 Peste ............................................................................................................................. 401 Salmonelose ................................................................................................................. 404 Shigelose ...................................................................................................................... 407 Tétano .......................................................................................................................... 408 Tularemia...................................................................................................................... 410 Yersiniose ..................................................................................................................... 412 2. Viroses.......................................................................................................................... 414 Coriomeningite linfocitária........................................................................................... 414 Ectima .......................................................................................................................... 416 Encefalites .................................................................................................................... 417 Encefalomiocardite ...................................................................................................... 424 Estomatite vesicular ..................................................................................................... 425 Febre aftosa ................................................................................................................. 428 Febre de Ilhéus ............................................................................................................ 430 Raiva ......................................................................................................................431 3. Micoses......................................................................................................................... 437 Epidemiologia das dermatofitoses ............................................................................... 437 Aspergilose................................................................................................................... 440 Candidíase .................................................................................................................... 442 Cigomicose .................................................................................................................. 444 Coccidioidomicose....................................................................................................... 445 Criptococose ................................................................................................................ 447 Dermatomicose ............................................................................................................ 448 Esporotricose ............................................................................................................... 450 Histoplasmose .............................................................................................................. 451 Infecção por algas (Prototecoses) .............................................................................. 453 Rinosporidiose ............................................................................................................. 455
  • 17. 2 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI 4. Rickettisioses.............................................................................................................. 456 Febre maculosa ............................................................................................................ 456 Febre Q ........................................................................................................................ 458 Tifo exantemático ........................................................................................................ 459 Tifo murino .................................................................................................................. 461 5. Protozoonoses ........................................................................................................ 463 Amebíase ...................................................................................................................... 463 Criptosporidiose ........................................................................................................... 465 Doença de Chagas ....................................................................................................... 466 Giardíase ...................................................................................................................... 469 Leishmaniose cutânea e visceral ................................................................................. 470 Malária .......................................................................................................................... 472 6. Helmintíases .......................................................................................................... 475 6.1 Trematodíase: esquistossomose ........................................................................... 475 6.2 Cestoidíase: teníase e cisticercose........................................................................ 477 6.3 Nematoidíases ancilostomíase .............................................................................. 479 Ascaridíase................................................................................................................... 481 Estrongiloidose............................................................................................................. 482 Triquinelose ................................................................................................................. 485 7. Enfermidades causadas por artrópodes ............................................................. 489 Sarna zoonótica ........................................................................................................... 489 Tunguíase..................................................................................................................... 491 8. Enfermidade causada por príons ........................................................................ 492 Encefalopatia espongiforme bovina (doença da vaca louca) ..................................... 492
  • 18. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 1 Introdução Muito tem sido dito a respeito da “Saúde Pública”, porém tal denominação é empre- gada com diferentes sentidos. Assim, ao iniciar este “Manual”, torna-se importante de- fini-la. Pode-se dizer que Saúde Pública é a ciência e a arte de evitar doenças, pro- longar a vida e promover a saúde física, mental, social e a eficiência, através de esforços organizados da comunidade para o saneamento do meio ambiente, o con- trole de infecções na comunidade, a organização de serviços médicos e paramédicos para o diagnóstico precoce e o tratamento preventivo de doenças, e o aperfeiçoa- mento da máquina social que irá assegurar a cada indivíduo, dentro da comuni- dade, um padrão de vida adequado à manutenção da saúde. De maneira mais simplificada, pode-se dizer que é uma atividade social cujo obje- tivo é promover e preservar a saúde e, conseqüentemente, o bem-estar da popula- ção. Cabe à Saúde Pública papel essencialmente operacional para a melhoria da qualidade de vida na sociedade. Assim, seus objetivos são: prolongar o período de vida; prevenir agravos à saúde; promover o pleno exercício da capacidade funcional. A Saúde Pública busca atingir seus objetivos principalmente por meio de medidas preventivas. A Medicina Preventiva é a aplicação de conhecimentos adquiridos con- seqüentes ao estudo dos fatores determinantes endógenos, ou do organismo. Faz a preservação da saúde. É diferente da Medicina Curativa, que toma providências após a instalação da doença. São objetivos da Medicina Preventiva: promoção da saúde; prevenção da invalidez total (tratamento e reabilitação); proteção específica. Enquanto o profissional de Saúde Privada trabalha com indivíduos, geralmente bus- cando a resolução de um problema único, o profissional de Saúde Pública trabalha com grupos ou comunidades, buscando alcançar um esforço comunitário organizado a fim de impedir ou controlar doenças nesta população. O objetivo final de ambos é o mesmo, ou
  • 19. 2 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI seja, interromper o processo de doença, por meio de ação comunitária ou individual. O profissional de Saúde Pública geralmente desenvolve suas atividades em institui- ções estatais ou voluntárias. Por isso, muitas vezes está investido de autoridade legal, podendo utilizar-se desta condição para fazer cumprir suas indicações. Ao Clínico importa seu paciente, um indivíduo que será tratado para curar-se de determinada doença e que seguirá prescrições a fim de evitar a ocorrência de invalidez ou morte. O profissional de Saúde Pública, por meio da Medicina Preventiva, preocupar- se-á com vários aspectos da prevenção. Seu paciente é, na verdade, toda a comunidade. Assim, suas orientações serão medidas sanitárias, que atingirão um grande número de pessoas. Sua maior ‘ferramenta de trabalho’ será a Educação Sanitária, buscando conscientizar a população a respeito da importância de medidas preventivas como a vacinação, adoção de hábitos alimentares adequados, realização de exames diagnósti- cos periódicos e manutenção da higiene pessoal e ambiental, entre outras. Bruno Soerensen Kathia Brienza Badini Marulli
  • 20. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 3 I - Noções de Epidemiologia Kathia Brienza Badini Marulli A palavra Epidemiologia deriva de três vocábulos gregos: EPI – que significa ‘sobre’; DEMOS – que quer dizer ‘população’ e LOGOS – que pode ser traduzido como ‘tratado’, ‘estudo’. Ou seja, Epidemiologia é o ramo da Ciência que estuda o que ocorre sobre a popu- lação. É o estudo das relações dos diferentes fatores que determinam a freqüência e distribuição de um processo ou doença numa comunidade. Deve-se observar que a Epidemiologia, diferentemente da Clínica, preocupa-se com todas as condições que dizem respeito ao estado de saúde de uma população e não de indivíduos isolados. O objeto de estudo da Epidemiologia são as causas da ocorrência de doenças nas populações e, mediante a obtenção de dados epidemiológicos, torna-se possível a pre- venção eficaz destas enfermidades. Assim, por meio da Epidemiologia são conhecidos dados a respeito de determinada doença, como sua distribuição geográfica, sua ocorrência através do tempo, eventuais variações sazonais, existência ou não de vetores e reservatórios, espécies suscetíveis, diferenças de suscetibilidade com relação a idade e sexo, etc.. Portanto, a Epidemiologia é de fundamental importância para que se consiga um diagnóstico correto e se adotem medidas profiláticas adequadas que impeçam o agravamento do problema, sendo, por isso, o principal instrumento da Medicina Populacional, animal ou humana. É essencial que se saiba, por exemplo, que a Tuberculose afeta todos os mamíferos domésticos, independentemente de sexo ou estação do ano, porém é mais freqüente em vacas adultas de raças leiteiras. No caso da Febre Amarela urbana, a transmissão só é possível na presença do vetor biológico, o mosquito Aedes aegypti. Já para a ocorrência do Tétano, o solo desempenha o papel de reservatório, denotando a importância dos fatores ambientais para determinadas doenças. Conhecer as peculiaridades de cada enfermidade é indispensável, e nisto reside a grande importância da Epidemiologia.
  • 21. 2 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI 1. Aspectos históricos O início da Epidemiologia confunde-se com o princípio da própria Medicina. A partir do momento em que o homem começou a preocupar-se com as doenças que o acome- tiam e a tentar desvendar suas causas, estava criada a Epidemiologia. O homem primitivo, da Era Paleolítica, era inicialmente vegetariano. Com o desen- volvimento de técnicas de caça e pesca, surge um novo problema: a conservação destes novos alimentos. Assim, como solução, o homem começa a manter os animais apreendi- dos vivos, em cativeiro. Com este maior contato, o homem começa, a partir da Era Mesolítica, a praticar a domesticação dos animais. Com o passar do tempo, vai aumen- tando o número de pessoas e de animais naquelas comunidades primitivas e, conseqüen- temente, também cresce a ocorrência de doenças. O homem começa a observar que alguns dos animais que consegue capturar são mais fracos, provavelmente doentes. A partir daí, está estabelecido o primeiro fato epidemiológico: o homem primitivo procura descobrir e explicar as causas das doenças, tenta estabelecer uma relação de causa e efeito. É o primeiro passo para o desenvolvimento da Epidemiologia. As doenças estão, nessa época, envoltas numa atmosfera de magia. Assim, acredita- se, por exemplo, que as almas dos mortos podem ser a causa das enfermidades. Apesar de algumas tentativas para estabelecer-se relações entre a ocorrência de doenças e a época do ano, o clima, as fases da lua e o consumo de carnes, as principais explicações são dadas pelos feiticeiros, que se valem de aspectos religiosos. Vindos da Assíria, Babilônia, têm-se os primeiros registros conhecidos de Medicina dos Animais, que estão no Código de Esununna (1900 a.C.), Papiros dos Kahunas (1800 a.C.) e Código de Hammurabi (1700 a.C.). No Velho Testamento da Bíblia (1500 a.C.) encontram-se diversas regras sanitárias passadas ao povo como normas religiosas. Além da proibição da utilização da carne suína na alimentação, pode-se citar como exemplo a indicação existente no Levítico de que “se um rato cair num vaso de barro, este deverá ser quebrado”. O rato era conside- rado um animal impuro e os utensílios de barro eram muitas vezes utilizados no preparo de alimentos ou no transporte de água. Assim, pode-se perceber que os hebreus tinham conhecimentos sobre a transmissão de doenças e como preveni-las. Até o século V a.C. as doenças são relacionadas com forças e poderes sobrenatu- rais. Na obra Ilíada, de Homero, é narrada uma epidemia que assolou a Grécia e que teria sido causada pela ira de Apolo. Hipócrates (460-370 a.C.), o pai da Medicina, realiza a observação dos doentes e afirma que a doença é um fenômeno ordenado, devido a causas naturais. Acredita tam- bém na influência dos fatores ambientais (“ar, águas e lugares”). Aristóteles (384-332 a.C.) descreve a ocorrência e o tratamento de doenças dos animais, inclusive discorrendo sobre a transmissão da Raiva. Em Roma, Marcus Terentius Varro (117-26 a.C.) acreditava que os causadores das doenças eram “animálculos invisíveis”, criaturas minúsculas que não poderiam ser vistas pelos olhos, flutuariam pelo ar e penetrariam no corpo humano através da boca e do nariz. Defendia também que as terras pantanosas eram insalubres para as habitações humanas. Nessa época começa o isolamento dos animais doentes do rebanho sadio, medida imposta pelo governo para controlar surtos de doenças transmissíveis. No pri- meiro século da Era Cristã, é instituída a quarentena, pelos romanos.
  • 22. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 5 Galeno (130-200 d.C.), na Grécia, afirmava que as doenças aconteciam devido a um desequilíbrio, acúmulo ou corrosão dos “humores”. Estes “humores”, existentes em to- dos os indivíduos, também definiam quatro tipos de temperamentos, que seriam sangüíneo, flegmático, colérico e melancólico; para cada tipo era indicada uma terapêutica diferen- te. Galeno também estabeleceu que existiam três fatores que determinavam a ocorrên- cia de epidemias: atmosférico; interno (suscetibilidade) e predisponente (alimentos, água e costumes). Nessa época, é criado o primeiro serviço de inspeção de carnes, em Roma. No século V d.C., Publius Vegetius propõe uma série de medidas preventivas, como separar os doentes das outras pessoas, realizar a limpeza dos ambientes, promover o enterro dos mortos e fazer a interdição de galpões, currais e bebedouros usados por animais doentes. Em 542 d.C., no domínio do imperador romano Justiniano, ocorreu um surto de Peste Bubônica no Egito, que chegou à Europa. Durante um período, a enfermidade aparente- mente desapareceu, retornando com proporções catastróficas no século XIV. Sua intro- dução no continente europeu foi feita por meio de embarcações, nas quais vieram os ratos oriundos do Oriente Médio, durante e depois das Cruzadas. Uma vez estabeleci- dos, os roedores difundiram-se dos portos para as cidades em crescimento da Europa, cujas condições sanitárias eram propícias para sua instalação e proliferação. Quando, em 1347, chegou a Gênova um navio italiano trazendo a bactéria causadora da doença, a epidemia começou a alastrar-se. A Peste causou aproximadamente de 25 a 40 milhões de mortes, o que correspondia ao aniquilamento de cerca de 1/4 a 1/3 da população da Europa. Epidemias de Peste repetiram-se periodicamente no continente europeu até o século XVIII. Durante a Idade Média, a ocorrência da Peste trouxe pânico à população, principal- mente pelo medo da morte e do “inferno”. Durante a grande epidemia do século XIV, as pessoas entregavam-se à flagelação, na esperança de combater a doença. Surgiu inclu- sive a “Irmandade dos Flagelantes”, um grupo de fanáticos que percorria as cidades praticando a autoflagelação e outras penitências, como tentativa de acabar com a epide- mia. Estas pessoas entregavam-se à promiscuidade, e sua peregrinação e seus hábitos ajudaram a disseminar a Peste e outras doenças. Algumas pessoas atribuíam a respon- sabilidade dos males que estavam ocorrendo aos judeus e começaram a combatê-los com violência. O imperador e o papa terminaram com estas manifestações. Entretanto, o desespero das pessoas as levava a rituais demoníacos, com práticas de exorcismo, por elas acreditarem que os demônios eram os causadores das doenças. Estas pessoas, geralmente, terminavam nas fogueiras da Inquisição. Durante o Renascimento, no século XVI, ocorre grande número de casos de Sífilis (“lues venérea”), causando inúmeras mortes. Esta doença já havia sido relatada na Bíblia como causadora de 24.000 mortes entre os israelitas. Em 1546, Girolano Fracastorius (1484-1553) classificou a transmissão das doenças em três tipos: por contato direto, por fômites e transmissão à distância. Desenvolveu ainda a idéia do contágio vivo, ou seja, a doença seria transmitida por algo capaz de se reproduzir. No século XVII, em 1675, Leeuwenhoek e Jansen criam o microscópio. Em 1796 é realizada a imunização contra a Varíola. Edward Jenner (1749-1823) baseou-se numa crença popular de que as pessoas que ordenhavam vacas que apresen- tavam lesões no úbere, semelhantes às causadas pela Varíola no homem, ficavam livres
  • 23. 2 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI da doença. A partir das lesões de uma ordenhadeira, foi desenvolvida a vacina contra a Varíola, que obteve ótimo resultado na imunização das pessoas. Esta é considerada a primeira imunização ativa artificialmente induzida da história da humanidade. Em Londres, no século XIX, inúmeras epidemias de Cólera grassavam entre a popu- lação, causando grande número de óbitos. John Snow, no período de 1849 a 1854, desen- volveu um minucioso trabalho de observação e dedução e estabeleceu a via de transmis- são hídrica como sendo a principal, possibilitando, dessa maneira, a adoção de medidas preventivas adequadas e a interrupção da epidemia. Deve-se ressaltar a importância do trabalho de Snow, principalmente se forem levadas em consideração as dificuldades da época e o fato que o agente etiológico da doença só foi isolado posteriormente, em 1883. Também foi de extrema importância o trabalho desenvolvido pelo médico húngaro Ignaz Semmelweis (1818-1865) a respeito da Febre Puerperal, quando conseguiu, em 1847, diminuir a taxa de incidência desta enfermidade em decorrência da instituição da obrigatoriedade da higiene e desinfecção das mãos. Antes de adotar tal medida, alunos do curso de Medicina realizavam autópsias e, em seguida, e sem nenhuma higiene das mãos, examinavam pacientes internadas na maternidade em que Semmelweis trabalha- va; os estudantes desempenhavam o papel de veiculadores animados, infectando as pacientes. Apesar dos resultados obtidos pelo médico, seus colegas da época repudia- ram a medida profilática. Somente a partir de 1878 a prática da antissepsia, lavagem das mãos e dos instrumentos cirúrgicos, passou a ser adotada de forma mais ampla. Tam- bém a partir desta época, teve início o uso de luvas de borracha. Neste retrospecto histórico, não se pode deixar de mencionar a figura excepcional de Louis Pasteur (1822-1895), considerado o “pai da bacteriologia”. Além de seus estudos a respeito da fermentação da cerveja e do leite e do desenvolvimento da técnica da pasteurização, em 1865, identificou e isolou inúmeras bactérias, dentre elas o Bacillus anthracis (1881). Desenvolveu vacina contra a Cólera Aviária, a partir de culturas ate- nuadas de Pasteurella spp. Desenvolveu a vacina anti-rábica (1885), importante passo na prevenção de enfermidade tão temida até os dias de hoje. Em 1886, os estudos de Zenker trazem à tona a transmissão de doenças dos animais para o homem. Ele conseguiu estabelecer a relação entre a Triquinelose humana e a Triquinelose suína, ressaltando a importância dos alimentos de origem animal como fonte de doenças para o homem. Em 1892, Smith, Kilborne e Curtice conseguem provar que a transmissão da Babesiose é feita por carrapatos, estabelecendo nova forma de transmissão, por meio de vetores. Não podemos deixar de citar alguns brasileiros extremamente importantes, que atua- ram na Microbiologia e na Saúde Pública no final do século XIX e início do século XX, como, por exemplo, Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Emílio Ribas, Adolfo Lutz, Rocha Lima e Vital Brazil. Oswaldo Cruz foi o responsável pela erradicação da Febre Amarela no Rio de Janei- ro, no início deste século, elaborando e executando um rigoroso plano de reforma sanitá- ria que recebeu a oposição de parte da população. Devido às inúmeras epidemias que ocorriam nessa época e ao alto custo da importa- ção de soros e vacinas, tornou-se imprescindível a instalação de um laboratório que produzisse o soro antipestoso, tarefa realizada na época apenas pelo Instituto Pasteur, de Paris. Assim, em 1899, foi criado o Instituto Serumtherápico, instalado numa fazenda em Manguinhos, que daria origem ao Instituto Butantan, em 1901. Neste Instituto, dirigido
  • 24. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 7 inicialmente por Oswaldo Cruz, foram formados inúmeros pesquisadores brilhantes que muito contribuíram para a melhoria da saúde dos brasileiros. Carlos Chagas, que foi um dos discípulos de Oswaldo Cruz, descreveu um novo parasita, em 1908. Deu a ele o nome de Trypanosoma cruzi; estudou todo o ciclo evolutivo do agente, bem como o quadro clínico da enfermidade. Descreveu a morfologia e biologia de novas espécies de protozoários, realizou pesquisas no campo da Entomologia e participou do combate à Malária no Brasil. Emílio Ribas, juntamente com Adolfo Lutz e Vital Brazil, participou do controle da epidemia de Peste Bubônica em Santos (SP), em 1899; realizou pesquisas sobre a Varí- ola, conseguindo debelar um surto da doença que ocorreu no Estado de São Paulo em 1898. Estudou a transmissão da Febre Amarela demonstrando, em 1903, que o mosquito era o vetor do agente etiológico, refutando a tese dos “contagionistas”. Adolfo Lutz identificou, em São Paulo, a Blastomicose Sul-americana. Além de iden- tificar e debelar surtos de Cólera e de Peste em várias localidades do estado, por meio de suas pesquisas conseguiu estabelecer a natureza tifoídica das “febres paulistas”. Dentre as pesquisas realizadas por este cientista brasileiro destacaram-se os estudos sobre Ancilostomose, Esquistossomose e Leishmaniose. Foi Rocha Lima o responsável pela identificação do agente etiológico do Tifo Exantemático, a quem deu o nome de Rickettsia prowazeeki. Em 1927 assumiu o cargo de diretor do Instituto Biológico, em São Paulo. Vital Brazil desenvolveu pesquisas sobre ofidismo e outras doenças endêmicas e epidêmicas que grassavam em nosso meio. Foi o primeiro diretor do Instituto Butantan, descobriu a especificidade dos soros antiofídicos e, graças ao seu trabalho de difusão do uso desses soros pelo interior do Brasil, conseguiu diminuir significativamente a mortali- dade por acidentes ofídicos. Este panorama geral sobre a história da Medicina e de alguns fatos relevantes para a Epidemiologia teve como objetivo tecer alguns comentários sobre a evolução dos conceitos, para que fique mais claro como chegamos ao que somos. Devemos louvar os nossos novos cientistas, as novas tecnologias, o conhecimento moderno, mas não podemos esquecer nossas origens. Nada seríamos sem aqueles que nos precederam e que conseguiram alcançar grandes vitórias com armas primitivas e com um arsenal muito menor do que o que temos hoje a nossa disposição. 2. Conceitos fundamentais Forma de ocorrência das doenças Alguns conceitos são amplamente utilizados em Epidemiologia, a começar pelos que se referem à forma de ocorrência das doenças. Se imaginarmos quais as possibilidades de uma enfermidade em relação à determinada população teremos, basicamente, quatro situações possíveis: a doença não ocorre naquela população; a doença ocorre na forma de casos esporádicos; a doença ocorre em nível endêmico; a doença ocorre em nível epidêmico. Se uma enfermidade qualquer ocorre dentro de limites habituais, esperados, numa
  • 25. 2 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI determinada população, pode-se dizer que há uma ENDEMIA (EN=em e DEMOS=povo). Isto quer dizer que, naquela freqüência, os casos da doença são “nor- mais”, sempre ocorrem naquela população. Estes limites esperados, “normais”, são es- tabelecidos por meio de observações e estudos estatísticos, no decorrer do tempo. Quando a endemia ocorre em uma população de animais, devemos empregar o termo ENZOOTIA. Entretanto, se o número de casos de uma doença aparecer de forma elevada, sensivel- mente superior àquele que era esperado, estará caracterizada uma situação de EPIDEMIA ( EPI=sobre, acima). Num local onde determinada doença não ocorre há muito tempo (inci- dência esperada igual a zero), bastam dois casos confirmados da referida doença para que se caracterize uma epidemia. As epidemias são restritas a um intervalo de tempo; pode-se dizer que toda epidemia tem começo, meio e fim. Quando o período epidêmico termina, o número decasosdaenfermidadepoderetornaraosníveisiniciais,podeficaremumpatamarendêmico maior ou menor que o inicial ou a enfermidade pode deixar de existir naquela população, ser erradicada. Para populações de animais, deve-se empregar o termo EPIZOOTIA para de- signar uma epidemia. Fig. 1 - Curva epidêmica. No esquema apresentado na Figura 1, podem-se perceber as fases que compõem uma epidemia. A fase de progressão é aquela em que ocorre o aumento do número de casos da enfermidade em estudo. Ela vai do início da epidemia (quando o limite em que a doença ainda era considerada como endêmica é ultrapassado) até o momento em que a incidência máxima é atingida. A partir deste momento, o número de casos começa a diminuir; é a fase de regressão. O período que vai do início da epidemia até o seu final (abrangendo, portanto, as fases de progressão e regressão) é denominado egressão. Apesar de as epidemias seguirem sempre o esquema da Figura 1, podem ocorrer algumas variações, que permitem classificá-las de várias maneiras. Com relação a sua abrangência, podemos dividi-las em pandemias e surtos epidêmicos. Uma epidemia que se difunde, abrangendo simultaneamente ou não inúmeras regiões ou países, é denomi- nada PANDEMIA ( PAN=todo). A pandemia é uma epidemia que atinge grandes ex- tensões territoriais. É o que ocorre atualmente com a AIDS, por exemplo. Para pandemias de enfermidades que acometem apenas animais, emprega-se o termo PANZOOTIA. a b a- fase de progressão b- fase de regressão c- egressão c
  • 26. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 9 Já uma epidemia que ocorre numa área restrita, como uma escola ou uma ou poucas fazendas, é chamada de SURTO EPIDÊMICO. Se imaginarmos que o bolo servido numa festa de aniversário estava contaminado por toxina estafilocócica, provocando uma intoxicação alimentar nos convidados que o consumiram, teremos um exemplo de surto epidêmico. Uma outra forma de classificar as epidemias é por meio de sua velocidade na etapa de progressão, ou seja, na fase em que o número de casos está aumentando. Se esta progressão é rápida, com a incidência máxima de casos sendo atingida num curto espa- ço de tempo, diz-se que é uma epidemia explosiva ou maciça. É o que acontece, geralmente, nos casos de intoxicações cujos agentes são veiculados pela água ou ali- mentos contaminados. Por outro lado, se a incidência máxima da enfermidade for atingida lentamente, com os casos se sucedendo vagarosamente, a denominação empregada é epidemia lenta. É o que acontece quando o agente etiológico da enfermidade tem baixa resistência ao meio externo ou quando a população atingida é resistente ou imune ao agente em ques- tão. De acordo com o mecanismo de transmissão da enfermidade, pode-se classificar a epidemia em progressiva (ou propagada) ou em epidemia por fonte comum. A epide- mia progressiva ou propagada é aquela em que a disseminação da doença acontece em cadeia. A progressão é lenta e o mecanismo de transmissão é de hospedeiro a hospedeiro. É o caso das epidemias de Sarampo. Quando não existe o mecanismo de transmissão de hospedeiro a hospedeiro, estamos frente a epidemias por fonte comum. O agente etiológico é transmitido por meio da água, dos alimentos, do ar ou por inoculação. A transmissão não precisa ocorrer neces- sariamente ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Estas epidemias são, geralmente, explo- sivas e localizadas. Ao estudarmos epidemias por fonte comum, podemos subdividi-las em dois tipos, de acordo com a extensão do intervalo de tempo em que a fonte produz efeitos. Assim, quando a exposição ao agente se dá durante um curto intervalo de tempo e pára, não tornando a ocorrer, dizemos que é uma epidemia por fonte pontual (ou epidemia focal). Já se a fonte tem existência dilatada e a população fica exposta a ela por um longo período de tempo, denomina-se epidemia por fonte persistente. No exemplo dado acima, de um bolo de aniversário contaminado, teríamos uma epidemia por fonte pontual (só quem esteve na festa esteve exposto e, com o fim do bolo, a fonte de conta- minação acabou). Se pensarmos que uma determinada população está recebendo água de abastecimento contaminada por esgotos, temos um exemplo de fonte persistente. Epidemiologia das doenças transmissíveis - os elementos da cadeia epidemiológica Inicialmente, torna-se necessário apresentar algumas definições, para evitar-se equí- vocos muito freqüentes no dia-a-dia. Assim, doença infecciosa é aquela “doença clini- camente manifesta, do homem ou dos animais, resultante de uma infecção” (OPAS, 1992). Define-se infecção como sendo a “penetração e desenvolvimento ou multiplica- ção de um agente infeccioso no organismo de uma pessoa ou animal” (OPAS, 1992). Uma infecção pode ou não evoluir para uma doença. A grande maioria das doenças
  • 27. 3 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI conhecidas pode ser incluída no grupo das não-infecciosas crônicas e das infecciosas agudas. Doença contagiosa “é uma doença infecciosa cujo agente etiológico atinge os sadi- os através de contato direto com indivíduos infectados”. Toda doença contagiosa é tam- bém infecciosa. Doença transmissível é “qualquer doença causada por um agente infeccioso espe- cífico, ou seus produtos tóxicos, que se manifesta pela transmissão deste agente ou de seus produtos, de uma pessoa ou animal infectados ou de um reservatório a um hospe- deiro suscetível direta ou indiretamente por meio de um hospedeiro intermediário, de natureza vegetal ou animal, de um vetor ou do meio ambiente” (OPAS, 1992). Ao tratar-se de enfermidades transmissíveis, é bastante comum a utilização do mo- delo denominado “cadeia epidemiológica”, no qual cada elemento envolvido está ligado ao outro como se fossem elos de uma mesma corrente. Estes elementos são o agente infectante, a fonte de infecção, as vias de eliminação, as vias de transmissão, as portas de entrada, o suscetível e os comunicantes. A seguir, comentários a respeito de cada um destes itens. 1. Agente infectante É o causador da enfermidade (vírus, bactéria, protozoário, etc.), que passará por cada um dos elos da corrente epidemiológica. 2. Fonte de infecção Segundo alguns autores, a fonte de infecção é sempre um vertebrado. Entretanto, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, a fonte de infecção é “a pessoa, animal, objeto ou substância da qual o agente infeccioso passa a um hospedeiro”. É onde o agente sobrevive e de onde se espalhará. As principais fontes de infecção são os homens ou animais doentes ou portadores. Entre os doentes, pode-se ter doentes típicos (aqueles que apresentam o quadro clínico conhecido de determinada doença); doentes atípicos (o quadro clínico não é caracterís- tico) e doentes em fase prodrômica (estão na fase inicial da doença; já apresentam alterações orgânicas, mas ainda não começaram a manifestar os sintomas da doença que contraíram). Quanto aos portadores, existem os sãos, os em incubação e os convalescentes. Portadores sãos possuem o agente etiológico e o transmitem, porém não manifestam a enfermidade, seja por resistência natural ou por imunidade adquirida. Os portadores em incubação são aqueles que vão apresentar a doença, tão logo termine o período de incubação. Os sintomas ainda não apareceram, mas o indivíduo já está eliminando o agente e contaminando o meio ou infectando novos hospedeiros. Os portadores conva- lescentes são os que tiveram a doença e já se curaram, mas ainda estão expelindo o agente. O estado de portador convalescente pode ser temporário ou pode persistir por períodos longos (neste caso, são denominados portadores convalescentes crônicos). Recebem o nome de reservatórios, animais de espécie diferente da principal estu- dada, que permitem a sobrevivência do agente. Por exemplo, ao estudarmos Raiva cani- na, se um cão atacar outro cão, chamaremos o agressor de fonte de infecção. No entan- to, se um gato for o agressor, ele será denominado reservatório.
  • 28. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 1 3. Vias de eliminação É o veículo utilizado pelo agente para sair do hospedeiro, passando ao meio externo. Para cada agente existe uma via de eliminação de maior importância epidemiológica, que está intimamente ligada ao tipo de sintomatologia causada por ele. São vias de eliminação as secreções oro-nasais, as fezes, a urina, o sangue, o leite, o pus, as descamações cutâneas, dentre outras. 4. Vias de transmissão É o meio pelo qual o agente etiológico alcança o novo hospedeiro. 4.1. Contágio: é caracterizado pela presença, no mesmo ambiente e ao mesmo tempo, da fonte de infecção e do novo hospedeiro. Existem dois tipos de contágio, o direto e o indireto. Quando se trata de contágio direto, existe contato entre superfícies. É o caso de enfermidades transmitidas por mordedura, arranhadura, contato sexual, beijo, passagem do agente da mãe para o feto através da placenta, etc.. O contágio indireto dispensa o contato entre a fonte de infecção e o novo hospedeiro. Neste caso a trans- missão ocorre por meio de aerossóis, gotículas espalhadas ao falar, tossir ou espirrar (neste caso, o transmissor e o receptor deverão estar no mesmo ambiente, ao mesmo tempo) ou por meio de objetos contaminados, como seringas, instrumentos cirúrgicos, roupas, pentes, escovas ou qualquer outro objeto de uso pessoal. Os objetos contamina- dos que servem como meio de transmissão recebem o nome de fômites. 4.2. Transmissão aérogena: os agentes estão no ar, em suspensão. Podem ter sofrido dessecação, podem estar ali por períodos relativamente longos. O que diferencia este caso da transmissão por contágio indireto é que na transmissão aérogena a fonte de infecção e o novo hospedeiro não estão no mesmo ambiente ao mesmo tempo. Neste caso, ocorre a transmissão por aerossóis e por poeiras. 4.3. Transmissão pelo solo: ocorre principalmente no caso de helmintos e protozoários que, muitas vezes, necessitam do solo para cumprir parte de seu ciclo evolutivo. O solo desenvolve papel importante na transmissão de enfermidades, pois é freqüente sua contaminação por excretas de animais e do homem e também pelo lixo. A contaminação do solo pode se estender aos alimentos nele cultivados, que podem per- manecer contaminados até o momento da ingestão, sendo mais preocupantes os casos em que estes alimentos serão ingeridos crus. Pode também ocorrer a infecção do ho- mem ou de animais que entrem em contato com o solo e, conseqüentemente, com o agente patogênico que o está contaminando. 4.4. Transmissão por vetores: vetor é um invertebrado que transfere, de forma ativa, um agente infeccioso de uma fonte de infecção a um hospedeiro suscetível. Exis- tem dois tipos de vetores, o biológico e o mecânico. O vetor biológico tem participação ativa na transmissão do agente e é necessário para a existência da enfermidade, seja porque o agente etiológico necessita do vetor para cumprir parte de seu ciclo evolutivo, seja porque o vetor é a única ou principal maneira de o agente alcançar um novo hospedeiro. Se o vetor biológico é erradicado, a enfermidade deixa de ocorrer. É o caso de doenças como a Dengue e a Febre Amarela. Já o vetor mecânico faz uma transmissão acidental do agente. Ele não é necessário para que aquela doença ocorra e, se for destruído, o agente continuará sendo transmitido
  • 29. 3 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI de outras maneiras. Um exemplo de vetor mecânico é a mosca doméstica: ela pode carregar salmonelas e contaminar alimentos, mas não é essencial ao ciclo desse agente e, se todas as moscas domésticas fossem eliminadas, a Salmonelose continuaria ocor- rendo. Ainda neste item deve ser comentada a existência de hospedeiros intercalados, que são necessários para o ciclo evolutivo do agente, mas não participam ativamente da transmis- são (o que os diferencia dos vetores biológicos). O exemplo clássico de hospedeiro interca- lado é o caramujo do gênero Biomphalaria, necessário para a ocorrência da Esquistossomose, mas que não transmite o agente de forma ativa. 4.5. Transmissão pela água: inúmeras enfermidades são de veiculação hídrica ou têm relação com a água, como no caso das doenças transmitidas por vetores, que neces- sitam dela para desenvolverem seu ciclo evolutivo. Pela sua importância, este tema é abordado em maiores detalhes no capítulo sobre Saneamento Ambiental. 4.6. Transmissão por alimentos: os alimentos podem ser contaminados em todas as etapas por que passam, da produção, quando pode ocorrer a contaminação por defen- sivos agrícolas, por excretas ou pela água de irrigação, até o momento de sua comercialização. Como no caso da água, este tema é abordado em separado. 5. Portas de entrada A porta de entrada é o local por onde o agente consegue penetrar no hospedeiro. São inúmeras as possíveis portas de entrada num organismo: pele, boca, mucosas, trato res- piratório, etc.. A porta de entrada preferencial de determinado agente está intimamente relacionada com o tipo de transmissão e com características do próprio agente. No caso da Leptospirose, por exemplo, as portas de entrada podem ser a boca (no caso da ingestão de alimentos ou água contaminados) ou a pele (no caso de pessoas que permanecem muito tempo em contato com água de enchentes, por exemplo). 6. Suscetível O suscetível é o elo final da cadeia epidemiológica. Ele é o indivíduo que, devido a inúmeras características – espécie, estado nutricional, estado imunológico, condições de vida, contato com alguma fonte de infecção – será o novo hospedeiro do agente patogênico estudado. É aquele que sofrerá a nova infecção. 7. Comunicantes Os comunicantes, também denominados contatos, são indivíduos que tiveram a pos- sibilidade de sofrer a infecção, mas que, no momento do estudo, não se sabe se estão ou não infectados. Muitas vezes, quando se procede à vigilância epidemiológica de um caso de determinada enfermidade de notificação compulsória, verifica-se que existem outras pessoas, familiares ou não, que moram na mesma residência do doente e que ainda não estão apresentando sintomas. Estas pessoas são consideradas comunicantes. História natural da doença e medidas preventivas
  • 30. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 3 Para a adoção de medidas preventivas, torna-se necessário o conhecimento prévio da história natural da doença. A história natural da doença é o conjunto de informações que temos a respeito da enfermidade: qual o agente etiológico, como é o seu ciclo, qual o período de incubação, qual (ou quais) é a via de transmissão, existem ou não vetores e/ ou reservatórios, quais são os sintomas, se existem portadores ou não, qual o provável prognóstico, enfim, todos os fatos que podem ser importantes para quem está estudando ou tentando controlar determinado agravo à saúde. Considera-se como história natural o desenrolar da enfermidade, seu “curso”, seu “comportamento”, sem a interferência do homem. Tendo-se estas informações, é possí- vel a determinação de quais as medidas preventivas mais adequadas a serem adotadas, e em que momento. A história natural da doença divide-se em dois períodos: • período pré-patogênico: antes do indivíduo adoecer. É o momento em que ocor- rem interações entre o agente etiológico, o hospedeiro e o meio ambiente, que vão possibilitar a ocorrência da enfermidade, caso o hospedeiro seja suscetível; • período patogênico: é aquele em que a doença já está instalada e em andamen- to, no hospedeiro. O período patogênico é subdividido em fase patológica pré-clínica (na qual ocorrem as primeiras alterações), fase clínica (que compreende desde a manifestação dos pri- meiros sintomas até a doença avançada) e fase residual (ou convalescença, que é o período subseqüente à doença, fase de restabelecimento da saúde). Para cada uma das fases da história natural da doença existem medidas preventivas correspondentes, como se pode observar no Quadro 1. Quanto às medidas preventivas, são divididas em prevenção primária (empregada no período pré-patogênico), prevenção secundária (no período patogênico, antes da ocor- rência de defeitos) e prevenção terciária (no período patogênico, após a ocorrência de defeitos). Na prevenção primária, enquadram-se o primeiro nível de prevenção, denominado promoção da saúde, e o segundo nível de prevenção, conhecido como proteção específica. O primeiro nível de prevenção utiliza medidas inespecíficas, que não se dirigem a uma doença em particular, mas que, quando adotadas, melhoram a saúde de uma maneira geral. Podem-se enquadrar neste nível educação sanitária, alimentação adequada, boas condi- ções de habitação e emprego, saneamento básico, etc.. Todos estes fatores contribuem para a melhoria das condições de saúde da população, sem estarem direcionados especifi- camente contra uma enfermidade. Já o segundo nível de prevenção, chamado de proteção específica, está visando à prevenção exclusiva de uma doença (ou um grupo de doenças). É o caso da aplicação de vacinas ou da profilaxia de determinadas enfermidades por meio do uso de medica- mentos. Algumas vezes, apesar de serem direcionadas e específicas, as medidas adotadas podem contribuir para a diminuição de problemas que não os considerados como “al- vos”. O terceiro nível de prevenção – diagnóstico e tratamento precoces – é a descoberta de um problema de saúde em sua fase inicial, quando apenas algumas alterações ocor- reram. Muitos exames diagnósticos conseguem detectar estas alterações. O ideal seria que tanto os homens quanto os animais se submetessem a exames de saúde periódicos,
  • 31. 3 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI pois os resultados alcançados com um diagnóstico e um tratamento precoces são sem- pre melhores. A prevenção secundária compreende, ainda, o quarto nível de prevenção, denomi- nado limitação do dano. Neste nível, a doença já se encontra em fase avançada. A intenção é, então, prevenir a instalação de defeitos, diminuir a gravidade das conseqüên- cias e evitar o óbito. Também pretende-se que a enfermidade não se propague a outros indivíduos. Fazem parte do quarto nível de prevenção o tratamento médico e cirúrgico adequado, a hospitalização, quando necessária, o isolamento e, eventualmente, o sacrifí- cio de animais doentes. Quando os defeitos já estão instalados no organismo, lança-se mão do quinto nível de prevenção (reabilitação). A utilização de próteses, a terapia ocupacional, o treinamento do deficiente e adequações para que ele tenha boas condições de vida fazem parte deste nível, e constituem a prevenção terciária. Pode-se perceber que as medidas preventivas não servem apenas para evitar que uma doença ocorra. Em todas as etapas do processo pode-se prevenir um desfecho pior. Com a aplicação destas medidas, pode-se alcançar o controle das doenças, ou seja, levá-las a um nível em que não sejam mais consideradas um problema de saúde pública. Melhor ainda é quando se consegue erradicar uma enfermidade, quer dizer, fazer com que ela seja completamente eliminada de um determinado local, área ou região. Com a erradicação, a doença deixa de acontecer; não existe mais nenhum caso dessa doença (incidência zero). Podemos considerar o controle como sendo uma etapa do processo de erradicação, que seria a fase final e a mais difícil de ser alcançada. Como exemplo, podemos citar a Varíola (cujo último caso no Brasil ocorreu em 1971), que foi declarada erradicada pela OMS em 1980. QUADRO 1- Fases da história natural da doença e níveis de prevenção. HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA PERÍODOPRÉ-PATOGÊNICO PERÍODOPATOGÊNICO Antes do indivíduo adoecer Curso da doença no organismo Interação de fatores: agente - hospedeiro - ambiente Alterações Primeiros Doença Convales- precoces sintomas avançada cença Fase de suscetibilidade Fase Fase clínica Fase patológica residual pré-clínica MEDIDASPREVENTIVAS Prevenção PrimáriaPrevenção Secundária Prevenção Terciária 1o Nível 2o Nível 3o Nível 4o Nível 5o Nível Promoção Proteção Diagnóstico Limitação do dano Reabilitação da saúde específica e tratamento precoces
  • 32. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 5 Medidas de freqüência das doenças – indicadores de saúde Se uma pessoa informa a uma autoridade sanitária a ocorrência de 100 casos de uma determinada doença, pode-se dizer que está ocorrendo uma epidemia? Vamos imaginar algumas situações: a) 100 casos de uma determinada doença ocorreram no período de uma semana, numa mesma cidade; b) 100 casos de uma doença ocorreram numa mesma cidade, ao longo de um ano; c) somando-se o número de casos de uma doença em cinco cidades diferentes, no período de uma semana, obteve-se um total de 100 casos; d) ocorreram 100 casos de uma doença em uma população de 200 habitantes; e) ocorreram 100 casos de uma doença em uma população de 200.000 habitantes. Fica claro que, se alguém fornecer apenas o número de casos que aconteceram, sem dar maiores informações, nada poderá ser concluído. Cada um dos exemplos acima constitui um quadro epidemiológico diferente, que deveria desencadear diferentes ações por parte das autoridades sanitárias do local. Assim, para que se consiga ter uma real percepção da situação de saúde de uma população, devem-se quantificar os problemas de saúde que ali ocorrem. As doenças podem ser “medidas” por meio de vários aspectos: gravidade, duração, freqüência, etc.. Deve ser colhido o maior número de informações possível a respeito do problema de saúde em questão, como por exemplo: • características da população afetada (com relação a sexo, idade, raça, profissão, etc.), para que se possam estabelecer os grupos mais suscetíveis; • freqüência da enfermidade naquela população ao longo do tempo e no momento atual, para que se possa comparar e estabelecer a gravidade do problema; • características da enfermidade ou do agravo em questão, riscos que ele acarreta e mecanismos de prevenção e controle do problema. Quando dizemos que ocorreram 100 casos de uma doença, estamos fornecendo um dado de freqüência da enfermidade, mas em número absoluto. Para que se possa esta- belecer a significância epidemiológica deste dado e também para que se possam estabe- lecer comparações com outras populações (ou com a mesma população em épocas diferentes), deve-se transformar este dado de freqüência da enfermidade num valor relativo. Para isso são empregados inúmeros indicadores de saúde compostos por índi- ces, coeficientes, taxas e razões. A seguir, comentaremos um pouco a respeito dos mais utilizados. ⇒ Morbidade A morbidade refere-se ao comportamento das doenças e dos agravos à saúde em uma população exposta. É usada para mensurar a freqüência dos problemas de saúde na população. Nada mais é do que o número de casos de uma doença (ou agravo) num determinado período. São fontes de dados de morbidade as notifica- ções, estatísticas sobre doentes hospitalizados ou atendidos em ambulatórios, regis- tros dos serviços de assistência médica públicos ou particulares, etc..
  • 33. 3 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Coeficiente de Morbidade = número de casos da doença x 10n população ⇒ Incidência Em Epidemiologia, a incidência traduz a idéia de intensidade com que acontece a morbidade em uma população. É medida mediante o número de casos novos de uma doença ou agravo registrados na população num determinado período. O coeficiente de incidência é utilizado para comparar os riscos que duas populações têm de adquirir um problema de saúde ou como varia o risco numa mesma população no tempo. número de casos novos (iniciados) Coeficiente de Incidência = num determinado período numa área x 10n população exposta ao risco neste período, na mesma área Quando se está estudando uma enfermidade infecciosa ou nos casos de investiga- ções sobre surtos de intoxicação alimentar, o coeficiente de incidência recebe o nome específico de Taxa de Ataque, sendo calculado da mesma forma. ⇒ Prevalência “Em Epidemiologia, a prevalência é o termo descritivo da força com que subsistem as doenças nas coletividades. Consiste no número de casos existentes da doença ou agravo, novos ou antigos.” número total de casos (novos e antigos) Coeficiente de Prevalência = num determinado período, numa área x 10n população da área no mesmo período ⇒ Mortalidade Citaremos, a seguir, os principais indicadores de Mortalidade empregados em Epidemiologia. * Mortalidade geral O coeficiente de mortalidade geral mede o risco que um indivíduo da população corre de morrer por qualquer causa no período considerado. Este coeficiente geralmente é utilizado para avaliar o estado sanitário de determinada área. total de óbitos registrados em certa área durante um período Coeficiente de Mortalidade = ( geralmente um ano ) x 10n Geral população da área no período Pode-se calcular a mortalidade específica ou proporcional para determinados parâmetros, como por exemplo, sexo, idade, causas, local, etc., como no seguinte exem- plo:
  • 34. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 7 total de óbitos registrados em certa Coeficiente de Mortalidade = faixa etária durante um período x 10n por Idade população da mesma faixa etária no período * Mortalidade infantil Mede o risco de morte para criança menor de um ano de idade. É um indicador do nível de saúde e de desenvolvimento social de uma região. número de óbitos de menores de 1 ano em certa área durante um período Coeficiente de Mortalidade = ( geralmente um ano ) x 10n Infantil total de nascidos vivos nesta área durante o período Considera-se nascido vivo “o produto da concepção que, depois da expulsão ou ex- tração completa do corpo da mãe, respira ou dá qualquer outro sinal de vida (batimento cardíaco, pulsações do cordão umbilical, movimentos musculares de contração voluntá- ria)”. Considera-se como alto um coeficiente de mortalidade infantil de 50 ou mais para 1.000 nascidos vivos; médio, se ficar entre 20 e 49/1.000 e baixo quando está abaixo de 20/1.000. Como os riscos de a criança morrer não estão distribuídos igualmente ao longo de seu primeiro ano de vida, costuma-se subdividir este indicador em dois períodos: neonatal ou infantil precoce (período que vai do nascimento ao 28o dia de vida) e pós-neonatal ou infantil tardio. * Mortalidade neonatal Mede o risco da criança morrer nas suas quatro primeiras semanas de vida. Neste período a morte geralmente está relacionada com agressões sofridas pelo feto durante a vida intra-uterina ou com condições do parto. As principais causas de óbito são do tipo endógeno, como anomalias congênitas e afecções perinatais. Número de óbitos de crianças nas Coeficiente de Mortalidade quatro primeiras semanas de vida, Neonatal = na região e período considerados x 1.000 Número de nascidos vivos na região e período considerados * Mortalidade pós-neonatal Mede o risco de a criança morrer após a quarta semana de vida e até completar um ano de idade. Neste período, geralmente a morte é conseqüência de causas de natureza ambiental e social (causas exógenas), provocando, por exemplo, gastroenterites, infec- ções respiratórias e desnutrição. Número de óbitos de crianças de Coeficiente de Mortalidade 28 dias até um ano de idade,
  • 35. 3 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI Pós-Neonatal = na região e período considerados x 1.000 Número de nascidos vivos na região e período considerados * Mortalidade infantil proporcional Indica a proporção de óbitos de crianças menores de um ano no conjunto de todos os óbitos. número de óbitos de menores de 1 ano Índice de Mortalidade = em certa área durante um período x 100 Infantil Proporcional total de óbitos nesta área durante o período * Índice de Swaroop & Uemura Também denominado Mortalidade Proporcional de 50 anos ou mais é a porcentagem de pessoas que morreram com 50 anos de idade ou mais em relação ao total de óbitos ocorridos em uma determinada população. Em países desenvolvidos este índice fica entre 80 e 90% e, nos subdesenvolvidos, 49% ou menos. Quanto mais elevado este índice, melhores as condições de saúde e as condições sócio-econômicas do local. número de óbitos de pessoas com 50 anos Índice de Swaroop = ou mais em certa área durante um período x 100 & Uemura total de óbitos nesta área durante o período * Letalidade A letalidade mede o poder que uma doença tem de provocar a morte dos indivíduos que adoeceram por esta doença. Permite avaliar a gravidade da doença. número de óbitos por determinada doença em certa área, num determinado Coeficiente de Letalidade = período de tempo x 100 número de casos desta doença na mesma área e no mesmo período OBS: Existem algumas taxas e razões empregadas em estudos demográficos e que também são utilizadas pela Epidemiologia, como as citadas a seguir: ⇒ Taxa bruta de natalidade É empregada para acompanhar o que ocorre em uma população, com o passar do tempo. Auxilia na previsão das necessidades da população como por exemplo o número de leitos em maternidades para determinada comunidade. A Taxa Bruta de Natalidade também é denominada Taxa Geral ou Taxa Global de Natalidade. Número de nascidos vivos na região e Taxa Bruta de = no período considerados x 1.000
  • 36. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 9 Natalidade População da região na metade do período considerado ⇒ Taxa de fecundidade geral Também denominada Taxa Global de Fecundidade, fornece uma noção mais apropri- ada da geração de filhos na população do que a Taxa de Natalidade. Número de nascidos vivos na região Taxa de Fecundidade = no período considerados x 1.000 Geral Número de mulheres com idade entre 15 e 49 anos daquela região na metade do período considerado ⇒ Taxa de fecundidade específica por idade Esta taxa relaciona o número de nascidos vivos de mulheres de determinada faixa etária com o número total de mulheres desta mesma idade. Seu uso é justificado pela enorme variação da fecundidade em relação à idade da mulher. Número de nascidos vivos na região e no período considerados de Taxa de Fecundidade = mulheres de uma determinada idade x 1.000 Específica Número de mulheres desta idade naquela região na metade do período considerado ⇒ Taxa de fecundidade total É obtida pela soma das Taxas de Fecundidade Específicas por Idade. É um indicador muito empregado em comparações populacionais de fecundidade. Vigilância epidemiológica De acordo com a Lei no 8.080 de 19 de setembro de 1990, “entende-se por Vigilância Epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de preven- ção e controle das doenças ou agravos”. Cada país possui um sistema próprio de notificação de casos e de vigilância às ocor- rências relacionadas à saúde. O objetivo de todos os sistemas de vigilância é o mesmo em qualquer parte do mundo: coletar informações de rotina a respeito da situação de saúde local e transmiti-las para um nível central. Assim, pode-se perceber, que os siste- mas de Vigilância Epidemiológica estão geralmente organizados em níveis, que se orde- nam hierarquicamente, da periferia para o nível central. As informações colhidas pelos sistemas de Vigilância devem auxiliar o gerenciamento e a avaliação das atividades de saúde de determinada região ou país. Estas informações, ou dados, após serem colhidos, devem ser consolidados, analisados e divulgados. Para que se consiga desenvolver um bom trabalho em Vigilância Epidemiológica, um dos
  • 37. 4 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI pontos fundamentais é a conscientização e o comprometimento dos profissionais de saúde dos diferentes estabelecimentos e níveis envolvidos, no que diz respeito ao preen- chimento completo e cuidadoso dos formulários utilizados pelo sistema (alguns modelos são apresentados no Anexo 1). As fontes de informação para as equipes de Vigilância Epidemiológica são várias: relatórios produzidos por serviços de saúde privados ou públicos, registros de óbitos, registros laboratoriais, buscas especiais (buscas ativas de casos), levantamentos epidemiológicos, investigações de surtos, informações vindas espontaneamente da po- pulação (muitas vezes por meio de agentes comunitários ou outros grupos preocupados com saúde). As principais atividades desenvolvidas pelas equipes de Vigilância Epidemiológica de um município são o controle das doenças transmissíveis e o desenvolvimento dos progra- mas de imunização. Com relação às doenças transmissíveis, existem algumas cuja notificação de casos às autoridades sanitárias é obrigatória por lei (“doenças de notificação compulsória”). São doenças de notificação compulsória no Brasil: AIDS, Cólera, Coqueluche, Difteria, Doen- ça meningocócica e outras meningites, Febre Amarela, Febre Tifóide, Hanseníase, Leishmaniose, Oncocercose, Peste, Poliomielite, Raiva humana, Sarampo, Tétano, Tuber- culose e Varíola. Outras enfermidades podem ser de notificação obrigatória em algumas áreas específicas do território nacional, como é o caso da Leptospirose, que é de notifica- ção compulsória no Estado de São Paulo. Devem ser notificados os dados relativos à morbidade (ocorrência de casos suspeitos e confirmados) e de mortalidade. A notificação (mesmo quando negativa, ou seja, quan- do nenhum caso de nenhuma das doenças da lista ocorreu) deve ser feita semanalmen- te. Para facilitar esta notificação, o ano é dividido em 52 semanas, denominadas sema- nas epidemiológicas. Isso permite a uniformização da identificação dos casos notificados para fins de registro e tabulação dos dados. Além do recebimento das notificações, as equipes de Vigilância devem realizar a chamada “busca ativa de casos”, por meio de visitas diárias aos hospitais do município, com a intenção de verificar a ocorrência de algum caso de doença transmissível que não tenha sido notificado. Muitas vezes, quando o caso é apenas suspeito, torna-se necessá- rio o acompanhamento do indivíduo até que ocorra (ou não) sua confirmação; muitas vezes, são realizadas inclusive visitas ao domicílio da pessoa em questão. Nesse tipo de situação, podem ser encontrados outros casos suspeitos (vizinhos, conhecidos ou comunicantes que estão apresentando sintomas semelhantes). Deve-se realizar, então, a “investigação epidemiológica”, que inclui o preenchimento de uma Ficha Epidemiológica para cada caso suspeito. Nesta ficha, tenta-se obter o maior número de informações possível a respeito da pessoa investigada, como por exemplo, seu tipo de ocupação profissional, atividades de lazer, provável forma e local de infecção, etc.. Para algumas enfermidades, como é o caso da AIDS, a notificação só é feita após a confirmação do caso. A confirmação pode ser laboratorial (que é a preferível) ou clíni- co-epidemiológica (empregada quando não é possível a confirmação laboratorial, por algum motivo). Após a confirmação dos casos, deve-se procurar identificar a fonte de infecção, a(s) via(s) de transmissão, os possíveis contatos e demais casos. Devem-se adotar as medi- das de controle próprias para a enfermidade em questão, como proceder ao tratamento
  • 38. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 4 1 dos doentes, à quimioprofilaxia dos comunicantes, à vacinação dos suscetíveis, adotar medidas relacionadas com o meio ambiente, etc.. Sempre é importante informar a popu- lação a respeito das formas de prevenção da doença, principalmente quando se trata de uma situação de epidemia. Os sistemas de Vigilância devem ser constantemente avaliados, para a detecção de possíveis falhas e implementação de técnicas ou atitudes que permitam um fluxo de informações mais rápido, completo e eficiente. Alguns termos empregados em Vigilância Epidemiológica * Caso: pessoa ou animal infectado ou doente apresentando características clínicas, laboratoriais e epidemiológicas específicas (CDC, 1988). * Caso suspeito: pessoa cuja história clínica, sintomas e possível exposição a uma fonte de infecção sugerem que o mesmo possa estar ou vir a desenvolver alguma doen- ça infecciosa (CDC, 1988). * Caso confirmado: pessoa de quem foi isolado e identificado o agente etiológico ou de quem foram obtidas outras evidências laboratoriais da presença do agente etiológico, como, por exemplo, a conversão sorológica em amostras de sangue colhidas nas fases aguda e convalescente. Esse indivíduo poderá ou não apresentar a síndrome indicativa da doença causada por esse agente (CDC, 1988). * Caso-índice: primeiro entre vários casos de natureza similar e epidemiologicamente relacionados. O caso-índice é muitas vezes identificado como fonte de infecção (CDC, 1988). * Caso autóctone: caso da doença que teve sua origem dentro dos limites do lugar em referência ou sob investigação. * Caso alóctone: o doente, atualmente presente na área sob consideração, adquiriu a enfermidade em outra região, de onde emigrou. Os casos alóctones são também cha- mados de casos importados. * Investigação epidemiológica: estudo realizado, particularmente no caso de do- enças transmissíveis, a partir de casos clinicamente declarados ou mesmo de portadores, com a finalidade de detectar as fontes de infecção e permitir a adoção das medidas profiláticas mais adequadas. Não é um estudo amostral, sendo utilizado na investigação de casos, de óbitos ou de surtos. * Inquérito epidemiológico: estudo epidemiológico das condições de morbidade por causas específicas, efetuado em amostra representativa ou no todo de uma popula- ção definida e localizada no tempo e no espaço. Estudo levado a efeito quando as infor- mações são inexistentes ou, se existentes, são inadequadas em virtude de diagnóstico deficiente, notificação imprópria ou insuficiente, mudança de comportamento epidemiológico de determinadas doenças, dificuldade na avaliação de cobertura ou efi- cácia vacinais, etc...
  • 39. 4 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Bibliografia consultada e recomendada Côrtes, J.A. Epidemiologia:Conceitos e Princípios Fundamentais. São Paulo: Varela, 1993. Forattini, O. P. Epidemiologia Geral. São Paulo: Livraria Editora Artes Médicas, 1992. Forattini, O. P. Ecologia, Epidemiologia e Sociedade. São Paulo: Livraria Editora Artes Médicas, 1992. Leavell, H.R., Clark, E.G. Medicina Preventiva. São Paulo: Ed. McGraw-Hill do Brasil, 1976. Leser, W., Barbosa, V. Baruzzi, G.R., Ribeiro, M.B.D., Franco, L.J. Elementos de Epidemiologia Geral. Rio de Janeiro-São Paulo: Livraria Atheneu, 1988. Oliveira, A. B. A evolução da Medicina até o início do século XX, São Paulo: Livraria Pioneira 1981. Pereira, M.G. Epidemiologia: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara-Koogan, 1995. Rouquayrol, M.Z. Epidemiologia e Saúde. Rio de Janeiro: Ed. Médica Científica, 1994. Schwabe, C.W. Veterinary Medicine and Human Health. 3. ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1984. Scliar, M. A. Paixão Transformada. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
  • 40. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 4 3 II - Elementos de Bioestatística Sebastião Marcos Ribeiro de Carvalho 1. Conceitos e definições usuais 1.1 Estatística: É o conjunto de métodos utilizados para observar, coletar, organizar e analisar dados provenientes dos fenômenos coletivos ou de massa (finalidade descriti- va) e, por fim, investigar a possibilidade de fazer inferências indutivas válidas a partir dos dados observados e buscar métodos capazes de permitir esta inferência (finalidade indutiva) (Berquó et al.,1981). 1.2 Bioestatística: Denominamos bioestatística a estatística aplicada às ciências da vida. 1.3 Quem utiliza a bioestatística? Entendemos que existem dois tipos de pessoas que utilizam a Bioestatística: o Pes- quisador e o Usuário da Pesquisa. 1.4 Para o Pesquisador: A bioestatística é uma ferramenta de grande auxilio para o planejamento de sua pesquisa e para a tomada de decisões, após a análise e interpretasção dos dados coletados na mesma. 1.5 Para o Usuário da Pesquisa: A bioestatística auxilia-o na leitura e interpreta- ção dos trabalhoas científicos em geral, necessários para o seu aprimoramento e atuali- zação profissional. 1.6 Protocolo de Pesquisa (Resolução 196/96 - CNS): Todo trabalho científi- co tem início mediante um protocolo de pesquisa. A pesquisa pode ser realizada tanto em animais de laboratório como em seres humanos. Em ambos os casos existe legis- lação pertinente que deve ser obedecida levando-se em conta a ética e a moral. 1.7 População: Definimos população como o conjunto de elementos que têm ao menos uma característica em comum. As populações podem ser finitas, como, por exemplo, os alunos matriculados em uma determinada escola em um determinado ano, ou infinitas, como, por exemplo, os resulta- dos obtidos ao se jogar uma moeda sucessivamente. Existem populações que, embora finitas, são consideradas infinitas para qualquer finalidade prática, como, por exemplo, o número de cobais existentes no mundo em um determinado momento.
  • 41. 4 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Exemplos: População de alunos de uma escola em um dado ano; as gestantes que dão à luz em uma maternidade; os animais que foram atendidos na Clínica Médica Vete- rinária durante um dado ano, etc.. 1.8 Amostra: Por definição, entenderemos que amostra é todo subconjunto não vazio e com menor número de elementos que o conjunto definido como população. 1.9 Parâmetros e estimativas de parâmetros: Denominamos de parâmetros as medidas estatísticas obtidas com base na população e de estimativas de parâmetros as medidas obtidas com base na amostra. 1.10 Por que usar amostras? Justifica-se o uso de amostras para realizarmos investigações científicas tendo em vista o dispêndio de numerário, treinamento de pesso- al e de tempo se usasse a população e em casos em que a unidade amostral é detruída após aplicação do tratamento. 1.11 Dado, informação, conhecimento, variável: Denominamos tecnicamente de dados as informações obtidas com base nos ele- mentos que constituem a população ou que constituem a amostra. O dado é a matéria prima para gerar a informação. O inter-relacionamento das informações resulta no conhecimento, que é usado para orientar a direção das investi- gações ou das ações. Praticamente vamos entender variável como toda característica de uma população, ou amostra, sobre a qual se coleta dados. Como exemplo de variável, temos: o sexo, a idade, o peso corporal, a saúde, a religião, o grupo étnico, a procedência, e outras. 1.12 Classificação das variáveis: As variáveis podem ser classificadas em cate- góricas ou qualitativas (nominais e ordinais) e numéricas ou quantitativas (discretas e contínuas). 1.13 Variável qualitativa nominal: As variáveis qualitativas nominais são aquelas que podem ser distribuídas em categorias mutuamente exclusivas, como o sexo – mas- culino e feminino. 1.14 Variável qualitativa ordinal: As variáveis qualitativas ordinais são aquelas que podem ser designadas em categorias mutuamente exclusivas, mas tais categorias apresentam um ordenamento natural, como estágio de uma doença – ausente, incial, moderado, grave. 1.15 Variáveis quantitativas discretas e contínuas: As variáveis quantitativas podem ser entendidas como discretas ou descontínuas, quando são provenientes de con- tagens, e contínuas, quando obtidas a partir de mensurações. São variáveis quantitativas discretas, por exemplo, o número de pacientes presentes no Ambulatório de um determinado Hospital num determinado dia, o número de RX tirados nos pacientes em determinada data, o número de hemáceas num determinado exame patológico; e quantitativas contínuas, por exemplo, peso corporal, idade, pH da urina, capacidade vital . 1.16 Níveis de mensuração: As variáveis necessitam para a sua compreensão do nível de mensuração, ou seja, da escala em que foram mensuradas. São quatro os níveis de mensuração: i) Nominal: É o nível mais simples de mensuração; consiste na contagem ou enume- ração de uma variável em suas diversas categorias, as quais são mutuamente exclusivas, havendo entre as categorias a relação de equivalência entre e dentre as categorias. A presença do número nessa escala é simplesmente para classificação. Não pode-
  • 42. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 4 5 mos realizar operações aritméticas elementares com esses números. Exemplo: sexo: masculino e feminino, ou: 0 e 1. ii) Ordinal ou por postos: A variável é dividida em categorias ordenadas natural- mente, havendo entre as categorias uma relação de equivalência e uma relação de or- dem dentre as categorias (maior que ou mais que). Exemplo: estágio de uma inflamação gengival: sem inflamação, inicial, moderada e severa, ou 0, 1, 2 e 3, ou ainda, 0, +, ++ e +++. Neste nível, os números são chamados escores, para os quais também não realiza- mos operações aritméticas. Eles funcionam como classes, porém com um ordenamento natural. iii) Intervalar: É a primeira escala quantitativa; atribui-se à variável um número real (uma unidade constante e comum de mensuração). Existência de um ponto zero e de uma unidade de mensuração arbitrários. Apresenta as relações de equivalência dentro do mesmo valor da escala, a relação de ordem (maior do que ou mais que) entre dois valores quaisquer e razão conhecida entre dois intervalos quaisquer. Exemplo: temperatura, altitude, data - todas as variáveis podem ser mensuradas de modo que o ponto zero e as respectivas escalas sejam arbitrários. iv) Razão ou proporcionalidade: É a escala que apresenta um zero verdadeiro (zero significa ausência do que se está mensurando); possui as mesmas características da intervalar, havendo uma proporção entre dois valores quaisquer. Apresenta as rela- ções de equivalência dentro de cada valor; a relação de ordem entre dois valores; razão conhecida entre dois intervalos quaisquer e proporção conhecida (razão) entre dois va- lores quaisquer. Exemplo: peso corporal de recém-nascidos, glicemia, capacidade vital, idade. Neste nível podemos realizar todas as operações aritméticas com os números, os quais exprimem uma medida. 2. Descrição de dados Ao realizarmos um estudo estatístico completo de um fato, é necessário desenvolver- mos diversas fases do método estatístico, sendo as principais: definição do problema, planejamento, coleta dos dados, apuração dos dados, apresentação dos dados, análise e interpretação dos dados. Os dados, após coletados, apurados, organizados e resumidos (mediante contagem e grupamento), precisam ser apresentados para que possam descrever a população ou amostra adequadamente, permitindo uma rápida análise do fenômeno em estudo. Pode- mos descrever os dados por meio de tabelas, gráficos e medidas. 2.1 Descrição tabular de dados A descrição tabular de dados é uma apresentação numérica dos dados. Dispomos os dados em linhas e colunas ordenadamente, segundo algumas regras adotadas pelos esta- tísticos. No Brasil as regras foram fixadas pelo Conselho Nacional de Estatística. Os conjuntos de dados coletados e sumarizados em tabelas, referentes a qualquer variável, denominam-se, em estatística, de série estatística. Para diferenciar uma série estatística de outra, levam-se em conta três características presentes na tabela que as representa: a época (fator corporal ou cronológico) a que se refere o fenômeno analisado, o local (fator espacial) onde o fenômeno acontece e o fenômeno (espécie do fato ou fator especificativo) que é descrito.
  • 43. 4 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Classificamos as séries estatísticas em: i) Série temporal (cronológica ou histórica): o elemento variável é a época, sendo fixos o local e o fenômeno; ii) Série geográfica (territorial ou espacial): o elemento variável é o local, sendo fixos a época e o fenômeno; iii) Série específica (categórica): elemento variável é o fenômeno, sendo fixos o local e a época; iv) Série mista: combinação de duas ou mais séries de i) a iii) acima. v) Seriação ou distribuição de freqüências: neste caso particular são fixos todos os elementos – a época, o local e o fenômeno. A particularidade dessa série é que o fenô- meno ou fator especificativo apresenta-se por meio de gradações (dados grupados de acordo com sua magnitude). Os dados são dispostos ordenadamente em linhas e colu- nas, de modo a permitir a sua leitura tanto no sentido horizontal como no vertical. A Tabela 1, abaixo, é exemplo de uma série mista (temporal / categórica). Tabela 1. Evolução do número de empregos nos estabelecimentos de saúde – Brasil, 1980/92. EMPREGOS 1980 % 1 986 % 1988 1990 1992 1 % Total % Médicos 146.091 17,87 194.608 18,93 n c n c 297.0762 29,43 637.775 19,72 Odontólogos 16.696 2,04 26.926 2,62 n c n c 37.4533 3,71 81.075 2,51 Enfermeiros 15.158 1,85 27.088 2,63 n c n c 37.4463 3,71 79.692 2,46 Farmacêuticos 4.630 0,57 5.846 0,57 n c n c 6.2333 0,62 16.709 0,52 Nutricionistas 1.930 0, 24 3.189 0,31 n c n c 4.4403 0,44 9.559 0,29 Assist. sociais 4.385 0, 54 7.137 0,69 n c n c 9.2733 0,92 20.795 0,64 Outros nível sup 8.462 1, 03 18.069 1,76 n c n c 34.498 3,42 61.029 1,89 Técnicos/Aux 380.277 46,51 414.059 49,27 n c n c 583.065 57,76 1377.401 42,59 Função Adm. 240.037 29,36 331.197 32,21 n c n c 379.177 37,56 950.411 29,38 Total 817.666 100,00 1.028.119 100,00 - - 1.009.484 100,00 3.234.446 100,00 Fonte: dados, n.0 20, nov.96 - MS(adaptada) 1- Excluídos os empregos em clínicas de complementação diagn/terap. 2- Inclui médicos residentes 3- Estimado a partir do total de empregados “outros de nível superior” 2.1.1 Elementos das tabelas As tabelas são constituídas pelos seguintes elementos essenciais: título, corpo, cabe- çalho e coluna indicadora. a) Título: explica o tipo de dado que a tabela contém, devendo ser colocado no alto da tabela antes dos dados. Se houver mais de uma tabela devemos numerá-las em or- dem crescente com algarismos arábicos. Como exemplo temos o título da Tabela 1: Tabela 1. Evolução dos empregos nos estabelecimentos de saúde – Brasil, 1980/92. A simples leitura do título indica que é apresentado, na tabela, o número de empregos de 1980 a 1992. b) Corpo da Tabela: é o conjunto de linhas e colunas que contém os dados; em cada casa ou célula – cruzamento de uma linha e de uma coluna está indicada a freqüência com que a categoria (ou categorias) aparece. Como exemplo, observe o corpo da Tabe- la 1, o qual apresenta o número 37.4463 na casa ou célula formada pelo cruzamento da
  • 44. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 4 7 terceira linha e oitava coluna, o qual representa o número de Enfermeiros empregados nos estabeleciemntos de saúde do Brasil em 1992. 146091 17,87 194608 18,93 nc nc 2970762 29,43 637775 19,72 16696 2,04 26926 2,62 nc nc 374533 3,71 81075 2,51 15158 1,85 27088 2,63 nc nc 374463 3,71 79692 2,46 4630 0,57 5846 0,57 nc nc 62333 0,62 16709 0,52 1930 0,24 3189 0,31 nc nc 44403 0,44 9559 0,29 4385 0,54 7137 0,69 nc nc 92733 0,92 20795 0,64 8462 1,03 18069 1,76 nc nc 34498 3,42 61029 1,89 380277 46,51 414059 49,27 nc nc 583065 57,76 1377401 42,59 240037 29,36 331197 32,21 nc nc 379177 37,56 950411 29,38 Total 817666 100,00 1028119 100,00 - - 1009484 100,00 3234446 100,00 c) Cabeçalho: Especifica a informação (as categorias, as modalidades da variável) apresentada em cada coluna. Observe o cabeçalho da Tabela 1 destacado a seguir: EMPREGOS 1980 % 1986 % 1988 1990 1 9921 % Total % O cabeçalho acima deixa claro que na primeira coluna estão indicados os Empregos. Nas segunda, quarta, sexta, sétima e oitava colunas são indicadas as freqüências, ou seja o número de pessoas em cada emprego, e nas colunas terceira, quinta e nona estão indicadas as porcentagens das pessoas em cada emprego em cada ano estudado, e na décima primeira coluna estão indicadas as porcentagens de cada emprego em relação ao total de empregos. Na sexta e na sétima coluna não são apresentadas as respectivas frequências por não dispormos dos dados. d) Coluna indicadora: especifica o tipo de informação que cada linha contém. Como exemplo, mostramos a seguir a coluna indicadora da Tabela 1: Medicina Odontólogos Enfermeiros Farmacêuticos Nutricionistas Assist. sociais Outros nível sup Técnicos/Aux. Função Adm. Total Examinando a coluna indicadora da Tabela 1, observa-se que nela é mostrado que da primeira à nona linha temos dados a respeito de cada profissão ligada à área de saúde, e que a última linha apresenta dados sobre todas as profissões, ou seja, apresenta o total. As tabelas podem conter ainda os seguintes elementos complementares: fonte, notas e chamadas: e) Fonte: indica a entidade responsável pelo fornecimento dos dados. A fonte é dada no rodapé da tabela, não se indicando a fonte nos casos em que a tabela é apresen- tada pelo próprio pesquisador, ou pelo próprio grupo de pesquisadores, ou pela própria instituição que obteve os dados. Não se indica também a fonte quando os dados são
  • 45. 4 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI fictícios (simulados). Como exemplo, observando a Tabela 1, temos: Fonte: dados, n.0 20, nov.96 (adapta- da). f) Notas: são esclarecimentos de ordem geral, colocadas no rodapé da tabela logo após a fonte (se houver), que servem para esclarecer o conteúdo das tabelas ou para explicar o método utilizado no levantamento dos dados. São numeradas em algarismos arábicos, ou por meio de símbolos gráficos, sendo bastante comum o asterisco. Observando a Tabela 1, temos: 1- Excluídos os empregos em clínicas de complementação diagn/terap. g) Chamadas: explicam ou conceituam determinados dados, servem para esclare- cer minúcias em relação a eles. São numeradas em algarismos arábicos, mas costuma- se usar também símbolos gráficos ou letras. Exemplificando, podemos observar na Tabela 1: 2- Inclui médicos residentes 3- Estimado a partir do total de empregados “outros de nível superior”. 2.1.2 Normas para a apresentação de tabelas a) Nenhuma casa da tabela deve ficar em branco, apresentando sempre um número ou sinal, a saber: - (hífen), quando o valor numérico é nulo; . . . (reticências), quando não se dispõe de dado; ? (ponto de interrogação), quando há dúvidas quanto à exatidão do valor numérico; § (parágrafo), quando o dado retifica informação anteriormente publicada; 0; 0,0; 0,00 (zero), quando o valor numérico é muito pequeno para ser expressso pela unidade utilizada. Se os valores são expressos em números decimais, acrescenta-se o mesmo número de casas decimais ao valor zero; x (letra x), quando o dado for omitido a fim de evitar individualização da informação. b) Em publicações que compreendem muitas tabelas, estas devem ser numeradas em ordem crescente, em arábico, conforme a ordem de aparecimento. c) As tabelas devem ser fechadas no alto e embaixo por linhas horizontais, não sendo fechadas à direita e à esquerda por linhas verticais. É facultativo o emprego de traços verticais para a separação de colunas no corpo da tabela. d) O cabeçalho deve ser delimitado por linhas horizontais. e) Os totais e subtotais serão destacados. f) Deverá ser mantida uniformidade quanto ao número de casas decimais (Berquó, 1981). Devemos colocar nas linhas a(s) variável(eis) independente(s) e nas colunas a variável(eis) dependente(s). Na Tabela 2 notamos um exemplo de seriação ou tabela de distribuição de freqüên- cias: Tabela 2. Pacientes com hipertensão segundo a idade em anos completos. IDADE Ponto médio da classe xi Número de pacientes fi 20 [ — 30 25 2 30 [ — 40 35 11 40 [ — 50 45 10
  • 46. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 4 9 50 [ — 60 55 9 60 [ — 70 65 8 TOTAL 40 Fonte: Montenegro, M.R.G., Incidência e Extensão de Lesões de Arteriosclerose em Aortas e Artérias Coronárias. Estudo Baseado em 250 casos, tese de livre-docência; Faculdade de Medi- cina, USP, 1 962. (Berquó et al., 1981, p. 74) Um tipo de tabela bastante comum na área biológica e na área de saúde é a tabela de dupla entrada. É utilizada quando necessitamos apresentar, em uma única tabela, mais de uma série, as quais aparecem conjugadas. Essa tabela é apropriada para apresenta- ção das distribuições a dois atributos, havendo duas ordens de classificação: uma hori- zontal (linha) e outra vertical (coluna). Na Tabela 3, abaixo, apresentamos um exemplo: Tabela 3. Distribuição de casos de Trombose Venosa e controles de acordo com uso de anticon- cepcionais. TROMBOSEVENOSA USODECONTRACEPTIVOSORAIS CASOS CONTROLES Sim 25 350 Não 5 570 TOTAL 30 920 Fonte: Rouquaryol (1994, p.180) 2.2 Descrição gráfica de dados Gráficos são figuras que se destinam a dar uma idéia sobre o comportamento de uma ou mais variáveis. É um método de apresentação de dados estatísticos, que não neces- sita de explicações adicionais. Os gráficos devem trazer todas as informações necessá- rias para o entendimento do que se propõe, sendo claros e simples, de forma a permitir uma perfeita compreensão dos dados apresentados. Segundo Vieira (1998), todo gráfico deve apresentar título e escala, dispensando esclarecimentos adicionais no texto. O título pode ser colocado abaixo do gráfico. As escalas devem crescer da esquerda para a direita e de baixo para cima devem existir setas indicativas da direção dos eixos. Indicam-se as variáveis representadas na extre- midade de cada eixo. Os gráficos serão construídos com base em um sistema de eixos cartesianos ortogonais, iniciando-se a escala na origem do sistema ou, se for necessário fazer uma interrupção no eixo, com indicação clara da posição do zero. Devemos observar que não é obrigató- rio os zeros das escalas coincidirem. Ao lado do eixo vertical deve ser escrita a legenda relativa ao mesmo. Em baixo do eixo horizontal deve ser escrita a legenda relativa ao mesmo. As legendas explicativas, que se fizerem necessárias, devem ser colocadas à direita do gráfico. Nos gráficos em “colunas” ou em “barras” os retângulos representativos das mes- mas devem ter a mesma base, de forma que as variações sejam representadas pelas ordenadas. Antes de iniciar a construção de um gráfico, deve-se verificar a escala de freqüência a ser usada levando em conta os valores extremos da distribuição. Quando as freqüên- cias apresentarem valores extremos muito distanciados, deve-se utilizar a escala
  • 47. 5 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI logarítmica. Logo abaixo do gráfico deve constar, por exemplo, Figura 1 e o título do mesmo. Todo gráfico deve ser construído numa escala que não desfigure os fatos ou as rela- ções que se deseje destacar. Os gráficos podem ser cartogramas ou diagramas: i) Cartogramas: mapa geográfico ou topográfico em que as freqüências das catego- rias de uma variável são projetadas nas áreas específicas do mapa, utilizando-se cores ou traçados cujos significados constam em legendas anexadas às figuras. Em epidemiologia, os mapas alfinetados são de grande emprego para apreciar o apareci- mento e a expansão de certas moléstias. ii) Diagramas: gráficos em que a magnitude das freqüências é representada por certa mensuração de uma determinada figura geométrica. Se a medida utilizada for o comprimento, tem-se o diagrama de ordenadas; se a medida utilizada for a área ou superfície da figura, têm-se o diagrama de barras, o histograma, setores circulares e diagramas circulares; quando se usa o volume da figura, temos o estereograma. Na representação de um diagrama deve ser levada em conta a natureza da variável: quali- tativa ou quantitativa (Berquó et al., 1981). a.1) Descrição gráfica de variável qualitativa Podemos descrever graficamente uma variável qualitativa por meio dos seguintes gráficos: linear, de ordenadas, de barras, de colunas, de círculos, de setores circulares e estereogramas. Diagramas de círculos: às áreas dos diversos círculos devem ser proporcionais as magnitudes das freqüências. Diagrama linear: no caso de variáveis qualitativas não se justapõem os retângulos nem se unem as ordenadas dos diagramas; há, entretanto, um caso que foge ‘à regra geral’, o das séries históricas (referem-se às divisões do tempo: meses do ano, dias da semana, ano-calendário), obtendo-se o que denominamos diagrama linear. Nesse caso, unimos as extremidades das ordenadas por segmentos de retas, obtendo-se uma inter- pretação dinâmica do fenômeno (Berquó et al., 1981) . a.2) Descrição gráfica de variável quantitativa Nas distribuições de freqüências a uma variável quantitativa precisamos fazer a dis- tinção se a variável é discreta ou contínua. Nas distribuições discretas os diagramas mais usados são os de ordenadas e os de barras. Nas distribuições contínuas os gráficos usados são o polígono de freqüências e o histograma, sendo que o sistema de eixos utilizado é o sistema cartesiano ortogonal, colocando-se nas abscissas os valores das classes das variáveis em estudo e nas orde- nadas, os valores das freqüências. No caso de uma distribuição contínua com classes de intervalos diferentes, precisa- mos fazer o ajuste das freqüências, pois, caso contrário, a magnitude da figura geométri- ca não será proporcional à freqüência com que ocorre a variável. O ajuste é feito calcu- lando-se a densidade de cada classe, que é definida como o quociente entre a frequência relativa proporcional de cada classe e a amplitude da respectiva classe. Para representar variável quantitativa temos ainda o polígono de freqüências acumula- das, no qual o interesse é o do conhecimento da freqüência total dos valores. Ilustraremos a descrição gráfica de variável qualitativa, a partir da Tabela 4 a seguir:
  • 48. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 5 1 Tabela 4. Diagnóstico de biópsias de mama, feitas entre 1963 e 1972, inclusive, no H.S.R.J. Diagnóstico Freqüência Displasia 1010 Tumor benigno 344 Tumor maligno 329 Inflamatória 54 Outros 288 Total 2.025 Fonte: Vieira (1988, p.34) Grafico 1. Diagnóstico de biópsias de mama, feitas entre 1963 e 1972, inclusive, no H.S.R.J. 0 200 400 600 800 1000 1200 Displasia Tumor benigno Tumor maligno Inflamatória Outros Diagnóstico Frequência Diagnóstico de biópsias de mama, feitas entre 1963 e 1972, no H.S.R.J. 0 200 400 600 800 1000 1200 Displasia Tumor benigno Tumor maligno Inflamatória Outros D i a g n ó s t i c o d e b i ó p s i a s d e m a m a , f e i t a s e n t r e 1 9 6 3 e 1 9 7 2 , i n c l u s i v e , n o H . S . R . J . T u m o r m a l i g n o 1 6 % I n f l a m a t ó r i a 3 % O u t r o s 1 4 %
  • 49. 5 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Diagnósticode biópsiasde mama, feitasentre 1963 e 1972, inclusive, no H.S.R.J. 0 200 400 600 800 1000 1200 Displasia Tumor benigno Tumor maligno Inflamatória Outros Para a descrição gráfica de variáveis quantitativas Usaremos a Tabela 2 da página 7. Tabela 2. Pacientes com hipertensão segundo a idade em anos completos. IDADE Ponto médio da classe xi Número de pacientes fi 20 [ — 30 25 2 30 [ — 40 35 11 40 [ — 50 45 10 50 [ — 60 55 9 60 [ — 70 65 8 TOTAL 40 Fonte: Montenegro, M.R.G., Incidência e Extensão de Lesões de Arteriosclerose em Aortas e Artérias Coronárias. Estudo Baseado em 250 casos. Tese de livre-docência. Faculdade de Me- dicina, USP, 1962. (Berquó et al., 1981 , p. 74) Histograma Polígono de frequências 3. Medidas de centralidade ou de posição Como o próprio nome indica, a medida de centralidade visa a determinar o centro da distribuição. As medidas de tendência central estabelecem o valor em torno do qual os dados se distribuem. Dentre as medidas de tendência central destacamos a média ou média aritmética, a mediana e a moda. i) Média : x (lê-se x- barra ou x- traço; têm a mesma unidade que os dados). Definimos a média para dados não-grupados como: Σ x i x = —— , onde : x = média; S = soma; xi = dados; n = n. de dados n Exemplo 1: Obter o peso corporal médio de cinco recém-nascidos vivos na Materni-
  • 50. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 5 3 dade do HC, com os pesos corporais de 2.950 g, 2.750 g, 3.500 g, 3.150 g e 3.250 g. 2.950 + 2.750 + 3.500 + 3.150 + 3.250 x = ———————————————————— = 3.120 g 5 Portanto, na amostra estudada, os recém-nascidos vivos apresentavam peso corporal médio igual a 3.120 g. Para elementos repetidos ou agrupados, a expressão fica: Σ xi fi x = ——— , onde n = S fi , i = 1, 2, ... , p n ii) Mediana: Md (tem a mesma unidade que os dados). Definimos mediana de um conjunto ordenado de dados como sendo o valor que divide o conjunto em duas partes com igual quantidade de dados, sendo que metade dos dados é inferior ou igual a ela e a outra metade dos dados é superior ou igual a ela. Se o número de dados é ímpar, a mediana é o valor que ocupa a posição central dos dados ordenados, ou seja, a posição dada por (n + 1) / 2. Exemplo 2: Consideremos os dados do exemplo 1 da página 8, verificamos que n = 5 (ímpar). Ordenando-os crescentemente, obtemos: 2.750 g, 2.950 g, 3.150 g, 3.250 g, 3.500 g, como n = 5, a Md ocupa a posição (n+1)/2, ® Posição da Md é: (5+1)/2 = 3a. posição no conjunto de dados ® Md = 3 150 g Portanto, metade dos recém-nascidos apresentou peso corporal inferior a 3.150 g, e metade superior a 3.150 g. Quando o número de dados é par, a mediana é o valor da média aritmética dos dois valores que ocupam a posição central dos dados ordenados, ou seja : x’ está na posição n/2 e x” está na posição (n+2)/2 ® Md = (x’ + x” ) / 2 Exemplo 3: Acrescentando o valor 3.000g ao conjunto de dados do exemplo 1, obte- mos: 2.750g, 2.950g, 3.150g, 3.250g, 3.500g , 3.000g , com n = 6 (par). Ordenando os dados: 2.750g, 2.950g, 3.000g, 3.150g, 3.250g, 3.500g ® temos: Posição de x’: n / 2 = 6/2 = 3a posição : x’= 3.000 g Fig. 2 - Pacientes com hipertensão segundo a idade em anos completos Fig. 1 - Pacientes com hipertensão segundo a idade em anos completos 20 30 40 50 60 70 Idade (anos) > 11 10 5 0 > > 20 30 40 50 60 70 Idade (anos) 11 10 5 0 >
  • 51. 5 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Posição de x”: (n+2)/2 = (6+2)/2 = 4a posição : x” = 3.150 g, portanto Md = (x’ + x”) / 2 = (3.000 + 3.150) / 2 = 3.075 g Portanto, metade dos recém-nascidos da amostra apresentou peso corporal inferior a 3.075 g, e metade superior a 3.075 g. iii) Moda: Mo (tem a mesma unidade que os dados). Definimos moda de um conjunto de dados como sendo o valor que ocorre com maior frequência. O conjunto de dados onde não ocorre nenhum valor que se repete maior número de vezes é chamado amodal. Existem conjuntos de dados com duas ou mais modas, os quais chamamos bimodal ou plurimodal, respectivamente. Exemplo 4: No conjunto de valores 6, 7, 8, 4, 6, 8, 9 , temos Mo = 8. 4. Medidas de variabilidade ou de dispersão As medidas de centralidade dão o valor da abscissa do ponto em torno do qual os dados se distribuem. Para descrevermos adequadamente uma amostra, é importante saber, além da medida de centralidade, também a dispersão ou variabilidade dos dados em relação ao valor central. Para descrevermos adequadamente uma distribuição de dados, além da medida de tendencia central, há a necessidade de um índice que resuma a variabilidade ou disper- são dos dados. Vários índices foram elaborados, dentre os quais destacamos a amplitude total, a variância, o desvio padrão e o coeficiente de variação. i) Amplitude total ou range: A (mesma unidade dos dados). Definimos amplitude total A de uma amostra como sendo a diferença entre o maior e o menor dado observado. Exemplo 5: Considerando o peso corporal dos recém-nascidos do exemplo 1, temos que a amplitude total é : A = 3.500 - 2.750 = 750 g ii) Variância amostral: s2 (a unidade da variância é o quadrado da unidade dos dados). A variância mede a variabilidade ou dispersão dos dados em torno da média e é dada por: S ( xi - x) 2 (1) s2 = ——-—— , o denominador n-1, recebe o nome de n - 1 graus de liberdade. Exemplo 6: Consideremos os dados 3, 5, 5, 7 (u). Para determinar a variância amostral s2 , podemos construir uma tabela com os seus desvios da média amostral. A média amostral é x = 20/4 = 5. ___________________________ x i x i - x (xi - x) 2 Logo: ___________________________ 3 -2 4 s2 = 8 / (4 - 1) = 2,7 (u2 ) 5 0 0
  • 52. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 5 5 5 0 0 7 2 4 ______________________________ S x = 20 S(xi -x)=0 S(xi -x)2 = 8 ______________________________ Para dados repetidos ou agrupados a expressão matemática é: S (x i - x) 2 . fi (2) s2 = ———————— , onde i = 1, 2, ... , n . n - 1 Desenvolvendo algebricamente (1) e (2), obtemos as fórmulas de uso mais fácil para quem dispõe de calculadora eletrônica: S x2 - (S x)2 / n S x2 . f - (Sx . f)2 / n (3) s2 = ——————— , ou (4) s2 = ————————— n - 1 n - 1 iii) Desvio-padrão (unidade é a mesma dos dados). A variância apresenta a desvantagem de apresentar unidades de medida igual ao quadrado da unidade de medida dos dados. Em muitas ocasiões precisamos de uma medida de variabilidade ou dispersão que apresente as propriedades da variância, mas que tenha a mesma unidade dos dados. Definimos, então, o desvio-padrão como a raiz quadrada, com sinal positivo, da variância, o qual representamos por s. Matematicamente: s = Ö ( s 2 ) Exemplo 7: Considerando os dados do exemplo 5, temos que s2 = 2,7 , portanto s = (2,7)1/2 ou seja, s = √ 2,7 = 1,6 iv) Coeficiente de variação (medida de variabilidade relativa). Para compararmos duas distribuições de dados quanto à variabilidade, definimos uma medida de variabilidade relativa, a qual relaciona a grandeza do desvio padrão com a grandeza da média, denominada coeficiente de variação de Pearson, medida admensional, expressa em porcentagens: s CV = —— .100 %, que independe da natureza e magnitude x da variável X. Exemplo 8: Considerando os resultados dos exemplos 6 e 7, temos que: 1,6 CV = ——— x 100 %=32,00 % 5 5. Probabilidade 5.1 Estudo de um fenômeno coletivo Fenômeno: qualquer acontecimento natural A sua descrição pode ser realizada mediante um modelo matemático que permite
  • 53. 5 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI explicar da melhor forma possível esse acontecimento. Tipos de fenômenos: a) determinísticos: são aqueles que, repetidos sob as mesmas condições iniciais, conduzem sempre a um só resultado. As condições iniciais determinam o único resultado possível. b) aleatórios: são aqueles que repetidos sob as mesmas condições iniciais podem conduzir a mais de um resultado. As condições iniciais não determinam o resultado do fenômeno, teoricamente as repetições ocorrem nas mesmas condições iniciais; na práti- ca isto dificilmente ocorre, porque, mesmo quando procuramos manter as mesmas con- dições iniciais, pequenas variações certamente ocorrerão. Isto provocará alterações no resultado final. Se as alterações forem mínimas, poderão na prática ser desprezadas e podemos considerar o resultado final único ® fenômeno determinístico. Se as alterações forem significativas, resultado final imprevisível ® fenômeno aleatório. A teoria das probabilidades permite construir modelos matemáticos que explicam um grande número de fenômenos coletivos e fornecem estratégias para a tomada de deci- sões. 5.2 Experimento aleatório: é um conjunto de operações destinadas a descobrir, conferir ou demonstrar um determinado fenômeo aleatório, possuindo as seguintes ca- racterísticas: i) repetitividade: pode ser repetido quantas vezes desejarmos sob condições es- sencialmente iguais; ii) resultado: não pode ser conhecido a priori, mas pode ser descrito o conjunto de todos os resultados possíveis; iii) regularidade estatística: a freqüência relativa de ocorrência de um particular resultado se aproxima a um valor constante quando o número de realizações do experi- mento é muito grande; diz respeito à possibilidade da ocorrência dos resultados do fenô- meno, cuja avaliação numérica dará origem às probabilidades. 5.3 Espaço amostral S: é o conjunto de todos os possíveis resultados do experimen- to. Ex: i) Lançamento de uma moeda: S = { c, k } ii) Lançamento de um dado: S = {1,2,3,4,5,6} 5.4 Evento elementar ou resultado (A): é cada um dos resultados possíveis de um experimento aleatório. Ex: Lançamento de um dado: S = { 1, 2, 3, 4, 5, 6 } A = o resultado é um número par  A = {2, 4, 6} B = o resultado é par e primo  A = { 2 } Obs: i) evento vazio ou impossível F: carente de resultados elementares ii) evento certo S: o próprio espaço amostral iii) espaço amostral finito  qualquer conjunto de resul-
  • 54. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 5 7 tados constitui um evento iv) no nosso curso só consideraremos espaços amostrais finitos e com seus resultados igualmente possíveis. 5.5 Definição de probabilidade Seja S um espaço amostral finito e com todos os seus resultados igualmente prová- veis e seja ainda A um evento de S = { a1 , a2 , a3 , ..., an }. A probabilidade do evento A, notada por P(A), é definida por: n.o de resultados de A n(A) NCF (n.o casos favoráveis) P(A) = ——————————————— = ——— ou P(A) = ———————————— n.o de resul. do espaço amostral S n(S) NCT (n.o casos totais) com as seguintes propriedades: i) P(f) = 0 ii) P(S) = 1 iii) 0 £ P(A) £ 1 iv) S P(A) = 1 5.6 Probabilidade freqüencialista Deve ser aplicada quando não se conhece a regularidade dos resultados. Chamamos de freqüência relativa o quociente entre o número particular de valores observados e o número total de valores observados. Este processo baseia-se na evolução da freqüência relativa do resultado ai , à medida que o número de repetições do experimento cresce. Matematicamente: fi p(ai ) = lim fr , onde fr = ——— , com n®µ n i) 0 £ p(ai ) £ 1 e ii) S p(ai ) = 1 5.7 Função de probabilidade: é a maneira de associarmos a cada evento elemen- tar de S = { a1 , a2 , a3 , ..., an } a sua possibilidade de ocorrência p(ai ), de modo que: 1. 0 ≤ p(ai ) ≤ 1 e 2. Σ p(ai ) = 1 5.8 Variável aleatória: definimos variável aleatória como o resultado numérico de um experimento aleatório. 5.9 Cálculo de Probabilidades 5.9.1 Probabilidade do evento complementar: P(evento complementar) + P(evento) = 1 P(evento compl.) = 1 - P(evento), ou seja (P ~A) = 1 - P(A) 1 Ex.: Ao jogarmos um dado a probabilidade de sair face “1” é P(1) = — 6 A probabilidade de não sair a face “1” é: P(~1) = 1 - P(1) = 1 - 1/6 = 5/6,
  • 55. 5 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI Ou seja, P(~1) = 0,8333 ou 83,33% 5.9.2 Probabilidade condicional P(A∩B) NCF(A∩B) P (A/B) = ——————— ou P(A/B)= ————————- P(B) NCF(B) P(A/B) é a probabilidade de ocorrer o evento A sob a condição de ter ocorrido o evento B. Ex: Qual a probabilidade de ter ocorrido a face “5” em um dado que foi jogado e ocorreu face ímpar? NCF(5) 1 P(5/Ímpar) = ——————— = ——— = 0,3333 ou 33,33% NCF(ímpar) 3 5.9.3 Eventos independentes: dois eventos são independentes quando a proba- bilidade de ocorrer um deles não é modificada pela a ocorrência do outro. P(A/B) = P(A) Ex.: A probabilidade de, ao lançarmos uma moeda e um dado, sair cara na moeda tendo saído face 5 no dado são eventos independentes. 5.9.4 Teorema do produto: i) A e B independentes : P(A.B) = P(A) . P(B) Ex.: Um casal têm dois filhos. Qual a probabilidade de um dos filhos ser homem e o outro mulher? P(A.B) = P(A) . P(B) = ½ . ½ = ¼ = 0,25 ou 25 % ii) A e B não independentes: P(A.B) = P(A) . P(B/A) Ex.: Uma urna contém duas bolas vermelhas e uma branca. Retiram-se duas bolas da urna ao acaso, uma em seguida da outra e sem que a primeira tenha sido recolocada. Qual a probabilidade de as duas serem vermelhas? Solução: P(primeira ser verm.) = 2/3 = 0,6667 ou 66,67 % P(segunda ser verm./primeira foi verm.) = ½ = 0,50 ou 50% P(prim.ser verm. e a segunda ser verm.) = P(p.s.v.).P(s.s.v./p.f.v.)= = 0,6667 x 0,50 = 0,3333 ou 33,33% 5.9.5 Teorema da Soma: P(A ou B) = P(A) + P(B) - P(A e B) Ex.: Obter a probabilidade de retirarmos uma carta ao acaso de um baralho e a a mesma ser uma carta de copas ou um rei. P(carta copas) = 13/52 P(rei) = 4/52 P(rei e copas) = 1/52 P(copas ou rei) = P(carta copas) + P(rei) - P(rei e copas)
  • 56. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 5 9 P(copas ou rei) =13/52 + 4/52 - 1/52 =16/52 = 4/13 = 0,3077 ou 30,77% 5.10 Média, variância e desvio padrão de uma variável aleatória: a)Média (Esperança ou valor esperado): µ = E(x) = Σ x . p(x) b) Variância: Var(x) = σ2 = Σ (x - µ)2 . p(x) = Σ x2 . p(x) - µ2 c) Desvio padrão: σ = [Var(x)]1/2 = (σ2 ) ½ 5.11 Exemplos: 1. Distribuições de freqüências relativas para um dado, para vários tamanhos de amostra (uso da tábua de números aleatorios): Tabela 1. Dist. de frequências relativas para um dado, para vários tamanhos de amostra. X = n.o de pontos f/n ; n = 10 f/n ; n = 50 f/n ; n = µ 1 0,10 0,22 1/6=0,167 2 0 0,12 1/6=0,167 3 0,10 0,14 1/6=0,167 4 0,20 0,14 1/6=0,167 5 0,30 0,14 1/6=0,167 6 0,30 0,24 1/6=0,167 1,00 1,00 1,00 Fonte: Wonnacott & Wonnacott (1985, p.40) 2. Suponhamos que p(menino) = p(menina) = 1/2. Faça o gráfico e a tabela da distri- buição de probabilidades da variável aleatória: X = número de meninas em uma família com três filhos. Solução: Os possíveis valores de X são: 0, 1, 2, e 3 meninas, mas não são todos igualmente prováveis, o que podemos verificar observando a árvore de probabilidades a seguir: 3.0 2.0 m→ m,m,m→ 1/8 1.0 m h→ m,m,h→ 1/8 m m→ m,h,m→ 1/8 h h→ m,h,h → 1/8 m→ h,m,m→ 1/8 m
  • 57. 6 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI h→ h,m,h → 1/8 h m→ h,h,m → 1/8 h h→ h,h,h → 1/8 p(x) . X P(X=x) 3/8 . 0 1/8 = 0,125 2/8 . 1 3/8 = 0,375 1/8 . . . . . 2 3/8 = 0,375 0 1 2 3 X 3 1/8 = 0,125 Figura 1. Distrib. de probab. do número de meninas em uma família com três filhos. 3. Considerando o exemplo 2, pede-se: a) Qual a chance das meninas estarem em minoria? [p(X £1) =?] b)Qual a chance de não ter menina na família? [p(X < 1) = ?] c) Qual a chance de ao menos uma menina?[p(X³ 1)=?] Solução: a) p(X £1) = p(X=0) + p(X=1) = 1/8 + 3/8 = 4/8 = ½ = 0,5 = 50 % b) p(X<1) = p(X=0) =1/8 = 0,1250 = 12,5 % c) p(X³1) = p(X=1) + p(X=2) + p(X=3) = 3/8 + 3/8 + 1/8 = = 0,3750 + 0,3750 + 0,1250 = 0,8750 4. A otite média é uma moléstia do ouvido que representa uma das causas mais frequentes de consulta médica nos primeiros dois anos de vida da criança. Seja X a v.aleatória que representa o número de otite média nos dois primeiros anos de vida da criança. Supondo que o número de episódios de otite tenha a distribuição dada na Tabela 2, abaixo (Curi, 1998, p.77): x 0 1 2 3 4 5 6 p(x) 0,129 0,264 0,271 0,185 0,095 0,039 0,017 Obter: a) número esperado de episódios de otite nos dois primeiros anos; b) a variância e o desvio padrão da variável aleatória número de episódios de otite média. Solução: a) E(X) = 0.(0,129) + 1.(0,264) + 2.(0,271) +...+ 6.(0,017) E(X) = 2,04 ® Espera-se que uma criança tenha dois episódios de otite média nos seus dois primeiros anos de vida. b) Var(X)=02 .(0,129) + 12 .(0,264) + 22 .(0,271)+...+62 .(0,017) - 2,042 = 6,12 - 2,042 Var(X )= 1,96 (episódios de otite)2 σ = (1,96)1/2 = 1,40 episódios de otite 5.12 Importância do desvio-padrão O Teorema de Tchebyschev estabelece que, para qualquer conjunto de dados, o > >
  • 58. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 6 1 intervalo (‘x - ks , x + ks ) contém pelo menos a proporção (1 - 1/k2 ) das observações. Portanto, podemos concluir que, para qualquer distribuição de probabilidades, temos: a) A probabilidade de X ter um valor contido no intervalo (‘x - 2σ , x + 2σ ) é maior ou igual a 1 - 1/22 = 0,75. b) A probabilidade de X ter um valor contido no intervalo (‘x - 3σ , x + 3σ ) é maior ou igual a 1 - 1/32 = 0,89. Para distribuições simétricas de probabilidades, em forma de sino, temos a seguinte lei empírica: a) aproximadamente 68% dos valores da variável aleatória situam-se no intervalo compreendido pelos limites µ - σ e µ + σ ; b) aproximadamente 95% dos valores da variável aleatória situam-se no itervalo com- preendido pelos limites m - 2σ e µ + 2σ; c) aproximadamente 99% dos valores da variável aleatória situam-se no intervalo compreendido pelos limites µ - 3s e µ + 3s. Quanto maior for a simetria da variável aleatória X em relação à média, tanto mais válida será a afirmativa. 6. Distribuições de probabilidades 6.1 Introdução As distribuições de probabilidades têm utilidade na teoria relativa à Inferência Es- tatística, metodologia que permite fazer afirmações sobre características de uma po- pulação, baseando-se em resultados de uma amostra retirada dessa população. Quando usamos a Estatística na resolução de problemas biomédicos, verificamos que muitos problemas apresentam as mesmas características, o que nos permite estabe- lecer um modelo teórico para a determinação da solução destes problemas. Os principais componentes de um modelo estatístico teórico são: 1. os possíveis valores que a variável aleatória X pode assumir; 2. a função de probabilidade associada à variável aleatória X; 3. o valor esperado da variável aleatória X; 4. a variância e o desvio-padrão da variável aleatória X. 6.2 Modelos teóricos discretos de probabilidades São modelos para os quais a variável aleatória é discreta, ou seja, os valores que pode assumir podem ser associados aos números naturais {0, 1, 2, 3, ...}. Entendemos por distribuição discreta de probabilidades o conjunto de todos os valo- res xi , que podem ser assumidos pela variável aleatória discreta X, associados às res- pectivas probabilidades, sendo S P(xi ) = 1. Exemplo: Constituem uma distribuição de probabilidades discreta os resultados que podem ocorrer no jogo de um dado com as respectivas probabilidades. Variável aleatória binária: é aquela variável aleatória discreta que só assume um de dois valores possíveis. Exemplos: i) Paciente chagásico ou não-chagásico. ii) Amostra de sangue pode ser do tipo Rh+ ou RH-. iii) Uma criança pode ter olhos claros ou não. iv) Uma pessoa pode ser do sexo feminino ou do masculino.
  • 59. 6 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI 6.2.1 Média, variância e desvio-padrão de uma variável aleatória a) Média (esperança) de uma variável aleatória discreta: µx = Ε(X) = Σ xi . P(X=xi ) b) Variância: Var(X) = sx 2 = Σ xi 2 . P(X=xi ) - µx 2 c) Desvio-padrão: σx = √ Var(X) 6.2.2 Modelo de Bernoulli Se uma variável aleatória X só pode assumir os valores 0 (fracasso) e 1 (sucesso), com P(X=0) = q e P(X=1) = p e p + q = 1, em um único experimento, então dizemos que a variável aleatória X é um experimento de Bernoulli ou que a variável aleatória X admite Distribuição de Bernoulli. Descrição do modelo: 1. Os possíveis valores que a variável aleatória X pode assumir são 0 e 1. 2. A função de probabilidade associada à variável aleatória X é P(X=0) = q e P(X=1) = p. 3. O valor esperado da variável aleatória x é m (X) = p: —————————————————- x : 0 1 —————————————————- P(X=x): q p —————————————————- x.P(X=x): 0 p —————————————————- m (X) = p —————————————————- 4. A variância da variável aleatória X é: s2 (X) = p.q e o desvio-padrão da variável aleatória X é: s (X) = ( p.q ) ½ . De 3.: E(X) = p ; x2 = 0 ou 1; Σ x2 . P(X=x) = 0 + p, logo E(x2 ) = p Como σ2 (X) = E(x2 ) - [E(X)]2 = p - p2 = p(1 - p) ou seja: σ2 (X) = p.q Logo: σ (X) = ( p.q ) ½ Exemplo: Experimento: lançamento de uma moeda, a variável aleatória X anota o número de caras obtidas. Determine a variância e o desvio-padrão da variável aleatória X. Solução: Os possíveis resultados de X são 0 e 1, com probabilidades P(x=0)= 1/ 2 e P(X=1) = 1 / 2, logo temos um experimento de Bernoulli. Portanto: 1. E(X) = m (X) = p = 0,5 2. σ2 (X) = p.q = 0,5 . 0,5 = 0,25 3. σ (X) = (p.q) ½ = (0,25) ½ = 0,5 6.2.3 A Distribuição Binomial Características: i) Se no enunciado de um problema, podemos identificar um experimento B, unitário, que admite somente dois resultados: S → sucesso, com probabilidade p(S) = p F → fracasso, com probabilidade p(F) = q, ii) Se o experimento B for repetido n vezes independentemente (em cada repetição
  • 60. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 6 3 p(S) = p,p(F)= q ), iii) Se estamos interessados na ocorrência de x sucessos e (n-x) fracassos, indepen- dentemente da ordem de ocorrência, então diremos que a v. aleatória X admite distribui- ção binomial de probabilidades, definida por: nP(X=x) = ( ) . px . qn-x x Descrição: B ~ (n , p ), onde n = n.o repetições p = probabilidade de sucesso em cada repetição. 1. X = variável aleatória sucesso, com número de sucessos x = 0, 1, 2, 3, ..., n n2. P(X=x)= ( ).px .q n - x , x = número de sucesso em n ensaiosx 3. µ (x) = n.p 4. σ2 (x) = n . p . q 5. σ (x) = v n . p . Ex.1: Teste de 20 questões, com 5 alternativas, das quais apenas uma é correta. Se o estudante responder as questões ao acaso: I) qual é a probabilidade que consiga acertar exatamente 10 questões? IIi) qual a esperança de acertos? III) qual a variância dos acertos? IV) qual o desvio padrão dos acertos? Solução: I) E: responder uma questão, com p(s) = 1/5 e p(f) = 4/5, sendo n = 20 repetições independentes, com 10 sucessos. 20 Como p(X=x) = ( ) (1/5)10 . (4/5)20 - 10 = 0,0020 ou 0,2 % 10 ii) µ(x) = np = 20 x 0,2 = 4 questões iii) σ2 (x) = npq = 20 x 1/5 x 4/5 = 3,2 (questões)2 iv) σ(x) = √ npq = √ 20 x 0,2 x 0,8 = 1,8 questões Ex.2: A probabilidade de um menino ser daltônico é 8%. Qual é a probabilidade de serem daltônicos todos os 5 meninos que se apresentaram, em determinado dia, para um exame oftalmológico? Solução: n = 5 ; p = 0,08 ; q = 1 - 0,08 = 0,92 ; x = 5 n 5 P(X=x) =( ) px . qn - x → p(X=5) =( ). (0,08)5 .(0,92)5-5 = 0,0000032 ou 0,00032 % x 5 6.3 Modelos teóricos contínuos de probabilidades São modelos para os quais a v. aleatória é contínua, ou seja, as v. aleatórias assumem infinitos valores em um dado intervalo. Os processos definidos a partir de contagens conduzem aos modelos que envolvem variáveis aleatórias discretas, enquanto os processos definidos a partir de medidas con-
  • 61. 6 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI duzem a modelos que envolvem variáveis aleatórias contínuas. 6.3.1 Função Densidade de Probabilidade Para descrever a distribuição de probabilidades de uma variável aleatória contínua X, consideremos a função definida a seguir, denominada função densidade de probabilida- de, com as seguintes características: I) f(X) ³ 0 II) P( a £ x £ b ) = área sob a curva de densidade de probabilidade entre as duas constantes a e b. III) A área da região compreendida sob o gráfico da função e o eixo Ox é igual a 1. Observações: a) P(X=x) = 0, isto é, com uma variável contínua, a probabilidade de X=x é sempre igual a zero. Somente tem sentido calcular probabilidades em intervalos. b) Como P(X = a) = P(X = b ), temos: P(a £ x £ b) = P (a < x £ b ) = P (a £ x < b) = P (a < x < b) 6.3.2 Parâmetros de uma variável aleatória contínua: a) Média (Esperançaouvaloresperado): µ = E(x) = ¦ x .f(x).d(x) b)Variância: Var(x) = σ2 = ¦ [x - µx ]2 . f(x) . d(x) c) Desvio-padrão: σ = [Var(x)]1/2 = (s2 ) 1/2 6.3.3 A Distribuição Normal 6.3.3.1 Definição A Distribuição Normal ou Gaussiana é a mais importante distribuição de v. aleatória contínua e é básica para o desenvolvimento da inferência estatística. As medidas biológicas, tais como o peso, altura, pressão sanguínea e outras, tendem a ter distribuição populacional aproximadamente normal. Ao estudarmos essas variáveis, com distribuições aproximadamente normal, verifi- camos que muitos valores concentram-se nas proximidades da média e que, à medida que se afastam desse valor central, começa a ocorrencia de valores, resultando uma distribuição simétrica. i. Definição da f.d.p. : 1 (X - µ)2 f(X) = ————— . e - ——————— , para : - ¥ < X < + ¥ ; s > 0 s . ( 2 π)1/2 2 σ² Notação: X ~ N(µ; s2 )
  • 62. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 6 5 Parâmetros da distribuição normal: i) a média m e ii) a variância s2 II. Características da Distribuição Normal: a) a variável aleatória pode assumir qualquer valor real; b) o gráfico da f.d.p. normal é uma curva em forma de sino, simétrica em torno da média m, como mostra a Figura 2; c) a área total sob a curva vale 1, porque essa área corresponde à probabilidade de a variável aleatória assumir qualquer valor real; d) como a curva é simétrica em torno da média, os valores maiores do que a média e os valores menores do que a média ocorrem com igual probabilidade; e) a configuração da curva é dada por dois parâmetros: a média m e a variância s2 . Mudando a média, muda a posição da distribuição, como mostra a Figura 3. Mudando a variância, muda a dispersão da distribuição, como mostra a Figura 4 (Vieira, 1998). Figura 2. Gráfico da distribuição normal Figura 3. Duas distribuições Figura 4. Duas distribuições normais de mesma variância e normais de mesma média e com com médias diferentes variâncias diferentes 6.3.4 Distribuição Normal Padronizada Chamamos de distribuição normal padronizada de uma variável aleatória Z uma distribuição normal de média 0 e variância igual a 1, cuja notação é Z ~ N(0,1). A vantagem de conhecermos a distribuição normal padronizada é que as probabilida- des, dadas pelas áreas sob a curva f(Z), são tabeladas. Assim, a partir de uma única tabela podemos calcular probabilidades para quaisquer variáveis aleatórias X por meio da transformação Z = ( x - µx ) / σx , pois:
  • 63. 6 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI µz = E(Z) = E[( x - µx ) / sx ] = (1/µz )E(x - µx ) = (1/µz )[E(x) - E(µx )] = (1/µz )(µx - µx ) = 0 sz 2 = Var(X) = Var [( x - µx ) / σx ] = (1/σx 2 ) [ Var(X) - Var(µx ) ] = (1/1/sx 2 )( σx 2 - 0 ) = 1 6.3.5 Uso da Tabela Normal Padronizada Dentre os tipos de tabelas normais existentes, dependendo da área que elas forne- cem, o modo de calcular as probalidades nestes elementos será utilizando a tabela que fornece a área entre Z = 0 e Z1 > 0, conforme Figura 5. Figura 6. Área entre 0 e Z1 correspondente a P(0< z < Z1 ) Notas: a) A área total sob a curva normal padronizada = 1 b) Área à direita de 0 (zero) = 0,5 c) Área à esquerda de 0 (zero) = 0,5 d) Área entre 0 e Z1 = P(0 < z < Z1 ) Ex.1: Considere uma população cuja PAM apresenta m = 110 mm Hg e s = 10 mm Hg. Calcule as probabilidades (Curi, 1998, p.95). a) PAM entre 110 e 125 b) PAM entre 95 e 105 c) PAM entre 100 e 105 d) PAM > 122 e) PAM < 94 f) PAM no intervalo que inclui dois desvios ao redor da média g) quais os dois valores da PAM no item f ? h) qual é o valor da PAM a partir da qual se tem 10% das PAM mais altas? Solução: a) P(110<X<125) = P(0< z <1,5) = 0,4332 ou 43,32 % b)P(95<X<110) = P(-1,5< z <0) = 0,4332 ou 43,32 % c) P(100<X<105)=P(-1< z <-0,5) = 0,1498 ou 14,98% d) P(X > 122) = P(z > 1,2) = 0,5-P(0 < z < 1,2) = 0,1151 ou 11,51% e) P(X < 94) = P(z < - 1,6) = P(z > 1,6) = 0,0548 ou 5,48 % f) P(m - 2s < X < m + 2s) = P( -2 < z < 2 ) = 0,9544 ou 95,44% g) x1 = µ - 2σ = 90 e x2 = µ + 2σ = 130 → P(90 < X < 130) = 0,9544 ou 95,44 % h) Tabela : P(X > Xc ) = 0,10 = P( z > zc ) P(0 < z < zc ) = 0,40 ® zc = 1,28 ® zc = 1,28 = (Xc - 110)/10 logo: X c = 122,8 mm Hg, portanto 10% das pressões são superiores a 122,8 mm Hg, ou seja P( X > 122,8 ) = 0,10. 7. Métodos de inferência 7.1 O que é teste de hipóteses?
  • 64. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 6 7 é realizada com auxílio de testes estatísticos. Segundo Vieira (1984), é importante que o pesquisador tenha em mente o que um teste estatístico pode fazer por ele. O teste responde à pergunta: “O que causou a diferença?”. No entanto é este o ponto que o pesquisador deve atingir: explicar a diferença. É importan- te deixar bem claro que a conclusão de causa é baseada não no teste estatístico, mas no planejamento correto do experimento. Deve ficar claro que um teste estatístico não indica a causa da diferença, o teste estatístico informa se a diferença é significante, ou seja, se é pouco provável que a diferença tenha ocorrido por acaso. A Estatística têm como um dos seus principais objetivos a tomada de decisões a respeito da população, com base na observação de amostras, ou seja, a obtenção de conclusões válidas para toda a população com base em amostras retiradas dessa popu- lação. Para tomarmos decisões para toda a população, formulamos hipóteses relativas a elas, as quais denominamos hipóteses científicas. Essas suposições, que podem ser ver- dadeiras ou não, em termos estatísticos são chamadas hipóteses estatísticas e consis- tem, em geral, em considerações a respeito das distribuições de probabilidade das popu- lações (Banzatto & Kronka, 1989). Os processos que nos permitem decidir se aceitamos ou rejeitamos uma determinada hipótese, ou se a amostra observada difere significativamente dos valores esperados, são denominados de testes de hipóteses. Exemplo 1: “Uma área de grande interesse na pesquisa médica é verificar a influên- cia familiar em fatores de risco cardiovascular em geral e níveis de lipídios, em particu- lar. Suponha que a média de nível de colesterol em crianças seja de 175 mg%/ml. Sepa- rando um grupo de homens com algum episódio da doença cardíaca são anotados os níveis de colesterol de seus filhos. A hipótese do pesquisador é que ‘pais com doença cardíaca no passado devem ter filhos com colesterol mais elevados’” (Curi, 1997). 7.2 O que são hipótese nula e hipótese alternativa? Como determinar qual é qual? Em termos estatísticos a hipótese científica é desdobrada em duas hipóteses estatís- ticas: uma hipótese inicial que formulamos denominada de hipótese de nulidade e deno- tada por H0 e uma outra denominada de hipótese alternativa e denotada por H1 ou Ha . Ao formularmos uma hipótese estatística Ho , o nosso objetivo é rejeitá-la. Admitindo essa hipótese Ho como verdadeira, se verificarmos que os resultados obtidos em uma amostra diferem acentuadamente dos esperados para essa hipótese, com base na teoria das probabilidades, podemos concluir que as diferenças observadas são significativas, e rejeitamos a hipótese de nulidade em favor de uma outra denominada Ha . Para determinarmos qual é a H0 , formulamos a hipótese de nulidade Ho , em geral, como a negação da hipótese científica formulada pelo pesquisador, sendo que a hipótese alternativa Ha , em geral, coincide com a proposta pelo pesquisador (Curi, 1997). Portanto, testar hipóteses consiste em decidir a respeito de duas situações possíveis: ou H0 é verdadeira ou H1 é verdadeira. Para maior facilidade de interpretação e nota- ção, faremos referencia sempre à hipótese nula H0 . A aceitação de H0 implica na rejeição de H1 e, caso contrário, a rejeição de H0 representa a aceitação de H1 . Exemplo 2. Levando-se em conta o exemplo 1 da questão 1, em termos estatísticos a hipótese científica é formulada como:
  • 65. 6 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI H0 : não existe diferença dos níveis de colesterol quando se comparam filhos de pais com antecedentes de doença cardíaca e as crianças em geral. Ha : pais com doença cardáca no passado devem ter filhos com colesterol mais eleva- do. Ou seja: H0 : o nível médio de colesterol de filhos de pais com antecedentes cardíacos é 175 mg%/ml. Ha : o nível médio de colesterol de filhos de pais com antecedentes cardiacos é maior que 175 mg%/ml. 7.3 O que são erro tipo I (erro a) e erro tipo II (erro b)? A tomada de decisões a respeito da população será sempre com base na observação de amostras retiradas dessa população, portanto estaremos expostos a cometer erros. No caso os erros são de dois tipos: rejeitar H0 quando H0 é verdadeira ou aceitar H0 quando na realidade essa hipótese é falsa. A probabilidade de rejeitar H0 quando H0 é verdadeira é a chamada probabi- lidade de erro Tipo I, a qual indicamos por a, e corresponde ao nível de significância do teste. A probabilidade de aceitar H0 quando falsa é a chamada de probabilidade de erro Tipo II, a qual indicamos por b. Estado da Natureza Decisão H0 é V H0 é F Aceita-se H0 Decisão correta Erro tipo II = b Rejeita-se H0 Erro tipo I = a Decisão correta Esses dois tipos de erros, Tipo I e Tipo II, estão de tal forma associados que, se diminuirmos a probabilidade de ocorrência de um deles, automaticamente aumentamos a probabilidade de ocorrência do outro. Na prática procede-se de maneira que o erro Tipo I seja o mais importante de ser evitado, as hipóteses são formuladas de modo tal que H0 seja a hipótese cuja rejeição injusta constitua o erro de maior importância (Carvajal, 1986). Exemplo 3. Utilizando as hipóteses estatísticas do Exemplo 2, podemos enunciar os dois erros como: Erro Tipo I: concluir que o nível médio de colesterol de filhos de pais com anteceden- tes cardíacos difere da média de referência, 175 mg%/ml, quando na verdade isto não ocorre. Erro Tipo II: concluir que o nível médio de colesterol de filhos de pais com anteceden- tes cardíacos não difere da média de referência, 175 mg%/ml, quando na verdade ele difere. Devemos observar que cometer o erro do Tipo I ou o erro do Tipo II sempre implica prejuízos monetários e não monetários. 7.4. O que significa poder de um teste?
  • 66. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 6 9 O poder de um teste é definido como o complemento da probabilidade de erro Tipo II = b (aceitar a hipótese de nulidade quando na realidade H0 é falsa), ou seja, PODER = 1 - b. O poder de um teste corresponde à probabilidade de rejeitar H0 quando H0 for falsa. 7.5 O que são testes monocaudais e testes bicaudais? Quais as implicações do uso de um e de outro? Os testes monocaudais de uma distribuição de probabilidades se referem a testes de hipóteses para as quais a hipótese alternativa Ha define uma mudança da hipótese nula em alguma direção. Os testes bicaudais de uma distribuição de probabilidades é um teste onde a hipótese alternativa define uma mudança da hipótese nula sem especificar nenhuma direção. Exemplo 4. (vide também exemplo 5) Testes para a média: Seja uma Distribuição de Probabilidades Normal de média m e desvio-padrão s. Temos três alternativas para testarmos valores de m em relação a m0 (sob a H0 ). Assim teremos os testes: i) H0 : m = m0 contra m > m0 ii) H0 : m = m0 contra m < m0 Em ambos os casos i) e ii) acima, diremos que o teste é unicaudal, e iii) H0 : m = m0 contra m ¹ m0 , o qual é denominado teste bicaudal. 7.6 O que significa nível de significância de um teste de hipótese? Ao valor a chamamos de nível de significância do teste, que consiste na proba- bilidade máxima com que nos sujeitamos a correr o risco de cometer um erro do Tipo I (rejeitar uma hipótese H0 verdadeira, que deveria ser aceita) ao testarmos uma dada hipótese H0 . Na prática, é comum (embora não seja obrigatório) fixarmos o nível de significância em 5% ou em 1%, isto é a = 0,05 ou a = 0,01. Se por exemplo, for escolhido o nível de 5% (a = 0,05), isto indica que teremos 5 possibilidades em 100 de que rejeite- mos a hipótese H0 quando ela deveria ser aceita, ou seja, existe uma confiança de 95% de que tenhamos tomado uma decisão correta (Banzatto & Kronka, 1989). Exemplo 5. Suponhamos que o nível médio de colesterol de 16 crianças seja 193 mg%/ml e que a população originária da amostra apresente nível de colesterol de 175 mg%/ml com desvio-padrão de 50 mg%/ml. Adotando o nível de significância de 5% (a = 0,05), testar as hipóteses: i) a média da população neste grupo é superior à da população em geral (teste unicaudal), e ii) a média da população neste grupo é diferente à da população em geral (teste bicaudal). 7.7 O que significa grau de confiança de um teste? Ao valor 1 - a, expresso em porcentagem, denominamos de grau de confiança do teste, isto é, este valor indica a confiança que temos de ter tomado uma decisão correta ao rejeitar a hipótese H0 .
  • 67. 7 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI 7.8 Como tomar decisões com auxilio da estatística? Estabelecido o nível de significância, escolhemos o teste apropriado para a tomada de decisão. Existe hoje grande variedade de testes à disposição dos interessados; todos têm indicação precisa e todos têm vantagens e desvantagens. Então, a escolha do teste exige conhecimento de estatística. Se houver necessidade, o pesquisador deverá solici- tar o auxílio de um estatístico para esta escolha. Escolhido o teste de hipótese para aplicar aos seus dados, o pesquisador deve, logo a seguir, determinar qual a distribuição amostral da estatística da prova, por exemplo: z, t, c2 , F e outras, todas elas distribuições teóricas. Realizado o teste, obtemos um valor numérico e, com base nesse valor, decide-se se a hipótese de nulidade deve ser rejeitada no nível de significância estabele- cido. O pesquisador deve, então, discutir esta informação (Vieira, 1997). Segundo Mattar (1997), uma vez selecionadas as hipóteses a serem testa- das, o próximo passo é a coleta de dados empíricos que, analisados, permitirão mantê-las ou rejeitá-las. Para poder atingir o objetivo de manutenção, revisão ou rejeição de determinada hipótese, é necessário ter-se procedimentos bem definidos e objetivos para a realização do teste, que compreendem: 1. Estabelecer a hipótese nula H0 e a hipótese alternativa H1 , tendo em vista a hipó- tese da pesquisa; 2. Selecionar o teste estatístico adequado; 3. Estabelecer um nível de significância; 4. Determinar ou assumir a distribuição amostral da prova estatística sob a hipótese nula H0 ; 5. Com base em 1, 2, 3 e 4 definir a região de rejeição da hipótese nula H0 ; 6. Calcular o valor da prova estatística a partir dos dados da(s) amostra(s); 7. Tomar a decisão quanto à aceitação ou rejeição da hipótese nula H0 . Devemos observar que a hipótese nula H0 é a hipótese de negação do fenômeno em estudo. A hipótese nula é formulada com o objetivo único de ser rejeitada. A alternativa H1 é o oposto de H0 e corresponde a hipóteses do pesquisador. A escolha adequada de um teste estatístico depende do tipo de variável em estudo e da escala de mensuração utilizada, podendo ser um teste paramétrico ou um não-paramétrico. Quando houver mais de um tipo de teste que possa ser apli- cado à situação, devemos escolher aquele que tiver o maior poder. Devemos também levar em conta, ainda, se o teste escolhido for não-paramétrico, o tipo de dados a serem analisados – nominais ou ordinais – pois temos testes apropriados a cada tipo de variá- vel. Se os dados forem medidos na escala intervalar ou na escala de razão, devemos utilizar o teste paramétrico adequado. Finalmente, devemos levar em conta se se trata apenas de dados de uma amostra, de duas amostras relacionadas e não-relacionadas ou de várias amostras relacionadas ou não-relacionadas. Segundo Mattar (1997, p.203-adaptado), no Quadro 2, apresentamos o tipo de teste adequado segundo os métodos estatísticos, os níveis de mensuração utilizados para os dados e o número de amostras e o seu relacionamento. Quadro 2. Métodos de inferência – testes estatísticos apropriados segundo os méto- dos estatísticos, as escalas (níveis) de mensuração e o número de amostras e o seu relacionamento.
  • 68. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 7 1 Método Escala de TESTES DE INFERÊNCIA mensuração Uma Duas amostras Várias amostras da variável amostra Relacionadas Não-relac. Relac. Não-relac. Paramé- Intervalar z t Diferença de Análise de trico ou de Razão t médias Variância z t Regressão Não-Pa- Nominal Binomial McNemar χ2 duas Cochran Q χ2 várias ramétrico amostras amostras in- dependentes Ordinal Kolmogorov- Wicoxon Mediana Análise de Mediana - Smirnov Mann-Whit- Variânciaem várias amos- ney U em duas tras indepen- Kolmogorov direções de dentes - Smirnov Fri-edman Análise de Variância numa dire- ção de Krus- kal-Wallis 8. Diferenças estatísticamente significantes e diferenças relevantes nas Ci- ências da Saúde A significância estatística dos resultados diz respeito apenas no nível probabilistico de acerto das conclusões, não sendo lícito retirar daí nenhuma im- portância científica do achado (Oliveira, 1995). O termo “significativo” tem o sentido geral de “expressivo” e o sentido particular que lhe é dado em estatística: “de probabilidade de um evento ocorrer por chance”. Para tal, fixa-se o valor de alfa (a), em 0,05, na maioria das vezes. Em pesquisas, “significativo” tende a ser usado apenas com a conotação específica, própria da estatística (Pereira, 1995). “Uma diferença estatísticamente significativa, mesmo com um alfa (a) muito pequeno, não quer dizer que a diferença seja clinicamente importante. Por exem- plo, um valor a < 0,000 1, se emergir de um estudo bem delineado, transmite alto grau de confiança de que uma diferença realmente existe. Porém, esse valor alfa (a) nada nos diz sobre a magnitude de tal diferença ou de sua importância clínica. De fato, diferen- ças absolutamente triviais podem ser altamente significativas do ponto de vista estatístico, se um número suficientemente grande for estudado. Por outro lado, valores alfa (a) que impressionam muito pouco podem resultar de estudos que mostram fortes efeitos terapêuticos, se houver poucos pacientes no estudo” (Fletcher, Fletcher & Wagner, 1996). Decidir sobre o mínimo valor de alfa a ser tomado como significativo é tarefa prelimi- nar à própria coleta de dados e de escolha exclusivamente do pesquisador. Ao examinarmos pequenas amostras, as diferenças reais e enormes entre os tratamentos, podem não atingirem o nível de significância estatística escolhido. Ao contrário, em grandes amostras, pequenas diferenças entre os tratamentos
  • 69. 7 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI podem ser estatísticamente significativas. Portanto o pesquisador deverá calcular o tamanho da amostra adequado para a sua investigação científica para que pos- sa detectar a diferença entre os grupos em estudo, que tenham realmente im- portância prática e não diferenças de qualquer magnitude (Pereira, 1995). Existe um entendimento equivocado no que diz respeito ao nível de significância obtido na pesquisa, interpretando a significância estatística como significância científica, isto é, para a ciência particular para a qual se pesquisa. Já a significância para a ciência em particular tem a ver é com o que representa de novidade no achado, o que representa de acréscimo para o corpus teórico já conhecido. Enfim, a significânciacientíficaédefinidapelaprodutividadequeumtrabalhodepesquisademonstou para a ciência (Oliveira, 1995). Em síntese, na interpretação dos resultados de uma pesquisa, primeiro se verifica se as diferenças estre os grupos são ou não estatísticamente significantes. Se elas não são estatísticamente significantes, o tamanho das diferenças entre grupo experimental e gru- po controle é irrelevante, não devendo ser considerado. Se as diferenças são estatísticamente significantes, avalia-se a magnitude das diferenças para saber se elas têm expressão clínica. 9. Amostragem 9.1 Introdução O total de indivíduos sob investigação, com ao menos uma característica em comum, é chamado de população. Sendo praticamente impossível realizarmos o estudo de todos os elementos de uma população (problemas de custo, de tempo, de pessoal treinado adequadamente, e outros) em uma determinada pesquisa, o mais comum é selecionar- mos uma parte da população para estudo, obtendo-se um conjunto de elementos denomi- nado de amostra. Para que a amostra seja representativa da população de onde proveio, cada elemento da população deve ter igual chance de participar da amostra, evitando-se um viés de seleção. Um outro erro muito comum é a amostra muito pequena ou seleci- onada de forma tendenciosa. A amostra será, portanto, a base para qualquer investigação científica que se queira realizar. É preciso, entretanto, que tenhamos alguns conhecimentos básicos de estatísti- ca e bastante senso crítico para realizarmos inferências para o todo, a partir de informa- ções com base em parte desse todo (transferência da informação obtida com base na amostra para toda a população). Mesmo que a amostra seja tomada dentro da mais estrita técnica, ainda existe uma margem de erro quando se faz a inferência (Padovani, 1995). Antes de se iniciar a amostragem (processo de seleção de uma amostra), devem ser discutidos os critérios segundo os quais os elementos da população serão selecionados para a amostra. O método de amostragem fica estabelecido ao estabelecermos os crité- rios de seleção. 9.2 Métodos básicos de amostragem Segundo Curi (1998), existem três métodos básicos de amostragem: naturalístico (I), intencional (II) e aleatório(III).
  • 70. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 7 3 I. Método naturalístico O método naturalístico (cross-sectional-sampling) realiza à seleção de um conjunto com n indivíduos, a partir de uma grande população e, então, verifica a presença ou ausência de características de interesse do pesquisador em cada indívíduos. Somente o tamanho da amostra (n) é determinado para a coleta dos dados a priori. II. Método intencional O método intencional seleciona e estuda, no mínimo, duas populações, escolhendo em cada uma das populações uma amostra com um número pré-determinado de unida- des ni com a característica Ai (I = 1, 2, ... , p), com o interesse de verificar se as i populações amostradas Ai diferem em relação à ocorrência ou não de uma variável B (B ocorre ou B não ocorre). III. Método aleatório O método aleatório é semelhante ao Método II, sendo que o mesmo considera uma população de n indivíduos, a partir da qual seleciona duas amostras, a amostra A1 para receber o tratamento controle (Grupo controle) e A2 para receber o tratamento experi- mental (Grupo experimental), de tamanhos pré-determinados, respectivamente n1 e n2 = n - n1 , obtidas aleatoriamente, o que não ocorre no Método II. A resposta de interesse é avaliada, visando a comparar os dois grupos. A situação exposta pode ser ampliada: I) considerando-se mais de dois tratamentos e/ou mais de duas classes de resposta; II) considerando-se dois ou mais tratamentos (variável qualitativa) e a resposta é uma variável quantitativa. 9.3 Principais técnicas de amostragem aleatória 9.3.1 Amostragem casual simples A amostragem é casual simples quando todos os elementos da população tem igual probabilidade (equiprobabilidade) de serem selecionados para a amostra. Essa técnica é inviável para grandes populações, porém facilmente aplicável às po- pulações pequenas. Para se obter uma amostra casual simples atribui-se um número a cada elemento da população e depois sorteiam-se os elementos que constituirão a amos- tra, ou utiliza-se uma tábua de números aleatórios com o mesmo objetivo. A amostragem casual simples pode ser com reposição ou sem reposição do elemento na população. 9.3.2 Amostragem sistemática A amostragem é sistemática se a seleção dos elementos que constituirão a amostra é feita por um sistema imposto pelo pesquisador. Deve ser empregada preferencialmen- te à casual simples quando a população pode ser organizada segundo algum critério. Exemplo: Obtenção de uma amostra dos prontuários médicos de um pronto-socorro para estudar a proporção de crianças internadas por ingerirem substâncias tóxicas. O pesquisador poderá, por exemplo, selecionar uma amostra, mediante um sorteio dos números de zero a nove; supondo-se que 4 seja o número sorteado, ele selecionará os prontuários que terminam por 4 até completar a sua amostra. 9.3.3 Amostragem estratificada Para utilizarmos a amostragem estratificada divide-se a população em grupos mais homogêneos (estratos) e depois obtém-se uma amostra casual simples ou sistemática,
  • 71. 7 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI dentro de cada estrato. Seu uso torna-se obrigatório quando as populações são muito heterogêneas. Exemplo: São comuns como estratos: sexo, idade, grupo étnico, estado civil, renda, entre outras. 9.3.4 Amostragem por conglomerados O fato de a população ser muito dispersa, no espaço ou no tempo, acarreta enorme dificuldade para o uso dos métodos de i) a iii) acima citados, portanto procede-se da seguinte maneira: primeiro, faz-se a divisão do universo em conglomerados (grupos ou áreas são considerados como miniaturas da população, com grande heterogeneidade dentro de cada um) que não se superponham; em seguida, selecionam-se aleatoriamente alguns conglomerados para comporem a amostra. Não há interesse em comparar os conglomerados, mas sim em usá-los, somados, como amostra representativa de todo o universo. Exemplo: i) Peso ao nascer em maternidades; ii) Pesquisa sobre aleitamento materno (Pereira, 1995). Finalmente, deve-se ter em conta que a técnica de amostragem quando usada corre- tamente ajuda a eliminar a tendenciosidade, ou seja, procura eliminar a parcialidade ou vício que se mostra presente quando determinado grupo de interesse é escolhido para representar a população. Uma amostra viesada pode comprometer todas as inferências que serão feitas a respeito do estudo concluído. 9.4 Considerações sobre o tamanho da amostra Freqüentemente ocorre aos pesquisadores e aos usuários da pesquisa a seguinte pergunta: qual o tamanho mínimo da amostra necessário para realizar determinada in- vestigação sem viés? Para respondermos adequadamente essa questão precisamos de algumas informa- ções adicionais, tais como a precisão requerida para as estimativas, ou seja, o erro de amostragem que pode ser tolerado, qual depende do uso que se pretenda fazer dos resultados obtidos. Quanto maior o tamanho da amostra, maior a precisão da estimativa – lei dos grandes números de Jacques Bernoulli (1643-1705), que implica: I) pequenas amostras tendem a gerar conclusões pouco confiáveis, ocorrendo modi- ficações substanciais nos seus resultados, pelo simples acréscimo de poucas unidades; II) os resultados podem diferir substancialmente de outra amostra aleatória da mes- ma população; III) grandes amostras, corretamente selecionadas, permitem conhecer com mais pro- priedade o que ocorre na população; IV) manter o tamanho da amostra em um mínimo é conveniente Se a amostra for selecionada corretamente, quanto maior a amostra mais próxima por questões práticas e financeiras, e até por implicações éticas, estará a estimativa de prevalência obtida por meio da amostra da verdadeira prevalência da comunidade. No entanto, quanto menor a amostra, menor serão o tempo e os recursos necessários para a sua avaliação. Além disso, pode ser mais fácil manter boa supervisão e controle de qualidade em uma amostra menor, o que vai assegurar a acurácia e a repetitividade da informação colhida. Portanto, num estudo de prevalência, o tamanho da amostra neces- sário é o menor possível que seja capaz de dar uma estimativa de prevalência com o
  • 72. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 7 5 grau desejado de precisão (Pereira, 1995; Vaughan & Morrow, 1997). A Tabela 1 mostra exemplos dos tamanhos mínimos de amostra requeridos para identificar níveis de prevalência esperados com as respectivas margens de erro de amostragem para a prevalência estimada. Tabela 1. Tamanho mínimo de uma amostra para uma pesquisa de prevalência de acordo com a taxa de prevalência esperada. Margemdeerro Taxadeprevalênciaamostratolerada2 máximaesperada(%)1 1% 2,5% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 0,5% 1.522 3.746 7.300 13.830 - - - - 1% 381 837 1.825 3.458 6.147 8.068 9.220 9.604 2% - 235 457 865 1.537 2.017 2.305 2.401 5% - - 73 139 246 323 369 385 10% - - - 35 62 81 93 97 15% - - - - 28 36 41 43 Fonte:vaughan&morrow(1997,p.51) 1 Esta margem representa o intervalo de confiança de 95%. Por exemplo, se a prevalência verdadeira for de 10% e tomarmos uma amostra de 139 pessoas podere- mos ter 95% de certeza de que a prevalência estimada por meio da amostra deverá estar entre 5% e 15% (isto é 10 ± 5%). Como regra geral, não aceite um erro supe- rior a 5%. 2 Selecione a mais alta entre as prováveis taxas de prevalência. Caso se antecipe uma taxa maior do que 50%, subtraia este valor de 100%. Exemplo: Caso se suspeite que a prevalência da esquistossomose na população esteja em torno de 20% a 40%, e se quisermos que o levantamento tenha uma boa chance de estimar a prevalência com uma margem de erro de no máximo 5% acima ou abaixo do valor da prevalência verdadeira, será necessário examinar uma amostra aleatória de pelo menos 369 pessoas. Suponha que o estudo foi completado, e a amos- tra mostrou uma prevalência de 32,5%, a verdadeira prevalência na população (da qual a amostra foi aleatoriamente selecionada) vai estar entre 32,5% mais ou menos 5%, ou seja entre 27,5% e 37,5% (Vaghan & Morrow, 1997). De um modo geral, para o cálculo de tamanho de amostras se a população for dicotômica (ou possível de ser trabalhada como tal), para valores não mostrados na Tabela 2, use a o seguinte procedimento: n éotamanhomínimodeamostranecessário pq péataxamáximadeprevalênciaesperada(%) n = ———— , onde: q = 100 - p (E/1,96) 2 Eéamargemdeerroamostraltolerado(%) Exemplo: Se p = 40 %; q = 60 % ; E = 5 % , fica : ( 40 x 60 ) n = ————— = 368,8 ou 369 pessoas (5 / 1,96 ) 2
  • 73. 7 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Para uma discussão mais detalhada sobre o tamanho da amostra consultar Cochran (1965). 10. Principais tipos de delineamentos utilizados em pesquisas na área de saúde Na investigação de um tema, três estratégias independentes de abordagem vêm sen- do utilizadas, de longa data, pelos profissionais da área de saúde: a) o estudo de caso, b) a investigação experimental em laboratório e c) a pesquisa em nível de população (Pe- reira, 1995). 10.1 O estudo de caso É o método de pesquisa que envolve uma análise completa e aprofundada da doença, em um indivíduo, grupo, instituição ou outra unidade social. 10.2 A investigação experimental em laboratório Investigação na qual as condições são determinadas pelo pesquisador, que comanda- rá as ações sobre as variáveis independentes por meio de controle e casualização. No estudo experimental, existe a necessidade de haver pelo menos dois grupos amostrais de indivíduos. Um grupo, chamado grupo experimental, será constituído de elementos apresentando características bem definidas, aos quais se administra o trata- mento ou condição. Outro grupo, chamado grupo-controle, será constituído de elementos que apresentam exatamente as mesmas características do grupo anterior, mas aos quais não se administra o tratamento ou condição (Berquó et al., 1981). 10.3 Pesquisa em nível de população A epidemiologia, em sua determinação histórica e conceitual, tem como definidor do seu objeto de conhecimento o coletivo de seres humanos (Rouquayrol, 1994). Classificar os principais delineamentos utilizados em epidemiologia é um tanto com- plexo devido à diversidade de critérios passíveis de serem utilizados. Adotaremos a classificação empregada por Pereira (1995): I) Estudo descritivo; II) Estudo analítico: Estudo clínico randomizado, Estudo de coorte, Estudo de caso-controle e Estudo trans- versal; III) Estudos ecológicos. 10.3.1 Estudo descritivo É o delineamento que tem o propósito de informar a distribuição de freqüências, sem a preocupação de testar hipóteses. Pode ser de incidência ou de prevalência, sem for- mação de grupo-controle para a comparação de resultados. Pode ser formado só de doentes, ser constituído só de pessoas sadias, ou ser uma composição de sadios e doen- tes. Exemplos: 1) A prevalência da hepatite B entre os voluntários à doação de sangue. 2) Imunização dos pré-escolares de um determinado município frente à poliomielite. 10.3.2 Estudo analítico É o delineamento que tem por objetivo analisar associação de eventos. É utilizado
  • 74. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 7 7 após a primeira etapa realizada pelo estudo descritivo. As pesquisas analíticas estão usualmente subordinadas a uma ou mais questões cien- tíficas, traduzidas pelas hipóteses, que relacionam eventos: uma suposta causa e um dado efeito ou, como habitualmente é referido, entre a exposição e a doença. As hipóte- ses geralmente são formuladas de modo a orientar o planejamento, a coleta e a análise dos dados, mas nada impede que elas sejam elaboradas para ser testadas em uma base de dados já existente, orientando a forma de organizar os grupos e proceder à análise dos dados. Outras vezes pode não haver uma hipótese explícita, mas sim a busca de fatores que contribuam para o aparecimento das doenças (Pereira, 1995). Exemplos: 1) Investigação sobre a eficácia de uma vacina quando comparada com um placebo. 2) Exposição de um indivíduo obeso (fator de risco) e a ocorrência de dia- betes (doença). A presença de um grupo-controle, formado simultaneamente com o grupo de estudo, serve para a comparação dos resultados nos estudos analíticos e é o aspecto que o diferencia basicamente dos estudos descritivos. O modo como os grupos de estudo e controle são formados dá origem aos diversos tipos de estudos analíticos, a seguir apresentados. 10.3.2.1 Estudo clínico randomizado (experimental) Parte-se da causa em direção ao efeito, sendo os grupos de estudo e de controle formados aleatoriamente (formar grupos com características semelhantes). A seguir, procede-se à intervenção (tratamento), com a qual pretende-se avaliar os resultados no grupo de estudo, servindo o grupo-controle para a comparação dos resultados. Exemplo: Investigação sobre o efeito de uma vacina e de um placebo. 10.3.2.2 Estudo de coorte Estudo de seguimento, folow-up ou de coorte (grupo de pessoas com alguma ca- racterística em comum, tendo em vista um estudo especial): para realizar-se uma in- vestigação etiológica no tempo, parte-se da causa em busca dos efeitos, produzindo-se medidas de incidências (medidas diretas de risco). A coorte constitui-se de um grupo de pessoas sadias quanto à doença sob investigação; esse grupo se caracteriza pela composição homogênea devido a vários fatores distintos da variável independente investigada. Difere do ensaio clínico randomizado por não haver alocação aleatória da exposição, sendo os grupos formados por observação de situações, na vida real, ou por alocação arbitrária de uma intervenção (Pereira, 1995). O estudo de coorte ou longitudinal, pode ser: I) prospectivo: estudo de coorte no qual o investigador acompanha, de corpo pre- sente, a pesquisa; é uma pesquisa em direção ao futuro: o(s) grupo(s) é(são) formado(s) no presente – às vezes a exposição já aconteceu, mas o efeito ainda não ocorreu ao iniciar-se a investigação; II) retrospectivo (histórico): trata-se de uma investigação sobre eventos passa- dos, conservando-se o princípio de estudo de coorte, ou seja, da causa em direção ao efeito e com grupo-controle; o efeito já ocorreu quando a pesquisa é realizada (Pereira, 1995).
  • 75. 7 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI 10.3.2.3 Estudo de caso-controle Ao contrário do ensaio clínico randomizado e do estudo de coorte, o delineamento do tipo estudo de caso-controle parte do efeito para chegar às causas. É, portanto, uma investigação feita de trás para frente; é uma pesquisa etiológica retrospectiva, a qual só pode ser realizada após o efeito já ter ocorrido. Deve-se cuidar para interpretar-se ade- quadamente os resultados encontrados, pois os dois grupos, de caso e controle, podem diferir em algumas características, as quais confundem a interpretação. Exemplo: Investigação sobre uma possível associação entre tumor maligno no seio de jovens e o fato de elas serem filhas de mulheres que haviam sido submetidas a mastectomia. 10.3.2.4 Estudo transversal Estudo transversal ou seccional determina, em determinado momento no tempo, a situação da saúde de um grupo ou de uma comunidade; nele a causa e o efeito são observados num mesmo momento histórico. Exemplo: Associação entre o hábito de fumar e a resistência física dos jogadores de dois times de futebol em um determinado jogo de veteranos. Fonte: Pereira, 1995. 10.4 Estudos ecológicos Nos delineamentos descritivos e analíticos a unidade de observação é o indivíduo. Nos estudos ecológicos (ou estatísticos, de grupos, de agregados, de conglomerados ou comunitários) a unidade de observação passa a ser o grupo de indivíduos. Tem origem na utilização de áreas geográficas como unidades de análise e, por extensão, generali- zou-se para outras situações em que a unidade é formada por um grupo. Atualmente denomina-se variável ecológica aquela que descreve o que ocorre em grupos de indiví- duos. Deve-se tomar cuidado com parâmetros que possam tornar-se variáveis de confundimento, dificultando a interpretação dos resultados (Pereira, 1995). Exemplo: Investigação ecológica sobre malária. Bibliografia consultada e recomendada BERQUÓ, E.S. , SOUZA, J.M.P. & GOTLIEB, S.L.D.Bioestatística. 2. ed. rev. . São Paulo: E.P.U. , 1981.349p. COCHRAN, W.S. Técnicas de Amostragem. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura/USAID. 1965. 555p. CURI, P.R. Metodologia e Análise da Pesquisa em Ciências Biológicas. Botucatu: Gráfica e Editora Tipomic, 1997.261p. MATTAR, F.N. Pesquisa de Marketing: edição compacta. São Paulo: Atlas. 1996. 271p. PADOVANI, C.R. Estatística na Metodologia da Investigação Científica. Botucatu: UNESP, Inst. de Biociências, Depto. de Bioestatística. 1995. 22p. PEREIRA, M.G. Epidemiologia Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1995. 583 p. ROUQUARYOL, M.Z. Epidemiologia & Saúde. 4. ed. Rio de Janeiro MEDSI. 1993. 527 p. VAUGHAN, J.P. & MORROW, R.H. Epidemiologia para os Municípios: manual para gerenciamento dos distritos sanitários. 2. ed. São Paulo: Ed. HUCITEC. 1997. 180 p. VIEIRA, S. Introdução à Bioestatística. 3. ed. rev. ampli. Rio de Janeiro: Campus. 1986. 195 p. WONNACOTT, R.J. & WONNACOTT T.H. Fundamentos de Estatística. Rio de Janeiro: Livros
  • 76. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 7 9 Técnicos e Científicos Editora S.A. 1985. 355 p.
  • 77. 8 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI
  • 78. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 8 1 III - Saneamento ambiental Kathia Brienza Badini Marulli Ao estudar a ocorrência das doenças vários fatores devem ser considerados. O ambiente é um dos mais importante. Não se pode negar a extrema influência que o ar respirado, a água e os alimentos consumidos e o destino dado aos dejetos desempenham na saúde dos seres vivos. Além disso, deve-se considerar a presença de outras popula- ções que porventura habitem o mesmo espaço e que podem desempenhar papel funda- mental na manutenção de agentes patogênicos e na transmissão de diferentes enfermi- dades. Sanear significa “tornar habitável”. Isto quer dizer que, quando se resolve fazer o “saneamento” de determinada área, na verdade pretende-se adotar medidas que possi- bilitem a convivência saudável e harmônica do ser humano no meio em que vive. Por definição, saneamento é um “conjunto de medidas visando a preservar ou a modificar as condições do meio ambiente, com a finalidade de prevenir doenças e promover a saú- de”. Em 1993, havia a estimativa de que 2 bilhões de pessoas, ou cerca de um terço da população mundial, encontravam-se sem condições de saneamento básico adequado. No ano de 2025 o número de pessoas não servidas permanecerá basicamente o mes- mo, se os programas de saneamento continuarem a ser implementados da forma que são atualmente (sem atender as populações que realmente necessitam, como por exem- plo, as que vivem em zonas rurais e regiões periféricas dos municípios; estabelecendo metas com maior preocupação política do que técnica e/ou social; realizando obras de forma parcial e sem continuidade, etc.). Fazem parte das atividades de saneamento o abastecimento de água; a coleta, remo- ção e destinação final dos resíduos sólidos (lixo) e líquidos (esgoto); a drenagem de águas pluviais; o controle de insetos e roedores; o saneamento dos alimentos; o controle da poluição ambiental; o saneamento das habitações, locais de trabalho e de recreação; o saneamento aplicado ao planejamento territorial. Alguns destes tópicos serão aborda- dos a seguir.
  • 79. 8 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Água Kathia Brienza Badini Marulli O conhecimento científico da transmissão de doenças infecciosas por meio da água utilizada como bebida data da publicação da investigação de John Snow sobre a epidemia de Cólera que atingiu um bairro de Londres, em 1849 (Christovão, 1977). A partir daí, inúmeros estudos sobre doenças de veiculação hídrica foram realizados, geralmente abor- dando aquelas contraídas pela ingestão de água contaminada. A contaminação da água geralmente se dá pelas águas servidas e pela incorporação de resíduos, principalmente excretas humanas e animais. A contaminação fecal da água potável pode incorporar uma variedade de organismos patogênicos intestinais, sejam eles bacterianos, virais ou parasitários, cuja presença está relacionada com doentes ou portadores que podem existir nesse momento na comunidade. As principais bactérias patogênicas que têm sido detectadas em água potável contaminada são: Salmonella, Shigella, Escherichia coli, Vibrio cholerae, Yersinia enterocolitica e Campylobacter fetus. Estes microrganismos podem causar desde enfermidades leves, que se manifes- tam por uma ligeira gastroenterite, até casos graves e, às vezes, fatais (OPAS, 1987). Mesmo que a água apresente características organolépticas (cor, sabor, odor) dentro dos padrões normais, isto não garante que ela possa ser considerada potável, pois pode estar sofrendo alguma contaminação por agentes microscópicos, por exemplo. Devido à necessidade de se fazer um controle da qualidade microbiológica da água de abastecimento e à dificuldade que seria o isolamento de cada patógeno em separado, alguns microrganismos foram eleitos como indicadores de contaminação. Os indica- dores bacteriológicos estão associados com a demonstração da contaminação da água por excretas de animais de sangue quente. Os principais indicadores utilizados para exame da água são: coliformes totais, coliformes fecais, estreptococos fecais e clostrídios sulfito-redutores, todos indicadores de contaminação fecal. Para avaliar a qualidade sa- nitária da água potável, também é pesquisada a presença de Pseudomonas aeruginosa (OPAS, 1987). Para a inspeção sanitária da água é indispensável realizar freqüentes análises bacte- riológicas. É muito melhor recorrer a provas repetidas mediante métodos sensíveis, do que utilizar uma série de métodos mais complexos em intervalos maiores (OMS, 1972). Outros indicadores são propostos, periodicamente, alguns adequados e outros não. Devem-se ter em mente, na escolha de um bom indicador, algumas características dese- jáveis: ele deve ser aplicado a todo tipo de água; deve estar presente em águas poluídas e esgotos quando os patógenos estiverem presentes; deve estar presente em maior número que os patógenos para poder ser detectado; deve estar ausente em água não poluída; deve ser detectado facilmente por exames laboratoriais simples e rápidos; deve conter caracte- rísticas constantes; deve ter um tempo de sobrevivência maior que os patógenos e não deve se multiplicar na água. O grupo coliforme é considerado um indicador confiável da adequabilidade do tratamento (Secretaria de Estado da Saúde). Os coliformes são bacilos Gram negativos, aeróbios ou anaeróbios facultativos, não formadores de esporos. Estas bactérias normalmente habitam os intestinos dos animais e sua presença na água indica a possibilidade de contaminação fecal e a possível presen-
  • 80. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 8 3 ça de microrganismos patogênicos. Os coliformes classificam-se em totais e fecais. Os coliformes são representados pelos gêneros Citrobacter, Enterobacter e Klebsiella. As bactérias que são exclusiva- mente de origem fecal são as da espécie Escherichia coli. A ausência de coliformes é prova de uma água bacteriologicamente potável. Os principais métodos utilizados para quantificação de coliformes na água são o Método dos Tubos Múltiplos (Número Mais Provável) e o Método da Membrana Filtrante. Enfermidades relacionadas com a água Segundo a Organização Mundial da Saúde, 80% de todas as doenças dos países em desenvolvimento são provenientes da água de má qualidade. As principais doenças relacionadas com a água são: 1-) Cólera Causada pela bactéria denominada Vibrio cholerae. A doença só ocorre em seres humanos. As pessoas se infectam pela ingestão de água ou alimentos contaminados, ou por levar mãos ou objetos contaminados à boca. O principal sintoma é a diarréia, bastante líquida, que causa forte desidratação, podendo levar à morte. 2-) Salmonelose É muito comum. Causada por várias espécies das bactérias do gênero Salmonella. O quadro mais grave é causado pela Salmonella typhi, e recebe o nome de Febre Tifóide. As pessoas se infectam pela ingestão de água ou alimentos contaminados pelas fezes de animais ou homens, doentes ou portadores. Os principais sintomas são febre, dores abdominais, cefaléia, vômitos, diarréia, mialgias. 3-) Shigelose (Disenteria Bacilar) Causada pelas bactérias do gênero Shigella. A contaminação se dá pela ingestão de água ou alimentos contaminados pelas fezes de pessoas doentes ou portadoras. Os prin- cipais sintomas são febre, dores abdominais, diarréia, desidratação. 4-) Hepatite Enfermidade causada por vírus da família Picornaviridae. O agente sai das fezes de pessoas infectadas, contaminando água ou alimentos. Os sintomas principais são: febre, náuseas, anorexia, icterícia. 5-) Poliomielite ou paralisia infantil Enfermidade viral, geralmente transmitida por contato direto, mas que também pode ser veiculada pela água. Os sintomas iniciais são febre, vômito e dor de cabeça, e a evolução depende de vários fatores. 6-) Amebíase O agente é um protozoário, Entamoeba histolytica. A infecção se dá pela ingestão de água ou alimentos contaminados. Os principais sintomas são febre, calafrios, diarréia com sangue ou muco.
  • 81. 8 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI 7-) Ascaridíase Enfermidade parasitária. As pessoas se infectam pela ingestão de água ou verduras contaminadas pelos ovos dos Ascaris. Sintomas: cólica, diarréia, vômito e sintomas res- piratórios. 8-) Esquistossomose Agente: Schistosoma mansoni. Possui hospedeiro intermediário (caramujo do gêne- ro Biomphalaria). As pessoas se infectam ao entrar em águas poluídas por esgoto ou fezes de portadores (as cercárias penetram ativamente na pele). 9-) Leptospirose Agente: bactérias do gênero Leptospira. Enfermidade relacionada à ocorrência de enchentes e à presença de ratos, que são os reservatórios do agente. As pessoas podem se infectar pelo contato direto (penetração pela pele ou mucosas), ou pela ingestão de água ou alimentos contaminados. Os sintomas mais freqüentes são febre, dor de cabeça, dores musculares, conjuntivite, prostração, icterícia. 10-) Dengue Existe a reprodução de vetores na água. A enfermidade é causada por um vírus da família Togaviridae e o vetor é o mosquito Aedes aegypti. Os principais sintomas são febre, calafrios, dor de cabeça, dores musculares, fotofobia, vômito. 11-) Malária Agente: Plasmodium vivax, P. falciparum, P. malariae. Vetor: mosquito do gênero Anopheles. Principais sintomas: calafrios, febre alta, vômito, dor de cabeça, sudorese. Acessos a cada 24 horas (febre “terçã maligna”), 48 horas (febre “terçã benigna”) ou 72 horas (febre “quartã”). Prevenção Para as enfermidades de transmissão fecal-oral as medidas gerais de profilaxia são: saneamento adequado (abastecimento com água tratada, proibição do uso de esgo- to ou águas contaminadas para a irrigação de verduras, instalação de rede de esgoto, destino adequado para o lixo, etc.); educação sanitária para a população; medidas de higiene pessoal; higiene no preparo de alimentos. Para a Esquistossomose: drenagem e aterro; aplicação de molusquicidas; evitar banhos em rios e lagoas. Leptospirose: combate aos roedores; higiene pessoal; evitar natação em rios e lagoas; evitar contato com água de enchentes; vacinação de animais; vacinação de pessoas expostas a risco. Dengue e Malária: controle e erradicação do mosquito (combate aos criadouros). Tratamento de água Na maioria das vezes a água necessita sofrer um tratamento antes de ser utilizada pela população. Este tratamento pode ser feito nas residências, quando o volume a ser utilizado é pequeno, mas, geralmente é realizado por técnicos especializados nas Esta- ções de Tratamento de Água (E.T.A.s). São inúmeras as finalidades do tratamento da água, como por exemplo:
  • 82. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 8 5 Finalidade higiênico-sanitária: com o objetivo de remover microrganismos, subs- tâncias tóxicas ou nocivas à saúde, mineralização excessiva, elevados teores de com- postos orgânicos; Finalidade econômica: para reduzir a corrosividade (que pode danificar equipa- mentos industriais, por exemplo), a dureza, modificar a cor da água, etc.; Finalidade estética: para que seja aceita e consumida pela população a água deve atender a um padrão já estabelecido. A água potável é inodora, cristalina, sem sabo- res característicos. Assim, muitas vezes torna-se necessário realizar a correção de cor, turbidez, sabor e odor, para adequar a água ao padrão de potabilidade e estética. Processos utilizados Existem vários métodos que podem ser empregados para que se realize o tratamento da água. A escolha do método vai depender da quantidade de água a ser tratada, da finalidade a que ela se destina e do tipo de correção ou tratamento que é necessário que se faça. Podemos dividir os processos utilizados para o tratamento de água em físicos, mecânicos e químicos. Processos físicos: baseiam-se na utilização do calor e de raios ultravioletas. O calor é utilizado como forma de tratamento para pequenas quantidades de água. Geralmente, ferve-se a água por 10 a 15 minutos, com o objetivo de destruir microrganis- mos. Este procedimento, no entanto, não é suficiente para a destruição de esporos (a ebulição deve ser mais prolongada, atingindo uma temperatura de 110 a 120o C). A utilização do calor provoca alguns inconvenientes, como alterações químicas na água (os bicarbonatos solúveis presentes na água tornam-se insolúveis e se precipitam, desprendendo ácido carbônico), gosto desagradável e dificuldade de digestão (a água se torna “pesada” devido à eliminação do oxigênio). No caso do emprego de raios ultravioletas, é necessária a utilização de equipamentos especiais que possuem lâmpadas de vapor de mercúrio em globos de quartzo. Este tipo de tratamento também é indicado somente para pequenos volumes de água. Os raios ultravioletas destroem bactérias e esporos, oxidam a matéria orgânica, não alteram o sabor ou odor da água e não oferecem riscos à saúde do consumidor. Processos mecânicos: estão incluídas nesta categoria a aeração, decantação e filtração. A finalidade da aeração é aumentar a quantidade de oxigênio dissolvido na água. O oxigênio é importante para o processo de degradação da matéria orgânica e auxilia na eliminação de ácido sulfídrico e de outros odores produzidos pela matéria orgânica em decomposição. Também é empregada com a finalidade de eliminar o anidrido carbônico, ferro e manganês existentes na água. Existem vários métodos que podem ser empregados para promover a aeração da água, como cascatas, pulverizadores e a realização da difusão de ar através da água. A decantação também é conhecida como clarificação. Este processo baseia-se no princípio de que os sólidos que se encontram em suspensão na água, por serem pesados, tendem a depositar-se, arrastando consigo os microrganismos. A decantação tem como finalidade o clareamento de águas turvas. Este método geralmente é empregado como auxiliar no tratamento de água, preparando-a para etapas posteriores. Para que se consiga uma boa decantação é necessário que se faça a aplicação cor-
  • 83. 8 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI reta de alguma substância coagulante, que a mistura desta substância seja rápida e eficiente e ocorra por um período suficientemente longo para que haja a produção de flocos. Geralmente o processo de decantação dura um período de 8 a 10 dias. Também é necessário que os tanques de decantação sejam lavados periodicamente. A filtração consiste em forçar a passagem da água através de filtros, que podem ser lentos ou rápidos. Os filtros consistem em leitos ou câmaras artificiais onde são deposi- tadas camadas de areia, seixos e brita ou outros materiais como carvão, pedra-pome, substâncias fibrosas, etc.. Os filtros lentos têm capacidade de filtrar 2.500 a 6.000 litros/ m2 /dia e são geralmente utilizados em pequenos serviços de tratamento de água. Sua limpeza é feita pela remoção ou revolvimento da camada superior de areia. Geralmente estes filtros não exigem a utilização de tratamento químico prévio. Na superfície da areia ocorre a formação de uma membrana biológica (“plankton”), que, na verdade, é uma lama coloidal com microrganismos vivos e mortos, da qual depende o sucesso da filtra- ção. Quando são empregados filtros rápidos, a água deve ser primeiramente submetida a um processo químico de coagulação. No caso dos filtros rápidos não há necessidade da existência de areia fina ou da formação do “plankton”. A água passa pelo filtro com ou sem pressão. A lavagem do filtro é feita pela reversão da corrente, com a água limpa entrando pela parte de baixo do filtro. Sua capacidade de filtração é de até 150.000 litros/ m2 / dia. A velocidade de filtração depende do tipo de material filtrante, da altura da lâmina de água e da diferença do nível da água que sai com o da água que entra no filtro. Os efeitos da filtração são: ⇒ retenção mecânica das partículas em suspensão; ⇒ sedimentação, adsorção e arejamento; ⇒ trocas eletrolíticas e alterações biológicas, que modificam as características químicas da água. Processos químicos: estão catalogadas nesta classificação a coagulação e a este- rilização. A coagulação é a adição de produtos químicos (denominados coagulantes) à água com a finalidade de promover a formação de coágulos ou flóculos pesados, que se depositam no fundo e arrastam consigo impurezas e microrganismos presentes na água. Os principais coagulantes empregados no tratamento de água são: sulfato de alumínio, sulfato ferroso combinado com cal, cloreto férrico e aluminato de sódio. O coagulante é adicionado de acordo com a cor e turbidez da água a ser tratada. Deve-se promover uma agitação moderada para que os coágulos se formem. A coagulação é utilizada para clarear águas turvas, o que ocorre em poucas horas. A esterilização da água normalmente é a etapa final de um tratamento. Existem processos físicos, como o emprego do calor ou de raios ultravioletas, que esterilizam a água, porém o mais usado é o processo químico. A substância química empregada geral- mente é o cloro, na forma de hipoclorito de sódio ou hipoclorito de cálcio (que é a cal clorada ou cloreto de cal). O cloro reage com a água, formando ácido clorídrico e ácido hipocloroso, que é uma substância tóxica. Correções especiais
  • 84. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 8 7 Dependendo da origem da água e da finalidade a que se destina, ela pode apresentar características consideradas indesejáveis. Algumas são passíveis de correção, como as apresentadas a seguir: Eliminação de algas: as algas, que proliferam na água quando esta encontra-se sob a ação da luz do sol, transmitem-lhe sabor e odor desagradáveis, entopem filtros, mancham tecidos, dentre outras coisas. O processo químico para eliminação de algas consiste na utilização de sulfato de cobre na dose de 1,2 kg para 1.000 m3 de água. Correção da dureza: a água dura é aquela que apresenta alta concentração de carbonatos e sulfatos de cálcio e magnésio. A água dura não forma espuma, causa depósitos de minerais em tubulações e é inadequada para certas indústrias, como as têxteis e fábricas de cervejas, por exemplo. Para a correção da dureza da água devem ser utilizadas a cal e a soda (carbonato de sódio). Eliminação de ferro e manganês: o ferro, quando em concentrações superiores a 0,3 p.p.m., proporciona um sabor desagradável à água. Também pode se precipitar e causar manchas em tecidos. O tratamento indicado nestes casos é o arejamento da água. Esgoto Kathia Brienza Badini Marulli Os resíduos líquidos recebem a denominação de esgoto. São constituídos pelas águas servidas, ou seja, as águas utilizadas pelo homem em sua residência, nas atividades de lavagem (de alimentos, utensílios, roupas, etc.), e, principalmente, as provenientes das instalações sanitárias. Devem-se diferenciar as águas pluviais (também denominadas águas de drenagem), provenientes da chuva, das águas servidas: a coleta e destino para estes diferentes tipos de resíduos devem ser realizados de formas distintas. Neste capítulo, serão abordados itens pertinentes às características e tratamento do esgoto. Existem os chamados esgotos sanitários ou domésticos (descargas líquidas geradas pelas residências, edifícios comerciais e instituições) e os industriais (produzidos pelos diferentes tipos de fábricas). Na maioria das cidades brasileiras, os esgotos são coletados e lançados, sem qualquer tratamento, em algum corpo d’água, como rio, lago ou mar. Esta antiga forma de rejeição de dejetos baseia-se na diluição: dependendo do volume e da quantidade de matéria orgânica presente no esgoto lançado e do volume de água do rio ou lago, este teria condições de receber os resíduos sem se poluir, porque conseguiria se “autodepurar”. A autodepuração é um processo por meio do qual ocorre a mineralização da matéria orgânica, que, então, torna-se nutriente. A mineralização é a substituição dos constituintes orgânicos por inorgânicos. Entretanto, com o crescimento cada vez maior das populações e, conseqüentemen- te, dos resíduos produzidos, este procedimento tornou-se inadequado e proibido por lei. Pode-se citar como exemplo o artigo 208 da Constituição do Estado de São Paulo, que
  • 85. 8 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI veda o lançamento de efluentes e esgotos urbanos e industriais, sem o devido trata- mento, em qualquer corpo d’água. A lei, entretanto, nem sempre é cumprida: existem, no Estado de São Paulo, 572 municípios. Destes, 135 (24%) realizam algum tratamen- to de esgoto e apenas 13 (2,3%) têm estação de tratamento de esgoto. Os outros 324 (73,7%) continuam lançando seus dejetos sem tratamento, muitas vezes provocando a “morte” dos rios (a poluição gera o consumo em excesso do oxigênio do corpo d’água, fazendo com que os peixes morram). No Brasil, apenas 44 municípios (1%) possuem estação de tratamento de esgoto. Tratamento de esgoto Existem vários motivos para que se realize o tratamento de esgotos: 1. razões higiênicas: evitar contaminação direta ou indireta; 2. razões econômicas: valor das propriedades, pesca, etc.; 3. razões estéticas; 4. razões legais. O grau de impurezas presente na água servida é o parâmetro que determina o nível de tratamento que o esgoto deverá receber. Ele pode ser mensurado, basicamente, por meio de dois critérios: Ø a quantidade de sólidos suspensos; Ø a demanda bioquímica de oxigênio (D.B.O.). A quantidade de sólidos pode ser visivelmente quantificada. Já a Demanda Bioquími- ca de Oxigênio (D.B.O.) é a quantidade de oxigênio necessária para que os microrganis- mos presentes na água consigam degradar (oxidar) determinada matéria orgânica. Pode- se dizer que o objetivo do tratamento de esgoto é reduzir a percentagem de D.B.O.. Existem diferentes níveis de tratamento de esgoto: preliminar ou primário, secundá- rio, terciário. Os métodos preliminares são métodos físicos: grades, tamises, caixas de areia e caixas de gordura. Ø Gradeamento: retenção mecânica de materiais grosseiros entre as barras de uma grade, instalada na chegada do esgoto; Ø Tamisação: o tamis nada mais é do que uma peneira, usada para separar os sólidos contidos no esgoto. Existem tamises fixos, vibratórios e rotatórios, de diversos tama- nhos; Ø Caixas de areia: canais ou tanques onde os esgotos escoam com velocidade conve- niente, de modo a obter-se a deposição de partículas minerais pesadas (areia), sem contudo visar à deposição de matéria orgânica menos densa; Ø Caixas de gordura (desengorduradores): tanques onde o esgoto escoa lentamente, permitindo a ascensão de óleos, gorduras e outras impurezas menos densas que a água. Dependendo do tipo de tratamento a que o esgoto será submetido a seguir, a gordura deve ou não ser retirada, porque ela forma um “filme” que pode dificultar o processo biológico aeróbio, por exemplo; entretanto, no caso de processos anaeróbios, o filme de gordura é desejado.
  • 86. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 8 9 O tratamento primário remove do esgoto de 30 a 80% dos sólidos suspensos e da D.B.O.. O afluente (esgoto que está chegando na estação de tratamento) é peneirado a fim de que ocorra a retenção das partículas sólidas maiores (com cerca de 2,5 a 5 cm). As partículas menores podem ser agrupadas por meio do processo de coagulação (como no tratamento de água), que leva à floculação, seguida pela sedimentação. O processo total é uma operação de clarificação. Os coagulantes mais utilizados são sulfato férrico e sulfato de alumínio com cal. Com o tratamento secundário, a matéria orgânica dissolvida é oxidada de forma a reduzir de 85 a 90% a D.B.O.. A oxidação bioquímica “imita” a conversão natural realizada pelos microrganismos que se alimentam com o material orgânico. Este proces- so pode ser acelerado por um filtro percolador ou um sistema de lodo ativado. O lodo ativado constitui um dos meios mais eficientes para remover as substâncias suspensas e as dissolvidas nas águas de esgoto. Ele contém microrganismos aeróbios, que digerem o material do esgoto. O tratamento terciário envolve um processamento visando remover poluentes que não têm D.B.O., como fósforo, nitrogênio e carbono, na forma de compostos em solu- ção. O tipo mais comum de tratamento químico é a precipitação com cal e/ou hidróxidos metálicos, como o de alumínio, sendo que sua eficiência gira em torno de 90 a 95%. Os sólidos que sobram após o tratamento podem ser enterrados, queimados ou ven- didos como fertilizantes, depois de filtração e secagem. O líquido que é obtido após o processo de tratamento e remoção de sólidos, deve ser clorado, para a destruição dos microrganismos nele existentes e, posteriormente, lançado num corpo d’água das proxi- midades. Tratamento biológico 1. Fossa séptica: usada principalmente na zona rural. Tanque de sedimentação. Ocorre a sedimentação da parte sólida. A decomposição é anaeróbica. Redução de até 40% da D.B.O.. 2. Lagoas de estabilização: 2.1.Facultativas: Nelas se processa a decomposição aeróbica e anaeróbica. O es- goto entra na lagoa em sentido contrário aos dos ventos. Período de ação varia de 3 a 6 meses. 2.2.Anaeróbias: Devem ter maior profundidade que as facultativas, ocupando, no entanto, uma área menor. Período de retenção: 4 dias. Remove-se cerca de 75% da D.B.O.. Para um bom funcionamento, é importante que o teor de matéria orgânica seja alto, não existam matérias tóxicas no esgoto e a temperatura ambiente seja superior a 25o C. Vantagem: produção de quantidade menor de lodo; não necessita aeração. Desvantagem: estabilização incompleta (necessita outro estágio – tratamento aeróbico). Usar quando há maior teor orgânico (proteínas, gorduras) e não há matéria tóxica. Uso principal em matadouros e frigoríficos. Lagoa com aguapés: a matéria orgânica fica retida nas raízes das plantas. 2.3.Aeróbias: Também chamadas de lagoas de polimento ou maturação servem como terceiro estágio no processamento do efluente de um sistema de lodo ativado ou filtro
  • 87. 9 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI biológico. Não devem ser muito profundas, para facilitar a penentração do oxigênio. Período de retenção varia de 10 a 15 dias. Redução de nutrientes. 3.Lagoas aeradas: Aeradas mecanicamente, são utilizadas como primeiro estágio ou pré-tratamento para esgoto industrial. O período de retenção varia de 3 a 8 dias, dependendo da carga, da natureza do esgoto e da temperatura ambiente. A 20o C, remo- ve-se cerca de 85% da D.B.O. e a 10o C, cerca de 65%. Geralmente são seguidas por lagoas facultativas. 3.1.Valos de oxidação: escavados no solo, recebem esgoto bruto. A aeração é feita por rotores. Reduzem a carga poluidora em aproximadamente 95%. São indicados para locais com pouca área disponível. 3.2.Tanques de aeração: servem para adicionar oxigênio ao esgoto, promovendo uma maior atividade das bactérias aeróbias que o degradam. 3.3.Lodos ativados: reutilização do lodo para depuração do esgoto bruto. 4. Filtros biológicos: depuração por ação do contato. Tratamento preliminar (de- cantação). Esgoto é então distribuído através de filtros constituídos de pedras (microrga- nismos decompositores = “biofilme” = responsável pela depuração do esgoto). Com relação aos microrganismos presentes no esgoto, calcula-se que as lagoas têm a capacidade de eliminar até 99% dos patógenos (devido a vários fatores como pH básico, luz U.V., competição por nutrientes, predação, compostos formados, etc..). No entanto, a última etapa do tratamento de esgoto deve ser a desinfecção (cloro, ozônio, radiação U.V.), após a qual ele poderá ser lançado a um rio ou lago sem causar problemas. Do ponto de vista financeiro, levando-se em conta a construção e operação do siste- ma de tratamento, o método menos oneroso seria o tratamento em duas lagoas, uma anaeróbia e uma aeróbia. Em segundo lugar, poderia ser feito um pré-tratamento em tanque de sedimentação, passando o esgoto, a seguir, por duas lagoas aeróbias. Também poderia ser empregado o método do tratamento em tanques de sedimentação e passa- gem por filtros percoladores. Lixo Kathia Brienza Badini Marulli De maneira geral, todas as atividades desenvolvidas pelo homem geram algum tipo de resíduo, que pode ser gasoso, líquido ou sólido, sendo este último também denominado “lixo”. O desenvolvimento industrial e o crescimento desordenado das cidades causaram aumento considerável na quantidade de resíduos sólidos formados e, na maioria das vezes, isto gerou problemas ainda não solucionados. Assim, sabe-se que aproximada- mente 240.000 toneladas de resíduos são produzidas pela população brasileira, diaria- mente, e 95% desse lixo recebe destinação inadequada, ou seja, fica a céu aberto. Existem vários tipos de resíduos sólidos, cada qual com características próprias. Os resíduos sólidos comuns são aqueles provenientes dos estabelecimentos comerciais e
  • 88. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 9 1 dos domicílios. Cada morador de área urbana produzia, em média, meio quilo de lixo por dia, em 1982; em 1996, a média foi de 750 gramas per capita. No Japão, cada habitante produz 2 kg de lixo ao dia. A outra categoria de resíduos sólidos é a dos especiais ou perigosos, na qual se incluem também os resíduos industriais, radioativos e hospitalares, também denominados contaminados ou sépticos. Outros resíduos são os provenientes da varrição de ruas e praças, entulhos gerados pela construção civil, podas de árvores e produtos de jardinagem e, ainda, carcaças de animais mortos encontrados em vias públicas. A composição qualitativa e quantitativa de lixo varia de acordo com a comunidade que o produz. Conhecendo-se as características do lixo de uma cidade, pode-se escolher a melhor solução para seu destino final. Podemos citar como exemplo o caso de Porto Alegre (RS), cujo lixo é rico em matéria orgânica, altamente degradável, enquanto que o do Rio de Janeiro (RJ) é rico em vidro e terra, que são materiais não degradáveis. A importância desta diferença será abordada posteriormente. Acondicionamento, coleta e transporte Existem vários tipos de recipientes para acondicionamento dos resíduos sólidos, como sacos plásticos, caixas, latas, containers, etc., cada um deles apresentando vantagens e desvantagens. O importante no acondicionamento é impedir o acesso ao lixo de insetos, roedores e animais domésticos. Os recipientes devem ficar dispostos na rua em horário próximo à coleta; as latas devem estar sempre tampadas e os sacos plásticos devem ser colocados em suportes elevados do chão, a fim de evitar-se a ação de animais. A programação da coleta deve estar baseada no volume de lixo diário produzido em cada região da cidade, entre outros fatores. Quando a coleta de lixo urbano não atende às necessidades da comunidade, ocorre o lançamento de lixo em terrenos baldios, o que proporciona condições favoráveis para a criação de insetos e roedores nesses locais. O transporte do lixo está intimamente ligado à coleta e é realizado por caminhões cujas caçambas podem ser simples ou compactadoras. Quando o caminhão coletor completa sua capacidade de carga, inicia o percurso para o local de destinação final do lixo. Com o crescimento das cidades, a distância dos pontos de coleta para os de destino final torna-se cada vez maior, e uma das soluções adotadas pode ser a criação de estações de transferência, onde os caminhões descarregam seu conteúdo, que pos- teriormente é transportado por veículos com capacidade de carga maior até o local de disposição final. Na prática, a distância limite para caminhões convencionais deve ser de 6 km e, para caminhões compactadores, de 12 km. Um aspecto importante da coleta de lixo é o risco que ela representa para os coleto- res. Inadequadas condições de acondicionamento e a falta de equipamento de proteção predispõem à ocorrência de cortes nas mãos dos trabalhadores. A poeira que se forma causa distúrbios oculares e doenças respiratórias. As infecções de maneira geral, enfer- midades dermatológicas, atropelamentos durante a coleta e problemas como hérnias e dores nas costas, em conseqüência do esforço realizado para levantar os recipientes, também são muito freqüentes.
  • 89. 9 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Destinação final do lixo Na maioria das cidades brasileiras o lixo é depositado sobre o solo, a céu aberto, sem nenhum critério científico ou ecológico. O lixo urbano contém grande parte de matéria orgânica, que entra rapidamente em decomposição em contato com o ar livre. A falta de revolvimento periódico dessa massa faz com que o oxigênio em seu interior seja rapida- mente consumido pela ação bacteriana, dando lugar à decomposição anaeróbica, com desprendimento de gases e formação de “chorume” (fração líquida escura de odor de- sagradável). Este líquido infiltra-se no solo ou também é lixiviado, podendo poluir e con- taminar as águas superficiais e subterrâneas. Além disso, os depósitos a céu aberto permitem a atuação dos “catadores” de lixo, grupos de crianças, idosos e adultos desempregados em busca de alimentos e materiais que possam ser vendidos. Além de ser um grave problema social, essa prática é também um problema sanitário, pois algumas vezes estes materiais são reaproveitados, sem qual- quer higienização prévia. Existem várias formas corretas de disposição dos resíduos sólidos, como os aterros sanitários, usinas de compostagem e incineração. Os aterros sanitários consistem em depósitos de lixo no solo, elaborados de acordo com princípios de engenharia, de modo a não causar prejuízos à saúde, à segurança e ao meio ambiente. Para isso, o terreno escolhido deve ser adequado, longe de fontes de abastecimento de água, acima do lençol freático, nunca à beira de estradas e, de prefe- rência, deve ser um terreno que necessite ser recuperado (valas, erosões, areias, etc.). Deve-se cercar o local para evitar a ação de catadores e animais e devem-ser instalar drenos para captação dos líquidos percolados (chorume), que posteriormente serão tra- tados. O lixo deve ser disposto no aterro, compactado e coberto com uma camada de terra de aproximadamente 30 cm, com a finalidade de impedir a propagação de insetos, ratos e urubus, ficando assim constituída uma célula sanitária. Todo o lixo disposto no aterro deve ser trabalhado da mesma maneira, formando novas células, que devem cobrir todo o terreno disponível. No final, o aterro deve ser selado com uma cobertura de pelo menos 60 cm de terra, bem compactada. Nas usinas de compostagem, primeiramente é realizada a separação, manual ou mecânica, do material reciclável, que é vendido para indústrias, e da matéria orgânica, que sofre a compostagem. A compostagem é um processo biológico pelo qual a matéria orgânica é distribuída em leiras, sofrendo uma fermentação, pela ação de microrganis- mos já existentes no próprio resíduo ou adicionados por meio de inoculantes. Diariamen- te deve haver a movimentação das leiras e, no final de 90 dias, obtém-se um material que pode ser utilizado como adubo orgânico. Entretanto, o destino mais adequado para o lixo orgânico é o tratamento por meio de biodigestores, no qual ocorre a formação de gás combustível e, ainda, a produção de adubo destinado à fertilização do solo. A incineração é o processo de queima dos resíduos em altas temperaturas, próximas a 1.000 ºC. Os resíduos desse procedimento, as cinzas, devem ser dispostos em aterros apropriados. A UNIMAR, Universidade de Marília, resolveu seu problema de resíduos hospitalares mediante a instalação de um incinerador, que está em funcionamento desde março de 1992. Sua capacidade é de 200 kg de resíduos por hora, suficiente para incine- rar inclusive todo o lixo hospitalar municipal.
  • 90. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 9 3 O lixo e a Saúde Pública O pior problema para a Saúde Pública está relacionado com a disposição inadequada dos resíduos hospitalares contaminados, ou seja, aqueles provenientes das salas de cirur- gia, ambulatórios, instalações dos pacientes, etc.. O destino adequado para este tipo de resíduos é a incineração, a fim de que, por meio das altas temperaturas atingidas no processo, os germes patogênicos sejam destruídos. A importância dos resíduos sólidos como causa direta de doenças não está bem comprovada. Contudo, é mais um elemento na estrutura epidemiológica da comunidade, exercendo sua ação sobre a incidência de determinadas doenças, juntamente com ou- tros fatores e principalmente por vias indiretas. Vários vetores de enfermidades como moscas, mosquitos e baratas encontram nos depósitos de lixo as condições ideais para a sua proliferação. O problema dos vetores está relacionado com as condições de acondicionamento, coleta e destino dos resíduos sólidos. Os roedores também encontram abrigo e alimentos no lixo, podendo transmitir doen- ças para o homem e causar inúmeros prejuízos, principalmente para os moradores de regiões próximas a “lixões” ou a terrenos baldios onde o lixo é depositado de forma irregular. Outro grave problema de Saúde Pública, relacionado com o lixo e muito freqüente no Brasil, consiste em sua utilização na alimentação de animais, principalmente porcos. Os animais se contaminam e, posteriormente, servem como fonte de contaminação para quem consumir carne crua ou malcozida. Para que seja fornecido como alimento aos animais, o lixo deve sofrer tratamento prévio, em equipamentos próprios, a uma tempe- ratura de 100ºC, durante 30 minutos. A utilização de materiais mal compostados ou crus para a adubação também pode ocasionar problemas sanitários, como a contaminação de produtos agrícolas, pois o lixo urbano mal fermentado é uma fonte potencial de microrganismos patogênicos. A contaminação do meio ambiente pela deposição inadequada dos resíduos urbanos também deve preocupar as autoridades sanitárias e a população. A contaminação do solo, das águas, e até mesmo a poluição do ar devido à queima do lixo a céu aberto podem trazer sérias conseqüências para a saúde da comunidade. Poluição atmosférica Contaminação ambiental por gases resultantes da combustão de veículos automotores Bruno Soerensen A poluição atmosférica ocorre devido a vários fatores, dentre os quais destaca-se a contaminação ambiental por gases resultantes da combustão de veículos automotores.
  • 91. 9 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Os automóveis são os principais emissores de monóxido de carbono (CO), óxido de nitrogênio (NO³) e outros compostos orgânicos, principalmente os hidrocarbonetos (HC). As estimativas variam em função do percentual de veículos novos movidos a álcool ou a gasolina e da rapidez com que os veículos antigos (mais poluidores) saem de circulação. Em agosto de 1977, ocorreu um dos piores episódios de qualidade do ar na Região Metropolitana de São Paulo, no que se refere a altas concentrações de CO. Isto se deve às elevadas taxas de emissão e às condições atmosféricas desfavoráveis à dispersão de poluentes durante cerca de 10 dias consecutivos. Quanto à poluição gerada por automóveis, em 1977, a do Brasil foi comparada àquela vivida pelos EUA antes que vigorassem leis reguladoras, que, a partir de 1975, impuse- ram que os novos automóveis fossem produzidos com equipamentos de controle. Foi ressaltada, ainda, a importância da utilização de transportes coletivos como forma de reduzir o número de veículos nos grandes centros urbanos. Além disso, é comprometida seriamente pela contaminação a atmosfera do planeta, um dos poucos recursos naturais efetivamente compartilhados por toda a humanidade, pois entra no contexto global sendo utilizada por todos os seres do planeta. As moléculas de ar, respiradas numa sala, já foram inaladas por habitantes do Japão, China, África e Estados Unidos. Como conseqüência deste comprometimento, temos o efeito estufa e a destruição da camada de ozônio, resultado de graves problemas internacionais. Na Con- ferência do Rio de Janeiro (ECO 92), tentou-se implementar programas que controlas- sem a emissão de gases prejudiciais ao equilíbrio da estratosfera e da vida na Terra. Entretanto, esse problema de toda a humanidade vem rolando nas mesas de conferênci- as das grandes potências sem qualquer resultado efetivo, cercado de retórica e submerso num conflito de interesses econômicos estratégicos das nações. A poluição na atmosfe- ra de São Paulo responde por um número elevado de óbitos, sendo responsável pelo agravamento de doenças pulmonares e do quadro clínico dos portadores de moléstias cardíacas. Os que sofrem de patologias crônicas, como a asma, têm, no ar da cidade, um grande obstáculo para seu tratamento. A concentração de gases na atmosfera de São Paulo atinge valores bem acima dos padrões listados pela Organização Mundial da Saúde, colocando a metrópole entre uma das quinze cidades mais poluídas do mundo, equiparando-se à Cidade do México, Los Angeles e Santiago do Chile. Gases como o dióxido de carbono (CO2 ) e o clorofluorcarbono (CFC) estão amplian- do o buraco da camada de ozônio na Antártida, durante os meses de setembro, outubro e novembro, e podem, como muitos temem, provocar a elevação do nível do mar, lem- brando-se que, nas reuniões da ECO 92, representantes de pequenas ilhas do Pacífico solicitaram a redução da emissão de gases devido ao receio de submergirem. Conforme observações realizadas em São Paulo, as crianças de até 5 anos e os idosos acima de 65 anos seriam os mais afetados pela poluição, pois nos vinte dias mais poluídos de 1993 a mortalidade de idosos cresceu em 12% e de crianças em 15%. No inverno, as internações por problemas respiratórios aumentaram 20%. Numerosos trabalhos tratam do assunto da contaminação de gases pelos automotores e indústrias, destacando os prejuízos para os povos e dentre eles o efeito carcinogênico. Os especialistas, entretanto, afirmam ser difícil determinar qual dos combustíveis utiliza- dos por veículos seria o pior à saúde, pois os gases decorrem da combinação do monóxido e dióxido de carbono.
  • 92. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 9 5 A hemoglobina contida nas hemácias, encarregada da oxigenação das células do organismo, exerce, ao mesmo tempo, papel fundamental no transporte de dióxido de carbono e íons de hidrogênio. O monóxido de carbono, gás incolor, insípido e inodoro, com densidade ligeiramente inferior ao do ar e considerado de risco potencial e asfixian- te químico, bloqueia o transporte do oxigênio pela hemoglobina contida nas hemácias e, como conseqüência, dificulta também a fixação do oxigênio na mioglobulina contida no tecido muscular. A tendência deve ser a utilização de veículos de baixo índice de poluição como os motores movidos a gás natural. A utilização futura do carro elétrico, a programação dos semáforos de maneira a se evitar o congestionamento, a diminuição do número de veícu- los poluidores, o uso adequado de coletivos, o melhor aproveitamento das energias gera- das por hidrelétricas, gás natural, energia solar, entre outras, irão diminuir a contamina- ção ambiental. Aconselha-se o melhor ordenamento do trânsito urbano e rural, incluindo- se a recomendação de se desligarem os motores em recintos fechados e túneis quando houver interrupção do trânsito. Recomenda-se, ainda, a utilização de máscaras pelas pessoas em grandes centros urbanos como a Cidade do México, Tóquio e Paris, seme- lhantes às usadas por trabalhadores da indústria química. No entanto, as máscaras que levam carvão ativado como material purificador prendem moléculas gasosas e, confor- me literatura consultada, seriam responsáveis por micoses pulmonares por vezes mor- tais. Desse modo, recomenda-se também extremo cuidado na escolha das máscaras. Impacto ambiental causado por siderúrgicas e metalúrgicas Kathia Brienza Badini Marulli A poluição é quase sempre conseqüência da atividade humana. É causada pela intro- dução de substâncias que normalmente não estão no ambiente ou que nele existem em pequenas quantidades. Portanto, dizer que poluir é simplesmente sujar é emitir um conceito senão errado, impreciso. Na verdade, o problema poluição não é recente. A partir do instante em que a espé- cie humana começou a crescer exageradamente e cada vez mais a ocupar espaços para a sua sobrevivência, a destinação dos resíduos produzidos na vida diária passou a ser um problema cada vez mais difícil de solucionar. Além disso, a sobrevivência humana de- pende do encontro de novas fontes de energia e da melhoria do bem-estar individual, que envolve, entre outras coisas, o aprimoramento dos meios de transporte, já que o desloca- mento para pontos distantes exige a criação de meios eficientes de locomoção. No entanto, esses meios, associados à modernização das indústrias, contribuem cada vez mais para a liberação no ambiente de substâncias que, até então, não existiam ou existi- am em pequena quantidade e que passam a constituir uma ameaça para a vida na Terra. Principais poluentes lançados pelas siderúrgicas e metalúrgicas Considera-se poluente o detrito introduzido num ecossistema não adaptado a ele ou
  • 93. 9 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI que não o suporta nas quantidades em que é introduzido. Dentre as inúmeras substâncias poluentes emitidas pelas indústrias siderúrgicas e metalúrgicas durante seu processo produtivo, podem-se citar: óxido de ferro: fumaça avermelhada liberada pelas siderúrgicas de aço; anidrido sulfuroso: originado pela combustão de combustíveis fósseis como carvão ou diesel e presente na fumaça das indústrias siderúrgicas; chumbo: encontrado principalmente nas águas que recebem efluentes industriais. O chumbo é um veneno cumulativo e a intoxicação crônica causada por ele é denomi- nada saturnismo. O saturnismo é freqüentemente uma doença profissional, que pode inclusive levar à morte. Existem mais operários expostos à ação do chumbo e seus compostos do que a qualquer outro metal tóxico; cianetos: o íon cianeto é muito tóxico. Os cianetos alcalinos simples formam íons quando dissolvidos na água. Muitos dos cianetos complexos são mais estáveis em solução aquosa. Normalmente são pouco tóxicos mas, sob certas condições, estes complexos decompõem-se, resultando vários graus de toxidez, dependendo do metal presente e da proporção dos grupos CN- convertidos em cianetos simples. As fontes industriais de CN- são a galvanização, cementação, banhos para clarificação de me- tais, refinação de ouro e prata, lavadores de gás para processos piréticos (coqueificação, refinação, alto-forno), borracha, fibras acrílicas, indústrias de plásti- cos, intermediários de processos químicos, etc.; compostos fenólicos: provocam cheiro e sabor desagradáveis na água potável em concentrações mínimas de 50 a 100 ppb. Se a água for clorada, 5 ppb darão um gosto ruim. Os fenóis são poderosos bactericidas e, por isso, interferem nos testes de DBO. Cargas superiores a 200 mg/l podem matar as bactérias dos lodos ativados e dos filtros biológicos e, por esse motivo, as quantidades que podem ser lançadas nas redes públicas de esgoto são limitadas. São tóxicos para os peixes em concentrações de 1 a 10 mg/l. Impacto ambiental Quando os técnicos da Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico – CETESB – detectam elevada concentração de poluentes na atmosfera, alcançando-se uma situação considerada crítica, podem determinar a paralisação de indústrias, como medida preventiva. Foi o que aconteceu, por exemplo, em setembro de 1995, quando o município de Cubatão (SP) entrou em estado de pré-alerta, levando a CETESB a para- lisar uma série de unidades industriais de empresas de fertilizantes e siderúrgicas, com o objetivo de reduzir o nível de poluição. Os técnicos detectaram 297 microgramas de poeira ou material particulado por metro cúbico de ar; o limite para o pré-alerta é de 250 microgramas. Material particulado é qualquer partícula inferior a 100 micrômetros (milionésima parte do metro), presentes na fumaça ou fuligem. As partículas inferiores a 10 micrômetros, possíveis de serem inaladas, são chamadas partículas inaláveis. Os efeitos na saúde causados pelo material particulado são a diminuição da capacidade pulmonar e o aumento da incidência de doenças respiratórias; a potencialização de sintomas em doentes com asma e bronquite; o aparecimento de câncer em pessoas com pré-disposição genéti- ca, devido a substâncias minerais e compostos orgânicos presentes nas partículas. A paralisação das indústrias é uma medida preventiva que costuma ser adotada ape-
  • 94. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 9 7 nas em situações críticas, mais comuns no inverno, quando as condições climáticas tor- nam-se bastante desfavoráveis. Em pesquisa realizada pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo em conjunto com cinco universidades alemãs, durante um período de seis anos, foi concluído que a concentração de poluentes em estado gasoso na atmosfera de Cubatão está con- taminando o solo e a água, destruindo a vegetação nativa e ameaçando a Serra do Mar, possibilitando a ocorrência de deslizamentos. Segundo os pesquisadores, em Cubatão existe uma nuvem de poluentes situada entre 200 e 400 metros de altitude, sendo que a concentração de poluentes na nuvem é de cinco a seis vezes superior à concentração na superfície. O efeito direto é a morte da vegetação original da Serra do Mar, que já perdeu cerca de 60 a 70% de suas plantas. Os gases expelidos pelas indústrias vão para a atmosfera, reagem com a água e, com a chuva, depositam-se no solo. Segundo a pesquisa, o grau de acidez nas camadas profundas do solo da região é elevado; a conseqüência disso é a absorção do ácido pelas raízes e a morte das plantas. Também foi observado um maior grau de acidez na água dos rios. Segundo os pesquisadores, mesmo com a suspensão do lançamento de poluentes, o solo levaria de 10 a 20 anos para se recuperar. Roedores Kathia Brienza Badini Marulli Desde a mais remota Antigüidade os ratos vivem próximos aos homens, causando- lhes prejuízos e transtornos. Para exterminá-los, gregos e romanos mantinham gatos e doninhas domesticadas em suas casas. Considerado um animal impuro no Antigo Testamento, consta das leis de Moisés que, se um rato cair dentro de um vaso de barro, este ficará contaminado e deverá ser quebrado. Já no século VI, por volta do ano 542 d.C., tal animal desempenhou papel importante na disseminação de um surto de Peste bubônica no Egito, que se espalhou por todo o império romano da época. Introduzido na Europa pelos barcos vindos do Oriente Médio na época das Cruzadas, o rato preto ou rato do telhado (Rattus rattus) instalou-se primeiramente nos portos. Posteriormente, espalhou-se para as cidades européias em desenvolvimento, cujas con- dições sanitárias precárias propiciaram ambiente adequado para o roedor, fornecendo- lhe abrigo e alimentos. Por volta de 1600, durante outra severa epidemia da “Peste Negra”, os médicos da época associaram, pela primeira vez, a doença à presença do rato. No século XVIII, vinda da Ásia, outra espécie de ratos entrou na Europa: o marrom ou rato do esgoto (R. norvegicus). Da Europa, os ratos chegaram à América e Austrá- lia, por meio das embarcações utilizadas nas conquistas e no comércio marítimos. Como pode-se perceber, a história dos ratos sempre esteve intimamente ligada à história do homem; entretanto sua companhia sempre foi e continua sendo extremamen- te indesejável.
  • 95. 9 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI Estes animais possuem extrema capacidade de proliferação e de adaptação ao meio, sendo encontrados em todas as partes do mundo. São onívoros, ou seja, alimentam-se de qualquer tipo de alimento, e possuem hábitos de alimentação e dejeção simultâneas, o que os transforma em fonte de contaminação de alimentos que poderão ser utilizados posteriormente pelos homens ou por outros animais. Possuem uma necessidade biológica de roer, que está intimamente ligada ao cresci- mento contínuo de seus dentes incisivos. Assim, são freqüentes os acidentes que provo- cam ao destruir o revestimento plástico dos cabos elétricos das instalações industriais, provocando curtos circuitos que causam danos a maquinários e até mesmo incêndios. Os roedores estragam 10 vezes mais do que consomem. Devastam plantações, hor- tas, pomares e colheitas de grãos, causando enormes prejuízos. Segundo dados de 1980, no Brasil, para cada habitante havia 2 ratos, o que perfazia uma população aproximada de 242 milhões de ratos. Os ratos possuem os sentidos extremamente desenvolvidos, exceto a visão. Sentem cheiros a grandes distâncias, selecionando aqueles que interessam. Têm audição exce- lente, escutando tanto os sons normais que o homem também escuta, como os chamados “ultra-sons”. Porém seu sentido mais desenvolvido é o tato, que está localizado em seus bigodes (vibrissas) e ao longo de seu corpo, em pêlos maiores que os outros, chamados de “pêlos-guardas”, por meio dos quais os ratos se orientam em lugares escuros. Tam- bém possuem paladar apurado, apreciando alimentos bons e saborosos e só ingerindo alimentos estragados na ausência de outros. As três espécies principais de roedores que convivem com o homem no meio urbano são a ratazana ou rato de esgoto (R. norvegicus); o rato de telhado ou de forro (R. rattus) e o camundongo ou ratinho, que em alguns estados brasileiros é conhecido como catita (Mus musculus). Estas três espécies possuem algumas diferenças quanto aos hábitos alimentares e abrigos preferidos, o que é importante saber para que se consiga um controle efetivo destes animais. Assim, a ratazana procura abrigo em locais baixos e úmidos, como galerias, porões e esgotos e se alimenta principalmente de restos de comida, animais mortos, carnes e peixes. Já o rato de telhado procura lugares altos e secos como forros e árvores e prefere ingerir cereais, legumes e frutas. O camundongo se esconde principalmente em lugares secos e abrigados, como gavetas, caixas de papelão e sacarias, e suas preferên- cias alimentares são constituídas por cereais, gorduras, queijos e substâncias doces. Para a proliferação dos roedores são necessárias três condições básicas: água, abri- go e alimento. No meio urbano, os ratos vivem próximos às moradias e aos estabeleci- mentos comerciais, e geralmente encontram seu alimento nos lixos, armazenados inade- quadamente. De maneira geral, alcançam sua maturidade sexual com 2-3 meses, tendo em média 8 partos por ano. A gestação varia de 19 a 23 dias, sendo que o número de filhotes por parição pode variar de 7 até 16 filhotes. A vida média de um camundongo é de aproxi- madamente 1 ano e da ratazana é de cerca de 2 anos. São animais de hábitos noturnos e usam sempre os mesmos caminhos para se locomover (enquanto forem seguros). Um dos sinais da presença de ratos num ambiente é a trilha que deixam entre o abrigo e a fonte de alimentos. Podem-se observar marcas, faixas escuras ao longo das paredes. Outros sinais observados são seus excrementos,
  • 96. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 9 9 marcas de roeduras, manchas e cheiro de urina, ou o encontro de seus ninhos. Inúmeras doenças podem ser transmitidas ao homem pelos ratos, por meio de sua mordedura, fezes, urina ou pela ação de seus ectoparasitas, como a pulga, por exemplo. Por meio da mordedura, os ratos podem transmitir a Raiva e a “Febre por mordedura de ratos”. Suas fezes, contaminando alimentos, podem causar Salmonelose e sua urina pode contaminar água e alimentos e transmitir a Leptospirose. No caso da Peste e do Tifo murino, são as pulgas dos ratos infectados que transmitem a doença ao homem. Além dessas, outras enfermidades podem atingir os ratos e, conseqüentemente, os ho- mens. As medidas de controle e combate aos roedores podem ser divididas em antiratização e desratização. A antiratização é um conjunto de medidas que visam a impedir o acesso de roedores a áreas que ainda estão livres destes animais, por meio da eliminação de fatores de atração e proliferação. São medidas de antiratização a aplicação de obstáculos que impeçam o acesso dos roedores a determinadas áreas ou edificações (instalação de grades de ferro em dutos de ventilação ou outras aberturas permanentes; proteção da parte inferior das portas que dão acesso ao meio externo com chapas de ferro ou outro material resistente às roeduras; aplicação de discos, cones ou placas lisas de metal em pilares, tubulações, encanamentos e até mesmo em árvores, visando a impedir a subida dos roedores pelos mesmos). Quando a infestação por roedores já ocorreu e pretende-se eliminar estes animais da área em questão, deve-se empregar o termo desratização. Como métodos de desratização pode-se citar a utilização de ratoeiras ou armadilhas, dispositivo que pode ser útil em ambientes pequenos, quando a infestação é reduzida, ou ainda quando o emprego de iscas envenenadas é impossível por algum motivo. As ratoeiras devem ser colocadas junto às trilhas, com alimentos atrativos para os roedores. A escolha do tama- nho da ratoeira ou armadilha deve levar em consideração a espécie de roedor que se está combatendo, pois é evidente que uma ratoeira destinada a camundongos não surtirá efeito contra uma ratazana adulta. O método mais eficaz para a eliminação de roedores em larga escala é o emprego de substâncias químicas tóxicas. A maioria dos raticidas disponíveis no mercado são à base de anticoagulantes, tendo como princípios ativos os derivados da cumarina. Existem várias apresentações destes produtos, sendo uma delas o pó de contato. Seu mecanismo de atuação consiste em aderir aos pelos e às patas dos roedores, durante o contato acidental no trajeto do animal e, ao ser lambido instintivamente pelo mesmo, intoxicar o roedor. Já as iscas raticidas que devem ser ingeridas para provocar o envenenamento consistem em alimentos atraentes para os roedores, aos quais se mistura um produto químico tóxico. Apresentam-se sob a forma de farelo, “pellets”, blocos parafinados ou resinados. As iscas podem ser elaboradas pelos Centros de Controle de Zoonoses ou serem produzidas industrialmente e adquiridas no comércio. Atualmente, no Brasil, existem raticidas de dose múltipla (iscas preparadas com bai- xas concentrações, que agem cumulativamente), à base de hidroxicumarina (Warfarin, Cumacloro, Cumatretalil, Cumafuril ou Fumarina) ou à base de indandioses (Piral, Difacinona, Clorofacinona), e raticidas de dose única, que causam a morte em 7 a 10 dias após uma única ingestão. Como exemplos dos raticidas de dose única podem-se citar Difenacoum, Bromadiolone, Brodifacoum, Flocoumafen e Difelialine. As iscas anticoagulantes de dose múltipla são menos tóxicas, oferecendo uma maior margem de segurança. Como desvantagens, pode-se citar a necessidade da utilização
  • 97. 1 0 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI de maior quantidade de iscas, a necessidade de ingestões repetidas da isca até atingir a dose letal, o que torna a desratização mais lenta e trabalhosa. Já no caso da utilização de iscas coagulantes de dose única, a desratização é mais rápida, havendo uma maior eco- nomia de iscas, pois não há necessidade de ingestões repetidas. No entanto, estes são produtos mais tóxicos e oferecem maiores riscos. Por tudo o que foi explanado, em ambientes habitados por outras espécies animais ou locais públicos devem-se preferir as iscas de dose múltipla. Insetos Kathia Brienza Badini Marulli Pertencentes ao Filo Arthropoda, as diferentes espécies de insetos têm em comum seu pequeno tamanho e sua grande capacidade de causar inúmeros problemas, que vão do incômodo que o zumbir dos mosquitos proporciona, às epidemias de enfermidades nas quais eles desempenham papel de vetor. Os principais insetos de interesse em Saúde Pública são mosquitos, moscas, baratas, “barbeiros”, pulgas e piolhos. Cada grupo apresenta características próprias, que devem ser conhecidas para que se consiga um combate eficaz. Mais do que isso, muitas vezes, dentro de um mesmo grupo de insetos, existem representantes com hábitos bastante diferentes, como será comentado a seguir. Mosquitos Conhecidos por inúmeros nomes populares como pernilongos, muriçocas, muriranhas e carapanãs, os mosquitos pertencem à Ordem Diptera e são classificados em vários gêneros de importância, que, além de serem vetores de inúmeros agentes patogênicos, causam queda do rendimento nos trabalhadores que sofrem seus ataques noturnos. Quanto às características biológicas dos mosquitos, pode-se dizer que possuem ciclo de desenvolvimento com metamorfose completa (denominados holometábolos), com- preendendo as fases de ovo, larva, pupa e adulto. Os machos se alimentam de seiva vegetal e somente as fêmeas sugam sangue, necessário para a maturação dos ovos, que, em número de 100 a 400, são depositados em ambientes aquáticos. As larvas e pupas também vivem na água e os adultos, alados, procuram viver nas proximidades dos domi- cílios humanos. O ciclo biológico dos mosquitos leva cerca de 7 a 10 dias e sua vida média é de 3 meses. O pernilongo comum pertence ao gênero Culex, se reproduz em águas estagnadas e poluídas e possui hábitos noturnos, causando grande incômodo às suas vítimas. Algumas espécies deste gênero são vetores da Wuchereria bancrofti, agente causador da “Elefantíase” ou Filariose Bancroftiana, de alta incidência no continente africano. Os representantes do gênero Aedes possuem hábitos diurnos e preferem depositar seus ovos em águas limpas. O principal representante deste gênero é o Aedes aegypti, responsável pela transmissão do vírus causador da Dengue. Esta espécie também é o vetor do agente da Febre Amarela, em seu ciclo urbano. Outros gêneros de mosquitos importantes são Anopheles (transmissor do Plasmodium causador da Malária), Phlebotomus (vetor do agente da Leishmaniose) e Simulium (co- nhecidos como “borrachudos”, possuem picada bastante dolorosa).
  • 98. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 0 1 Como praticamente qualquer local em que fique água acumulada pode servir para a postura dos ovos dos mosquitos, pode-se perceber que estes insetos possuem inúmeros criadouros. Estes criadouros podem ser divididos em: domésticos – vasos, lagos ornamentais, ralos, caixas d’água, calhas entupidas, vasilhames ao relento; urbanos – cemitérios, valas, construções civis, galerias de águas pluviais; naturais – rios, lagos, plantas, etc.. O controle dos mosquitos deve ser baseado em medidas que impeçam sua prolifera- ção. É necessário que seja feito um trabalho de educação sanitária junto à população, esclarecendo-a sobre os inconvenientes do acúmulo de água em recipientes expostos, para que não se formem criadouros domésticos. Deve-se também investir em sanea- mento básico, dando destino adequado ao lixo e proporcionando rede coletora de esgoto aos municípios. Quanto aos métodos de combate, deve-se, sempre que possível, procurar atingir o inseto em seu estado larval, por meio de métodos mecânicos (drenagem e aterro de criadouros) ou biológicos (emprego de peixes que se alimentam das larvas ou de larvicidas biológicos, como as suspensões com Bacillus thuringiensis). Em casos específicos, e tomando as devidas precauções com o meio ambiente, substâncias químicas podem ser utilizadas para a destruição das larvas. O combate ao inseto adulto em nível ambiental pode ser feito, como quando se em- prega a termonebulização, que é a aspersão de inseticida por meio da utilização de equipamento apropriado, normalmente colocado em cima de caminhões, e geralmente utilizado em locais com grandes infestações ou em situações de risco de epidemia de Dengue, por exemplo. Esta prática, popularmente conhecida como “fog” ou “fumacê”, é uma atividade de alto custo e de difícil realização, pois requer planejamento cuidadoso, equipamento adequado e pessoal treinado. Quando utilizada de maneira errada, pode trazer conseqüências indesejadas como desequilíbrios ambientais e problemas de saúde na população, como casos de alergias e alterações respiratórias. Moscas Assim como os mosquitos, as moscas pertencem à Ordem Diptera. São inúmeras as espécies de interesse, cada qual com peculiaridades próprias. Estes insetos causam desconforto para homens e animais, além de proporcionarem prejuízos (como a danifica- ção de couros pelas larvas da Dermatobia hominis, por exemplo) e veicularem agentes patogênicos. Seu ciclo biológico possui as fases de ovo, larva, pupa e adulto. ADermatobia hominis necessita de outros insetos para o transporte de seus ovos, e estes transportadores rece- bem o nome de foréticos. A larva desta mosca penetra ativamente na pele e é conhecida popularmente como “berne”. As miíases, denominadas vulgarmente “bicheiras”, podem ser classificadas como cutâneas ou cavitárias, acidentais ou obrigatórias e, ainda, como biontófagas ou primári- as, necrobiontófagas ou secundárias e necrófagas. As miíases primárias são aquelas que se instalam em tecidos normais, vivos. Já as secundárias, localizam-se em tecidos necrosados de hospedeiros vivos. As miíases necrófagas são as encontradas em cadá- veres.
  • 99. 1 0 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI A Cochliomyia hominivorax é um exemplo de mosca causadora de miíase primá- ria. Seus ovos, em quantidade aproximada de 200 a 300, são depositados nos hospedei- ros sob a forma de massas brancas, compactas. Os locais preferidos para a postura são os ferimentos e umbigos de recém-nascidos. Em um período de 5 dias aparecem os adultos. Uma espécie causadora de miíase cavitária é a Gasterophilus nasalis. Suas larvas são deglutidas ou penetram através da pele, parasitando o estômago (recebendo o nome de gastromiíase) e início do intestino delgado dos eqüinos. A Oestrus ovis causa miíase cavitária em ovinos, principalmente ao redor e no interior das narinas. As espécies Haematobia irritans (“mosca-dos-chifres”) e Stomoxys calcitrans (“mosca-dos-estábulos”) são hematófagas, podendo causar problemas ao desenvolvi- mento, diminuição na produção e transmissão de agentes patogênicos aos animais parasitados. As moscas do gênero Chrysomyia são conhecidas como “varejeiras” e depositam seus ovos geralmente em materiais em decomposição. Pelo seu contato freqüente com fezes, podem estar associadas à transmissão de enfermidades entéricas, como a polio- mielite. A Musca domestica (mosca doméstica) é aquela que vive mais próxima do homem e que muitas vezes contamina alimentos, servindo de vetor mecânico a diferentes mi- crorganismos. Apesar das diferenças existentes entre os vários tipos de moscas, algumas medidas de controle geral podem ser preconizadas, como o saneamento do meio ambiente, em nível rural ou urbano. Medidas como a canalização de esgotos, destino adequado às excretas humanas e animais, acondicionamento e destino adequado para o lixo, higiene de instalações e construção de esterqueiras em propriedades rurais, contribuem em muito para a diminuição destes insetos. A proteção dos alimentos, não deixando-os expostos e, assim, impedindo sua contaminação pelas moscas, é medida que previne inúmeras doen- ças. Os inseticidas devem, preferencialmente, ser utilizados no combate às larvas. Para os adultos, podem ser empregados sob a forma de iscas, existindo também outros méto- dos, como as armadilhas e aparelhos especiais que provocam a eletrocução dos insetos. A pulverização de animais com inseticidas, a aplicação de bernicidas e o tratamento do umbigo dos filhotes, assim como de qualquer ferimento que um animal possua, são medidas importantes para a prevenção do parasitismo pelas larvas de moscas. “Barbeiros” Existem vários gêneros de insetos que recebem a denominação popular de “barbei- ros”, como o Triatoma, Rhodnius, Paustrongylus, etc.. A principal importância destes insetos é sua atuação na transmissão do Trypanosoma cruzi, protozoário causador da Doença de Chagas. Estes insetos habitam ninhos de pássaros, colchões e, principalmente, frestas nas paredes das casas, em especial nas de barro e pau-a-pique. As medidas de controle consistem na substituição das casas citadas por casas de alve- naria, o que seria o ideal, apesar de economicamente inviável. Manter a higiene das habi- tações também é de grande importância, assim como proceder à retirada de ninhos de
  • 100. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 0 3 pássaros dos beirais das casas. Coberturas de capim em telhados devem ser evitadas. O uso de produtos químicos para o combate do inseto pode ser feito, sendo usado principal- mente o BHC a 15%, que tem efeito residual de 3 meses. Baratas O ciclo biológico das baratas possui as fases de ovo, ninfa e adulto. Dependendo da espécie, podem ser ovíparas, ovovivíparas ou vivíparas. Possuem vida média de 4 me- ses. Existem cerca de 3500 espécies de baratas, sendo a maioria de vida silvestre. As principais espécies de baratas domésticas são a Periplaneta americana e a Blattella germanica. Estas baratas passam os dias escondidas em ambientes escuros e úmidos, como fossas e tubos de esgoto, e à noite saem em busca de alimentos, penetrando nas cozi- nhas ou depósitos dos hospitais, restaurantes ou residências. Sua importância está rela- cionada com a transmissão de doenças, principalmente por meio da contaminação de alimentos, seja pela regurgitação e deposição de excrementos seja pelo contato. Os microrganismos podem permanecer viáveis no tegumento, tubo digestivo ou excretas das baratas durante dias ou semanas. Estes insetos são responsáveis, ainda, por proble- mas estéticos e de mau odor, além de danificarem livros e tecidos. Para controle do problema, as medidas preconizadas são o acondicionamento adequado do lixo, manutenção dos ralos em bom estado de conservação, proteção dos alimentos a fim de impedir-se o acesso das baratas e evitar-se utilização de inseticidas. Pulgas O ciclo biológico destes insetos compreende as fases de ovo, larva, pupa e adulto. Os ovos são depositados sobre o hospedeiro ou no ambiente em que ele vive, e a fêmea só faz a ovoposição após alimentar-se de sangue. Em média, a eclosão dos ovos se dá em 1 a 2 semanas após a postura. Os adultos conseguem sobreviver vários meses sem alimentação. A importância das pulgas consiste na debilitação que podem provocar em hospedei- ros mais sensíveis, quando a infestação é alta, bem como na sua atuação como vetores de agentes patogênicos. Os causadores da Peste e do Tifo murino, por exemplo, são veiculados por pulgas. Estes insetos são também responsáveis por graves manifesta- ções alérgicas, no homem e nos animais, e pela transmissão de parasitas como o Dipylidium caninum. Existem diversas espécies de pulgas, espalhadas por todo o mundo. As principais são a Pulex irritans, que parasita o homem, a Xenopsylla cheopis, que é a pulga dos ratos, e a Ctenocephalides canis e Ctenocephalides felis, pulgas que parasitam respectiva- mente os cães e gatos. Para o controle destes insetos deve-se promover a desinfestação nos animais domés- ticos (mecânica ou por meio de produtos químicos, dependendo da idade do animal e do grau de infestação), a limpeza do ambiente, de preferência com o auxílio de um aspira- dor de pó, e a utilização de inseticidas.
  • 101. 1 0 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Piolhos O piolho do couro cabeludo é o Pediculus capitis. Ele se localiza preferencialmente na parte posterior da cabeça, de onde se desloca para as outras regiões, e alimenta-se de sangue, várias vezes ao dia. O ciclo biológico dura, em média, 3 a 4 semanas. Os ovos dos piolhos recebem a denominação de lêndeas e cada fêmea coloca a quantidade de 50 a 100 ovos. A vida média do adulto gira em torno de 1 mês. Os piolhos provocam grande desconforto, devido ao prurido que induzem, causado pela saliva do inseto, que é introduzida no hospedeiro no momento da picada. Muitas vezes as pessoas, ao se coçarem, provocam feridas, que podem se infectar, piorando o problema. Para o combate a esse inseto, é necessária a retirada das lêndeas, que pode ser feita manualmente, com a ajuda de vinagre morno e pente fino. Atualmente, existem produtos comerciais que têm ação sobre os insetos adultos e sobre as lêndeas. Os produtos tradi- cionais, à base de benzoato de benzila ou de monossulfiram, agem apenas sobre os piolhos, e não sobre as lêndeas. Além do tratamento dos infestados e dos seus comunicantes, é recomendável a manutenção de hábitos de higiene pessoal, o que difi- culta a propagação desta parasitose. Carrapatos Kathia Brienza Badini Marulli Dentro do Filo Arthropoda, além dos insetos, existe outra classe de interesse para a Saúde Pública: a Arachnida. Os carrapatos fazem parte da classe Arachnida, ordem Acari, subordem Ixodides. Os aracnídeos possuem quatro pares de patas (os insetos possuem apenas três). Quanto ao desenvolvimento dos ovos, os carrapatos são hemimetábolos, ou seja, do ovo sai uma larva com aparência semelhante à do adulto. Os ovos dos parasitas são depositados no solo ou em “esconderijos” fora do hospe- deiro. As larvas que saem destes ovos procuram um hospedeiro para se alimentarem de seu sangue e voltam ao solo, onde sofrem mudas. Existem carrapatos que necessitam de apenas um hospedeiro para concluir seu ciclo evolutivo (como é o caso do Boophilus microplus), outros precisam de vários hospedeiros (como é o caso do Amblyomma cajennense, que precisa de três hospedeiros). Os adultos também são hematófagos. Os carrapatos são altamente resistentes, podendo ficar muito tempo sem se alimen- tar. As fêmeas colocam de 2.000 a 10.000 ovos e a duração do ciclo depende das condições ambientais (temperatura e umidade), podendo variar de dois meses a até 6 anos, se as condições não forem favoráveis. Estes parasitas são responsáveis por inúmeros prejuízos como: desvalorização dos couros dos animais, pelos estragos que causam ao se fixarem neles; atraso no desenvolvimento dos animais altamente parasitados; enfraquecimento dos animais infestados (segundo alguns autores, um carrapato suga
  • 102. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 0 5 0,2 g de sangue por dia); queda na produção de leite (de 18 a 40%); transmissão de inúmeras doenças ao homem e aos animais. Existem vários gêneros e espécies de carrapatos, cada um sendo vetor específico de determinado agente etiológico. Assim, temos o Boophilus microplus, que parasita prin- cipalmente os bovinos, e é o responsável pela transmissão da Babesia e do Anaplasma. No caso da Babesiose canina, o vetor é o Rhipicefalus sanguineus. O Argas miniatus é um parasita das aves e pode transmitir-lhes a Borrelia gallinarum. No caso do homem, existe a Febre recorrente transmitida por carrapatos, causada pelas variantes da Borrelia recurrentis, que são transmitidas pelos carrapatos do gêne- ro Ornithodoros; a Febre Q, causada pela Rickettsia burnetii e transmitida, no ciclo silvestre, pelos carrapatos das famílias Ixodidae e Argasidae; a Febre Maculosa, cau- sada pela Rickettsia rickettsii, cujo vetor é o Amblyomma cajennense, entre outras. O combate e controle destes prejudiciais parasitas deve ser feito por meio da desinfestação mecânica; emprego de produtos próprios para o seu combate, por meio de aspersão ou de banhos de imersão; bom manejo das pastagens (utilizando a rotação de pastagens, o cultivo nestes campos pelo período de um ano, ou o abandono do pasto que estiver altamente infestado, também pelo período de um ano). É também muito impor- tante, sempre que possível, descobrir os esconderijos dos carrapatos e aplicar carrapaticidas nestes locais. Morcegos Kathia Brienza Badini Marulli Os morcegos pertencem à Ordem Chiroptera e são os únicos mamíferos que possu- em a capacidade de voar. Existem cerca de 1.000 espécies de morcegos no mundo, distribuídas em duas subordens, Megachiroptera e Microchiroptera. Os megaquirópteros são de maior porte, podendo alcançar até 1,70 m de envergadura e dois quilos de peso e só existem na África, Ásia e Oceania. Já os microquirópteros possuem distribuição cosmopolita, com cerca de 140 espécies registradas no Brasil. Medem apro- ximadamente 10 a 80 cm de envergadura e pesam de 4 a 200 gramas. A maioria dos morcegos (cerca de 70% das espécies) é insetívora. Devido ao seu hábito alimentar, auxiliam no controle das populações de besouros, mariposas, cupins, percevejos e pernilongos. Outras espécies são fitófagas, nectarívoros e frugívoros, de ocorrência apenas nas regiões subtropicais e tropicais do mundo, onde existem plantas que produzem néctar e/ou frutos durante todo o ano. Estas espécies são importantes do ponto de vista ecológico, porque promovem a polinização de diversas plantas, como pequi, ingá ou até alguns maracujás, e a dispersão de sementes de várias outras. Existem algumas poucas espécies de morcegos que são carnívoras, alimentando-se de camun- dongos, peixes, rãs, aves e outros morcegos. Geralmente, estes morcegos completam sua dieta com insetos ou frutos. Existem apenas três espécies de morcegos que se alimentam de sangue (conhecidos como “vampiros”): Desmodus rotundus, Diaemus youngi e Diphylla ecaudata. O período de gestação dos morcegos é variável, de acordo com a espécie. Assim,
  • 103. 1 0 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI enquanto os insetívoros têm uma gestação de dois a três meses, a dos fitófagos gira em torno de três a cinco meses, e o período de gestação dos morcegos hematófagos é de sete meses. Geralmente nasce apenas um filhote por gestação, mas alguns morce- gos insetívoros podem gerar dois a três filhotes por gestação. Os morcegos são animais de hábitos noturnos e necessitam de abrigos para repou- sar durante o dia. Eles procuram locais de pouca ou nenhuma luz, onde se alojam em grupos de 100 a 2.000 animais, denominados colônias. Estes abrigos são, na maioria das vezes, cavernas, fendas de rocha, ocos de árvores, túneis abandonados, mas eles também se abrigam em sótãos, forros de casas, porões, garagens, estábulos, etc.. Geralmente os morcegos saem de seus abrigos ao entardecer ou no início da noite. Os morcegos conseguem voar e enxergar bem no escuro. Os microquirópteros se comu- nicam e voam orientados por sons de alta freqüência. Este sistema, denominado “ecolocalização” (ou localização pelos ecos), é popularmente conhecido como “sonar dos morcegos”. O sistema consiste na emissão de ultra-sons que, ao encontrarem um obstáculo, retornam em forma de ecos captados pelos seus ouvidos muitos sensíveis, possibilitando a sua orientação. Os megaquirópteros não possuem este sistema, orien- tando-se basicamente pela visão. Morcegos hematófagos Alguns morcegos se alimentam de sangue, como já foi dito anteriormente (Desmodus rotundus, Diaemus youngi e Diphylla ecaudata). Eles auxiliam no controle populacional de pequenos vertebrados, mas sua maior importância reside no fato de atuarem como transmissores da Raiva. Cada vampiro suga, em média, 20 mililitros de sangue por noite. Atacam preferencialmente bovinos, eqüinos, caprinos e pequenos animais domésticos. Também sugam sangue humano, mas só atacam pessoas que estejam imóveis, dormin- do. Para se alimentarem, os morcegos fazem uma incisão na pele da vítima e bebem o sangue através de dois sulcos localizados sob a língua. Os morcegos possuem o hábito de utilizar o mesmo ferimento por mais de uma noite seguida e, geralmente, atingem o dorso dos animais. Os morcegos estão envolvidos na epidemiologia de diversas enfermidades, sendo as mais importantes a Raiva e a Histoplasmose. Estas doenças podem ser transmitidas ao homem, direta ou indiretamente, assim como a outros animais de sangue quente. A Raiva é transmitida pela mordedura e os morcegos são, atualmente, o segundo maior transmissor da doença para os seres humanos, no Brasil. Inicialmente, acreditava- se que os morcegos hematófagos eram imunes ao vírus da Raiva, mas evidências atuais sugerem que os morcegos também morrem em conseqüência da enfermidade, não atu- ando como reservatórios imunes do vírus. Os morcegos não-hematófagos podem portar o vírus rábico, mas só o transmitem ao homem por contato ocasional, quando ocorre a manipulação indevida de morcegos moribundos. No caso da Histoplasmose, a infecção ocorre pela inalação de esporos do fungo Histoplasma capsulatum, que são comumente encontrados em solos enriquecidos por matéria orgânica, como em abrigos de morcegos e, ainda, em galinheiros e pombais. Para o controle dos morcegos hematófagos podem-se utilizar substâncias anticoagulantes à base de Warfarina, de três maneiras diferentes: aplicação do produto sobre as feridas recentes causadas pelos morcegos em animais de criação; aplicação do
  • 104. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 0 7 produto no pescoço, dorso e lombo dos animais que provavelmente serão atacados no rebanho (que são os de temperamento mais dócil e que dormem na periferia do rebanho) ou tratamento tópico de morcegos capturados. Neste último caso, devem-se primeira- mente capturar alguns morcegos (com puçás ou redes) e passar em suas costas uma pequena quantidade de pasta anticoagulante. Devolvem-se, então, os animais ao local de origem. Como eles possuem o hábito de se lamberem uns aos outros, vários morrerão por hemorragia interna. Cada morcego empastado mata vinte ou trinta outros. Morcegos em áreas urbanas Devido às modificações no ambiente realizadas pelo homem, uma série de animais indesejáveis passou a encontrar condições de moradia nas áreas urbanas. Isto também ocorreu com os morcegos, principalmente com as espécies insetívoras e frugívoras. Os prédios, com seus sótãos, porões e juntas de dilatações, representam verdadeiras cavernas para estes animais se alojarem. A iluminação noturna das vias públicas e residências é atrativa para os insetos que são o alimento dos morcegos. O plantio de árvores frutíferas fornece alimentação para as espécies fitófagas. Os morcegos mais comumente encontrados nas zonas urbanas são os insetívoros e frugívoros. Os morcegos hematófagos podem ser encontrados nas áreas periurbanas, sendo raros nas cidades. O principal sinal da presença de morcegos em edificações é o acúmulo de suas fezes e os odores causados por elas (que são desagradáveis e característicos). Se estiverem em grande quantidade, podem provocar rachaduras, apodrecimentos das madeiras do forro, manchas em tetos e paredes e a atração de insetos coprófagos. No caso de morcegos insetívoros, que geralmente se deslocam dos abrigos por frestas estreitas, pode-se observar a presença de manchas mais escuras ao redor desses locais, causadas pela oleosidade dos pêlos dos animais. Para desalojar os morcegos de edificações devem-se observar os espaços por onde os animais entram e saem dos abrigos e os horários em que isto ocorre. Vedam-se as outras aberturas do local, deixando abertas apenas as utilizadas para a movimentação dos morcegos. No horário de costume, deve-se aguardar a saída dos morcegos e vedar provisoriamente as aberturas (com panos ou jornais), impedindo que eles retornem ao abrigo. No dia seguinte, retira-se o material provisório, permitindo a saída daqueles que eventualmente tenham permanecido no abrigo. Fecham-se provisoriamente e, no dia seguinte, definitivamente as aberturas de entrada e saída dos morcegos. Alguns produtos podem funcionar como repelentes para os morcegos, como o formol (líquido ou em pastilhas), a naftalina e outros. Estes produtos podem ser utilizados em espaços pequenos e com pouca ventilação, mas possuem os inconvenientes de serem pouco duráveis, causarem danos à saúde humana e não oferecerem garantia de suces- so. Tanto nas zonas urbanas como nas rurais, deve-se sempre procurar o auxílio de técnicos especializados para realizar o combate aos morcegos. É importante ressaltar que as pessoas devem sempre evitar o contato direto com qualquer tipo de morcego, vivo ou morto. Muitos casos fatais já aconteceram porque pessoas encontraram morce- gos caídos no chão e, ao manuseá-los, foram agredidas.
  • 105. 1 0 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI Bibliografia consultada e recomendada Água Cetesb. Técnica de Abastecimento e Tratamento de Água. São Paulo: Cetesb-Ascetesb, 1987. Vol.1. Christovão, D. A. Bacteriologia da água. Seu exame e controle bacteriológicos. IN: Água – Qua- lidade, padrões de potabilidade e poluição. São Paulo: CETESB, 1977. Organizacion Mundial de La Salud. Normas internacionales para el agua potable. 3a ed. Genebra: OMS,1972. Organizacion Panamericana de La Salud. Guias para la calidad del agua potable. Washington: OMS,1987.Vol.2. Richter, C.A. e Azevedo Netto, J.M. Tratamento de Água – Tecnologia Atualizada. São Paulo: EdgardBliicher,1991. Secretaria de Estado da Saúde. Apostila do Curso Pró-Água – Programa de Vigilância da Qualida- de da Água para Consumo Humano. São Paulo: Centro de Vigilância Sanitária, s.d. Esgoto Branco, S.M. Hidrobiologia Aplicada à Engenharia Sanitária. São Paulo: Cetesb-Ascetesb, 1986. Branco, S.M. Poluição: A morte de nossos rios. São Paulo: Ascetesb, 1993. Braile, P.M. e Cavalcanti, M. Manual de Tratamento de Águas Residuárias Industriais. São Paulo: Cetesb, 1993. De Angelis, J.A. Epidemiologia Básica e Saneamento Aplicado. São Paulo: Atheneu, 1992. Gaudy, A., Gaudy, E. Microbiology for Enviromental Scientists and Engineers. New York: Mc Graw-Hill,1980. Lixo Cetesb. Resíduos sólidos industriais. São Paulo: Cetesb, 1993. De Angelis, J.A. Epidemiologia Básica e Saneamento Aplicado. São Paulo: Atheneu, 1992. Gaudy, A., Gaudy, E. Microbiology for Enviromental Scientists and Engineers. New York: Mc Graw-Hill,1980. Lima, L.M.Q. Tratamento de lixo. 2. ed. São Paulo: Hemus, 1991. Mota, S. Saneamento. In: Rouquayrol, M.Z. Epidemiologia e saúde. 4. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1994. Roedores Carvalho Neto, C. Manual Prático de Biologia e Controle de Roedores. São Paulo: Ciba Geigy, 1987. Ministério da Saúde. Normas Operacionais de Centros de Controle de Zoonoses. Procedimentos para o Controle de Roedores. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 1993. Schwabe, C.W. Veterinary Medicine and Human Health. 3. ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1984. Insetos Carvalho Neto, C. Manual de Biologia e Controle dos Insetos Domésticos. São Paulo: Ciba Geigy, 1993. Organización Panamericana de la Salud. Dengue y dengue hemorrágico en las Américas: guías para su prevención y control. Washington: OPAS, 1995. Publ. Cient. no 548 Secretaria de Estado da Saúde. Culex (pernilongos) - apostila. São Paulo: SUCEN, s.d. Secretaria de Estado da Saúde. Manual de Atividades para Controle dos Vetores de Dengue e
  • 106. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 0 9 Febre Amarela. São Paulo: SUCEN, 1993 Carrapatos Blood, D.C., Henderson, J.A., Radostits, O. M. Clínica Veterinária. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara- Koogan, 1983. Corrêa, O. Doenças parasitárias dos animais domésticos. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 1971. Schwabe, C.W. Veterinary Medicine and Human Health. 3. ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1984. Morcegos Fundação Nacional de Saúde. Morcegos em Áreas Urbanas e Rurais: Manual de Manejo e Controle. Brasília, Ministérios da Saúde, 1996. Taddei, V.A. Morcegos. Algumas considerações sistemáticas e biológicas. Campinas: Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, 1993. Bol. Técn. 172. Uieda, W. Morcegos hematófagos e a raiva dos herbívoros no Brasil. An. Semin. Ci. Fiube, 1:13- 29,1987.
  • 107. 1 1 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI
  • 108. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 1 1 IV – Nutrição e Saúde Pública Produção de alimentos José Cezar Panetta 1. Alimentos versus população. Foram necessários cem mil anos para que a população terrestre chegasse a três bilhões de habitantes. Entretanto, órgãos estatísticos, como a Organização Mundial da Saúde, sustentam que serão precisos menos de quarenta anos para que tal população seja duplicada. Todo prognóstico sobre o futuro da humanidade, nos mais variados as- pectos, está intimamente relacionado com os recursos alimentares com os quais o ho- mem poderá contar para a sua subsistência, no momento em que o número de habitantes da Terra tiver atingido um grau assaz elevado. Um argumento simplista poderia conside- rar infundada a preocupação pelas disponibilidades alimentares do futuro. Ora, o homem não conseguiu, mediante a evolução racional da lavoura e da indústria, equilibrar o quo- ciente população/alimentação? Seria, pois, uma apreensão sem fundamento? Infelizmente, não é o que ocorre. Já nos tempos atuais, cerca de metade da huma- nidade não come o suficiente para saciar a fome, em virtude de falta de gêneros alimentícios, tanto em qualidade como em quantidade. As principais vítimas da fome são as crianças, das quais milhões caem doentes e morrem unicamente porque a sua alimentação é muito pobre em proteínas. As que sobrevivem estão enfraquecidas e constituem presas fáceis das doenças da infância. De tudo isso, entende-se facilmente que ao homem cabe a tarefa de inovar conheci- mentos e meios que lhe permitam produzir alimentos suficientes para corrigir os desequilíbrios, além de proporcionarem o aumento das disponibilidades alimentares para o futuro. Conseqüentemente, crescem as investigações no mundo todo, na esperança de uma melhoria da situação alimentar, sobretudo no concernente aos produtos altamente protéicos. Por meio dessas pesquisas, aliadas a uma exploração de fontes alimentares ainda completamente inexploradas, o homem conseguirá garantir a sua sobrevivência.
  • 109. 1 1 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Evidentemente, a primeira exigência para tal melhoramento consistirá num alarga- mento das superfícies cultiváveis, o que é realizável tanto nos trópicos quanto nas regi- ões frias. A agricultura intensiva lançará mão de todos os meios, mecânicos e químicos, engendrados continuamente pela ciência e pela técnica, os quais, ulteriormente aper- feiçoados e amplamente difundidos também nos países menos desenvolvidos, permitirão notáveis aumentos na produção de alimentos. Outro fator importante é o desenvolvi- mento e a modernização da pesca. Mais de 70% da superfície do globo estão cobertos de água; entretanto, os peixes, que constituem um dos alimentos mais ricos em proteínas, só entram na alimentação humana na razão de 1%. “No que concerne à pesca – no dizer de um técnico em alimentação – permanecemos substancialmente na mesma fase do homem pré-histórico: continuamos a dar caça a animais selvagens, ao invés de domesticá- los e criá-los.” Os sistemas de pesca foram racionalizados, mas quase nada se fez para aumentar a produtividade do mar. A evolução da tecnologia alimentar constitui outra maneira de garantir o aumento da produção alimentar. A propósito, deve-se citar a “incaparina”, concentrado protéico ob- tido de matérias-primas de baixo custo, como o milho, sementes de sésamo e algodão, fermento, verduras e vitamina A, que apresenta um valor nutritivo comparável ao do leite. Cinco vezes mais barata que o leite, essa bebida é muito apreciada na Guatemala e no Panamá. Bebidas análogas poderiam ser produzidas no Brasil, com base no arroz, milho e outras matérias-primas. E o que dizer da soja, cujo conteúdo protéico foi comparado, há séculos, ao da carne bovina? Sabe-se que o leite de soja contém tantas proteínas quanto o de vaca. À seme- lhança da soja, certas oleaginosas, como o amendoim, o gergelim, o algodão e o girassol apresentam como resíduo um composto altamente rico em proteínas, que poderia servir como coadjuvante na alimentação humana. A alga de água doce, Chlorella, também pode proporcionar um alimento rico em proteínas. A produção dessa alga é de quarenta e quatro toneladas por hectare, o que corresponde a mais de dez colheitas de trigo. Apresentando dez vezes mais proteínas do que o arroz, trinta vezes mais vitamina A do que o fígado bovino, quatro vezes mais vitamina C do que o espinafre, a Clorella pode estar destinada a satisfazer às deficiên- cias alimentares de grande parte da população terrestre. Dever-se-ia, por outro lado, resolver o problema da melhor conservação dos alimen- tos, para evitar as perdas por deterioração que, nos países subdesenvolvidos, chega até a 25%. Aos processos já conhecidos e tidos como clássicos (secagem, salga, refrigera- ção, defumação, calor), juntar-se-ão outros, alguns já em fase de promissoras experiên- cias, como é o caso da liofilização, do emprego de radiações ionizantes e dos antibióti- cos. A organização desses esforços permitirá, sem dúvida, a racionalização do trabalho dos diversos setores, que culminará na solução de importantes problemas, preparando alimento e afastando da humanidade a sombra da fome. 2. Agentes de conservação dos alimentos. Conservar os alimentos significa preservá-los das alterações ocasionadas pelos di- versos agentes físicos, químicos e biológicos, prolongando sua vida útil, dando-lhes mai- ores possibilidades comerciais, convertendo-os, enfim, em fator preponderante para a estabilização de preços, já que a conservação permite trabalhá-los nas épocas de abun- dância e suprir os mercados nos períodos de escassez. A aplicação racional dos vários
  • 110. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 1 3 processos de conservação pode e deve funcionar como elemento impediente das oscila- ções verificadas no valor dos gêneros alimentícios, garantindo ao produtor o pagamento justo e incrementando a produção. O abastecimento de gêneros essenciais para a alimentação do homem não se situa unicamente no terreno científico e econômico, mas converte-se em problema político dos mais importantes, preocupando profundamente os governos e as entidades internaci- onais, visto que o crescimento das populações de há muito ultrapassou a produção de alimentos (quantitativa e qualitativamente), principalmente no que se refere aos alimen- tos protéicos. Na tentativa de sanar a desproporção estabelecida entre o aumento populacional e as reservas alimentares, não basta produzir grandes safras, quando não se conta com meios de conservação adequados para proteger os alimentos contra a deterioração. Por outro lado, para se garantir ao homem uma dieta variada e completa, torna-se indispensável armazenar produtos perecíveis, que por capricho da natureza são produzidos somente em certas épocas do ano e em determinadas regiões do globo. Graças aos atuais métodos de conservação, o homem pode, em qualquer latitude e em qualquer estação do ano, contar em sua mesa com os mais variados alimentos, desde que disponha de recursos financeiros para prover o seu organismo dos princípios básicos e nutritivos que a dieta lhe prescreve ou o capricho lhe dita. Graças aos métodos de que o homem lançou mão para preservar os alimentos, tornou-se-lhe possível fazer reservas de imensas safras sem a menor preocupação de perdê-las. Assim, os limites impostos pela natureza à produção de diversos alimentos, limites esses responsáveis pelas grandes oscilações de preços nos mercados, foram alargados gradativamente, não mais devendo existir, desde que em todas as épocas do ano e em qualquer ponto da terra o homem possa dispor do alimento que deseja, libertando-se conseqüentemente das restrições próprias às estações de produção. Caso típico é o consumo da carne congelada que, além de permitir a poupança de abate de animais, evita o desfalque dos rebanhos nas épocas de seca, impedindo as grandes variações de preço. Outro aspecto positivo oferecido pelos modernos processos de conservação diz res- peito aos excedentes de produção, problema sério que sempre afligiu economistas e governos, posto que, tratando-se na maioria das vezes de produtos perecíveis, ou o pro- dutor ficava à mercê das quedas, ou assistia desesperadamente à marcha progressiva da deterioração. Este fenômeno não pode e não deve ocorrer mais, pois adequados métodos de proteção, idealizados por exaustivas pesquisas procedidas em todos os paí- ses do mundo, socorrem o produtos e lhe garantem a justa retribuição pelo esforço despendido. Mas, o que é mais importante, a conseqüência mais humana advinda dos progressos no campo da conservação alimentar é, sem dúvida, o fato de os mesmos permitirem que as camadas sociais mais baixas adquiram gêneros alimentícios saudáveis por preços coadunantes com suas possibilidades monetárias, já que, impedindo a deteri- oração dos alimentos armazenados, favorecem-se automaticamente preços mais acessí- veis. Finalmente, alguns fatos do passado talvez possam melhor ilustrar como a evolução dos meios de conservação influenciou a vida do homem e a própria civilização dos po- vos. As grandes descobertas que marcaram brilhantemente os séculos XIV e XV, as explorações pelas selvas e as grandes epopéias bélicas contaram sempre com um fator
  • 111. 1 1 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI comum, inestimável para sua efetivação: o alimento. Embora sempre condenáveis, as guerras têm resultado em progresso no campo da preservação alimentar e, se nos deti- vermos na análise dos fatos que desencadearam o epílogo das últimas guerras, verifica- remos facilmente que os conflitos foram, todas as vezes, resolvidos em favor das armas que dispunham, na hora crítica, de alimentos em quantidade, forma e qualidade adequa- das. A preocupação da subsistência dos soldados já assolava Napoleão que, apreensivo com suas tropas, incentivou a descoberta de métodos de conservação que permitissem ao alimento chegar incólume às linhas de frente; dessa contingência nasceu a idéia de embalar os alimentos em vidros hermeticamente fechados e submetê-los ao calor. Esse fato consiste, sem duvida, na primeira tentativa de buscar um processo adequado para a conservação de alimentos. Outras conquistas surgiriam: o leite condensado teve a sua origem ditada pelas necessidades provocadas pela guerra civil norte-americana, o leite evaporado nasceu durante a guerra de 1914-1918 e a desidratação foi desenvolvida no decorrer da última guerra de 1939-1945. 3. Controle higiênico e sanitário dos alimentos de origem animal. Importân- cia social econômica e de saúde pública. Parte essencial de qualquer programa sócio-econômico nacional é o funcionamento satisfatório do complexo agropecuário/industrial de alimentos. A evolução desse com- plexo pode servir como parâmetro de desenvolvimento dos países, uma vez que está demonstrado pela história que as nações onde a agro-pecuária e a indústria alimentar apresentam-se altamente desenvolvidas são justamente aquelas com elevada evolução sócio-econômica, política e industrial. O controle higiênico e sanitário constitui-se em fator preponderante para a evolução técnica e social da indústria alimentar. Sua importância abrange, por conseguinte, seríssimas questões de natureza social, econômica, política e de saúde pública, chegando mesmo a representar assunto de segurança nacional, pela significância dos alimentos no intricado mundo atual. O Programa de Padrões de Alimentos da FAO/OMS define a higiene dos alimen- tos como um conjunto de medidas necessárias para garantir segurança, salubridade e sanidade do alimento em todos os estágios de seu crescimento, produção ou manufa- tura até seu consumo final. Em alguns países o conceito de higiene do alimento é mais amplo; inversamente, outros ainda não mudaram sua atitude e os serviços permane- cem restringidos a alguns tipos de exame e de avalização somente nos estágios finais de industrialização ou quando causam toxinfecção alimentar. Não há quaisquer razões científicas, práticas ou econômicas para tentar resolver os problemas de higiene da produção, processamento e distribuição exclusivamente nesse último estágio, sendo essa atitude incompatível com os conceitos modernos de medicina preventiva. Sistemas altamente eficientes de controle higiênico e sanitário dos alimentos já exis- tem em muitos países. Eles permitem cobrir muito mais tarefas do que simplesmente garantir segurança do alimento produzido e distribuído dentro do país e do alimento im- portado ou exportado. Contribuem para a vigilância, prevenção e controle de zoonoses e outras doenças de animais, a redução da desnutrição humana, a prevenção de perdas
  • 112. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 1 5 evitáveis de alimentos, a proteção da saúde do ambiente. Com esses objetivos, o controle dos alimentos alcança um contexto muito mais am- plo, como integrante da área de saúde pública, que basicamente procura: a) a promoção da saúde pública nos meios rurais e urbanos, mediante a prevenção e controle das enfermidades cujos agentes podem ser transmitidos, direta ou indireta- mente, dos alimentos ou insetos ou outros animais ao homem; b) o estudo e a avaliação epidemiológicos dos perigos para a saúde pública, e outros problemas, que podem surgir em conseqüência de enfermidades nos animais; c) a notificação das enfermidades transmissíveis dos animais ao homem; d) participação na planificação, promoção, coordenações e supervisão dos programas relacionados com a nutrição (tanto do homem como dos animais), a produção e a higiene dos alimentos; e) o planejamento de e a participação em atividades de investigação no laboratório e no campo, sobre medicina comparada e animais de laboratório; f) participação ativa na identificação dos perigos dos poluentes ambientais para a saúde humana e animal; g) participação nos programas de higiene ambiental; h) participação ativa nos programas de educação sanitária, especialmente nas zonas rurais; i) assessoramento e participação na interpretação técnica e na elaboração de normas, regulamentos e leis, relacionados diretamente com a vinculação da medicina veteri- nária nos programas de saúde pública e medicina comparada; j) participação ativa nos programas de preservação ecológica. Do ponto de vista sócio-econômico e de saúde pública, um serviço bem organizado de proteção dos alimentos deve concentrar suas atividades na busca de influências ne- gativas, como agentes de doenças, lesões patológicas, e também de influências positivas, como o tolhimento das perdas evitáveis e a melhoria da qualidade dos alimentos. Embora seja verdade que muitos dos riscos que estavam ligados à adulteração dos alimentos e à contaminação microbiana ou parasitária em épocas anteriores tenham sido reduzidos pelos esforços combinados dos serviços de higiene dos alimentos e dos produtores, vári- os fatores contribuíram nas últimas décadas para a necessidade de fortalecer-se os programas de supervisão de higiene dos alimentos. Dentre esses fatores destacam-se: 1- a rapidez de aumento da população, com sua sempre maior demanda de alimentos; 2- o aumento das populações urbanas, com redução correspondente das populações rurais, estimulando a produção de alimentos processados e semi-processados; 3- progressos na tecnologia dos alimentos, que têm sido responsáveis por novas e mais sofisticadas apresentações dos mesmos; 4- o aumento do uso de produtos químicos na agricultura, na pecuária e nos alimentos; 5- o aumento da poluição do meio ambiente que, em geral, reduz a qualidade do alimen- to; 6- incremento do comércio nacional e internacional de alimentos, incluindo transporte de matérias primas de áreas onde os padrões de higiene podem ser pouco satisfatórios; 7- aumento de viagens de turistas. Segundo o Centro de Controle de Doenças, de Atlanta (Georgia), nos Estados Uni- dos da América as doenças veiculadas por alimentos são suplantadas apenas pelo resfri- ado comum no elenco das afecções mais freqüentes. Os surtos mais comuns são oriun-
  • 113. 1 1 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI dos de contaminação do alimento por bactérias (especialmente as várias espécies de Salmonella e Shigella, Clostridium perfringens e Vibrio parahaemolyticus), toxinas bacterianas (em especial as de Staphylococcus aureus, Clostridium botulinum e Clostridium parabotulinum), tóxicos químicos (metais pesados, peixes e cogumelos), infecções viróticas (hepatite, difteria e poliomielite) e parasitárias (cisticercose). Há sérias evidências de que os perigos potenciais de doenças veiculadas por alimen- tos podem aumentar como resultado, entre outros fatores, do aumento do número de turistas, migração de trabalhadores e outros grandes movimentos de população. Por exemplo, foi estimado que aproximadamente 100 milhões de turistas viajam anualmente pela Europa e que pelo menos 1%, isto é 1 milhão, sofrem de perturbações gastrintestinais durante as viagens. Os programas de higiene dos alimentos devem cobrir todas as espécies de alimentos (sejam eles crus, semi-preparados ou preparados), os ingredientes, os aditivos e a água usada para a preparação, o processamento e a produção. É também importante que os programas compreendam as áreas onde o alimento cresce ou onde os materiais crus são produzidos, os meios de transporte, as fábricas de processamento e outras instalações, o equipamento, os utensílios, a embalagem, os manipuladores e também o destino seguro do alimento imprestável para consumo humano. Para alcançar seus objetivos, tais programas devem contar com eficientes procedi- mentos de laboratório, incluindo testes organolépticos, físicos, químicos, bioquímicos, microbiológicos, micológicos, virológicos, parasitológicos, sorológicos e radiobiológicos. Esses testes não minimizam o valor da inspeção visual local do alimento, instalações, técnicas de processamento que, se adequadamente planejada e executada, continua sendo o recurso mais importante de cada serviço de higiene de alimentos. Ainda que os laboratórios sejam indispensáveis em qualquer programa, um sistema de controle base- ado exclusivamente nos resultados dos exames de laboratório é incompleto, pois uma das metas prioritárias da inspeção é saber se a fábrica e suas operações cumprem com os códigos de higiene formulados pelas autoridades competentes. O conceito de vigilância como meio de avaliar os perigos oferecidos pelos alimentos está aumentando invariavelmente nos últimos anos e presentemente existem redes naci- onais e mesmo internacionais para observar microrganismos patogênicos, toxinas microbianas, biotoxinas marinhas, resíduos de pesticidas, radionúcleos e uma quantidade de metais pesados e elementos raros. É certo que a vigilância chegará a ser o recurso mais importante no controle dos perigos de origem alimentar nos próximos anos. Para ser eficiente, esse vigilância necessita de : a) colheita sistemática de dados; b) consolidação e análise dos dados colhidos; c) disseminação da informação. 4. Ocorrência de Zoonoses de origem alimentar. Zoonoses de caráter parasitário ou infeccioso têm preocupado seriamente as autori- dades sanitárias, particularmente nos países menos desenvolvidos. No Brasil, assume enorme significado o fato de que algumas zoonoses, como a cisticercose e a tuberculose, apresentam ascensão de sua prevalência, enquanto outras, como a hidatidose, continu- am a desafiar os programas epidemiológicos de controle em algumas regiões, como é o caso do Rio Grande do Sul, já considerado o maior reservatório dessa enfermidade na
  • 114. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 1 7 América Latina. A ocorrência de agentes patogênicos de caráter infeccioso ou parasitário nos alimen- tos pode ser estabelecida em sua origem, sendo neste caso autóctones dos próprios animais produtores, como também provenientes do processamento e manipulação das matérias-primas durante a elaboração dos derivados. Qualquer que seja o momento da anexação do patógeno no alimento, a sua presença é sempre um risco à saúde pública, merecendo atenção especial o estudo dos pontos críticos de contaminação, sobre os quais o higienista de alimentos deverá redobrar os cuidados. Diferentes variáveis interferem sobre a viabilidade de instalação e multiplicação dos agentes zoonóticos nos alimentos de origem animal. Devem ser enfatizados as seguintes: natureza do alimento, composição química, métodos de transformação, condições de conservação, armazenagem e distribuição, natureza bioquímica do agente zoonótico, ci- clo biológico do agente. Esses fatores, entre outros de igual ou maior importância, na dependência das características intrínsecas e extrínsecas de cada alimento, devem ser cuidadosamente estudados, pois de seu controle eficiente dependerá, em última análise, a proteção do alimento e do consumidor. A posição do consumidor deve merecer preocupação específica do higienista alimen- tar. Neste sentido, deve-se buscar sua educação sanitária, no mais amplo sentido, que deverá abranger não só sua educação formal, mas também atentar para os hábitos e costumes tradicionais, que de per si constituem-se em risco à sua saúde, como é o caso do hábito de consumir alimentos crus ou insuficientemente tratados por temperaturas eficientes na destruição dos agentes zoonóticos. Outro ponto a ser forçosamente analisado é o da legislação sanitária que rege a inspeção, vigilância e proteção dos alimentos de origem animal. Normas e padrões de- vem ser, em primeiro lugar, realistas em relação ao país ou região onde deverão ser aplicados e, em segundo, deverão estar permanentemente atualizados em face ao co- nhecimento científico produzido no setor. Os Quadros 1 e 2 mostram, respectivamente, os principais agentes de zoonoses de caráter infeccioso e de caráter parasitário, eventualmente detectados nos alimentos de origem animal. QUADRO 1 Agentes de zoonoses de caráter infeccioso, detectados nos alimentos de origem animal MICRORGANISMO ALIMENTO Brucella abortus leite e derivados Salmonella sp leite e derivados carne e derivados Mycobacterium bovis leite e derivados Staphylococcus aureus leite e derivados carne e derivados Escherichia coli EH leite e derivados carne e derivados Listeria monocytogenes carne e derivados Shigella sp leite e derivados carne e derivados
  • 115. 1 1 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI QUADRO 2 Agentes de zoonoses de caráter parasitário, detectados nos alimentos de origem animal MICRORGANISMO ALIMENTO Cysticercus cellulosae carne e derivados Echinococcus granulosus carne e derivados Phagicola sp pescado Dyphilobotrium sp pescado 5. Ética na elaboração de alimentos. O seminário sobre Marketing no Setor de Alimentos, realizado em São Paulo de 5 a 9 de junho 1998, reuniu especialistas e empresários em torno das polêmicas questões que envolvem a produção, industrialização e comercialização dos alimentos. A questão da qualidade recebeu destaque especial dos expositores e participantes, os quais classi- ficaram-na como o fator moderno de maior importância da área alimentar, visto como dela depende a competitividade das empresas e, mesmo, sua sobrevivência no mercado consumidor. Atualmente, políticas para a gestão da qualidade estão sendo implementadas por um número cada vez maior de empresas, para as quais a filosofia da qualidade total é o caminho seguro que leva à satisfação contínua e plena das necessidades e expectativas dos clientes e fornecedores, a um preço acessível e competitivo. Entre os objetivos assinalados para a política de qualidade citam-se os seguintes: a) estratégia de desenvolvimento da empresa; b) a satisfação do cliente deve merecer prioridade absoluta; c) a vantagem competitiva leva à maior produtividade; d) exigem-se responsabilidade e comprometimento de todos os níveis administrativos e técnicos da empresa; e) clientes, fornecedores e terceiros também evoluem no sistema; f) aumenta o nível de comunicação entre clientes, consumidores e a própria empresa. É preciso, todavia, considerar, entre os objetivos e finalidades dos sistemas que visam à busca da qualidade, um elemento que não pode faltar na filosofia de trabalho de toda empresa que elabora, manipula, distribui e comercializa alimentos: a ética. O que signifi- ca trabalhar eticamente os alimentos, tratar eticamente os consumidores? Temos repe- tido incansavelmente que os operadores de alimentos tratam, em última análise, com a saúde dos consumidores. Alimentos precariamente elaborados ou comercializados afe- tam diretamente a saúde ou a economia dos usuários. Descartadas as hipóteses de um comprometimento direto da saúde, por toxinfecções provocadas por alimentos contami- nados, com farta sintomatologia e que levam à revolta dos comensais, devem merecer atenção especial aqueles alimentos que não apresentam os princípios nutritivos que de- veriam apresentar, ou aqueles cujas composições não estejam de acordo com o rótulo impresso na embalagem, ou ainda outros cujas operações de elaboração não respeita- ram as condições higiênicas e tecnológicas para a industrialização. Deixemos um exemplo primário: é ético trabalhar precariamente um alimento, em relação aos cuidados higiênicos de elaboração, sabendo que o mesmo vai ser esterilizado na última fase de sua industrialização e, portanto, não acarretará nenhuma alteração
  • 116. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 1 9 orgânica aos consumidores, pois os microrganismos eventualmente existentes estarão sumariamente destruídos pela aplicação da temperatura elevada? Tal atitude não nos parece absolutamente ética, pois leva o consumidor a uma idéia de sanidade totalmente distorcida, ainda que não lhe afete a saúde. E o que dizer de aditivos inadequadamente utilizados, operações precariamente trabalhadas, fases de elaboração precariamente higienizadas, fraudes dificilmente detectáveis? A conduta ética deve merecer, de técni- cos e empresários, uma profunda meditação. Situação nutricional nas Américas Andréa Alves Soerensen O estado nutricional de uma população deve ser analisado utilizando-se de alguns padrões antropométricos ou dietéticos. O SISVAN, Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, usa determinados parâmetros para esta análise e vem sendo adotado em vários países; contudo, a falta de uniformidade de informações disponíveis, produto da diversidade das fontes, do período de tempo considerados, dos diversos critérios de clas- sificação e dos valores referenciais, limita as comparações e dificulta a obtenção de uma visão coerente da situação nutricional nas Américas. Dois parâmetros serão: 1. a desnutrição analisada por meio do pesos das crianças, sendo considerada desnutri- ção de moderada a grave aquela cujo valor for inferior a 2 desvios-padrão à esquerda da mediana de peso para uma dada idade; 2. o estado geral da saúde, a história nutricional e as condições sócio-econômicas da população. A prevalência de desnutrição baseada no déficit de peso em crianças de 0 a 4 anos variou de 0,8% no Chile (Classificação Sempé) a 38,5% na Guatemala (classificação OMS). Valores de desnutrição inferiores a 10% foram encontrados além do Chile em Costa Rica, Estados Unidos, Paraguai, Uruguai, Jamaica, Brasil, Venezuela, Trindade e Tobago. Valores superiores a 20% ocorreram em Honduras, Guiana e Guatemala. Tais informações devem ser interpretadas com cuidado devido aos fatos acima menciona- dos. A prevalência de déficit de altura com relação a crianças de 0 a 4 anos foi próximo ou superior a 30% na Guatemala (57;9%), Bolívia (38,3%), Peru (35,2%), Equador (34,0%) e El Salvador (29,9%). O Brasil estava com 15,4%. Em estudo com escolares de 7 a 14 anos o resultado foi semelhante ao anterior, incluindo-se Honduras na relação de países acima. As mais baixas prevalências foram do Uruguai (4,0%), Chile (8,5%) e Costa Rica (9,2%). As taxas de prevalência de baixo peso para altura foram baixas, oscilando entre 0,4% a 6,3%. Em Neuquen, Argentina, foi verificado um paralelismo entre o baixo peso ao nascer e a mortalidade infantil. As informações do Programa de Alimentação e Nutrição da OPS indica que, para a América Latina e Caribe, a prevalência de déficit de peso por idade é de 11%, a de estatura por idade é 21,9% e estatura por peso de 3,l% em crianças menores de 5 anos, cifras um pouco diferentes das estimadas pela UNICEF em 1990 (13,8%; 27,7% e
  • 117. 1 2 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI 1,8%). A tendência geral de Desnutrição com relação ao tempo vem diminuindo, com exce- ção de Guatemala e Panamá. Brasil e República Dominicana tiveram importantes redu- ções em suas taxas. A melhora do nível nutricional em muitos países está relacionada à adequada aplicação de programas de imunização, controle de doenças infecciosas, ali- mentação adequada especialmente durante episódios agudos de enfermidades e estraté- gias de incentivo à amamentação natural e educação alimentar. Cabe salientar que, apesar dos melhoras da situação nutricional de alguns países, expressas na média naci- onal, há grande discrepância regional. A desnutrição no nordeste brasileiro tem sido um problema preocupante há algum tempo para a Saúde Pública. O governo do Ceará, entre 1992 e 1994, recebeu apoio do Banco Mundial para estabelecer centros de combate à desnutrição. Este trabalho foi avaliado em 1996 quando constatou-se a baixa efetividade, que não corresponderia às recomendações da OMS. As taxas de aumento de peso eram inadequadas, o período de reabilitação era muito alto e a taxa de letalidade eram também demasiadamente alta: 40% ou mais. Isto ocorreu devido à má definição dos critérios de admissão e alta, a profissionais mal qualificados e ao fato que as mães não recebiam instruções apropria- das. Em conseqüência, recomendou-se providenciar nova estruturação dos centros, es- tabelecimento de novos objetivos, padronização dos critérios de admissão e alta, capacitação dos funcionários e estabelecimento de indicadores de resultados. As mudanças nos padrões alimentares, o cuidado com a saúde e a urbanização afe- taram tanto os grupos mais favorecidos como os mais carentes. Há problemas que não afetam apenas as crianças mas também os adultos. A OMS analisou a obesidade em crianças de 0 a 6 anos tomando como critério o peso corporal acima de dois desvios padrões do valor mediano para a altura. No Brasil e Nicarágua foi de 2,2%, na Argenti- na 2,5%, na Venezuela 3,8% atingindo 10,7% no Chile. Com relação à massa corporal, observou-se que a prevalência foi maior em mulheres principalmente nas idades de 20 a 29 anos e em nível sócio-econômico menor. Observou-se obesidade em mulheres e homens respectivamente no Chile (49,7% e 39,5%), na Colômbia (50% e 30,1%), no Brasil (39,8% e 28,8%), na Costa Rica (39,6% e 22,1%), em Cuba (39,4 e 31,5%), no Peru (36,7% e 28,2%) e na Argentina (28,3% e 39,9%). A obesidade é um problema de Saúde Pública que requer atenção especial pois constitui um fator de risco para várias enfermidades como diabetes méllitus tipo II, hipertensão arterial, outros distúrbios cardiovasculares e respiratórios, diminuindo a esperança de vida. Deficiência de micronutrientes A deficiência de micronutrientes está localizada em determinadas áreas geográficas, afetando grupos mais vulneráveis da população. As informações a respeito da prevalência de anemia devida à carência de ferro (anemia ferropriva) são limitadas devido a estudos não representativos. Segundo a OMS, considera-se anemia quando a hemoglobina for inferior a 11 gramas/decilitro de sangue em gestantes e crianças com idade inferior a cinco anos, uma vez que é a população mais afetada. Os pontos de corte para a populações que vivem em grandes altitudes ainda não está definido. Estudos recentes evidenciaram grandes disparidades de infor- mações decorrentes de procedimentos inadequados de amostragem e fontes de infor- mações.
  • 118. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 2 1 A deficiência de iodo pode causar vários problemas de saúde, afetando indivíduos desde a fase fetal até a adulta. O bócio endêmico é a manifestação mais freqüente desta carência e é considerado um problema de Saúde Pública quando sua prevalência ultra- passa 10%. A excreção urinária de iodo é utilizada como parâmetro de avaliação da população. Para valores inferiores a 5 microgramas por decilitro de urina estima-se risco de moderado a acentuado para que a comunidade padeça de desordens por deficiência de iodo. Deve-se levar em conta a distribuição da carência de iodo dentro de cada país. A prevalência mais elevada de baixas concentrações urinárias de iodo ocorreu no Perú, México e Paraguai enquanto que a prevalência de bócio foi superior a 50% em Mérida (Venezuela) e Chameza (Colômbia). Prevalências entre 20 a 50% foram encontradas na Bolívia, Equador, El Salvador, Guatemala, Paraguai, Panamá (Azuero), Peru (na ser- ra e na selva) e no Brasil (4 regiões). O método mais efetivo e econômico de prevenção das desordens ocasionadas pela carência de iodo está na introdução de iodo junto ao sal na proporção de 25 a 50 partes por milhão. A maioria dos países conta com dispositivos legais que obrigam a iodação do sal para consumo humano e em alguns países até para o consumo animal. Este procedi- mento foi aprovado em vários países, entre outros na Bolívia. A carência de vitamina A que leva à xeroftalmia, causa importante de cegueira nos trópicos, é decorrente do ressecamento da conjuntiva ocular que acarreta lesões na córnea. Considera-se um problema de Saúde Pública, quando 10% ou mais da popula- ção menor de cinco anos apresenta valores de retinol séricos abaixo de 20 microgramas por decilitro, ou se 5% ou mais apresenta valores inferiores a 10 microgramas por decilitro. Os dados disponíveis na década de 80 indicam prevalência de deficiências de vitamina A variáveis de 5 a 48,8% em diferentes áreas dos países das Américas. É interessante ressaltar como as medidas políticas internacionais de bloqueio econô- mico repercutem negativamente no desenvolvimento das crianças, como aconteceu em Haití por ocasião de uma crise política. Embora Cuba enfrentasse problemas econômi- cos, não foram observadas repercussões negativas no desenvolvimento de crianças. As taxas de mortalidade elevadas, em decorrência de desnutrição, persistem em grande parte como resultado de um tratamento malconduzido, conforme foi verificado em muitas regiões do mundo. Assim, onde para as crianças com doença aguda foram recomendado dietas com elevado conteúdo de proteínas, energia e sódio e um baixo conteúdo de micronutrientes, o tratamento foi inapropriado. A educação nutricional é tão carente que o povo não se nutre adequadamente, es- quecendo que um dos alimentos mais completos e de menor preço é o leite. Também deve-se considerar que a falta de nutrição adequada da gestante leva ao nascimento de uma criança com limitações de raciocínio. Bibliografia consultada e recomendada Situação nutricional nas américas Bortman, M. Factores de riesgo de bajo peso al nacer. Revista Panamericana de Salud Publica, 3(5):314-321,1998. Esquivel, M., Romero, J.M., Berdasco, A., Gutiérrez, J.A., Jiménez, J.M., Posada, E., Ruben, M. Estado nutricional de preescolares de Ciudad de La Habana entre 1972 y 1993. Revista
  • 119. 1 2 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Panamericana de Salud Publica, 1(5):349-354, 1997. Mulder, O., Sibanda, M. Nutritional status of Haitian children, 1978-1995: deleterious consequences of political instability and international sanctions. Revista Panamericana de Salud Publica, 4(5):346-349,1998. Organización Panamericana de la Salud. Situacion Nutricional en las Américas. Boletin Epidemiológico. Organización Panamericana de la Salud 15(3): 1-6, 1994. PAHO – WHO, UNICEF, ICCIDD, PAMM. Virtual elimination of iodine deficiency disorders in Bolivia. Revista Panamericana de Salud Publica, 2(3):215-219, 1997. Schofield, C.Y., Ashworth, A. Por qué siguen siendo tan altas las tasas de mortalidad por malnutricion grave? Revista Panamericana de Salud Publica, 1(4):295-300, 1997.
  • 120. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 2 3 V – Higiene de alimentos Kathia Brienza Badini Marulli A contaminação dos alimentos e a posterior transmissão de agentes patogênicos àqueles que os ingerem dependem de inúmeros fatores para ocorrerem. Desde sua produção até o momento do preparo, os alimentos podem ser contaminados, em maior ou menor concentração, podendo ou não vir a causar danos à saúde de seus consumido- res. Basicamente, existem dois tipos de contaminação: 1. Química, causada por pesticidas, metais pesados, ou outras substâncias químicas, principalmente na etapa de produção. Quando ocorre posteriormente, em geral é por erro na quantidade adicionada de substâncias químicas que fazem parte da formulação do produto; 2. Biológica, causada por seres vivos, como bactérias, fungos, vírus ou helmintos, ou por seus metabólitos. Estes seres vivos podem ser patogênicos, causando enfermidades nas pessoas que consumirem os alimentos contaminados, ou causadores da deterioração do alimento. Um alimento pode ser contaminado por diversas maneiras. São elementos que po- dem contaminar os alimentos: o ar; a água; os equipamentos e utensílios; os insetos; os roedores e outros animais; os manipuladores do alimento; outros alimentos (contaminação cruzada). A higiene pessoal de quem trabalha com alimentos e também a higiene de equipa- mentos e utensílios que entrarão em contato com eles são fundamentais para a manuten- ção da sanidade do produto. As equipes de Vigilância Sanitária, municipais ou estaduais, são as responsáveis pela fiscalização dos estabelecimentos que produzem, manipulam e/ ou comercializam alimentos. As normas a serem seguidas no Estado de São Paulo, bem como as ações passíveis de punição, encontram-se discriminadas, basicamente, no De-
  • 121. 1 2 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI creto no 12.342 de 27 de setembro de 1978, conhecido como Código Sanitário. Atual- mente o Código está sendo objeto de estudo por parte de técnicos da área, a fim de que ele seja revisto e atualizado. Cada um dos elementos que podem contaminar os alimentos, colocando em risco a saúde da população consumidora, está contemplado em um ou mais artigos do Código Sanitário, permitindo que aqueles que desrespeitem as boas regras de higiene na mani- pulação dos alimentos sejam punidos. Podemos exemplificar citando o Artigo 421, no qual encontramos que “nenhuma substância alimentícia poderá ser exposta à venda sem estar devidamente protegida contra poeira, insetos e outros animais”. Enfermidades transmitidas por alimentos São inúmeras as enfermidades que podem ser transmitidas através da ingestão dos alimentos. Para que isso ocorra, entretanto, alguns fatores são necessários: primeira- mente, o alimento precisa sofrer contaminação. Se pensarmos em contaminações bioló- gicas, que são as mais freqüentes, será necessário um período de tempo após a contami- nação para que aconteça a multiplicação dos microrganismos até atingirem uma quanti- dade de células suficiente para provocar a enfermidade (ou para que produzam a toxina causadora do problema de saúde). Supondo-se que a multiplicação dos microrganismos tenha ocorrido, ainda será necessário que eles não sejam destruídos e sobrevivam até o momento da ingestão do alimento em questão. Depois de tudo isso, ainda devem ser consideradas características próprias do indivíduo que ingere um alimento contaminado, as quais irão desempenhar um papel importante na determinação da gravidade do qua- dro clínico. As enfermidades transmitidas por alimentos (às vezes designadas pela sigla E.T.A.s) podem ser classificadas em infecções e intoxicações. Quando falamos em infecções, estamos nos referindo a um processo em que será o próprio microrganismo que irá causar os efeitos deletérios sobre o organismo suscetível. Nestes casos, para que os sintomas ocorram, é necessária a presença de células viáveis e em quantidade suficien- te, denominada “dose infectante”, a qual, de maneira geral, é igual ou maior que 106 unidades formadoras de colônias por grama de alimento. As cepas enteroinvasivas de E.coli, Shigella sp e Salmonella sp são exemplos de bactérias que devem invadir o epitélio intestinal do hospedeiro para produzirem sintomas; já o C. perfringens, algumas cepas de B.cereus e as cepas enterotoxigênicas de E. coli produzem enterotoxinas du- rante a colonização do intestino (e não no alimento, como alguns outros microrganismo citados a seguir). Quando dizemos que determinada enfermidade é uma intoxicação, supomos que existe alguma substância tóxica no alimento. Podemos estar diante de um tóxico químico, como pesticidas ou metais pesados, ou de toxinas microbianas. Os tóxicos químicos geralmen- te são agregados ao alimento durante sua produção, de forma acidental ou intencional. As intoxicações alimentares mais comuns, entretanto, são as provocadas pelas toxinas microbianas. Estas toxinas, que são formadas no alimento, serão as responsáveis pelo desencadeamento do quadro patológico. Neste caso, a bactéria produtora da toxina não necessariamente deverá estar no alimento, quando da ingestão (ela já poderá ter sido destruída). Podemos citar como exemplo as enterotoxinas – que têm ação sobre o trato gastrointestinal – formadas pelo Staphylococcus aureus e pelo Bacillus cereus, e a
  • 122. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 2 5 neurotoxina produzida pelo Clostridium botulinum que é considerada um dos venenos mais poderosos que o homem conhece até hoje. Fatores relacionados à ocorrência de surtos de enfermidades transmitidas por alimentos 1. Fatores relacionados à contaminação dos alimentos: manipuladores infectados; matéria-prima contaminada; equipamentos e utensílios contaminados; falta de ordem e higiene no ambiente; substâncias tóxicas agregadas acidentalmente. Os manipuladores dos alimentos são extremamente importantes para a manuten- ção da qualidade e sanidade dos produtos. Só devem manipular alimentos pessoas que tenham bons hábitos de higiene e que estejam em perfeitas condições de saúde. Assim, o aconselhável é que todos os manipuladores sejam submetidos a treinamentos, nos quais sejam explicadas a importância do asseio pessoal e a forma como ocorre a conta- minação dos alimentos e suas conseqüências. Os manipuladores de alimentos devem estar sempre com unhas e cabelos cortados e limpos; não devem usar anéis, esmalte nas unhas ou barba; devem receber uniformes (avental, gorro e, dependendo da etapa de produção e do tipo de alimento, luvas e máscaras) que devem ser de cores claras e devem estar sempre limpos; devem usar calçados adequados e não devem fumar nas áreas de manipulação dos alimentos. Qualquer funcionário que apresente problemas de saúde (como resfriado, diarréia, infecções ou cortes nas mãos, infecções dermatológicas, etc.) deve ser afastado das atividades de manipulação de alimentos. O Código Sanitário exige que todo manipulador de alimento possua Carteira de Saúde, fornecida pelas uni- dades básicas de saúde (Postos de Saúde). As matérias-primas devem ser de boa procedência. O controle na aquisição das mesmas deve ser rigoroso e, se possível, o estabelecimento produtor deve ser visitado para que se tenha uma noção de como o alimento é tratado no seu local de produção. Eventualmente este controle de qualidade pode incluir a remessa de amostras para aná- lise laboratorial. Os equipamentos, utensílios e superfícies que entram em contato com os ali- mentos devem ser de fácil higienização e devem estar sempre limpos. Não devem ser empregados utensílios de madeira. As máquinas para corte de frios e de moer carne devem ser desmontadas diariamente e limpas. O ideal é a higienização com água quente e a utilização periódica de desinfetantes apropriados. Também deve ser observado o estado de conservação dos equipamentos. Muitas vezes a contaminação do alimento acontece porque ele é manipulado num ambiente completamente desorganizado. Assim, algumas pessoas não possuem lugares apropriados para guardar materiais de limpeza, por exemplo, e os deixam junto com os alimentos. Além do problema de odores fortes que os produtos de limpeza geralmente possuem e que são absorvidos pelos alimentos, existe o risco de uma substância tóxica ser agregada acidentalmente a um alimento que esteja sendo preparado, por ser da mesma cor ou ter embalagem parecida com a de um tempero ou outro ingrediente.
  • 123. 1 2 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Ambientes desorganizados, na maioria das vezes, também possuem higiene precária e oferecem grandes chances para que a contaminação dos alimentos ocorra. 2. Fatores relacionados à sobrevivência dos microrganismos: processo industrial (ou de elaboração) inadequado; cocção ou reaquecimento inadequado; resfriamento inadequado. Além de sofrer a contaminação por microrganismos, estes devem conseguir sobrevi- ver e se multiplicar no alimento para que uma enfermidade ocorra, quando da ingestão do referido alimento. Alguns fatores estão diretamente ligados à sobrevivência dos mi- crorganismos. Muitos alimentos passam por processos industriais antes de chegar aos consumido- res. Se durante o processo ocorrer alguma falha, por descuido de quem estiver realizan- do a técnica ou por problemas nos equipamentos, os objetivos de qualidade e segurança do produto não serão alcançados. A pasteurização, por exemplo, visa à destruição da grande maioria dos patógenos presentes no leite. Para isso, tempo e temperatura do processo devem ser obedecidos. Se o pasteurizador estiver com algum problema que interfira nesse binômio, a pasteurização não ocorrerá de forma adequada e, conseqüen- temente, o leite poderá chegar ao consumidor com alta carga microbiana. Por outro lado, se considerarmos um leite perfeitamente pasteurizado (e, portanto, seguro do ponto de vista microbiológico) que ao ser utilizado no preparo de um creme para recheio de doces é manipulado inadequadamente (ficando fora da geladeira durante períodos muito lon- gos, exposto à contaminação ambiental ou sendo colocado em contato com utensílios mal higienizados, por exemplo), o risco de contaminação e sobrevivência dos microrga- nismos volta a existir. O calor destrói parte ou toda a flora microbiana de um alimento, mas não possui efeito residual, ou seja, depois de utilizado, o alimento pode se recontaminar. Assim, os alimentos devem ser consumidos logo após seu cozimento ou colocados em recipientes limpos e que impeçam essa recontaminação. O cozimento (ou cocção) dos alimentos geralmente alcança temperaturas próximas à da ebulição (cerca de 1000 C). Entretanto, esporos de alguns microrganismos conseguem resistir a essa temperatura. Deve-se lem- brar, ainda, que, quando o alimento é cozido numa porção relativamente grande, sua parte interna não alcança a mesma temperatura da superfície. Alimentos que sofrem contaminação após o preparo, se são guardados e reaquecidos para serem servidos novamente, representam um grande risco pois, geralmente, a temperatura de reaquecimento é menor do que a de cozimento, podendo, em alguns casos, até facilitar o crescimento bacteriano. A maioria das bactérias não sobrevive ou, pelo menos, não se multiplica em baixas temperaturas. Assim, o resfriamento dos alimentos é uma arma importante na preven- ção de toxinfecções de origem alimentar. Entretanto, ele deve ser feito em equipamen- tos próprios e de maneira adequada. Um refrigerador sujo, no qual os alimentos se encontram sem embalagem e, por falta de espaço, entram em contato uns com os outros, não permitirá um bom uso do frio. Os equipamentos devem passar por manutenção técnica permanente a fim de que alcancem a faixa de temperatura desejada. Alimentos perecíveis como carnes, leite, ovos e, em alguns casos, frutas e outros vegetais, devem ser mantidos sob refrigeração numa temperatura inferior a 100 C, no caso de refrigera-
  • 124. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 2 7 dor único, do tipo doméstico. Estabelecimentos comerciais devem possuir diversas câ- maras frias, cada qual com uma faixa de temperatura, ideal para armazenar cada tipo de alimento. Cremes, molhos, alimentos prontos (principalmente os à base de carne) e res- tos de comida também devem ser mantidos na geladeira. 3.Fatores relacionados ao desenvolvimento dos microrganismos: fatores intrínsecos dos alimentos; fatores do processo de preparo; fatores ambientais; grandes períodos de tempo entre preparo e consumo; Com relação aos fatores do próprio alimento ou intrínsecos, são importantes os nutrientes que o constituem, sua atividade de água, seu pH e sua estrutura física. Existem alimentos considerados “ricos” e outros “pobres”, do ponto de vista nutritivo, de acordo com seus constituintes. De maneira geral, pode-se dizer que os microrganismos têm preferência pelos alimentos ricos, principalmente os protéicos, como o leite, por exem- plo, considerado um excelente “meio de cultura”. A atividade de água (aw) é uma mensuração técnica que corresponde à umidade relativa do alimento: 80% de umidade relativa equivale a 0,80 de atividade de água. A atividade de água varia de 0 a 1. Alimentos com atividade de água alta são mais susce- tíveis à deterioração e ao desenvolvimento de microrganismos neles. Já os alimentos desidratados e farináceos são mais seguros. O pH também tem importante papel na manutenção da sanidade dos alimentos. Ali- mentos muito ácidos geralmente não permitem um bom desenvolvimento dos microrga- nismos. A maioria das bactérias se desenvolve melhor em pH entre 7,0 e 7,6. Com relação à estrutura física dos alimentos, pode-se dizer que quanto maior sua superfície, maior o risco de contaminação. Assim, uma peça de carne bovina inteira, compacta, sofre um risco de contaminação menor que a carne bovina moída, cujas par- tículas pequenas têm uma superfície de exposição aumentada. Quanto aos fatores do processo de preparo dos alimentos, podem-se citar proces- sos físicos e químicos. Como processo físico, o de maior importância é o calor. A maioria dos alimentos que ingerimos é submetida a algum tipo de tratamento térmico que, se for bem realizado, destruirá algum microrganismo que porventura tenha se insta- lado no alimento. Alimentos malcozidos representam um risco maior para quem os inge- re do que os bem cozidos. É fato amplamente conhecido que a temperatura que o ali- mento sofre, no processo de cocção ou de fritura, não é distribuída igualmente em todas as suas partes, sendo que sua superfície geralmente terá maior temperatura que o seu interior. Deve-se ressaltar, entretanto, que na maioria das vezes a parte contaminada do alimento é justamente a superfície. Assim, apesar dos processos de cocção e fritura não garantirem completamente a segurança de determinado alimento, são métodos que auxi- liam muito a alcançar este objetivo. Ainda com relação à utilização do calor, devem ser mencionados os métodos de esterilização e pasteurização. A esterilização consegue destruir todos os microrganis- mos presentes num determinado alimento, que deve ser mantido em recipiente hermeti- camente fechado, a fim de não permitir que ocorra recontaminação. Já a pasteurização destrói os microrganismos patogênicos e boa parte daqueles responsáveis pela deterio- ração dos alimentos. Dentre os processos químicos, podem ser citados aqueles que alteram a atividade
  • 125. 1 2 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI de água do alimento, como a desidratação e a salga, os que alteram o pH, como a adição de vinagre ou de ácidos naturais e, finalmente, a própria utilização de agentes químicos, como por exemplo, os nitratos e nitritos. Os fatores ambientais de maior importância relacionados ao desenvolvimento dos microrganismos nos alimentos são a temperatura e a umidade. É fato amplamente co- nhecido que o binômio temperatura-umidade tem papel fundamental no desenvolvimento dos microrganismos. Com relação aos alimentos, se a temperatura ambiente estiver alta, as condições para a multiplicação dos microrganismos serão melhores do que em tem- peraturas muito baixas, pois a maioria dos microrganismos patogênicos são mesófilos, isto é, desenvolvem-se melhor numa faixa de temperatura entre 30 e 400 C. Quanto à umidade, seus efeitos podem ser melhor observados quando armazenamos alimentos por algum tempo: se a umidade relativa for maior que 70%, haverá o aparecimento de mofos (também designados bolores) e o alimento estará então sujeito à deterioração. Muitas vezes, um alimento sofre contaminação microbiológica, mas como é servido logo após o seu preparo, não traz nenhum prejuízo ao consumidor. Isto acontece porque não houve o período de tempo necessário para a multiplicação dos microrganismos (e para que eles atingissem a dose infectante necessária para provocar alterações patoló- gicas no hospedeiro). Se fizermos o raciocínio inverso, fica fácil concluir que, quanto maior o tempo entre o preparo e o consumo do alimento, maior a probabilidade de ele vir a se tornar a fonte de um surto de intoxicação alimentar. 4. Fatores relacionados à gravidade da doença: resistência da pessoa; quantidade de alimento ingerida; tipo de microrganismo envolvido; rapidez do diagnóstico e tratamento. Muitas vezes ingerimos alimentos contaminados mas não desenvolvemos qual- quer sinal de enfermidade. Em outras ocasiões, várias pessoas que comem um mes- mo alimento apresentam variações na manifestação de uma enfermidade relaciona- da a ele, indo desde os assintomáticos, passando por casos leves e chegando a casos que requerem medicação e, às vezes, internação hospitalar. São os fatores que de- terminam esse tipo de acontecimento que comentaremos a seguir. Em primeiro lugar, devemos levar em consideração que as pessoas não são iguais. Sua constituição física, seus hábitos, as condições de vida a que estão sujeitas e até mesmo sua herança genética irão determinar seu grau de resistência às agressões externas (inclusive às microbiológicas). Assim, existem pessoas mais resistentes e ou- tras mais suscetíveis às infecções e intoxicações, o que terá relação direta com a seve- ridade da enfermidade que cada uma irá apresentar. Se pensarmos que duas pessoas ingerem um mesmo alimento, contaminado por mi- crorganismos, em quantidades diferentes, a chance daquela que ingere quantidades maiores apresentar um problema de saúde é matematicamente maior do que a da pessoa que ingere pequenas porções. Ao ingerir uma quantidade maior de alimento, provavel- mente a pessoa estará ingerindo também uma quantidade maior de microrganismos (e, muitas vezes, pequenas quantidades de bactérias não são suficientes para desencadear enfermidades). O tipo de microrganismo envolvido também é muito importante. Assim, a
  • 126. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 2 9 neurotoxina produzida pelo Clostridium botulinum é considerada um dos venenos mais potentes que o homem conhece e, freqüentemente, leva a pessoa que a ingere à morte. Já os episódios desencadeados pela enterotoxina produzida pelo Staphylococcus aureus, na maioria das vezes, são de curta duração e não causam conseqüências maiores, além de mal-estar, vômitos e diarréia. É claro que, mesmo a toxina estafilocócica poderá trazer grandes transtornos se acometer pessoas já debilitadas, idosos ou crianças muito novas (por causa da resistência menor dos indivíduos, nestes casos). Finalmente, quanto mais rápido se chegar ao diagnóstico correto e se iniciar o tra- tamento adequado das pessoas acometidas, melhores os prognósticos e mais rápida a recuperação. Investigação de surtos de enfermidades transmitidas por alimentos Algumas etapas devem ser seguidas quando se pretende solucionar um problema de saúde causado pela ingestão de alimentos. Vários fatores estarão envolvidos na resolução deste “quebra-cabeças”: o processo se torna mais fácil quando todas as pessoas acometidas freqüentaram um mesmo evento (todos participaram de uma fes- ta ou são funcionários de uma mesma firma e almoçaram num mesmo refeitório, por exemplo); quando os doentes são adultos (que costumam fornecer informações mais confiáveis, nestes casos, do que as crianças); quando o cardápio servido é conhecido (as opções de alimentos são conhecidas e relativamente restritas. Se o episódio ocorre num local com múltiplas opções, as pessoas podem esquecer de relatar todos os ali- mentos ingeridos, por exemplo); quando existem restos dos alimentos servidos no local (e que poderão ser enviados para o laboratório); etc.. A seguir, as etapas que devem ser seguidas para a tentativa da resolução de surtos de enfermidades transmitidas por alimentos: 1. Inquérito epidemiológico: Entrevistar as pessoas envolvidas, colhendo dados como: todos os alimentos ingeridos nas últimas 24 horas; os sintomas: tipo e hora de início; número de pessoas (doentes e não doentes) que comeu cada alimento. 2. Calcular a Taxa de Ataque (taxa de incidência): número de pessoas que comeram alimento “x” T.A. = e ficaram doentes X 100 número total de pessoas que comeram alimento “x” Fazer o cálculo para cada alimento a fim de determinar o alimento suspeito. 3. Tomada de amostras: alimentos; vômito dos pacientes;
  • 127. 1 3 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI fezes dos pacientes; sangue (sintomas neurológicos); urina (suspeita de intoxicação química). Muitas vezes a coleta de amostras é dificultada por não existirem restos dos alimen- tos ou pelos mesmos já terem sido jogados no lixo. 4. Análise dos dados: Tentar descobrir o alimento envolvido, mediante a observação daquele que apresenta a maior taxa de ataque. Pode-se suspeitar do agente etiológico pelo tipo de sintomas que as pessoas apresentam e pelo tempo entre a ingestão e o início dos mesmos (período de incubação). 5. Registro dos dados e resultados: Esta etapa é extremamente importante para que comecemos a ter um registro destes episódios, o que, no Brasil, atualmente não existe (há apenas o relato de ocorrências isoladas, mas não se conhece a real prevalência das diferentes toxinfecções alimenta- res). Produtos hortícolas Kathia Brienza Badini Marulli A produção dos hortícolas sofreu transformações importantes nas últimas décadas. Técnicas modernas de cultivo permitiram um aumento na produtividade, gerando maior oferta destes produtos. A rapidez dos transportes e novas formas de comercialização reduziram as perdas e a distância entre produtores e consumidores. Em busca de melhor qualidade de vida, um grande número de pessoas aderiu às dietas vegetarianas e naturalistas, elevando o consumo de hortaliças e legumes. O fator mais importante para a intensa incorporação dos produtos hortícolas à ali- mentação dos brasileiros, entretanto, decorre da crise econômica que o país atravessa, o que freqüentemente obriga a substituição dos alimentos de origem animal por outros mais baratos, sendo os hortícolas a melhor opção. Sabendo-se que por meio dos vegetais podem ser veiculadas substâncias tóxicas e agentes patogênicos ao homem, o profissional de Saúde Pública deve proceder rigoroso controle higiênico-sanitário destes produtos, tendo como objetivo principal evitar surtos ou casos isolados de enfermidades transmitidas por alimentos. Para isso, deve conhecer todas as etapas por que passam os produtos, desde o plantio até seu destino final, detec- tar o risco de contaminação que cada uma delas pode representar e tomar as medidas preventivas necessárias para garantir sua qualidade e inocuidade. Enfermidades transmitidas pelos produtos hortícolas Para que ocorra a transmissão de doenças pelos alimentos, alguns fatores devem ser considerados, como as características do agente etiológico, a natureza do alimento en-
  • 128. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 3 1 volvido e os hábitos alimentares e higiênicos do consumidor, bem como seu estado de saúde. A real grandeza das doenças causadas pela ingestão de vegetais crus é desconheci- da. Tais enfermidades variam de indisposições leves por poucas horas à infecções com duração de alguns dias, que podem tornar-se sérias. Como nem sempre o serviço médi- co é procurado, o número de ocorrências nunca é determinado com precisão (Geldreich, 1971). Devido à comprovada capacidade de sobrevivência dos microorganismos patogênicos intestinais em hortaliças, estas, uma vez contaminadas, poderão servir de via de trans- missão aos seus manipuladores, nas operações de colheita, transporte ou venda, e, de maneira mais direta, aos consumidores. As hortaliças cujas folhas constituem a parte comestível e principalmente aquelas que apresentam numerosas folhas imbricadas e de superfície irregular, oferecem condições muito maiores para retenção e sobrevivência dos microorganismos nelas depositados. Algumas, como é o caso da alface, podem mesmo, pelas secreções de suas folhas, facilitar a retenção e a sobrevivência dos germes devido à formação de camadas isolantes protetoras (Christovão et al., 1967). Além dos microorganismos e parasitas que podem ser veiculados pelos vegetais, outro grave problema para a Saúde Pública é a presença de agrotóxicos nestes alimen- tos, o que recentemente tem sido controlado por meio da obrigatoriedade do uso do Receituário Agronômico para a aquisição e utilização destes produtos. As enfermidades mais freqüentemente relacionadas à contaminação dos hortícolas são Febre Tifóide e Paratifóide, Salmonelose, Disenteria Bacilar, Cólera, Leptospirose, Hepatite Infecciosa, Gastroenterites Virais e Disenteria Amebiana. Temos ainda outras doenças menos comuns associadas com a irrigação de culturas, como Brucelose, Tuber- culose, Tularemia, Erisipela Suína, Coccidiose, Ascaridíase, Cisticercose, Fasciolose, Esquistossomose e outras infestações parasitárias (Geldreich, 1971). Fontes de contaminação Os produtos hortícolas podem sofrer contaminação durante as diferentes etapas por que passam, desde seu plantio até sua comercialização. A primeira fonte de contaminação para os vegetais pode ser o próprio solo onde eles são produzidos. Resíduos industriais, lixo urbano, lodo de esgoto e fezes de animais podem ser utilizados na adubação das culturas, desde que previamente tratados. Porém, adubos orgânicos mal compostos ou crus servem como fonte potencial de microorganismos patogênicos e o problema é ainda mais sério quando são usados em plantas cujas partes comestíveis são as folhas. Também os agrotóxicos podem contaminar os solos e perma- necer muitos anos neles. Os produtores devem ter sempre em mente que, uma vez poluído, o solo é de difícil recuperação (Costa, 1985). A água utilizada na irrigação dos vegetais é a fonte de contaminação mais freqüente. Devido à grande quantidade de água utilizada nas plantações, raramente os produtores servem-se de água tratada por companhias de saneamento, devido à inviabilidade econô- mica que isso representaria. Assim, a água utilizada para irrigação normalmente provém de rios e córregos, que muitas vezes recebem descargas de esgoto das comunidades vizi- nhas. As chuvas, os animais e o próprio retorno da água utilizada para irrigação também podem poluir o manancial. Como os rios geralmente são pequenos, a poluição recebida
  • 129. 1 3 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI rapidamente ultrapassa sua capacidade normal de purificação, estendendo a zona de peri- go potencial rio abaixo, para outros usuários, muitas vezes também produtores que o utiliza- rão para irrigar culturas. Para avaliar a qualidade da água é realizada em laboratório a pesquisa do número mais provável (NMP) de bactérias do grupo coliforme, utilizado como indicador de con- taminação fecal. Somente pode ser utilizada para a irrigação de culturas a água com concentração inferior a 1.000 coliformes fecais por 100 ml de amostra (C. V. S., 1991). As médias aritméticas dos valores do NMP/100 ml, obtidas nas águas de 11 hortas do município de São Paulo, no ano de 1967, variaram de 20.200 a 514.430 para bactérias coliformes e de 11.042 a 452.533 para Escherichia coli. Tais índices ultrapassaram em muito os limites máximos tolerados para a irrigação de vegetais consumidos crus. Além disso, em 5 de 11 amostras de água de irrigação de hortas, foram isolados os vírus da Poliomielite e vírus Coxsackie (Christovão, 1967). Em 1970, a qualidade da água de cinco córregos das áreas urbanas e suburbanas de Ribeirão Preto (SP), utilizada para irrigação de hortas, foi estudada e em todos, recepto- res ou não de terminais de esgotos, foram encontrados tanto ovos de helmintos, como cistos de protozoários. Foi observado que a freqüência do encontro de enteroparasitas guardou relação inversa aos índices de precipitação pluviométrica. Assim, justamente na época do ano em que os riachos encontram-se com uma maior concentração de material orgânico de origem fecal, se faz necessária a maior utilização dos sistemas de irrigação nas áreas de cultivo de hortaliças, que se utilizam principalmente dessas águas. Foram isolados cistos de Giardia sp, Entamoeba sp, Endolimax sp, Iodamoeba sp e ovos de Ascaris sp, Ancylostomidae, Trichocephalus sp, Hymenolepis sp, Taenia sp e Enterobius sp. (Marzochi, 1970) Em Israel, devido ao grave problema de falta de água, vem sendo amplamente estu- dada a utilização de esgotos na irrigação de vegetais. Vários trabalhos demonstraram que um largo espectro de microorganismos patogênicos aparece no esgoto em altas concentrações e sobrevivem por dias, semanas e, às vezes, por meses, no solo e nas culturas que entram em contato direto com esgoto sem tratamento ou mesmo com trata- mento parcial. Em trabalho realizado em 1984, foi observado que a transmissão de helmintos estava relacionada com a irrigação de hortaliças com esgoto, mediante obser- vação dos resultados de exames de fezes. Durante as épocas em que vegetais irrigados com esgoto eram comercializados na cidade, as taxas de exames positivos subiam muito e, com a parada desse tipo de irrigação, as taxas de exames positivos caíam drastica- mente. Os vegetais irrigados com esgoto também foram examinados e estavam alta- mente contaminados (Shuval et al., 1984). Durante a epidemia de Cólera em Israel, em 1970, os vegetais irrigados com esgoto foram considerados a principal via de transmissão da doença. Quando o suprimento de vegetais irrigados com esgoto parou, a epidemia rapidamente diminuiu e o último caso clínico foi registrado 12 dias depois (Shuval et al., 1984). A população exposta aos aerossóis derivados da irrigação com esgoto por aspersão também sofre problemas de saúde. Foi verificado um aumento nas taxas de doenças entéricas durante períodos com esse tipo de irrigação (Fattal et al., 1986). Os animais selvagens, principalmente aves e roedores, que se aproximam das áreas cultivadas à procura de alimentos, também podem contribuir para a contaminação dos produtos hortícolas, por meio de suas fezes. Os insetos também geram uma contamina- ção mensurável, porém geralmente baixa (Geldreich, 1971).
  • 130. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 3 3 Os próprios trabalhadores da zona rural podem contaminar os alimentos. Estas pes- soas normalmente possuem maus hábitos de higiene, baixo nível de informação e condi- ções de moradia precárias do ponto de vista sanitário. Vivem geralmente em grande proximidade com os animais e suas fezes podem albergar agentes patógenos. Também nas etapas de embalagem, transporte e armazenamento os produtos hortícolas podem sofrer contaminação. As caixas utilizadas para o acondicionamento dos vegetais muitas vezes são aproveitadas para outros fins, como por exemplo, a deposição de lixo. É comum o armazenamento das caixas a céu aberto, servindo às vezes de refúgio para animais domésticos, como cães e gatos, e sofrendo também a contaminação por urina e fezes de roedores. A não desinfecção das caixas antes de sua reutilização propicia a disseminação de agentes patogênicos. Os alimentos ali colocados poderão contaminar- se e, na dependência do agente, causar sérios transtornos à Saúde Pública (Miguel et al., 1989). Durante o transporte dos vegetais há uma ampla oportunidade de contaminação adi- cional. Veículos sujos e abertos oferecem fácil acesso à poeira, poluição, insetos e roe- dores. Os produtos são mantidos frescos borrifando-se os vegetais com água de qualida- de questionável. O transporte em veículos sem refrigeração e a exposição a altas tem- peraturas por longos períodos são fatores indesejáveis (Geldreich, 1971). Os entrepostos e depósitos nem sempre oferecem condições adequadas de higiene, temperatura e proteção contra insetos e roedores. Em alguns supermercados, ocorre um manuseio adicional para o preparo do produto para a venda ao consumidor. São desenfardados, cortados, classificados e reembalados e, muitas vezes, recebem um bor- rifo adicional com água para manter seu frescor. Em outros pontos de venda, as frutas e verduras são expostas a descoberto, sem proteção ou atenção às condições sanitárias, como é o caso das feiras livres e “varejões”. É comum, nestes locais, a existência de recipientes com água onde as verduras são mergulhadas, e onde provavelmente estarão sofrendo uma contaminação extra. Dados sobre a contaminação dos produtos hortícolas no brasil Normalmente encontramos dados quanto à contaminação da água de irrigação das hortas, e não diretamente da carga microbiana existente nas hortaliças. Porém, algumas pesquisas já foram feitas neste sentido. Pode-se citar um estudo realizado em 1983, quando foram colhidas amostras de acelga, agrião, alface, cheiro-verde e couve-mantei- ga, em oito municípios que abastecem Curitiba (PR). Em 100% das amostras foi obser- vada contaminação fecal, sendo que 11 das 164 amostras continham E. coli enteropatogênicas. De 151 amostras, 108 apresentaram ovos, larvas e/ou cistos de para- sitas. Em 47 amostras foram pesquisados resíduos de 11 defensivos agrícolas e somente 1 não foi encontrado (Riedel, 1987). Em pesquisa realizada em São Paulo, em 1991, foram encontrados níveis de contamina- ção por enteroparasitas na ordem de 40% para alface lisa, 58% para alface crespa, 62% para escarola e 78% para agrião, havendo isolamento de ovos e larvas. A análise da freqüência dos helmintos identificados mostrou uma predominância da ocorrência de ancilostomídeos, seguida de Ascaris sp, em todas as variedades de hortaliças pesquisadas. Ovos de Fasciola sp foram observados apenas nas amostras de agrião (6,0%) e alface lisa (2,0%). Os resulta- dos obtidos comprovaram a contaminação fecal em altos níveis e a baixa qualidade higiênica
  • 131. 1 3 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI destes produtos oferecidos ao consumo alimentar humano, na região metropolitana de São Paulo,SP(Oliveira,1992). O controle dos produtos hortícolas e a legislação específica existente No Brasil, a legislação sobre alimentos é da competência dos Ministérios da Saúde e da Agricultura e a fiscalização é realizada em nível municipal, estadual (Secretarias da Agri- cultura e da Saúde) e federal (Ministério da Agricultura). Além da legislação geral sobre alimentos, existe alguma específica para os produtos hortícolas. O Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, define como competência do Ministério da Agricultura a padronização e inspeção de produtos vegetais e animais ou de consumo nas atividades agropecuárias (Gouveia, 1990). No Decreto no 12.342, de 27 de setembro de 1978, têm-se as exigências quanto às instalações dos locais de comercialização dos produtos hortícolas. O Decreto no 12.486, de 20 de outubro de 1978, aprova Normas Técnicas Especiais relativas a alimentos e bebidas, sendo de interesse as NTAs no 1 em que se citam as normas gerais de higiene para assegurar condições de pureza necessárias aos alimentos destinados ao consumo humano; NTA no 12, sobre hortaliças; NTA no 13, sobre verduras; NTA no 14, sobre legumes; NTA no 15, sobre raízes, tubiérculos e rizomas; NTA no 16, sobre cogumelos comestíveis; NTA no 17, sobre frutas. Da NTA no 18 a NTA no 27, são abordados os produtos de frutas industrializados (sucos, geléias, doces, etc..). A NTA no 31 é sobre hortaliças em conserva e a NTA no 32 sobre extrato de tomate (Código Sanitário do Estado de São Paulo, 1987). O Decreto no 78.113, de 11 de novembro de 1978, aprova preceitos sobre produtos vegetais, subprodutos e resíduos de valor econômico (Gouveia, 1990). A Portaria no 001, de 28 de janeiro de 1987, estabelece os padrões microbiológicos para frutas e hortaliças e polpas e produtos de frutas expostos à venda ou de alguma forma destinados ao consumo (Gouveia, 1990). Em julho de 1990, o Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, baixou Portaria constituindo um grupo de trabalho para a fiscalização de alimentos na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo – CEAGESP (IVS-CVS, 1990). No final do ano de 1990, um grupo de estudos constituído por Médicos Veterinários especialistas em alimentos, coordenado pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da U.S.P , e outro grupo, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, elaboraram um Anteprojeto de Lei que, entre outras coisas, estabelece a obrigatoriedade da prévia fiscalização dos produtos de origem animal e vegetal, criando o Sistema Estadual Unificado de Inspeção Sanitária dos Produtos de Origem Animal e Vegetal (Solís, 1991). Em Portaria de 12 de dezembro de 1991, do Centro de Vigilância Sanitária da Secre- taria da Saúde, ficou estabelecido o nível máximo de coliformes fecais na água de irriga- ção das plantações de hortaliças e frutas rasteiras e a obrigatoriedade da análise bacteriológica periódica da água, pelo produtor. Esta Portaria foi apenas uma das medidas preventivas adotadas em virtude do risco de uma nova epidemia de Cólera no país. O mapeamento das hortas existentes e as
  • 132. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 3 5 visitas às propriedades para verificação da procedência da água de irrigação e de enxagüe dos alimentos, colheita de amostras da água e das hortaliças para análise laboratorial e a orientação dos agricultores quanto à proteção dos mananciais ou tratamento de manan- ciais contaminados, foram outras atividades que passaram a ser desenvolvidas pelos técnicos das Secretarias Estaduais de Saúde e de Agricultura e, também, Secretarias Municipais de Saúde. Durante Simpósio sobre Prevenção da Cólera, patrocinado pela Associação Brasilei- ra das Empresas de Refeições Coletivas – ABERC – as normas recomendadas para desinfecção dos vegetais foram as seguintes: imersão em solução de hipoclorito de sódio ou de cálcio em concentração não superior a 200 mg/l de cloro ativo por 15 minutos ou imersão por 30 minutos em solução de vinagre a 6%. Em locais onde o surto de Cólera já esteja iniciado, a recomendação é no sentido de não consumir qualquer alimento cru, inclusive verduras, legumes e frutas (Aberc, 1991). Deve-se citar que a Secretaria de Estado de Saúde, que inicialmente recomendava o uso de vinagre como uma alternativa para a desinfecção dos alimentos, tem suprimido esta informação em seus últimos bole- tins oficiais. Várias palestras, folhetos e mensagens passaram a ser veiculados de forma freqüen- te nos meios de comunicação de massa, com a finalidade de informar os consumidores e manipuladores de alimentos sobre as medidas a serem adotadas para impedir a disse- minação da Cólera. Este trabalho de orientação auxilia na erradicação de diversas ou- tras enfermidades, além da Cólera, que podem ser transmitidas pelos hortifrutigranjeiros. Implantação de um programa de controle de produtos hortícolas Sistemas altamente eficientes de controle higiênico e sanitário dos alimentos já existem em muitos países. Eles permitem cobrir muito mais tarefas do que simplesmente garantir segurança do alimento produzido e distribuído dentro do país e de alimento importado ou exportado. Contribuem para a vigilância, prevenção e controle de zoonoses e outras doen- ças, a redução da desnutrição humana, a prevenção de perdas evitáveis de alimentos, a proteção da saúde do ambiente (Panetta, 1982). Diversos autores já propuseram a criação de Programas de Controle de Alimentos. Este Programa deve abranger diferentes etapas, que serão aqui abordadas, dando-se enfoque aos produtos hortícolas. Fase de produção: devem-se efetuar o controle e fiscalização da qualidade da água utilizada para irrigação e enxague das hortaliças. A obtenção e qualidade do adubo orgânico a ser utilizado devem ser verificadas. Controlar a quantidade de agrotóxicos utilizados nas culturas. Também devem ser padronizados e fiscalizados os recipientes utilizados para acondicionamento dos alimentos e os veículos de transporte, bem como exigida sua higienização periódica. Educação Sanitária: treinamentos para produtores, manipuladores de alimentos e público em geral. Deve-se esclarecer a população sobre o valor nutricional dos alimen- tos, maneiras de desinfecção, principais doenças que possam ser veiculadas pelos ali- mentos e como evitá-las. O consumidor deve ser alertado para exigir seus direitos, pois somente com sua colaboração efetiva os produtores e comerciantes mudarão suas atitu- des. Sabe-se que a fiscalização pelos órgãos públicos, isoladamente, tem efeito muito reduzido.
  • 133. 1 3 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Controle de zoonoses: controle de vetores e roedores, para evitar perdas e/ou contaminação dos alimentos. Controlar o destino das excretas animais e humanas. Pro- ceder à criação sanitária dos animais. Vigilância sanitária dos alimentos: treinar as equipes de forma direcionada e pe- riódica. Proceder a um melhor aproveitamento dos recursos materiais e humanos exis- tentes ou providenciar tais recursos onde eles não existirem ou forem insuficientes. Fornecer apoio laboratorial às equipes. Realizar as atividades de fiscalização de maneira programada. Notificação das enfermidades transmitidas por alimentos: implementar um ser- viço rápido de notificação destas enfermidades para que se consiga um levantamento real da situação e se possam avaliar os dados obtidos. Desenvolvimento de pesquisas científicas: pesquisas na área de produção de alimentos, desenvolvendo técnicas aprimoradas e racionais. Realização de estudos que avaliem melhor a contaminação e os riscos que os alimentos podem representar. As pesquisas devem ser direcionadas para realmente auxiliarem o trabalho dos técnicos de ponta. Participação na elaboração e atualização de normas, regulamentos e leis: As leis relacionadas à Saúde Pública devem ser elaboradas por técnicos que tenham um conhecimento real e profundo da situação, e não por pessoas que visam apenas a inte- resses pessoais e políticos, como às vezes acontece. Formação profissional: o profissional precisa ser conscientizado de seu papel na defesa da Saúde Pública e, para isso, no curso de graduação devem existir disciplinas específicas, que o preparem para atuar nesta área. As atividades são muitas e necessárias. Na área de Saúde Pública e particularmente no que concerne à higiene de alimentos, os profissionais têm responsabilidades intransferíveis perante a comunidade (Panetta, 1982). Controle Devido à maior importância que os produtos hortícolas vêm adquirindo para a alimen- tação dos brasileiros, deve-se dar uma maior atenção aos aspectos higiênico-sanitários destes alimentos. São poucos os dados existentes sobre o papel destes produtos na transmissão de enfermidades ao homem, porém, devido à alta contaminação que estes alimentos so- frem, a probabilidade de servirem como via de transmissão de doenças é alta. Os produtos hortícolas representam uma vasta área de atuação para o profissional de Saúde Pública e, até este momento, pouca coisa foi feita. A solução mais adequada para o problema é a implantação de um Programa de Controle dos Produtos Hortícolas, com atuação em todas as etapas envolvidas, desde a produção até a comercialização dos alimentos. Para que se atinjam os objetivos deste Programa, além da conscientização do profis- sional é necessário que todos os segmentos da sociedade estejam envolvidos. Assim, os produtores devem ser orientados e assumir a responsabilidade pelo que irão produzir; os funcionários dos órgãos de fiscalização e controle devem zelar pelo cumprimento da legislação existente e pelo trabalho educativo a ser desenvolvido, e os consumidores devem exigir um produto de qualidade. Somente assim, com cada um desempenhando seu papel, pode-se alcançar uma melhora significativa na qualidade dos alimentos ofere- cidos à população.
  • 134. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 3 7 Leite Kathia Brienza Badini Marulli No século XIX, o fornecimento de leite para as cidades era feito por chácaras situa- das nas vizinhanças (Gancho, 1991). De acordo com a descrição de Mawe, “de galiná- ceos e de gado havia abundância perto da cidade, mas como não se armazenavam forragens, o gado só engordava no tempo de boas pastagens. As vacas eram ordenha- das sem regularidade, recebiam fracas rações de sal e eram geralmente consideradas ‘um estorvo’; o uso de leite de cabra era mais generalizado. Os derivados do leite eram produzidos sob precárias condições higiênicas, de modo que a manteiga logo ficava rançosa e o queijo não prestava”. Na cidade de São Paulo, a comercialização de produ- tos de fácil deterioração era feita nas ruas, nos tabuleiros das negras ou nas mulas dos caipiras vindos das redondezas e de localidades mais distantes como Cotia e Juqueri (Morse, 1970). No início do século XX, com a propagação da energia elétrica, a indústria de laticínios teve incremento considerável, principalmente na região do sul de Minas e em São Paulo. O processo de industrialização expulsou bois e vacas das redondezas das cidades em crescimento (Gancho,1991). Nessa época, a cidade de São Paulo possuía cerca de 240.000 habitantes, sendo a produção de leite efetuada na periferia da cidade, por produtores cuja origem era predominantemente portuguesa, conhecidos como “vaqueiros”, que dis- tribuíam o produto por meio de carrocinhas movidas por 2, 4 ou 6 animais de tração (Meireles, 1983). Nos anos 20, com o crescimento da cidade, a produção de leite tornou-se insuficiente para abastecer a população e foi necessário importar leite de outras regiões, criando-se, dessa maneira, as condições para a implantação de usinas e entrepostos na Capital, voltados para a distribuição do leite. Nessa época surgiu a “Sociedade União dos Va- queiros” que, por meio de uma usina de beneficiamento de leite, pasteurizava, engarra- fava e distribuía à população o leite que vinha das cercanias de São Paulo (Meireles, 1983). Na década de 30, o abastecimento de leite na cidade de São Paulo era realizado pelos vaqueiros, que distribuíam leite cru, e pelos entrepostos e usinas. A partir de junho/julho de 1933, a fiscalização sanitária sobre o leite comercializado pelos vaqueiros foi intensi- ficada, pois os mesmos não estariam cumprindo o estabelecido no artigo 20 do Decreto no 5.032 de 20/05/1931, que regulamentava produção, consumo e fiscalização do leite e produtos derivados (Meireles, 1983). Em julho de 1939, o Governo do Estado baixou decreto instituindo o “Regulamento do Policiamento do Serviço de Alimentação Pública” que, entre outras exigências, estabele- ceu que todo o leite a ser distribuído à população a partir de 01 de dezembro do mesmo ano deveria ser pasteurizado (Meireles, 1983). Esta resolução gerou polêmica: alguns defendi- am que a medida traria maior segurança ao consumidor, além de possibilitar o transporte do leite de outras regiões sem que o produto se deteriorasse tão rapidamente. Entretanto, outras pessoas eram radicalmente contrárias à pasteurização, afirmando que a mesma permitiria a constituição do monopólio, fato este que acarretava o favorecimento de um reduzido número de usinas particulares, assim como o encarecimento do produto, e a con-
  • 135. 1 3 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI seqüente queda do consumo. Os usineiros, já naquela época, pagavam pouco aos produto- res, e muitos rebanhos leiteiros foram transformados em rebanhos de corte (Amaral, 1963). A produção próxima ao centro consumidor (considerada melhor do ponto de vista econô- mico,higiênicoesocial,segundoAmaral,1963)foiaprimeiraquesereduziu,pelapossibilida- de dos interessados comprarem leite produzido em municípios distantes e até em outro esta- dos, onde os preços eram insignificantes. Em 1936, 32,85% do leite consumido na cidade de São Paulo, o que correspondia a 47.000 litros, era produzido nos arredores da cidade. Já em 1943, apenas 9,89% (10 a 15 mil litros) eram produzidos nas vizinhanças, sendo o restante vindo de longe, até de Minas Gerais, de onde chegava repasteurizado, apesar disso ser proi- bidoporlei(Amaral,1963). Seja pela deficiência no abastecimento de leite realizado pelas usinas distribuidoras, seja pelo hábito de consumo do leite cru ou pelos dois motivos citados, a verdade é que a antiga forma de comercialização do produto nunca desapareceu. O leite e a transmissão de doenças No final do século XVIII e início do XIX, muitos surtos epidêmicos registrados tive- ram seus agentes etiológicos transmitidos pelo leite, produzido, transportado e mantido em condições higiênicas não satisfatórias. Em 1892, das 4561 mortes (excluindo 280 natimortos) ocorridas na cidade de São Paulo, 2.443 foram de crianças com menos de 8 anos e 170 de crianças entre 8 e 15 anos de idade. Declarava-se que as duas principais causas eram: moléstias broncopulmonares e moléstias gastrointestinais, causadas por alimentação inadequada, “amamentação mercenária” e leite de vaca impuro (Tapajós, 1984, citado por Morse, 1970). Em 1904, no Município de São Paulo, como parte da campanha contra a tuberculose, funcionava o serviço de inspeção de vacas. Eram examinadas as vacas que forneciam leite para a população da Capital, por meio da inoculação de tuberculina. Os animais positivos deveriam ser eliminados. Nesse ano, foram examinadas 4.091 vacas, sendo que 17,8% (720) foram positivas. Ao invés de abaterem estes animais, seus proprietári- os vendiam-nos por preços baixos para outras cidades do interior do Estado (Ribeiro, 1993). Em 1908, nos Estados Unidos, 179 epidemias foram causadas pela ingestão de leite e derivados contaminados (Armstrong & Parvan, citado por Nascimento, 1982). Casos de tuberculose humana foram descritos na África do Sul, possivelmente relacionados à ingestão de leite não pasteurizado (A. P. H. A., 1978). Entre 1923 e 1958, ocorreram 1.131 surtos epidêmicos de doenças veiculadas pelo leite, nos Estados Unidos, sendo 47.411 o número de casos, com 901 mortes (Santos, 1980). De 1923 a 1960, foram registrados 1.142 surtos epidêmicos de doenças transmissíveis devidas ao leite, nos Estados Unidos, perfazendo um total de 45.146 casos e 816 mortes (Leavell & Clark, 1976). Na Inglaterra e País de Gales, no período de 1951 a 1980, foram relatados 2.369 surtos de intoxicação alimentar causados por Salmonella spp, 590 intoxicações estafilocócicas, 3 casos de tuberculose, 10 de brucelose e 715 outras enfermidades relacionadas à ingestão de leite cru (Galbraith, 1982). Até 1941, no Brasil, haviam sido diagnosticados e confirmados bacteriologicamente 19 casos de brucelose humana: 12 em São Paulo, 3 no Rio Grande do Sul, 2 no Rio de Janeiro, 1 no Pará e 1 no Paraná. Em 13 foram isoladas as brucelas: em 2 era B. abortus;
  • 136. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 3 9 em 8 a B. suis; em 2 a B. melitensis; em 1 a B. paramelitensis. Assim, segundo o autor, em apenas 2 casos a ingestão de leite de vaca poderia ser responsabilizada pela moléstia (Rogick, 1941). O processo de pasteurização Ainda na tentativa de melhorar a qualidade do produto e de diminuir o risco de doen- ças, foi estabelecida pelas autoridades a obrigatoriedade da pasteurização do leite a ser distribuído à população, a partir de dezembro de 1939. A pasteurização é um processo desenvolvido pelo cientista Louis Pasteur, entre 1860 e 1864, a partir de experiências com vinho; foi aplicado para beneficiamento do leite para consumo das grandes cidades dos Estados Unidos em fins do século passado. O processo utilizado era chamado “holder pasteurization” (pasteurização lenta) e consistia em aquecer o leite durante 30 minutos a uma temperatura pouco superior a 610 C. Esse mesmo processo foi utilizado no Brasil principalmente nas décadas de 20 e 30, sendo substituído pelo denominado HTST (“high temperature-short time”), a partir da década de 40 (Meireles, 1983). Como sempre, alguns setores foram favoráveis à decisão, enquanto outros se posicionaram contrariamente à pasteurização. Um médico da época afirmava que “não basta qualquer pequena e casual ingestão de leite cru de animais doentes para que o homem contraia uma infecção, como parecem dar a entender os técnicos dos serviços responsáveis pela instituição da pasteurização obrigatória”. Relatava ainda que o produ- to chegava às usinas de pasteurização com taxas de 5 a 30 milhões de germes/cm3 ou mais e que, com a pasteurização, o produto transformava-se em “cemitério de micróbi- os” (Amaral, 1957). Alguns autores, naquela ocasião, defendiam a quebra do monopólio estabelecido pe- las usinas, o reestabelecimento da produção próxima aos centros consumidores e a dis- tribuição rápida do produto e em condições higiênicas satisfatórias. Para eles, a solução seria abolir a pasteurização obrigatória para o produto com condições de chegar ao consumidor satisfatoriamente, independente dela. Defendiam que, se houvesse a conve- niência em manter a obrigatoriedade no tocante à pasteurização, ela deveria ser realiza- da pelos produtores, possivelmente organizados em cooperativas fiscalizadas pelo go- verno. Acreditavam que o ideal era tentar obter um produto que pudesse ser fornecido e consumido cru (Amaral, 1963). Apesar de obrigatória, a pasteurização, em 1958, atingiu apenas 312.988 toneladas de leite, o que representava cerca de 10% da produção nacional (Amaral, 1963). Qualidade do leite A qualidade higiênica do leite depende de vários fatores, que vão desde o estado sanitário dos animais, até a comercialização do produto. A limpeza efetiva dos recipien- tes, utensílios e equipamentos utilizados na ordenha, a qualidade da água usada para higienização, conjuntamente com a higiene cuidadosa do local e do pessoal, são elemen- tos de grande importância. Interferindo na qualidade e quantidade do leite estão ainda a zona de criação, o clima, a salubridade do lugar, a fertilidade das terras, a alimentação dos animais, o pessoal encarregado do serviço, as vias de comunicação e a organização do comércio. O conjunto destes itens é o que determina a obtenção de um bom leite no
  • 137. 1 4 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI sentido amplo da palavra (Rogick, 1979; Costa et al., 1983; 1984). Para avaliar a qualidade do leite, devem ser realizadas provas físico-químicas, que irão detectar alterações nas características do produto, algumas delas provenientes de adulte- rações intencionais. Os testes microbiológicos vêm a seguir, pela importância do leite em difundir e veicular patogênicos do rebanho ou do meio para o homem (Santos, 1980). O número de microrganismos presentes no leite tem relação direta com as condições de higiene de sua obtenção, transporte e conservação. Em condições normais, a contaminação do leite é pequena, atingindo no máximo 10.000 microrganismos/mL, sendo cerca de 1.000/mL o valor médio. Estes, geralmente, são saprófitas do animal e não crescem muito bem no leite, principalmente se o produto for resfriado logo após a ordenha (Oliveira, 1976). Quando há grandes deficiências higiênicas e, em casos de mastites, contaminações maciças podem ocorrer, sendo extremamente variáveis tanto qualitativa, como quantitativamente, de modo a acarretar elevadas contagens de microrganismos. Ocasi- onalmente, microrganismos patogênicos são veiculados pelo leite, provenientes em sua maioria do ordenhador ou do próprio animal (Santos, 1980; Nascimento, 1982). O excelente valor alimentício do leite para o homem é quase igualado em sua qualida- de pelo favorecimento ao crescimento bacteriano. Assim, quando as bactérias chegam ao leite, multiplicam-se rapidamente, a menos que o produto seja mantido em temperatu- ra baixa (Leavell & Clark, 1976). Como o leite possui nutrientes e pH próximo ao neutro, que é preferido por muitos microrganismos, ele serve como meio de crescimento para inúmeros microrganismos oportunistas e patogênicos (Vasavada, 1988). Como o leite é praticamente o único alimento de origem animal costumeiramente ingerido sem cozinhar, e está em contato íntimo com muitas pessoas durante os proces- sos de produção e distribuição, as oportunidades para a introdução de germes patogênicos são numerosas (Leavell & Clark, 1976). Surtos de intoxicações alimentares e outras doenças envolvendo leite e derivados são descritos desde o início da indústria leiteira (Vasavada, 1988). Com o início da utilização da pasteurização, o problema assumiu dimensões menores. O processo de pasteurização consiste em destruir os agentes patogênicos sem causar mais do que alterações de mínima importância em sua composição, sabor e valor nutri- tivo. Serve ainda para aumentar sua capacidade de conservação, a fim de que diversos setores da população, urbana ou rural, possam receber uma quantidade suficiente de leite de boa qualidade (Kay, 1966). A utilização da pasteurização é um dos fatores es- senciais da produção leiteira em países onde a mesma encontra-se muito desenvolvida (Iya, 1966). Não se pode esquecer, porém, que “a tecnologia de beneficiamento apenas higieniza o produto, mas não regenera os efeitos da matéria prima. Nada acrescenta, apenas procura eliminar os fatores indesejáveis que nela se encontrem. Essa matéria prima é de natureza a mais variada, tanto na sua composição, como em teores microbiológicos” (Jardim, 1984). A maioria dos saprófitas contidos no leite e a totalidade dos patógenos são destruídas pela pasteurização (Cruz, 1984). Na verdade, a pasteurização adequada, perfeitamente conduzida, é capaz de destruir 99,9% dos germes, sendo que o 0,1% que resta, depen- dendo da contaminação inicial, pode representar uma elevada carga bacteriana no leite (Rogick, 1981).
  • 138. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 4 1 Devido à evolução do hábito de consumo, iniciado pelo leite cru, passando pelo fervi- do, depois pelo pasteurizado e mais recentemente chegando ao “longa vida”, os consu- midores estariam devidamente protegidos (Rogick, 1979). Entretanto, não é essa a situação atual dos consumidores de leite. O leite cru conti- nua sendo comercializado em larga escala e nem todos os seus usuários têm o hábito de submetê-lo à fervura. A qualidade do leite pasteurizado continua sendo um problema e grande parte de seus compradores tenta proteger-se fervendo o produto. E, por uma série de motivos, o leite continua sendo um alimento que veicula agentes patogênicos para o homem. A contaminação do leite começa no momento da ordenha quando esta é realizada sem obedecer os preceitos de higiene adequados. O próprio ordenhador é uma importan- te fonte de contaminação para o produto. Têm-se ainda, os equipamentos, a água utiliza- da para higienização dos equipamentos, o tempo decorrido entre a ordenha e o recolhi- mento do leite pelos caminhões, não térmicos, que levarão o produto até a estação de resfriamento ou usina de pasteurização, e que costuma variar de 4 a 7 horas (Aranalde et al., 1974; Wilson, 1977). Ao realizarem a enumeração de Staphylococcus em leite cru, alguns pesquisadores afirmaram que o tempo decorrido entre a ordenha e a chega- da dos latões à plataforma de recepção das indústrias, bem como as condições de trans- porte da matéria prima, influenciaram os resultados das contagens (Mesquita et. al., 1988). O principal problema sanitário da atividade leiteira é, indiscutivelmente, a mastite, e alguns autores afirmam que 50% das vacas apresentam este problema (Krug, 1985). A literatura cita que provavelmente o Staphylococcus aureus é o patógeno mais comumente isolado das mastites bovinas. No Brasil, a freqüência de isolamento deste agente tem variado de 5,0 a 83,54%, de acordo com dados de diferentes pesquisas (Ferreiro, 1980). A presença de S. aureus em leite de conjunto tem sido verificada em 46,9 a 100% das amostras estudadas (Nader Filho, 1987). O S. aureus é um microrganismo cuja importância reside no fato de algumas cepas serem capazes de produzir enterotoxinas termorresistentes, que permanecem ativas à temperatura de 100o C por 30 minutos. As enterotoxinas são designadas pelas letras A a F, sendo que a mais envolvida em surtos de intoxicações alimentares é a enterotoxina A. Geralmente são as cepas coagulase-positivas que produzem as toxinas, sendo que algu- mas cepas podem produzir 2 ou 3 enterotoxinas diferentes (Acha & Szyfres, 1989). Além do sério problema das mastites estafilocócicas, a estrutura de coleta do produto cria condições para a multiplicação de S. aureus no leite, pois o produto fica à tempera- tura ambiente até ser transportado à usina, como foi citado anteriormente. Tendo em vista as condições sanitárias do rebanho nacional, aliada às condições higiênicas da ordenha, torna-se difícil a obtenção de leite cru isento de Staphylococcus coagulase- positiva (Mesquita et al., 1988). Se, por um lado, sabe-se que nem todas as cepas de S. aureus coagulase-positiva são produtoras de enterotoxinas (Mesquita et al., 1988), pode-se afirmar, em contrapartida, que os estafilococos são os microrganismos mais comumente envolvidos em intoxica- ções alimentares por produtos lácteos (Cruz, 1984) e o leite é a fonte mais comum das toxinas estafilocócicas C e D (Holmberg & Blake, 1964, citados por Acha & Szyfres, 1989). Todos os estafilococos coagulase-positiva, isolados de alimentos, devem ser con- siderados como potencialmente produtores de toxinas (Aranalde et al., 1974). Alguns autores têm observado que, dentre as cepas de S. aureus isoladas em casos de mastite
  • 139. 1 4 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI bovina, 7,0 a 34,0% têm capacidade enterotoxigênica (Nader Filho, 1987). Em trabalho realizado em Pelotas (RS), em que foi analisado leite cru entregue em uma usina de pasteurização, foi possível isolar estafilococos coagulase-positiva de todas as amostras, provenientes das 11 rotas da usina. Os autores supuseram que estariam ocorrendo intoxicações alimentares pela toxina estafilocócica, tanto por leite, como por produtos derivados, na região. Entretanto, não encontraram registros locais de casos de intoxicações estafilocócicas, talvez por estarem passando despercebidos ou por recebe- rem outro diagnóstico (Aranalde et al., 1974). No Brasil, os profissionais de Saúde Públi- ca acreditam que a ocorrência de surtos de intoxicação alimentar estafilocócica devido ao consumo de leite e produtos lácteos não é rara; entretanto, não existem registros exatos para sustentar esta opinião (Santos et al., 1981). Certos alimentos são mais apropriados para o crescimento de estafilococos e para a produção de toxinas. Das 137 epidemias de intoxicação por estafilococos citadas no Morbidity and Mortality Reports para os anos de 1957 a 1961, oito (5,8%) delas foram devidas a leite e queijo. A estatística inglesa Panteleon em 1965 cita que dos 239 surtos de intoxicação por toxina estafilocócica ocorridos durante 1957 a 1961, 16 (6,7%) foram de- vido ao consumo de leite contaminado (Aranalde et al., 1974). Além do leite, os derivados lácteos também podem representar um perigo à saúde dos consumidores. Sabe-se, por exemplo, que o queijo tipo “Minas” é, na maioria das vezes, fabricado com leite cru, em fazendas ou pequenas propriedades. A possibilidade de persistência do S. aureus no queijo, com conseqüente produção de toxinas, é muito grande. Os riscos de intoxicação são constantes, porém poucas vezes os surtos são detectados e descritos. Em estudo realizado em Juiz de Fora (MG), em que foi analisado o leite cru a ser utilizado para a fabricação de queijos tipo Minas, S. aureus foi encontrado em 46,9% das amostras (Santos et al, 1974). Em 1987 ocorreu um surto de intoxicação alimentar, em Ouro Preto (MG), que atin- giu quatro pessoas da mesma família, e cujo alimento causador foi um queijo “Minas” contaminado por S. aureus ao nível de 9,3 x 107 UFC/g. Foram detectadas cepas produ- toras de enterotoxinas dos tipos A, B, D e E. A amostra ainda revelou contaminação por coliformes fecais de 1,1 x 105 /g (N.M.P.) (Sabioni et al., 1988). Em experimento realizado em Ouro Preto (MG) para avaliar a qualidade microbiológica de queijos “Minas” frescal, foi constatado que 41,1% das amostras analisadas estavam contaminadas com S. aureus acima de 106 UFC/g (Nascimento et al., 1985, citados por Sabioni et al., 1988). Outro trabalho conduzido em Belo Horizonte (MG) revelou 21,5% das amostras de queijos “Minas” com S. aureus acima de 105 UFC/g, sendo que, das cepas estudadas, 21,97% eram enterotoxigênicas (Mandil et al., 1982, citados por Sabioni et al., 1988). Fraudes Fraude, logro, ação praticada de má-fé, falsificação, adulteração. A rigor, fraude é tudo aquilo que se desvia das características normais, inclusive de peso e preço de um determinado alimento. Podem-se ainda considerar como fraude os artifícios usados sem o consentimento oficial e que não fazem parte de uma prática universalmente aceita (Riedel, 1987).
  • 140. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 4 3 A adulteração dos alimentos sempre foi uma prática corriqueira. Dois fatores atua- ram permanentemente para o aumento da quantidade de alimentos de forma artificial: o aumento extraordinário da população e a insuficiente produção de alimentos frente ao crescimento populacional (Ribeiro, 1993). Em 1892 foi criado no Estado de São Paulo o Serviço Sanitário, composto pelo Con- selho de Saúde Pública e pela Diretoria de Higiene, esta última auxiliada por diversas seções, dentre as quais o Laboratório de Análises Químicas. A Diretoria de Higiene realizava inúmeras atividades, como por exemplo a fiscalização da alimentação (Ribeiro, 1993). Em 1894, o Laboratório de Análises Químicas divulgou relatório sobre as principais falsificações encontradas nos alimentos consumidos pela população de São Paulo. Ana- lisando o leite, foram constatadas a presença de bicarbonato de sódio e miolo de vitelas. As falsificações não eram raras, e o leite, alimento de ampla demanda, era um dos produtos mais cobiçados na multiplicação por meio de processos artificiais, principal- mente nas épocas de entressafras (Ribeiro, 1993). Em 1909, em matéria publicada no jornal Folha do Povo, encontrava-se o seguinte comentário: “o leite de vaca não é alimento para ninguém, desnatado, diluído e contami- nado, cheio de impurezas de toda a espécie”. Segundo o chefe da subdivisão de Bromatologia e Química do Instituto Adolfo Lutz, Bruno Rangel Pestana, o padrão de leite adotado em São Paulo a partir de 1934 permi- tiria a inclusão de 15% de água no produto. A redução do teor de gorduras no leite para 3% seria uma possibilidade para as usinas pasteurizadoras fraudarem o produto por meio da aguagem e do desnate (Amaral, 1963). Ainda segundo Pestana, a aguagem era a fraude mais freqüente no leite de São Paulo; cerca de 60% das amostras de leite analisadas no I.A.L. tinham água, apesar de estarem com teor de gordura e extrato seco desengordurado dentro dos padrões estabe- lecidos. Um ex-secretário de saúde, Dr. Queirós Guimarães, referiu-se ao produto como “água leitosa”. Já o Dr. Carlos Prado, diretor do Departamento da Criança, dizia que “a própria vaca se sentiria humilhada e ofendida, diante da acareação com o suposto alimento original de suas tetas” (Amaral, 1957). Dentro do Programa de Monitoramento do Leite Pasteurizado no Estado de São Paulo, realizado pela Secretaria de Estado da Saúde no período de fevereiro de 1990 a dezembro de 1990, que analisou 383 amostras de leite pasteurizado tipos A, B, e C, foram encontradas 93,20% das amostras com índice crioscópico acima do limite permi- tido, o que demonstra que a fraude pela adição de água continua ocorrendo (Centro de Vigilância Sanitária, 1993. Dados não publicados). Panorama geral da situação O leite exposto à venda no comércio varejista brasileiro sofre tratamento térmico prévio, com o objetivo de diminuir seu risco de deterioração e destruir microrganismos patogênicos. A classificação do produto é determinada pela carga microbiana inicial e pelo tipo de tecnologia aplicada. De acordo com o Decreto-Lei no 923 de 10/10/1969, a comercialização de leite cru só é permitida, em caráter precário, em localidades que não possam ser abastecidas
  • 141. 1 4 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI permanentemente com leite beneficiado. Para que exista autorização para esse tipo de comércio, o produto deve ser oriundo de propriedade cujas instalações permitam a ob- tenção de leite em perfeitas condições de higiene, proceder de rebanho mantido em condições sanitárias satisfatórias, ser distribuído ao consumo até três horas após o térmi- no da ordenha, ser integral e satisfazer aos padrões oficiais (Decreto-Lei no 66.183 de 5/ 2/1970). Sabe-se, entretanto, que é grande o número de pessoas, produtores ou não, que ven- dem leite cru nas cidades do interior do Brasil, mesmo naquelas onde tal procedimento é proibido por lei. Por tratar-se de produto clandestino, não sofre qualquer tipo de controle higiênico-sanitário, expondo a saúde pública a riscos incalculáveis. A falta de estudos específicos e de dados estatísticos sobre tal situação permite apenas que se suponha a gravidade da mesma. Segundo a Comissão Técnica da Delegacia Federal de Agricultura (1982), o problema do leite é complexo, com desdobramentos de natureza social, econômica, sanitária, política e cívica. A produção de leite é sustentada por pequenos produtores rurais com poucos recursos financeiros e técnicos. O baixo nível cultural do produtor revela sua necessidade de receber treinamentos e assistência técnica para produzir mais e melhor (Krug, 1985). Além disso, devido à sua condição social, a prescrição de normas higiênicas constitui fator limitante, havendo uma acomodação evidente, não só do trabalhador braçal, como também do proprietário (Costa et al, 1983). A produtividade do rebanho nacional é baixa e o preço com que se remunera o leite ao produtor brasileiro é um dos menores do mundo (Panetta, 1982; Krug, 1985). Assim, numa tentativa de aumentar sua renda, uma parcela considerável de produtores vem abandonando as cooperativas e entrando na chamada “economia informal”, vendendo seu produto diretamente ao consumidor. Os que fazem o comércio clandestino de leite cru ficam em situação privilegiada, pois não sofrem inspeção qualitativa de seu produto e, ainda recebem o preço de mercado do leite tipo C, o dobro do que receberiam na indústria. Por questões culturais, boa parte da população prefere consumir o leite cru, ao invés do pasteurizado. Em estudo realizado pela Federação da Agricultura do Estado do Paraná, em 1969, foi constatado que o consumo de leite cru era cinco vezes maior que o de leite pasteurizado. Segundo dados de 1985, da produção brasileira estimada, pouco mais de 51% vinha sendo entregue às indústrias com Inspeção Federal. A quantia restante ficava na propri- edade para consumo próprio, produção de queijo e manteiga, alimentação de bezerros, venda a queijarias e venda de leite cru diretamente ao consumidor, a qual, segundo o autor, vinha aumentando assustadoramente (Krug, 1985). Em Santa Maria (RS), por exemplo, aproximadamente 80% da população recebia leite cru, na década de 70 (Moreira, 1971). Em Minas Gerais representa 50% do abastecimento, está presente inclusive na periferia de São Paulo, e em cidades isoladas seu consumo chega a 100% (Leite B, 1994). A venda de leite cru diretamente à população não acontece somente no Brasil. Ocor- re no México (“leche bronca”), inclusive na capital, no Uruguai (“leche del tambo”), na Itália (“latte crudo”), e certamente em muitos outros países. Nos Estados Unidos seu comércio é permitido em algumas regiões, desde que em pequena quantidade. O que diferencia o Brasil do restante do mundo é o volume. Faltam estatísticas oficiais, mas acredita-se que o leite cru corresponde a 30 ou 40% do total de leite bebido no país
  • 142. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 4 5 (Leite B, 1994). A baixa qualidade do leite é um problema muito comum no país (Krug, 1985). Este fato torna-se mais alarmante em relação ao leite cru, produzido precariamente e distribuído nas residênciaspelos“leiteiros”,que passamumtemporelativamentelongoentregandooprodu- to, representando um perigo à Saúde Pública (Ferreiro, 1980). Porém, para o consumidor, muitas vezes o que mais importa é a comodidade da entrega domiciliar, o preço menor que o do leite pasteurizado, a manutenção de um hábito cultural e/ou a possibilidade de liquidar sua conta mensalmente. Para ilustrar a questão econômica, pode-se citar o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite B, Jorge Rubez, que afirma que o leite foi tirado do cardápio dos pobres por causa do arrocho salarial. “Em 1970, o salário mínimo comprava 350 litros de leite. Em 1980, já havia caído para 230 litros. Em julho de 1994, antes da estréia do real, o mínimo de 64 URV só adquiriu 125 litros” (Leite B, 1994). No Brasil, a média geral de consumo de leite fluido era de 42,1 litros por habitante, por ano, em 1986. Somava-se a isso o consumo de derivados, da ordem de 19,2 litros/ habitante, perfazendo um total de 61,3 litros anuais ou 0,167 litro diário. O requerimento da FAO (Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas), para nossas condições, é de 0,400 litro diário (havia, então, um déficit de 39,6 litros anuais) (Revista Balde Branco, 1986). O Brasil é um dos principais países produtores de leite do Cone Sul, mas o consumo de leite e derivados lácteos é um dos mais baixos, se comparado ao da Argentina, Chile e Uruguai. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Leite B (ABPLB), o Brasil produzia 13,3 bilhões de litros por ano, enquanto a Argentina produzia 5,9 bilhões de litros por ano, o Chile 1,23 bilhões e o Uruguai, 989 mil litros de leite por ano. No entanto, o consumo de leite e derivados no Brasil era de 85 litros por habitante ao ano, enquanto que na Argentina era de 190 litros, no Chile 125 litros e no Uruguai, 230 litros por habitante, por ano (A. B. P. L. B., 1990). Vários fatores contribuem para que o consumo de leite em nosso país seja baixo, dentre eles, o preço do produto. O leite e a carne bovina são os alimentos que representam os maiores gastos na alimentação das famílias. Em todos os níveis de renda, o dispêndio com esses produtos ultrapassa 20 por cento do gasto total (Barelli et al., 1988). Assim, muitas vezes o consumo do leite cru passa a ser uma alternativa para que o produto continue a ser comprado, apesar dos riscos que esta prática possa acarretar. Além disso, quem compra o leite cru parece acreditar que está adquirindo um produto melhor do ponto de vista nutricional, e isento de fraudes. Sabe-se, entretanto, que a pasteurização tem pequeno ou nenhum efeito sobre o valor nutritivo do leite, e a segu- rança obtida por esse processo excede qualquer possível efeito nos nutrientes. Com o aumento de consumo do leite não pasteurizado, cresce também a possibilidade de ocor- rência de surtos relacionados à ingestão deste alimento (A. P. H. A., 1978). Finalizando este panorama geral da situação atual, deve-se citar a implantação de miniemicrousinasdeleite.NoestadodeSãoPauloexistiam,em1995,65miniemicrousinas registradas, com uma produção média de 50.000 litros de leite/dia. São estabelecimentos que produzem e/ou recebem, beneficiam e empacotam até 3.000 litros diários e que foram instituídas pela Resolução SAA no 24 de 01/08/94, que normatizou a Lei Estadual no 8.208/92. Com isso, o produtor tem a possibilidade de beneficiar sua própria produção de leite, oferecendo à população um alimento com preços competitivos, maior lucratividade e com padrão de qualidade igual às outras empresas do ramo (Castilho, 1995).
  • 143. 1 4 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Carne Kathia Brienza Badini Marulli Aspectos históricos e legislativos Na história brasileira a pecuária sempre representou uma atividade secundária e acessória, dependendo das outras grandes explorações econômicas. A criação de bovi- nos não exigia muito capital, nem muitos braços. Era uma atividade adequada para aque- les que, não possuindo meios suficientes, não podiam se dedicar à agricultura de expor- tação no litoral ou organizar a exploração de uma mina. O trabalho numa fazenda de criar era relativamente fácil e simples (Holanda, 1985). Durante a colonização da costa brasileira, a partir de 1534, a terra foi dividida em 14 capitanias, que foram doadas a elementos da pequena nobreza lusitana, os chamados donatários, que deviam explorar as propriedades recebidas com seus próprios recursos (Ferreira, 1979). Foram os capitães donatários que introduziram o gado bovino no Brasil, trazendo os primeiros animais de outra colônia portuguesa, Cabo Verde (Gancho, 1991). Em 1548, alguns exemplares da espécie bovina chegaram ao país com a frota do governador-geral, Tomé de Sousa. No ano seguinte, a caravela “Galga” desembarcou nova leva de “vacuns”. Tomé de Sousa considerava os bovinos “a maior nobreza e fartura que pode haver nestas partes” e os distribuía pelos moradores da nova terra, fornecendo aos mais aptos, terras de pastagem (Holanda, 1985). A pecuária surgiu para apoiar a cultura canavieira, tendo início em São Vicente (SP); esta, juntamente com a de Pernambuco, foi a capitania que apresentou os melhores resul- tados, justamente pelo êxito da cana e da criação de gado (Ferreira, 1979). Posteriormente, a pecuária adquiriu importância por outros motivos, como o desbravamento e ocupação de inúmeras áreas do território, como no caso das caatingas do Nordeste e das campinas do Sul. Em ambas as regiões, a criação de gado desenvol- veu-se de forma rápida, principalmente devido ao consumo crescente dos trabalhadores agrícolas e mineradores (Holanda, 1985). A pecuária fornecia à população colonial a carne, um dos gêneros fundamentais da alimentação do brasileiro daquela época, e o leite, ambos para consumo local (Gancho, 1991). Os bovinos eram ainda o principal agente motor dos engenhos, o meio de transporte mais utilizado pelas pessoas, além de fornecerem o couro, que era exportado e também aproveitado na própria colônia. No século XVII, minas de ouro e diamantes foram descobertas nos Estados de Mi- nas Gerais e Goiás, e grande número de pessoas acorreu para essas regiões, onde sur- giram alguns núcleos de povoamento, gerando um aumento da necessidade de alimen- tos; a pecuária começou a se estender também para esses locais (Ferreira, 1979; Gan- cho, 1991). No início do século XIX, a pecuária apresentava resultados medíocres, não tendo importância econômica. Havia alguma produção de laticínios em Minas Gerais e de charque, no Rio Grande do Sul. A população do Brasil nessa época era de cerca de 3
  • 144. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 4 7 milhões e meio de habitantes (Ferreira, 1979). O ano de 1910 pode ser considerado o marco inicial da implantação do sistema de inspeção de produtos de origem animal no Brasil, pois, por meio do Decreto no 7.945, de 7/4/1910, o governo estimulou a instalação de matadouros modelos e entrepostos frigo- ríficos, estabelecendo nítida correspondência entre os anseios de exportação e a inspe- ção sanitária (Andrade, 1985). Posteriormente, o Decreto no 9.194, de 9/12/1911, regu- lamentou o Regulamento do Serviço de Veterinária, prevendo a inspeção sanitária de matadouros, de entrepostos frigoríficos e estabelecimentos de laticínios (Pardi, 1982). Em 27/1/1915, por meio do Decreto no 11.460, foi criada a Diretoria de Serviço de Indústria Pastoril. Nessa época, vários fatores contribuíram para que a política comerci- al desse maior ênfase ao comércio exterior, como por exemplo, a elevação da demanda de carne no mercado externo, conseqüência do desequilíbrio comercial causado pela 1a Guerra Mundial, e a consideração da carne como um produto nobre de exportação pelos países do Prata (Pinto, 1992). A partir de 1917 houve grande impulso na instalação de indústrias anglo-americanas no Brasil, trazendo farta bagagem tecnológica para a área de carnes e derivados, o que resultou numa necessidade de maior aprimoramento técnico na formação do Médico Veterinário. Como resultado, constatou-se um grande progresso da referida classe e o serviço de inspeção passou, assim, a configurar-se como o campo de trabalho pioneiro da profissão (Pardi, 1982). Com o Decreto no 14.711, de 5/3/1921, foi determinada a necessidade de uma fisca- lização sanitária compulsória em frigoríficos e estabelecimentos de leite e derivados, reservada aos produtos direcionados ao comércio interestadual e internacional, que vi- gora até os dias de hoje no âmbito da inspeção federal (Andrade, 1985). Ainda em 1921, foi ministrada a primeira aula no mundo da disciplina de “Inspeção de Carnes e Alimen- tos de Origem Animal”, na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, em Niterói (RJ) (Pardi, 1982). Por meio de um novo regulamento, o Serviço de Indústria Pastoril passou a ter como atribuições, dentre outras, a organização de projetos, planos e orçamentos de matadou- ros, entrepostos e quaisquer outras instalações frigoríficas, incluindo os meios de trans- porte de carnes e derivados (Andrade, 1985). Com a aprovação do Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), pela Lei no 1.283 de 18/12/1950, regulamentada pelo De- creto no 30.691 de 29/3/1952, a inspeção não mais se limitava aos animais destinados ao abate e seus produtos, sub-produtos e matérias-primas; estendia-se aos pescados, ovos, mel, cera de abelhas e aos produtos não-comestíveis. Estabeleceu-se maior detalhamento das normas, dos padrões e dos procedimentos em geral. Ademais, outras categorias de estabelecimentos passaram a ser regidas por serviços oficiais de inspeção, antes limita- dos aos estabelecimentos industriais. A necessidade de inspeção também estendeu-se aos produtos de origem animal destinados ao consumo local ou estadual, atividade dele- gada pelo Serviço de Inspeção Federal às repartições estaduais e municipais correlatas, extremamente vulneráveis e sem interesse ou condições de fazer investimentos econô- micos nessa área (Pinto, 1992). Com a Lei no 5.760, de 3/12/1971, ocorreu uma mudança radical na política de inspe- ção, pela instalação do processo de “federalização”, que alargou a atuação da Inspeção Federal aos estabelecimentos ligados ao comércio estadual e municipal. Este processo começou com a pretensão de estudar a situação, identificar os estabelecimentos que
  • 145. 1 4 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI deveriam ser incorporados à fiscalização, dimensionar as necessidades de pessoal e de outros recursos e estabelecer prioridades. Decidiu-se, então, pela sua implantação inicial nas capitais e cidades mais populosas, onde os estabelecimentos irregulares e/ou clan- destinos prejudicavam as atividades da inspeção federal já existente (Pinto, 1992). Muitos setores, sentindo-se prejudicados com o novo sistema, passaram a organizar reações contrárias a ele. Desenvolveu-se, então, um trabalho de mobilização frente aos políticos, com o intuito de paralizar o processo de federalização (Pinto, 1992). Sua anu- lação política ocorreu quando foi sancionada a Lei no 6.275, de 1/12/1975, que regula- mentava a possibilidade de se celebrarem convênios (o que já era previsto na Lei 5.760). Na oportunidade, a União concedia aos Estados a permissão para o exercício das ati- vidades de inspeção em pequenas e médias empresas, quando estas não se dedicassem ao comércio interestadual ou internacional. Embora esteja explícita no Decreto no 78.713 de 11/11/1976, que instrui sobre os convênios, a relevância das orientações e normas do SIF para os Estados conveniados, fica, no mesmo Decreto, estabelecida a pulverização dos critérios de inspeção, ao se permitir a vigência de regulamentação própria do estado, adequada às “peculiaridades” regionais (Andrade, 1985). Conseqüentemente, a estratégia de eliminar os estabelecimentos marginais apoiando a implantaçãodefrigoríficosregionais,antesembutidanasmetasdoprogramadefederalização, não foi atingida e os marginais acabaram subsistindo (Pardi, 1982). Os atropelos gerados pela incoerência das sucessivas leis, canalizando as decisões do executivo para a revogação da Lei no 5.760 de um lado e, de outro, a reação de alguns grupos do setor produtivo, preocupados com a concorrência desleal possivelmente de- corrente do fim da federalização, bem como a campanha da classe veterinária frente ao público e às autoridades político-administrativas, defendendo o prosseguimento do pro- cesso, geraram impasse na definição dos rumos. Por vários anos, a referida lei permane- ceu em vigor, contudo, de forma figurativa. Somente em 1989 consolidou-se a revogação da Lei no 5.760, com a Lei no 7.889 de 23/11/1989, que alterou radicalmente o contexto legal da inspeção de carnes no Brasil (Pinto, 1992). A Lei no 7.889 distribuiu a competência da inspeção de produtos de origem animal no Brasil a diferentes níveis da administração pública, de acordo com o tipo de comércio realizado, ou seja, ficam subordinados à inspeção federal os estabelecimentos ligados ao comércio interestadual e internacional; à estadual, o comércio intermunicipal e os esta- belecimentos atacadistas e varejistas, pertencendo ao município a inspeção dos estabe- lecimentos que realizam comércio municipal. Esta medida representou um retorno ao ano de 1950, pois foi uma mera reimpressão da Lei n. 1.283, acrescentando apenas a participação de órgãos municipais. Pouco evoluíram as transformações políticas do se- tor de carnes e derivados, manifestando-se hoje, como antes, o desinteresse pelo contro- le sanitário em nível estadual e municipal (Pinto, 1992). Considerações a respeito do abate de bovino O matadouro público surgiu no século XIX, em muitos países da Europa, com a finalidade de concentrar a matança de animais e, dessa forma, permitir estrita vigilância sanitária das carnes. Construído por iniciativa do município, por isso também conhecido como matadouro municipal, oferece, aos interessados no comércio de carnes frescas, serviços de matança mediante pagamento de taxas estipuladas. Entretanto, pelas carac-
  • 146. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 4 9 terísticas de funcionamento como serviço público, os matadouros municipais, como re- gra geral, não se beneficiam dos progressos técnicos no setor de equipamentos e insta- lações, sempre orientados a dar melhor aproveitamento aos subprodutos de matança e melhores condições higiênicas para as operações (Mucciolo, 1985; Scarafoni, 1958). No início do século XX, a iniciativa privada fez surgir o matadouro industrial (também denominado matadouro-frigorífico), como centro de atividade econômica, onde, além das operações de matança, produção de carnes frescas e frigorificadas, ainda se efetuam as mais variadas etapas de industrialização da carne, visando ao integral aproveitamento dos subprodutos, comestíveis e industriais, originados do abate dos animais. Uma vez que o ma- tadouro-frigorífico é uma atividade empresarial que, por diversos aspectos, está indissoluvelmente ligada à Saúde Pública, por um lado, e à Sanidade Animal, por outro, cabe às autoridades oficiais a supervisão da construção, instalação e funcionamento desse tipo de estabelecimento(Mucciolo,1985). As instalações completas que um matadouro-frigorífico deve ter para proceder ao abate envolvem: currais e anexos (currais de chegada e seleção, curral de observação e departamento de necrópsia); rampa de acesso à matança (com chuveiros e seringa); área de atordoamento (boxe de atordoamento e área de vômito); sala de matança com subseções (sangria, esfola, evisceração, toalete, seções de miúdos), instalações frigoríficas e graxaria (Brasil, 1971). Ø Transporte dos animais: No Brasil, os animais geralmente são transportados para o abate por via rodoviária, em “caminhões boiadeiros”, tipo “truque”, com carroceria dividida em três partes. A capaci- dade de carga média é de 5 bovinos nas partes anterior e posterior e 10 animais na parte intermediária, totalizando 20 animais. O transporte rodoviário em condições desfavoráveis pode conduzir a lesões, contusões, perda de peso e estresse dos animais. As altas tempe- raturas, grandes distâncias de transporte e a diminuição do espaço ocupado por animal também contribuem para que ocorram problemas de transporte. O espaço ocupado por animal ou densidade de carga pode ser classificada em alta (600 kg/m2 ), média (400 kg/ m2 ) e baixa (200 kg/m2 ). No Brasil, a densidade de carga utilizada é, em média, de 390 a 410 kg/m2 (Roça, 1994). Ø Descanso e dieta hídrica: O período de descanso ou dieta hídrica no matadouro é o tempo necessário para que os animais se recuperem totalmente das perturbações surgidas pelo deslocamento desde o local de origem até ao matadouro. Os animais devem permanecer em descanso, jejum e dieta hídrica nos currais por 24 horas, podendo este período ser reduzido em função de menor distância percorrida (Roça, 1994). O descanso tem como objetivo principal reduzir o conteúdo gástrico para facilitar a evisceração da carcaça (Thorton, 1969). Ø Inspeção ante-mortem: A inspeção “ante-mortem” é realizada durante o período em que os animais perma- necem em descanso e dieta hídrica e tem como objetivo exigir e verificar os certificados de vacinação e sanidade do gado; identificar o estado higiênico-sanitário dos animais para auxiliar, com os dados informativos, a tarefa de inspeção “post-mortem”; identificar
  • 147. 1 5 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI e isolar os animais doentes ou suspeitos, antes do abate, bem como vacas com gestação adiantada ou recém-paridas; verificar as condições higiênicas dos currais e anexos (Roça, 1994). Ø Banho de aspersão: Após o descanso, os animais seguem por uma rampa de acesso para o boxe de atordoamento. Nessa rampa, é realizado o banho de aspersão, por meio de um sistema de chuveiros dispostos transversal, longitudinal e lateralmente, com os jatos orientados para o centro do banheiro. A água do banho deve ser hiperclorada, com 15ppm de cloro disponível (Brasil, 1968). O objetivo do banho antes do abate é limpar a pele para assegurar uma esfola higiê- nica e reduzir a poeira, pois com a pele úmida, a sujeira na sala de abate estaria diminu- ída. Também contribuiria para melhorar a sangria, devido à da vasoconstrição periférica que provoca. Ø Atordoamento: O atordoamento ou insensibilização consiste em colocar o animal em um estado de inconsciência que perdure até o fim da sangria, não causando sofrimento desnecessário e promovendo uma sangria tão completa quanto possível (Gil, 1985). Pode-se empregar um dos métodos de insensibilização a seguir: concussão cerebral, pistola de dardo cativo, corte da medula, degola, eletronarcose e processos químicos (Roça, 1994). O método mais utilizado no Brasil é a concussão cerebral. O atordoamento pode ser realizado por meio da marreta ou martelo pneumático ou pistola pneumática. O método considerado mais eficiente e menos desumano para a insensibilização de bovinos e ovi- nos é a utilização da pistola de dardo cativo, que não é recomendada, entretanto, para suínos, devido à forma anatômica do crânio destes animais (Roça, 1994). Para os rituais judaico e maometano de abate, deve-se proceder à degola ou jugulação cruenta, por meio de incisão rápida no pescoço do animal, com faca bastante afiada, cortando pele, músculos, esôfago, traquéia, artérias carótidas e veias jugulares (Roça, 1994). Após a insensibilização, o animal desliza sobre a grade tubular da área de vômito e é suspenso ao trilho aéreo por um membro posterior. Neste momento, pode ocorrer regurgitação, devendo o local possuir água em abundância, para lavagem (Mucciolo, 1985). Ø Sangria É realizada pelo corte da barbela e secção da aorta anterior e veia cava anterior, no início das artérias carótidas e final das veias jugulares. O sangue é recolhido pela canaleta de sangria. É conveniente a utilização da duas facas de sangria, uma para o corte da barbela e outra para os vasos sangüíneos. Após seu uso, as facas devem ser mergulha- das na caixa de esterilização (Roça, 1994). A quantidade de sangue de bovinos é estimada em 6,4 a 8,2 litros/100 kg de peso vivo. Numa boa sangria, necessária para a obtenção de uma carne com adequada capa- cidade de conservação, é removido cerca de 50% do volume total de sangue, sendo que o restante fica retido nos músculos, vasos e órgãos vitais (Forrest, 1979; Piske, 1982). Vários fatores podem interferir na eficiência da sangria, como por exemplo, o estado
  • 148. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 5 1 físico do animal antes do abate, o método de atordoamento utilizado, e o intervalo entre o atordoamento e a sangria (no Brasil, o Serviço de Inspeção Federal recomenda um intervalo máximo de 1 minuto). Todas as enfermidades que debilitam o sistema circula- tório afetam a sangria. As enfermidades febris, agudas, provocam vasodilatação gene- ralizada, o que impede uma boa sangria. Isto também é observado em animais agônicos, nos quais o sistema circulatório está notadamente alterado. Ø Esfola A esfola é a atividade de remoção do couro do animal. Ainda com o animal suspenso no trilho, deve-se proceder a retirada dos chifres e patas dianteiras, abertura da barbela até a região do mento, incisão longitudinal da pele do peito até o ânus e corte das patas traseiras. Inicia-se, então, a retirada do couro e a desarticulação da cabeça. Deve-se tomar muito cuidado ao executar todas as fases da esfola, a fim de evitar-se a contami- nação cruzada entre o couro e a carne, por meio das mãos ou das facas (Roça, 1994). Após a separação da pele nas extremidades, às vezes a esfola é completada mecani- camente, por tração. A seguir, é realizada a oclusão do esôfago e a separação do con- junto cabeça e língua (Roça, 1994). Ø Evisceração Geralmente é realizada pela abertura da cavidade torácica, abdominal e pélvica, atra- vés de um corte que passa em toda a sua extensão. É realizada a serragem do esterno e a oclusão do duodeno, próximo ao piloro e ao reto, juntamente com a bexiga urinária. Deve-se tomar cuidado para que não ocorram lesões no trato gastrointestinal e urinário durante a abertura do abdômen e separação do esterno com a serra (Roça, 1994). As vísceras são extraídas (com exceção dos rins) e conduzidas para inspeção, por meio de mesa rolante. Posteriormente, são encaminhadas à seção de triparia, geralmen- te por meio de condutos denominados “chutes”. Ø Lavagem das carcaças As carcaças, depois de serem divididas com serra elétrica em duas meias carcaças, devem ser submetidas à toalete, para remoção dos rins, rabo, gordura e medula. São, então, lavadas com água sob pressão, a fim de remover esquírolas ósseas, coágulos e pêlos. A lavagem com água quente e clorada tem como objetivo reduzir a contagem microbiana da carne fresca (Roça, 1994). Contaminação microbiana da carne A carne, quando proveniente de animal sadio, é praticamente estéril, tendo sua su- perfície contaminada pela poeira e manipulação, após o esquartejamento. Os produtos cárneos são alimentos sujeitos a grandes contaminações por serem excelentes meios de cultura para o desenvolvimento e multiplicação dos microrganismos (Florentino, 1997). Em animais sadios, os tecidos, sangue, medula óssea, linfonodos e órgãos das cavida- des torácica e abdominal podem ser considerados estéreis. A contaminação da carne ocorre por contato com a pele, pêlos, patas, conteúdo gastrointestinal, leite do úbere, equipamentos, mãos e roupas de operários, água utilizada para lavagem das carcaças e pelos próprios ambientes de abate e armazenamento. A contaminação pode ocorrer em
  • 149. 1 5 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI todas as operações de abate, armazenamento e distribuição das carnes (Ingram, 1985). No Brasil, as condições higiênico-sanitárias dos locais de abate, a forma como é feito o transporte até os pontos de comercialização, a manipulação do produto e seu armazenamento são geralmente realizados de maneira precária, aumentando o risco de contaminação por bactérias patogênicas. A presença de patógenos em produtos cárneos, principalmente Salmonella spp, constitui um sério problema para a saúde pública, uma vez que estas bactérias são causadoras de graves infecções para o homem e para os animais domésticos (Florentino, 1997). Fontes de contaminação Ø Pele: a pele apresenta uma grande e diversificada população de microrganismos, normais da própria pele ou adquiridos do solo, água, pasto e fezes. O regime de criação dos animais é um dos fatores que afetam a contaminação da pele. Bovinos em regime de criação extensiva podem apresentar menos bactérias fecais e mais microrganismos do solo do que os animais estabulados. Os principais microrganismos encontrados na pele são os psicrotróficos (provenientes do solo, água, vegetais), Pseudomonas spp, Moraxela spp e Acinetobacter spp (da água e vegetação) e Brochothrix thermosphacta (do solo e fezes) (Roça, 1995). Ø Trato gastrointestinal: no momento do abate, o rúmen pode conter aeróbios mesófilos, psicrotróficos, E. coli, bactérias do grupo das Enterobacteriaceae e Salmonella spp. Além dessas, as fezes podem também conter Clostridium perfringens. De acordo com as estatísticas das toxinfecções alimentares, o gênero de bactérias mais perigoso veiculado pelas carnes é o Salmonella spp (Ingram, 1985; Klinger, 1983). A população de salmonelas no rúmen e nas fezes dos bovinos no momento do abate depende, entre outros fatores, da alimentação e distância de transporte (quanto maior a distância, maior contato dos animais com material fecal e, conseqüentemente, maior concentração de salmonelas no rúmen) (Roça, 1995). Ø Ar: após a remoção da pele, as carcaças ficam sujeitas à contaminação pela deposição de microrganismos do ar da sala de matança (Empey, 1939). A qualidade do ar depende principalmente do controle higiênico do estabelecimento, considerando que pisos, paredes, equipamentos, utensílios, magarefes e sistemas de ventilação e drena- gem são fontes potenciais de contaminação do ar atmosférico (Roça, 1995). Entre os principais microrganismos presentes nos matadouros-frigoríficos, encon- tram-se os micrococos, coliformes, bacilos e estafilococos. Geralmente, há predomínio de Escherichia coli no ar ambiente de currais e sala de matança, e baixas contagens deste microrganismo nas câmaras de resfriamento, ocorrendo o inverso com as Pseudomonas spp (Barratt, 1983). Momentos da contaminação Ø Durante as operações de abate: a maior parte da contaminação bacteriana da carcaça que ocorre durante as operações de abate é adquirida durante a esfola. A superfície da carcaça é contaminada principalmente pela pele, mediante a faca utilizada para as primeiras incisões, das mãos dos operários ou do próprio contato da carcaça com a pele já separada (Roça, 1995). Vários fatores afetam a adesão das bactérias na superfície das carcaças, como o gênero do microrganismo, a temperatura ambiente, substratos presentes na carne e ca-
  • 150. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 5 3 racterísticas físico-químicas da carcaça, com pH e capacidade de retenção de água. As bactérias da superfície da carne só penetram no tecido muscular se conseguirem atingir altas contagens (Roça, 1995). Muitos autores consideram a porção interna do músculo proveniente de animais sãos como sendo estéril. Entretanto, existem evidências da presença ocasional de bactérias aeróbias e anaeróbias nesse local (denominadas “bactérias intrínsecas”, que podem atingir os tecidos antes ou após a morte e geralmente são oriundas do trato gastrointestinal). Quando presentes na massa muscular profunda de animais saudáveis, o número de mi- crorganismos é muito pequeno, em torno de 0,1 a 100 por grama (Ingram, 1972; 1976). Aparentemente, as bactérias intrínsecas não constituem um problema importante para a higiene da carne; a invasão das bactérias não ocorre nas primeiras horas post-mortem. Esta invasão é importante quando, nos matadouros, por qualquer tipo de problema, o abate é interrompido e o animal não é esfolado ou eviscerado após a sangria. No Brasil, a tole- rância de tempo para que ocorra a evisceração após a morte do animal é de 30 minutos (Roça, 1995). Ø Após as operações de abate: durante o processo de resfriamento da carcaça podem ocorrer variações do tipo de microrganismo contaminante. Inicialmente, predo- minam as bactérias mesófilas, invertendo-se para psicrotróficas durante o armazenamento sob refrigeração (Mc Dowell, 1985). O início da deterioração da carne pode ser caracterizado pela deterioração da super- fície, quando as contagens estão na faixa de 6,0 log10 UFC/g e é sucedida por odores estranhos (7,0 a 8,0 log10 UFC/g). As alterações indesejáveis de sabor requerem níveis de 8,0 a 9,0 log10 UFC/g e o máximo de contagem (9,0 log10 UFC/g) aparece na forma de limo superficial (Greer, 1989). Carne moida A carne fresca só pode ser vendida moída se a moagem for realizada na presença do comprador. Esta determinação visa proibir a adição de outros produtos ao alimento (“sebo”, aponevroses, etc.) ou sua manutenção por longos períodos de tempo na forma moída, o que aumentaria o risco de contaminação do produto (Riedel, 1987). Em trabalho realizado em Campina Grande (PB), entre outubro de 1994 e novembro de 1995, foram analisadas 90 amostras de carne moída, sendo que 60 amostras foram colhi- das em feiras livres e 30 em supermercados. Com relação a microrganismos mesófilos aeróbios ou anaeróbios facultativos, os valores médios obtidos nas amostras provenientes das feiras livres foi de 2,6 x 106 UFC/g e de 2,5 x105 UFC/g para as dos supermercados. Das amostras de feiras livres, 55% apresentaram contagem superior a 106 UFC/g e 11,7% superior a 107 UFC/g de bactérias mesófilas. Nas amostras coletadas em supermercados, o nível de contaminação era menor: 73,3% das amostras apresentou contagem acima de 105 UFC/g (Florentino, 1997). Ainda apresentando dados do trabalho citado acima, os pesquisadores encontraram 58,4% das amostras obtidas em feiras livres com valores maiores que 106 UFC/g de coliformes totais, com valores médios de 1,9 x 106 UFC/g; contagem superior a 105 NMP/g em 50% das amostras para coliformes fecais (CF) e contagem superior a 104 UFC/g de Staphylococcus spp. Nas amostras dos supermercados os dados foram 66,6% das amostras com contagem superior a 105 UFC/g com valores médios de 1,7 x 105
  • 151. 1 5 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI UFC/g de coliformes totais; 30% das amostras com contagem superior a 104 NMP/g de CF e 53,3% das amostras com contagem superior a 102 UFC/g de Staphylococcus spp. Em todas as amostras analisadas foi detectada a presença de Salmonella spp. Os autores concluíram que o produto sofreu contaminação desde a etapa de abate dos animais, até a etapa de moagem da carne, quando a contaminação superficial é introduzida e distribuída no produto. A falta de higiene dos utensílios e equipamentos que entram em contato com a matéria-prima e sua manipulação inadequada são importantes fontes de contaminação. A diferença entre as amostras das feiras livres e as dos super- mercados, relativamente pequena, deve-se à refrigeração do produto, fazendo com que o crescimento dos microrganismos já existentes seja inibido (nas feiras livres as carnes ficam expostas à temperatura ambiente, aumentando ainda mais o nível de crescimento dos microrganismos). De acordo com a Portaria 01/87 do Ministério da Saúde, que estabelece ausência de Salmonella spp em 25 g do produto, a carne moída comercializada nas feiras livres e supermercados de Campina Grande estava inadequada para consu- mo, constituindo um risco para a saúde de seus consumidores (Florentino, 1997). Anabolizantes A discussão sobre a utilização dos anabolizantes na pecuária de corte vem esten- dendo-se há muitos anos. Os defensores dessa prática afirmam que é necessário produzir uma quantidade maior de alimentos para suprir a demanda de uma popula- ção mundial que cresce exageradamente; para isso, devem ser empregadas novas formas de produção ou tecnologias, como os anabolizantes, por exemplo, que, além de tudo, seriam inócuos à saúde dos consumidores. Outras pessoas acreditam que somente alimentos naturais, ou produzidos de forma natural, devem ser consumidos pelo homem; afirmam que os alimentos produzidos com o auxílio de anabolizantes seriam cancerígenos. Quem estaria com a razão? Anabolizantes são substâncias, de natureza hormonal ou não, que aumentam a reten- ção, pelo organismo, de nutrientes fornecidos pela alimentação. Principalmente, aumen- tam a retenção do nitrogênio protéico e não protéico presentes nos alimentos e sua subseqüente transformação em proteína, particularmente nos músculos esqueléticos. Portanto, produzem um aumento da massa muscular e do peso dos animais (Palermo Neto, 1998). Os anabolizantes de interesse agropecuário podem ser classificados, de acordo com a sua origem, em três grupos: compostos naturais, sintéticos (xenobióticos) e estilbenes. Os anabolizantes naturais são aqueles que existem normalmente no organismo dos ani- mais (anabolizantes endógenos). Como exemplos, podem ser citados a testosterona, 17β-estradiol e progesterona. Os xenobióticos são anabolizantes obtidos por síntese laboratorial (acetato de tembolona e acetato de melengestrol) ou por modificações da estrutura química de substâncias naturais, como é o caso do zeranol. Finalmente, estilbenes são anabolizantes sintéticos, obtidos a partir dos hormônios naturais (Palermo Neto, 1998). Vários fatores podem modificar os efeitos dos anabolizantes. Entre eles, podem ser citados, a presença ou não da castração; a espécie , raça, sexo e idade dos animais tratados; o tipo, quantidade e freqüência do anabolizante usado, bem como a existência ou não de associações de agentes, o tipo de implante empregado e o momento da admi- nistração (quanto tempo antes do abate). De importância fundamental é a quantidade da
  • 152. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 5 5 alimentação fornecida, uma vez que os anabolizantes necessitam de um bom nível de nitrogênio protéico (sal protéico, boa pastagem, boa ração) ou não protéico (uréia), para que produzam seu efeito (Macarini, 1997). Segundo alguns pesquisadores, o crescimento de novilhos pode ser aumentado entre 3 e 12%, de acordo com o produto utilizado (Cotta, 1993). As associações de agentes estrogênicos com androgênicos produzem uma resposta melhor nos novilhos. A combi- nação estrógeno/acetato de trembolona produziu um aumento de peso de 12 a 20% e uma retenção de nitrogênio da ordem de 24%. São igualmente eficazes em novilhos as associações de zeranol/acetato de trembolona e zeranol/testosterona (Palermo Netto, 1998). Os anabolizantes também exercem efeito favorável sobre o desempenho de bovinos de corte adultos, podendo aumentar seu crescimento em 15% e melhorar sua conversão alimentar entre 10 a 12%. Estes efeitos são mais importantes nos machos castrados e nas vacas. O efeito dos hormônios é mais persistente em bovinos adultos do que nos animais jovens (Cotta, 1993). Para novilhas e vacas devem ser utilizados os anabolizantes androgênicos como a testosterona e o acetato de trembolona, que proporcionam um aumento de peso da or- dem de 13 a 17% e 14 a 20%, respectivamente (Palermo Neto, 1998). A prática de implantar anabolizantes em machos não castrados não é freqüente, porém estudos têm demonstrado que para estes animais os agentes mais eficazes são os estrogênios (17β- estradiol, zeranol), apresentando um aumento de peso entre 5 e 20% (Pastore, 1988). Segurança do uso de anabolizantes para a saúde dos con- sumidores de carne A segurança do produto, fator da maior importância para a saúde pública, envolve principalmente a inocuidade para a saúde humana e o controle de resíduos nos tecidos comestíveis, o que significa a certificação da ausência de riscos para o homem. Sabe-se que a toxicidade de uma substância química e, portanto, de resíduos desta substância em um produto de origem animal está relacionada não apenas com o tipo de substância e com a sensibilidade do indivíduo que a ingere, mas também e, principalmente, com a sua quantidade no alimento a ser consumido (Palermo Neto, 1998). A avaliação da inocuidade de uma substância exige estudos trabalhosos e muito especializados, de caráter farmacológico, toxicológico e analítico, para determinação de parâmetros fundamentais como os farmacocinéticos, nível de não-efeito, limites de tole- rância, dose diária aceitável, dentre outros. A toxicidade é mensurada mediante estudos “in vitro” e “in vivo”, sendo que estes últimos exigem testes de longa duração, voltados principalmente para as propriedades mutagênicas, carcinogênicas e teratogênicas. O desenvolvimento de metodologias analíticas bastante sofisticadas e capazes de detecção em nível de partes por trilhão (ppt) permitiu que, a partir do início da última década, um grande número de estudos focalizando as principais substâncias anabolizantes fosse realizado. Entretanto, são poucas as instituições em todo o mundo que possuem capacitação para tanto (Macarini, 1997). Os resíduos dos medicamentos de uso veterinário e de seus metabólitos, incluindo-se aqui os anabolizantes, têm seus limites internacionalmente fixados pelo Codex
  • 153. 1 5 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI alimentarius da FAO (órgão da Organização das Nações Unidas – ONU – voltado para a alimentação). Em 1995, em sua 52a Reunião Anual, os membros da Comissão do Codex analisaram a segurança dos resíduos dos principais anabolizantes preconizados para uso em pecuária de corte. De acordo com os dados científicos disponíveis na épo- ca, consideraram o 17β-estradiol, a testosterona, a progesterona, o acetato de trembolona e o zeranol como seguros à saúde do consumidor. Naquela ocasião, deliberaram serem os resíduos dos anabolizantes naturais seguros à saúde do consumidor e vetaram o uso do dietilestilbestrol, por considerá-lo potencialmente tóxico. Fixaram, ainda, Limites Máximos de Resíduos (LMR) para o acetato de trembolona e para o zeranol, isto é, consideraram como seguras à saúde do consumidor quantidades de resíduos destas subs- tâncias inferiores a 2 e 10 mg/kg, respectivamente (Palermo Neto, 1998). Programas de controle do uso de produtos anabolizantes ainda são pouco definidos, existindo problemas de conflito entre o desejável e o factível para qualquer programa de controle, como por exemplo, critérios de amostragem, metodologia analítica, tecidos ou líquidos corporais a serem analisados, etc.. Apenas alguns países da Comunidade Euro- péia, como por exemplo, Holanda, França e Alemanha, realizam alguns procedimentos de controle. Na Polônia, os resíduos são monitorados desde 1990. De maneira geral, a situação da Europa varia entre países que não possuem qualquer tipo de controle e outros, que fazem uma triagem em pequena quantidade de amostras, à procura de estilbenes (Macarini, 1997; Woniak, 1994). A respeito das substâncias denominadas hormônios ou esteróides naturais, isto é, compostos biossintetizados em tecidos e órgãos dos animais e do homem, desenvolveu- se um consenso entre os grupos científicos, especialmente da Comunidade Econômica Européia, sobre a impossibilidade de serem detectados resíduos em tecidos de animais tratados com estas substâncias. Isto se deve à comprovação de que a quantidade destas substâncias produzidas fisiologicamente no organismo animal é muito maior do que aquela que poderia ser devida a um tratamento anabolizante. A exceção a esta conclusão ocor- re quando se analisam os tecidos do local da aplicação intramuscular, se for esta a via de administração utilizada. Portanto, a tendência geral é controlar nos tecidos apenas os resíduos das substâncias chamadas não-naturais, isto é, as que não são normalmente produzidas pelo próprio organismo (Macarini, 1997; Woniak, 1994). Até abril de 1998, a utilização de anabolizantes continuava proibida no Brasil, apesar de estarem acontecendo algumas reuniões entre os setores interessados, a fim de modi- ficar esta situação. Com certeza, quaisquer que sejam as decisões tomadas pelos técni- cos dos Ministérios da Saúde e da Agricultura, o uso de anabolizantes continuará a ser uma questão polêmica que, somente com o passar do tempo e com a execução de muitas pesquisas científicas, poderá ser definitivamente solucionada. Bibliografia consultada e recomendada Nutrição e saúde pública Benenson, A. S. El control de las enfermedades transmisibles en el hombre. 14. ed. Washington: OPS,1987. Curso de investigação de surtos de doenças veiculadas por alimentos: apostilas. OPS/OMS, 1989. Hobbs, B.C. e Gilbert, R.J. Higiene y toxicologia de los alimentos. Zaragoza: Editorial Acribia, 1996. Riedel, G. Controle Sanitário dos Alimentos. São Paulo: Loyola, 1987.
  • 154. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 5 7 Sinell, H. Introduccion a la higiene de los alimentos. Zaragoza: Editorial Acribia, 1981. Produtos hortícolas ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE REFEIÇÕES COLETIVAS. Cólera: ABERC recomenda medidas para o preparo de alimentos. Higiene Alimentar, 5(18):5-10, 1991. CENTRO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA CVS/SES – SP. Produtos da Ceagesp agora são fiscali- zados. IVS Informação Vigilância Sanitária, 2:1, 1990. CHRISTOVÃO, D.A., IARIA, S.T,, CANDEIAS, J.A.N. Condições sanitárias das águas de irriga- ção de hortas do município de São Paulo. I- Determinação da intensidade de poluição fecal através NMP de coliformes e de E. coli. Rev. Saúde Públ., 1(1):3-11, 1967. CHRISTOVÃO, D.A., CANDEIAS, J.A.N., IARIA, S.T, Condições sanitárias das águas de irriga- ção de hortas do município de São Paulo. II- Isolamento de vírus entéricos. Rev. Saúde Públ., 1(1):12-17,1967. COSTA, M.B.B.C. (coordenador) Adubação orgância: nova síntese e novo caminho para a agricultura. São Paulo: Ícone Editora, 1985. FATTAL, B., WAX, Y., DAVIES, M., SHUVAL, H.I. Health risks associated with wastewater irrigation: an epidemiological study. Am. J. Publ. Health, 76(8):977-979, 1986. GELDREICH,E.E.,BORDNER,R.H.Fecalcontaminationoffruitsandvegetablesduringcultivation and processing for market. A review. J.Milk Food Technol., 34:184-195, 1971. GOUVEIA, E.L.C. Nutrição Saúde & Comunidade. São Paulo: Livraria e Editora Reviver. 1990. MARZOCHI, M.C.A. Estudo dos fatores envolvidos na disseminação dos enteroparasitas. I- Estudo da poluição por cistos e ovos de enteroparasitas em córregos da cidade de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Rev. Inst. Med. Trop., 12(4):249-256, 1970. MIGUEL, M., MIGUEL, O., GERMANO, M.I.S., GERMANO, P.M.L. A importância das embala- gens para produtos hortícolas em saúde pública. Comun. Cient. Fac. Med. Vet. Zootec. Univ. S.Paulo,13(2):81-87,1989. OLIVEIRA, C.A.F., GERMANO, P.M.L. Estudo da ocorrência de enteroparasitas em hortaliças comercializadas na região metropolitana de São Paulo – SP, Brasil. (I) Pesquisa de Helmintos. Rev. Saúde Públ., 26 (3), 1992. OLIVEIRA, C.A.F., GERMANO, P.M.L. Estudo da ocorrência de enteroparasitas em hortaliças comercializadas na região metropolitana de São Paulo – SP, Brasil. (II) Pesquisa de Protozoários. Rev. Saúde Públ., 26 (4), 1992. PANETTA, J.C. Responsabilidades dos serviços de vigilância alimentar.Higiene Alimentar, 1(2):86- 89,1982. RIEDEL, G. Controle sanitário dos alimentos. São Paulo: Loyola, 1987. SÃO PAULO – SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. Código Sanitário. Imprensa Oficial do Estado S.A. IMESP. 1987. SÃO PAULO – SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. Prevenção da Cólera – água para irriga- ção de hortaliças – orientações ao produtor. CVS, 1991. SHUVAL, H.I., YEKUTIEL, P., FATTAL, B. Epidemiological evidence for helminth and cholera transmission by vegetables irrigated with wastewater: Jerusalem – a case study. Wat. Sci. Tech.,17:433-442,1984. SOLÍS, C.S. Qualidade de alimentos em entrepostos. Higiene Alimentar, 5(18):15-19, 1991. Leite ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. OPAS - OMS, Washington, 2a ed., 1989. Publ. cient. no 503. AMARAL, F.P. O Leite, problema nacional. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1957. AMARAL, F.P. O Problema da alimentação. Aspéctos médico-higiênico-sociais. v. II. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1963. AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Communittee on microbiological methods for
  • 155. 1 5 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI foods. Compendium of methods for microbiological examination. Washington, 1976. AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Standard methods for the Examination of dairy Products. 14th Edition. Elmer H. Marth, Editor. New York, 1978. ANTUNES, L.A.F., OLIVEIRA, J.S. Qualidade microbiológica de leite cru. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes (Juíz de Fora), v.41, n.244, p.20-4, 1986. ARANALDE, A.A., MARTINS, L.F., ZIEGLER, J.C. Ocorrência de Estafilococos Coagulase Posi- tiva no leite cru da bacia leiteira de Pelotas, RS. Rev. Centro Ciências Rurais, v.4, n.2, p.155- 58,1974. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PRODUTORES DE LEITE B.LeitenoConeSul (Relatórioem forma de apostila). São Paulo, 1990. BARELLI, W., ALVES, E.G., DE MARTINI, V.G.L. Perfil do consumo alimentar da classe trabalha- dora. Saúde em Debate (Londrina), n.23, p.26-31, 1988. BRANDÃO, S.C.C. Leite: legislação, responsabilidade e saúde pública. Revista Balde Branco, n.360,p.68-71,1994. BRASIL. Decreto-Lei no . 923 de 10 de outubro de 1969. In: VOX LEGIS, v.10, 1969. BRASIL. Decreto-Lei no 66.183 de 5 de fevereiro de 1970. In: VOX LEGIS, v.14, p.34-5, 1970. CASTILHO, V.V. Mini e Micro Usinas. Revista CRMV-SP(São Paulo), ano XVIII, n.47, p.12, 1995. CLARK, D.S. et al. The international comission on microbiological specifications for foods - ICMSF. Microrganismos de los alimentos. Técnicas de análises microbiológico. 2a ed., Zaragoza, v.1 citado por WENDPAP, L.L. & ROSA, O.O. Presença de S. aureus em queijo Minas consu- mido no município de Cuiabá (MT). Higiene Alimentar, v.7, n.27, p.23-9, 1993. COMISSÃO TÉCNICA DA DELEGACIA FEDERAL DE AGRICULTURA. Qualidade Higênico- Sanitária do Leite: Medidas para Melhorá-la. Higiene Alimentar (São Paulo), v.1, n.1, p.48-50, 1982. COSTA, L.C.G., CARVALHO, E.P. de., CARVALHO, A.S. de. Aspectos higiênicos do leite na fonte de produção, no município de Lavras. Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.38, n.230,p.43-6,1983. COSTA, L.C.G., CARVALHO, E.P. de., CARVALHO, A.S. de. Qualidade microbiológica do leite cru por meio da ordenha manual e mecânica, na fonte de produção. Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.39, n.235, p.3-6, 1984. CRUZ, J.W. de B. Doenças transmissíveis ao homem pelo leite e seus derivados. Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.39, n.236, p.33-6, 1984. FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA DO ESTADO DO PARANÁ. Estudo Técnico Econômico do Leite, p.87 e 98, 1975. FERREIRO, L. Agentes etiológicos e terapêutica da mastite bovina no Brasil. Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.35, n.211, p.37-42, 1980. GALBRAITH, N.S., FORBES, P., CLIFFORD, C. Communicable disease associated with milk and dairy products in England and Wales 1951-1980. British Med Journal, v.284, p.1761-5, 1982. GANCHO, C.V., TOLEDO, V.V. Caminhos do boi: Pecuária Bovina no Brasil. 1991. Ed. Moderna. HOLMBERG, S.D. & BLAKE, P.A. Staphylococcal food poisoning in the United States. New facts and old misconceptions. J. Am. Med. Ass., v.251, p.487-89, 1984 citado por ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. OPAS - OMS, Washington, 2a ed., 1989. INTERNATIONALCOMMISSIONONMICROBIOLOGICALSPECIFICATIONSFORFOODS. Microrganisms in foods. 1. Their significance and methods of enumeration. Toronto, University Toronto Press, 2. ed., 1978. IYA, K.K. La higiene de la leche en la India. In: Higiene de la leche. Serie de monografias no 48. genebra, O.M.S., 1966. JARDIM, F.S.F. Leite. higiene e fiscalização. Comun. cient. Fac. Med. Vet. Zootec. Univ. S.Paulo, v.8, n.1, p.23-9, 1984. KAY, H.D. Metodos de Pasterizacion: Descripcion general e Inspeccion de Los Resultados. In:
  • 156. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 5 9 Higiene de la leche. Serie de monografias no 48. Genebra, O.M.S., 1966. KRUG, E.E.B. Perspectivas atuais e futuras da atividades leiteiras. Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.40, n.239, p.75-90, 1985. LEAVELL,H.R.&CLARK,E.G. MedicinaPreventiva.SãoPaulo:Ed.McGraw-HilldoBrasilLtda, 1976. LEITE B Publicação da Associação Brasileira dos Produtores de Leite B, São Paulo, ano 8, n.88, p.16,1994. LEITE B Publicação da Associação Brasileira dos Produtores de Leite B, São Paulo, ano 8, n.89, p.3,1994. MANDIL, A. et al. Staphylococcus aureus em queijo tipo “Minas”. Cienc. Tecnol. Alim., n.2, p.23-41, 1982 citado por SABIONI, J.G., HIROOKA, E.Y., SOUZA, M.L.R. de, Intoxicação Alimentar por Queijo Minas Contaminado com Staphylococcus aureus. Rev. Saúde Públic. (São Paulo), v.5, n.22, p.458-61, 1988. MAWE, 1874 citado por MORSE, R.M. Formação histórica de São Paulo . São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. MEIRELES, A.J. Leite Paulista: história da formação de um sistema cooperativista no Brasil. São Paulo: Ed. Cultura. MESQUITA, A.J. et al. Enumeração de Staphylococcus em leite cru. Anais Esc. Agron. e Vet., v.18, n.1, p.5-11, 1988. MESQUITA, A.J. et al. Correlação entre diversos parâmetros de qualidade do leite obtido na fonte de produção. Anais Esc. Agron. e Vet., v.18, n.1, p.13-20, 1988. MESQUITA, A.J. et al. Qualidade microbiológica do leite cru obtido de latões na fonte de produção na grande região de Goiânia., Goiás. Anais Esc. Agron. e Vet., v.18, n.1, p.21-8, 1988. MOREIRA, W.S. et al. Da necessidade de pasteurização do leite fornecido à população - Santa Maria - RS. Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.1, n.3, p.105-12, 1971. MORSE, R.M. Formação Histórica de São Paulo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. NADER FILHO, A. Mastite estafilocócica e características microbiológicas do leite Tipo B “In Natura” e Pasteurizado. Isolamento de Cepas S. aureus, Produção de Enterotoxina e Deter- minação da Origem provável, Humana ou Bovina. Tese de Livre Docência, 1987. NASCIMENTO, D. Contribuição ao conhecimento das condições bacteriológicas de amos- tras de leite Tipo C, antes e após a pasteurização, Vendido na Cidade de João Pessoa, PB. Tese de Doutoramento, 1982. NASCIMENTO, D. et al. Avaliação microbiológica de queijos tipo Minas-frescal da cidade de Ouro Preto (MG). Bol. SBCTA (Campinas), n.19, p.120-29, 1985, citado por SABIONI, J.G., HIROOKA, E.Y., SOUZA, M.L.R. de. Intoxicação Alimentar por Queijo Minas Contaminado co Staphylococcus aureus. Rev. Saúde Públ. (São Paulo), v.5, n.22, p.458-61, 1988. OLIVEIRA, J.S. Qualidade microbiológica do leite. Rev. Inst. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.31, n.186,p.15-20,1976. PANETTA, J.C. Higiene do leite de consumo. Higiene Alimentar, v.1, n.1, p.18-20, 1982. REVISTA BALDE BRANCO. Cooperativa central de laticínios do estado de São Paulo, Ano XXI, n.259,1986. RIBEIRO,M.A. Históriasemfim... InventáriodaSaúdePública.SãoPaulo,EditoradaUNESP,1993. RIEDEL, G. Controle sanitário dos alimentos. São Paulo: Edições Loyola, 1987. ROGICK, F.A. Pesquisas sobre a Brucelose Caprina em São Paulo. Boletim de Indústria Animal, ano X, n.1, p.33-7, 1941, citado por AMARAL, F.P. O problema da alimentação. Aspectos médico-higiênico-sociais. Vol.II. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1963. ROGICK, F.A. produção higiênica do leite, Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.34, n.205,p.39-40,1979. SABIONI, J.G., HIROOKA, E.Y., SOUZA, M.L.R. de. Intoxicação alimentar por queijo Minas contaminado com Staphylococcus aureus. Rev. Saúde Públ. (São Paulo), v.5, n.22, p.458-61, 1988.
  • 157. 1 6 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI SANTOS, E.C. Critério de pagamento do Leite. Rev. Inst. Lat. Cândido Tostes (Juiz de Fora), v.35, n.210,p.7-10,1980. SANTOS, E.C. Controle da flora estafilocócica em queijo Minas durante o processamento indus- trial. Arq. Esc. Vet. UFMG, n.33, p.199-205, 1081, citado por SABIONI, J.G., HIROOKA, E.Y., SOUZA, M.L.R. de. Intoxicação alimentar por Queijo Minas contaminado com Staphylococcus aureus. Rev. Saúde Públ., São Paulo, v.5, n.22, p.458-61, 1988. SECRETARIADEESTADODASAÚDEDOESTADODESÃOPAULO.CENTRODEVIGILÂN- CIA SANITÁRIA. Monitoramento da Qualidade do Leite Pasteurizado Comercializado no Estado de São Paulo, 1990-1993. (Dados não publicados). TAPAJÓS, T., 1984, citado por MORSE, R.M.. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. VASAVADA, P.C. Pathogenic bacteria in milk - a review. J. Dairy Sci., n.71, p.2809-16, 1988. WILSON, D. Pesquisa de Staphylococcus aureus em leite a ser pasteurizado. Rev. Saúde Públ. (São Paulo), n.11, p.1-11, 1977. Carne Andrade, L.A.G. A fiscalização da carne no Brasil: estudo de uma política regulatória. Revista de Administração Pública, 19(13):49-73, 1985. Barratt, J. et al. Hygiene assessment by air sampling in a new and old abattoir. Environ. Health, 91(10): 274-6, 1983 citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça. Higiene Alimentar, 9 (35): 8-13, 1995. Brasil. Ministério da Agricultura. Departamento de Defesa e Inspeção Agropecuária. Regulamen- to de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. São Paulo: Inspetoria do SIPAMA, 1968, citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate de bovinos. Higi- ene Alimentar, 8 (34): 14-20, 1994. Brasil. Ministério da Agricultura. Padronização de técnicas, instalações e equipamentos. I-Bovi- nos. DNPA, DIPOA, 1971, citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate de bovinos. Higiene Alimentar, 8 (34): 14-20, 1994. Cotta, T. Hormônios anabolizantes na produção animal: mitos e realidade. A Hora Veterinária, 13(75):51-55,1993. Empey, W. A., Scott, W. J. Investigations on chilled beef. Part I. Microbial contamination acquired in the meatworks. Counc. For Sci. and Indust. Res. Austr., 126: 1-71, 1939 citados por Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça. Higiene Alimen- tar,9(35):8-13,1995. Ferreira, O L. História do Brasil. São Paulo: Ática, 1979. Florentino, E.R., Leite Júnior, A. F., Sá, S.N., Araújo, M.S.O., Martins, R.S. Avaliação da qualidade microbiológica da carne moída comercializada em Campina Grande, PB. Higiene Alimentar, 11(47):38-41,1997. Forrest, J.C. et al. Fundamentos da ciência de la carne. Zaragoza: Acribia, 1979. Gancho, C.V., Toledo, V.V. Caminhos do boi: pecuária bovina no Brasil. Ed. Moderna, 1991. Gil, J.I., Durão, J.C. Manual de inspeção sanitária de carnes. Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, 1985, citados por Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate de bovinos. Higiene Alimen- tar,8(34):14-20,1994. Greer, G.G. Bacteria and meat quality. J. Inst. Can. Sci. Technol. Aliment., 22(2):116-7, 1989, citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça. Higiene Alimentar, 9 (35): 8-13, 1995. Holanda, S.B. (diretor). História geral da civilização brasileira. Tomo I – Vol. 2. São Paulo: DIFEL,1985. Ingram, M. Meat preservation, past, present and future. R. Soc. Health J., 92(3):121-130, 1972 citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça. Higiene Alimentar, 9 (35): 8-13, 1995.
  • 158. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 6 1 Ingram, M, Simonsen, B. Carney products cárnicos. In: International comission on microbiological specifications for foods. Ecologia microbiana de los alimentos. Zaragoza: Acribia, 1985 citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça. Higiene Alimentar, 9 (35): 8-13, 1995. Macarini, J.D. Anabolizantes hormonais. A Hora Veterinária, 17(100):33-34, 1997. McDowell, D. A. et al. Bacterial microflora of chill-stored beef carcasses. Environ. Health, 94(3):65- 8, 1985, citados por Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça. Higiene Alimentar, 9 (35): 8-13, 1995. Mucciolo, P. Carnes: estabelecimentos de matança e de industrialização. São Paulo: Ícone, 1985. Palermo Neto, J. Anabolizantes e pecuária de corte. Revista de educação continuada do CRMV- SP,1(1):10-15,1998. Pardi, M.C. Tecnologia e inspeção sanitária de produtos de origem animal, um desafio para a Medicina Veterinária. Higiene Alimentar, 1(3/4):164-71, 1982. Pastore, S.T. O que há de novo sobre hormônio de crescimento? Gado Holandês, 54(149):65-77, 1988. Pinto, P.S.A. História e política da inspeção de carnes no Brasil: desafio para as autoridades sanitárias. Higiene Alimentar, 6(21):11-3, 1992. Piske, D. Aproveitamento de sangue de abate para alimentação humana. Uma revisão. Bol. Inst. Tecnol. Alim., 19(13):253-308, 1982, citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate de bovinos. Higiene Alimentar, 8 (34): 14-20, 1994. Riedel, G. Controle Sanitário dos Alimentos. São Paulo: Edições Loyola, 1987. Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate de bovinos. Higiene Alimentar, 8 (34): 14-20, 1994. Roça, R.O., Serrano, A. M. Abate de bovinos: alterações microbianas da carcaça. Higiene Ali- mentar,9(35):8-13,1995. Thorton, H. Compêndio de inspeção de carnes. Londres: Bailliere Tindall and Cassel, 1969, citado por Roça, R.O., Serrano, A. M. Operações de abate de bovinos. Higiene Alimentar, 8 (34):14-20,1994. Woniak, B., Wojton, B. Resíduos de hormônios anabolizantes em carcaça de animais na Polônia. Medicina Veterinária, 50(10): 484-485, 1994.
  • 159. 1 6 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI
  • 160. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 6 3 VI - Mortalidade infantil Mortalidade infantil Maria Cristina Rolim Baggio Introdução As primeiras análises sobre nascimento e morte reportam ao século XVII. John Grant, um comerciante londrino de roupas masculinas, foi o pioneiro das estatísticas de nascimen- to e morte. Estudando o número de mortes em Londres, durante o último terço do século, demostrou a regularidade de certos fenômenos sociais e vitais, publicando, em 1662, seu clássico: “Observações Naturais e Políticas... Por meio dos Boletins de Mortalidade”. Foi o primeiro a indicar o excesso de nascimento de homens em relação às mulheres e a gradativa redução deste referencial (20, 21). No século XVIII, cada vez mais se tomava consciência da necessidade das informa- ções estatísticas para determinar-se o número e as características das populações, caben- do à Suécia a primazia das coletas de estatísticas oficiais, em 1748 (21). Por volta de 1750, iniciou-se um rápido aumento da população na Europa. O ponto crucial desta expansão, com altas taxas de nascimentos, estava na mortalidade infantil, extremamente alta, especialmente entre os filhos dos pobres. Em algumas freguesias de Londres, a mortalidade de crianças variava entre 80 e 90%, sendo ainda mais alta entre os menores de um ano. Como conseqüência desta grande perda de vidas, iniciou-se, na Ingla- terra e em outros países, um movimento de reformas contra os fatores e condições respon- sáveis pelas mortes de crianças (21). Na passagem do século XVIII para o XIX, os estudiosos reconheciam ser possível evitar grande parte da mortalidade infantil e acreditavam que suas principais causas eram a desnutrição, a ignorância dos pais, o alimento contaminado, entre outros fatores, atribuídos total ou parcialmente à pobreza. Sabia-se também, que o número de mortes de crianças alimentadas artificialmente era maior do que o das alimentadas no peito (21). Em 1816, o médico inglês, John Bunnel Davis, estabeleceu um dispensário para cri-
  • 161. 1 6 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI anças, em Londres. Revelando um conhecimento das reais causas da mortalidade infan- til e das medidas necessárias para reduzi-la, promoveu a instrução das mães e organizou uma equipe de visitadoras para ir até as residências (21). Já em 1860, Alfred Caron fundou um ramo especial da higiene, relacionado com a saúde dos bebes e denominado puericultura (ciência de criar filhos de modo higiênico e fisiológico). Em 1878, Friedrich Ahlfeld, de Leipzig, introduziu a prática de se pesar os bebês (21). Ao longo do século XIX, vários esforços foram empreendidos para promover-se a saúde infantil, tais como, campanhas de amamentação, oferecimento de prêmios a cada mãe cujo filho conseguisse viver até a idade de um ano, assistência médica à mãe e ao filho e fornecimento de leite puro e limpo (21). No Brasil, mais particularmente em São Paulo, em 1892, o secretário de Negócios do Interior, Dr. Cesário Motta Jr., também preocupado com a mortalidade infantil, instituiu uma comissão para realizar estudos sobre suas causas. Os dados levantados mostravam a ocorrência de 2.443 óbitos de crianças de 0 a 7 anos, sendo que 61% deste total era de crianças menores de um ano. Em 1893, a comissão listava os principais fatores causado- res das mortes: nascimento ilegítimo, alimentação precária, habitações insalubres e falta de asseio, entre outras. A publicação do relatório da Comissão serviu mais para mostrar a preocupação do governo com a questão do que para encontrar medidas para enfrentar o problema, sendo feito pouco de concreto em relação à mortalidade infantil. A única medida executada foi a recomendação da Comissão de se fiscalizar os serviços das amas-de-leite, que passaram a ser registradas junto ao Serviço Sanitário, sendo também organizado o atendimento para as crianças pobres e indigentes (16). A preocupação das sociedades com a mortalidade infantil e o estudo de suas rela- ções com as condições de vida da população não são, portanto, fatos recentes. No início da década de 50, a Organização das Nações Unidas formou um Comitê que tinha como incumbência preparar um informe sobre os métodos mais satisfatórios para definir e avaliar o nível de vida de uma população. Um dos 12 componentes sugeridos pelo Comitê, passíveis de quantificação e que serviriam como um catálogo internacional para medir a qualidade de vida, eram a saúde e as condições demográficas (5). Posteriormente, a Organização Mundial de Saúde criou um grupo de estudos que sugeriu três tipos de indicadores de saúde. Entre aqueles que traduzem diretamente a saúde (ou a sua falta), estava incluído o coeficiente de mortalidade infantil (5). Conceitos e definições em mortalidade infantil O coeficiente de mortalidade infantil que expressa o número de óbitos de menores de um ano para cada mil nascidos vivos na mesma área e ano calendário tem sido conside- rado, internacionalmente, como um dos mais sensíveis indicadores das condições de vida de uma população por refletir “de maneira aguda as condições do parto, o ambiente em que vivem as crianças, os cuidados que recebem, a água em que se lavam, sua comida” (18). O cálculo da mortalidade infantil, pelo método direto, utiliza a fórmula abaixo: N.º de óbitos de residentes com menos de um ano, em uma dada população e ano ——————————————————————————————--- X 1000
  • 162. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 6 5 N.º de nascidos vivos, na mesma população e ano Em função da proximidade ou distância de valores já alcançados em sociedades mais desenvolvidas, o que varia com o tempo, as taxas de mortalidade infantil são classifica- das em altas (50 ou mais), médias (20-49) e baixas (menos de 20). A tendência à queda dos coeficientes exige a revisão periódica deste valores (10). A tabela 1 apresenta as taxas de mortalidade infantil mundial e dos países agrupados segundo regiões e nível de desenvolvimento, anos de 1960 e 1997 (27). Tabela 1. Taxas de mortalidade infantil segundo regiões e nível de desenvolvimento dos países, nos anos de 1960 e 1997. Taxa de Mortalidade Infantil (/1.000NV) Regiões 1960 1997 Países africanos ao sul do Saara 154 105 Oriente Médio e Norte da África 154 48 Ásia Meridional 146 78 Leste da Ásia e Pacífico 133 40 América Latina e Caribe 103 33 ECO/CEI e Estado Bálticos 76 29 Países industrializados 37 7 Países em desenvolvimento 138 65 Países menos desenvolvidos 171 108 Mundial 124 59 Fontes: UNICEF, Divisão de População das Nações Unidas e Divisão de Estatísticas das Nações Unidas. A mortalidade infantil costuma ser dividida em dois componentes: mortalidade neonatal (ou infantil precoce) e mortalidade pós-neonatal (ou infantil tardia). A neonatal compre- ende os óbitos de crianças com menos de 28 dias e a pós-neonatal, de 28 dias (inclusive) até o final do primeiro ano de vida. Esta divisão é usada no sentido de se avaliar indire- tamente a importância das causas relacionadas às condições desfavoráveis do recém- nascido, à qualidade da assistência ao pré-natal, ao parto e ao neonato, e das causas relacionadas às condições ambientais hostis. Enquanto as primeiras seriam de difícil redução, as segundas seriam vulneráveis tanto a melhorias nas condições gerais de vida, quanto a intervenções específicas de caráter médico-sanitário (11). À medida que o coeficiente de mortalidade infantil diminui, tende a haver uma con- centração das mortes nas primeiras semanas e dias de vida. Assim, o componente neonatal costuma predominar nos países mais desenvolvidos, sendo as causas perinatais as res- ponsáveis pela maior parte das mortes (Tabela 2). Já nos países menos desenvolvidos, as maiores responsáveis pelos altos níveis de mortalidade são as doenças diarreicas, respiratórias agudas e infecciosas em geral, determinadas pela influência da qualidade de vida (1). Tabela 2. Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI), proporções dos componentes neonatal e pós neonatal e proporção de mortes por diarréia em países e anos seleciona-
  • 163. 1 6 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI dos. PÁIS ANO CMI Proporção (%) Proporção (%) Proporção (%) (/1000) 0-27 dias > 27 dias diarréia Japão 1960 30.7 55.5 44.5 7.7 1970 13.1 65.9 34.1 3.6 1980 7.5 65.8 34.2 0.9 1986 5.2 59.2 40.8 0.3 1992 4.5 53.0 47.0 0.2 EUA 1960 26.0 71.9 28.1 2.8 1969 21.0 74.7 25.3 1.2 1974 16.7 73.4 26.6 1.3 1984 10.8 64.9 35.1 0.4 1991 8.9 62.5 37.5 0.4 Portugal 1960 77.5 27.1 63.9 26.5 1971 49.8 45.3 54.7 20.9 1979 26.0 60.5 39.5 9.6 1985 17.8 68.2 31.8 3.8 1993 8.7 63.6 36.4 1.1 Polônia 1960 56.8 45.1 54.9 8.7 1970 33.2 59.0 41.0 2.2 1980 21.3 62.6 37.4 2.7 1985 22.1 70.5 29.5 1.1 1994 13.4 71.7 28.3 0.3 Chile 1974 63.3 40.7 59.3 14.0 1980 36.6 49.9 50.1 4.5 1989 17.1 53.4 46.6 2.2 Fonte: World Health Organization In: Szwarcwald et al, 1997. A mortalidade infantil no brasil e nas grandes regiões A precariedade das estatísticas de Registro Civil de nascimentos e de óbitos tem limitado o cálculo do coeficiente de mortalidade infantil no Brasil. Frente à necessidade de melhores informações sobre os nascidos vivos, em nível nacional, que permitissem quantificá-los e caracterizá-los segundo variáveis epidemiológicas, viabilizando assim, respectivamente, o cálculo mais fidedigno do coefi- ciente de mortalidade infantil e estudos sobre os fatores de risco a ela associados, im- plantou-se no Brasil, em 1990, o Sub-Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos – SINASC – ficando padronizada, para todo o país, a Declaração de Nascido Vivo (7). Esse documento, preenchido nos Hospitais ou Cartórios, possibilitou a obtenção do número de nascidos vivos para o cálculo do coeficiente de mortalidade infantil, além de dados referentes ao recém-nascido, entre eles o peso de nascimento, à gestação e ao parto, bem como outras informações sobre a mãe, que poderiam estar relacionadas ao
  • 164. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 6 7 comportamento da mortalidade de menores de um ano (7). Apesar da disponibilidade de dois sistemas de informações sobre óbitos em nível nacional, o da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBFE) e o Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), um dos grandes problemas que dificultam a análise da mortalidade de menores de um ano é o sub-registro de óbitos. A subenumeração de óbitos, devido à ocorrência de sepultamen- tos em cemitérios clandestinos sem a documentação necessária, é diferenciada por re- gião – com magnitude expressiva sobretudo nas regiões menos desenvolvidas (Norte e Nordeste) – e por idade, predominando entre os menores de um ano (25). Os cálculos diretos das taxas de mortalidade infantil são feitos utilizando-se os sistemas de informação em mortalidade (SIM) e de nascidos vivos (SINASC). Porém, nas regiões com baixa cobertura dessas bases de dados, como no Norte e Nordeste, faz-se necessária a utilização de um fator de correção, tanto para o número de óbitos de menores de um ano, quanto para o de nascidos vivos. Cálculos de subenumeração são realizados para que tais correções possam ser efetuadas. Desta maneira são obti- dos coeficientes de mortalidade infantil estimados que, em geral, apresentam-se com valores superiores aos calculados de forma direta (10). No Brasil, o coeficiente de mortalidade infantil que expressa o risco de uma criança nascida viva vir a morrer antes do primeiro ano vem apresentando tendência de queda desde 1935 (11). Assim, de 160 por mil nascidos vivos, em 1940, caiu para 80, em 1979. Embora reduzindo-se à metade, no período citado, o coeficiente ainda apresentava ele- vado valor quando comparado ao do mundo desenvolvido (24). Analisando-se a evolução da mortalidade a partir de 1980, nota-se que não houve reversão da tendência declinante. Segundo o Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI/ FNS/MS) passou de 65,02, em 1980, para 29,22 por mil nascidos vivos, em 1996 (9). Este declínio não aconteceu de maneira uniforme em todo país, sendo mais intenso nas regiões Sul e Sudeste e mais lento nas regiões Norte e Nordeste (22). A mortalidade proporcional entre os menores de um ano, coeficiente que indica o peso relativo das mortes nessa faixa etária dentre o total de mortes ocorridas, sofreu uma redução de quase 3 vezes, no período de 1980 a 1996, de 23,98% para 8,19%. Isto equivale a dizer que, em 1980, de cada 4 mortes registradas no país, 1 ocorria entre os menores de 1 ano, sendo que em 1996 esta relação reduziu-se para cerca de 1 em cada 13 (9). As causas de morte de menores de um ano também apresentaram modificações importantes no período de 1980 a 1996. Assim, as causas perinatais, relacionadas com a assistência pré-natal, ao parto e ao recém-nascido, que correspondiam a 28,71% das mortes, ampliaram seu peso relativo, passando a responder por quase metade dos óbitos infantis em 1996 (49,19%). As doenças infecciosas e parasitárias, entre as quais se inclui a diarréia, declinaram de 21,53 para 11,31, reduzindo sua importância. Estes percentuais também variam de acordo com as regiões do país, sendo que no Nordeste as doenças infecciosas e parasitárias ainda respondem por 15,35% das mor- tes, valor que se reduz pela metade, 7,88%, na região Sul (9). As taxas estimadas, obtidas pelo método indireto, utilizando dados dos Censos Demográficos, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNDA) e estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são menos otimistas, apon- tando para um coeficiente de 37,5 por mil nascidos vivos, em 1996. A tabela 3 apre-
  • 165. 1 6 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI senta os valores das taxas estimadas de mortalidade infantil, neonatal precoce, neonatal tardia e pós-neonatal, do Brasil e regiões, segundo dados do Ministério da Saúde, nos Indicadores e Dados Básicos – Brasil – 97 (IDB 97) (10). Tabela 3. Coeficientes estimados de mortalidade infantil, neonatal precoce, neonatal tardia e pós-neonatal, segundo regiões do Brasil, 1996. Regiões Mortalidade Neonatal Pós-Neonatal Infantil Precoce tardia (28 dias e mais) (/1000 NV) (0 – 6 dias) (7 – 27 dias) Norte 36,6 17,4 4,0 14,8 Nordeste 60,4 23,6 7,1 29,7 Sudeste 25,8 13,5 3,2 9,2 Sul 22,8 10,4 2,8 9,5 Centro-Oeste 25,8 12,9 3,4 9,5 Brasil 37,5 17,6 4,5 15,4 Fontes: MS – SIM e DPIS/IBGE – Censo Demográfico e PNADs. Vários estudos têm demonstrado a existência de diferentes padrões de mortalida- de infantil entre regiões do país, áreas de um mesmo município e entre estratos sociais (22). As flutuações observadas no processo de declínio e a variabilidade interna de padrões da mortalidade infantil têm sido explicadas pelo agravamento das desigualdades sociais e econômicas. Os efeitos negativos gerados pela agudização da pobreza interagem com os efeitos intermediadores, como a implementação de políticas sociais e de progra- mas de prevenção de doenças, resultando em aumentos ou em declives, conforme o desempenho relativo destes fatores (14, 26). Segundo alguns autores, os verdadeiros fatores determinantes da redução da morta- lidade infantil, nas últimas décadas, são externos às condições de vida social e material da população. O declínio se deu devido a uma conjunção de fatores, tais como, medidas médico-sanitárias, sobretudo no campo preventivo, e o declínio da fecundidade, em todo o país (15). Fatores que influenciam o comportamento da mortalidade infantil É no primeiro ano de vida que o recém-nascido tem os mais altos riscos de morte, sendo que o momento do nascimento é um dos mais perigosos (29). Estes riscos depen- dem, em primeiro lugar, das características próprias da criança, que constituem sua bagagem biológica; em segundo lugar, das condições ligadas ao parto, tais como, afecções da placenta, distócias, anóxias, entre outras. Superados estes riscos, estará sujeito a outros que vão depender da classe social na qual sua família está inserida (1). Características individuais do ponto de vista biológico, como idade materna, sexo e peso da criança ao nascer, têm influência na mortalidade, atuando principalmente na mortalidade infantil (1,29). A influência do peso ao nascer na mortalidade dos menores de um ano, especialmen-
  • 166. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 6 9 te no período neonatal, vem sendo exaustivamente estudada. Crianças com baixo peso ao nascer (menos de 2.500g) apresentam uma menor probabilidade de sobrevivência do que as nascidas com peso adequado (19,29). Puffer e Serrano, na década de 70, com base nos dados da Investigação Interamericana de Mortalidade na Infância, observaram que 73% das mortes ocorridas no período neonatal eram de crianças de baixo peso (19). As diferenças que se estabelecem na freqüência de nascimentos com peso baixo, quando se comparam os países mais desenvolvidos com os menos desenvolvidos, estra- tos pobres com estratos ricos de um mesmo país, revelam uma associação causal com a estrutura sócio-econômica das populações (12). Nos países mais desenvolvidos, onde há registro dos pesos de nascimento, há nu- merosos estudos discutindo o papel do baixo peso ao nascer como determinante da mortalidade infantil. Porém, 90% das crianças nascidas com baixo peso são de países periféricos, onde há poucas informações sobre a distribuição e o impacto desta variá- vel na determinação da mortalidade nos menores de um ano (29). O baixo peso ao nascer é influenciado por características ligadas às variáveis da criança (sexo, idade gestacional, gemelaridade), fatores biológicos maternos (idade, peso, altura, intervalo interpartal, antecedentes obstétricos), fatores sociais (escolaridade, fumo na gravidez) e de assistência médica (consultas pré-natais e tipo de parto) (29). A tendência declinante das curvas de mortalidade infantil merece ser analisada mais detalhadamente, por meio do estudo simultâneo de séries históricas dos coefi- cientes de mortalidade infantil e das freqüências de baixo peso ao nascer, para se conhecer o papel desta variável na determinação da mortalidade (12). A idade materna também tem sido considerada como fator de relevância no compor- tamento da mortalidade infantil. A forte associação entre ambas tem sido bastante docu- mentada, encontrando-se as mais altas taxas entre os filhos de mães adolescentes (me- nores de 20 anos) e de maiores de 35 anos (2,4,6,19). Estudo realizado nos Estados Unidos (3) referiu uma forte associação entre idade materna e altas taxas de mortalidade infantil e idade materna e alta incidência de baixo peso ao nascer. Os resultados sugeriram que a prevenção da mortalidade neonatal e, por conseqüência, da mortalidade infantil entre os recém-nascidos de mães adolescentes depende da prevenção do baixo peso ao nascer. Moreno Vásquez (13), analisando as causas da redução da mortalidade neonatal em Cuba, no período de 1970 a 1987, men- ciona, como condição favorável, a diminuição das taxas de fecundidade das mulheres com menos de 20 anos, que vem ocorrendo desde de 1975. Outro fator que mantém estreita relação com a mortalidade no primeiro ano de vida é o sexo do recém-nascido, com a mortalidade masculina quase sempre maior que a feminina, em todas as sociedades, independentemente do grau de desenvolvimento. Este fenômeno é denominado de supermortalidade ou sobremortalidade masculina (1). Por outro lado, o sexo feminino, segundo vários estudos, freqüentemente apresenta maiores proporções de crianças com baixo peso ao nascer (8,23,28). Estudos sobre a evolução da mortalidade infantil evidenciam sua associação com a situação e as condições estruturais das sociedades, sendo a ela atribuídas não somente causas biológicas mas, principalmente, causas e determinações de ordem sócio-econô- mica e sócio-ambiental, por ser fortemente influenciada pelos agentes externos localiza- dos na sociedade, tais como, os serviços de saúde, saneamento e higiene e as relações
  • 167. 1 7 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI familiares e sociais (moradia, trabalho, renda, nível de informação, proteção social, etc.) (15). Tais fatos mostram o caráter complexo dos determinantes da mortalidade infantil, especialmente quando, concomitantemente à piora nas condições de vida, possam estar ocorrendo outros fenômenos, tais como, redução da natalidade, espaçamento das gesta- ções, a expansão do saneamento básico, a intervenção dos serviços de saúde, entre outros (17). Comentários finais De maneira geral, o declive da mortalidade infantil no Brasil, quando comparado com dados internacionais, foi lento e gradual, favorecendo as regiões mais desen- volvidas, em que a presença de uma estrutura de serviços de atendimento à popula- ção e um nível mais elevado de vida garantiram condições mais adequadas de sub- sistência (15,25). Nestas regiões, há um predomínio do componente neonatal, e pro- gressos adicionais dependerão do controle da mortalidade por causas perinatais e por doenças respiratórias, por meio de intervenções específicas nos programas de pré-natal e assistência ao parto e ao recém-nascido. No Norte e Nordeste, que ostentam os níveis mais elevados do país, o descenso apresentou um ritmo mais lento, permanecendo com um padrão semelhante ao de soci- edades muito pobres, com altas taxas de morte por doenças intestinais e pouca redução do componente pós-neonatal (15,22,25). Nestes estados, o controle da mortalidade in- fantil envolve ainda, além das intervenções citadas acima, a implementação de políticas públicas, tais como, extensão da rede de água potável e esgoto, campanhas de vacinação e universalização dos acessos à assistência médico-hospitalar. A importância do leite materno na prevenção de doenças Bruno Soerensen Nada melhor para a alimentação de um recém-nascido que o leite materno, o qual, independentemente de ser um alimento completo, ainda apresenta a grande vantagem de conter anticorpos, isto é de possibilitar que o recém-nascido por meio do leite receba proteção contra praticamente todas as doenças para as quais a mãe está protegida. Na vida fetal a placenta é responsável pelas trocas metabólicas materno-fetal de substâncias nutritivas, de enzimas, de síntese de hormônios e ainda da termorregulação. Independentemente, existe passagem de anticorpos. Esta passagem de anticorpos está relacionada ao tipo de placenta, assim, quanto maior as trocas materno-fetais, maior a passagem de anticorpos e, quando esta passagem não é satisfatória, é completada por meio do colostro que é da maior importância conforme o tipo de placenta da espécie animal. A placenta epitélio-corial corresponde à da jumenta, égua, porca, camela, vaca, cabra e ovelha. Nestes animais a passagem de anticorpos através da placenta é infe- rior e portanto se processa na sua maior parte através do colostro. Segue, em permeabilidade, a placenta endotélio-corial representada pela cadela e pela gata e, finalmente, temos a placenta hemo-corial representada pela mulher, macaca, coelha,
  • 168. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 7 1 cobaia, rata e camundonga. Neste último grupo as trocas materno-fetais são maiores. Desta maneira, quanto à espécie humana, do ponto de vista prático, a imunoprofilaxia do tétano umbilical (mal dos sete dias), em mães não imunizadas, deverá ser feita pela vacinação durante a gravidez, para que forme anticorpos e os transfira ao feto impe- dindo que o recém nascido corra o risco de apanhar tétano. Esta recomendação deve- rá correr paralelamente à desinfecção do umbigo. Independentemente deste fato, se recomenda a alimentação da criança recém-nascida com o leite materno, para com- pletar a transferência de anticorpos que não foi possível pela via transplacentária. No caso especial de animais, existe transferência de anticorpos pelo leite somente nas primeiras horas após o parto. Os trabalhos publicados pela Organização Mundial da Saúde sobre o assunto apre- sentam as seguintes vantagens da lactância : 01. É a melhor alimentação para a criança; 02. Reduz a incidência de alergias; 03. Economia. Não se perde; 04. Anticorpos. Transmite imunidade contra infecções; 05. A criança não fica constipada e tem menos diarréia; 06. Temperatura sempre adequada e constante; 07. Leite sempre fresco, nunca coalha; 08. Vínculo emotivo; 09. Cômodo, uma vez aceito; 10. É digerido facilmente em duas a três horas; 11. Imediatamente disponível; 12. Nutritivamente balanceada; 13. Reduz as doenças diarréicas. São raros os casos em que o uso do leite materno tem contra-indicação médica. A lactância materna deve ser estimulada. Atualmente aumentam pressões sociais para que isso não aconteça com as mães que trabalham. Recomenda-se que somente na impossibilidade do uso do leite materno sejam ministrados substitutos. Um estudo realizado em nosso país demonstrou que as crianças com idade de 0-2 meses que não foram alimentadas com leite materno tiveram 25 vezes mais possibilida- des de morrer por doenças diarréicas comparadas àquelas alimentadas exclusivamente com o leite da mãe. Ainda conclui-se que as crianças de seis meses a um ano de idade que estavam sendo alimentadas com leite materno junto com alimentos para desmame e outros leites, tiveram menos diarréia que aquelas em que a dieta não incluía o leite materno. Independentemente das vantagem do leite materno, soma-se incidência bem mais elevada de câncer de mama em mulheres que não tiveram filho ou que não amamenta- ram seus filhos. Bibliografia consultada e recomendada Mortalidadeinfantil 1. BERQUÓ, E. S. Fatores estáticos e dinâmicos (mortalidade e fecundidade). In: SANTOS, J.L.F.; LEVY, M.S.F.; SZMRECSÁNYI, T. (Org.) Dinâmica da população. São Paulo: T. A. Queiroz, 1980. Cap. 3, p. 21-85.
  • 169. 1 7 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI 2. FERREIRA, C. E. C. Mortalidade infantil e desigualdade social em São Paulo. São Paulo, 1990. 211p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. 3. FRIEDE, A.; BALDWIN, W.;RHODES, P. H.; BUEHLER, J. W.; STRAUSS, L. T.; SMITH, J. C.; HOGUE, C. J. R. Young maternal age and infant mortality: the role of low birth weight. Public Health Report, v. 102, n.2, p. 192-9, 1987. 4. GONZÁLES PÉREZ, G.; MENÉNDEZ VALONGA, M. C. La influencia de la maternidad precoz en el nivel y la estructura de la mortalidad infantil. Revista Cubana de Higiene y Epidemiologia, v. 23, n.2, p. 171-80, 1985. 5. LAURENTI, R., MELLO JORGE, M. H. P.; LEBRÃO, M. L., GOTILIEB, S. L. D. Estatísticas de Saúde. 2. ed. São Paulo: E. P . U., 1987. 186p. 6. LAURENTI, R.; BUCHALLA, C. M. Estudo da morbidade e da mortalidade perinatal em mater- nidades. II- Mortalidade perinatal segundo peso ao nascer, idade materna, assistência pré- natal e hábito de fumar da mãe. Revista de Saúde Pública, v. 19, n.3, p. 225-32, 1985. 7.MELLOJORGE,H.P.M.;GOTLIEB,S.L.D.;SOBOLL,M.L.M.S.;ALMEIDA,M.F.,LATORRE, M. R. D. O sistema de Informação Sobre Nascidos Vivos – SI-NASC. Informe Epidemiológico do SUS, v. 1, n.4, p. 5-16, 1992. 8.MELLOJORGE,H.P.M.;GOTLIEB,S.L.D.;SOBOLL,M.L.M.S.;ALMEIDA,M.F.,LATORRE, M. R. D. Avaliação do sistema de informação sobre nascidos Vivos e o uso de seus dados em epidemiologia e estatísticas de saúde. Revista de Saúde Pública, v. 27, supl., p. 1-46, 1993. 9. MS (Ministério da Saúde), 1997. Centro Nacional de Epidemiologia.Mortalidade 1996. (online). Disponível: http://www.fns.gov.br/cenepi/mortalidade.htm 10. MS (Ministério da Saúde), 1997. DATASUS. Indicadores e Dados Básicos – Brasil, 1997 (IDB-97). (online). Disponível: http://www.datasus.gov.br/cgi/idb97/apresent.htm 11. MONTEIRO, C. A. Saúde e nutrição das crianças de São Paulo: diagnóstico, contrastes sociais e tendências. São Paulo: HUCITEC: Editora da Universidade de São Paulo, 1998. Cap. 11, p. 143-58: A mortalidade. 12. MONTEIRO, C. A. O peso ao nascer no município de São Paulo: impacto sobre os níveis de mortalidade na infância. São Paulo, 1979. 131p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. 13. MORENO VÁSQUEZ, O Mortalidad infantil en Cuba com especial atencion al Recien nascido de bajo peso. Revista Cubana de Pediatria, v. 60, n.6, p.889-97, 1988. 14. OLIVEIRA, L. A. P.; SIMÕES, C. C. S. O papel das políticas de saúde e saneamento na recente queda de mortalidade infantil: significados, alcance e limitações estruturais. In: ____. Perfil estatístico de crianças e mães no Brasil: aspectos sócio-econômicos de mortalidade infantil em áreas urbanas. Rio de Janeiro, IBGE, 1986. 15. OLIVEIRA, L. A. P.; MENDES, M. M. S.. Mortalidade infantil no Brasil: uma Avaliação das tendências recentes. In: MINAYO, M. C. S. (Org.) Os muitos Brasis: saúde e população na década de 80. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1995. p. 291-303. 16. ORGANIZACION PANAMERICANA DE LA SALUD. Las condiciones de Salud en Las Americas: edición de 1990. Washington, 1990. 2v. (Publicación científica, 524). 17. PAIM, J, S.; COSTA, M. C. N.. Decréscimo e desigualdade da mortalidade infantil: Salvador, 1980-1988. Boletín de La Oficina Sanitaria Panamericana, v. 114, n. 5, p. 415-28, 1993. 18. PAULA, S. G.. Morrendo à toa: causas da mortalidade no Brasil. São Paulo: Ática, 1991. 160p. 19. PUFFER, R. R.; SERRANO, C. V. Características de la mortalidad en la niñez. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud, 1973. 490p. (Publicación científica, 262). 20. ROSEN, G. Da polícia médica à medicina social: ensaios sobre a história da assistência médica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. Cap. 7, p. 191-211: Atenção médica e política social no século XVII inglês. 21. ROSEN, G.. Uma História da Saúde Pública. São Paulo: HUCITEC, Editora da Universidade Estadual Paulista. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coleti-
  • 170. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 7 3 va, 1994. 423p. 22. SIMÕES, C. C. S.; MONTEIRO, C. A. Tendência secular e diferenciais regionais da mortalida- de infantil no Brasil. In: MONTEIRO, C. A. (Org.) Velhos e novos males da saúde no Brasil: a evolução do país e de suas doenças. São Paulo: HUCITEC, Editora da Universidade de São Paulo, 1995. Cap. 9, p. 153-56. 23. SIQUEIRA, A. A.; ARENO, F. B.; ALMEIDA, P. A. M.; TANAKA, A. C. D. Relação entre peso ao nascer, sexo do recém-nascido e tipo de parto. Revista de Saúde Pública, v. 15, n. 3, p. 283- 90,1981. 24. SZWARCWALD, C. L.; CHEQUER, P.; CASTILHO, E. A. Tendências da mortalidade infantil no Brasil nos anos 80. Informe Epidemiológico do SUS, v.1, n. 2, p.35-42, 1992. 25. SZWARCWALD, C. L.; LEAL, M. C.; CASTILHO, E. A.; ANDRADE, C. L . T. Mortalidade infantil no Brasil: Belíndia ou Bulgária? Cadernos de Saúde Pública, v. 13, n. 3, p. 503-16, 1997. 26. SZWARCWALD, C. L.; LEAL, M. C.; JAVIDAN, A. M. F. Mortalidade infantil: o custo social do desenvolvimento. In: LEAL, M. C.; SABROZA, P, C.; RODRIGUEZ, R. H.; BUSS, P. M. (Orgs.) Saúde, Ambiente e Desenvolvimento. São Paulo: HUCITEC-ABRASCO, 1992. V.2. 27. UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 1997. Situação Mundial da Infância, 1999. (online). Disponível: http://www.unicef.org.br/sowc/tabl.htm. 28. VARGAS, N. A.; RHOMAS, E.; MENDEZ, C.; VARGAS, S.; DAZZAROLA, P.; MELO, W.; PULICO, N.; FLORES, G.; MONTT, J. Estudio colaborativo de nascimiento en Chile. Ver. Médica de Chile, v. 115, n.4 p. 361-6, 1987. 29. VICTORIA, C. G.; BARROS, F. C.; VAUGHAN, J. P. Epidemiologia da desigualdade. 2 ed. São Paulo: HUCITEC, 1989. 187p. A importância do leite materno na prevenção de doenças BERQUÓ, E. S. Fatores estáticos e dinâmicos (mortalidade e fecundidade). In: SANTOS, J.L.F.; LEVY, M.S.F.; SZMRECSÁNYI, T. Org. Dinâmica da População. São Paulo: T. A. Queiroz, 1980. Cap. 3, p. 21-85. FERREIRA, C. E. C. Mortalidade infantil e desigualdade social em São Paulo. São Paulo, 1990. 211p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. FRIEDE, A.; BALDWIN, W.;RHODES, P. H.; BUEHLER, J. W.; STRAUSS, L. T.; SMITH, J. C.; HOGUE, C. J. R. Young maternal age and infant mortality: the role of low birth weight. Public Health Report, v. 102, n.2, p. 192-9, 1987. GONZÁLESPÉREZ,G.;MENÉNDEZVALONGA,M.C.Lainfluenciadela maternidadprecozen el nivel y la estructura de la mortalidad infantil. Revista Cubana de Higiene y Epidemiologia, v. 23, n.2, p. 171-80, 1985. LAURENTI, R., MELLO JORGE, M. H. P.; LEBRÃO, M. L., GOTILIEB, S. L. D. Estatísticas de Saúde. 2. ed. São Paulo: E. P . U., 1987. 186p. LAURENTI, R.; BUCHALLA, C. M. Estudo da morbidade e da mortalidade perinatal em materni- dades. II- Mortalidade perinatal segundo peso ao nascer, idade materna, assistência pré-natal e hábito de fumar da mãe. Revista de Saúde Pública, v. 19, n.3, p. 225-32, 1985. MELLOJORGE,H.P.M.;GOTLIEB,S.L.D.;SOBOLL,M.L.M.S.;ALMEIDA,M.F.,LATORRE, M. R. D. O sistema de Informação Sobre Nascidos Vivos – SI-NASC. Informe Epidemiológico do SUS, v. 1, n.4, p. 5-16, 1992. MELLOJORGE,H.P.M.;GOTLIEB,S.L.D.;SOBOLL,M.L.M.S.;ALMEIDA,M.F.,LATORRE, M. R. D. Avaliação do sistema de informação sobre nascidos Vivos e o uso de seus dados em epidemiologia e estatísticas de saúde. Revista de Saúde Pública, v. 27, supl., p. 1-46, 1993. MS (Ministério da Saúde), 1997. Centro Nacional de Epidemiologia. Mortalidade 1996. (online). Disponível: http://www.fns.gov.br/cenepi/mortalidade.htm MS (Ministério da Saúde), 1997. DATASUS. Indicadores e Dados Básicos – Brasil, 1997(IDB- 97).(online).Disponível: http://www.datasus.gov.br/cgi/idb97/apresent.htm
  • 171. 1 7 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI MONTEIRO, C. A. Saúde e nutrição das crianças de São Paulo: diagnóstico, contrastes sociais e tendências. São Paulo: HUCITEC: Editora da Universidade de São Paulo, 1998. Cap. 11, p. 143-58: a mortalidade. MONTEIRO, C. A.. O peso ao nascer no município de São Paulo: impacto sobre os níveis de mortalidade na infância. São Paulo, 1979. 131p. Tese (Doutorado) Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. MORENO VÁSQUEZ, O Mortalidad infantil en Cuba com especial atencion al Recien nascido de bajo peso. Revista Cubana de Pediatria, v. 60, n.6, p.889-97, 1988. OLIVEIRA, L. A. P.; SIMÕES, C. C. S. O papel das políticas de saúde e saneamento na recente queda de mortalidade infantil: significados, alcance e limitações estruturais. In__________ Perfil estatístico de crianças e mães no Brasil: aspectos sócio-econômicos de mortalidade infantil em áreas urbanas. Rio de Janeiro, IBGE, 1986. OLIVEIRA, L. A. P.; MENDES, M. M. S.. Mortalidade infantil no Brasil: uma Avaliação das tendências recentes. In: MINAYO, M. C. S., Org. Os muitos Brasis: saúde e população na década de 80. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1995. P. 291-303. ORGANIZACIONPANAMERICANADELASALUD. LascondicionesdeSaludenLasAmericas: edición de 1990. Washington, 1990. 2v. (Publicación científica, 524). PAIM, J, S.; COSTA, M. C. N.. Decréscimo e desigualdade da mortalidade infantil: Salvador, 1980- 1988. Boletín de La Oficina Sanitaria Panamericana, v. 114, n. 5, p. 415-28, 1993. PAULA, S. G.. Morrendo à toa: causas da mortalidade no Brasil. São Paulo: Ática 1991, 160 p. PUFFER, R. R.; SERRANO, C. V. Características de la mortalidad en la niñez. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud, 1973. 490 p. (Publicación científica, 262). ROSEN, G. Da polícia médica à medicina social: ensaios sobre a história da assistência médica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. Cap. 7, p. 191-211: atenção médica e política social no século XVII inglês. ROSEN, G.. Uma História da Saúde Pública. São Paulo: HUCITEC: Editora da Universidade Estadual Paulista; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coleti- va, 1994. 423p. SIMÕES, C. C. S.; MONTEIRO, C. A. Tendência secular e diferenciais regionais da mortalidade infantil no Brasil. In: MONTEIRO, C. A. org. Velhos e novos males da saúde no Brasil: a evolução do país e de suas doenças. São Paulo: HUCITEC: Editora da Universidade de São Paulo, 1995. Cap. 9, p. 153-56. SIQUEIRA, A. A.; ARENO, F. B.; ALMEIDA, P. A. M.; TANAKA, A. C. D. Relação entre peso ao nascer, sexo do recém-nascido e tipo de parto. Revista de Saúde Pública, v. 15, n. 3, p. 283-90, 1981. SZWARCWALD, C. L.; CHEQUER, P.; CASTILHO, E. A. Tendências da mortalidade infantil no Brasil nos anos 80. Informe Epidemiológico do SUS, v.1, n. 2, p.35-42, 1992. SZWARCWALD,C.L.;LEAL,M.C.;CASTILHO,E.A.;ANDRADE,C.L.T.Mortalidadeinfantil no Brasil: Belíndia ou Bulgária? Cadernos de Saúde Pública, v. 13, n. 3, p. 503-16, 1997. SZWARCWALD, C. L.; LEAL, M. C.; JAVIDAN, A. M. F. Mortalidade infantil: o custo social do desenvolvimento. In: LEAL, M. C.; SABROZA, P, C.; RODRIGUEZ, R. H.; BUSS, P. M., Orgs. Saúde, Ambiente e Desenvolvimento. São Paulo: HUCITEC-ABRASCO, 1992. V.2. UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 1997. Situação Mundial da Infância, 1999. (online). Disponível: http://www.unicef.org.br/sowc/tabl.htm. VARGAS,N.A.;RHOMAS,E.;MENDEZ,C.;VARGAS,S.;DAZZAROLA,P.;MELO,W.;PULICO, N.; FLORES, G.; MONTT, J. Estudio colaborativo de nascimiento en Chile. Ver. Médica de Chile, v. 115, n.4 p. 361-6, 1987. VICTORIA, C. G.; BARROS, F. C.; VAUGHAN, J. P. Epidemiologia da desigualdade. 2. ed. São Paulo:HUCITEC,1989.187p.
  • 172. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 7 5
  • 173. 1 7 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA SOERENSEN & BADINI MARULLI VII - Uso abusivo de drogas Luís Carlos de Araújo Lima Valéria Pereira Introdução As práticas sócio-culturais do uso de drogas são bastante antigas. O escritor britâni- co Aldous Huxley chegou a afirmar que muito antes da aurora da civilização, nossos antepassados já se intoxicavam com sedativos, euforiantes e alucinógenos de origem natural. Sabe-se, há muito tempo, que os povos andinos fazem uso de folhas de cocaína, os índios do sul dos Estados Unidos e do México utilizam a mescalina e os afegãos, o cânhamo, uma espécie de maconha (Graeff, 1984). São bastante antigas também as preocupações relativas ao estudo das ações huma- nas, que ocuparam lugar de destaque no pensamento dos fundadores da filosofia ociden- tal. Para Sócrates, Platão e Aristóteles, a ação harmoniosa, racional, associada com o saber e com o bem, recebia o nome de virtude; identificada pela idéia da moderação e evitação dos excessos, a ação virtuosa tinha como parâmetro para o julgamento do cidadão da antiga Grécia suas conseqüências para a vida na “polis” (cidade-estado). O sentido oposto ao da virtude foi caracterizado pela palavra vício, derivada do latim “vitiu”, que significa inclinação para o mal ou defeito grave que torna uma pessoa ou coisa inadequada para determinados fins ou funções. O termo vício, com o passar do tempo, foi sendo utilizado para significar o abuso de drogas. Segundo Foucault, a idéia de que alguém pudesse ser um viciado começou a ser gestada na metade do século passado, sendo que até o século XIX a ingestão regular de álcool, por exemplo, só era entendida como um problema social se chegasse a causar algum transtorno à ordem pública, ou seja, a compreensão dos vícios era regida por um viés exclusivamente moral e público e não como um problema instalado no indivíduo (Guiddens,1993). Só no início do século XIX, com os trabalhos pioneiros de Thomas Trotter e Magnus Huss, os transtornos causados pela evolução dos quadros de alcoolis- mo começaram a ser associados à idéia de uma doença manifesta no indivíduo, a uma compulsão do indivíduo em relação a um determinado objeto e às suas conseqüências orgânicas e psíquicas (Galduroz e Andreatini, 1992). Em um dos seus últimos escritos, “O mal-estar na civilização”, Freud se refere à vida por volta de 1929 como árida, proporcionando aos viventes apenas sofrimentos, decep- ções e tarefas impossíveis, contrariando profundamente o princípio de prazer que deve- ria comandar a vida e o funcionamento do aparelho psíquico desde o seu início. Tão grande é o massacre sobre o indivíduo no seu processo de iniciação à cultura dominante que o princípio de prazer acaba por transformar-se em um “modesto princípio de realida- de”. Nestes escritos, as drogas são chamadas de substâncias tóxicas ou veículos intoxicantes, e são caracterizadas como armas entre as mais rudes e eficazes usadas pelos homens para evitar a dor e os sofrimentos e na busca de prazer. De forma extre-
  • 174. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 7 7 mamente simples, Freud lançou a suspeita da existência de substâncias psicoativas, fa- zendo menção à presença de neurotransmissores, só recentemente comprovada por procedimentos avançados de pesquisa. De fato, até meados de 1960, apenas um neurotransmissor produzido pelo nosso organismo e com ação comprovada sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) era conhe- cido: a acetilcolina. Só então, os trabalhos de neurofisiologistas, neuroquímicos e farmacologistas constataram que diversas drogas (ilícitas e lícitas) possuíam uma confi- guração molecular semelhante à dos neurotransmissores chegando, às vezes, a produzi- rem uma ação mais potente e eficaz que o próprio neurotransmissor, por conterem em suas propriedades químicas substancias que promovem alterações no funcionamento do SNC. Isso nos remete a definição de drogas ou substâncias psicoativas. São consideradas drogas as substâncias que tenham ação direta sobre o SNC e que, atuando seletivamen- te em certos mecanismos nervosos e não em outros, modificam a função de células nervosas que compõem a estrutura cerebral. Com base nesta definição podemos enten- der que tanto o tabaco como o guaraná, o café como a cocaína, a maconha como o chocolate são substâncias psicoativas e que a classificação das drogas em lícitas ou ilícitas não obedece a critérios bioquímicos ou farmacológicos, mas a flutuações do con- texto sócio-cultural. Drogas hoje consideradas ilícitas nem sempre o foram. Data da década de 20, nos EUA, o tratamento jurídico que impediu a produção, venda e o consumo de cocaína, heroína, maconha e bebidas alcoólicas. De forma geral, a justificativa para a proibição legal do uso das drogas decorre do fato de as mesmas produzirem ou induzirem seus usuários a estados de dependência física e/ou psíquica, resultando na manifestação de comportamentos inadequados ou não aceitos socialmente, bem como por interferirem nas atividades produtivas e necessárias à manutenção do tecido e da ordem social. As drogas ilícitas têm ocupado um lugar privilegiado no rol das preocupações da Organização das Nações Unidas (ONU), dos chefes de Estado, bem como da popula- ção em geral. Órgãos ligados à OMS – Organização Mundial de Saúde – informam que o narcotráfico movimenta anualmente em todo o mundo algo em torno de 400 a 600 bilhões de dólares, um valor bastante próximo ao PIB – produto interno bruto – do Brasil. Esses dados nos permitem uma visão das dimensões políticas e sociais que envol- vem o tráfico e o uso de drogas. A questão das drogas, longe de ser um problema de repressão policial, se configura como um problema mundial com contornos políticos, econômicos, diplomáticos, entre outros. Uso abusivo de drogas O consumo de drogas é uma prática bastante antiga, mas a década de 60 é descrita como uma referência para o surgimento de novos padrões de consumo de drogas, tanto do ponto de vista epidêmico (quantidade de usuários), quanto pelos casos de overdose (superdose) que levaram artistas famosos à morte. Desde então, a incidência vem se alastrando pela população, tanto nos grupos economicamente desfavorecidos quanto nas camadas mais diferenciadas. Dados mais recentes confirmam esta tendência: as internações na rede pública de
  • 175. 1 7 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI saúde brasileira (SUS) causadas pelo uso indiscriminado de drogas dobraram entre 1993 e 1997 e os gastos com os pacientes triplicaram no mesmo período, incluindo problemas com o uso abusivo de drogas ilícitas e com remédios estimulantes do SNC socialmente aceitos, como os antidepressivos, emagrecedores, anorexígenos, etc. Graeff (1984) define abuso de drogas como a auto-administração de uma droga que desvia dos padrões sócio-culturais aceitos, uma vez que a maioria das sociedades huma- nas admitem a auto-administração de certas drogas e rejeitam de outras, da mesma forma como diferem entre as culturas as normas de conduta social. O uso abusivo de drogas vem sendo denominado pela imprensa, por pesquisadores e também pelo público leigo como “vício”. Apesar do viés moral impregnado neste conceito, alguns autores modernos apontam o vício como uma forma não estável de comportamento que tende a aumentar em sua importância, podendo mesmo resultar num processo no qual uma de- pendência cada vez maior do comportamento viciado gera, além de um comprometi- mento de todas as atividades sociais e produtivas, sentimento de pânico e autodestruição em substituição às sensações outrora obtidas de bem-estar e êxtase. O componente psicológico nas manifestações do comportamento viciado ficou co- nhecido neste século como compulsão, uma forma de comportamento que um indivíduo acha muito difícil ou impossível interromper pelo poder da vontade e cuja realização produz a liberação de uma tensão. Para Giddens, os processos de compulsão geralmente são precedidos de uma sensação de êxtase, uma sensação especial de libertação, triunfo ou relaxamento. Uma vez estabelecido o padrão de comportamento, a sensação de êx- tase provinda deste passará a funcionar como fator de compensação. Mesmo considerando as implicações químicas, os vícios nos remetem necessaria- mente a processos psicológicos, uma vez que os estados mórbidos de dependência po- dem se manifestar não só por meio do uso abusivo de cocaína, mas por meio de outros comportamentos, tais como apostar em corridas de cavalos ou apresentar compulsão sexual, por exemplo. Depoimentos de usuários sobre as situações nas quais recorrem ao uso da droga permitem vislumbrar algum sentido para a droga em suas vivências: circunstâncias de extrema ameaça externa ou angústia (a droga é utilizada como um “analgésico psíqui- co”), situações sentidas como lhes exigindo algo acima de suas capacidades (a droga é usada como um “fortificante, que funciona como injeção de poder e coragem) e na criação de um momento grupal de prazer e divertimento (a droga é utilizada como um substituto ou complemento do lazer). Uma vez incorporado pela medicina, o vício foi definido como uma doença resultan- te da interação entre um organismo e uma droga, concepção que segundo alguns autores significou o início de uma compreensão que se instauraria como oposição à idéia mora- lista do vício (Galduroz e Andreatini,1992). Se por um lado, o conceito de drogadicção (o vício entendido como uma doença) facilita a aceitação do problema do paciente por parte dos amigos e familiares, fortalecendo a convivência familiar e comunitária, por outro, pressupõe uma atitude passiva do dependente, incentivando sentimentos de inse- gurança em seus próprios recursos (Ancona-Lopez e Figueiredo,1990). O conceito de farmacodependência surgiu em 1973 e, por recomendação da OMS, passou a ser utilizado em substituição aos conceitos de toxicomania, vício, drogadicção, etc. Estado psíquico e às vezes físico produzido pela interação entre um organismo vivo
  • 176. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 7 9 e uma substância, a farmacodependência “se caracteriza por modificações no compor- tamento e por outras reações que compreendem sempre um impulso irreprimível a to- mar uma substância de forma contínua ou periódica, a fim de experimentar seus efeitos psíquicos e, muitas vezes, para evitar o mal-estar produzido pela sua falta” (Solero, 1979). Silveira (1995) define farmacodependência com um processo biopsicossocial, na qual estão envolvidos a substância psicoativa e suas propriedades, o indivíduo, com suas características de personalidade e sua singularidade biológica, e o contexto sócio-cultu- ral onde se realiza este encontro entre o indivíduo e a droga. A clínica da farmacodependência não consegue reconhecer uma estrutura psíquica específica do dependente de “fármacos”. Assim, em princípio, não se pode falar em “doença” mas apenas em “conduta”. O autor propõe uma distinção entre o dependente e o usuário de drogas, embora, na grande maioria das vezes, ambos procurem a droga pelo mesmo motivo: a busca do prazer. O usuário de drogas é aquele que faz uso eventual, recreativo, e que pode vir a prescindir da droga, enquanto o dependente de drogas é um indivíduo para quem a droga passou a desempenhar um papel central na sua organização psíquica, na medida em que, mediante o prazer, ocupa lacunas importantes, tornando-se indispen- sável ao seu funcionamento psíquico. Diagnóstico O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV –, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, apresenta critérios diagnósticos para trans- tornos relacionados a substâncias. A utilização do termo substância e não mais substân- cia psicoativa objetiva não limitar a atenção às substâncias que têm como efeito principal uma atividade de alteração cerebral (por exemplo, a cocaína), porque este conceito não inclui substâncias químicas com propriedades de alteração cerebral (exemplo: solventes orgânicos). E substância é preferível à droga (substância química, manufaturada), já que os padrões de abuso podem estar associados ao consumo de substâncias que não se destinam ao consumo humano (por exemplo, cola de avião ou de sapateiro). O abuso de substância é mais comum quando o consumo é recente, embora alguns indivíduos pos- sam continuar, por um longo tempo, sofrendo as conseqüências sociais adversas relaci- onadas ao abuso da substância sem desenvolver evidências de dependência. A caracte- rística essencial da dependência de substância é a presença de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância, apesar de problemas significativos relacionados a ela. O abuso de substância é diagnosticado como um padrão mal-adaptativo de uso de substância levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por três ou mais dos sintomas abaixo relacionados, ocorrendo a qualquer momento, no mes- mo período de 12 meses: (1) uso recorrente da substância resultando em um fracasso em cumprir obrigações importantes relativas a seu papel no trabalho, na escola ou em casa (por ex., repetidas ausências ou fraco desempenho ocupacional relacionados ao uso de substância; ausên- cias, suspensões ou expulsões da escola relacionadas à substância; negligência dos fi- lhos ou afazeres domésticos);
  • 177. 1 8 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI (2) uso recorrente da substância em situações nas quais isto representa perigo físico (por ex., dirigir um veículo ou operar uma máquina quando prejudicado pelo uso da substância); (3) problemas legais recorrentes relacionados à substância (por ex., detenções por conduta desordeira relacionada à substância); (4) uso continuado da substância, apesar de problemas sociais ou interpessoais per- sistentes ou recorrentes, causados ou exacerbados pelos efeitos da substância (por ex., discussões com o cônjuge acerca das conseqüências da intoxicação, lutas corporais). O diagnóstico de dependência de substância pode ser aplicado a qualquer classe de substâncias, exceto a cafeína. A dependência é definida como um padrão mal-adaptativo de uso de substância que leva a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, mani- festado por três ou mais dos sintomas abaixo relacionados, que ocorram a qualquer momento, no mesmo período de 12 meses: 1) Tolerância, que é definida por qualquer um dos seguintes aspectos: (a) uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado; (b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância. 2) Abstinência, que se manifesta por qualquer dos seguintes aspectos: (a) síndrome de abstinência característica da substância: A - desenvolvimento de uma síndrome de abstinência específica da substância devi- do à cessação (ou redução do uso pesado e prolongado da substância); B - síndrome de abstinência específica da substância causa sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas im- portantes da vida do indivíduo; C - os sintomas não se devem a uma condição médica geral, nem são mais bem explicados por outro transtorno mental. (b) A mesma substância (ou substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência. 3) A substância é freqüentemente consumida em maiores quantidade ou por um período mais longo que o pretendido. 4) Existe um desejo persistente ou esforços malsucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância. 5) Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou longas viagens de automóvel), na utilização da substância ou na recuperação de seus efeitos. 6) Importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em função do uso da substância. 7) O uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela subs- tância. Classificação das drogas Existem diversas classificações de drogas, que podem ser encontradas em manuais
  • 178. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 8 1 de psiquiatria e literatura específica sobre drogas. O DSM-IV agrupa as substâncias em 11 classes: álcool; anfetaminas; cafeína; canabinóides; cocaína; alucinógenos; inalantes; nicotina; opióides; fenciclidina e sedativos. Apresentaremos a seguir uma caracteriza- ção simplificada que aborda sua composição, efeitos fisiológicos e comportamentais e alguns dados históricos. Para cada classe específica de substâncias, apresentaremos a descrição de, pelo menos, uma droga que exemplifique a classe. 1. Álcool O etanol, ou álcool etílico, é a forma de álcool que se pode beber, que confere os efeitos prazerosos mais significativos às bebidas alcoólicas. O álcool promove alterações no humor, comprometimento crescente da crítica, com conseqüente diminuição das inibições comportamentais, prejuízo da capacidade motora, distúrbios da fala e diminuição dos reflexos. A ingestão de altas doses pode provocar graves distúrbios orgânicos, paralisia respiratória e indução de um estado de coma. O uso crônico de álcool pode provocar distúrbios gastrointestinais, cardiovasculares, neu- rológicos e psiquiátricos. O uso contínuo e progressivo de bebidas alcoólicas, passando das fermentadas (vi- nho, cerveja) para as destiladas (pinga, vodca, uísque), é capaz de promover no indivíduo um aumento de tolerância aos efeitos químicos do álcool, ou seja, o indivíduo vai neces- sitar beber uma quantidade cada vez maior de bebida para obter o efeito químico dese- jado. Depois de instalado o quadro de dependência física e psíquica, o alcoolista precisa recorrer constantemente à ingestão de doses de bebidas alcoólicas durante o dia como forma de manter um nível de álcool em seu organismo, evitando durante um certo perí- odo os desconforto dos sintomas de abstinência. Neste estágio, as perdas da vida social do alcoolista já se fazem sentir: o relaciona- mento familiar e profissional e sua saúde física e mental começam a apresentar as seqüelas da evolução do quadro. Do ponto de vista clínico a situação limite para o depen- dente de álcool é conhecida como “delirium tremens”, uma síndrome de abstinência na qual o usuário é acometido por alucinações visuais e auditivas e disfunções cardíacas que, sem atenção médica adequada, pode levar o indivíduo à morte. 2. Anfetaminas As anfetaminas clássicas, metanfetamina, dextroanfetamina e metilfenidrato apre- sentam seus principais efeitos no sistema dopaminérgico. As anfetaminas também são chamadas de simpatomiméticos, estimulantes ou psicoestimulantes. As anfetaminas causam a liberação de catecolaminas (dopamina e noradrenalina) e de serotonina. Entre seus efeitos destacam-se a diminuição do sono, sensação de estar bem disposto, estado de ânimo elevado e aumento de atividade motora, quando usadas em baixas quantidades. Com o aumento da quantidade ingerida, as anfetaminas, indutoras de estado de dependência, geram, nos estados de abstinência, letargia, depressão, com- portamento agressivo, etc. Segundo o DSM-IV, o sulfato racêmico de anfetamina (benzedrine) foi sintetizado pela primeira vez em 1887 e introduzido na prática clínica em 1932, como um inalante vendido sem prescrição para o tratamento de congestão nasal e asma. Em 1937, compri-
  • 179. 1 8 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI midos de sulfato de anfetamina passaram a ser utilizados no tratamento da narcolepsia (desejo incontrolável de dormir, ou acessos repentinos de sono), parkinsonismo pós- encefalítico, depressão e letargia. A inibição do seu amplo uso começou na década de 70. Atualmente, seu uso clínico aprovado limita-se ao transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade, narcolepsia e transtornos depressivos. Embora com eficácia e segurança muito discutíveis, as anfetaminas também são usadas no tratamento da obesidade. Estatísticas publicadas pela ONU, em 1995, mostram que o Brasil é o quarto país que mais consome estimulantes – emagrecedores, antidepressivos – e alguns tipos de anal- gésicos, entre outros medicamentos, perdendo apenas para o Chile, Argentina e EUA. A dependência de anfetamina pode resultar em uma rápida espiral descendente nas capacidades de um indivíduo para lidar com obrigações e estresses relacionados ao trabalho e à família. São necessárias doses gradativamente maiores para obtenção da excitação habitual e o abuso continuado leva ao desenvolvimento de sinais físicos (por ex., perda de peso e idéias paranóides). Distúrbios cérebro-vasculares, cardíacos e gastrintestinais estão entre os efeitos ad- versos mais sérios associados ao abuso de anfetaminas. Há risco de infarto do miocárdio, severa hipertensão, acidente vascular cerebral e colite isquêmica. Uma série contínua de sintomas neurológicos, desde cãibras musculares à tetania, convulsões, coma e mor- te, está associada a doses gradativamente mais altas de anfetaminas. Os efeitos adver- sos menos ameaçadores à vida incluem rubor, palidez, cianose, febre, cefaléia, taquicardia, náuseas, vômito, ranger de dentes, falta de ar, tremor e ataxia. O uso de anfetaminas por mulheres grávidas tem sido associado ao baixo peso do bebê ao nascer, pequeno períme- tro cefálico, fetos pequenos para a idade gestacional e retardo no crescimento. Os efeitos psicológicos adversos, associados ao uso de anfetamina, incluem inquieta- ção, ansiedade, insônia, irritabilidade, hostilidade e confusão. A ansiedade generalizada e o transtorno de pânico podem ser induzidos pelo uso de anfetaminas, além de delírios paranóides e alucinações. O Ecstasy, super-anfetamina de nova geração, ficou conhecido por seus efeitos pro- longados. Relatos de usuários da droga informam que eles podem ficar em frenético ritmo dançante e com aguda disposição sexual por muitas horas. É uma droga muito perigosa tanto por sua potência (contra-indicada para alguém que possua qualquer sus- peita de problemas cardíacos), quanto por nunca se saber ao certo qual a composição e a procedência da droga. Alguns especialistas afirmam que atualmente existem 174 vari- ações de Ecstasy sendo comercializadas. 3. Cafeína A cafeína é mais freqüentemente encontrada na forma de café ou chá e é a substân- cia psicoativa mais amplamente utilizada nos países ocidentais. O DSM-IV prevê os diagnósticos de intoxicação com cafeína, transtorno de ansiedade induzido por cafeína e transtorno de sono induzido por cafeína; não apresenta categorias diagnósticas para abuso, dependência ou abstinência de cafeína, apesar de diversos estudos relatarem dados consistentes como a presença de dependência física e fenômenos de abstinência relacionados à cafeína. Presente em uma variedade de bebidas, alimentos e medicamentos (vendidos com ou sem prescrição médica), é possível encontrar cafeína em quantidades significativas no
  • 180. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 8 3 cacau, chocolate e em refrigerantes, suficientes para provocar alguns sintomas de into- xicação com cafeína em crianças, com o consumo de uma barra de chocolate ou de 300 ml de refrigerante. A cafeína evidencia todos os traços associados com as substâncias de abuso geral- mente aceitas. Tem a capacidade de agir como um reforçador positivo, induz a uma leve euforia e a efeitos comportamentais associados ao comportamento de busca repetida pela substância. A tolerância a alguns efeitos da cafeína pode ser observada, bem como a ocorrência de sintomas de abstinência. O aparecimento de sintomas de abstinência é um reflexo da tolerância e da dependência fisiológica que se desenvolve com o seu uso continuado. Os sintomas mais comuns de abstinência são cefaléia e fadiga, podendo ser observados, ainda, ansiedade, irritabilidade, leves sintomas depressivos, desempenho psicomotor prejudicado, náusea, vômito, avidez por cafeína, dor e rigidez muscular. O uso da cafeína apresenta como efeitos comprovados por vários estudos uma vasoconstrição cerebral global com diminuição do fluxo sangüíneo cerebral. Em altas doses ou concentrações a cafeína pode afetar a atividade dopaninérgica e noradrenérgica. Os sintomas associados à intoxicação com cafeína incluem o transtorno de ansieda- de induzido por cafeína: o paciente fica “elétrico”, falante, apresenta agitação psicomotora, inquietação, irritabilidade e queixas psicofisiológicas, como abalos musculares, rubor facial, náusea, diurese, perturbação gastrointestinal, perspiração excessiva, formigamento nos dedos das mão e dos pés e insônia. O consumo de mais de um grama de cafeína pode estar associado a um fluxo errático do pensamento e da fala, taquicardia ou arritmia cardíaca, períodos de inexaustibilidade, agitação psicomotora acentuada, timidez e leves alucinações visuais (lampejos de luz). O consumo de mais de 10g de cafeína causa convulsões tônico-clônicas generalizadas, parada respiratória e morte. 4. Canabinóides Cannabis é o nome abreviado para Cannabis sativa, planta que contém canabinóides psicoativos, dentre os quais o tetrahidrocanabinol (THC) é o mais abundante. Chamada habitualmente de maconha, erva ou marijuana, é possível encontrar também outras no- menclaturas descrevendo formas de variadas potências: hemp, chasra, bhang, ganja, dagga, sensemilla, haxixe. Os efeitos imediatos do uso da maconha são a vasodilatação do vasos sanguíneos das conjuntivas (daí os olhos vermelhos) e a taquicardia. Verifica-se ainda um sentimen- to de euforia, risos despropositados, gracejos, zombaria, liberação sexual, secura na boca e aumento do apetite (vulgarmente denominado “larica”). O uso continuado pode levar à fadiga extrema, isolamento, eventos alucinatórios de caráter persecutório e distorção da noção de tempo e espaço. Seu uso crônico pode levar a doenças respiratórias crônicas e câncer pulmonar, em função da inalação dos mesmos hidrocarbonos carcinogênicos presentes no tabaco. O uso repetido em grandes quantidades de maconha induz à tolerância, mas sem grande capacidade de provocar estados agudos de abstinência. Os sintomas de absti- nência, com uma interrupção súbita, limitam-se a um ligeiro aumento da irritabilidade, inquietação, insônia, anorexia e leve náusea. Os potenciais efeitos medicinais da Cannabis como analgésico, anticonvulsivante e
  • 181. 1 8 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI hipnótico foram reconhecidos no séc. XIX e início deste século. Recentemente, a cannabis e seu principal componente ativo (THC) têm sido utilizados com sucesso no tratamento de náusea secundária às drogas, no tratamento do câncer e para estimular o apetite em pacientes com AIDS, além disso sua utilização no tratamento de glaucoma tem sido proposta, devido à redução da pressão intra-ocular. Alguns estudos constatam (ainda sem confirmações conclusivas) que o uso prolon- gado de maconha pode alterar as concentrações de testosterona (reduzir a produção de espermatozóides), desregular o ciclo menstrual e aumentar a suscetibilidade a convul- sões. 5. Cocaína A cocaína é um dos vários alcalóides extraídos das folhas de coca, planta cultivada e usada pelos índios do Peru há mais de 1000 anos. Era uma erva considerada sagrada pelos Incas e seu uso era restrito a cerimônias religiosas e sacrifícios. Lima (1996) apresenta alguns dados curiosos sobre o histórico do uso da cocaína na América. Em 1884, a cocaína pura já estava disponível para comercialização e um ano após já era vendida pelo laboratório Parke-Davis em quinze formas diferentes, incluindo cigarros, injetável e para ser inalada. O produto era anunciado pela empresa como algo que “substitui a comida, torna o fraco corajoso, o silencioso loquaz e torna a dor suportá- vel”. Outras companhias comercializavam kits sofisticados de cocaína que incluíam até seringas hipodérmicas. Um extrato de folhas de coca foi produzido e tornou-se um su- cesso imediato, a ponto de seu criador ser condecorado com uma medalha pelo Papa Leão XII, um reconhecido adepto da bebida. Sua publicidade apregoava que o “Vinho de Coca Mariani liberta o corpo do cansaço, elevando o espírito, criando uma sensação de bem-estar”. Os efeitos da cocaína são semelhantes à maioria dos estimulantes, vasoconstrição periférica e taquicardia, aumento da capacidade física, excitação, redução do sono e de apetite. Observam-se, ainda, estado de alerta, euforia, hiperatividade, irritabilidade, agressividade, agitação e impotência. O uso crônico induz à dependência e o aumento das quantidades consumidas pode acarretar o aparecimento de um estado psicótico que se caracteriza por tendências paranóides, comportamentos excêntricos e incontroláveis. A reação tóxica ou overdose pode provocar convulsões, alucinações táteis e visuais, falência cárdio-respiratória e grande risco de morte. O “crack” é resultado de um processo no qual a cocaína não refinada, em forma de pó (cloridrato de cocaína) ou pasta, se volatiza ao ser adicionada ao bicarbonato de sódio e aquecida, se transformando em pedra. O seu nome se origina do som característico da cocaína sendo “fritada”. Quando fumado, a absorção pelos alvéolos pulmonares aumen- ta em cerca de 200 vezes o poder da droga, se comparada à cocaína inalada. Os efeitos da droga são sentidos num intervalo entre 10 a 20 segundos e sua duração é de no máximo 5 a 10 minutos, favorecendo a instalação rápida da compulsão da droga. O tempo de ação desta forma de administração da cocaína é bem semelhante ao da coca- ína consumida pela via intravenosa (“baque” ou “pelos canos”). Araújo Lima (1997) apresenta alguns dados sobre a evolução do uso do crack. Em maio de 1985, o New York Times publicou seu primeiro artigo sobre o crack, “uma simples e barata forma de cocaína fumada”, uma droga altamente potente que começa-
  • 182. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 8 5 va a fazer parte do circuito de drogas daquela cidade. Em 1986 o consumo e o tráfico de crack atingiram dimensões alarmantes em grandes cidades norte-americanas, e passa- ram a ser responsabilizados por um aumento significativo dos índices de violência e criminalidade, No Brasil, e mais especificamente em São Paulo, os primeiros relatos de uso da droga datam de 1988, e o risco que o seu consumo representava foi minimizado tanto por autoridades policiais como por órgãos responsáveis por políticas de informação e pre- venção. O consumo e tráfico de crack na Grande São Paulo começaram a atingir escalas crescentes a partir de 1991 e, desde então, a relação entre crack, aumento da criminalidade e violência urbana na figura de homicídios e chacinas, é constante nos meios de comuni- cação e nas análises de cientistas sociais que afirmam que esta potente forma de uso da cocaína só vem ressaltar e denunciar problemas sociais como a miséria, o desemprego, o desmonte dos serviços e políticas públicas de saúde, etc. Quanto à sua ação no Sistema Nervoso Central, estudos afirmam que o crack blo- queia a recaptura do neurotransmissor dopamina, mantendo-a por mais tempo nos espa- ços sinápticos, superestimulando as atividades motoras e sensoriais, provocando sensa- ção de euforia e poder. Em pouco tempo, os receptores são ajustados (reduzidos) às necessidades do sistema nervoso, as sinapses se tornam lentas, comprometendo as ati- vidades cerebrais e corporais. O crack aumenta a pressão arterial e a freqüência cardí- aca. Há riscos de convulsão, infarto e derrame cerebral. Os usuários de crack relatam os efeitos devastadores característicos da droga por meio de gírias. O êxtase de seu efeito, que dura entre 5 e 10 minutos, é chamado de “tuim”, referência a uma espécie de estampido no ouvido que acompanha a “primeira paulada”. O período onde o efeito começa a se esvair e provocar a necessidade de repetição do uso é chamado de “fissura”, que provoca comportamentos estranhos e às vezes alucinatórios, chamados de “nóia” – a impressão de que existem pedaços da pedra no chão faz com que os “craqueiros” fiquem tentando pegá-los. Relatos da sensa- ção de estar sendo perseguido, observado, de ouvir sirenes de carros da polícia, também são freqüentes. 6. Alucinógenos Os alucinógenos também são chamados de psicodélicos ou psicomiméticos, porque, além de induzirem alucinações, causam perda do contato com a realidade e uma expan- são ou elevação da consciência. Não possuem uso médico e apresentam alto potencial de abuso. São encontrados vários alucinógenos na natureza, sendo os mais conhecidos a psilocibina (de alguns cogumelos) e a mescalina (do cacto peiote). Há mais de 100 alucinógenos sintéticos e naturais usados atualmente. O alucinógeno sintético clássico é a dietilmanina do ácido lisérgico (LSD). O LSD foi sintetizado em 1938, por Albert Hoffman, que vivenciou o primeiro episó- dio alucinógeno induzido pela droga. O LSD pode ser discutido como protótipo geral dos alucinógenos e seus principais efeitos são sobre os sistema de recepção da serotonina. A tolerância para o LSD desenvolve-se rapidamente (em 3 ou 4 dias de uso contí- nuo), mas também é rapidamente revertida (em 4 a 6 dias). Não existe uma dependência física de alucinógenos nem sintomas de abstinência, mas pode-se desenvolver uma de-
  • 183. 1 8 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI pendência psicológica das experiências de ampliação da consciência associadas ao seu uso. A dependência psicológica é rara, porque cada experiência com LSD é diferente e não há garantia de euforia. O DSM-IV descreve como efeitos as percepções incomumente brilhantes e inten- sas, cores mais ricas, contornos mais nítidos, música emocionalmente profunda, odores e paladares salientados, mudanças na imagem corporal e na percepção de espaço e tem- po. As alucinações geralmente são visuais, envolvendo formas e figuras geométricas. Há alterações abruptas das emoções e aumento da sugestionabilidade e consciência dos órgãos internos. A liberação de materiais inconscientes na forma simbólica, regressão, recordações de eventos passados, reflexão instrospectiva e experiências religiosas e filosóficas são comuns. O efeito adverso mais comum do LSD e outros alucinógenos é uma “viagem ruim”, uma reação de pânico aguda (semelhante à induzida por Cannabis, só que mais severa) e ocasionalmente, um episódio psicótico, no qual o curso do pensamento é alterado, com possível aparecimento de idéias delirantes do tipo paranóico (sensações de estar sendo perseguido ou sofrendo alguma ameaça externa). O transtorno psicótico prolongado é menos freqüente e, supostamente, mais comum em indivíduos com muita ansiedade e instabilidade mental. Há casos de psicose crônica após a ingestão da droga, mas não é possível avaliar o quanto o indivíduo já era predisposto. As mortes causadas pelo uso de alucinogênicos podem estar associadas a patologias cardíacas, vascular cerebral, lesões corporais causadas por ações irrefletidas (acidentes automobilísticos, tentativas de voar). O indivíduo pode experimentar um “flashback”, uma recorrência espontânea e tran- sitória da experiência induzida pelo alucinógeno. A maioria dos flashbacks são episódios de distorção visual, alucinações geométricas, alucinações de sons e vozes, lampejos de cores, rastros de imagens de objetos em movimentos, entre outros. Os episódios duram, em média, de alguns segundos a alguns minutos. 7. Inalantes ou Solventes Os inalantes são substâncias que contêm hidrocarbonetos que volatizam facilmente e, quando aspirados, são rapidamente absorvidos pelos pulmões e enviados ao cérebro, atuando de forma bastante similar ao álcool. Tem efeitos farmacodinâmicos específicos que não são bem compreendidos, exercem ação depressora sobre o SNC e potencializam os efeitos de outros depressores como o álcool, barbitúricos e benzodiazepínicos. Essas substâncias são comercializadas por meio de produtos para os mais diferentes usos: combustíveis, solventes de tintas, removedores de manchas, etc., podendo-se citar como exemplos dessas substâncias a acetona, água-raz, benzina, cola de sapateiro, cola de aviões, fluidos de isqueiros, éter, gasolina, lança-perfume, tiner, tintas em spray, etc. Os inalantes, em pequenas doses, atuam como desinibidores, e provocam sensações de euforia, excitação e sensações agradáveis de estar flutuando. Altas doses provocam medo, ilusões sensoriais, alucinações visuais e auditivas e distorções do tamanho corpo- ral. Os sintomas neurológicos podem incluir fala arrastada, velocidade diminuída da fala e ataxia. O uso prolongado pode estar associado a irritabilidade, instabilidade emocional e comprometimento de memória. A síndrome de abstinência não é freqüente, mas caracteriza-se por perturbações do sono, irritabilidade, inquietação, sudorese, náusea, vômito, taquicardia e, ocasionalmente,
  • 184. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 8 7 delírios e alucinações. Efeitos adversos do uso prolongado incluem dano hepático ou renal irreversível, dano muscular permanente, problemas gastrintestinais e cardiovasculares, sérios efeitos sobre o desenvolvimento fetal. O efeito mais adverso é a morte, que pode resultar da depressão respiratória, de arritmias cardíacas, asfixia, aspiração de vômito, acidentes ou ferimentos resultantes de ações irrefletidas por intoxi- cação. 8. Nicotina O tabagismo, comportamento bastante valorizado até o final da primeira metade des- te século, passou a sofrer um intenso combate com restrições, tanto em relação aos pontos de comercialização quanto ao uso nos locais públicos. O componente psicoativo do tabaco é a nicotina que tem efeitos sobre o sistema nervoso central, agindo sobre os receptores de acetilcolina. Embora seja classificada como um psicostimulante suave, a nicotina pode desencadear quadros bastante severos de dependência em fumantes inveterados e a falta de nicotina no organismo desenca- deia uma síndrome de abstinência, com sintomas tais como, tremores nas mãos, irritação, ansiedade, depressão, etc. Os efeitos comportamentais da nicotina são uma melhor atenção, aprendizagem e capacidade para solução de problemas. Usuários relatam melhora do humor, diminuição da tensão e de sentimentos depressivos. Contrastando com os efeitos estimulantes sobre o SNC, a nicotina atua como um relaxante dos músculos esqueléticos. Os sintomas de intoxicação em doses baixas incluem náusea, vômito, salivação, pali- dez (vasoconstrição periférica), diarréia, tontura, cefaléia, aumento da pressão sanguí- nea, taquicardia, tremores e suores frios. Doses de 60 mg em adulto são fatais. As contra-indicações ao consumo contínuo e progressivo do cigarro são muitas, como o desenvolvimento de bronquite crônica que pode levar ao enfisema e outras disfunções respiratórias graves. O uso crônico de cigarros pode levar o seu usuário a desenvolver insuficiência cardíaca e a acidentes vasculares coronarianos. Além da nicotina, a combustão do cigarro libera outras substâncias, igualmente noci- vas ao organismo humano, como o alcatrão. Inúmeras pesquisas apontam uma clara correlação epidemiológica entre a freqüência do uso do cigarro e o aumento dos casos de câncer pulmonar. Além disso, verificaram que a fumaça do cigarro inalada por outras pessoas é tão nociva (ou mais) do que para o próprio fumante. A adoção de políticas que disciplinem e previnam tanto o uso de cigarros quanto o do álcool são de difícil execução em virtude dos fatores psíquicos e sociais que encorajam o seu uso em alguns contextos, além dos interesses econômicos dos fabricantes da ordem de alguns bilhões de dólares. 9. Opióides Opiáceo e opióide são termos que têm origem na palavra ópio. Extraído do suco da papoula, uma planta cultivada na Ásia, o ópio teve o seu principal alcalóide isolado em 1803 pelo farmacêutico alemão Sertürner, que o denominou morfina devido a Morfeu, deus do sono. Os opiáceos abrangem qualquer preparo ou derivado do ópio, como o próprio ópio, a morfina, a heroína e a codeína. Os opióides referem-se aos narcóticos sintéticos de ação
  • 185. 1 8 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI semelhante: meperidina (Demerol), pentazocina, propoxifeno e metadona. São substân- cias capazes de provocar uma rápida tolerância no organismo e dependência física e psíquica extremas. Há três classes de opiáceos endógenos dentro do cérebro, incluindo as encefalinas e endorfinas (envolvidas na transmissão neural e supressão da dor). Seus efeitos comportamentais são euforia, sonolência, anorexia, impulso sexual dimi- nuído, hipoatividade e alterações da personalidade. Alguns padrões consistentes de com- portamentos, conhecidos como síndrome comportamental da heroína, consistem de de- pressão subjacente de tipo agitado com sintomas de ansiedade e impulsividade, masca- rando medo de fracasso, baixa auto-estima, falta de esperanças e agressão, baixa tole- rância à frustração e necessidade de gratificação imediata, que parecem especialmente pronunciados em adolescentes com dependência. A heroína (diacetilmorfina) é um opiáceo de ação similar à da morfina mas com efeitos duas vezes mais potentes (daí o nome heroína, do alemão, heroich – enérgico, potente). Sintetizada a partir de opiáceos naturais pelo químico Dreser, em 1874, e utili- zada a princípio pela medicina como analgésico e antitussígeno, teve sua fabricação, importação e emprego na medicina proibidos nos EUA em 1925, dada sua grande capa- cidade de induzir a dependência. A heroína é o opiáceo usado com maior freqüência pelas pessoas com transtornos relacionados a esta classe de substâncias. No Brasil, seu uso foi proibido em 1938, quando foi classificada como entorpecente. Até outubro de 1996 não havia relato em publicação científica de nenhum caso de de- pendência de heroína. Em 1991, o prof. Edson Passetti da PUC-SP havia previsto que a heroína chegaria brevemente ao país em virtude das políticas oficiais adotadas no com- bate a cocaína e da estabilidade do valor da moeda brasileira. Os primeiros casos clíni- cos de dependência da droga atestam a recente entrada da heroína em nosso país. O cultivo de papoula em terras andinas parece repetir a rota colombiana de tráfico da cocaína, no qual agora o Brasil ocupa dupla função, a de consumidor e também de corredor para o narcotráfico mundial. Nos tratamentos dos dependentes de heroína, até recentemente era utilizada a clonidina (forte analgésico utilizado no tratamento da hipertensão), associada a altas doses de benzodiazepínicos e anti-espasmódicos, com objetivo de amenizar os sintomas da absti- nência. Recentemente, iniciou-se a administração da metadona por via oral (opióide sintético, de potente ação analgésica, utilizado na oncologia e anestesia). Este medica- mento já é utilizado oficialmente nos países da União Européia, EUA, Canadá e Austrá- lia em cerca de 1 milhão de pessoas. A utilização da metadona permite ao paciente ficar sem a heroína e o capacita a se reinserir socialmente, sem sentir as fortes dores e sintomas da abstinência – calafrios, espasmos musculares, tremores, cólicas abdominais, sudorese, febre, rinorréia, midríase, taquicardia,hipertensãoarterial,insônia,irritabilidade,discreta“fissura”e“delirium”.Como a metadona também é uma droga, o paciente também pode vir a desenvolver dependência em relação a ela, mas os danos são menores. Além disso, diminui o risco de contaminação pelo vírus HIV (quando se compartilham seringas), de “overdose” e problemas cardíacos decorrentes do uso da heroína. 10. Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos Os ansiolíticos são inibidores da ansiedade, reduzem a tensão subjetiva e induzem a
  • 186. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 8 9 tranqüilidade mental. O termo ‘sedativo’ é virtualmente sinônimo de ‘ansiolítico’, uma droga que reduz a ansiedade. Em parte da literatura especializada mais antiga, os seda- tivos, ansiolíticos e hipnóticos são agrupados juntos com os tranqülizantes (termo ambí- guo, que deve ser evitado). As drogas contidas nesta classe são os benzodiazepínicos (diazepan, lorazepan e bromazepan, comercializados sob a forma de quase cem medicamentos – diazepan, dienpax, valium, somalium, lorax, lorium, lexotan, lexpiride, entre outros) e barbitúricos (secobarbital, conhecido como “vermelinhos” ou “demônios vermelhos”, o pentobarbital, conhecido como “amarelos” ou “jaquetas amarelas”, e uma combinação de secobarbital com amobarbital conhecida como “arco-íris”) e substâncias do tipo barbitúricos que incluem metaqualona, meprobanato e glutetimida. Os benzodiazepínicos são usados primeiramente como ansiolíticos, hipnóticos, antiepiléticos, relaxante muscular e anestésico e para combater os sintomas da abstinên- cia álcool. As síndromes de intoxicação induzidas por estas drogas são similares, com diferen- ças clínicas sutis observáveis e confirmadas com exames toxicológicos, especialmente nas intoxicações com baixas doses. A intoxicação com benzodiazepínicos pode estar associada a desinibição comportamental, resultando em comportamento agressivo ou hostil. O efeito é mais comum quando os benzodiazepínicos são consumidos em combi- nação com o álcool. A síndrome clínica de intoxicação por barbitúricos e substâncias do tipo barbitúricos não é diferenciável daquela associada à intoxicação com álcool. Os sintomas incluem lentidão, deficiência na coordenação, dificuldade para pensar, fraca memória, lentidão da fala e compreensão, julgamento comprometido, desinibição dos impulsos sexuais e agressivos, faixa estreita de atenção, instabilidade emocional e um exagero dos traços básicos da personalidade. Outros sintomas potenciais são hostilida- de, tendência a discussões, morosidade e, ocasionalmente, ideação paranóide e suicida. Os efeitos neurológicos incluem nistagmo, diplopia, estrabismo, marcha atáxica, hipotonia e reflexos superficiais diminuídos. Entre as conseqüências do seu uso prolongado se encontram a dependência física e psicológica como também um aumento da tolerância aos seus efeitos e ocorrência de sintomas de abstinência. Os sintomas de abstinência de benzodiazepínicos incluem ansi- edade, disforia, intolerância a luzes e ruídos altos, náusea, sudorese, contrações muscu- lares e, ocasionalmente, convulsões. A síndrome de abstinência de barbitúricos e substâncias tipo barbitúricos vai de sin- tomas leves (ansiedade, fraqueza, sudorese, insônia) a sintomas severos ( convulsão, delirium, colapso cardio-vascular, anorexia, alucinações, convulsões repetidas e morte). Tratamento e prevenção Silveira (1995) apresenta diversas abordagens terapêuticas utilizadas no tratamento de dependências: a manutenção da abstinência (ex.: Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, etc.); a substituição de uma dependência ilícita por outra similar, porém sob controle do médico (ex.: substituição do uso de heroína por metadona); o controle medicamentoso da sintomatologia associada às dependências (modelo psiquiátrico tradi- cional, com utilização de benzodiazepínicos); a adequação de indivíduos que apresentam
  • 187. 1 9 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI comportamentos desviantes a uma norma estatisticamente definida (modelos comportamentais); a reestruturação da personalidade que apresenta distúrbios no seu desenvolvimento (modelos psicoterápicos). O tratamento ao dependente de drogas é realizado em duas etapas. A primeira etapa consiste na desintoxicação, ou retirada da droga, por meio de atendimento ambulatorial ou internação (de acordo com o grau de comprometimento do indivíduo) e administração de medicamentos para minimizar sintomas decorrentes da abstinência ou eventuais dis- túrbios psiquiátricos associados. A segunda, na manutenção e reorganização da vida do indivíduo sem o uso prejudicial da droga, seja em regime de abstinência, seja em um contexto de uso recreativo. Vale ressaltar que, em casos de drogas que submetem seus usuários a severos estados de dependência e compulsão, tais como o crack ou a heroína, a reorganização da vida do seu usuário pode depender da adoção de uma droga substi- tuta, de efeito parecido porém mais tênue que a droga de eleição. Silveira relata que em sua experiência clínica diversos pacientes, abstêmios de crack, acabavam por utilizar a maconha como forma de minimizar os estados de abstinência do crack. O atendimento à família é indicado quando a família ou o cônjuge aparecem como elemento significativo na história do uso de drogas, seja como fator patogênico ou como recurso de cura. Quando a família é vista como recurso de cura, o atendimento em geral, breve, limita-se a um reconhecimento mútuo (família e instituição). Quando um casal procura atendimento em situação de conflito, em cujo centro está o abuso de drogas por um de seus membros, a terapia sistêmica possibilita o diálogo entre os interessados, em um clima cooperativo e não de julgamento, abrindo-se assim possibi- lidades de novas formas de convivência, nas quais a droga perde a função de comuni- cação. Existe atualmente um consenso por parte de especialistas e dependentes sobre a importância fundamental, quando isto é possível, do apoio e acompanhamento fami- liar em todas as etapas do tratamento. A terapia ocupacional pode possibilitar o desen- volvimento de canais de expressão e comunicação não-verbais, constituindo valioso recurso terapêutico complementar. Ancona-Lopez e Figueiredo (1990) apresentam vários tipos de psicoterapias com objetivos diversos: readaptação dos padrões de ação do indivíduo, por meio de orienta- ção e mudanças no ambiente; reeducação envolvendo conscientização dos conflitos, mudança de objetivos e aproveitamento mais amplo do potencial do indivíduo; e recons- trução do psiquismo que requer análise de conflitos e motivações conscientes e incons- cientes. Existem, ainda, as abordagens sociais, que implicam na manipulação do meio e retomada dos processos de socialização do indivíduo, como as comunidades terapêuti- cas, que desenvolvem uma programação que inclui avaliação, tratamento e transição de reentrada gradual do indivíduo a seu meio de origem. A fase de tratamento é prolongada e enfatiza a necessidade de desenvolver um trabalho produtivo na comunidade. O aconselhamento espiritual e religioso, que pressupõe a dependência de drogas como uma questão moral e espiritual, tem seu discurso permeado por uma filosofia do amor e utiliza técnicas terapêuticas grupais, baseando sua intervenção em persuasão, confis- sões, catarse e pressão do grupo. O Ministério da Saúde(1991) definiu diretrizes para a efetivação de uma política pública de saúde dirigida aos serviços de atenção aos problemas relativos ao abuso de drogas ou substâncias psicoativas. Aborda a questão do engajamento no tratamento, afirmando que a aderência do usuário ao tratamento depende também de uma postura
  • 188. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 9 1 tranqüila e desmistificadora a respeito da questão das drogas por parte do profissional de saúde, que deve sempre lembrar que está diante de um paciente, e não de um marginal ou delinqüente, ainda que este possa apresentar-se como tal. A educação preventiva tem um papel importante no uso abusivo de drogas. Pinto (1993, p.43) apresenta os três modelos mais utilizados. O amedrontador, que procura assustar o público-alvo com exagero e/ou ênfase nos sintomas. Por meio de palestras ou vídeos que divulguem os óbitos, exibam fotos de pessoas muito doentes e desfiguradas. O modelo de educação continuada, que se baseia na formação de multiplicadores, de forma que o público-alvo seja sujeito do seu próprio processo e possa trabalhar por si só, a partir das informações recebidas. Pressupõe a criação de mecanismos que possam combinar sensibilização e atualização constante de informações. O trabalho é desenvol- vido coletivamente, por meio de oficinas, e propicia não só a troca de informações mas também de angústias, fracassos e êxitos. O modelo de redução de danos procura reduzir as situações de risco mais constantes para um determinado público-alvo, embora não trate de todas as situações de risco à saúde. Ex.: distribuição e troca de seringas entre usuários de drogas injetáveis para prevenção de AIDS. Considerações finais Os problemas decorrentes do uso abusivo de drogas se configuram como um proble- ma de Saúde Pública com desdobramentos em todas as áreas da vida da população e demandam um esforço de toda a sociedade civil para sua superação. O enfrentamento desses problemas passa por um debate com toda a população sobre políticas de saúde, de prevenção e da transformação da realidade social brasileira. É extremamente necessária a revisão de todas as políticas adotadas até agora na medida em que o agravamento das questões de saúde pública relacionadas ao consumo de cigarro e de álcool, e a violência que circunda o uso de consumo de drogas ilícitas com o assassinato diário de jovens, crianças e adolescentes, nos dão mostras de que o atual tratamento dispensado ao problema é extremamente inadequado. Não existem soluções prontas, mas experiências bem-sucedidas em todo o mundo nos indicam que não há combate bem-sucedido ao uso abusivo de drogas (sejam lícitas ou ilícitas) sem o combate à miséria, às desigualdades sociais, e sem que se consiga a melhoria da condições de vida de toda a população. Bibliografia consultada e recomendada ADOLESCÊNCIA E SAÚDE. Comissão de Saúde do Adolescente. São Paulo: Paris Editorial, Secretaria de Estado da Saúde, 1988. ANCONA-LOPEZ, M; Figueiredo, L.C. Guia Psi. Quando e quem procurar se você ou alguém de sua família necessita de atendimento psicológico. São Paulo: Marco Zero, 1990. ARAÚJO LIMA, Luís C. O vício e a violência. O cotidiano do crack e as narrativas do vício. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) Pontifícia Universidade Católica. São Paulo, 1997. CID-10. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Organização Mundial de Saúde; tradução Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. 3. ed. São Paulo: Edusp, 1996.
  • 189. 1 9 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI DSM-IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Tradução Dayse Batista. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GARDUROZ, José Carlos F., ANDREATINI, Roberto, In: FORMIGONI, Ma. Lucia O.S. (Coord.). A intervenção breve na dependência de drogas: a experiência brasileira. São Paulo: Contex- to, 1992. GRAEFF, Frederico Guilherme. Drogas psicotrópicas e seu modo de ação. São Paulo: EPU, 1984. GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade. São Paulo: Editora UNESP, 1993. LIMA, Elson S. Drogas nas Escolas: Quem consome o quê? In: Papel da educação na ação preventiva ao abuso de drogas e às DST/AIDS / Cibele de Moraes Amaro... [et al.]; Devanil A. Tozzi, Nivaldo Leal dos Santos, coordenadores. São Paulo: FDE, Diretoria de Projetos Especi- ais/Diretoria Técnica, 1996. 250p. (Série Idéias, 29). MINISTÉRIO DA SAÚDE - Departamento de Programas de Saúde. Coordenação de Saúde Men- tal. Normas e procedimentos na abordagem do abuso de drogas. Brasília, 1991. Papel da educação na ação preventiva ao abuso de drogas e às DST/AIDS / Cibele de Moraes Amaro...[et al.]; Devanil A. Tozzi, Nivaldo Leal dos Santos, coordenadores. São Paulo: FDE, 1996 (Série Idéias, 29). SILVEIRA, Dartiu. Drogas, Vícios: Conceitos e Preconceitos. Revista da Sociedade Junguiana nº12,1994. _________, Abordagens Terapêuticas. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assis- tência à Saúde. Coordenação do PN DST/AIDS. Drogas, AIDS e Sociedade. Brasília: Coorde- nação-Geral de Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS, 1995. SOLLERO, Lauro. Farmacodependência. Rio de Janeiro: Agir, 1979. WÜSTHOF, Roberto. O que é prevenção de drogas. São Paulo: Brasiliense, 1991. (Coleção Pri- meiros Passos, v. 252). Algumas Referências para Orientações e Pesquisas CEBRID– CentroBrasileirodeInformaçõessobreDrogasPsicotrópicasdaUniversidadeFede- ral de São Paulo - Dr. Elisaldo A. Carlini (coordenador) Tel. (011) 5390155 fax (011) 5084.2793 e-mail: cebrid@psicobio.epm.br GREA – Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP – Dr. Artur Guerra (coordenador) Tel. (011) 644973 PROAD – Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes de Drogas da Universidade Federal de São Paulo. Dr. Dartiu Xavier Silveira (diretor) Tel. (011) 576 4472 UNIAD – Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo Dr. Ronaldo Laranjeira (coordenador) Tel. (011) 576 4341 e-mail: laranjeira@psiquiatria.emp.br. VIII - Saúde mental Valéria Pereira Marlene Fragoso Nabarro Luís Carlos de Araújo Lima Introdução A saúde mental não pode ser compreendida descontextualizada da saúde num senti- do mais amplo. Saúde, hoje, não é mais concebida como ausência de doença, mas como uma complexa inter-relação de fatores que dizem respeito à relação do homem com o seu meio social. O binômio saúde-doença, por sua vez, não pode ser compreendido isolado do contexto sócio-histórico-cultural; os aspectos sociais devem ser considerados
  • 190. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 9 3 tanto na compreensão dos processos de adoecimento, quanto nos modelos e propostas de tratamento adotados. Só mais recentemente os problemas de saúde mental têm sido abordados nas discus- sões mundiais sobre saúde. Historicamente, a preocupação e a produção de conheci- mento sobre a saúde mental se deu a partir das áreas de saúde que lidavam diretamente com a doença mental, as enfermidades, os pacientes, os desvios da norma. A 4a Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada em Jacarta, em 1997, é a primeira a incluir o setor privado no apoio à promoção da saúde e reconhece que os problemas de saúde mental necessitam de providências urgentes, assim como as doenças infecciosas, novas e re-emergentes. Apresenta como pré-requisitos da saúde a paz, o abrigo, a instrução, a segurança social, as relações sociais, o alimento, a renda, o direito de voz das mulheres, um ecossistema estável, o uso sustentável dos recursos, a justiça social, o respeito aos direitos humanos e a equidade. Aponta a pobreza como a maior ameaça à saúde, além das tendências demográficas tais como a urbanização, o aumento no número de pessoas idosas e a prevalência de doenças crônicas, um compor- tamento mais sedentário, a resistência a antibióticos, o maior uso abusivo de drogas, a violência civil e doméstica. A “loucura” não é um fenômeno exclusivo da modernidade. Na Idade Média, as doenças eram consideradas problemas religiosos (castigo divino) e era a Igreja que se encarregava dos doentes (leprosários, obras de caridade e estabelecimentos hospita- lares). Os doentes mentais foram tratados no mesmo modelo de exclusão (com obje- tivo de controle) com que foram tratados os leprosos (até nos mesmos equipamentos, a partir do momento em que a lepra já havia sido controlada). É sob a influência do modo de internamento, tal como ele se constitui no século XVII, que a doença venérea se isolou, numa certa medida, de seu contexto médico e se integrou ao lado da loucura, num espaço moral de exclusão (Foucault, 1993). Progressivamente, a administração dos hospitais passou à responsabilidade da cidade, e os loucos passaram a ser tratados como doentes mentais e internados nos asilos ou hospitais psiquiátricos, perpetuando o preconceito e a exclusão. A Psiquiatriasurgiu no início do século XIX, nomomentoemqueosvaloresiluministas proclamavam o paradigma de racionalidade, a loucura era vista como des-razão e os loucos, vítimas da grande internação, eram acorrentados nos hospitais gerais. Despossuídos de razão e vontade, os loucos eram considerados incapazes de preservar os seus direitos sociais e sem discernimento para usufruir da liberdade. O objetivo da Psiquiatria era restituir o louco ao universo do contrato social e do exercício da cidada- nia, controlar seus excessos, e transformá-lo num sujeito da razão e da vontade (Brandão, 1998). A Psiquiatria se desenvolveu por meio de estudos neuroanatomofisiológicos que objetivavam identificar causas orgânicas para a doença mental. Sua produção de conhe- cimento deu-se mediante a delimitação das enfermidades psíquicas que passaram a ser concebidas como unidades independentes. Kraepelin propôs o conceito de unidade nosológica, um critério de classificação das patologias que agrupava causas comuns, sintomas e evolução do quadro semelhantes. Posteriormente, outros autores contribuí- ram para a classificação das doenças mentais, propondo novos tipos, fazendo descrições mais detalhadas, e apresentando subtipos às patologias por ele propostas.
  • 191. 1 9 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Esse enfoque organicista ainda hoje é bastante presente, e os avanços tecnológicos permitem pesquisas cada vez mais complexas das desordens biológicas, que poderiam vir a explicar a doença mental (neurotransmissores, genética molecular, etc). A indústria farmacêutica patrocina boa parte destas pesquisas e a cada ano lança novos medica- mentos no mercado para corrigir e controlar comportamentos que fogem ao padrão socialmente definido. Psiquiatras como o sul-africano David Cooper e o inglês Ronald Laing questionaram as premissas científicas e filosóficas, métodos de estudo e prática psiquiátrica tradicio- nal, por considerar que fornecem uma visão fragmentada da mente humana e de seus desvios. Cooper utilizou pela primeira vez o termo antipsiquiatria no seu livro Psiquia- tria e Antipsiquiatria (1967). Os movimentos de antipsiquiatria revolucionaram o conceito de doença mental e as formas de tratamento, buscando a integração do “paci- ente” psiquiátrico na comunidade, combatendo o estereótipo e o preconceito, tornando possível uma mudança na compreensão dos problemas psicológicos, diferente do enfoque organicista dos critérios nosológicos, que colocava o sujeito na condição inapelável de “doente” (Macedo, 1986). Mas o impacto desses movimentos sobre as instituições psi- quiátricas, apesar de relevante, ainda não atingiu as metas propostas. O Brasil lidera, ainda hoje, a lista de países com maior quantidade de pacientes em manicômios. O Asylo de Alienados do Juquery, maior hospital psiquiátrico do Brasil, localizado no município de Franco da Rocha, em São Paulo, fez 100 anos em 1998. Desde o prin- cípio, servia de abrigo para todos os que fossem considerados “improdutivos”, por pro- blemas físicos ou mentais, imigrantes, mendigos, marginais, apresentando um cresci- mento espantoso durante a ditadura militar. Hoje, dos cerca de 1.670 pacientes, apenas 25% são apontados como “doentes mentais”. Um dos motivos para tão alto índice de pacientes sem diagnóstico que justifique a internação é o abandono pela família ou ou- tras instituições. A família nem sempre tem recursos (financeiros e internos) para lidar com uma pessoa que precisa de atendimentos especiais. A sociedade não consegue conviver com aqueles que entende como diferentes. O abandono sistemático dos paci- entes era também favorecido pela prática psiquiátrica que cuidava do paciente isolado do seu núcleo familiar. O trabalho com a família (orientação) capacita seus membros para lidar com o problema e verificar em que medida estão implicados na produção ou manutenção do sintoma e como podem favorecer a recuperação. O Movimento de Luta Antimanicomial procura reverter este quadro no Brasil há mais de uma década. Congrega usuários de saúde mental e familiares, trabalhadores, entidades formadoras, parlamentares, sindicatos e conselhos profissionais da área da saúde, na luta pela reformulação da assistência em saúde mental, por atendimentos de qualidade, que garantam a cidadania dos indivíduos, e pela extinção dos hospitais psiqui- átricos nos quais os pacientes permanecem confinados e têm seus direitos humanos violados. A Carta de Direitos dos Usuários e Familiares de Serviços de Saúde Mental, de 1993, defende que a atenção em saúde mental deve ser realizada em serviços abertos e o menos restritos possível – hospitais-gerais, centros e núcleos de atenção psicossocial, centros de convivência e cooperativas, hospitais dia e noite, lares e pensões abrigados, associações comunitárias e grupos de auto-ajuda –, e ressalta os direitos dos usuários, como o acesso às informações contidas no prontuário, a informação das opções de serviços e tratamentos em linguagem do seu entendimento, devendo a decisão final
  • 192. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 9 5 contar com o seu consentimento ou de pessoa de sua confiança. O atendimento às crianças e adolescentes tem que ser realizados em serviços especializados que garan- tam os direitos reconhecidos no Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente (CRP-06, 1997). Obviamente, há casos em que a internação se faz necessária – por ex. quando a pessoa pode colocar em risco a sua própria vida e a de outros; quando o contato com a realidade está comprometido; na contenção de surtos ou síndromes de abstinência, até que a medicação faça efeito e os conflitos possam ser trabalhados em atendimentos ambulatoriais, psicoterapia etc. – mas o modelo de atenção psiquiátrica não pode ser baseado em hospitais psiquiátricos, devendo contar com uma rede de atendimento em emergências e enfermarias de saúde mental em pronto-socorros e hospitais gerais, resi- dências terapêuticas e hospitais-dia. A internação durante décadas, com uma rotina ociosa, sem estimulação adequada nem exercício de cidadania, promove no psiquismo a experiência da negação de sua subjetividade, do individual, do que distingue uma pessoa de outras pessoas fazendo que ela seja única, enquanto qualquer serviço de saúde men- tal deveria promovê-los. Atenção em saúde mental A atenção em saúde mental deve acontecer em três níveis fundamentais: a aten- ção comunitária, primária e secundária. A atenção comunitária é composta pelos trabalhadores que atuam na comunidade (como parte de programas de saúde, de trabalho social, de educação etc.), responde pelo trabalho nas famílias e comunidade, apoio e socialização, detecção da demanda e encaminhamento dos casos que não podem ser acompanhados nesse nível. A atenção primária é composta pelos Centros de Saúde, responsáveis pelo atendi- mento dos casos simples, detecção de demanda e diagnósticos e tratamento de pacien- tes com depressão leve, reação de ansiedade, epilepsia, alcoolismo, doenças psicossomáticas, casos de neurose e psicose em estado de manutenção terapêutica en- tre outros. Coleta dos dados essenciais e referência dos casos que não podem ser aten- didos nesse nível. Supervisão do pessoal comunitário e educação. A atenção secundária é composta pelo sistema de atenção psiquiátrica (hospital psiquiátrico e hospitais gerais que atendem enfermos mentais). É responsável pelo diag- nóstico, manejo dos casos graves e encaminhamento dos casos que podem ser acompa- nhados no nível de atenção primária ou comunitária, formação e supervisão do pessoal de atenção primária, coleta de dados, acompanhamento nos hospitais gerais e trabalho para substituir a utilização do manicômio (anteriormente definida como atenção terciária) como tratamento. Abordamos aqui uma concepção psicossocial de saúde mental que considera a importância da dinâmica social no sofrimento mental e se caracteriza por uma tentativa de ultrapassar a organização exclusivamente médica do trabalho e da atenção em saúde mental – racionalizando a distribuição do trabalho e das responsabilidades na equipe, ultrapassando a rigidez dos papéis, diminuindo a burocracia e procurando utilizar todas as medidas terapêuticas disponíveis, não somente os psicofármacos, mas também o manejo psicoterapêutico e a intervenção no meio. Este modelo de atenção em saúde mental utiliza estudos epidemiológicos
  • 193. 1 9 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI (monitoramento da ocorrência de fenômenos de saúde mental na população) para iden- tificar características regionais e nacionais, avaliar o impacto das intervenções, redimensionar os recursos humanos e materiais disponíveis e planejar atividades preven- tivas. “Para melhorar a saúde mental é indispensável dispor de dados concretos so- bre os recursos e serviços existentes; em conseqüência deve-se estabelecer um sistema de avaliação contínua de toda nova atividade. É importante conhecer a proporção de sujeitos que necessitam de assistência no setor de saúde mental e que realmente a recebem. Quando os recursos são limitados, assim mesmo é impor- tante saber se é dada prioridade aos transtornos mais urgentes e mais incapacitantes e se os serviços disponíveis estão bem distribuídos” (Saraceno, 1997). Alguns dados sobre a ocorrência dos transtornos mentais na população brasileira Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, 35% da população tem algum tipo de transtorno mental. O anuário estatístico do IBGE indica que ocorreram 443.656 internações psiquiátricas em todo o território nacional no ano de 1995 a um custo de R$ 304.817.894. O Estado de São Paulo responde com 149.213 internações, o que representa 33,63 % das internações em nível nacional. Matéria jornalística publicada na Folha de S. Paulo no dia 29 de novembro de 1998, com o título “Socialização é mais rápida fora de hospital”, informa que o valor mensal gasto pelo SUS por cada paciente internado em hospital psiquiátrico é de R$ 700,00 mais que o dobro do custo de uma outra forma de atenção baseada na ressocialização dos portadores de transtornos mentais por meio de lares abrigados, a um custo de R$ 300/ mês por cada morador. Os serviços alternativos à internação psiquiátrica possibilitam, além de uma tratamento mais eficaz, a realização de pesquisas que nos fornecem infor- mações preciosas acerca dos indicadores de sofrimento mental da população da comu- nidade abrangida pelo serviço de saúde. Pesquisa realizada pela psiquiatra Laura Silveira Guerra de Andrade, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, com 1.464 pessoas, em 95 e 96 na região de Pinheiros, na cidade de São Paulo, constatou que apenas 25% das pessoas que tiveram transtorno mental e foram atendidas nos serviços de saúde um mês antes de responder aos questionários contaram com ajuda psicológica e que 46% da população daquela região já teve algum tipo de transtorno mental ao longo da vida. A pesquisadora concluiu que os serviços não estão preparados para diagnosticar, nos pacientes que recebem, transtornos como depressão, ansiedade, dependência química ou fobias. Sinto- mas físicos são medicados como se não estivessem relacionados a problemas psicológi- cos. A coordenadora de saúde mental da região na Secretaria de Estado da Saúde, Luizemir Lago, diz que, quando o programa de saúde mental do Estado começou a ser implantado, há cerca de oito anos, cada posto de saúde do Estado tinha um psiquiatra. Hoje, restam alguns poucos, principalmente por causa dos baixos salários. São considerados transtornos mentais os problemas psicológicos que, ao alterar o comportamento das pessoas, prejudicam sua vida profissional ou relacionamento social. O hábito de fumar, por ex., só é considerado um transtorno mental se a pessoa
  • 194. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 9 7 acorda muitas vezes durante a noite para fumar, deixa de viajar de avião para não ter que ficar sem o cigarro e perde compromissos. A dependência de nicotina é o transtorno mental mais freqüente, atingindo 25% das pessoas, seguido pela desordem afetiva, 18,4% e depressão, 18 %. A ansiedade 12,5%, as fobias, 8,4% (conforme quadro abaixo). A pesquisadora afirma que os dados da pesquisa demonstram os principais sintomas dos habitantes dos grandes centros urba- nos, onde o tempo para o lazer é reduzido, e que pesquisas anteriores feitas em grandes cidades de outros países chegaram a resultados muito parecidos. TranstornosFreqüência ...................................... (%) Dependência de Nicotina .......................................... 25 Desordem Afetiva .................................................. 18,4 Depressão e Depressão Crônica............................... 18 Ansiedade ............................................................... 12,5 Fobias........................................................................ 8,4 Dependência de Álcool ............................................ 5,5 Fobia Social............................................................... 3,5 Síndrome do Pânico .................................................. 1,6 O modelo médico de classificação dos transtornos mentais Dentre as classificações dos transtornos mentais mais utilizadas atualmente no modelo médico, destacamos a CID-10 – Classificação Internacional de Doenças, da Organização Mundial de Saúde –, e o DSM-IV – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria. A décima revisão da CID foi publicada em 1992 e a quarta edição do DSM foi publicada em 1994. Os dois grupos de trabalho sofreram influências mútuas. A categorização estatística dos sintomas visa obter uma maior compreensão dos transtornos mentais. O diagnóstico é realizado a partir da descrição dos sintomas e do comportamento manifesto, sem interpretação ou comprometimento com teorias etiológicas. A classificação é realizada sobre a patologia, o quadro, os sintomas e as síndromes que o indivíduo apresenta num determinado momento. Se por um lado o DSM-IV é reconhecido por suas normas internacionais na defini- ção do diagnóstico, sua opção pela descrição objetiva que não considera os dinamismos intrapsíquicos nem as causas dos transtornos tem lhe rendido freqüentes críticas de biologização do sofrimento mental. Alguns autores criticam a complexidade (pouco prá- tica) de suas categorias diagnósticas articuladas e requintadas. No DSM-IV, os transtornos são agrupados em 17 categorias diagnósticas (16 prin- cipais e uma adicional). Transtorno é a expressão utilizada atualmente no diagnóstico médico, uma vez que pode dizer respeito a uma perturbação, um comprometimento fun- cional de intensidade variável, um funcionamento mal-adaptativo, de sistemas ou fun- ções físicas ou psíquicas. As categorias diagnósticas serão apresentadas a seguir num breve resumo: Os transtornos diagnosticados pela primeira vez na infância agrupam aqueles transtornos que em geral são diagnosticados na infância ou adolescência. Entre eles, destacam-se: retardo mental (funcionamento intelectual significativamente abaixo da
  • 195. 1 9 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI média); transtornos de aprendizagem (funcionamento acadêmico substancialmente abaixo do esperado, tendo em vista a idade cronológica, medidas de inteligência e educa- ção apropriada à idade); transtornos das habilidades motoras (coordenação motora substancialmente abaixo do esperado); transtornos da comunicação (dificuldades na fala ou linguagem); transtornos invasivos do desenvolvimento (severo déficit e prejuízos em diferentes áreas, cognitiva, motora, social, interação e de linguagem em múltiplas áreas do desenvolvimento, incluindo interação social recíproca, comunicação e apresentação de comportamentos, interesses e atividades estereotipados); transtornos de déficit de atenção (sintomas proeminentes de desatenção e/ou hiperatividade- impulsividade) e transtornos disruptivos (violação dos direitos do outro, normas ou regras sociais apropriadas à idade, comportamento negativista, hostil e desafiador); trans- tornos de alimentação da primeira infância (perturbações persistentes na alimenta- ção, como por ex. rejeição sistemática, vômitos, etc.); transtornos de tique (vocais ou motores); transtornos da excreção (repetidas evacuações ou eliminação de urina em locais impróprios) e outros transtornos da infância ou da adolescência que incluem o transtorno de ansiedade de separação (ansiedade excessiva em termos evolutivos envolvendo a separação da casa ou das pessoas a quem a criança tem apego); mutismo seletivo (fracasso seletivo para falar em situações sociais específicas, apesar de falar em outras); transtorno de apego reativo (ligações sociais acentuadamente perturba- das e inadequadas ao estágio evolutivo); transtorno de movimento estereotipado (comportamento motor repetitivo, aparentemente impulsivo e não funcional, que interfe- re acentuadamente nas atividades normais e ocasionalmente pode resultar em lesões corporais). Delirium, demência, transtorno amnético e outros transtornos cognitivos cons- tituem uma categoria que agrupa aqueles transtornos nos quais a perturbação predomi- nante é um prejuízo clinicamente significativo na cognição ou na memória, quando se compara ao que o paciente apresentava anteriormente (são, portanto, transtornos que acontecem depois da capacidade já ter sido desenvolvida). Os transtornos mentais devido à condição médica geral são caracterizados pela presença de sintomas mentais considerados como conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral presente, no qual existam evidências a partir da história, exame físico ou achados laboratoriais. Nesses casos, embora não haja diretrizes infalí- veis para determinar uma relação de causa-efeito, algumas considerações oferecem alguma orientação: a associação temporal entre ambos, a presença de características atípicas do transtorno mental primário (ex.: alterações de humor de problemas de tireóide, depressão associada a epilepsia). Os transtornos relacionados a substâncias incluem desde os transtornos relacio- nados ao consumo de uma droga de abuso, até os efeitos colaterais de um medicamento e a exposição a toxinas. (Os trantornos relacionados a substâncias podem ser consulta- dos no capítulo referente ao uso abusivo de drogas). A esquizofrenia e outros transtornos psicóticos agrupam os transtornos que apresentam como aspecto definidor a presença de sintomas psicóticos, relacionados a delírios e alucinações proeminentes, discurso desorganizado ou comportamento desor- ganizado ou catatônico. Nesta categoria encontram-se vários transtornos dos quais des- tacamos a esquizofrenia. O diagnóstico da esquizofrenia envolve uma constelação de
  • 196. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 1 9 9 sintomas característicos de disfunções cognitivas e emocionais que acometem a percep- ção, o pensamento inferencial, a linguagem e a comunicação, o monitoramento comportamental, o afeto, a fluência e produtividade do pensamento e do discurso, a capacidade hedônica, a volição, o impulso e a atenção, associados a acentuada disfunção social ou ocupacional. Os transtornos do humor têm como característica predominante uma perturbação no humor. Essa categoria agrupa os transtornos depressivos (o indivíduo sente angústia, ansiedade, desânimo e falta de energia, fica deprimido, melancólico, “pra baixo”) e o transtorno bipolar, antigamente denominado psicose maníaco-depressiva, com uma alternância entre períodos depressivos e de euforia/mania (falta de senso crítico, desinibição, hipersexualidade, energia e otimismo aumentado, avaliação distorcida da realidade). Trazem incapacitação e prejuízo importante à vida do paciente, muitas vezes colocando-a em risco. Os transtornos de ansiedade (ansiedade é a antecipação apreensiva de um futuro perigo ou infortúnio interno ou externo) agrupam transtornos tais como: transtornos de pânico caracterizado por ataques de pânico inesperados e recorrentes (início súbito de apreensão, temor ou terror, freqüentemente associados a sentimentos de catástrofe imi- nente); agorafobia (ansiedade ou esquiva a locais ou situações das quais poderia ser difícil ou embaraçoso escapar); fobia específica (dirigida a um objeto ou situação); fobia social (certos tipos de situações sociais ou de desempenho); transtorno obses- sivo-compulsivo (obsessões que causam acentuada ansiedade e compulsões que ser- vem para descarregar a ansiedade; ex., lavar inúmeras vezes as mãos); transtorno de estresse pós-traumático (revivência de evento extremamente traumático), entre ou- tros. Os transtornos somatoformes são caracterizados pela presença de sintomas físi- cos sem a existência de uma condição médica geral diagnosticável que explique plena- mente os sintomas físicos. Esta categoria agrupa o transtorno de somatização (histo- ricamente chamado de histeria, combinação de dor, sintomas gastrintestinais, sexuais e pseudoneurológicos), o transtorno somatoforme indiferenciado (queixas físicas inexplicáveis com duração de 6 meses ou mais), o transtorno conversivo (sintomas ou déficits motores que sugerem condição neurológica), transtorno doloroso (caracteri- zado pela dor como foco predominante), hipocondria (preocupação com medo ou idéia de ter uma doença grave, com base em interpretação errônea de sintomas ou funções corporais) e transtorno dismórfico corporal (preocupação com um defeito imaginado ou exagerado na aparência física). Os transtornos factícios são caracterizados por sintomas físicos, psicológicos ou combinados, intencionalmente produzidos ou simulados para que o indivíduo possa assu- mir o papel de doente. A apresentação pode incluir a fabricação de queixas subjetivas (por ex., queixas de dor abdominal aguda na ausência de qualquer dor desta espécie; conduções auto-infligidas, como produção de abscessos por injeção subcutânea de sali- va), exagero ou exacerbação de condições médicas gerais preexistentes (por ex., simu- lação de uma convulsão quando há história prévia de transtorno convulsivo) ou qualquer combinação ou variação destes elementos. No comportamento factício não há incenti- vos externos, o que o diferencia do ato de simulação, no qual há um objetivo específico e perceptível, por ex. ganho econômico, esquiva de responsabilidades legais e o sujeito
  • 197. 2 0 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI poderia simular os sintomas para conseguir uma pensão ou evitar a prisão. A presença de sintomas factícios não exclui a coexistência de sintomas somáticos ou psicológicos verdadeiros. Os transtornos dissociativos caracterizam-se essencialmente por uma perturba- ção nas funções habitualmente integradas de consciência, memória, identidade ou per- cepção do ambiente. O distúrbio pode ser súbito ou gradual, transitório ou crônico, esta categoria compreende os seguintes transtornos: amnésia dissociativa, fuga dissociativa, transtorno dissociativo de identidade, transtorno de despersonalização. Os transtornos sexuais e da identidade de gênero agrupam três categorias: as disfunções sexuais, caracterizadas por uma perturbação no desejo sexual e nas altera- ções psicofisiológicas que caracterizam o ciclo de resposta sexual (excitação, orgasmo e resolução), causando sofrimento acentuado e dificuldade interpessoal (ex.: aversão se- xual, ejaculação precoce, disfunção erétil, vaginismo, etc.); parafilias, caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos (fetichismo), sofrimento ou humilhação (masoquismo), crianças com 13 anos ou menos (pedofilia), pessoas sem o seu consentimento (frotteurismo), entre outros; e os transtornos da identidade de gênero, apresentando forte e persistente identifica- ção com o gênero oposto e desconforto com o próprio sexo, ou sensação de inadequação no papel de gênero deste sexo. As situações incomuns causam sofrimento ou prejuízo em alguma área importante da vida do indivíduo. Os transtornos alimentares caracterizam-se por severas perturbações no com- portamento alimentar como a anorexia nervosa (recusa em manter o peso corporal em uma faixa normal mínima), a bulimia nervosa (episódios repetidos de compulsões ali- mentares seguidos de compensações como vômitos auto-induzidos ou uso de laxantes, ou outros medicamentos, jejuns e exercícios excessivos), e transtorno alimentar sem especificação. Os transtornos do sono são agrupados em quatro sessões principais, de acordo com a suposta etiologia. Os transtornos primários do sono decorrem de anormalida- des endógenas nos mecanismos de geração ou nos horários de sono/vigília. Quando o transtorno do sono está relacionado a outro transtorno mental (por ex., transtor- no de humor ou transtorno de ansiedade), é necessária uma atenção clínica independen- te. O transtorno de sono devido a uma condição médica envolve efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral sobre o sistema de sono/vigília. O transtorno de sono induzido por substância envolve o uso atual ou descontinuação recente do uso de uma substância. Há transtornos do controle dos impulsos não classificados em outro local. A característica essencial dos transtornos do controle dos impulsos é o fracasso em resistir a um impulso ou tentação de executar um ato perigoso para a própria pessoa ou para outros. Nesta categoria agrupam-se alguns transtornos tais como a cleptomania (impul- so incontrolável para o furto), a piromania (impulso incontrolável de atear fogo) e a tricotilomania (puxar de forma recorrente os próprios cabelos). Os transtornos da personalidade podem ser definidos como um padrão persisten- te e relativamente estável ao longo do tempo num modo de pensar, sentir ou se compor- tar, que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, que é invasivo e inflexível. Tem seu início na adolescência ou começo da idade adulta, é estável ao
  • 198. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 0 1 longo do tempo e provoca sofrimento ou prejuízo. São 10 os transtornos agrupados nesta seção, subdivididos em 3 grupos: esquisito-excêntrico: paranóide (desconfiança e suspeitas, os motivos dos ou- tros são interpretados como malévolos), esquizóide (distanciamento dos relacionamen- tos sociais, com uma faixa restrita de expressão emocional) e esquizotípica (descon- forto agudo em relacionamentos íntimos, distorções cognitivas ou da percepção de com- portamento excêntrico); dramático-emotivo: anti-social (desconsideração ou violação dos direitos dos outros), borderline (instabilidade nos relacionamentos interpessoais, auto-imagem e afetos, bem como uma acentuada impulsividade), histriônica (excessiva emotividade e busca de atenção) e narcisista (grandiosidade, necessidade por admiração e falta de empatia); ansioso-medroso: esquiva (inibição social, sentimentos de inadequação e hipersensibilidade a avaliações negativas), dependente (comportamento submisso e aderente, necessidade excessiva de proteção e cuidados), obsessivo-compulsiva (pre- ocupação com organização, perfeccionismo e controle). Outras condições que podem ser um foco de atenção clínica constituem uma categoria que inclui fatores psicológicos que afetam a condição médica, transtornos do movimentos induzidos por medicamentos, problemas de relacionamento, problemas rela- cionados ao abuso ou negligência (abuso físico, sexual ou negligência da criança, ou do adulto) e condições adicionais que podem ser foco de atenção clínica (problema de identidade, religioso, de aculturação, problema de fase da vida). Diagnóstico e prognóstico Talvez essas categorias diagnósticas tenham sugerido (ou descrito) características próprias ou de pessoas próximas (parentes, amigos). Isso é possível uma vez que elas abordam reações humanas, anseios, desejos e medos. Mas uma característica só atinge o nível de transtorno quando “promove um sofrimento clinicamente significativo”, isto é quando incomoda a pessoa, promove perdas nas suas relações afetivas, financeiras, ou de trabalho, quando a pessoa passa a se esquivar (evitar determinadas situações) em função dela. Assim, de maneira nenhuma o indivíduo é capaz de fazer um “auto-diag- nóstico”. O diagnóstico de um transtorno mental precisa satisfazer critérios que não foram aqui descritos. Apenas um profissional de saúde mental treinado (psicólogo, psi- quiatra) pode realizar um diagnóstico com segurança, definindo inclusive o tipo de inter- venção necessária. O diagnóstico tem um papel fundamental no modelo médico, fornece uma descrição dos sintomas que permite indicar a estratégia de intervenção (tratamento mais adequado para cada quadro) e estabelecer o prognóstico (prever o desenvolvimento da enfermida- de). Saraceno (1997) questiona a importância atribuída ao diagnóstico em saúde mental e chama a atenção para as suas limitações no sentido de definir o prognóstico, destacan- do outras variáveis que interferem no tratamento e que seriam capazes de explicar diferentes evoluções e resultados a partir de um mesmo diagnóstico: histórico da enfermidade, agudez ou cronicidade do quadro; recursos ou características individuais do paciente: (nível intelectual e grau
  • 199. 2 0 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI de informação, status social, sexo e idade); meio familiar: nível de patologia relacional dos familiares, status social da família; (segundo o autor, essa variável fornece mais informação sobre a estratégia de interven- ção e desenvolvimento da doença que o próprio diagnóstico); rede de apoio social: solidariedade/hostilidade dos familiares e vizinhos, nível de agregação/desagregação social do meio onde vive o paciente (bairro, cidade); recursos dos serviços de atenção em saúde mental: espaço físico, medicamen- tos, profissionais de saúde, organização, acesso da população aos serviços, integração entre os vários serviços de saúde e estilo de trabalho da equipe de saúde mental; recursos do contexto do serviço de atenção: solidariedade de outras organi- zações presentes no contexto, qualidade e eficiência do sistema de saúde do país, atitude positiva ou negativa por parte da organização sanitária para com as iniciativas da equipe de saúde mental. Algumas modalidades de tratamento A psicoterapia pode ser definida como uma relação interpessoal que se caracteriza pela escuta do psicoterapeuta, que propicia ao paciente uma reflexão sobre o que está sendo comunicado. As intervenções variam de acordo com as concepções teóricas, mas visam, em geral, um maior autoconhecimento (relações entre os seus sintomas e suas experiências), a melhoria da capacidade de adaptação, o alívio do sofrimento, o aumento da autonomia nas decisões e a busca de uma vida mais plena utilizando suas potencialidades. A reabilitação pode ser definida como o trabalho sobre os aspectos de incapacidade do paciente, objetivando o restabelecimento das relações afetivas e sociais, dos direitos na comunidade e do poder social, na medida em que se reconhece a existência de uma relação muito estreita entre saúde mental e fatores psicossociais. A psicofarmacologia consiste em promover por meio de princípios farmacologicamente ativos uma ação terapêutica sintomática (modificação no organis- mo humano), no nível bioquímico (como os antipsicópicos) ou funcional (como os benzodiazepínicos). É utilizada quando o objetivo da intervenção é controlar ou suprimir uma expressão do problema que é nociva ou muito incômoda ao paciente ou que impede uma comunicação (interação) entre o paciente, seu ambiente e o meio assistencial, que se acredita útil. A eficácia curativa nas enfermidades mentais tem sido alvo de investi- gações, que procuram relacionar transtornos funcionais específicos com alterações nos neurotransmisssores que poderiam ser controladas com medicamentos. Os grupos de auto-ajuda são uma forma de organização fundamentada na eleição de um objetivo comum que consegue congregar pessoas de diversas classes sociais e de diferentes credos religiosos. Neles, as pessoas encontram acolhida, suas experiências podem ser ouvidas e reconhecidas na sua especificidade, o que parece ser responsável pelos elevados níveis de adesão. As estratégias são centradas na modificação dos com- portamentos considerados prejudiciais ao sujeito. Ex.: Alcoólatras Anônimos, Neuróti- cos Anônimos, Comedores Compulsivos, Vigilantes do Peso, etc. As práticas alternativas vêm sendo procuradas para resolução de problemas de saúde e, embora não sejam consideradas uma modalidade de tratamento em saúde, são
  • 200. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 0 3 um fenômeno que tem ocupado muitos pesquisadores da área da saúde. São práticas que propõem autoconhecimento, desenvolvimento da consciência e desbloqueio emoci- onal, utilizando técnicas que não têm comprovação científica ou se baseiam em “crenças cosmológicas” (concepções de morte, vida e destino), não passíveis de avaliação cientí- fica. Incluem-se sob esta denominação genérica conjuntos heterogêneos de atividades: técnicas advinhatórias e de descrição de personalidade, como tarô e astrologia; técnicas de medicina alternativa, como florais, e esotéricas, como harmonização energética, an- jos e gnomos (Tourinho e Carvalho Neto, 1995). A procura por tais práticas para trata- mento de problemas de saúde denuncia a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, como também de adesão aos tratamentos propostos que, com freqüência, não conside- ram o sujeito como um todo, nem as especificidades de seu contexto sócio-cultural. Cientistas sociais entendem a proliferação das práticas alternativas como uma reação à opressão do humano pela objetividade social e ao afastamento da psicologia de questões como mito, religião e misticismo que não importantes no desenvolvimento humano e precisam ser melhor compreendidas (Ciampa, 1998). Considerações finais: A classificação dos problemas de saúde mental proposta pelo DSM-IV, bem como o modelo médico, apesar de hegemônicos, não são a única possibilidade de compreensão do sofrimento humano. As críticas mais persistentes à lógica proposta por este modelo dizem respeito a uma excessiva objetivação dos sintomas por meio de categorias nosológicas que acabam por perder de vista tanto o fator humano, como também as determinações econômicas, políticas e sociais presentes no cotidiano da pessoas que demandam atenção para os seus agravos de saúde. Uma outra possibilidade para a compreensão do sofrimento mental é a proposta pelo modelo psicossocial que busca encontrar o sujeito concreto no entrecruzamento das suas experiências de vida com as determinações do contexto social. Os adeptos deste modelo acreditam ser possível obter uma compreensão rigorosa do binômio saúde-doen- ça sem negar a singularidade da experiência do sujeito, bem como as determinações da realidade concreta. Altos índices de sofrimento mental denunciados por surtos epidêmicos de pessoas acometidas por depressão, stress, síndrome do pânico, uso abusivo de drogas, etc. são resultantes das formas de organização social que negam, à imensa maioria da população brasileira, as condições básicas para a garantia de uma existência digna. Não se quer afirmar aqui que todo o sofrimento psíquico advém das adversidades e desigualdades sociais, e muito menos que eles se extinguiriam quando as referidas desi- gualdades fossem superadas. A falta e a incompletude são as marcas constitucionais do ser humano e, mesmo em condições sociais bastante favoráveis, as insatisfações pesso- ais não vão deixar de produzir algum sofrimento psíquico. O que podemos afirmar é que um contexto favorável ao desenvolvimento humano oferece às pessoas formas e meios mais adequados para a expressão de suas insatis- fações, angústias, frustrações, etc. Os serviços de saúde mental alternativos ao mode- lo psiquiátrico (núcleos de atenção psicossocial, centros de convivência, lares abriga- dos, etc.) funcionam como um espaço bastante importante para aqueles que deman-
  • 201. 2 0 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI dam a apropriação e atribuição de um sentido para suas experiências. As questões relativas às formas de manifestação do binômio saúde-doença mental são indissociáveis de temas como políticas públicas, direitos humanos e ética, e nos remetem à nossa responsabilidade frente à vida do ser humano. Esta perspectiva enten- de o direito a uma vida digna como um princípio inalienável da condição de cidadão, vislumbra uma sociedade onde as relações sejam pautadas por uma premissa que afirme a natureza humana idêntica para todos os seres humanos, repudiando qualquer forma de segregação ou discriminação, e almeja uma sociedade onde as relações sejam mediadas por códigos políticos que definam os direitos e deveres de cada indivíduo (Jardilino, 1998). Bibliografia consultada e recomendada ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL 1916-1995. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro : IBGE, 1995. BRANDÃO, E.P. Sobre a ética das práticas psi: felicidade e cidadania. Revista Psicologia Ciên- cia e Profissão 18 (1), 1998. CIAMPA, A. C. Objeto da Psicologia: Ética e Pesquisa. Práticas Alternativas: Campo da Psico- logia? Conselho Regional 6ª Região. Gestão “Psicologia em Ação”. São Paulo, 1998. CID-10. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Organização Mundial de Saúde; tradução Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. 3. ed. - São Paulo: Edusp, 1996. COOPER, D. Psiquiatria e Antipsiquiatria. São Paulo: Perspectiva, 1967. CRP-06 - Conselho Regional de Psicologia 6ª Região. Trancar não é tratar. Liberdade: o melhor remédio. São Paulo, 1997. DSM-IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. FOUCAULT, M. História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1993. GASPAR, M. Transtorno Mental não recebe diagnóstico. Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 nov. 1998. JARDILINO, J.R. (org.). Ética: subsídios para a formação de profissionais na área da saúde. São Paulo: Pancast, 1998. MACEDO, R.M.S. Psicologia e Instituição. Novas formas de atendimento. São Paulo: Cortez, 1986, 2ª ed. PAPELDAEDUCAÇÃONAAÇÃOPREVENTIVAAOABUSODEDROGASEÀSDST/AIDS/ Cibele de Moraes Amaro...[et al.]; Devanil A. Tozzi, Nivaldo Leal dos Santos, cooordenadores – São Paulo: FDE, 1996. (Série Idéias, 29). PROMOÇÃO DA SAÚDE: Carta de Otawa, Declaração de Adelaide, Sundsvall e Santa Fé de Bogotá. Trad.: Luis Eduardo Fonseca. Brasília: Ministério da Saúde, 1996. SARACENO; ASIOLI; TOGNONI. Manual de Saúde Mental. Guia Básico para Atenção Primária. Trad. de Willians Valentini. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1997. TOURINHO, E.Z.; CARVALHO NETO, M.B. As Fronteiras entre a Psicologia e as Técnicas Alternativas: algumas considerações. In: Psicologia no Brasil: Direções Epistemológicas. Conselho Federal de Psicologia... (et.al.) Brasília: O Conselho, 1995. Algumas Referências para Orientação e Pesquisa: · GRUDA - Grupo de Estudos de Doenças Afetivas do Hospital das Clínicas tel. (011) 30696648/ fax(011)30643321. · Grupo de Estudos Psiquiátricos do Hospital do Servidor Público Estadual. tel. (011) 5740211.
  • 202. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 0 5 · Universidade Federal de São Paulo tel. (011) 5702828 · Hospitais-Dia, Postos de Saúde Municipais e Estaduais que disponham de atendimento de médicos psiquiatras. · A CASA - Instituto de Desenvolvimento e Pesquisa de Saúde Mental e Psicossocial. http:// www.dialdata.com.br/clientes/conexao/acasa · Movimento da Luta Antimanicomial. http://www.psicologia-online.org.br/atualidades · Epidemiologia e Saúde Mental. Linha de Pesquisa. Controle de variáveis em projetos http:// www.ensp.fiocruz.br/pesquisa/linhas · Saúde do Trabalhador | Saúde Mental |Textos & Debates | Movimento Popular http:// www.alternex.com.br/~saudebrasil/ponto · SOS Ética e Cidadania. Conselho Regional de Psicologia 6ª Região. tel. (011) 574.7133 IX – Epidemiologia dos traumatismos Epidemiologia dos traumatismos Luiz Antonio Athayde Cardoso Compreende-se por trauma ou traumatismo toda lesão produzida por agente externo que provoca dano tecidual no organismo. Nos indivíduos abaixo dos 40 anos, o trauma representa a principal causa de óbito ou invalidez, consistindo em sério problema de saúde pública. Em estimativa realizada no Brasil em 1998 pelo serviço de cirurgia do trauma do Professor Dario Birolini da Universidade de São Paulo, ficou constatado que cerca de 125 mil indivíduos morrem por ano devido ao trauma. Neste estudo, verificou- se também que sobrevivem aproximadamente 200 mil com seqüelas permanentes. Em relação à etiologia, observaram uma maior prevalência dos agentes penetrantes, em relação aos acidentes com veículos. Finalizando, os pesquisadores relataram que o go- verno gastou uma quantia aproximada de 1 bilhão de dólares para atender, ainda que precariamente, a todo este contingente. Em que pesem a prevenção e a elaboração de leis mais rígidas numa tentativa de controlar sua progressão, o número de pacientes com trauma vem aumentando ao longo do tempo pelo desenvolvimento tecnológico, o aumen- to populacional e a maior oferta de equipamentos que desprendem grande quantidade de energia. Indubitavelmente os traumatismos faciais são aqueles que mais preocupam o pacien- te, embora outras lesões corporais também sejam de importância. A face pode ser dividida didaticamente em três regiões. O terço superior compreende as órbitas e seu conteúdo que executam a função visual. No terço médio, situam-se a maxila, o nariz e o pavilhão auricular e na porção inferior, a mandíbula. Juntos estes elementos perfa- zem as funções auditivas, respiratórias e de alimentação. Por ser a principal região que o indivíduoutilizaparaserelacionarcomomeioambienteeseussemelhantes,ostraumatismos e desfigurações que ocorrem na face têm um impacto sócio-econômico mais acentuado que em outras regiões do corpo humano. A transformação de energia cinética em energia de deformação aplicada à face produz lesões que são dependentes da direção e do tempo de aplicação. Renê Le Fort foi um dos primeiros a estudar sistematicamente a relação entre quantidade de energia,
  • 203. 2 0 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI direção, duração do impacto com suas conseqüências sobre a face, num trabalho publi- cado em 1901. Seus estudos iniciais levavam em conta impactos de energia relativamen- te baixa, que produziam fraturas clássicas na região que se tornaram conhecidas com os nomes de Le Fort I, Le Fort II e Le Fort III. Todavia estas relações deixaram de ser encontradas nos dias de hoje porque as máquinas mais recentes, oriundas do avanço tecnológico, manipulam grandes quantidades de energia, produzindo fraturas complexas no esqueleto craniofacial. Os principais agentes encontrados nos traumatismos faciais são: a) Acidentes com veículos automotores em geral; b) Agressão; c) Acidentes domésticos e ligados ao lazer. Outras causas como fraturas patológicas, armas de fogo, arma branca e acidentes de trabalho são particulares de uma região. As conseqüências dos traumatismos faciais demandam uma considerável quantia de recursos dos órgãos oficiais e empresas seguradoras. Dependendo da gravidade do traumatismo, o indivíduo sofrerá uma perda que pode ser de natureza estética, funcional, ou ambas, mobilizando um número grande de profissionais na tentativa de restituir as perdas. Entre as especialidades médicas mais solicitadas encontram-se a neurologia, cirurgia plástica, oftalmologia, microcirurgia. Outras especialidades são a ortodontia, ci- rurgia bucomaxilar, fonoaudiologia, fisioterapia e psicologia. Dependendo da gravidade, os tratamentos são prolongados e os períodos de convalescência arrastam-se por anos, com a realização de várias cirurgias. Repercussões sociais dos acidentes automobilísticos Bruno Soerensen Os acidentes de trânsito, nas grandes cidades e em estradas de importância das regiões desenvolvidas do mundo, e converteram-se nas primeiras causas de morte e incapacidade. Nas regiões urbanas, a congestão, o ruído e a emissão de gases dos veículos determinam doenças psíquicas e físicas limitando o bem-estar do homem. No mundo, mais de um bilhão de pessoas ficam expostas às contaminações atmosféricas de dióxido de carbono. Esta contaminação leva também a um aumento da temperatura ambiental, com repercussões futuras de alterações climáticas imprevisíveis e até ca- tastróficas. Atualmente, a degradação do ambiente já é atribuída ao parque automobi- lístico, ao trânsito urbano e rural. Se fosse possível minimizar o uso do transporte automotivo pelo transporte alternativo como o de bicicleta ou mesmo a pé, as cidades ficariam bem mais saudáveis. Daremos alguns dados sobre o assunto retirados de um trabalho de Tápia Granados publicado em março deste ano na Revista Panamericana de Saúde Pública. A pro- dução mundial anual de automóveis passou de 11.000.000 em 1950 a 53.000.000 em 1995. Segundo informações recentes, em 1995 no mundo circulavam pelo menos 600.000.000 veículos automotores, dos quais mais ou menos três quartos são automó- veis e o restante caminhões e ônibus. Dos 420.000.000 de automóveis em circulação
  • 204. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 0 7 no início de 1950, aproximadamente 330.000.000 (80%) se encontravam nos países industrializados da América do Norte, Europa Ocidental e Oceania, onde mora 18% da população mundial. Os demais 90.000.000 (20%) são do resto do mundo, onde mora 82% da população. Os efeitos nocivos do trânsito podem resumir-se da seguinte maneira: a) A mortalidade, as lesões e as incapacidades gerais por lesões. b) Aumento da mortalidade geral e incidência de diversas enfermidades, devido à con- taminação ambiental. c) Desenvolvimento de sedentarismo e obesidade. d) Transformação das cidades em espaços onde o automóvel deixa de lado os demais usuários da via pública, transformando o espaço urbano desumanizado e favorecen- do a desintegração social. e) Desenvolvimento de uma infra-estrutura viária urbana e rural com enormes recursos em detrimento da proteção ambiental. As grandes cidades do mundo optaram pela diminuição do trânsito de veículos automotores. Para termos uma idéia do prejuízo da contaminação ambiental, conforme experimentações feitas na Universidade de Marília- UNIMAR - SP, um cobaio morre em 14 minutos quando exposto à contaminação do escapamento de um automóvel movido por gasolina, em 25 minutos quando movido por Diesel e 28 minutos quando movido por álcool, demostrando-se, portanto, a necessidade de desligar o motor quando é interrompido o trânsito em túneis ou estacionamentos fechados. O número de óbitos, independentemente de lesões corporais, por acidentes automo- bilísticos, foi calculado para 1993 em 835.000 mortes no mundo, competindo como causa de mortes com as doenças cardiovasculares e o câncer, em regiões desenvolvidas. Destaca-se ainda que o maior número de mortes corresponde a adolescentes e adul- tos jovens. Paralelamente aos dados apontados deverão ser consideradas ainda as lesões não mortais ocasionadas pelos veículos, incluindo-se aqueles de pedestres e ciclistas. De- vem ser somadas também a atenção médica, hospitalização e a incapacidade permanen- te. Nos Estados Unidos, em 1992, 5.000.000 de pessoas tiveram lesões, somado 500.000 hospitalizações. No Brasil, em 1989, aproximadamente 450.000 pessoas tiveram lesões, vindo a falecer aproximadamente 50.000. Indiscutivelmente, um planejamento adequado das vias públicas de maneira que se tornem mais seguras, uma fiscalização das leis de trânsito e uma diminuição do volume do trânsito contribuirão para o controle e a diminuição dos acidentes. Características do atendimento pré-hospitalar Nadia Maria Gebelein ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR (A.P.H.), como o próprio nome diz, é o aten- dimento inicial, baseado em técnicas e procedimentos, a um agravo à saúde antes da chegada do paciente a um recurso hospitalar.
  • 205. 2 0 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI Os objetivos desse atendimento são: preservar a vida, minimizar o número de seqüe- las, restaurar a saúde e aliviar o sofrimento. Historicamente o atendimento pré-hospitalar iniciou-se com as grandes guerras e desde então vem se aprimorando (1), desenvolvendo novas técnicas, procedimentos e equipamentos. Esse conceito de atendimento antes da entrada no hospital, isto é, no local do agravo à saúde, tornou-se mais forte a partir dos anos 70, ocupando posição de destaque na Medicina Brasileira. Os sistemas de Atendimento pré-hospitalar têm vários modelos mundiais: o norte- americano, um dos mais antigos, utiliza como profissionais os chamados paramédicos, que são profissionais habilitados mediante cursos extensos de capacitação a realizar atendimento pré-hospitalar; são divididos em níveis (EMT-I, EMT-II,...) por meio de siglas que significam técnico de emergência médica nível I, nível II, etc.; a diferença de nível decorre do tempo de atuação e dos cursos especializantes que fizeram, permitindo- se aos mais avançados realizarem procedimentos invasivos que aqui no Brasil só são permitidos aos médicos. Esses técnicos são supervisionados à distância por um médico que está na Central de Atendimento monitorando os chamados. Já nos sistemas francês (S.A.M.U.), alemão e argentino, médicos tripulam as viatu- ras de atendimento pré-hospitalar. Nestes sistemas o que se observa é a alta resolutividade no local da ocorrência, isto é, o médico avalia, diagnostica e medica o paciente, remo- vendo para o hospital somente os casos que não podem ser resolvidos no local. No Brasil, o sistema de atendimento pré-hospitalar é misto, isto é, um pouco america- no e um pouco francês, pois existem os dois tipos de viatura, aquelas tripuladas somente por técnicos, ou melhor dizendo, socorristas habilitados a realizar o suporte básico à vida (S.B.V.), e aquelas tripuladas por médico e enfermeiro destinadas a prestar supor- te avançado à vida (S.A.V.), sendo solicitadas nas ocorrências mais graves que neces- sitam da presença de um médico. Além disso, no Brasil, em um grande número de cidades há dois sistemas realizando o atendimento pré-hospitalar, o primeiro é do Estado e é realizado pelo Corpo de Bom- beiros acionado pelo número de telefone 193 e o segundo é realizado pela Prefeitura e é acionado pelo número telefônico 192. Essa divisão se deu basicamente por dois motivos: em primeiro lugar, a diferença entre o tipo de atendimento, isto é, os profissionais do Corpo de Bombeiros atuam em situações mais específicas, os chamados resgates, situ- ações particularmente difíceis que necessitam de materiais e equipamentos específicos para a retirada da pessoa do local e geralmente relacionadas a trauma, ao passo que sistema municipal deveria se encarregar do atendimento das emergências clínicas. O segundo motivo é a divisão dos gastos entre os dois governos. Como conseqüência desta dicotomia e da não-existência de um número telefônico único para acionamento dos serviços de emergência, há um atraso significante no aten- dimento a uma emergência, pois a população geralmente faz confusão sobre qual núme- ro deve acionar, além de haver uma grande diferença entre os serviços, diferenças estas relacionadas ao tempo-resposta, número de veículos, profissionais, forma de trabalho, que causa um desgaste do sistema. O atendimento pré-hospitalar no Brasil foi normatizado em 25 de outubro de 1995 pelo Conselho Federal de Medicina, porém este primeiro parecer era muito superficial e abordava apenas o aspecto do trauma (3) que corresponde a 30% das emergências pré- hospitalares, sendo que os outros 70% representados pelas emergências clínicas não
  • 206. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 0 9 foram abordados. Por isso, foi feita uma revisão, aprovada em 8 de julho de 1998, que ampliava os conceitos e normatizava o atendimento pré-hospitalar, inclusive descreven- do os profissionais, os tipos de viatura e os materiais necessários para esse serviço. Ainda falta regulamentar os cursos para os profissionais que fazem atendimento pré- hospitalar, pois por todo o país há diferenças na carga horária, teórico–prática. Com relação ao profissional médico, as técnicas e os procedimentos necessários para o A.P.H. não fazem parte do currículo das Escolas Médicas, com exceção de uma experiência pioneira da Universidade Federal de São Paulo que introduziu em 1998, como parte da grade curricular, o ensino de Atendimento Pré-Hospitalar. Para quem trabalha com aten- dimento pré-hospitalar é fácil afirmar que se trata de uma nova especialização médica. Como em todos os lugares do mundo, em São Paulo a situação não foi diferente. Médicos e profissionais de vários pronto-socorros, preocupados com a forma como pes- soas vítimas de acidentes chegavam aos hospitais com o Corpo de Bombeiros, que en- contrava uma dificuldade enorme porque, após liberar as pessoas do que as prendia no local do acidente, não tinha como atendê-las e muito menos como transportá-las, acarre- tando esse fato alta mortalidade e morbidade, criaram em 1979 o “Projeto Vaga Zero” para gerenciar o atendimento das emergências como um todo e posteriormente, em 1983, a chamada “Comissão de Recursos Assistenciais de Pronto Socorro – CRAPS”. Desse envolvimento de vários órgãos e da necessidade da busca de conhecimento e aprimoramento do atendimento às emergências, criou-se uma associação chamada “Com- panheiros das Américas” para o intercâmbio entre Estados Unidos e Brasil. Essa associ- ação é composta por quatro oficiais do Corpo de Bombeiros, um membro da Defesa Civil e três médicos que foram a Chicago em 1986 para realizar um Curso de Técnicas em Emergências Médicas. No regresso, os oficiais apresentaram um relatório ao Comandan- te Geral da Corporação, no qual propunham a reformulação dos conceitos e da instrução de primeiros socorros bem como a criação de um serviço específico com viaturas, equipa- mentos e pessoal, específicos para o atendimento e transporte das vítimas. Disso surgiu o Projeto Resgate em 1987 e, posteriormente, em 10 de março de 1994, após sete anos de atendimento, consolidado pelo decreto, o Sistema Integrado de Atendimento às Emergên- cias do Estado de São Paulo – SISTEMA RESGATE – convênio entre Secretaria de Segurança Pública, representada pelo Corpo de Bombeiros, e Secretaria do Estado da Saúde. Paralelamente a isso, médicos da Cirurgia Geral e do Trauma do Hospital das Clíni- cas de São Paulo, que iniciaram o processo de estudos em 1979, foram para os Estados Unidos fazer o curso do A.T.L.S. (Advanced Trauma Life Support) e trouxeram para o Brasil em 1987 para sua difusão. Hoje já contamos também com o P.H.T.L.S. (Pre Hospital Trauma Life Support) e o A.C.L.S. (Advanced Cardiac Life Support) entre outros, como o pediátrico e alguns mais básicos para profissionais não médicos. Todo esse esforço representa uma redução na taxa de mortalidade de 30% das víti- mas atendidas pelo Sistema Resgate, embora o número de ocorrências tenha aumenta- do. O Serviço iniciou no começo do ano de 1990 com atuação na Grande São Paulo e em mais de 14 municípios do Estado, utilizando-se 36 Unidades de Resgate, duas Unidades de Suporte Avançado e um Helicóptero para atendimento de 1.896 ocorrências. Atualmente, no ano de 1998, existem 237 Unidades de Resgate, sendo 37 na capital, duas Unidades de Suporte Avançado, helicóptero e cerca de 4.000 técnicos em Emergên-
  • 207. 2 1 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI cias Médicas, responsáveis pelo atendimento a 146.011 ocorrências no Estado de São Paulo, em 1998, dos quais 42.262 na Capital e 103.749 no interior (dados fornecidos pelo C.S.M./C.B., Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo). O tempo médio da chegada da Unidade de Resgate é de sete minutos na cidade de São Paulo, sendo que esse é o tempo médio e não de todas as unidades, pois há fatores que interferem nesse tempo, por exemplo: hora do dia, localização do chamado, condi- ções locais da pista. Mesmo com a magnitude do Sistema Resgate e os esforços dos serviços municipais, segundo informações do Serviço da A.P.H. da Prefeitura do Município de São Paulo, a soma dos dois sistemas atende menos de 40% da demanda da cidade de São Paulo (4). Portanto, há necessidade de revisão desses números e da utilidade de se possuir um serviço de Atendimento pré-hospitalar. De forma genérica o processo do atendimento pré-hospitalar compreende os seguin- tes passos: a chamada telefônica do Serviço de Emergência Médica, a caracterização da ocorrência (local e tipo), o despacho da viatura, a chegada ao local, a avaliação e o atendimento para estabilização do paciente, as informações enviadas a Central de Aten- dimento e os transporte para o hospital. É um processo complexo que envolve múltiplos profissionais e estrutura grande e ramificada, visando ao atendimento de melhor qualidade e mais adequado, incluindo o destino do paciente, uma vez que nem sempre o hospital mais próximo é o mais adequa- do. Por exemplo, a pessoa pode apresentar um trauma de crânio e necessitar de uma tomografia computadorizada e da avaliação de um neurocirurgião e o hospital mais pró- ximo pode não dispor destes recursos ou, então, dispõe deles, porém a sua capacidade de atendimento no momento está esgotada. Só a Central de Atendimento tem condições de fornecer esses dados à unidade no local para que busque socorro em outro hospital. Se não existe o sistema de Atendimento pré-hospitalar, isso não ocorre, aumentando as taxas de morbi-mortalidade dos pacientes, sobrecarregando hospitais sem recursos e ainda desguarnecendo-os na eventual necessidade de transferência de uma paciente deste tipo, além da busca praticamente sem fim por uma vaga para este paciente. Essa situação é tão complexa que na cidade de São Paulo foi criado, no ano passado, o S.R.M. (Sistema Regular Metropolitano) (5), a partir do plantão controlador que já existia, para auxiliar médicos e pacientes na distribuição melhor dos recursos hospitala- res já tão escassos. Este sistema já está em expansão para o interior do Estado de São Paulo, onde existem dez Centrais Reguladoras. Nos Estados Unidos o serviço de atendimento pré-hospitalar foi terceirizado para empresas prestadoras de serviço visando baixar custo e melhorar a qualidade de aten- dimento. Lá o tempo para chegada do auxílio é de 2-3 minutos e, além disso, os hospitais são preparados para receber os diversos tipos de ocorrências, existindo inclusive Cen- tros de Trauma. Os serviços de atendimento pré-hospitalar basicamente atendem a dois tipos de emer- gências: as clínicas e as traumáticas. Dentre as clínicas as campeãs de incidência são as urgências relacionadas ao sistema cardiovascular: infarto, angina, crise hipertensiva, acidente vascular cerebral e parada cardíaca, que acometem adultos na maioria acima dos 40 e abaixo dos 65 anos de idade. São responsáveis por cerca de 43% dos óbitos de todas as causas (6) em mulheres e homens. Além disso, aproximadamente dois terços
  • 208. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 1 1 das mortes súbitas devidas a uma coronariopatia acontecem fora do hospital e é possível que um grande número dessas mortes pudesse ser evitado pelo acesso rápido ao serviço médico de emergência e ao desfibrilador, uma vez que cerca de 90% das paradas cardí- acas acontecem em fibrilação ventricular. O traumatismo é a maior causa de óbito e de seqüelas comprometendo desde a popula- ção pediátrica até a adulta jovem (1-44 anos). A faixa etária mais afetada é a de 15-35 anos, constituindo-se o trauma na primeira causa de óbito desta faixa. O trauma atinge, portanto, população economicamente ativa que, se não morre, fica seqüelada, deixando de produzir e aumentando os gastos devido ao tratamento das seqüelas. Segundo o Departamento Nacional de Trânsito, em 1997 30.430 pessoas morreram e 268.925 ficaram feridas no País por acidentes de trânsito. Na fixa etária de 15-35 anos, situam-se 13.892 mortes e 126.931 feridos. Registram-se em média um acidente a cada 2,6 minutos, uma pessoa ferida a cada 11,7 minutos e uma pessoa morta a cada 4,3 horas (7). Além da perda de vidas e gastos com a saúde, que no ano de 1997 foram de U$ 300 milhões, há danos materiais (U$ 400 milhões) e perdas de produção (U$ 800 milhões) para o país, que é um dos líderes mundiais da mortalidade no trânsito (o índice de fatali- dade do Brasil supera a marca dos 10 – número de mortos em acidentes para cada conjunto de 10.000 veículos). Tanto nas emergências clínicas quanto nas traumáticas, a primeira ação ainda é a prevenção, para minimizar os fatores de risco e melhorar a qualidade de vida e seguran- ça das pessoas. Grande parte dos acidentes está relacionada ao consumo de álcool (8), ao não-uso ou uso inadequado dos dispositivos de segurança e à desobediência, principalmente em relação ao limite de velocidade. A educação da população é fundamental para prevenir e evitar as emergências e, quando elas acontecem, é importante também que a população saiba o que fazer, isto é, acionar o Sistema Médico de Emergências e iniciar o Suporte Básico à vida, mantendo as condições até que o serviço de atendimento pré-hospitalar chegue. Nos moldes nacionais atuais, enfoca-se o atendimento às emergências e, pratica- mente, muito pouco o atendimento às urgências médicas. Por quê? As emergências médicas são os agravos à saúde que põem em risco a vida do paciente e necessitam ser atendidas em minutos. Nos casos de trauma, estudiosos dão valores aos minutos; por exemplo, os dez minutos que se seguem a um trauma são chamados minutos de platina e a primeira hora, hora de ouro. As urgências não necessitam ser atendidas em minutos; por exemplo, um paciente com cólica renal que não melhora com medicação via oral de uso de costume, necessita de medicação endovenosa; “ – Esse paciente irá morrer? Claro que não, mas necessita de atendimento médico? – Sim.” Provavelmente este paciente terá que contar com o apoio de vizinhos, amigos ou solicitar um táxi, pois o serviço público nas proporções em que se encontra não dá conta das emergências clíni- cas, quanto mais das urgências, sem contar os casos psiquiátricos que são um outro problema. Por esse motivo estão crescendo os serviços privados de atendimento pré-hospitalar que proporcionam atendimento de emergência, urgência e, em alguns casos, até de con- sulta. Não são iguais aos argentinos que vendem o plano individual; a maioria, aqui no Brasil, está ligado a um convênio médico ou seguro saúde que, mediante o pagamento de
  • 209. 2 1 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI um “plus” sobre a mensalidade, dá o direito ao “resgate”, palavra aplicada de forma errada pelos meios de Marketing, pois nenhum desses serviços proporciona o resgate e, sim, atendimento pré-hospitalar. Bibliografia consultada e recomendada Epidemiologia dos traumatismos Cardim, V. L. M.; Marques, A.; Morado-Deoteiro, J. Cirurgia plástica: Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Regional São Paulo. São Paulo: Atheneu, 1996. 429p. Carreirão, S.; Lessa, S.; Zannini, S. Tratamento das fissuras lábiopalatinas. Rio de Janeiro: Revinter, 1996. 354p. Digman, R. O. & Natvig, P. O Cirurgia das fraturas faciais. 2. ed., São Paulo: Livraria e Editora Santos, 1983. 376p. McCarthy, J. G. – Plastic surgery. Philadelphia, W. B. Saunders Co, 1990. 5556p. 8v. Manson, P. N.; Clifford, C. M.; Su, C. T.; Iliff, N. T.; Morgan, R. Mechanisms of global support and posttraumatic enophthalmos: The anatomy of the ligament sling and its relation to intramuscular cone orbital fat. Plast. Reconstr. Surg., 77: 193-202, 1986a . Mélega, J. M.; Zanini, S. A.; Psillakis, J. M. Cirurgia plástica reparadora e estética. Rio de Janeiro, Medsi Editora Médica e Científica, 1988. 1094p. Nguyen, P. N. & Sullivan, P. Advances in the manangement of orbital fractures. Clin. Plast. Surg., 19:87-97,1992. Tourniex, A. A. B. – Atualizaçãoemcirurgiaplásticaestética.São Paulo: Robe Editorial, 1994. 637p. Yab, K.; Tajima, S.; Ohba, S. Displacements of eyeball in orbital blowout fractures. Plast. Reconstr. Surg.;100:1409-417,1997. Repercussões sociais dos acidentes automobilísticos Características do atendimento pré-hospitalar (3) SOBANIA, L.C. – Revisão parecer n.º 47/95. Conselho Federal de Medicina. 1998. ( 2) Eid, C.A., MONTEIRO, J. Atendimento Pré-Hospitalar: a mais eficiente forma de socorro. ABRAMET Ver. 1997; 20;10. ( 5) Jornal do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. 1998; 135: 10-11. ( 1)MARK, C.; HENRY. M.D.; EDWARD R. stapeton. EMT – P, EMT Prehospital Care. 1992, W.B. Sunders Company. ( 6) AMERICAN Heart Association. Suporte Avançado de vida em Cardiologia. 1997, 17: 1-9. ( 7) Fatos & Estatísticas de acidentes de trânsito em São Paulo, 1997. Departamento Nacional de Trânsito e Ministério da Saúde. ( 8) Melo de Oliveira E., Melcop AG. Álcool e Trânsito, 1997: 72-86. ( 4) Padronização no atendimento pré-hospitalar do Brasil. Anais do 3º Congresso Brasileiro de Acidentes de Medicina de Tráfego, 1997: 118-129. X - Epidemiologia das doenças não-transmissíveis Procuramos, neste capítulo, analisar de maneira sucinta os fatores, os hábitos, enfim, as condições relacionadas ao comportamento individual coletivo, social e político que possa, de forma direta ou indireta, influir na saúde do homem.
  • 210. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 1 3 Abordaremos as principais doenças da Cardiologia, da Neurologia e da Endocrinologia. Falaremos, ainda, sobre a Epidemiologia do Câncer, abordando separadamente o Cân- cer Cutâneo. Também será discutida a Dermatite Ocupacional. Lembremos que pode haver uma inter-relação entre elas e só as separaremos por uma questão didática. Cardiologia Carlos Benedito de Almeida Pimentel Não há dúvida quanto aos fatores que contribuem para uma doença cardíaca: o taba- gismo; a dieta sem orientação; o “stress” dentro das atividades diárias, quer profissionais ou domésticas; o álcool e suas implicações cardíacas; o exercício, que pode não fazer bem ao coração; a hipertensão arterial que nem sempre é tratada e acompanhada de forma ideal. Não podemos deixar de citar o aspecto da hereditariedade familiar e outras doenças que facilitam a afecção cardíaca, tais como o Diabetes Mellitus, Doenças Pulmonares, Disfunções Tireoideanas, Doenças Hematológicas, Doenças Reumáticas Auto-imunes, Doenças Neuro-musculares e outras. TABACO – É indubitável a relação entre o hábito de fumar e a cardiopatia. Clara- mente, fumar leva ao aumento da arteriosclerose tanto no homem quanto na mulher. Os mecanismos envolvidos incluem o efeito do monóxido de carbono, da nicotina e de outras substâncias, no metabolismo lipídico, no transporte de oxigênio, na maior libe- ração de aminas vaso-pressoras, nas injúrias ao endotélio vascular, permitindo que me- canismos sejam ativados na íntima de determinadas artérias. O uso do tabaco nas diferentes formas também facilita a trombose pelo aumento dos níveis de fibrinogênio, pelo aumento da agregação plaquetária, pela policitemia que acon- tece como doença pulmonar e o sinergismo com a vaso-constrição periférica. Há indícios de que o tabaco, por meio de sua mutagenicidade, se relaciona com a aterogenicidade; o fumante submetido aos efeitos cancerígenos do tabaco sofreria alte- rações celulares em nível de células da musculatura lisa. Quanto aos lípides, há aumento do processo oxidativo das lipo-proteínas de baixa densidade, ponto de partida para as primeiras modificações do endotélio vascular. DIETA – A dieta ocupa um dos lugares mais importantes na gênese das cardiopatias, principalmente as isquêmicas. Sem dúvida a presença das gorduras de forma excessiva na alimentação se relaciona com a doença arterial coronariana (DAC). A média do consumo da gordura total, ácidos saturados, colesterol da dieta é exces- siva em muitos países. Observações e estudos demonstram que os níveis séricos de colesterol estão relacionados à taxa de mortalidade e ao aumento da probabilidade da doença arterial coronariana (DAC). Uma forma de sentirmos o problema são observações a respeito dos japoneses que vivem no Japão, no Havaí e nos EUA. Elas mostram o impacto ambiental e dos costu- mes em indivíduos com uma origem genética comum. No Japão, onde a incidência de doenças cardíaca é baixa, a quantidade de gorduras saturadas na dieta é tradicionalmen- te baixa. Em japoneses que vivem no Havaí, a incidência se situa entre a dos japoneses que
  • 211. 2 1 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI vivem no Japão e a dos que vivem nos EUA. Os japoneses que vivem nos EUA conso- mem, aproximadamente, a mesma quantidade de gordura saturada e colesterol que os outros grupos étnicos, tendo o mesmo risco de DAC que eles. A incidência da DAC é mais baixa nos países onde a dieta é tradicionalmente vege- tariana. Gostaríamos de lembrar que nos períodos de escassez de alimentos, nas condi- ções de semi-inanição que ocorreram na Europa na época da Segunda Guerra Mundial, a ocorrência de DAC foi reduzida. Após a guerra, com a normalização dos alimentos voltou a crescer a incidência de doenças ateroscleróticas e do Diabetes Mellitus. STRESS – O “stress” pode ser classificado como doméstico, intermediário e profis- sional. O doméstico inicia-se logo que abrimos os olhos e acordamos, os primeiros raios de luz atingem nossa retina e provocam a primeira grande liberação de aminas vaso- pressoras na circulação. Consideramos como doméstico todo “stress” relacionado aos problemas domésticos e familiares. Chamamos de “stress” intermediário o “stress” da rua, do transporte, do social. O “stress” profissional é o do próprio trabalho, da competição inerente ao traba- lho e a guerra paralela que com freqüência acontece nos bastidores do trabalho. Sabemos claramente que neste aspecto há enorme influência da política do governo quanto à ordem, à segurança, ao mercado de trabalho, à meta educacional e principal- mente à política econômica. Consideremos a equação: bem-estar mental no numerador e “stress” no denominador, quando esta fração tende ao mínimo há aumento da doença coronariana. ÁLCOOL – Alguns estudos mostraram que o consumo moderado de álcool, em torno de 35 mililitros de álcool por dia, e o risco de doença arterial coronariana (DAC) variam em relação inversa. O mecanismo pelo qual o consumo moderado de álcool protege contra a DAC não está claro. Possivelmente está relacionado com aumento da concentração do colesterol de alta densidade (HDL Colesterol). Quando analisamos o consumo excessivo, observamos aumento da mortalidade. EXERCÍCIOS – Devemos esclarecer um erro que vem se imortalizando na idéia das pessoas, de que o exercício faz bem ao coração de uma forma direta, deixando-o mais forte. Isto não é verdade! O exercício faz bem aos músculos dos membros do corpo e principalmente ao san- gue, depurando-o dos excessos calóricos habituais, dessa forma reduzindo fatores que contribuiriam para induzir aumento da aterogenicidade. Devemos lembrar que o ideal seria a ingestão de um suporte calórico adequado aos gastos diários normais. O coração já se exercita batendo de 60 a 100 vezes por minutos durante as 24 horas de cada dia, independentemente dos exercícios extras. HIPERTENSÃO ARTERIAL – A hipertensão arterial é um dos mais importantes fatores de risco para a morbi-mortalidade cardiovascular. A pressão arterial elevada mantida por longo prazo leva à falência de múltiplos órgãos como coração, cérebro, rins, olhos e vasos sistêmicos. Com relação ao coração, por exemplo, temos comprometi- mento vascular, incremento da aterogenicidade, podendo-se da angina progressiva che- gar ao máximo de evento lesivo: o Infarto do Miocárdio (IM). Há também comprometi- mento miocárdico, ou seja do músculo cardíaco, hipertrofia ventricular esquerda e insu- ficiência cardíaca. O indivíduo hipertenso apresenta um envelhecimento precoce de seu sistema arterial,
  • 212. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 1 5 os vasos sangüíneos de hipertensos são comparados aos vasos de normotensos idosos. No nível vascular podemos encontrar, seguindo sua evolução natural, sem interferência de tratamento, acometimento de vasos de resistência e de grandes vasos, constituindo a fase tardia da vasculopatia hipertensiva. O Programa Nacional de Educação para a Hipertensão Arterial (NHBPEP), coor- denado pelo Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue (NHLBI) dos Institutos Nacionais de Saúde, foi instituído em 1972. O programa está sendo um sucesso em sua missão de aumentar a consciência, prevenção, tratamento e controle da hipertensão. Desde o National Health and Nutrition Examination Survey de 1976-80 (NHANES III, fase I), a porcentagem de hipertensão aumentou de 51% para 73%. Entre as pesso- as com hipertensão o tratamento tem aumentado durante o mesmo período de 31% para 55%. O número de americanos que se têm conscientizado da necessidade de as pessoas com hipertensão arterial manterem a mesma em níveis abaixo de 140/90 mmhg tem aumentado de 10% (NHANES II) para 29% (NHANES III fase I). Estas mudanças têm contribuído para reduções dramáticas na morbidade e mortali- dade atribuídos à hipertensão. Por exemplo, a taxa de mortes ajustada para idade em conseqüência de acidente vascular cerebral tem declinado para quase 60% e por doen- ça arterial coronariana (DAC) para perto de 53%. Estas tendências são evidentes em homens e mulheres e em afro-americanos e bran- cos. O benefício da redução da mortalidade por acidente vascular cerebral é particular- mente impressionante em mulheres com idade de 50 anos ou mais: metade dos benefíci- os entre mulheres brancas e quase dois terços do benefício entre mulheres afro-ameri- canas podem ser atribuídos à queda da pressão arterial. Estas melhorias são compatíveis com o declínio da incapacidade entre idosos ameri- canos e têm importantes implicações para a redução dos custos nacionais com cuidados de saúde. Entretanto estas dramáticas melhorias têm diminuído, desde 1993; as taxas de aci- dente vascular cerebral ajustadas para a idade têm aumentado ligeiramente e a inclina- ção da taxa de declínio ajustada para idade em DAC parece estar equilibrada. Além disso, as taxas têm aumentado para ambos, a incidência de doença rural termi- nal, para qual a hipertensão arterial é o segundo antecedente comum mais importante, e a prevalência de insuficiência cardíaca, na qual a grande maioria dos pacientes tem antecedentes de hipertensão. Também as taxas de controle de hipertensão não têm continuado a melhorar (NHANES III, fase 2). Se a conscientização, tratamento e taxas de controle continuas- sem a tendência estabelecida entre 1976-80 e 1991-98, deveria ter havido um aumento na conscientização, tratamento e controle da hipertensão, também a avaliação seriada em algumas comunidades evidencia que a relação pressão arterial média e idade tem aumentado. O progresso tem sido estável na direção de se alcançar os objetivos estabelecidos pelo Departamento de Saúde e Serviços Sociais para doença cardíaca e acidente vascular cerebral, mas esforços são necessários para atingir estes objetivos até o ano 2000. Doença arterial coronariana e infarto no miocárdio
  • 213. 2 1 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Infarto é uma condição patológica, caracterizada pela necrose que se segue de anóxia ou hipóxia, em território com circulação do tipo terminal, podendo formar-se em qual- quer órgão; porém a maioria dos infartos ocorre nos rins, baço, cérebro e no coração. O infarto no miocárdio ocorre devido à obstrução coronária. Esta obstrução ocorre pela formação de ateroma que, com o passar do tempo, se acumula nas paredes das artérias, tornando-as mais estreitas. O sangue flui com dificuldade, tornando a circula- ção sangüínea mais lenta e é possível que ocorra a formação de coágulos, que obstruem a passagem do sangue. Isto leva à necrose do tecido do coração. A maioria dos infartos do miocárdio (IM) ocorre pela manhã, quando a agregação plaquetária é maior, e os produtos liberados pelas plaquetas podem ser identificados no sangue imediatamente após um infarto (Bogliolo, 1978). Segundo dados do IBGE de 1990 (Anuário Estatístico do Brasil, 1994), as doenças da circulação pulmonar e outras formas de doenças do coração foram responsáveis por 9,57% dos casos de óbitos, sendo que o infarto agudo do miocárdio, isoladamente, foi responsável por 6,12% do número total de óbitos. Na região sudeste o número de óbitos por infarto foi de 30.844 indivíduos, o que representa 3,77% do número total de óbitos ocorridos no Brasil em 1990. Geralmente o homem tem cinco vezes mais a chance de ter um infarto do miocárdio que as mulheres. O risco feminino é mais alto a partir da menopausa e no caso e mulhe- res que trabalham fora de casa. Sendo o infarto do miocárdio uma situação patológica de alta letalidade, há uma preocupação em se conhecerem os fatores determinantes de sua ocorrência. Sabe-se que fatores de risco exógenos e endógenos, entre os quais os fatores hereditários, indu- zem primeiro à aterogênese e posteriormente ao infarto do miocárdio. Entre os fatores bioquímicos que levam ao aumento do risco de o indivíduo sofrer um infarto no miocárdio, os mais importantes e conhecidos são o colesterol elevado, glicose elevada e agregação plaquetária elevada. O colesterol, em níveis elevados, é um dos fatores contribuintes para a formação de ateromas, o que leva a complicações arterioscleróticas. Diversos estudos epidemiológicos têm permitido observar que o risco de contrair doenças cardíacas (para indivíduos com mais de 40 anos) com colesterolemia menor ou igual a 2,10 g/l é três vezes menor que em indivíduos com mais de 2,30 g/l, e seis vezes menor que em indivíduos com mais de 2,60 g/l. O colesterol é geralmente dividido em frações, em que a HDL (lipoproteína de alta densidade) é considerado como fator protetor, e a LDL e VLDL (lipoproteína de baixa densidade e lipoproteína de muito baixa densidade) são consideradas como fator de risco (Allain et al. 1974). Os triglicérides formam a maior parte do peso do tecido adiposo, constituindo-se, desse modo, numa potente forma de armazenamento de energia. O movimento dos ácidos graxos no organismo ocorre com grande rapidez em resposta a vários estímulos (dieta, exercícios físicos, stress, etc.). Por este motivo é de se esperar que os triglicérides (um dos mais importantes veículos para o transporte dos ácidos graxos) variem também a sua concen- tração em resposta a estes fatores fisiológicos. O equilíbrio desse mecanismo pode ser alterado conduzindo a níveis anormais de triglicérides circulantes. A persistência dessa
  • 214. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 1 7 condiçãopodelevaramuitaspatologias,taiscomodoençashepáticas,renais,hiperlipidemias essenciais, etc. (Trinder, 1969). Um caso que apresenta um grande interesse é o aumento de triglicérides em indiví- duos obesos, o que pode levar a uma doença cardíaca. Por volta de 50% dos lipídeos das lesões ateromatosas que ocorrem nas artérias coronárias são triglicérides. Uma grande porcentagem de pacientes com infarto no miocárdio também exibe hipertriglicemia (Trinder, 1969). Os níveis plasmáticos de glicose são importantes porque refletem alterações na bio- química celular em nível citoplasmático e mitocondrial, há interferência nos mecanismos da síntese de colesterol e de sua auto-regulagem. As modificações osmóticas provavel- mente afetam a parede vascular. Estes efeitos bioquímicos e físico-químicos fazem com que quatro entre cinco diabéticos morram de alguma doença circulatória ou cardíaca. O exame de agregação plaquetária tem grande importância na prevenção de doen- ças do miocárdio, pois por meio dele é possível analisar se o comportamento agregante das plaquetas na corrente sangüínea ocorre espontaneamente ou não, de forma exacer- bada. Para a formação de um ateroma é necessário que a placa na túnica íntima apresente uma agregação central de células com origem nos macrófagos e nas células musculares lisas (CML), algumas das quais podem ter morrido e liberado lipídeos extra-celulares e resíduos celulares circundados por CML, e possivelmente por fibroblastos originados na parede arterial. O ateroma em desenvolvimento foi relacionado a uma reação inflamató- ria crônica, com células T ativadas, monócitos, macrófagos, células endoteliais, plaquetas e CML. O IM pode ocorrer devido a um espasmo sobre a lesão ou ruptura de uma placa e formação de um trombo que interrompe subitamente o fluxo de sangue; a adesão e ativação plaquetária junto com a malha de fibrina contribuem para a formação do trombo. Miocardiopatias São as Doenças Cardíacas em que há comprometimento da função contrátil do mús- culo cardíaco com modificação da geometria da contração. São todas as doenças do coração de qualquer origem, exceto defeitos congênitos, doença valvular, doença vascular sistêmica ou pulmonar, doença pericárdica isolada, doença isolada do tecido nodal ou de condução e doença coronariana epicárdica em todas as suas formas, exceto em situa- ções que resultam em disfunção secundária crônica e difusa do miocárdio. A etiologia primária pode ser uma de várias condições ou a doença pode ocorrer na ausência de qualquer processo patológico identificável. Lançando mão da anamnese, exame físico, exames complementares não invasivos ou mesmo invasivos poderemos determinar a etiologia. Quando não encontramos uma etiologia, a doença miocárdica é considerada primária ou idiopática. Estabelecemos uma classificação didática para o estudo das miocardiopatias em Miocardiopatia congestiva dilatada, Miocardiopatia hipertrófica e Miocardiopatia restritiva. Com relação à primeira, do ponto de vista etiológico, considerando aquelas etiologias que nos interessem neste capítulo, destacamos: as isquêmicas, as relacionadas aos estados metabólicos, as secundárias às drogas e toxinas, as neoplásicas, as que acompanham distúrbios do tecido conjuntivo, dos distúrbios neurológicos e neuromusculares heredo- familiares e, por último, as que ocorrem na gravidez.
  • 215. 2 1 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI A miocardiopatia hipertrófica apresenta como possível etiologia: neurofibromatose, acromegalia, feocromocitoma e dominante autossômica hereditária. A miocardiopatia restritiva apresenta: amiloidose sistêmica difusa, hemacromatose, fibrose encocárdica, fibroelastose, doença de Löeffler, neoplasias e doença de Gaucher. I)Miocardiopatia Congestiva Dilatada A sua fisiopatologia está tanto na inflamação aguda como, mais freqüentemente, na fibrose crônica e perda difusa de miócitos miocárdicos, dependendo da fase da doença; em uma primeira fase há uma miocardite provavelmente por vírus, como uma reação auto-imune, levando a uma dilatação. A geometria ventricular alterada leva a insuficiên- cia funcional secundária mitral ou tricúspede e dilatação atrial. Caindo a fração de ejeção (FE), o débito cardíaco se mantém às custas de aumento da freqüência cardíaca e aumento do volume de enchimento diastólico que, por sua vez, aumenta a tensão sobre a parede e o consumo de O2 pelo miocárdio. Clinicamente se apresenta como dispnéia aos esforços, cansaço mais fácil, edema de membros inferiores, êxtase jugular, sinais de hipertensão venosa pulmonar, podendo na ausculta cardíaca encontrarmos alterações do ritmo e a presença de sopros. Com fre- qüência há hepatomegalia e nos casos mais graves ascite e hipotrofia muscular esquelética. O diagnóstico se estabelece a partir da análise da história, do exame físico e dos exames subsidiários. II) Miocardiopatia Hipertrófica Trata-se de distúrbios congênitos ou adquiridos, caracterizados pela hipertrofia ventricular acentuada na ausência de elevação da pós-carga, como na estenose valvular aórtica, coartação da aorta ou hipertensão sistêmica. O músculo cardíaco é geralmen- te anormal com desorganização celular e de miofibrilas. Mais freqüentemente o septo ventricular se hipertrofia mais do que a parede livre do ventrículo esquerdo (hipertrofia septal assimétrica). A hipertrofia congênita é autossômica dominante na hipertrofia septal assimétrica, mas não em outras variedades. A principal conseqüência fisiopatológica é o endurecimento com formação de uma câmara rígida, pouco com- placente, geralmente o ventrículo esquerdo que compreende o enchimento diastólico, acarretando aumento na pressão diastólica final que vai refletir em uma pressão maior em nível pulmonar. Tonturas e síncopes induzidas por esforço podem ser conseqüên- cia da resistência a saída do sangue do ventrículo esquerdo por um obstáculo que se forma na sístole cardíaca, além da diminuição do período diastólico com aumento da freqüência cardíaca. As manifestações clínicas são dor torácica, síncope, palpitações, dispnéia de esforço e morte súbita. Geralmente na ausculta cardíaca encontramos sopro sistólico ao nível do 3 e 4 EIE no rebordo esternal esquerdo. Com freqüência o ECG mostra padrões de hipertrofia ventricular esquerda. Em geral o estudo radiológico mostra área cardíaca normal; por meio do ecocardiograma de modo-M e bidimensional paredes ventriculares espessadas podem ser observadas e medidas permitindo diferenciar as várias formas de miocardiopatia hipertrófica. Deixamos a indicação de cateterismo cardíaco para os ca- sos em que há possibilidade de indicação cirúrgica. O prognóstico é reservado, a morta- lidade anual é de 4%.
  • 216. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 1 9 III) Miocardiopatias Restritivas Neste grupo de miocardiopatia temos distúrbios que se caracterizam por paredes ventriculares não complacentes de um ou dos dois ventrículos, mais comumente o es- querdo resistindo ao enchimento diastólico. Sua etiologia em geral é desconhecida, é a forma mais rara das miocardiopatias. Do ponto de vista fisiopatológico encontramos espessamento do endocárdio ou infiltração miocárdica com perdas de miócitos, hipertrofia compensatória e fibrose final. A principal conseqüência hemodinâmica destes estados patológicos é a elevação da pressão de enchimento em uma câmara rígida e pouco complacente. A função sistólica pode se deteriorar se os mecanismos de compensação não forem adequados. Os sintomas são conseqüência da elevação da pressão diastólica com aparecimento de hipertensão venosa pulmonar, dispnéia de esforço, ortopnéia e edema periférico quando há envolvimento do ventrículo direito. O ECG habitualmente é inespecífico, alterações da repolarização, algumas vezes ondas Q sem infarto prévio do miocárdio, o ecocardiograma mostra função sistólica normal e permite analisar as condi- ções do pericárdio e a presença ou não de algum tipo de hipertrofia. Geralmente são necessários cateterismo cardíaco e biopsia miocárdica para um estudo completo e ade- quado do paciente. Neurologia Jaime Newton Kelmann Vasculopatias cerebrais oclusivas Introdução Os neurônios e a glia necessitam para o seu metabolismo ininterrupto de um supri- mento de cerca de 150 mg de glicose e 72 litros de oxigênio para um período de 24 horas, pois estas substâncias não podem ser armazenadas e a função cerebral só pode funcio- nar por poucos minutos se elas forem reduzidas a um nível crítico. O sangue arterial supre o tecido cerebral com os nutrientes necessários para o seu metabolismo e o san- gue venoso remove os produtos tóxicos como o CO2, metabólitos ácidos e calor. Cada contração do coração leva através da aorta ascendente cerca de 70 ml de sangue, dos quais 15 ml são destinados ao cérebro. O cérebro adulto pesa aproximada- mente 1.500 g, tendo um fluxo sanguíneo de 750 a 1.000ml de sangue por minuto. Deste total, 350 ml fluem através da artéria carótida interna e 100 a 200 ml através do sistema vertebro-basilar. Considerações anatômicas Cada hemisfério cerebral é suprido pela sua própria artéria carótida interna que é originária da bifurcação da artéria carótida comum que se encontra na altura do angulo
  • 217. 2 2 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI da mandíbula ao lado da faringe e entra no crânio pelo canal carótido. As duas artérias carótidas internas entram pelo seio cavernoso ao lado da sela túrcica. Após o seio temos os ramos da artéria oftálmica, que se divide em dois ramos, as artérias cerebrais anteri- ores e médias. Este sistema vascular supre os nervos ópticos e a retina, os lobos frontais, parietais e parte do lobo temporal. As artérias vertebrais e basilar funcionam como únicas. Cada artéria vertebral é originária da artéria subclavia que vem através de um canal ósseo da vértebra cervical e entra no crânio pelo forame magno, dando a artéria cerebelar postero-inferior e as arté- rias espinais médias e anteriores. Na junção ponto medular, as duas artérias vertebrais unem-se para formar a artéria basilar, que emite três grupos de ramos: as artérias paramediana, circunferencial curta e circunferencial longa. O fim da artéria basilar no nível do meio do tronco cerebral se divide em em duas artérias cerebrais posteriores que, por sua vez, suprem a porção medial dos lobos temporais occipitais do cérebro. O siste- ma vêrtebro-basilar supre a porção superior da medula espinal, o tronco cerebral, o cerebelo, o tálamo óptico e os aparelhos auditivos e vestibulares. Existem várias conexões entre os sistemas carotídeos e vêrtebro-basilares através do circulo de Willis, através das artérias comunicantes anterior e posteriores. Esta rica rede anastomótica protege o cérebro por algumas obstruções que possam acontecer. Por exemplo, uma obstrução da artéria carótida interna no pescoço pode receber sangue através da carótida externa, oftálmica e artéria interna intracraneana. Obstrução de artéria vertebral pode receber sangue através da interconexão entre a carótida externa e as artérias vertebrais distais. Uma obstrução na artéria cerebral média assintomática é suprida pela interconexão entre os ramos distais da artéria cerebral posterior e a artéria cerebral anterior. As pequenas artérias e arteríolas que saem da superfície das artérias e penetram no parênquima têm poucas conexões entre si. Quando uma destas fica obstruída, temos uma isquemia ou infarte no tecido. Estas pequenas artérias e arteríolas controlam o fluxo no cérebro. Os capilares ter- minam próximos ao corpo celular dos neurônios, levando os nutrientes para as células. Acredita-se que os astrócitos regulam o fluxo de nutrientes e metabólitos entre o corpo celular e o sangue capilar. Dentro deste sistema, somente as arteríolas têm um sistema de trocas do pCO2 e o pO2 e respondem dramaticamente a agentes farmacológicos. Quando a pressão parcial de dióxido de carbono do sangue arterial aumenta, as arteríolas se dilatam e o fluxo sanguíneo cerebral aumenta. Quando o CO2 é reduzido, elas sofrem constrição e o fluxo é diminuído. Mudancas na pressão parcial de oxigênio têm o efeito oposto, embora não seja tão dramático. Considerações etiológicas e patológicas Doença cerebrovascular é uma desordem que envolve os vasos e o suprimento san- guíneo do cérebro. As alterações cerebrais que ocorrem são ocasionadas por um infarto ou hemorragia. Isquemia e infarto-oclusivas
  • 218. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 2 1 Quando o suprimento sanguíneo é interrompido por três segundos, desenvolve-se uma isquemia e o metabolismo é alterado. Após um minuto, a função neuronal pode cessar e após cinco minutos inicia-se uma anoxia tecidual que pode ser irreversível levando a um infarto cerebral. Se o suprimento sanguíneo é restaurado durante o estágio de isquemia, pode não haver danos. ETIOLOGIA – Existem muitas causa de isquemia, incluindo oclusão por um trombo ou um êmbolo na artéria. A isquemia ocorre quando os níveis pressóricos arteriais caem a um patamar crítico. Isto também ocorre quando aumenta a viscosidade sanguínea como a policitemia vera ou quando o nível de glicose e oxigênio é tão baixo que diminui a atividade metabólica. Meningite aguda ou crônica, encefalite ou arterite causadas pela sífilis podem causar trombose em uma ou mais artérias cerebrais. Outras causas não-frequentes de infarto são a tromboangeite obliterante, poliarterite nodosa e oclusão de veias de drenagem do cérebro. As neoplasias ou edema podem comprimir os vasos cerebrais e prejudicar o tecido nervoso. O espasmo das artérias cerebrais não é causa comum de isquemia, mas ocorre nas síndromes enxaquecosas. Os sinais e sintomas das lesões oclusivas dependem da circulação colateral de cada paciente. A adequação dessa circulação depende de muitos fatores e do grau da obstru- ção. A causa mais comum de infarto são a arteriosclerose e o embolismo. Aterotrombose é causada por um coágulo localizado em uma placa ulcerada da parede do vaso. O coágulo propaga-se até a oclusão do lúmen ou por microêmbolos da parte distal das artérias. Placas arterioescleróticas podem desenvolver-se em qualquer ponto do sistema carótido e vêrtebro-basilar; o lugar mais comum é o seio carotídeo, na junção da artéria carótida interna com a carótida comum. PATOLOGIA – Os passos da evolução de um infarto são: 1-vasodilatação local 2-estase da coluna sanguínea pela segmentação das hemácias 3-edema 4-necrose. Embora os enfartos, em sua maioria, sejam pálidos, o infarto vermelho é ocasional- mente produzido por uma hemorragia local no tecido necrótico. Esta hemorragia prova- velmente ocorre quando o coágulo ou o êmbolo migram e fluem através da área infartada. Se a interrupção é suficientemente prolongada, desenvolve-se o infarto, o tecido fica amolecido, liquefeito e finalmente forma uma cavidade nas quais o debris é removido pelos fagócitos da micróglia. Posteriormente a astróglia invade a área amolecida e novos capilares são formados. Se a área é muito grande, a cavidade pode colabar ou no local pode formar um cisto cheio de líquido. Pequenos cistos de infartos ou lacunas são as causas mais comuns. Ocorrem no gânglio basal, na cápsula interna, nas bases pontinas e, menos comum, no centro semioval e cerebelo. Eles resultam da oclusão das artérias perfurantes causadas pelo dano que uma pressão arterial elevada persistente proporciona.
  • 219. 2 2 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Embolismo Embolismo cerebral é o termo usado para descrever a oclusão de uma artéria pelo fragmento de um coágulo de sangue, tumor, gordura, ar, ou outra substância estranha. A seqüência de eventos é parecida com a descrita para o enfarto, exceto pelo elemento vasoespasma que pode ser suprimido. Os êmbolos, em sua maioria, são estéreis, mas podem ocorreu nas endocardites bacterianas aguda e subaguda ou processo séptico no pulmão que contenha bactéria. Como resultado podemos ter uma arterite, abscesso, encefalite localizada ou meningite. ETIOLOGIA – O embolismo pelo ar pode ser causado por traumas no pulmão ou liberação de bolhas de nitrogênio na circulação geral seguida de uma rápida redução da pressão barométrica. O embolismo gorduroso é associado a fraturas ósseas ou injúria nos tecidos. Nas crianças, o embolismo cerebral é comumente associado a doença valvular do coração (reumática ou congênita), sobreposta por uma endocardite. Nos adultos, o embolismo é comumente causado pela fibrilação atrial ou infarto do miocardio. Um trombo no átrio esquerdo pode ser deslocado durante uma fibrilação ou após uma cardioversão para restaurar o ritmo cardíaco. Após o infarto do miocárdio, a porção do coágulo que forma pode chegar às artérias cerebrais. A causa mais comum de ataques isquêmicos transitórios é o microembolismo das placas arterioescleróticas das artérias que vão para o cérebro. Essas placas formam os coágulos que podem ser quebrados ou ulcerados, colocando na circulação o seu conteú- do de colesterol e cálcio. PATOLOGIA – O tecido suprido por uma artéria embolizada fica isquêmico e, a menos que o êmbolo se desintegre ou migre, o infarto pode virar hemorrágico. Exceto nos casos em que o êmbolo contenha bactéria, as mudanças patológicas no tecido cere- bral são as mesmas do infarto cerebral devido à aterotrombose. Se o êmbolo é séptico, ele pode levar à formação de um aneurisma micótico que pode romper-se posteriormen- te. O êmbolo cerebral é geralmente múltiplo e associado ao embolismo de vasos perifé- ricos, como o infarto no pulmão, fígado, rins, e outras vísceras. Considerações clínicas Incidência A doença cerebrovascular é a mais comum causa neurológica nos adultos, sendo encontrada em 25% das autópsias realizadas. Choques que ocorrem nos estágios finais das doenças cerebrovasculares são catastroficamente resultantes da arteriesclerose e hipertensão. O AVC mata 275.000 e deixa com seqüelas cerca de 300.000 americanos anualmente, sendo 30% abaixo de 65 anos de idade. A arterioesclerose cerebral repre- senta 15% das admissões de doentes crônicos . A freqüência de sintomáticos de doenças cérebro-vasculares depende em parte da idade, sexo e localização geográfica. Cerca de 70% dos ictos são devidos a ateromatrombose, 20% a hemorragia de vários tipos e 10% a embolismo. Todavia o embolismo é mais freqüente em jovens e a hemorragia em negros. Coonseqüentemente, a incidência de varias formas encontradas em hospitais depende da população local.
  • 220. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 2 3 Embora as lesões cérebro-vasculares ocorram em qualquer idade, em qualquer esta- ção, em qualquer tempo, em ambos os sexos, em todas as raças, cada um destes fatores afeta a incidência e a prevalência de varios tipos de doença cérebro-vascular. A hemor- ragia cerebral e o infarto são incomuns antes dos 40 anos. A incidência de infarto é maior entre 60 e 80 anos de idade e a hemorragia cerebral entre 40 e 70 anos de idade. A incidência de embolismo cerebral e hemorragia cerebral primária é mais evidente na quinta e sexta década. Icto é mais freqüente no frio que nos meses quentes. Perfil da tendência do icto O infarto cerebral não é uma ocorrência acidental. É um termo comumente usado, sendo mais freqüentemente chamado de acidente vascular cerebral, mas isto é resultado de uma cadeia de eventos que surgem antes que o episódio ocorra. Investigações epidemiológicas identificam pessoas suceptíveis, que tenham fatores desencadeantes do icto, os quais são previamente associados a fatores simples ou combinados. Os compo- nentes conhecidos que mostram o perfil de tendência de icto são: 1-Ataque isquêmico transitório, previamente a um infarto cerebral; 2-Hipertensão; 3-Anormalidades cardíacas. A-Anormalidades no ECG por hipertrofia do ventrículo esquerdo. B-Infarto do miocárdio. C-Disritmias cardíacas; particularmente a fibrilação atrial. D-Evidência ao RX de aumento cardíaco; particularmente acompanhado por alteração no ECG de hipertrofia do ventrículo esquerdo. E-Insuficiência cardíaca congestiva. 4-Evidências clínicas de arterioesclerose. A-Angina pectoris. B-Claudicação intermitente nas pernas. C-Sopros arteriais; especialmente quando o pulso carótido esta ausente. 5-Diabetes melitus ou evidência de aumento da taxa de glicose. 6-Elevação da taxa de lipídeos. A-Colesterol; abaixo dos 40 anos. B-Beta lipoprotenemia e possíveis triglicérides endógenos e pré beta lipoprotenemia. Outras causas bem documentadas de possiveis fatores de risco de choque trombótico: 1-Fumar cigarros 2-Eritrocitose 3-Gôta – hiperuricemia. Sinais que antecedem o icto Embora os vários tipos de doença cérebro-vascular difiram no modo de a sintomatologia e o curso clínico aparecem, é difícil encontrar o modo que determina o grau de lesão. Pacientes com doença cérebro-vascular são geralmente assintomáticos antes que a desordem apareça de uma só vez – icto. Sinais que antecedem o choque são infreqüente. Quando ocorrem são inespecíficos.
  • 221. 2 2 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Sinais focais que antecedem o icto, quando presentes, são um presságio de que vai ocorrer um infarto ou uma hemorragia. Em um terço dos casos, ataques isquêmicos transitórios causam afasia, parestesia, alteração nos campos visuais, ou parestesias em um lado do corpo antes do déficit permanente.Um aneurisma pode comprimir um nervo craneano e causar sinais focais por semanas e meses antes que se rompa. As seguintes informações devem ser obtidas do paciente ou da família em todos os casos de fatos premonitórios: 1-Convulsões 2-Irregularidades cardíacas 3-Dor de cabeça 4-Distúrbios visuais 5-Distúrbios auditivos 6-Alterações mentais 7-Fatores precipitantes-TCE-hematoma subdural, etc. 8-Fatores predisponentes 9-História pregressa 10-História familiar. Início Na maioria dos casos, os sintomas do episódio cérebro-vascular são abruptos e aparecem com a máxima intensidade em poucos minutos ou horas. Estes sintomas podem ser focais ou generalizados. Desde um sintoma neurológico focal, paralisia, perda da sensibilidade, alterações na fala, etc. são relatadas como o local em que ocorreu o infarto ou a hemorragia e as correlacionamos com a provável síndroma de varias artérias cerebrais. Sintomas generalizados, que incluem cefaléia, vomitos, con- vulsões e coma, são mais comuns nos pacientes com hemorragia intracerebral e sub- aracnoidea. Em muitos casos a confusão, desorientação e perda da memória são tam- bém presentes durante o período imediato do icto. São relatados como disturbios da função cerebral e associados com doença cérebro-vascular generalizada. Curso O curso da doença depende do tipo e da extensão da lesão e da presença ou ausência de outros fatores complicantes. A mortalidade é cerca de 80% nos casos seguidos de hemorragia cerebral, cerca de 50% nos casos de hemorragia subaracnoidea e cerca de 30% na oclusão de vasos por um trombo. Quando existem pequenos vasos no local do trombo ou do embolo, o paciente geralmente vive, a menos que ocorram complicações. Em casos graves, podemos ter uma sobrevida de poucas horas a muitos meses. Como exceção, temos a ruptura de um aneurisma grande que pode causar a morte em alguns minutos. Ocasionalmente, o paciente com hemorragia cerebral pode sobreviver. A morte em menos de 24 horas é rara em pacientes que apresentaram embolia ou infarto cerebral, se ocorrer será muitos dias ou semanas após o icto. Os sintomas focais neurológicos em caso de hemorragia cerebral, com pouca exce- ções, são mais severos logo no início da doença.Uma pequena porcentagem aumenta a severidade e a extensão em um periodo de poucas horas e pode ser explicado pelo aumen- to da hemorragia. A progressão dos sinais neurológicos focais é incomum em pacientes
  • 222. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 2 5 com infarto ou embolismo cerebral. Quando isto ocorre pode ser explicado devido ao envolvimento independente de outros vasos na propagação do trombo do ponto original para outro ramo, trombosando o vaso. Em pacientes com trombose da artéria basilar e cerebelar póstero-inferior a progressão da sintomatologia neurológica pode ocorrer num periodo de poucas horas ou dias. Os sintomas que geralmente são produzidos pelo choque são mais intensos após o icto, podendo levar ao coma profundo e à morte. Em casos fatais, o estágio terminal da doença é caracterizado por aumento da temperatura, pulso e alteração respiratória e declínio progressivo do nível de consciência. Prognóstico O prognóstico quanto ao retorno da função não pode ser previsto quanto ao grau durante os primeiros dias ou semanas após o choque. Na maioria dos casos não fatais também não poderemos opinar quanto ao prognóstico. Alguns atributos transitórios são sintomas no caso de espasmo cérebro-vascular, mas a mais provável explicação é transitória associada à isquemia cerebral com microembolismo ou vaso-espasmo. Mas, comumente, a melhora tem lugar vagarosamente e o paciente fica com alguma seqüe- la residual, como dificuldade para deambular, usar suas mãos ou falar. Em alguns pacientes não encontramos melhora. Metade dos pacientes que sobrevivem ao choque fica inválida e sujeita ao perigo de recorrência em semanas, meses ou anos. Metade dos pacientes que sofreram infarto cerebral pode eventualmente morrer de doença cardíaca. Em pacientes idosos, com arterioesclerose generalizada, o curso pode ocorrer com a presença de muitas pequenas lesões cérebro-vasculares chamadas de lacunas, que po- dem produzir sintomas mínimos e sinais como torpor, tontura, cãibra e disartria. Prevenção do choque Devemos ficar cientes dos fatores que predispõem ao choque; a profilaxia pode ser usada para identificar a pessoa que tem a probabilidade de ter um choque e podem-se instituir medidas preventivas. A primeira e mais destacada é a que tem história de hiper- tensão, hiperlipoproteinemia, diabetes melitus, doença coronariana em parentes da famí- lia. Em adição à suscibilidade genética, existem vários fatores como o nível excessivo de colesterol e gorduras, fumar cigarros e presença de estresse crônico e prolongado con- flito emocional. A hipertensão arterial é a mais importante causa, quando determinada por um au- mento crônico das pressões sistólicas e diastólicas, o risco de choque é grande. O au- mento abrupto da pressão arterial apresenta um grande risco. É essencial que os pacien- tes hipertensos controlem sua pressão. Tratamento A terapia deve ser dividida em duas partes. A primeira fase é ligada diretamente a salvar a vida do paciente e a segunda será a reabilitação. Epilepsia
  • 223. 2 2 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Conceito Não existe uma definição completamente satisfatória de epilepsia. Trata-se, geral- mente, de uma condição crônica, compreendendo um grupo de doenças que têm em comum crises epilépticas que recorrem na ausência de doença tóxico-metabólica ou febril. Crises epilépticas são eventos clínicos que refletem disfunção temporária de uma pequena parte do cerebro (crises focais) ou de área mais extensa envolvendo os dois hemisférios cerebrais (crises generalizadas). A crise epiléptica é causada por descarga anormal excessiva e transitória das células nervosas. Os sintomas de uma crise depen- dem das partes do cérebro envolvidas na disfunção. Crises epilépticas são sintomas comuns de doenças neurológicas agudas: meningoencefalite, trauma cranioencefálico, doenças cérebro-vasculares. Ou doenças clínicas: anóxia, estado hipoglicêmico não cetótico, insuficiência renal, hepática. Uma das primeiras descrições registradas de um paciente com epilepsia pode ser encontrada em um texto de Acádico de 2000 a.C., o qual fornece uma descrição de um episódio convulsivo. No passado acreditava-se que a epilepsia fosse uma manifestação de espíritos do mal ou uma expressão do descontentamento divino. Dois pesquisadores são considerados os introdutores dos conceitos modernos da epilepsia: Jackson Hughlings, que caracterizou uma crise como uma descarga elétrica excessiva, súbita na substância cinzenta, e Growers, que contribuiu para enriquecer os dados sobre as características clínicas das várias formas de epilepsia, sendo um dos primeiros a levantar questões relativas ao tratamento e prognóstico. Diagnóstico O primeiro passo no diagnóstico é definir, pela anamnese, se os episódios realmente são epilépticos e então tentar identificar a causa. O processo para o diagnóstico das crises epilépticas geralmente depende da decrição pormenorizada das crises pelo paciente, por parente ou testemunha. A história deve incluir a descrição dos sintomas prodrômicos ou iniciais “aura ou crise parcial”, as mani- festações críticas e os sintomas ou sinais pós-íctais. A maior dificuldade pode ocorrer nas primeiras crises. Quando várias crises já ocorreram, de modo geral, os dados podem ser verificados por vários informantes ou situações distintas. Obter informações precisas sobre a ocorrência dos eventos é fundamental no pro- cesso diagnóstico. Devem-se incluir na documentação do episódio fatores precipitantes, ocorrência de aura ou aviso, áreas do corpo inicialmente afetadas, progressão da ativi- dade e sua evolução, duração da crise e momento de ocorrência no dia. Devem ser observados os movimentos involuntários ou automatismos, tais como es- talar os lábios, mastigação ou careta, movimentos oculares, alteração da consciência, liberação esfincteriana, apnéia, cianose, quedas, mudança no comportamento, confusão mental, mordedura de língua ou traumatismo, automatismo ou movimentos involuntários com os membros, déficits focais transitórios durante e após a crise, apatia, disturbio de linguagem e cefaléia. O médico que inicialmente atende o paciente deve obter a maior quantidade possível
  • 224. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 2 7 de dados. O paciente deve ter tempo e ser estimulado a falar espontaneamente sobre a descrição dos sintomas e sinais e, posteriomente, ser intensamente interrogado. O exame físico geral deve ser dirigido para sinais de doenças específicas ou malformações que causam epilepsias, tais como alterações cutâneas, como manchas café com leite, que são associadas a manchas cor-de-vinho-do-porto com sindrome de Stuge-Weber, adenoma sebáceo facial com assimetria de face e membros que sugere lesão lateralizada e auscuta de sopro craneano que aponta para doenças vasculares. O exame neurológico convencional é geralmente normal em pacientes com epilepsia. A presença de anormalidades sugere que as crises são secundárias e a doença cerebral orgânica. Epidemiologia - incidência e prevalência A incidência de uma doença é a taxa de ocorrência de casos novos em uma popula- ção definida. Em uma doença crônica com baixo índice de mortalidade, a taxa de prevalência será consideravelmente mais elevada do que a incidência. Estudos mundiais da incidência de epilepsia mostram uma ampla faixa de variação de 11/100.000 a 134/ 100.000. A prevalência de uma doença é o numero de todos os casos de uma doença em uma população definida. Como verificado com relação à incidência, as taxas referidas vari- am amplamente de 1,5/1000 a 31/1000. Os dados de freqüência de epilepsia são muito variáveis. Esta variação é explicada pelas dificuldades metodológicas, que vão desde as definições adotadas de epilepsia até a fonte de obtenção dos dados. A taxa de incidência varia de 11 a 131/100.000 por ano e a prevalência de 1,5 a 30/ 1000.000 a sexta. Marino et al. encontraram prevalência na grande São Paulo de 11,9/1000. Mais re- centemente, Fernandes et al. determinaram uma prevalência de 16,5 a 20,3/1000, res- pectivamente para epilepsia ativa e inativa em Porto Alegre. A faixa etária mais acometida é a infantil, particularmente abaixo de 2 anos de idade e, em segundo lugar, idosos com mais de 65 anos. Apresenta uma dominância nos ho- mens em relação as mulheres (1,1 a 1,7 vezes). A tendência nos países desenvolvidos é a de que a freqüência das crises diminua nas crianças e aumente na população idosa. Prognóstico O estabelecimento do prognóstico é importante, tanto para planejar um tratamento racional como para a verificação dos fatores preditores dos resultados. Numerosos pon- tos podem ser examinados ao se verificar o prognóstico da epilepsia e estes incluem: o risco de recorrência após a primeira crise, as chances de remissão após mais de uma crise, as chances de recorrência quando deveria ocorrer remissão e a perspectiva de aumento de mortalidade. Recorrência de crises após a primeira crise não-febril Constituem aspectos importantes no prognóstico. Eles influenciarão a conduta a ser tomada com um paciente visto após uma crise única e permitirão a verificação do efeito
  • 225. 2 2 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI de uma intervenção precoce. TAXA DE RECORRÊNCIA – Em estudos publicados, foram verificadas taxas de risco de recorrência variáveis, de 16-81%, após uma convulsão única não febril. Esta variação pode ser explicada principalmente por diferenças metodológicas. Taxas de recorrência baixas tendem a ser referidas em estudos retrospectivos e em estudos que incluíram pacientes atendidos em hospital ou que não incluíram pacientes antes da ocorrência de uma segunda crise. Isto ocorre a despeito do fato que pacientes atendi- dos em hospital deveriam ter taixas mais elevadas de recorrência devido à gravidade de suas crises ou à etiologia sintomática. FATORES QUE INFLUENCIAM A TAXA DE RECORRÊNCIA – A maioria dos estudos tem mostrado um risco de recorrência mais elevado após uma crise com uma causa identificável, tal como um tumor ou acidente vascular; foi encontrado uma taxa de recorrência de 77% até 5 anos, comparada com 45% para crises idiopáticas. Outros fatores preditivos de taxa de recorrência mais elevada são os déficits neurológicos ao nascimento, idade abaixo de 16 anos e acima de 65 anos e crises parciais. Pacientes com descargas generalizadas de espículas no eletroencefalograma também apresentam maiores taxas de recorrência. EFEITOS DO TRATAMENTO COM DROGA ANTIEPILÉPTICA APÓS UMA CRISE INICIAL – Em estudos descritivos, pacientes com crises graves serão mais provavelmente tratados. Deste modo, tanto Hauser et al. como Hirtz et al. encontraram que o tratamento não afetava o risco de recorrência, embora outros estudos descritivos tenham mostrado que o risco de recorrência é mais baixo em pacientes tratados. Um estudo de pacientes tratados ao acaso também mostrou que o risco de uma segunda crise foi 2,8 vezes mais elevado no grupo não tratado, mas estes resultados encorajadores precisam ser confirmados. REMISSÃO – Define-se remissão como o período livre de crises em um paciente que tenha apresentado previamente mais de uma crise. Esta pode ser permanente ou temporária. Growers, no Hospital Nacional de Doenças Nervosas, foi o primeiro a exa- minar sistematicamente o prognóstico da epilepsia. Ele notou que o desaparecimento da crise é um evento muito raro para ser antecipado e que cada crise facilita o aparecimen- to de outra. Em 1968, Rodin acompanhou 222 pacientes de sua clínica no EUA e encon- trou que as chances de alcançar remissão eram de menos de 20%. Ele repetiu a impres- são de Growers em sua descrição de epilepsia como uma condição crônica caracteriza- da pela tendência a recorrência das crises. TAXAS GERAIS DE ESTUDOS BASEADOS EM POPULAÇÕES HOSPITA- LARES – No Japão foi feito um estudo em 20 instituições neurológicas entre 1964 e 1974 e encontrou-se uma taxa de remissão de 58%. Num estudo semelhante realizado na Dinamarca os valores variavam de 47% para pacientes com epilepsia generalizada primária a 28% para pacientes com crises parciais complexas. Um estudo prospectivo multicêntrico, realizado na Italia, analisou uma população de pacientes com epilepsia recente vistos em hospitais, envolvendo tanto adulto como crian- ças com todas as variedades de epilepsia. Destes, 81% foram seguidos por 2 anos e 28,9% por 5 anos. 77% dos pacientes tiveram uma remissão de 1 ano em alguma época do seguimento e 70% tiveram uma remissão terminal de 1 ano, 78% tinham tido uma remissão
  • 226. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 2 9 de 3 anos em alguma época até o termino de 5 anos. TAXAS GERAIS DE ESTUDOS POPULACIONAIS – Em 1975 Hauser e Kurland nos EUA relataram o prognóstico de 516 pacientes atendidos na Clinica Mayo, entre 1935 e 1967. Dez anos após o diagnóstico, 40% tiveram uma remissão terminal de 2 anos, esta taxa elevou-se para 49% em 15 anos e para 55% aos 20 anos. O relato mais recente analisou 306 pacientes diagnosticados até 1978. Neste estudo, a probabilidade de alcançar, após 20 anos, um período livre de crises de 5 anos, foi de 75%. FATORES QUE INFLUENCIAM A REMISSÃO – Epilepsia não é uma doença individual, mas a expressão clínica de grande numero de diferentes desordens cerebrais. Assim, o conceito de prognóstico para uma criança com epilepsia rolândica benigna é melhor do que um paciente com uma condição neurológica degenerativa progressiva. Os fatores que afetam o prognóstico para diferentes tipos de pacientes com epilepsia apresentam provavelmente maior interesse do que as taxas de remissão como um todo. IDADE E SEXO – A maioria dos estudos tem mostrado que a juventude é um fator preditor de melhor prognóstico, embora isto não tenha sido sempre confirmado. Do pon- to de vista neurobiológico, seria surpreendente se o sexo tivesse qualquer efeito no prog- nóstico da epilepsia. Contudo Hauser e Kurland encontraram uma taxa de remissão terminal de 2 anos discretamente melhor em homens do que em mulheres, embora esta diferença não tenha sido estatisticamente significante. TIPO DE CRISE – Não tem relação significativa sobre o prognóstico para a remis- são das crises. ETIOLOGIA – É de importância fundamental para determinar o prognóstico. Embo- ra pudesse ser esperado que quando a epilepsia é associada a uma causa focal o prog- nóstico seria pior, isto ainda não foi conclusivamente substanciado. Os estudos de Rochester não foram capazes de indentificar pacientes com causas conhecidas de sua curva de remissão, possivelmente porque tais casos são prontamente divididos naqueles com causas letais e nos benignos ou causas tratadas com sucesso e bom prognóstico. RETIRADA DE DROGAS – Embora 80% dos pacientes com epilepsia que iniciam tratamento com drogas antiepilépticas (DAE) entrem em remissão, esta porcentagem pode refletir a história natural de certos tipos de epilepsia, ao invés de qualquer efeito benéfico direto ao tratamento. Como a maioria dos pacientes entra em remissão mantida, com a continuação do tratamento há riscos decorrentes dos efeitos colaterais associa- dos a DAE. A retirada das droogas é então uma opção razoável e ética para pacientes que se encontrem livres de crises após certo periodo de tempo. O efeito da retirada de drogas é também importante para o paciente, que freqüentemente considera cura como liberdade do tratamento medicamentoso e das crises. MORTALIDADE – A epilepsia pode representar uma condição com risco de vida e a taxa de mortalidade em pacientes epilepticos é de duas a três vezes superior à espera- da na população geral. Classificação das crises epilépticas e das epilepsias As crises são classificadas de acordo com esquema proposto pela Internacional League Against Epilepsy (ILAE) em 1981. TABELA I – CLASSIFICAÇÃO DAS CRISES EPILÉPTICAS
  • 227. 2 3 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI 1. CRISES PARCIAIS (ou focais ou locais) Crises parciais simples (CPS)-(consciência preservada) com sinais motores com sinais sensitivos somatosensoriais ou especiais com sinais ou sintomas autonômicos com sintomas psíquicos Crises parciais complexas(CPC)-(consciência alterada) Inicio de crise parcial simples seguida por alteração na consciência Alteração de consciência no início Secundariamente generalizadas CPS evoluindo para crises tônico-clônicas generalizadas (CTCG) CPC evoluindo para CTCG CPS evoluindo para CPC e então para CTCG 2.CRISES GENERALIZADAS (desde o início) crises tônico-clônicas generalizadas crises de ausência crises de ausência atípicas crises mioclônicas crises tônicas crises clônicas crises atônicas 3.CRISES NÃO CLASSIFICÁVEIS Para a classificação das crises epilépticas, a consciência é entendida como a capaci- dade de responsividade e de percepção consciente. Quando estas estão alteradas, diz-se que há comprometimento da consciência. O que distingue a crise parcial simples da complexa é o comprometimento da consci- ência na última. A Classificação das Epilepsias e Síndromes Epilépticas proposta pela ILAE em 1989 (Tabela II) é baseada nas semelhanças em relação ao tipo de crises, idade de início, sinais clínicos ou neurológicos associados, história familiar, achados eletroencefalográficos e prognóstico. A maioria das síndromes epilépticas, entretanto, não tem necessariamen- te causas comuns. Nos últimos anos, o vídeo-EEG e o conhecimento da história natural das muitas for- mas clínicas têm permitido uma visão terapêutica e prognóstica muito mais acurada, como pode ser compreendido com os estudos de determinadas síndromes e subsíndromes. TABELA II – CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DAS EPILEPSIAS E SÍNDROMES EPILÉPTICAS E CONDIÇÕES RELACIONADAS 1. SÍNDROMES E EPILEPSIAS LOCALIZADAS (locais, focais, parciais) 1.1.IDIOPÁTICA (início relacionado à idade) Epilepsia Benigna da Infância com Espículas Centro-Temporais Epilepsia da Infância com Paroxismos Occipitais Epilepsia Primária da Leitura
  • 228. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 3 1 1.2. SINTOMÁTICA Epilepsia Parcial Contínua Progressiva Crônica Síndromes c/ Crises c/ Quadros Específicos de Manifestação - Epilepsia Lobo Temporal - Epilepsia Lobo Frontal - Epilepsia Lobo Parietal - Epilepsia Lobo Occipital 1.3. CRIPTOGÊNICAS 2. SÍNDROMES E EPILEPSIAS GENERALIZADAS 2.1. IDIOPÁTICA (início relacionado à idade) Convulsão Familiar Neonatal Benigna Convulsão Neonatal Benigna Epilepsia Mioclônica Benigna do Lactente Epilepsia Ausência da Infância Epilepsia Ausência Juvenil Epilepsia Mioclônica Juvenil Epilepsia com Crises Tônico-Clônicas ao Despertar Outras Epilepsias Idiopáticas Generalizadas Epilepsias Desencadeadas por Modos Específicos de Ativação 2.2. CRIPTOGÊNICA OU SINTOMÁTICA Síndrome de West Síndrome de Lennox-Gastaut Epilepsia com Crises Mioclônico-astáticas Epilepsia com Ausências Mioclônicas 2.3. SINTOMÁTICAS 2.3.1. Etiologia inespecífica Encefalopatia Mioclônica Precoce Encefalopatia Epiléptica Infantil Precoce com Surto-supressão Outras Epilepsia Generalizadas Sintomáticas 2.3.2. Síndromes específicas Crises Epilépticas Complicando Outras Doenças 3. SÍNDROMES E EPILEPSIAS INDETERMINADAS SE FOCAIS OU GENE- RALIZADAS 3.1. COM CRISES FOCAIS E GENERALIZADAS Crises Neonatais Epilepsia Mioclônica Severa do Lactente Epilepsia com Espícula-onda Lenta Contínua Durante Sono Lento Afasia Epiléptica Adquirida Outras Epilepsias Indeterminadas 3.2. SEM CRISES INEQUÍVOCAS FOCAIS OU GENERALIZADAS
  • 229. 2 3 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI 4. SÍNDROMES ESPECIAIS 4.1. CRISES CIRCUNSTANCIAIS Convulsões Febris Crises Isoladas ou Estado de Mal Isolado Crises Ocorrendo Somente em Evento Tóxico ou Metabólico As principais características clínicas que permitem localizar a origem das epilepsias loca- lizadas sintomáticas ou criptogênicas podem ser esquematizadas na Tabela III. TABELA III : PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DAS CRISES COM RELAÇÃO À LOCALIZAÇÃO NOS LOBOS Crises de Lobo Frontal: CPS±CPC±CTCG Movimentos adversivos da cabeça, manifestações motoras proeminentes, particular- mente nas pernas. Crises freqüentes (muitas ao dia), com duração de segundos. Apesar da alteração de consciência há pouca confusão pós-crítica. Crises de Lobo Parietal: CPS±CTCG Sintomas sensitivos e motores (com marcha jacksoniana). Algumas vezes com sen- sações dolorosas. Crises de Lobo Temporal: CPC±CTCG Sensação epigástrica, alucinações olfatórias ou gustativas, dèjá vu, jamais vu, automatismos alimentares, alucinações visuais e confusão pós-ictal proeminente. Crise de Lobo Occipital: CPS±CTCG Fenômenos visuais simples: brilho, relâmpago, pisca-pisca, clarão. A epilepsia do lobo temporal vem sendo reconhecida como uma síndrome especifica devido à sua alta prevalência e a freqüente refratariedade ao tratamento medicamentoso. Geralmente inicia-se na infância, embora possa aparecer em qualquer idade. Alterações eletroencéfalograficas, com descargas epileptiformes uni ou bilateralmente na região temporal anterior e início ictal no eletrodo esfenoidal, são caracteristicas da síndrome, apesar de não ocorrerem em todos os pacientes. Os pacientes geralmente têm exame neurológico normal, exceto com déficit de me- mória recente, observado na maioria dos indivíduos controlados. Observam-se exames radiodiagnósticos normais ou evidência de alteração na RM sugestivas de esclerose mesial, hipometabolismo no SPECT interictal e hipermetabolismo ictal na região temporal, e evidência de disfunção uni ou bilateral na avaliação neuropsicológica. Os pacientes podem ter história familiar de epelepsia e antecedentes de convulsão febril prolongada na infância. Diagnóstico diferencial Distúrbios episódicos ou paroxísticos podem simular crises epilépticas. Crises refratárias ao tratamento, quando acompanhadas de função cognitiva e EEG
  • 230. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 3 3 normais, podem necessitar de uma reavaliação diagnóstica. A possibilidade de outras condições não epilépticas deve ser considerada, tais como: enxaqueca, pseudocrise, síncope, hiperventilação, perda de fôlego, distúrbio do sono, tique, ataque de raiva (síndrome do descontrole episódico) e refluxo gastroesofágico. Etiologia Aproximadamente 70% dos pacientes têm epilepsias idiopáticas ou criptogênicas. Assim em 30% dos pacientes, quando bem investigados, podemos determinar a etiologia. Quase todas as doenças que atingem a substância cinzenta, muitas da substância branca (doença metabólica) e inúmeras doenças sistêmicas podem causar crises epilép- ticas. Três fatores causais podem estar envolvidos: predisposição individual, presença de lesão epileptogênica cerebral (local ou generalizada) e alterações bioquímicas ou elétri- cas cerebrais. As causas das crises podem ser divididas em dois grupos: agudas ou remotas. As causas agudas variam com a faixa etária. Entre as causas podemos citar: fatores genéticos e perinatais, doenças infecciosas, fatores tóxicos, trauma ou agentes físicos, distúrbios vasculares, metabólicos e nutricionais, doenças degenerativas e heredofamiliares. No nosso meio, a causa mais freqüente é a neurocisticercose. Eletroencefalograma Mesmo com o avanço da neuroimagem, o EEG ainda é o exame de maior sensibilida- de na avaliação das epilepsias. O EEG interictal tem a finalidade de: a) confirmar o diagnóstico clínico, b) ajudar na classificação das crises e das síndromes epiléptica, c) fornecer informação prognóstica. Um primeiro EEG pode ser normal em 30 a 40% dos pacientes epilépticos, sendo mais usado no seguimento de pacientes epilépticos crônicos, mas neste caso não está bem estabelecido. Tratamento medicamentoso O tratamento medicamentoso das epilepsias é aceito como tratamento sintomático, isto é, visa primáriamente ao controle das crises epilépticas. A seleção das drogas antiepilépticas é baseada, primariamente, na sua eficácia para tipos específicos de crises de epilepsia. Imagem e cirurgia A ressonância magnética tem provocado verdadeira revolução no esclarecimento etiológico das epilepsias, identificando alterações estruturais passíveis de remoção, tais como lesões atróficas, displásicas ou neoplásicas. Os resultados cirúrgicos têm sido particularmente excelentes quando estas lesões ocorrem no lobo temporal. Estigma A palavra epilepsia ainda provoca rejeição de pacientes e até de determinados médi- cos. Disritmia, termo inadequado, cada vez menos é utilizado como sinônimo de epilep- sia. Muitas vezes reflete o preconceito do próprio médico em relação às epilepsias. O esclarecimento para o paciente e para a família, da condição crônica e da impor- tância da adêrencia ao tratamento, é fundamental.
  • 231. 2 3 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Epilepsia na infância É na infância que encontramos a maior quantidade de pessoas que apresentaram episódios convulsivos. Temos as crises neonatais, as convulsões febris e as chamadas de epilepsia benigna na infância e as graves da infância. Convulsão febril Convulsão febril (CF) é um evento próprio da infância, geralmente ocorrendo entre 3 meses e 5 anos de idade, associado à febre, mas sem evidência de infecção intracraneana ou com outra causa definida. São excluídas da definição aquelas crianças que tiveram convulsões afebris previamente. CF deve ser distinguida de epilepsia, que se caracteriza por crises afebris recorrentes. O baixo limiar da córtex em desenvolvimento, a suceptibilidade da criança a infec- ções, a propensão alta e o componente genético afetando o limiar convulsígeno são fatores que se combinam e justificam porque a CF é um fenômeno da primeira infância e é sobrepujado com o crescimento. CF pode ser simples: se a crise for generalizada, com duração inferior a 15 minutos, não recorrer em 24 horas e não apresentar anormalidade neurológicas pós-ictal, ou com- plexa se a crise for focal ou durar mais do que 15 minutos ou recorrer em 24 horas. A incidência de CF na população febril varia de 1% na China, 8% no Japão, 14% em Guam, 2 a 4% na Europa e EUA, e 4% no Brasil. O prognóstico a longo prazo é favorável. Em crianças acompanhadas até 7 anos de idade não foram observados óbitos ou seqüelas motoras ou aumento do prejuízo intelec- tual. Cerca de um terço das crianças que tiveram CF terão uma ou mais CFs recorrentes. Consideram-se os principais fatores preditivos de recorrência: a idade em que ocorre a primeira crise (menor de 18 meses), a presença de história familiar positiva para convul- sões, a duração de febre alta antes da CF inicial e a temperatura durante a CF. A história familiar positiva para CF significa similar convulsígeno à febre geneticamente determi- nado e, como este limiar é mais baixo, o início do quadro é precoce e a curta duração da febre (muitas vezes com temperaturas não são altas) pode desencadear a crise. O risco global de epilepsia seguido à CF é bastante baixo e variável segundo o estudo e o tempo de seguimento. O risco de epilepsia nestes pacientes foi de 1,5% na idade de 7 anos. Os seguintes fatores são de risco para a epilepsia: história familiar de epilepsia, anormalidades neurológicas e complexa. Se nenhum fator estiver presente, o risco será de 1%. Quando apenas um só fator estiver presente, o risco será de 2%. Do pequeno grupo de alto risco com dois ou mais fatores presentes (6% da casuística), 10% das crianças desenvolveram epilepsia. Alguns autores acreditam que o melhor tratamento para crianças que tiveram a primeira CF não é a prescrição medicamentosa, mas sim, a conversa com os pais, procurando informá-los e acalmá-los, assegurando-lhes que a grande maioria das CFs são únicas, não causam dano físico e não necessitam de tratamento. O maior benefício do tratamento da CF é a prevenção de futuras CFs. Não há qual- quer evidência de que o tratamento prolongado com anticonvulsivantes previna o desen- volvimento de posterior epilepsia.
  • 232. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 3 5 Crises neonatais O período neonatal é limitado, convencionalmente, às quatro primeiras semanas de vida e as crises convulsivas, relativamente freqüentes nesse período, constituem mani- festações de anormalidade cerebral, estando associadas a alto risco de mortalidade ou a seqüelas neurológicas permanentes. O prognóstico está relacionado à etiologia das cri- ses, aos fatores perinatais e às condições associadas à evolução clínica neurológica. A incidência varia de 1,5 a 14/1.000 nascidos vivos em função não somente do diagnóstico clínico como da idade gestacional do récem-nascido (RN). As manifestações clínicas das convulsões neonatais constituem-se não somente de movimentos clônicos fragmentários, abalos mioclônicos, extensão tônica, espasmos posturais, como também de crises sutis caracterizadas por períodos breves de apnéia, choro súbito anormal, desvio tônico do olhar, alterações vasomotoras e movimentos de sucção ou deglutição que ocorrem isolados ou associados a outras manifestaçõoes epi- lépticas. As alterações clínicas associam-se ou não a padrões eletrográficos ictais ca- racterísticos no RN a termo e pré-termo. Dessa maneira, anormalidades críticas típicas ou atípicas e os registros poligráficos obtidos por ocasião das descargas estão relaciona- dos ao desenvolvimento neuro-anatômico e fisiológico do cerebro, estando os neurônios, prolongamentos axonais e comissuras, em início de desenvolvimento. Nas crises neonatais as manifestações críticas podem ou não estar associadas à alteração no EEG e apresentam a classificação a seguir: 1. Crises associadas à alteração no EEG: a) Focal clônica b) Mioclônica c) Focal tônica d) Apnéia 2. Crises sem alterações consistentes no EEG ou não relacionadas: a) Automatismo motor: movimentos oro-linguais, oculares, pedalagem, rotatórios dos braços ou movimentos complexos; b) Generalizada tônica: em extensão, flexão ou mista; c) Mioclônicas: generalizada, focal e fragmentária. 3. Espasmos infantis. 4. Crises eletroencefalográficas sem manifestação clínica. As descargas no EEG permanecem localizadas, sendo sua propagação lenta, rara- mente sincrônica bilateral, variável em voltagem e freqüência, possibilitando a detecção de alterações na freqüência cardíaca e respiratória antecedendo a descarga elétrica encefálica anormal. As convulsões neonatais podem ser secundárias a multiplas causas, todavia as prin- cipais são: trauma de parto, anóxia, anormalidades congênitas, metabólicas gerais, infec- ções, drogas, hipertensão, dependência a piridoxina, aminoacidopatias, kernicterus, tóxi- ca e familial. A encefalopatia-hipóxico isquêmica secundária à asfixia perinatal constitui a etiologia mais comum de crises convulsivas neonatais, podendo estar relacionada à idade gestacional, em que no RN pré-termo se constata comprometimento proeminente da substância branca periventricular e nos RN a termo, nas regiões corticais.
  • 233. 2 3 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI O diagnóstico etiológico das crises neonatais pode ser feito por meio dos anteceden- tes maternos e familiares, da história gestacional e pirinatal do RN. O exame clínico e neurológico minucioso deve ser realizado juntamente com a investigação laboratorial. A história pregressa do parto é fator importante para a apresentação de hipóteses diagnósticas. Constatando-se uma única vez os fenômenos convulsivos e afastada a possibilidade de alterações metabólicas, inicia-se a terapêutica com anticonvulsivantes. Em nosso meio, o fenobarbital constitui a droga de primeira escolha e a fenitoína de segunda. Do ponto de vista evolutivo, os fatores que conferem mau prognóstico às crises convulsivas neonatais são: o estado de mal, as crises do tipo tônicas e mioclônicas, o índice de Apgar menor que 3 no quinto minuto e o padrão do EEG (baixa voltagem), multifocal, surto supressão. Epilepsias benignas da infância A Classificação Internacional de Epilepsias e Síndromes Epilépticas de 1989, feita pela ILAE, propõe categorização baseando-se no tipo de início do fenômeno epiléptico, isto é, se localizado ou generalizado. Na infância, tal precisão é muitas vezes difícil, o que justifica a forma de apresenta- ção feita em 1985 na qual se considera a faixa etária em que ocorrem as síndromes epilépticas. Uma síndrome epiléptica é considerada “benigna” se o curso clínico tende para a remissão completa sem riscos de deterioração neuropsíquica. Para tanto, é necessário considerar os dados clínicos e eletroencefalográficos do início do processo e observar atentamente sua evolução. Os critérios utilizados são discutíveis e variáveis, mas os propostos por Aicard são bastante abrangentes. TABELA I SÍNDROMES EPILÉPTICAS DA INFÂNCIA 1-PERÍODO NEONATAL Convulsão neonatal idopática benigna: familiar e não familiar Encefalopatia mioclônica precoce Encefalopatia epiléptica infantil precoce com surto-supressão 2- PERÍODO LACTANCIA E INFÂNCIA PRECOCE Síndrome de West Epilepsia mioclônica benigna do lactente Epilepsia mioclônica grave do lactente Epilepsia mioclônica astática da infância precoce Síndrome de Lennox-Gastaut 3-PERÍODO INFÂNCIA Epilepsia ausência infantil Epilepsia parcial benigna com espículas centro-temporais Epilepsia benigna da infância com paroxismos occipitais
  • 234. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 3 7 Epilepsia parcial benigna com sintomas afetivos Epilepsia parcial benigna com potenciais evocados somato-sensitivos das extre- midades Epilepsia com crise tônico-clônica generalizada na infância Síndrome de Landau-Kleffner Epilepsia com espículas-ondas contínuas do sono lento 4-PERÍODO INFÂNCIA TARDIA E ADOLESCÊNCIA Epilepsia com ausência mioclônica Epilepsia da leitura Epilepsia ausência juvenil Epilepsia mioclônica juvenil Epilepsia com CTCG do despertar Epilepsia parcial benigna do adolescente Epilepsia fotossensível Síndrome de Kojewnikow Epilepsia mioclônica progressiva TABELA II CRITÉRIOS DE BENIGNIDADE SEGUNDO AICARDI Inteligência normal Ausência de sinais neurológocos Ausência de dano cerebral demonstrável Início após os dois anos Baixa freqüência de crises Limitado numero de crise tônico-clônicas generalizadas Apenas um tipo de crise Ausência de crises tônico-atônicas Breve período de crises incontroláveis Boa resposta à terapia anticonvulsivante EEG normal no início do tratamento Rápida melhora eletroencefalográfica com a terapia Epilepsias graves da infância As epilepsias constituem síndromes epilépticas que podem apresentar etiologias vari- adas além de configuração eletroclínica e evolutiva peculiares. São consideradas, por alguns autores, como o resultado de processos similares que ocorrem em momentos distintos na evolução do sistema nervoso central. Incluem-se neste grupo de doenças as encefalopatias epilépticas com crises mioclônicas, que podem ocorrer mesmo na ausência de anormalidades metabólicas ou estruturais do cérebro. As epilepsias graves da infância costumam ser acompanhadas de atraso do desen- volvimento ou involução das funções cognitivas da criança. ENCEFALOPATIA MIOCLÔNICA PRECOCE – Síndrome caracterizada clinica-
  • 235. 2 3 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI mente pela ocorrência de crises mioclônicas erráticas, fragmentárias ou mioclônicas maciças associadas a outros tipos de crises, com início no período neonatal. O traçado eletroencefalográfico é do tipo surto-supressão, evoluindo para hipsiarritimia. Os paci- entes são gravemente acometidos, ocorrendo óbito em 50% dos casos no primeiro ano de vida e os demais sobrevivendo em estado vegetativo. Não há predomínio de sexo. É evidente a ocorrência familiar, relacionando-se com aminoacidopatias, em particular, a hiperglicemia não cetótica, podendo apresentar outras etiologias. ENCEFALOPATIA EPILÉPTICA INFANTIL PRECOCE – Constitui-se em uma das encefalopatias epilépticas dependentes da idade e que, posteriormente, evoluirá para a síndrome de West (SW) e síndrome de Lennox-Gastaut (SLG), indicando-se, assim, a estreita correlação entre as três síndromes. Inicia-se no período neonatal, ou precoce- mente, no primeiro ano de vida, com predomínio dos espasmos tônicos isolados ou em salvas, podendo associar-se a outros tipos de crises epilépticas. O traçado eletroencefalográfico apresenta-se padrão surto-supressão, evoluindo para a hipsiarritmia e posteriormente complexos espícula-onda lenta 2-2,5Hz. Todas as crianças têm grave comprometimento do desenvolvimento neuropsicomotor, com óbito em um terço dos casos até o segundo ano de vida. Há várias etiologias, principalmente as malformações do sistema nervoso central. SÍNDROME DE WEST – Relatada pelo Dr W.J. West em 1841, consiste da tríade: espasmos infantis, deterioração ou retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, e tra- çado eletroencefalográfico com padrão de hipsiarritmia. Inicia-se quase que exclusiva- mente no primeiro ano de vida, com maior incidência entre os 4-7 meses de idade. O sexo masculino é o mais afetado. Os espasmos podem ser em flexão, extensão ou mis- tos. Outros tipos de crises podem preceder ou associar-se aos espasmos infantis. A deterioração no desenvolvimento neuropsicomotor está presente em 95% dos casos. O melhor prognóstico ocorre nos 5% dos casos que permanecem com desenvolvimento normal. A SW pode ser dividida em dois grupos em relação à etiologia: o criptogênico, no qual o lactente é normal até o inicio dos espasmos, sem qualquer lesão cerebral detectável, e o grupo sintomático, no qual há prévio desenvolvimento neuropscomotor anormal, alte- rações ao exame neurológico e/ou lesões cerebrais identificadas pelo CT. Os espasmos infantis são geralmente resistentes às drogas antiepilépticas. Lombroso relatou o controle dos espasmos em casos griptogênicos de início precoce (antes de 4 semanas do início dos espasmos), e com tratamento pelo ACTH (20-160U//m/d, IM). Salientam-se os efeitos colaterais de hipertensão arterial sistêmica, disturbios eletrolíticos, insuficiência adrenal e infecções, que podem ser sérias e levar ao óbito. Há relato de casos tratados com pirodoxina em altas doses e controle dos espasmos infantis. Nos casos sintomáticos ou que não responderam ao uso do ACTH, o tratamento instituído é o mesmo utilizado para as demais formas de epilepsias graves. O valproato (VA) é uma opção de tratamento, havendo autores que usaram altas doses (150 a 300 mg/kg/d), com resultados satisfatórios no controle das crises. Os benzodiazepínicos tam- bém podem ter ação eficaz nas epilepsias graves. O nitrazepam é o mais indicado na SW, podendo-se utilizar o clonazepan. O prognóstico, mesmo nos casos tratados precocemente, permanece reservado, ob- servando-se em 90% dos casos a presença de deficiência mental. Distúrbios psiquiátri- cos são freqüentes, em especial a hipercinesia e os traços autísticos. Outras sindromes
  • 236. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 3 9 epilépticas podem seguir à SW, sendo que, 50 a 60% dos casos evoluem para SLG, epilepsia multifocal parcial secundariamente generalizada. EPILEPSIA MIOCLÔNICA GRAVE DO LACTENTE – Descrita por Dravet et al., inicia-se no primeiro ano de vida na forma de convulsões febris recorrentes e poste- rior aparecimento de abalos mioclônicos. Freqüentemente há crises parciais com ou sem generalização secundária, associadas a história familiar positiva para epilepsia e convul- são febril, em 31% dos casos. O traçado eletroencefalogáfico mostra espícula-onda lenta generalizada e poliespículas, com fotosensibilidade precoce e anormalidades fo- cais. A partir do segundo ano de vida, observa-se o aparecimento de ataxia e sinais piramidais (81% dos casos), além de mioclonias. Este tipo de epilepsia é muito resistente ao tratamento medicamentoso e todas as criancas afetadas apresentam deficiência inte- lectual e distúrbio da personalidade. EPILEPSIA MIOCLÔNICO-ASTÁTICA – É constituída por crises primáriamente generalizadas mioclônicas, astáticas e mioclônico-astáticas, associadas a crises de au- sência, generalizadas tônicas e tônico-clônicas. Inicia-se entre o primeiro e o quinto ano de vida, em crianças normais, com predomínio no sexo masculino. (2:1). O traçado eletrencefalográfico apresenta espículas-ondas lentas bilaterais de 2-3 Hz e poliespículas- ondas lentas. A evolução é variável, podendo haver remissão expontânea ou evolução para demência, especialmente nos casos associados a crises generalizadas. Os casos de prognóstico mais reservados são aqueles em que as crises se iniciam no primeiro ano de vida, febris ou afebris, do tipo tônico-clônica generalizada, além da presença do estado de mal, crises de ausência e lentificação do ritmo de base no traçado eletroencefalográfico. Valproato é a droga de escolha, sendo indicado ACTH nos casos resistentes (15-30U/ m). Apresenta predisposição genética, do tipo poligênica. SÍNDROME DE LENNOX-GASTAUT – Esta síndrome epiléptica foi definida por Gastaut et al. Constitui-se por crises epilépticas, em sua maioria do tipo axial tônica, mas também de crises atônicas, ausências atípicas e mioclonias; o traçado eletroencefalográfico apresenta complexos espículas-ondas lentas difusas ou espículas- ondas lentas ao redor de 2Hz e presença de retardo mental, associado a distúrbios psi- quiátricos. Inicia-se antes de 8 anos, com maior incidência entre os 3-5 anos e predomí- nio no sexo masculino. Em relação à etiologia, a SLGG pode ocorrer em crianças préviamente normais ou em crianças com comprometimento do desenvolvimento neuropsicomotor, associados ou não a disturbios psiquiátricos, ou ser precedida por SW. O prognóstico é reservado em relação ao controle das crises, que são de vários tipos e, devido à deterioração intelectual, psíquica e neurológica, podem estar presentes preco- cemente. Também é comum a presença de estado de mal epiléptico, ocorrendo em 2/3 dos casos. Os anticonvulsivantes usados são os mesmos já descritos anteriormente, porém, sendo discutível o uso de corticoides. Atualmente, resultados favoráveis são descritos com lamotrigina e felbamato. EPILEPSIA COM AUSÊNCIA MIOCLÔNICA – Clinicamente é caracterizada por mioclonias rítmicas graves e difusas, associadas a descargas de complexos espículas- ondas lentas generalizadas ao redor de 3Hz. Ocorre predomínio no sexo masculino e início ao redor de 7 anos. O prognóstico é reservado, com crises resistentes ao trata- mento medicamentoso, evoluindo para a deterioração mental, assemelhando-se à SLG. Pode ocorrer remissão espontânea.
  • 237. 2 4 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI SÍNDROME DE LANDAU-KLEFFNER(SLK) – Em 1957, Landau e Kleffner descreveram seis crianças com afasia adquirida e epilepsia. A afecção geralmente aco- mete crianças previamente normais. O distúrbio de linguagem pode começar abrupta ou insidiosamente, e é caracterizado por deterioração da compreenção associada a redu- ção progressiva da fala espontânea, ocasionalmente o mutismo. Por isso, SLK pode ser confundida com autismo ou surdez. Alterações do comportamento, particularmente hiperatividade, podem ocorrer. Ma- nifestações psicóticas aparecem em alguns casos. As crises epilépticas podem ser de diversos tipos e podem preceder ou suceder a instalação do quadro de linguagem. Epi- lepsia, porém, não é considerada essencial para o diagnóstico, uma vez que as crises ocorrem em aproximadamente 72% dos pacientes. As descargas eletroecefalográficas estão sempre presentes. O prognóstico da SLK é variável. As crises epilépticas geralmente desaparecem, mas o distúrbio de linguagem pode permanecer. A etiologia é deconhecida e o tratamento sintomático é feito com drogas anticonvulsivantes. O uso de corticoide é controvertido. Epilepsia mioclônica juvenil As mioclonias foram relacionadas à epilepsia desde o início do século passado. Em 1867 Herpin (apud Janz e Christian) mencionou o primeiro caso de epilepsia mioclônica juvenil em paciente de 14 anos de idade e inteligência normal, que desde os 13 anos apresentou mioclonias, chamadas por Herpin de abalos, comoções ou impulsões, aco- metendo principalmente os membros superiores que eram impulsionados para a frente, podendo provocar queda de objetos que o paciente estivesse segurando. Ocorriam usu- almente pela manhã, ao despertar, sendo também desencadeadas pelo despertar súbito e forçado durante a noite. Três meses após o início da smioclonias surgiram crises tônico- clônicas generalizadas (CTCG) sempre precedidas por duas, três ou mais mioclonias. Endocrinologia José Augusto Sgarbi I. Introdução Endocrinologia é a ciência que estuda a comunicação e o controle de funções fisioló- gicas de organismos vivos, através de mensageiros químicos, denominados de hormônios, sintetizados no próprio organismo, em estruturas orgânicas que constituem as glândulas endócrinas. Os hormônios são secretados para circulação sistêmica e desenvolverão suas ações à distância, em parte ou em todos os tecidos orgânicos. Os hormônios participam de todas as funções fisiológicas, como a reprodução, hematopoiese e o crescimento. A insulina e os hormônios tiroidianos são de particular interesse para os seres humanos, pois as alterações na biossíntese, secreção ou na ação periférica desses hormônios, são as causas das endocrinopatias de maior prevalência e, portanto, de maior relevância clínica em todo o mundo: diabetes mellitus e as disfunções
  • 238. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 4 1 tiroidianas. II. Diabetes mellitus Diabetes mellitus pode ser definido como uma doença crônica resultante do metabo- lismo alterado da glicose, devido à diminuída produção, secreção ou ação da insulina nos tecidos periféricos. Constitui-se, hoje, em um dos principais problemas de saúde pública em todo mundo, pois há um aumento global de sua prevalência, principalmente nos paí- ses desenvolvidos e em desenvolvimento, provavelmente conseqüência da “ocidentalização” dos hábitos alimentares, estilo de vida mais sedentário e aumento da prevalência da obesidade. Em 1990, 118 milhões de indivíduos sofriam de diabetes em todo o mundo, mas acredita-se que até o ano 2015, este número possa dobrar. No Brasil, a prevalência encontrada da doença, pelo Ministério da Saúde, foi de 7,5%, sendo que em alguns Estados, principalmente os da região sudoeste e sul, esta prevalência foi maior, em torno de 8,5% a 9,0%. No entanto, um censo, recentemente realizado na cidade de Ribeirão Preto, mostrou que a prevalência está em torno de 11,5%, indicando para um aumento significativo e preocupante. O aspecto epidêmico desta enfermidade é extremamente preocupante, pois é a prin- cipal causa de cegueira adquirida em adultos e idosos e uma importante causa de insufi- ciência renal resultando em necessidade de diálise ou transplante renal. Além disso, constitui-se na mais importante condição associada às amputações não traumáticas de membros inferiores e em fator de risco independente para infarto do miocárdio e aciden- te vascular cerebral. Se não bastasse, os diabéticos ainda têm que enfrentar o conceito generalizado na população de ser impossível evitar a progressão da doença e seus efei- tos devastadores, o que, não raro, têm levado à depressão e à não-aderência aos precei- tos do tratamento. Não obstante o sofrimento humano, o aumento da prevalência do diabetes fará crescer, substancialmente, os gastos com o tratamento dessa enfermidade, das suas complicações e com as políticas de saúde que objetivam a sua prevenção, resultando, provavelmente, em uma limitação de recursos públicos para o tratamento e prevenção de outras doenças, principalmente em países não desenvolvidos ou em de- senvolvimento, como é o caso do Brasil. De um ponto de vista prático, o aumento da prevalência do diabetes mellitus, mos- trou, claramente, o que já era óbvio, mas não reconhecido, ou seja, que não há endocrinologistas suficientes para o acompanhamento de todos os diabéticos. Dessa forma, faz-se necessário que as recomendações para o tratamento do paciente diabético sejam voltadas ao médico generalista, e não ao especialista, o qual acompanha somente a minoria dos casos. II. 1. Classificação Recentemente, a Associação Americana de Diabetes, um comitê de especialistas da Federação Internacional de Diabetes e a Organização Mundial de Saúde propuseram uma nova classificação para o diabetes, com o intuito de atualizar os critérios existentes, tornando-a mais apropriada, funcional e uniforme, levando-se em conta os novos conhe- cimentos adquiridos nos últimos anos, em relação, principalmente, aos mecanismos de desenvolvimento da doença.
  • 239. 2 4 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI As principais modificações realizadas foram no seu embasamento quanto à possível etiologia e não mais na sistemática anterior, que considerava como base o tratamento farmacológico da doença. Retirou-se o termo “insulino-dependente” e “não insulino- dependente”; manteve-se o termo “tipo 1” e “tipo 2”, mas com algarismos arábicos no lugar dos romanos e um novo estágio de homeostase alterada foi criado e denominado de “glicemia de jejum alterada” (Tabela 1). Tabela 1. Classificação atual do Diabetes Mellitus. I. Diabetes tipo 1 II. Diabetes tipo 2 III.Outros tipos específicos A. Defeitos genéticos da célula bb pancreática B. Defeitos genéticos da ação da insulina C. Doenças do pâncreas exócrino D. Endocrinopatias E. Induzido por drogas ou substâncias químicas F. Infecções G. Formas incomuns de diabetes imuno mediado H. Outras síndromes genéticas associadas ao diabetes Os principais tipos de diabetes encontradas no população são o de tipo 2 e de tipo 1, respectivamente. O diabetes tipo 1 ocorre, predominantemente, em indivíduos magros com idade infe- rior a 35 anos de idade, particularmente, entre 10 e 14 anos. A instalação é súbita, os sintomas exuberantes; há tendência para o desenvolvimento de cetoacidose diabética e o tratamento com insulina faz-se mandatário. Não há relação evidente com histórico familiar para a doença e os mecanismos básicos de patogênese estão fundamentados em uma diminuição progressiva da secreção insulínica, conseqüência de processo infla- matório auto-imune destrutivo das células bb - pancreáticas. Por outro lado, o diabetes tipo 2, responsável pela maioria dos casos de diabetes (aproximadamente 90%), anteriormente denominado de diabetes tipo II ou diabetes mellitus não insulino-dependente, caracteriza-se pela sua associação com a obesidade e com antecedentes familiares de diabetes. Compromete, geralmente, indivíduos com mais de 35 anos de idade, sendo a instalação insidiosa, os sintomas de leve a moderada inten- sidade e os episódios de cetoacidose raros. O tratamento, habitualmente, não requer o uso de insulina, sendo a doença facilmente controlada apenas com a dieta, emagreci- mento e um programa de atividade física. No entanto, a maioria dos pacientes necessita do uso de hipoglicemiantes orais ou de drogas com ação anti-hiperglicemiantes, pois a aderência a um programa adequado de dieta e de atividades físicas é pequena. A patogênese do diabetes tipo 2 parece ser multifatorial, representada por fatores genéti- cos e ambientais que levariam a resistência à ação insulínica, diminuição da secreção bb-pancreática, tolerância diminuída à glicose e, finalmente, ao diabetes. II.2. Critérios de diagnóstico O comitê de especialistas, ao mesmo tempo em que propôs a nova classificação para
  • 240. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 4 3 o diabetes mellitus, também recomendou mudanças em relação aos critérios de diagnós- tico, o que foi, posteriormente referendado pela Organização Mundial de Saúde. As mudanças sugeridas têm como base evidência de que quase a metade dos porta- dores da enfermidade não tem conhecimento do diagnóstico e, quando esse é realizado, a doença já existia há pelo menos cinco anos, de forma assintomática ou oligossintomática; de que a glicemia de jejum está associada à complicações micro e macrovasculares e de que complicações do diabetes aparecem com níveis de jejum mais baixos. A principal mudança em relação aos critérios anteriormente adotados (WHO, 1979), refere-se à glicemia de jejum. Um diagnóstico de diabetes passa a ser realizado em indivíduos com níveis plasmáticos de glicose, em jejum, ³ a 126 mg/dl, realizados em duas ocasiões diferentes, ao invés de ³ 140 mg/d, como no critério anterior. Além disso, criou-se uma categoria adicional de “homeostase alterada da glicose”, em jejum (glicemia ³ 110 mg/dl e < 126 mg/dl) ou ao teste oral de tolerância à glicose (glicemia de 2 horas ³ 140 mg/dl e 200 mg/dl). Os novos critérios utilizados para o diagnóstico de diabetes mellitus podem ser visualizados na Tabela 2. Tabela 2. Novos critérios para o diagnóstico do diabetes. Diabetes: glicemia de jejum ³ a 126 mg/dl, confirmado por segundo teste ou glicemia de 2 horas ³ 200 mg/dl no teste oral de tolerância à glicose (GTT). Homeostase alterada da glicose: glicemia de jejum ³ 110 mg/dl e < 126 mg/dl. GTT de 2 horas ³ 140 mg/dl e 200 mg/dl. Normal: glicemia de jejum < 110 mg/dl e glicemia de 2 horas no GTT < 140 mg/dl. II. Tirotoxicose Tirotoxicose é um estado clínico e bioquímico resultante do aumento da oferta de hormônios tiroidianos para os múltiplos tecidos, independentemente de sua origem. O termo hipertiroidiano é utilizado quando a tirotoxicose ocorre por um aumento sustentado da biossíntese e secreção de hormônios tiroidianos pela glândula tiróide. Portanto, pode- mos ter um indivíduo com sinais de tirotoxicose, porém, sem hipertiroidismo. A Tabela 3 mostra as principais causas de tirotoxicose, com e sem hipertiroidismo. Tabela 3. Principais causas de tirotoxicose. TIROTOXICOSE COM TIROTOXICOSE SEM HIPERTIROIDISMO HIPERTIROIDISMO Doença de Graves Tiroidite sub aguda Bócio multinodular tóxico Tiroidite silenciosa Adenoma tóxico Tirotoxicose factícia (uso desconhecido de hormônios tiroidianos) Adenoma hipofisário Tirotoxicose iatrogênica produtor de TSH (terapia de reposição e de supressão hormonal) A doença de Graves é a causa mais comum de hipertiroidismo em qualquer faixa etária, sendo mais freqüente, entretanto, em mulheres jovens (aproximadamente 5 mu-
  • 241. 2 4 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI lheres para 1 homem). Caracteriza-se, clinicamente, pela presença de bócio difuso, hipertiroidismo, sinais oculares (oftalmopatia de Graves) e pela presença de dermopatia infiltrativa (mixedema pré-tibial). A oftalmopatia de Graves ocorre, clinicamente, em cerca de 25% a 50% dos pacientes, podendo ser reconhecida pela presença de sinais inflamatórios (hiperemia conjuntival e palpebral, quemose, edema palpebral e de carúncula e dor retro-ocular, espontânea ou a movimentação), proptose e de alterações funcionais dos músculos retro-oculares (estrabismo, plegia, etc.). Em uma minoria de pacientes mais graves, pode, ainda, haver comprometimento da córnea e do nervo óptico, podendo levar a quadros severos de ceratite de exposição e perda da acuidade visual. A doença de Graves é uma doença auto-imune, na qual os antígenos tiroidianos reco- nhecidos, de importância na sua patogênese, são o receptor da tirotrofina (TSH-R), a tiroglobulina (Tg) e a enzima tiroperoxidade tiroidiana (TPO). Autoanticorpos contra o receptor do TSH (TRAb), com ação estimuladora, têm sido implicados tanto no aumento da função tiroidiana, quanto na hiperplasia glandular. Existem evidências de fatores ge- néticos, associados com certos haplotipos do sistema HLA, principalmente os de classe II – DR. A doença de Graves pode sofrer remissão espontânea ou evoluir para o hipotiroidismo, seja pelo desaparecimento dos autoanticorpos estimuladores do TSH-R (TSAb) e surgimento de autoanticorpos “bloqueadores” ou pela destruição auto-imune do tecido glandular levando ao hipotiroidismo de Hashimoto. De modo distinto do hipertiroidismo de Graves, as doenças nodulares tóxicas da tiróide não estão associadas a fenômenos de natureza auto-imune. Embora os mecanismos básicos que causam o bócio multinodular tóxico não sejam totalmente conhecidos, acre- dita-se que repetidas divisões de células autônomas formem áreas de hiperplasia que crescem até tornarem-se clinicamente aparentes. O adenoma tóxico, por sua vez, tem sido associado a mutações somáticas no gene do TSH-R ou no gene da proteína-G. Os bócios nodulares tóxicos (adenoma e multinodular) são mais comuns em pacien- tes idosos e as manifestações clínicas de tirotoxicose não são tão intensas quanto as observadas em pacientes com doença de Graves, havendo, no entanto, um predomínio de manifestações cardiovasculares. As manifestações clínicas do hipertiroidismo são mostradas na Tabela 4. Tabela 4. Principais manifestações clínicas da tirotoxicose. SINTOMAS SINAIS Nervosismo Hiperatividade Palpitação Taquicardia Fraqueza Hipertensão sistólica Perspiração excessiva Pele úmida Intolerância ao calor Pele quente Fadiga Fraqueza muscular Emagrecimento Fáceis de síndrome consuptiva Hipercinesia Tremor, hiperreflexia O diagnóstico de hipertiroidismo é geralmente sugerido pelas manifestações clínicas conseqüentes do hipermetabolismo, como cansaço, palpitações, nervosismo, insônia,
  • 242. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 4 5 irritabilidade e emagrecimento, apesar do aumento do apetite, entre outros (tabela 4). No entanto, em alguns casos, principalmente em pacientes idosos, a sintomatologia pode não ser característica e, inclusive, apresentar-se de forma atípica, com anorexia, emagreci- mento, apatia e depressão, condição conhecida como hipertiroidismo apático. Quando da presença de bócio difuso e sinais de oftalmonopatia, o diagnóstico clínico de hipertiroidismo de Graves se impõe. A cintilografia da tiróide, apesar de dispensável para a confirmação do diagnóstico, pode ser útil, sendo típico a presença de hipercaptação precoce e tardia com aumento difuso da glândula e distribuição homogênea do radiotraçador. No bócio multinodular tóxico, a distribuição do radiotraçador faz-se geterogênea, com área de maior ou menor concentração e a captação pode ser normal ou elevada. No adenoma tóxico, há concentração do radiotraçador na projeção do nódu- lo e supressão do tecido normal adjacente. O diagnóstico laboratorial de tirotoxicose com hipertiroidismo tornou-se bem menos complicado nos últimos anos, com a introdução de ensaios mais sensíveis para a determi- nação do TSH, de tal forma que a presença de concentrações suprimidas do TSH sugere hipertiroidismo provável, exceto se em uso de drogas que interfiram com a secreção do TSH, como os glicocorticóides, na existência de doença sistêmica grave concomitante ou de alterações hipotalâmicas e hipofisárias. Pacientes com níveis baixos do TSH devem ter determinado a tiroxina livre (T4L). Níveis elevados confirmam o diagnóstico e, quando normais, apontam para a possibilidade de hipertiroidismo subclínico. Não há, nos dias de hoje, nenhuma necessidade, nem benefícios aos pacientes, da solicitação de exames como a triiodotironina total (T3) e da tiroxina total (T4). A determinação de autoanticorpos tiroidianos antitiroperoxidase deve ser solicitada a todos pacientes com bócio, nodular ou não, e titulações elevadas para a presença de doença auto-imune da tiróide. O tratamento do hipertiroidismo vai depender da sua etiologia, da experiência pessoal do médico e das condições clínicas do paciente. O hipertiroidismo de Graves é, nos países europeus e asiáticos, assim como no Brasil, preferencialmente tratado com drogas antitiroidianas, reservando-se, aos pacientes idosos, aos com contra-indicações ou compli- cações por drogas antitiroidianas o uso da dose terapêutica de iodo radioativo. O tratamen- tocirúrgicoéindicadoapenasemcondiçõesespeciais.Poroutrolado,osbóciosmultinodulares e nodulares tóxicos, são, na maioria das vezes, tratados com iodo radioativo. Em pacientes mais jovens ou com bócios volumosos e invasão de estruturas do pescoço, prefere-se o tratamento cirúrgico. IV. Hipotiroidismo O hipotiroidismo ocorre quando há diminuição da oferta de hormônios tiroidianos aos múltiplos sistemas do organismo, conseqüente de diminuída produção glandular de hormônios tiroidianos. O hipotiroidismo é uma doença comum, afetando mulheres mais comumente que homens, sendo que, em ambos os sexos, a prevalência aumenta com o avançar da idade. Na Inglaterra, um estudo epidemiológico mostrou que 7,5% das mulheres e 2,8% dos homens tinham hipotiroidismo. Os dados do estudo de Framingham mostraram que 8,5% de indivíduos com mais de 60 anos de idade tinham hipotiroidismo, 11,7% de mulheres e 3,9% de homens. O hipotiroidismo subclínico, definido quando da presença de concen-
  • 243. 2 4 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI trações elevadas do TSH e normal do T4L, apresenta uma prevalência maior, de até 16%, em alguns estudos. A importância clínica e de saúde pública do hipotiroidismo é bem conhecida, podendo o mesmo estar associado ao aumento da morbidade e também da mortalidade. Em cri- anças, pode retardar o desenvolvimento estatural, puberal e a maturação esquelética. Além disso, pode estar associado à dificuldade de aprendizado e repetência escolar. Nos recém-nascidos, o hipotiroidismo congênito pode ser devastador e de custo social eleva- do e inaceitável, pois se não tratado até o terceiro mês de vida, provoca danos neuroló- gicos irreversíveis levando ao cretinismo. Em adultos, está associado à diminuição da produtividade, falta excessiva ao emprego, hiperlipidemia, acidentes coronarianos e infertilidade e, nos idosos, à depressão. Em casos mais graves, o quadro pode evoluir para o coma mixedematoso, no qual a mortalidade é muito elevada. Como os hormônios tiroidianos influenciam diferentes células e tecidos, as manifes- tações clínicas do hipotiroidismo são múltiplas e podem variar de severidade, de acordo com o tempo de instalação da doença e a idade do paciente. Por isso, os sintomas do hipotiroidismo podem ser confundidos com outros, associados a órgãos específicos, des- viando a atenção do médico, que deixa de pensar na possibilidade, retardando portanto, um diagnóstico de fácil comprovação e gratificante tratamento. Na Tabela 5 procura- mos mostrar as principais confusões diagnosticadas em relação ao hipotiroidismo. Tabela 5. Alguns sintomas e sinais de hipotiroidismo que desviam a atenção do médi- co para outras categorias de diagnóstico. Sintoma/ Sinal Especialidade envolvida Diagnóstico diferencial no atendimento Artralgias Reumatologia Doença osteoarticular Degenerativa Anemias Medicina interna Anemias carenciais ou Hematologia por perdas menstruais Cansaço e fadiga Medicina interna Insuficiência cardíaca Cardiologia Edemas Nefrologia Edema idiopático Insuficiência renal Crônica Hiperpolimenorragias Ginecologia Mioma uterino Sangramento uterino Disfuncional Tonturas, zumbidos Otorrinolaringologia Labirintopatia Rouquidão Otorrinolaringologia Edema de corda vocal Calosidade de corda Vocal Tristeza, desânimo Psiquiatria Depressão indisposição O hipotiroidismo pode ser classificado em primário, se o defeito básico da ineficiente
  • 244. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 4 7 produção é primário da glândula tiróide, ou central, quando o problema causador origina- se na hipófise (secundário) ou no hipotálamo (terciário). O Quadro 1 apresenta os prin- cipais fatores etiológicos do hipotiroidismo. Quadro 1. Classificação etiológica do hipotiroidismo Hipotiroidismoprimário -Tiroidite crônica auto-imune -Terapia com ¹³¹ I -Tiroidectomia -Defeitos na biossíntese -Drogas: lítio, iodo, amiodarona Hipotiroidismo central -Hipotalâmico (terciário) -Hipofisário (secundário) A causa mais comum de hipotiroidismo é uma inflamação crônica na tiróide, de natu- reza auto-imune, denominada de tiroidite crônica auto-imune ou tiroidite de Hashimoto. O mecanismo da doença é semelhante ao de outras doenças auto-imunes da tiróide, como a doença de Graves e a tiroidite pós-parto. Outras causas mais freqüentes são a ablação cirúrgica da tiróide ou após uso de dose terapêutica de iodo radioativo para tratamento de hipertiroidismo. O hipotiroidismo primário é facilmente diagnosticado pela presença de concentra- ções séricas elevadas do TSH sensível. Reduções do T3 total e do T4 total podem não ser demonstradas pelos métodos empregados, pois uma série de condições analíticas e pré-analíticas com muita freqüência interferem nos ensaios destes hormônios. Por isso, a prática enraigada entre os clínicos, da solicitação dos níveis séricos do T3 e do T4 deveria ser desencorajada e definitivamente abandonada. Em seu lugar, nos casos em que as concentrações do TSH estiverem elevadas, a determinação do T4 livre pode ser solicitada para confirmar o hipotiroidismo primário quando estiver baixo ou para definir o hipotiroidismo subclínico. A presença de concentrações elevadas do T4 livre e concomitante elevações do TSH deve remeter o médico para questões de maior com- plexidade como a síndroma de resistência aos hormônios tiroidianos, exigindo, portanto, avaliação especializada do endocrinologista. O tratamento de hipotiroidismo faz-se, preferencialmente, com L-tiroxina, em dose diária matutina, em concentrações suficientes para manter normal os níveis do TSH. A dose de reposição habitual da L-tiroxina é de 100 a 200 mcg/diário, ou seja, em torno de 1,6 a 1,7 mcg/Kg/peso por dia, podendo alcançar, entretanto, doses maiores. Dado que aproximadamente 80% do T3 circulante é proveniente da conversão periférica a partir do T4, não é necessário a adição de T3 na reposição com L-tiroxina. Epidemiologia do câncer Sérgio Antônio Nechar
  • 245. 2 4 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI A epidemiologia permite o estudo da distribuição das várias formas de câncer entre a população, a observação e análise das variações de sua ocorrência em dife- rentes grupos ou comunidades, e os fatores de risco a que eles se expõem. Mediante a correlação existente entre os dados de morbidade e mortalidade e as diferenças verificadas nas condições ambientais, hábitos de vida ou de constituição ge- nética, observadas entre esses grupos, é possível estabelecer hipóteses sobre as prová- veis causas do câncer. Como este não representa uma única moléstia, mas sim um processo comum a um grupo heterogêneo de doenças que diferem em sua etiologia, freqüência e mani- festações clínicas, é necessário estabelecer critérios de classificação para o seu estudo. Usualmente, em Cancerologia, utilizam-se classificações segundo a locali- zação primária, o tipo histopatológico e a extensão anatômica dos tumores. Os estudos comparativos de freqüência do câncer devem considerar sempre a co- bertura e a qualidade dos serviços de diagnóstico, na medida em que as variações obser- vadas entre as diferentes regiões do território nacional podem refletir apenas esses com- ponentes. A comparabilidade dos dados dependerá sempre também da utilização unifor- me dos critérios adotados em diferentes regiões, instituições e, até, entre profissionais de um mesmo serviço de saúde. Conceitos e definições Para se medir a freqüência das doenças e a mortalidade por elas provocada, utilizam- se taxas ou coeficientes que têm três elementos essenciais: - o grupo de população exposto ao risco de adoecer, ou morrer; - o fator tempo; - o número de casos, de doenças, ou de mortes ocorridas na população exposta, em um certo período de tempo. As taxas de mortalidade podem ser específicas para várias características, tais como sexo, idade, tipo ou localização de tumores, etc., permitindo comparações entre diferen- tes subgrupos de uma mesma população. A morbidade pode ser expressa pelas taxas de incidência e prevalência. A incidência expressa o risco de uma determinada população desenvolver uma doen- ça. A prevalência é a quantidade de casos existentes de uma doença (casos novos e antigos), relacionando-se, portanto, com a incidência e com a duração da doença. Doen- ças agudas e fatais como a raiva, por exemplo, têm, assim, incidência e prevalência semelhantes. As taxas são utilizadas para comparar dados de diferentes populações. Entretanto, a análise comparativa entre taxas deve ser cuidadosa. Diferenças entre elas podem refle- tir, por exemplo, apenas diferenças na composição etária das populações estudadas. Por esta razão, utiliza-se o recurso da padronização de taxas por idade, visando a anular o efeito, neste caso, da diferença observada na estrutura etária das populações. A padro- nização das taxas por idade permite a comparabilidade dos coeficientes de distintos registros ou países, mesmo que as populações tenham diferentes distribuições etárias. A Agência Internacional Para Pesquisa Sobre o Câncer (IARC, sigla em Inglês), em suas publicações sobre a incidência do câncer nos cinco continentes, tem adotado três
  • 246. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 4 9 populações-modelo de padronização: africana, mundial e européia. A primeira é repre- sentativa de uma população jovem; a terceira, típica de uma população velha; enquanto a segunda representa um padrão intermediário entre os dois extremos de modelos (Waterhouse & Muir et al., 1987). A Tabela 1 mostra a mortalidade e a incidência brutas por câncer, segundo o sexo, em Fortaleza, em 1985, e as taxas ajustadas por idade, segundo a população mundial de 1960. Como Fortaleza tem uma população predominantemente jovem, a padronização com o modelo mundial aumenta em muito as taxas da capital cearense. Para limitar-se à influência da idade, também pode ser usada a comparação restrita ao grupo etário compreendido entre os 35 e 64 anos, compondo-se a chamada população truncada. Na Tabela 2, figuram taxas de incidência de câncer, padronizadas pela popu- lação mundial, inclusive a truncada, comparando-se dados de registros selecionados no mundo. Tal comparação mostra que as taxas de incidência brasileiras são expressivas, e Porto Alegre ocupa lugar de destaque entre as regiões de mais alta incidência. Sexo Bruta Padronizada Masculino 65,17 110,61 Feminino 52,68 71,63 Masculino 121,52 203,49 Feminino 138,81 188,72 Tabela 1 – Comparação das taxas * bruta e padronizada ** de mortalidade e incidên- cia de câncer, por sexo, em Fortaleza, 1985. *Por 100.000 habitantes ** pela população mundial de 1960. Fonte: Registro de Câncer de Base Populacional de Fortaleza, 1985. Homens Mulheres Registro/Ano Mundial Truncada Mundial Truncada (35-64 anos) Truncada (35-74 anos) Brasil, Porto Alegre (1987) 461,4 645,1 292,4 292,4 Suíça, Genebra (1983-87) 394,5 541,9 274,5 475,2 Canadá, Quebec (1938-87) 370,9 484,6 268,6 463,7 Havaí (1983-87) - branco 362,4 463,0 309,6 541,3 - japonês 243,5 296,9 186,9 318,4 - havaiano 392,6 443,0 278,9 510,9 -filipino 203,7 259,1 201,8 388,1 - chinês 207,9 247,8 255,1 415,2 EUA Connecticut (1983-87) - branco 321,7 424,9 278,7 485,3 - negro 352,7 551,5 227,4 411,9 Espanha, Navarra (1983-86) 302,5 449,3 186,6 328,5 Finlândia (1982-86) 301,1 376,0 226,6 368,6 Brasil, Goiânia (1988-89) 293,6 419,1 328,5 564,6 Inglaterra, Oxford (1983-87) 286,6 356,2 242,2 415,5 Japão, Osaka (1983-87) 266,5 372,3 156,1 259,0
  • 247. 2 5 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI Colômbia, Cáli (1984-87) 229,0 302,0 263,6 458,2 China, Shangai (1983-87) 228,8 325,5 147,5 244,1 Cuba (1986) 217,2 278,4 187,2 317,8 Índia, Bombaim (1983-87) 126,0 192,9 116,8 232,6 Gâmbia (1987-89) 59,1 131,0 39,6 94,0 Tabela 2 – Taxas padronizadas * de incidência (por 100.000 habitantes) para o total de Neoplasias malignas, segundo o sexo, em diversas regiões do mundo. * Pela população mundial e truncada. Fonte: Parkin, DM et alii, 1992. Fonte: Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Programas de Controle do Câncer. “O Problema do Câncer no Brasil”, 4ª ed. revisada e atualiza- da. Rio de Janeiro, 1997. No cenário dos problemas de saúde, no Brasil, uma das questões que se destaca é o envelhecimento da população. Em princípio essa informação é positiva. Revela que a expectativa de vida aumentou para o país como um todo, apesar de todos os problemas de ordem econômica e social, das disparidades regionais e de acesso a equipamentos sociais básicos, tais como transporte, moradia, educação e saúde. A mudança, no entan- to, oferece novos desafios para o setor saúde, porque há uma série de problemas co- muns ao idoso, como as doenças crônico-degenerativas, dentre elas o câncer, que re- querem adequação dos programas sanitários. Na verdade, o Brasil vive hoje uma situação muito especial, pois precisa adequar seus programas de saúde não só para o aumento das doenças crônico-degenerativas, mas também para a existência, ainda, das doenças infecciosas e parasitárias. Em vez da esperada transição epidemiológica presenciada nos países desenvolvi- dos, onde as doenças crônico-degenerativas substituíram as doenças infecciosas e para- sitárias, o Brasil apresenta um quadro onde coexistem, e muitas vezes se superpõem, as doenças da modernidade com as doenças ditas do atraso. As causas infecciosas e parasitárias vêm reduzindo sua importância relativa, de modo constante, embora configurem-se ainda em um problema sério em algumas regi- ões do Brasil, enquanto as doenças crônico-degenerativas só aumentaram sua participa- ção proporcional entre os óbitos ocorridos. A industrialização, a urbanização, a exposição freqüente a uma gama de produtos potencialmente cancerígenos e a expectativa maior de vida contribuem para que o cân- cer venha assumindo uma importância relativa cada vez maior entre as causas de morte no país; em 1930 os neoplasmas representavam menos de 3% dos óbitos ocorridos; em 1998, passaram a representar 11,08% dos óbitos ocorridos, constituindo-se, então, na terceira causa de morte por doença no Brasil (Tabela 3). Tabela 3 – Brasil Distribuição proporcional das principais causas de morte – 1998 Causa do Óbito Distribuição percentual (%) Doenças Ap. Circulatório 27,36 Causas externas ** 12,85
  • 248. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 5 1 NEOPLASMAS 11,08 Doenças Ap. Respiratório 9,32 Gland. Endócrinas 5,52 Doenças Infec. e Parasitárias 4,33 Outras 29,54 Total * 100 * Exclui sintomas, sinais e afecções mal definidas. ** As causas externas incluem os suicídios e homicídios. *** O número de óbitos refere-se ao Brasil e não somente às capitais. Fonte: SIM. Sistema de Informação sobre Mortalidade. DATASUS/MS. A maioria dos estudos sobre a saúde da população baseia-se na análise da mortalida- de, porque o óbito dá origem a um documento legal, a certidão de óbito, que é de preen- chimento obrigatório. Logo, todas as mortes ocorridas, teoricamente, são registradas. Apesar de todos os problemas referentes à utilização dessa fonte de dados, essas infor- mações estão disponíveis em todas as partes do mundo e datam de longo tempo. Para óbitos por câncer a qualidade da informação é considerada boa, em comparação com outras causas de morte. Em saúde pública, tanto para estudos epidermiológicos como para administração e planejamento de serviços, é muito importante que se tenham disponíveis e de boa quali- dade dados a serem estudados. Infelizmente, os dados nem sempre se encontram dispo- níveis ou num nível de desagregação do interesse do profissional que deles necessitam. E somente com uma base de dados confiável é que será possível caracterizar qual ou quais são os problemas prioritários de uma população e, assim, estabelecer programas de saúde que, após serem implantados, necessitam ser acompanhados e avaliados. Nes- se sentido as estimativas e projeções são armas preciosas, quando informações essenci- ais não estão disponíveis, para dar o suporte técnico necessário à tomada de decisões. Tão importante quanto o número de casos novos ou de óbitos de uma determinada doença, por sexo e idade, é também dispor de informações sobre a população exposta ao risco de adoecer e morrer, distribuída também por sexo e faixa etária. A falta de inquéritos em anos intermediários aos anos censitários, a ausência de informações sobre os fenômenos migratórios, o atraso na realização e divulgação dos resultados dos censos fazem com que o exercício de projetar populações transforme-se num trabalho altamente complexo e sujeito a elevado grau de incerteza (Duchiade, 1995). Para a implantação de programas de controle do câncer, faz-se necessário que todas as áreas envolvidas e suas respectivas atividades sejam planejadas, avaliadas e acompa- nhadas, para o que se torna indispensável a disponibilidade de dados. A informação sobre o Câncer torna-se, assim, também uma área fundamental, per- passando todas as demais implicadas no controle deste. A estimativa anual de casos novos e dos óbitos por câncer reveste-se, dessa forma, de um caráter obrigatório, para que o planejamento se faça com base em dados mais atuais. Além do mais, o cálculo por estimativa permite a extrapolação desses dados em termos populacionais e geográficos, visto que nem todos os habitantes e locais têm de estar necessariamente cobertos por registros de câncer de base populacional – RCBP, que medem a incidência desta doença.
  • 249. 2 5 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Os dados dos RCBP e do Sistema de Informação Sobre Mortalidade – SIM, do Ministério da Saúde, constituem-se na base das informações para se proceder a esta estimativa. O aperfeiçoamento de um sistema nacional de informação sobre o câncer é um dos objetivos maiores do Instituto Nacional de Câncer – INCA, que, visando a obter dados cada vez mais reais sobre a distribuição do câncer no Brasil, tem incentivado e apoiado a implantação de novos registros. Os cinco RCBP em operação, com dados já publicados, são os de Belém, Fortaleza, Goiânia, Campinas e Porto Alegre e se constituem na base desta publicação. Além destes, existem mais oito registros implantados em outras capitais brasileiras, encontran- do-se em diferentes fases de operação. Antes do acelerado crescimento da mortalidade por causas externas, verificado des- de o final da década de 80, o câncer representava a segunda causa de morte entre a população brasileira adulta. Desde 1987, ele tem permanecido como a terceira causa de óbitos (12%, em média), sendo que, de 1987 a 1995, aumentou em torno de 28% ao ano. Na figura abaixo, encontram-se os percentuais de mortalidade por causas mais comumente informadas em 1995. Distribuição proporcional das principais causas de morte - Brasil – 1995. Fonte: SIM – Sistema de Informação sobre Mortalidade – DATASUS/MS. O Brasil classifica-se entre os países com maior incidência de câncer, em todo o mundo. Porto Alegre apresenta as mais altas taxas brasileiras, entre os homens, seguida por Fortaleza, Belém, Campinas e Goiânia. No sexo feminino, a ordem é a mesma, exceto pela taxa maior em Goiânia do que em Campinas. A partir dos dados desses cinco RCBP, do SIM e de censos populacionais, estima-se, para 1998, que ocorrerão 269.000 casos novos de câncer, sendo 140.705 em mulheres (52,3%) e 128.295 em homens (47,7%) em todo o Brasil. Quanto à mortalidade por câncer, para este mesmo ano, a estimativa é de 107.950 óbitos, dos quais 58.070 (53,8%), entre homens, e 49.880 (46,2%) entre mulheres. Na tabela a seguir, esses óbitos e casos novos são distribuídos por sexo e principais localizações primárias de tumor, com suas respectivas taxas específicas. Tabela 4 - Números e taxas específicas de casos novos e óbitos por câncer estima- dos para 1998, segundo localização primária e sexo. O número esperado de óbitos por câncer no Brasil, para 1998, estimado a partir do número médio de óbitos do período de 1980-95, foi calculado por topografia, sexo e faixa etária. Este número foi dividido pela população média do período, o que gerou as taxas, também médias, de óbitos por 100.000 habitantes, igualmente distribuídas por topografia, sexo e faixa etária. O número de óbitos esperados para 1998, dividido pela população padrão censitária de 1991, originou a taxa estimada de mortalidade por câncer, para o Brasil, em 1998. Supondo-se que o padrão de mortalidade por câncer do período de 1980-95 não se alte- rará em 1998, obteve-se o número de óbitos estimado para este ano, multiplicando-se a taxa média de óbitos daquele período pela população estimada para 1998.
  • 250. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 5 3 A população de 1998, por sua vez, foi estimada, baseando-se nas populações censitárias de 1980 e 1991. E, pelo método geométrico, estimou-se a população residente no Brasil em 1998, por sexo e faixa etária. A distribuição da população por região, segundo sexo, foi baseada na proporcionalidade com relação à população censitária de 1991. A taxa de mortalidade específica por localização e sexo resultou da divisão do núme- ro total de óbitos, relativo a cada localização, pelo número correspondente de homens e mulheres. Os óbitos esperados para 1998 por neoplasia malignas são apresentados nas tabelas abaixo, distribuídos por faixa etária, sexo e localizações primárias selecionadas. A dife- rente subdivisão de faixas etárias abaixo de 29 anos apresentadas nas tabelas Brasil – Homens e Brasil – Mulheres deve-se a que ou não se registraram óbitos entre 0 e 29 anos ou as topografias selecionadas são incompatíveis com esta faixa etária. Número de óbitos por câncer estimado para 1998, segundo faixa etária e sexo. Brasil - Faixa etária (anos) Homens Mulheres Total 0 a 9 915 720 1.635 10 a 19 860 635 1.495 20 a 29 1.140 1.055 2.195 30 a 39 2.240 3.160 5.400 40 a 49 5.360 6.040 11.400 50 a 59 10.760 8.985 19.745 60 a 69 15.965 11.890 27.855 70 a 79 13.770 10.615 24.385 80 e mais 7.060 6.780 13.840 Total 58.070 49.880 107.950 Número de óbitos por câncer estimado para 1998, segundo faixa etária, sexo e topografias selecionadas. Brasil – Homens Faixa etária (anos) Pulmão Estômago Próstata Esôfago Cólon e Reto Menores de 29 60 50 10 10 70 30 a 39 180 250 10 80 130 40 a 49 730 775 45 480 230 50 a 59 2.015 1.660 290 1.015 430 60 a 69 3.230 2.590 1.170 1.225 730 70 a 79 2.345 2.295 2.015 795 735 80 e mais 840 1.060 1.655 355 420 Total 9.400 8.680 5.195 3.960 2.745 Número de óbitos por câncer estimado para 1998, segundo faixa etária, sexo e topografias selecionadas. Brasil – Mulheres Faixa etária (anos) Mama Colo do Útero Estômago Pulmão Cólon e Reto
  • 251. 2 5 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Menores de 29 70 130 50 40 55 30 a 39 640 710 180 115 150 40 a 49 1.370 1.310 360 315 265 50 a 59 1.690 1.495 640 645 480 60 a 69 1.650 1.500 1.120 945 805 70 a 79 1.095 1.090 1.265 810 880 80 e mais 650 580 905 430 660 Total 7.165 6.815 4.520 3.300 3.295 Para o cálculo do número estimado de casos novos de câncer, a fonte primária de dados foram os Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP). Utilizaram-se os dados publicados ou informados pelos cinco RCBP, relativos aos seguintes anos, por Registro: Belém (1987, 1988, 1989-91), Fortaleza (1979-82, 1983, 1985), Goiânia (1988- 95), Campinas (1991-93) e Porto Alegre (1979-82, 1987, 1990-93). O total de casos novos de câncer foi calculado, por RCBP, para os respectivos perí- odos de tempo e, a partir do total da população do mesmo período, calculou-se uma taxa de incidência média para cada Registro. Esta taxa foi multiplicada pela população da macro-região correspondente a cada registro, estimada para 1998. Os resultados deste cálculo são os respectivos números de casos novos de câncer esperados para 1998. A soma destes números, por sua vez, gerou o total de casos esperados para o Brasil. O número de casos novos esperados para cada macrorregião, em 1998, dividido pela respectiva população padrão censitária, levantada em 1991, originou a correspondente taxa estimada de incidência de câncer, para 1998. E o número de casos novos de câncer esperados para o Brasil, neste ano, dividido pela sua população censitária, em 1991, gerou a taxa estimada de incidência de câncer no Brasil em 1998. Além do cálculo do número total de casos novos e das taxas estimadas de incidência de câncer, calcularam-se também esses índices para as topografias tumorais mais fre- qüentes, de acordo com a informação resgatada dos relatórios atualizados dos RCBP e da publicação Câncer no Brasil – Dados dos Registros de Câncer de Base Populacional, Vol. II, editada pelo INCA, em 1995. A taxa de incidência de câncer específica por topografia e sexo foi calculada com a mesma metodologia usada para o cálculo da taxa de mortalidade específica. A tabela abaixo mostra o número de casos novos e a taxa de incidência de câncer específica por sexo e localizações primárias dos tumores de maior ocorrência, espera- dos para 1998, no Brasil. Foram calculados, também, os mesmos números, taxas e percentuais por macrorregiões: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Como na publicação de 1997, os tumores de pele foram alocados na categoria “Ou- tros”. Casos novos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo localização primária e sexo. Brasil Total Homens Mulheres Localização Nº de % Nº de Taxa Nº de Taxa
  • 252. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 5 5 Primária casos casos Esp.* casos Esp.* Mama (174) 32.695 12,15 - - 32.695 44,0 Colo de Útero (180) 21.725 8,08 - - 21.725 29,2 Estômago (151) 20.665 7,68 13.595 18,7 7.070 9,5 Pulmão (162) 20.000 7,43 15.040 20,7 4.960 6,7 Cólon e Reto (153-4) 19.555 7,27 9.305 12,8 10.250 13,8 Próstata (185) 14.665 5,45 14.665 20,2 - - Boca (140-5) 8.145 3,03 5.970 8,2 2.175 2,9 Bexiga (188) 7.655 2,85 5.800 8,0 1.855 2,5 Esôfago (150) 7.140 2,65 5.370 7,4 1.770 2,4 Corpo do Útero (182) 5.685 2,11 - - 5.685 7,6 Outras * 111.070 41,3 58.550 80,8 52.520 70,6 Total 269.000 100,00 128.295 176,8 140.705 189,2 * por 100.000 homens - * por 100.000 mulheres - * inclui pele Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998. Casos novos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo localização primária e sexo. Região Norte Homens Mulheres Localização Nº de Taxa Localização Nº de Taxa Primária casos Esp.* primária casos Esp.** Estômago (151) 1.310 25,6 Colo do Útero (180) 2.300 46,8 Pulmão (162) 720 14,1 Mama (174) 1.0802 2,0 Próstata (185) 530 10,4 Estômago (151) 510 10,4 Boca (140-5) 350 6,8 Cólon e Reto (153-4) 340 6,9 Cólon e Reto (153-4) 225 4,4 Pulmão (162) 220 4,5 Esôfago (150) 175 3,4 Boca (140-5) 1803,7 Bexiga (188) 140 2,7 Corpo do Útero (182) 100 2,0 Outras * 3.785 74,0 Esôfago (150) 40 0,8 Total 7.235 141,4 Bexiga (188) 350,7 Outras* 2,580 52,5 Total 7.385 150,3 Homens e Mulheres Localização primária Número de casos Colo do Útero (180) 2.300 15,73 % Estômago (151) 1.820 12,45 % Mama (174) 1.080 7,39 % Pulmão (162) 940 6,43 % Cólon e Reto (153-4) 565 3,86 % Próstata (185) 530 3,62 % Boca (140-5) 530 3,62 % Esôfago (150) 215 1,47 %
  • 253. 2 5 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Bexiga (188) 175 1,2 % Corpo de Útero (182) 100 0,68 % Outras * 6.365 Total 14.620 * por 100.000 homens * por 100.000 mulheres * inclui pele Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998. Casos novos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo localização primária e sexo. Região Nordeste Homens Mulheres Localização Nº de Taxa Localização Nº de Taxa Primária casos Esp.* primária casos Esp.** Estômago (151) 5.280 25,3 Mama (174) 8.770 40,5 Próstata (185) 3.150 15,1 Colo do Útero (180) 8.210 37,9 Pulmão (162) 2.790 13,4 Estômago (151) 2.460 11,4 Cólon e Reto (153-4) 1.400 6,7 Cólon e Reto (153-4) 1.520 7,0 Esôfago (150) 1.180 5,7 Corpo do Útero (182) 1.280 5,9 Boca (140-5) 1.170 5,6 Pulmão (162) 1.000 4,6 Bexiga (188) 620 3,0 Boca (140-5) 710 3,3 Outras * 18.870 90,6 Esôfago (150) 480 2,2 Total 34.460 165,4 Bexiga (188) 220 1,0 Outras* 16.935 78,1 Total 41.585 191,9 Homens e Mulheres Localização primária Número de casos Mama (174) 8.770 11,53 % Estômago (151) 8.210 10,80 % Mama (174) 7.740 10,18 % Pulmão (162) 3.790 5,0 % Cólon e Reto (153-4) 3.150 4,14 % Próstata (185) 2.920 3,84 % Boca (140-5) 1.880 2,47 % Esôfago (150) 1.660 2,18 % Bexiga (188) 1.280 1,58 % Corpo de Útero (182) 840 1,1 % Outras * 35.805 Total 76.045 * por 100.000 homens * por 100.000 mulheres * inclui pele
  • 254. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 5 7 Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998. Casos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo localização primária e sexo. Região Centro-Oeste Homens Mulheres Localização Nº de Taxa Localização Nº de Taxa Primária casos Esp.* primária casos Esp.** Próstata (185) 1.105 23,3 Mama (174) 1.710 36,4 Pulmão (162) 670 14,1 Colo do Útero (180) 1.525 32,5 Estômago (151) 630 13,3 Cólon e Reto (153-4) 540 11,5 Cólon e Reto (153-4) 420 8,9 Estômago (151) 390 8,3 Boca (140-5) 360 7,6 Pulmão (162) 280 6,0 Esôfago (150) 270 5,7 Corpo do Útero (182) 155 3,3 Bexiga (188) 230 4,9 Bexiga (188) 120 2,6 Outras * 6.880 145,4 Boca (140-5) 105 2,2 Total 10.565 223,2 Esôfago (150) 80 1,7 Outras* 7.320 155,9 Total 12.225 260,4 Homens e Mulheres Localização primária Número de casos Mama (174) 1.710 7,50 % Colo do Útero (180) 1.525 6,69 % Próstata (185) 1.105 4,85 % Estômago (151) 1.020 4,48 % Cólon e Reto (153-4) 960 4,21 % Pulmão (162) 950 4,17 % Boca (140-5) 465 2,04 % Bexiga (188) 350 1,54 % Esôfago 350 1,54% Corpo de Útero (182) 155 0,68 % Outras * 14.200 Total 22.790 * por 100.000 homens ** por 100.000 mulheres * inclui pele Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998. Casos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo localização primária e sexo. Região Sul Homens Mulheres
  • 255. 2 5 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI Localização Nº de Taxa Localização Nº de Taxa Primária casos Esp.* primária casos Esp.** Pulmão (162) 6.430 58,6 Mama (174) 8.250 74,0 Próstata (185) 3.670 33,4 Colo do Útero (180) 3.300 29,6 Cólon e Reto (153-4) 2.590 23,6 Cólon e Reto (153-4) 2.870 25,7 Estômago (151) 2.200 20,0 Pulmão (162) 1.950 17,5 Esôfago (150) 2.020 18,4 Estômago (151) 1.080 9,7 Bexiga (188) 1.540 14,0 Corpo do Útero (182) 990 8,9 Boca (140-5) 1.210 11,0 Esôfago (150) 835 7,5 Outras * 8.985 81,9 Bexiga (188) 435 3,9 Total 26.645 260,9 Boca (140-5) 305 2,7 Outras* 8.17073,2 Total 28.185 252,7 Homens e Mulheres Localização primária Número de casos Pulmão (162) 8.380 14,75 % Mama 174) 8.250 14,52 % Cólon e Reto (153-4) 5.460 9,61 % Próstata (185) 3.670 6,46 % Colo do Útero (180) 3.300 5,81 % Estômago (151) 3.280 5,77 % Esôfago 2.855 5,02 % Bexiga (188) 1.975 3,40 % Boca (140-5) 1.515 2,67 % Corpo de Útero (182) 990 1,74 % Outras * 17.155 Total 56.830 * por 100.000 homens ** por 100.000 mulheres * inclui pele Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998. Casos e taxa específica de incidência de câncer estimados para 1998, segundo localização primária e sexo. Região Sudeste Homens Mulheres Localização Nº de Taxa Localização Nº de Taxa Primária casos Esp.* primária casos Esp.** Próstata (185) 6.210 20,2 Mama (174) 12.885 40,3 Cólon e Reto (153-4) 4.665 15,2 Colo do Útero (180) 6.390 20,0 Pulmão (162) 4.420 14,4 Cólon e Reto (153-4) 4.980 15,6 Estômago (151) 4.175 13,6 Corpo do Útero (182) 3.160 9,9 Bexiga (188) 3,270 10,6 Estômago (151) 2,630 8,2
  • 256. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 5 9 Boca (140-5) 2.880 9,7 Pulmão (162) 1.520 4,7 Esôfago (150) 1.720 5,6 Bexiga (188) 1.045 3,3 Outras * 20.030 65,1 Boca (140-5) 875 2,7 Total 47.370 154,1 Esôfago (150) 340 1,1 Outras* 17.520 54,8 Total 51.345 160,6 Homens e Mulheres Localização primária Número de casos Mama (174) 12.885 13,05 % Cólon e Reto (153-4) 9.645 9,77 % Estômago (151) 6.805 6,89 % Colo do Útero (180) 6.390 6,47 % Próstata (185) 6.210 6,29 % Pulmão (162) 5.940 6,02 % Bexiga (188) 4.315 4,37 % Boca (140-5) 3.755 3,80 % Corpo do Útero (182) 3.160 3,20 % Esôfago 2.060 2,10 % Outras * 37.550 Total 98.715 * por 100.000 homens ** por 100.000 mulheres * inclui pele Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE INCA/PRO-ONCO. Estimativa da incidência e mortalidade por câncer no Brasil 1998. Rio de Janeiro, 1998. Considerações finais Os números de óbitos estimados e casos novos por câncer devem ser interpreta- dos com cautela, quando utilizados para estudos comparativos e de tendências. O número estimado de óbitos baseia-se na suposição de que o padrão de mortalidade do período estudado se manterá o mesmo no período estimado. O mesmo raciocínio se dá com o número de casos novos, cujo cálculo se baseia no pressuposto de que a distri- buição desses casos, no período divulgado pelo registro, também se manterá no ano da estimativa. A estimativa anual do número de óbitos e de casos novos de câncer busca atualizar os dados de morbi-mortalidade por câncer no Brasil. Por sua vez, a extrapolação dos dados dos RCBP permite estimar a incidência do câncer em toda a população brasileira. Quanto maior a extrapolação, menor a precisão dos dados estimados, daí a necessi- dade de se continuar buscando ampliar a cobertura populacional dos registros de câncer. À medida que estimativas anuas se sucederem, com dados mais completos, poder- se-á contar, no Brasil, com informações cada vez mais próximas da realidade. Além disso, o trabalho contínuo dos RCBP permitirá a análise de séries históricas da
  • 257. 2 6 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI incidência de câncer no país, à semelhança de que já se dispõe com relação à mortalida- de. Isso permitirá não somente melhor planejar ações de saúde, como também avaliar, em bases reais, o impacto das mesmas. Câncer cutâneo Eugênio Raul de Almeida Pimentel O Câncer Cutâneo está entre os mais freqüentes do organismo humano. Entre os cânceres cutâneos mais freqüentes estão o Carcinoma Basocelular (71,4%), o Carcino- ma Espinocelular e o Melanoma Maligno, segundo levantamento realizado em laborató- rio de Anatomia Patológica no Brasil. O aparecimento destes tumores está relacionado ao binômio pele clara e exposição ao sol. Observou-se ultimamente o aumento da incidência em pessoas jovens e a possível explicação é pela maior exposição solar, por razões de ordem estética no processo de bronzeamento e pela diminuição da camada de ozônio atmosférico. Os Carcinoma Basocelular e o Carcinoma Espinocelular estão mais relacionados à exposição crônica ao sol e uma evidência da participação solar é a maior freqüência destes tumores nas áreas corpóreas menos protegidas das radiações solar. Entre estas a mais importante é a Radiação Ultravioleta B e, em seguida, a Radiação Ultravioleta A. A faixa etária de maior prevalência destes tumores é dos 40 aos 60 anos e não há preferência quanto ao sexo. Quanto à clínica, o Carcinoma Basocelular apresenta alguns aspectos morfológicos diferentes, classificados nos seguintes tipos principais: nodular, superficial, esclerodermiforme e terebrante, podendo ter como variantes o tipo pigmentado e ulcera- do. Observam-se dois dados comuns aos tipos clínicos morfológicos: a presença de telangiectasias e o aspecto perláceo. O Carcinoma Basocelular é de crescimento lento, demorando meses ou anos para ser notado. Apesar de ser uma neoplasia maligna, o seu crescimento é expansivo sendo uma raridade o aparecimento de metástase, mas muitas vezes por um crescimento pro- gressivo forma grandes tumores, desfigurantes para o paciente. A diagnose diferencial se faz com outros tumores malignos e benignos como o Car- cinoma Espinocelular, Melanoma, Queratose, Seborréica, Nevocelular, Disqueratose de Bowen. Com relação ao tratamento, existem várias modalidades: - A cirurgia excisional, procedimento clássico em quaisquer tipos de Carcinoma Basocelular. - A Curetagem e Eletrocoagulação, procedimento simples e prático, reservado aos tumores menores do que 1,0 cm e não próximo dos orifícios naturais. - A Criocirurgia, utilizando o Nitrogênio Líquido (-196º), destrói a massa tumoral por congelamento, sendo também prático e de fácil execução, tendo as mesmas indicações
  • 258. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 6 1 da curetagem e eletrocoagulação. - A Radioterapia é um método clássico menos usado atualmente e contra-indicado nos doentes mais jovens. - A Cirúrgica Micrográfica de Mohs é uma cirurgia mais trabalhosa pois envolve um laboratório para exame por congelação, mas é a que tem mostrado maior índice de cura, sendo indicada principalmente nos tumores recidivados, ou do tipo esclerodermiforme ou naqueles com limites mal definidos. Com relação ao Carcinoma Espinocelular, podem-se utilizar as mesmas modalidades terapêuticas, com mais ênfase para Cirurgia Excisional ou Cirurgia Micrográfica de Mohs, e a avaliação da presença de matástases principalmente em gânglios, pois este tipo de tumor pode disseminar-se sobretudo quando localizado em mucosas ou extremi- dades e quando não evolui de queratoses actínicas ou com até 6 mm de diâmetro. Quanto ao Melanoma, o tratamento é essencialmente cirúrgico e é importante o exa- me histopatológico para avaliar a profundidade de invasão, ou seja, os Níveis de Clark e Breslow, pois assim poderá ser orientada a margem cirúrgica e a probabilidade de metástase e poderá ser definido se a retirada de gânglios será realizada profilaticamente. Como medida preventiva importante deve-se orientar a população, especialmente as pessoas de pele clara, quanto à exposição ao sol, principalmente entre as 9 e 16 horas no verão e uso de protetor contra a radiação ultravioleta, usando barreiras físicas como o guarda-chuva, chapéus ou equivalentes. Podem-se utilizar também os protetores químicos como os cremes ou loções com substâncias fotoprotetoras. É importante também o tratamento de lesões precursoras do câncer cutâneo. As lesões precursoras do câncer cutâneo não melanomas são: - Queratose Actínica e leucoplasias que podem evoluir para o carcinoma espinocelular. - Cicatrizes de Queimaduras, radiodermatite crônica, úlceras crônicas que podem evoluir para carcinoma basocelular ou espinocelular. As lesões precursoras do melanoma são os nevos melanocíticos congênitos, princi- palmente aqueles maiores do que 20 cm de diâmetro; os nevos melanocíticos adquiridos que aparecerem na infância e adolescência; os nevos displásticos que surgem na infân- cia, adolescência e no jovem adulto, sendo diferenciado dos anteriores por não apresen- tarem a cor ou borda uniformes. Por último, uma mancha pigmentada de crescimento lento, que aparece no idoso, chamada Lentigo Maligno, pode evoluir para Melanoma em aproximadamente 30% dos casos. A importância quanto à saúde pública é esclarecer a população sobre as modifica- ções destes nevos pigmentados, tais como o crescimento rápido, modificações na cor, alterações das bordas, ou presença de halo eritemato, prurido, ulcerações e presença de pequenos pontos escuros ao redor. Resumindo, a prevenção do câncer cutâneo deve ser a conscientização da população quanto à exposição ao sol e ao tratamento precoce das lesões pré-malignas ou malignas em fase inicial por meio de orientação de grupos paramédicos e de campanhas de saúde pública.
  • 259. 2 6 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Dermatite ocupacional Eugênio Raul de Almeida Pimentel A Dermatite de Contato é uma das dermatoses mais freqüentes atualmente, pois cada vez é maior o número de produtos ou substâncias químicas com que o homem entra em contato no dia-a-dia. Profissionalmente este contato, seja direto ou por inalação ou ingestão, é capaz de desencadear a Dermatite de Contato. A Dermatite de Contato pode ocorrer por dois mecanismos: - Irritante primário, na qual fenômenos imuno-alérgicos não estão envolvidos. - Por sensibilização, onde mecanismos imuno-alérgicos são os responsáveis pelo apa- recimento das lesões cutâneas e do prurido. A Dermatite de Contato Ocupacional é a doença profissional mais freqüente e os testes de contato com uma série de alérgicos como “screening” têm mostrado um gran- de número de substâncias imputáveis. Na indústria ou em qualquer local de trabalho, os testes de contato são indicados somente para diagnose da dermatite eczematosa de contato alérgico ou por sensibilização. Lembramos que os testes de contato não têm nenhum valor na Dermatite de Contato por irritante primário. Na suspeita de Dermatite Ocupacional antes dos teste de contato, é importante a história clínica, quadro clínico e a avaliação da exposição ao contactante suspeito. A história clínica pode orientar qual tipo de substância ou grupo de substâncias esta- riam envolvidos na dermatite e também direcionar na escolha das substâncias suspeitas para a realização dos testes de contato. A anamnese nos auxiliaria também na detecção do uso de cremes ou outros produtos tópicos utilizados previamente no tratamento, que poderiam ter agravado ou mesmo serem os responsáveis pelo quadro dermatológico. Alguns exemplos de tópicos que poderão ser sensibilizantes são: Baixo poder de Sensibilização Maior poder de sensibilização Anestésicos Lidocaína Tópica Banzocaína Antibióticos Neomicina Anti-histamínicos Aqueles utilizados em cremes Anti-sépticos Sol. De Betadina Thimerosal Nitrofurezone Além destes princípios ativos que podem sensibilizar, o uso de conservantes ou antioxidantes utilizados na preparação de cremes, como a etilenodramina e o grupo pa- rabéns, também apresenta potencial de sensibilização. O quadro clínico é importante, pois nos auxilia na localização de substância suspeita, tanto quanto a topografia. A morfologia das lesões poderia sugerir qual tipo de material estaria envolvido. Por exemplo: lesões bolhosas na Dermatite por um tipo de madeira, a Aroeira nos trabalhadores de serrarias, ou em doentes que apresentam lesões seme-
  • 260. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 6 3 lhantes às da escabiose e que trabalham com níquel, apresentando um quadro cutâneo chamado sarna dos niqueladores. Nos locais de trabalho onde exista a possibilidade da Dermatite Ocupacional, as pessoas deveriam ser orientadas quanto ao uso de luvas especiais, à utilização de barrei- ras físicas para evitar o contato com a substância química e à utilização de aspiradores para evitar a aspiração de produtos químicos. Quando o diagnóstico de Dermatite de Contato é realizado, deve-se tratar o mais precocemente para evitar o agravamento ou complicação. Bibliografia consultada e recomendada Cardiologia Neurologia COCKERELL O C;SHORVON S D, Epilepsia conceitos atuais. Institute os Neurology and Naci- onal Hospital for Neurology and Neurosurgery,Queen Square,London,traduzido pela Dra Elza Marcia T Yacubian Sào Paulo Lemos Editorial –1997 GAGLIARDI, R. J. Doença cerebrovascular – Ed Sociedade Brasileira de Doenças cerebrovasculares São Paulo 1996 GUERREIRO C M A;GUERREIRO M M,Epilepsia.—2.ed. São Paulo: Lemos Editorial,1996 MARSHALL, J. The management of cerebrovascular disease. 3.ed. London: Blackell Scientific Publications, 1976. MERRIT, H. H. A text book os neurology. 5.ed. Philadelphia: Ed Lea e Febiger, 1973. OJERMANN, R. G.; HEROS, R. C.; CROOWELL, R.M. Surgical Management of cerebrovascular disease. 2.ed. Williams e Wiilkins USA –1987. SHORVON, S. D. Conceitos atuais na compressão e conduta das epilepsias. Epilepsy Monitor (London), v.1, n.3, 1997 THE LANCET, Epilepsy: A Lancet Review, (London), 1990. Endocrinologia Epidemiologia do câncer BRASIL. Ministério do Planejamento e Orçamento. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Censo Demográfico do Brasil de 1991. Rio de Janeiro. IBGE, Home Page. BRASIL. Ministério da Saúde. Estatísticas de Mortalidade: Brasil 1980 – 1985, Sistema de Infor- mação Sobre Mortalidade – SIM. Brasília. FNS/DATASUS, Home Page. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Câncer no Brasil – Dados dos Registros de Câncer de Base Populacional, vol. II. Rio de Janeiro. Pro-Onco/INCA, 1995. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Pro-Onco. Estimativa de incidência e mortalidade por câncer no Brasil para 1995. Rabelo, MS e Cols (Coord). Rio de Janeiro, 1995. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Pro-Onco. Câncer no Brasil – dados dos Registros de Câncer de Base Populacional, vol. II. Rio de Janeiro, 1995. DUCHIADE, M. P. Estimativas e projeções populacionais: fonte de dados e métodos. Texto apresentado no International Course on Cancer Registration. Rio de Janeiro, out. 1995. GRANADOS. M.P. (Org.). Métodos para proyecciones subnacionales de población. Bogotá: Centro Latino Americano de Demografia, 1989. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro. IBGE, 1994. WORLD HEALTH ORGANIZATION. National Cancer Control Programmes: Policies and
  • 261. 2 6 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Managerial Guidelenes. Genebra. WHO, 1995. XI - Imunoprofilaxia Noções de Imunologia Kathia Brienza Badini Marulli Introdução O termo “imunologia” tem sua origem no vocábulo grego “immunis”, que significa “livre de”, “protegido contra”. Assim, pode-se concluir que o objeto de estudo desta ciência é a maneira como ocorre a proteção do organismo. Existem várias aplicações para os princípios e conhecimentos da Imunologia: prevenção de doenças ou imunoprofilaxia: é feita principalmente por meio da apli- cação de vacinas, que imunizam aqueles que as recebem, protegendo-os contra doenças específicas; diagnóstico: existem vários testes para diagnóstico que se baseiam nos princípios das reações imunológicas (sorodiagnóstico, alergodiagnóstico, etc.); tratamento das doenças: muitas vezes a intervenção terapêutica deve ser imedia- ta, não havendo tempo para que o organismo produza sua própria defesa. Nestas ocasiões, os pacientes necessitam receber soros hiperimunes, ou seja, com anticorpos específicos já prontos, produzidos por outros indivíduos (soro antiofídico, antitoxina botulínica e tetânica, por exemplo). Para se entender como ocorre a proteção do organismo do homem e dos animais, alguns dos fatores envolvidos na relação entre hospedeiro (animais domésticos, homem) e parasitas (agentes patogênicos) devem ser recordados. Agentes patogênicos (ou patógenos) são aqueles capazes de causar doenças, como bactérias, vírus, fungos, protozoários, helmintos, etc.. Quando um agente patogênico invade os tecidos do hospedeiro, neles se multiplicando, dizemos que está ocorrendo uma infecção. Nem todas as infecções resultam em doença (algumas ficam subclínicas, por exemplo); vários fatores determinarão se a enfermidade ocorrerá ou não, como, por exemplo, a virulência do agente, o número de patógenos a que o hospedeiro é exposto e a resistência do hospedeiro. Virulência é o grau de patogenicidade de um agente infec- cioso, indicado pelas taxas de letalidade e pela sua capacidade para invadir e danificar os tecidos do hospedeiro. A patogenicidade é a capacidade de o agente produzir doença. Alguns microrganismos não afetam o homem (ou os animais) porque são incapazes de ultrapassar as barreiras naturais do hospedeiro à infecção (ou seja, a defesa do orga- nismo, nestes casos, é eficiente). Mecanismos inespecíficos de defesa Os mecanismos inespecíficos de defesa também são denominados resistência inespecífica ou defesa inata. São mecanismos gerais de defesa do hospedeiro. Servem
  • 262. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 6 5 como proteção para diversos agentes. Não dependem do contato prévio com o agente infeccioso (que passaremos a denominar ANTÍGENO). Estão presentes ao nascer ou se desenvolvem naturalmente com o crescimento e/ou maturação do hospedeiro. A de- fesa inespecífica é tão importante quanto a específica. Estes mecanismos são constituídos por: 1. BARREIRAS ANATÔMICAS (físicas e químicas): - pele e mucosas (servem para dificultar a entrada do agente no organismo. Ex.: a mucosa respiratória produz muco, que envolve o agente invasor). - Secreções (ácido clorídrico no estômago; ácidos graxos na pele; enzimas com ativi- dade bactericida, como a lisozima, etc.). 2. DEFESA HUMORAL: Substâncias presentes no soro, que auxiliam na defesa do organismo: - sistema complemento (conjunto de proteínas do soro); - interferon (proteína produzida por células infectadas por vírus); - interleucinas (ou citocinas). 3. DEFESA CELULAR: Células responsáveis pela fagocitose, ou seja, pela englobação e destruição de partí- culas sólidas. As células fagocitárias dividem-se em: - polimorfonucleares: neutrófilos, eosinófilos, basófilos; - mononucleares: monócitos e macrófagos (sistema retículo-endotelial). 4. RESPOSTA INFLAMATÓRIA: Caracterizada por edema, eritema, dor e calor, a resposta inflamatória é uma respos- ta do organismo a uma agressão externa. É composta por vários fenômenos, dentre eles o acúmulo de polimorfonucleares e macrófagos no local. FATORES QUE INFLUENCIAM A RESPOSTA NÃO ESPECÍFICA idade; sexo; raça e espécie (fatores genéticos); nutrição; irradiação; drogas supressoras (corticóides); traumatismos; estresse (aumenta a secreção de glicocorticóides, que limitam a produção de linfócitos e a síntese de imunoglobulinas). Mecanismos específicos de defesa Os mecanismos específicos de defesa são também conhecidos como imunidade ad- quirida ou, simplesmente, imunidade. A imunidade difere da resistência inespecífica por- que é ativa contra um determinado patógeno (antígeno). Para que o organismo desen- volva uma defesa específica deve ser exposto previamente ao antígeno.
  • 263. 2 6 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI ANTÍGENO (ou substância antigênica) é a substância capaz de estimular uma res- posta imunológica como, por exemplo, a produção de anticorpos. Geralmente é uma proteína, estranha ao hospedeiro. Pode ser também um polissacarídeo. ANTICORPOS são proteínas sintetizadas em resposta a um estímulo antigênico. DETERMINANTE ANTIGÊNICO: menor porção da molécula do antígeno capaz de induzir a resposta imune. O determinante antigênico deve estar exposto na molécula do antígeno. Quando um antígeno entra no organismo do hospedeiro, é atacado pelas células fagocitárias, primeiramente pelos neutrófilos e, a seguir, pelos macrófagos. Estas células tentam destruir o antígeno, por meio da fagocitose. Se elas conseguirem, o problema esta- rá resolvido. Entretanto, se a ação destas células não for suficiente para a destruição completa do antígeno, será desencadeada uma resposta de defesa específica (resposta imune). MATERIAL ESTRANHO —> organismo —> Células Fagocitárias (antígeno) Neutrófilos Macrófagos atacam ingerem destroem A resposta imune é composta por uma complexa seqüência de eventos, sendo desencadeada pela introdução de um estímulo (antígeno) e, geralmente, culminando na eliminação do agente provocador. Quem realiza a resposta imune (ou resposta imunológica) no organismo é o sistema linfóide, composto por células e órgãos linfóides. Os órgãos linfóides dividem-se em primários ou centrais e secundários ou periféricos. Os órgãos linfóides primários são o timo e a “bursa” ou bolsa de Fabricius, sendo que este último é um órgão que existe exclusivamente nas aves. A função dos órgãos linfóides primários é a formação, desenvolvimento e maturação das células linfóides. Nos mamífe- ros, a medula óssea desempenha a função da bolsa de Fabricius. Os órgãos linfóides secundários são responsáveis pelo armazenamento e distribuição das células linfóides. Estes órgãos encontram-se estrategicamente distribuídos pelo cor- po e são eles os linfonodos, o baço e agregados linfóides como, por exemplo, as amídalas, as placas de Peyer e o apêndice. As células linfóides possuem uma origem comum, uma célula primordial ou célula- mãe, que se diferenciará em vários tipos celulares diferentes. Estas células primordiais (também denominadas “stem cell”) são produzidas nas ilhotas sangüíneas do saco vitelino, no fígado fetal e, nos adultos, na medula óssea. As células primordiais dão origem aos linfócitos, neutrófilos, eosinófilos, basófilos, monócitos (que, por sua vez, darão origem aos macrófagos) e às hemácias e plaquetas. Os linfócitos são as células imunocompetentes, ou seja, aquelas responsáveis pela realização da resposta imune. Eles dividem-se em duas grandes subpopulações: linfócitos T (aqueles que amadurecem no timo) e linfócitos B (provenientes da bolsa de Fabricius ou da medula óssea). Os linfócitos T serão os responsáveis pela resposta imune do tipo celular, enquanto os linfócitos B farão a resposta imune do tipo humoral, como será
  • 264. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 6 7 comentado a seguir. A função primária da resposta imune é identificar elementos estranhos ao organismo (microrganismos, enxertos, substâncias do meio ambiente). A discriminação entre o “pró- prio” e o “não-próprio” é obtida por meio das moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (CPH ou MHC = major histocompatibility complex). O antígeno só é reconhecido pelos linfócitos T quando está em conjunto com moléculas do CPH. O CPH é um grupo de proteínas localizadas na superfície de várias células. Existem duas classes diferentes de CPH, e cada uma delas é reconhecida por um tipo de linfócito T. As moléculas de CPH de classe I são expressas virtualmente por todos os tipos de células somáticas e são usadas para apresentar substâncias às células T-CD8, a maioria das quais são citotóxicas. Praticamente qualquer célula pode apresentar antígenos às células T-citotóxicas e assim servir como objeto de uma resposta citotóxica. As proteínas CPH de classe II são expressas apenas por macrófagos (e por algu- mas outras poucas células) e são necessárias para a apresentação do antígeno às célu- las T-CD4 (células helper). Como a ativação dos linfócitos T-helper é necessária para a ocorrência de todas as respostas imunes, as CPH de classe II ligadas à célula apresen- tadora de antígeno (APC) desempenham um papel essencial no controle destas respos- tas. Os antígenos são capturados pelas células apresentadoras de antígeno, são proces- sados e ficam expostos na superfície da célula, associados às moléculas de CPH de classe II. Desta forma, podem ser detectados por células T-helper. Este processo é denominado apresentação do antígeno. Um linfócito T-CD4 que entra em contato direto com uma célula apresentadora de antígeno torna-se ativado (para que isso aconteça, o linfócito deve possuir receptores em sua superfície que reconheçam e se liguem ao complexo CPH-antígeno apresentado pela APC). Linfócitos t São as células responsáveis pela imunidade celular. Não produzem anticorpos. São importantes na defesa contra fungos, enxertos, células neoplásicas, enfermidades infec- ciosas crônicas (como, por exemplo, a Tuberculose). Os linfócitos T agem pela liberação de fatores solúveis (interleucinas), que emitem sinais para outras células, ou por interação direta célula a célula. Ø Linfócitos t-helper ou t-auxiliares São responsáveis pelo processo de ativação celular dos linfócitos T em repouso e dos linfócitos B por meio da elaboração de fatores de crescimento, fatores blastogênicos e de diferenciação celular (interleucinas). Os linfócitos T-auxiliares interagem com as células B, auxiliando-as na produção de anticorpos. Também auxiliam os fagócitos mononucleares na destruição de patógenos. Possuem, em sua superfície, receptores CD4+. Correspondem a 70% (aproximada- mente 2/3) dos linfócitos circulantes. Ø Linfócitos T-citotóxicos ou T-supressores Atacam antígenos tumorais presentes nas células neoplásicas, destruindo-as. Partici- pam ativamente nos processos de hipersensibilidade citotóxica, destruindo, por exemplo,
  • 265. 2 6 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI células transplantadas. Destroem células infectadas por vírus ou outros parasitas intracelulares, por meio de sua atividade citotóxica. As reações citotóxicas são mecanis- mos geralmente utilizados contra células que não podem ser fagocitadas devido a seu tamanho. Possuem, em sua superfície, receptores CD8+. Correspondem a 25% (cerca de 1/3) dos linfócitos. Têm vida mais longa que os linfócitos T-CD4+. OBS.: Existem subpopulações menores de linfócitos: linfócitos T-CD4-8- (cerca de 4%) e linfócitos T-CD4+8+ (cerca de 1%), cuja importância e função ainda estão sendo estudadas. Linfócitos B São os responsáveis pela imunidade humoral. Não possuem receptores CD4, nem CD8, em sua superfície. Apresentam receptores paracomponentesdoSistemaComplemento,paraaFcdeimunoglobulinaseimunoglobulinas na superfície. Mediante a ação de interleucinas produzidas pelos linfócitos T, os linfócitos B dife- renciam-se em células denominadas plasmócitos, cuja vida média é de 2 a 3 dias. A principal função dos plasmócitos é a produção de proteínas denominadas imunoglobulinas (anticorpos). Interleucinas Asinterleucinas(oucitocinas)sãocompostasporpeptídeosouglicoproteínas.Possuema função de mediadores, que atuam como reguladores positivos e negativos das respostas imune e inflamatória e da resposta de reparo do hospedeiro a lesões. As citocinas produzidas por linfócitos são conhecidas como LINFOCINAS e as pro- duzidas por macrófagos e monócitos, como MONOCINAS. v Os linfócitos t e a resposta imune celular É conhecida como tendo um padrão ou perfil TH1. As principais citocinas envolvidas nesta resposta são: interleucina 2 (IL-2), -TNF (fator de necrose tumoral) e IFN- (interferon). A resposta imune celular é especialmente importante contra microrganismos intracelulares (vírus, algumas bactérias, protozoários intracelulares como por exemplo a Leishmania spp, helmintos como o Schistosoma mansoni etc.) v Os linfócitos t e a resposta imune humoral Possui padrão ou perfil TH2, ou seja, ocorre produção principalmente de IL-4, IL-5 e IL-10. Auxilia os linfócitos B a produzir imunoglobulinas. A resposta deste tipo é importante principalmente contra antígenos extracelulares (algumas bactérias, alérgenos, helmintos, protozoários extracelulares como Ameba spp e Giardia spp, etc.). Células NK (células “natural killer”) São células citotóxicas naturais. São responsáveis pela citotoxicidade celular sem sensibilização prévia do organismo. Não possuem receptores CD4, nem CD8 (os recep-
  • 266. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 6 9 tores de membrana das células NK ainda não foram identificados). São importantes na destruição de células parasitadas por agentes intracelulares (por exemplo, em processos virais) ou células anômalas (por exemplo, células tumorais). As células NK constituem uma subpopulação de linfócitos que se originam de uma célula precursora proveniente da medula óssea. Estas células não possuem especificidade antigênica e não adquirem memória imunológica após exposição inicial a células infectadas por vírus ou tumores. Sistema complemento Conjunto de proteínas presentes no soro dos vertebrados. O Sistema Complemento é necessário para certas reações imunológicas ou as amplia. O título (a quantidade) de Complemento no soro não aumenta pela imunização. Pode ser inativado pelo aquecimento a 560 C por 30 minutos (ou seja, é uma substân- cia termo-lábil). O Sistema Complemento é constituído por nove componentes, denominados C1 a C9 (sendo que o C1 possui 3 subcomponentes, perfazendo um total de 11 proteínas). Certas reações requerem a interação dos nove componentes do Complemento: bacteriólise específica, citólise específica ou hemólise específica e destruição específica das células de tecidos. O Complemento também é responsável pelo controle do proces- so inflamatório. A reação em cadeia (em seqüência) dos nove componentes do Complemento é cha- mada “cascata do Complemento” ou via clássica para ativação do Complemento. Após a ativação, por reação de anticorpos (IgG ou IgM) com antígenos, o primeiro componen- te adquire a capacidade de ativar o componente seguinte, este ativa o próximo e assim sucessivamente. A ativação do Complemento por anticorpos ligados a antígenos é um mecanismo de resposta específica. A via alternativa começa com a ativação de C3. Algumas bactérias ativam o sistema Complemento espontaneamente, pela via alternativa (mecanismo inespecífico). Ocorre o revestimento da bactéria com moléculas do Sistema Complemento, facilitando sua fagocitose. Este fenômeno recebe o nome de opsonização. Com a lise da parede bacteriana, são liberados produtos do Sistema Complemento, que atraem fagócitos para o local. Este fenômeno recebe o nome de quimiotaxia. As imunoglobulinas IgG e IgM são as únicas que fixam Complemento pela via clássica. O Complemento não é fixado quando há um extremo excesso de antígeno em relação aos anticorpos ou quando há extremo excesso de anticorpos em relação ao antígeno. Anticorpos São proteínas encontradas no soro que reagem muito especificamente com o antígeno que estimulou sua produção. A produção de anticorpos é um tipo de resposta imunológica. Os anticorpos também são conhecidos como imunoglobulinas. Existem cinco classes de imunoglobulinas: IgM, IgG, IgA, IgE e IgD. As imunoglobulinas são termo-estáveis, ou seja, não são inativadas pelo aquecimento do soro num banho-maria a 560 C por 30 minutos. Exceção: IgE. O feto, no útero, tem a capacidade de produzir IgM (por volta da 20a semana de gestação). Ao nascimento, a quantidade de IgM é muito pequena (na ausência de infec-
  • 267. 2 7 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI ção). Por outro lado, ao nascer, a criança tem um nível de IgG igual ao do soro normal de um adulto (adquiriu da mãe). Nos primeiros meses de vida, os anticorpos recebidos da mãe são dissipados e, aos dois meses de idade, a criança está com o menor nível de imunoglobulinas. Deve, então, começar a produzir seus próprios anticorpos, por meio de estímulos antigênicos do meio ambiente, vacinação, etc.. Cinética da resposta imune v Resposta primária O primeiro contato de um indivíduo com um imunógeno (antígeno) leva a uma resposta imune denominada primária. Neste caso, é necessário um período de uma semana (ou mais) para que se tenha um nível significativo de anticorpos no soro. Os primeiros anticorpos que se formam são da classe IgM. Posteriormente, são forma- das as IgG (então o nível de IgM decresce, enquanto o de IgG aumenta). Esta resposta é considerada relativamente fraca e de curta duração. v Resposta secundária ou resposta anamnéstica ou resposta de memória Quando o indivíduo entra em contato com um antígeno com o qual já havia tido um contato anterior, ocorre a chamada resposta imune secundária ou anamnéstica. Os ní- veis de anticorpos aumentam rapidamente até um nível mais elevado e permanecem detectáveis no soro por períodos mais longos. Isso acontece devido às células T e B de memória, formadas durante a resposta primária. As células T de memória respondem a doses mais baixas de antígeno e as células B de memória têm a capacidade de produzir IgG precocemente. As células efetoras sobrevivem apenas alguns dias; já as células de memória permanecem durante toda a vida e respondem rapidamente. Este mecanismo é utilizado na aplicação de doses de reforço de vacinas. O aconse- lhável é a aplicação do antígeno 30 dias após o primeiro contato. Características da resposta secundária: o título de anticorpos sobe mais rapidamente; os anticorpos persistem por mais tempo; a principal espécie de anticorpos produzida é IgG. Características das imunoglobulinas v IgM É a maior das imunoglobulinas. É o primeiro anticorpo formado após a imunização. Encontrada principalmente dentro dos vasos sangüíneos. Fixa Complemento e é muito eficiente na aglutinação de bactérias e hemácias. Corresponde a cerca de 10% do total. v IgG Corresponde a cerca de 70-75% do total de imunoglobulinas do organismo. Alta concentração no sangue (intravascular) e nos tecidos (extravascular). Consegue passar através da placenta e é responsável pela imunidade passiva do recém-nascido. É a principal imunoglobulina formada na resposta secundária. v IgA
  • 268. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 7 1 Presente predominantemente na saliva e secreções do trato respiratório e gastrointestinal. Também presente no sangue. Quando nas secreções, contém porção secretora, que torna as moléculas mais resistentes à digestão por enzimas proteolíticas. É importante na imunidade local dos tecidos, especialmente contra vírus. v IgE Responsável por algumas reações de hipersensibilidade do tipo imediato, como por exemplo a anafilaxia e a atopia. É termo-lábil. Precisa ser demonstrada por técnicas especiais, pois não causa precipitação, aglutinação ou fixação de Complemento. v IgD Corresponde a menos de 1% do total. Sua função biológica ainda não está totalmente esclarecida. TIPOS DE IMUNIDADE Podemos classificar os tipos de imunidade (resistência específica) em: 1. Imunidade Ativa: é quando o próprio organismo produz os anticorpos. Pode ser: 1.1. Naturalmente adquirida – quando o organismo tem contato com um microrganis- mo de forma espontânea. Ex.: infecção. 1.2. Artificialmente adquirida – o antígeno é ministrado ao indivíduo. Ex.: vacinação. 2. Imunidade passiva: os anticorpos são produzidos num indivíduo e transferidos para outro. 2.1. Naturalmente adquirida – passagem de anticorpos da mãe para o feto através da placenta (IgG) ou passagem de anticorpos da mãe para o filho via colostro (cães: IgA, IgM e IgG). 2.2. Artificialmente adquirida – aplicação de soros hiperimunes. Quadro 1. Comparação entre imunidade ativa e imunidade passiva CARACTERÍSTICA IMUNIDADE ATIVA IMUNIDADE PASSIVA Papel do hospedeiro ativo passivo Método de indução exposição a antígeno injeção de anticorpos pré- de agentes infecciosos formados em outro indivíduo Tempo p/ desenvol- 7 a 14 dias imediatamente após a injeção vimento dos anticorpos Eficácia boa regular a boa Duração da imunidade meses a anos poucas semanas Tipos de vacina Composição: 1. Vacina bacteriana morta. (Ex.: carbúnculo sintomático, gangrena gasosa); 2. Vacina bacteriana atenuada. (Ex.: brucelose); A cepa atenuada está viva, mas está com a virulência diminuída, ou seja, está atenu- ada a ponto de não ser mais capaz de causar doença, mas deve estar antigenicamente inalterada. É melhor que a morta, porque a imunidade induzida pela atenuada persiste por mais tempo.
  • 269. 2 7 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI 3. Vacina viral morta (inativada). (Ex.: febre aftosa); 4. Vacina viral atenuada. (Ex.: Sabin, raiva, cinomose, parvovirose); 5. Toxóide: toxina é tratada de tal forma que suas propriedades tóxicas são destruídas sem afetar sua antigenicidade (o tratamento geralmente é feito com formalina). Ex.: tétano (toxóide tetânico), difteria. Quando vários antígenos são misturados numa vacina, deve-se determinar se há ou não competição entre os diferentes antígenos e se a combinação deles não diminui a resposta imunológica que seria produzida contra um único antígeno. ADJUVANTE: é uma substância que é misturada com os antígenos de uma vacina para aumentar a resposta imunológica do hospedeiro. O adjuvante não pode ser antigênico. Muitas vezes a função do adjuvante é precipitar o antígeno e mantê-lo nos tecidos por mais tempo, tornando o estímulo antigênico prolongado (ex.: alúmen). REAÇÕES ADVERSAS À VACINAÇÃO: vFatores relacionados à vacina: - características da cepa; - título do material antigênico; - grau de impurezas contido no meio de cultura; - processo de inativação; - adjuvante; - preservativo usado na vacina. vFatores relacionados aos indivíduos vacinados: - idade; - vacinação anterior; - sensibilidade anterior devido à infecção natural; - anticorpos adquiridos passivamente como os de origem materna; - imunodeficiência; - desnutrição; - doenças intercorrentes. vFatores relacionados à aplicação da vacina: - local da inoculação; - método de inoculação (injetores a pressão, seringa e agulha, multipuntura); - via de inoculação. OBSERVAÇÕES IMPORTANTES: As vacinas inativadas e toxóides geralmente desencadeiam reações nas primeiras 48 horas. Já as vacinas de vírus vivos atenuados provocam reações tardias (dias ou semanas). Vacinas vivas atenuadas não devem ser administradas a pessoas que apresentam imunodeficiências ou que estão recebendo drogas imunossupressoras. Vacinas de vírus vivo atenuado não devem ser aplicadas em gestantes devido ao perigo da passagem transplacentária para o feto. Hipersensibilidade
  • 270. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 7 3 A hipersensibilidade é um estado de reatividade aumentada. As reações de hipersensibilidade agridem os tecidos do hospedeiro. O processo pelo qual um indivíduo se torna hipersensível é geralmente chamado sensibilização (e não imunização). O antígeno responsável pela iniciação da resposta alérgica é chamado alérgeno. Como sinônimo de hipersensibilidade é utilizado o termo alergia (inicialmente, o ter- mo alergia foi usado para indicar a reatividade alterada do hospedeiro). A hipossensibilidade é um estado de reatividade diminuída. Já o termo anergia refere-se a um estado em que um hospedeiro previamente sensibilizado não apresenta nenhuma espécie de resposta alérgica após a exposição ao alérgeno. Os tipos de reações de hipersensibilidade foram inicialmente classificados de acordo com o tempo que demoravam para ocorrer. Assim, uma reação que ocorresse em al- guns minutos era denominada imediata e outra, que demorasse horas ou dias para acon- tecer, recebia o nome de retardada ou tardia. Atualmente, os termos imediata e retar- dada são empregados para designar respostas de hipersensibilidade com mecanismos diferentes. Reações de hipersensibilidade do tipo imediato: causada por reações entre antígeno- anticorpo. Ex.: choque anafilático. Reações de hipersensibilidade do tipo retardado: é mediada por células, causada por uma reação de linfócitos. Ex.: prova cutânea de injeção de tuberculina. Imunoprofilaxia Bruno Soerensen A imunoprofilaxia consiste na proteção, preventiva das coletividades por meio da vacinação. Indubitavelmente, a disponibilidade de uma vacina que proteja satisfatoria- mente, sempre é indicada no controle e na erradicação da doença. A imunoprofilaxia clássica das doenças infecciosas pode ser feita com vacinas inativadas ou com vacinas de virulência atenuada – toxóides e vacinas extrativas – que podem, em determinadas circunstâncias, ser usadas simultaneamente. O objetivo das vacinações é a proteção específica das coletividades, determinando o declínio da moléstia e a modificação da morbidade nas populações vacinadas e contribu- indo para o controle e a erradicação. As vacinas inativadas ou mortas são preparadas com microrganismos tratados física ou quimicamente e não deverão portanto ter capacidade de se reproduzir, assim como deverão ser destituídos de qualquer ação tóxica. As vacinas bacterianas denominadas somáticas são constituídas de uma suspensão de bactérias mortas, como as vacinas contra a coqueluche, a febre tifóide e a coléra. Os toxóides, entretanto, são preparados partindo de toxinas inativadas geralmente pelo formol e transformadas em anatoxinas, como os toxóides Tetânico e Diftérico. No campo da virologia, temos também diversas vacinas mortas, como a vacina contra a raiva, a gripe, a encefalite. Na imunoprofilaxia têm sido usadas com todo êxito vacinas contra o tétano, a difteria, a coqueluche, a raiva, a poliomelite, a encefalite, a tuberculose e, recentemente, vacinas polissacarídicas contra a meningite meningocócica, entre outras.
  • 271. 2 7 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Para a produção das vacinas inativadas é necessário que o microrganismo possa ser cultivado “in vitro” em meio de cultura de preferência sintético, como no caso das vaci- nas bacterianas, ou ainda em cultura celular ou no organismo vivo como com as vacinas virais. Desta maneira pode-se preparar a vacina contra o sarampo cultivando o vírus em fisioblastos de embrião de galinha, ou a vacina contra a raiva em cérebro de camundon- gos lactantes (vacina Fuenzalida-Palácios) ou ainda a vacina anti-rábica preparada com células diplóides humanas (HDCV). Um caso muito especial é o das vacinas contra a Hepatite B que até o presente momento são preparadas com antígeno de superfície do vírus da Hepatite B (HBs Ag), tratando o antígeno de superfície viral o plasma humano para eliminar os componentes indesejáveis do plasma e evitar, assim, qualquer risco de microrganismos patogênicos contidos no plasma do doador, com destaque para a Síndrome de Imunodeficiência Ad- quirida. A proteção conferida pelas vacinas de microrganismos de virulência atenuada se aproxima à obtida na infecção natural, podendo ocorrer manifestação clínica decorrente da vacinação, mas sempre deverá ser de importância secundária, de maneira a não comprometer a saúde dos vacinados. As vacinas vivas contra a tuberculose, poliomielite, sarampo, rubéola, caxumba e febre amarela são utilizadas amplamente. Na preparação das vacinas de virulência atenuada devemos utilizar microrganismos geneticamente estáveis para evitar reversões genéticas da cepa na preparação da vaci- na ou no indivíduo vacinado, embora até o presente momento não tenha sido relatado esse fenômeno. O acidente de Lübeks ocorrido na Alemanha em 1930, quando 72 crian- ças morreram de 251 vacinadas com BCG administrada por via oral, foi devidamente esclarecido pois, mediante rigoroso inquérito, foi verificado que o laboratório produtor da vacina não tomou os devidos cuidados, utilizando ao invés de cepa BCG uma amostra virulenta de M. tuberculosis. Existem recomendações de utilização de cepas seguras, de características bem co- nhecidas e, sempre que possível, sob a forma de lote semente Seed lot com a finalidade de diminuir qualquer risco de modificação de suas características originais. Embora nenhuma vacina possa ser considerada absolutamente inócua, o risco no seu uso deverá ser muito menor do que aquele que apresenta a doença que se pretende prevenir. No caso das vacinas vivas contra a poliomielite, para cada 3 milhões de doses de vacina administrada pode-se esperar, aproximadamente, um caso de paralisia relaci- onada à vacina, embora este fato não tenha tido confirmação. Alguns vírus do herpes estão associados à transformação celular, existindo portanto possibilidades de determinar neoplasia maligna, e deverá ser tomado o maior cuidado no caso especial de vacinas atenuadas preparadas com esses agentes no sentido de rigoro- sas provas de inocuidade. A produção das vacinas inativadas e das vacinas vivas deverá obedecer a rigorosos controles de processamento, assim como atender aos requisitos específicos para cada vacina, no referente à segurança e à capacidade protetora. Por meio de nova biotecnologia, podemos ter duas técnicas de grande importância: 1. Manipulação de seqüência de codificação definida do DNA e sua expressão con- trolada em células hospedeiras apropriadas.
  • 272. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 7 5 2. Utilização de tecnologia de fusão celular para produzir estirpes imortais de células que produzam anticorpos monoclonais. O alcance desta tecnologia é descrita por Schild e Assaad (1), da seguinte maneira: Técnica do dna recombinante Os genes contendo o código de um determinado produto podem ser isolados e propa- gados pela inserção do material genético de origem natural ou sintético em organismo vetor apropriado, mediante a seleção de clones individuais que contenham o gene procu- rado. Estes trabalhos de clonação foram realizados especialmente com plasmídios de Escherichia coli. As etapas fundamentais do processo compreendem a inserção do gene no vetor com ajuda de enzimas endonucleases de restrição específica, que seccionam o DNA do vetor em locais predeterminados e ligações que recombinam o gene inserido no vetor. Atualmente, existem técnicas para a expressão controlada de genes microbianos ou celulares correspondentes, após inserção em sistemas de vetores apropriados. Com a utilização desses métodos, pode-se conseguir que, com sistemas celulares apropriados, sejam produzidas proteínas microbianas ou oligopéptidos que representam, por exemplo, os epítopes de microrganismos de interesse para a imunização. Esses métodos oferecem a possibilidade de utilização na produção em escala indus- trial de materiais a serem usados como vacinas. Algumas das principais aplicações da tecnologia do DNA recombinante são as se- guintes: 1. Produção de ácidos nucléicos de uma especificidade microbiana definida para sua utilização como reagentes para diagnóstico na pesquisa em epidemiologia. 2. Modificação de genomas microbianos para a produção de mutantes de virulência atenuada estáveis destinados à preparação de vacinas vivas. 3. Identificação detalhada da estrutura química dos antígenos de maneira que seja possível sintetizar determinadas partes das moléculas obtendo-se, assim, vacinas de peptídeos sintéticos. 4. Produção por meio de uma expressão controlada de genes em microrganismos vetores apropriados, de proteínas microbianas definidas ou oligopeptídeos para sua utili- zação como vacinas ou como reagentes imunodiagnósticos. 5. Produção de anticorpos “sintéticos” para uso terapêutico, ainda em fase de estu- do. Técnica de fusão celular Em 1975, Köhler e Milstein informaram pela primeira vez sobre a produção de anticorpos monoclonais em células híbridas obtidas por meio da fusão nuclear de células de mieloma de camundongos com linfócitos de animais imunizados. Essas técnicas per- mitiram obter clones celulares imortais que produzem de maneira contínua grandes quan- tidades de anticorpos contra antígenos de origem bacteriano, viral ou parasitário. Os anticorpos monoclonais são utilizados como instrumentos específicos para determinar a localização de determinates antigênicos microbianos, com a finalidade de identificar aque- les que oferecem maiores possibilidades para sua inclusão em vacinas. Também apre- sentam papel importante na purificação de antígeno por meio de cromatografia de afini-
  • 273. 2 7 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI dade. A produção em escala industrial de imunoglobulinas monoclonais antimicrobianas definidas tem seu papel relevante na imunoprofilaxia, assim como na imunoterapia e imunodiagnóstico, como, por exemplo, a imunoglobulina relacionada à toxinas antimicrobianas ou anticelulares. A preparação de clones de células imunocompetentes (células B, células T) desem- penha uma função na pesquisa imunológica básica ou, ainda potencialmente no futuro próximo, na luta contra doenças. Por meio desta nova biotecnologia estão sendo preparadas, prioritariamente, vacinas de difícil obtenção pelos métodos convencionais, como as da Hepatite B ou ainda outras como a vacina contra Febre Hemorrágica Africana. Por que falham as vacinas Bruno Soerensen Indiscutivelmente as vacinas constituem a maior contribuição à Saúde Pública no com- bate às doenças. Milhões de vidas anualmente são salvas graças às vacinações das mais diversas moléstias como Tétano, Difteria, Coqueluche, Poliomielite, Tuberculose, Sarampo e outras. Podemos ter uma idéia da magnitude da contribuição das vacinas pelos resulta- dos obtidos na erradicação da Varíola no mundo em 1979, constituindo-se possivelmente na maior contribuição à Saúde Pública no século XX. A vacinação preventiva é o método mais prático e mais econômico para se prevenir as doenças; entretanto, os benefícios decorrem de cuidados especiais com a vacina, desde sua fabricação, transporte e estocagem, seu uso no prazo de validade estipulado na embalagem do produto, reconstituição, quando for o caso, e cuidados específicos para cada vacina na sua aplicação na idade certa e nas dosagens recomendadas. Todas as recomendações deverão ser obedecidas para se conseguir com segurança as metas previstas de controle e erradicação das moléstias preveníveis por meio da vacinação. Qualquer descuido em um dos pontos abordados abaixo pode levar a insucesso. 1 - Elaboração da vacina 1.1 - Deve-se evitar o uso de cepas não suficientemente antigênicas (impróprias). Com esta finalidade, os microorganismos a serem usados na fabricação de vacinas são fornecidos aos laboratórios fabricantes pela Organização Mundial da Saúde e pelo Mi- nistério da Saúde para as vacinas de uso humano, e pelo Ministério da Agricultura, para as de uso veterinário. 1.2 - A tecnologia de produção deverá garantir a obtenção de uma boa vacina. 1.3 - O laboratório produtor deverá submeter cada lote de vacina a provas de segu- rança, inoculando-a em animais de laboratório, independentemente de testes químicos, provas estas que têm como finalidade verificar se a vacina, quando inoculada, não irá trazer problemas. As provas de potência visam avaliar em animais de laboratório, em cultura celular,
  • 274. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 7 7 em meios de cultura ou, ainda, por meio dos métodos imunológicos ou químicos, junto a uma vacina Padrão Internacional, se a vacina está em condições de proteger especifica- mente contra a moléstia. 1.4 - Devem ser feitas provas de termo-estabilidade, para verificar se a vacina sub- metida a condições adversas de temperatura conserva a sua capacidade imunizante e durante que período de tempo. 2 - Transporte e estocagem 2.1 - O transporte depende da labilidade térmica da vacina e deverá ser feito a baixa temperatura (2-8ºC), em caixas de isopor apropriadas e acondicionadas com gelo reciclável. Quando o tempo previsto para o transporte for de vários dias, e especialmente em zonas tropicais com elevadas temperaturas, poderá ser acondicionada com gelo seco, toman- do-se as devidas preocupações para se evitar o congelamento de vacinas líquidas, cuja qualidade possa ser alterada, como a vacina tríplice humana contra a Difteria, Coquelu- che e Tétano. As vacinas que contêm microorganismos de virulência atenuada geral- mente são liofilizadas, isto é, desidratadas a baixa temperatura, pois na forma de pó os microorganismos mantêm-se vivos durante longos períodos, alguns deles mesmo fora de refrigeração, existindo entretanto, recomendações para sua manutenção a temperaturas baixas (2-8 ºC). 2.2 - A estocagem de todas as vacinas, mesmo as liofilizadas, deverá ser feita a baixa temperatura (2-8ºC), obedecendo-se assim as recomendações da bula que acompanha a vacina. Somente desta maneira poderemos garantir a qualidade da mesma durante o período de validade. Os grandes centros de estocagem de vacinas deverão estar dotados de câmaras frigoríficas e congeladores com sistemas de segurança para garantir a manutenção das temperaturas recomendadas mesmo quando exista interrupção de energia elétrica na cidade. Isto é conseguido com geradores de partida automática, que entram em ação sempre que exista corte da corrente elétrica. Doses de vacinas são inutilizadas em número elevado devido ao transporte ou estocagem em condições inadequadas. Quando a estocagem é feita em centros peque- nos, recomenda-se que os refrigeradores sejam usados somente para esta finalidade, evitando-se de qualquer maneira que outros materiais, como alimentos, sejam guardados na mesma geladeira. 3 - Prazo de validade O prazo de validade refere-se ao período de tempo de estocagem da vacina durante o qual a mesma poderá ser usada, sempre que sejam obedecidas rigorosamente as con- dições de transporte e estocagem. As vacinas deverão ser usadas no período compreendido no prazo de validade esti- pulado na embalagem da vacina. 4 - Aplicação da vacina
  • 275. 2 7 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI 4.1 - A vacinação deverá ser feita no momento epidemiológico indicado, anteceden- do as epidemias e na idade certa, evitando-se, neste último caso, que a vacinação seja inútil pela interferência, entre outras, de anticorpos de origem materna, como acontece com a vacina contra o Sarampo. Deverá ser completada a vacinação por meio de revacinações a intervalos oportunos, ou ainda, vacinações em massa, em um único dia em todo o país, como com a vacina Sabin, ou ainda outros visando interromper o ciclo do vírus com o objetivo de se erradicar a Poliomielite. 4.2 - Quanto às vacinas liofilizadas, deverão ser reconstituídas com o líquido que acompanha a vacina, obedecendo as recomendações para se evitar a formação de grumos, como acontece com a vacina BCG. A vacina já reconstituída deverá ser usada no mes- mo dia e o restante deverá ser desprezado. 4.3 - Deverá anteceder uma agitação à abertura da ampola ou do frasco-ampola, especialmente quando a vacina normalmente apresenta depósito, evitando-se entretan- to, a formação de espuma, para que a seringa seja carregada logo a seguir. 4.4 - A retirada da vacina deverá ser feita, quando de frasco-ampola, após desinfec- ção da rolha de borracha, especialmente se se tratar de frasco-ampola de doses múlti- plas, cuja a rolha é perfurada por diversas vezes. 4.5 - As seringas deverão ser descartáveis para se evitar a transmissão de doenças como a hepatite e, quando usados injetores à pressão “Ped-o-jet”, deverão ser previa- mente esterilizados e, se forem usados produtos químicos com esta finalidade, deverá ser tomado o cuidado de se desprezar as primeiras doses para eliminar o referido produ- to. Desta maneira, pode-se evitar que o produto químico inative o vírus, especialmente quando utilizamos o “Pet-o-Jet” na vacinação contra o Sarampo, que é uma vacina viva de virulência atenuada. Entretanto, o procedimento deverá garantir que não exista con- taminação com sangue. 4.6 - A vacina deverá ser aplicada pela via e na dosagem recomendada pelo labora- tório. A via de inoculação e a dosagem são de importância para se evitar acidentes vacinais e para que a vacinação alcance as finalidades desejadas. A anti-sepsia da pele deverá ser obrigatória para se evitar a formação de abscessos por contaminação. 5 - Reações adversas ou indesejáveis São aquelas que podem ser esperadas, embora em número extremamente reduzido, conforme a vacina. As reações indesejáveis podem ser gerais ou localizadas. As gerais se manifestam por febre, dor de cabeça e, às vezes, náuseas e vômitos e, muito rara- mente, por problemas de maior gravidade, num período de 48 horas após a vacinação. As reações locais podem ser dor, calor, rubor e aumento de volume no local da inoculação da vacina. Algumas vacinas, também raramente, podem dar lugar à formação de um pequeno nódulo ou abscesso frio, isto é, sem a presença de microorganismos contaminantes. Para cada vacina está calculado o risco de reação adversa. As vacinas bacterianas de virulência atenuada como a BCG, indicada pela via intradérmica, podem determinar normalmente a formação de pequeno nódulo persistente por vários meses, podendo chegar a drenar, dando saída à pequena quantidade de pus, mas não deve ser considerada como reação adversa. Já a formação de adenopatia satélite (comprometi- mento dos linfonodos axilares correspondentes ao braço em que foi aplicada a vacina) é
  • 276. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 7 9 considerada uma reação adversa e se deve à inoculação profunda no tecido subcutâneo ao invés da via intradérmica como é recomendada. Em outras vacinas constituídas também por microorganismos vivos, como algumas virais, entre outras a do Sarampo, pode-se esperar uma febrícula e o aparecimento de uma discreta erupção na pele das crianças vacinadas poucos dias após a vacinação. Esta reação não é considerada reação adversa e está relacionada à virulência da cepa do vírus do Sarampo utilizada na elaboração da vacina. 6 - Acidentes vacinais Os acidentes vacinais, raríssimos, são devido a erros graves na fabricação da vacina, por falta de cuidados nos testes de segurança. Geralmente decorrem de uma inativação incompleta dos microorganismos utilizados na elaboração da vacina, a qual, ao invés de prevenir a moléstia para a qual está indicado o seu uso, muito pelo contrário, determina a moléstia em toda a sua plenitude. Podem ainda ser decorrentes de toxinas residuais, levando a processos graves. Os adjuvantes (substâncias adicionadas a algumas vacinas com a finalidade de se conseguir melhor efeito protetor), quando adicionados em quantidade exagerada, ou ain- da, anti-sépticos (que têm por finalidade evitar a proliferação de bactérias e fungos contaminantes, adicionados às vacinas), em quantidades além das permitidas, também podem ser responsáveis por reações no local da vacinação. As vacinas contaminadas durante sua elaboração ou no momento de sua aplicação podem ser responsáveis por abscessos no ponto de inoculação, sendo possível o isolamento do microorganismo contaminante responsável. Acidentes desta natureza são atualmente raros devido ao rigoroso controle exercido pelos Ministérios da Saúde e da Agricultura, assessorados pela Organização Mundial da Saúde. A verificação de número elevado de reações vacinais provocadas por vacinas de um mesmo lote indica uma possível falha na fabricação da vacina. 7 - Coberturas de vacinação Finalmente, para se obter repercussões epidemiológicas, como o declínio da doença nas populações, é necessária uma cobertura de vacinação ao redor de 80% da popula- ção alvo; somente desta maneira, com a redução de suscetíveis (pessoas não imunes) poderemos controlar e erradicar a doença. Quanto maior for o número de crianças vacinadas, melhores serão os resultados. Da mesma forma, se a população adulta de alto risco (grupo da população que devido à sua condição sócio-econômica, hábitos ou atividade profissional se encontra exposto a con- trair determinadas doenças) for protegida por meio da vacinação, teremos um declínio e um controle das doenças preveníveis. Neste aspecto, a educação sanitária se reveste de enorme importância. Bibliografia consultada e recomendada Noções de imunologia
  • 277. 2 8 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI ANTUNES, L.J e MATOS, K.T.F. Imunologia Médica. São Paulo: Atheneu, 1992. BIER, O. Bacteriologia e Imunologia. 16. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1986. CALICH, V.L. e VAZ, C.A.C. Imunologia Básica. São Paulo: Artes Médicas, 1989. ROESEL, C. Imunologia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1981. ROITT, I.; BROSTOFF, I.; MALE, D. Immunology. 4. ed. Barcelona: Times Mirror International Publisher Limited, 1997. SOERENSEN, B. Vacinas. São Paulo: Santos, 1995. Imunoprofilaxia SOERENSEN, B. Vacinas. São Paulo: Santos, 1995. Porque falham as vacinas SOERENSEN, B. Vacinas. São Paulo: Santos, 1995. XII – Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo animais e seres humanos Bruno Soerensen Recomendações para o uso de animais em trabalhos experimentais Até a presente data (1998), não foi sancionada recomendações da Comissão de Ética do Conselho Nacional de Controle em Experimentação Animal. Poderão ser feitas entretanto as seguintes recomendações básicas: 1. O progresso científico tem como ponto de partida a experimentação animal, a qual, entretanto, deverá ser bem conduzida. 2. A experimentação animal visa em princípio a segurança e o benefício, antece- dendo o uso do procedimento em seres humanos. 3. O experimento animal deverá obedecer critérios restritos quando se pretende salvar vidas humanas ou mesmo a de outros animais. 4. A utilização de modelos experimentais indicados para o projeto de pesquisa de- verá obedecê-los obrigatoriamente. 5. A utilização de animais em extinção deverá ser evitada. 6. Qualquer experimentação animal deverá ser estritamente planejada para se evi- tar o sofrimento inútil do animal. 7. Somente deverão ser utilizados animais para pesquisa quando houver estrita indi- cação do experimento, visando sempre um progresso científico ou um benefício social. 8. O sacrifício dos animais, quando estritamente necessário, deverá ser realizado por procedimento que evite, no que for possível, o sofrimento animal. 9. É obrigatório o uso de recursos de biosegurança nas experimentações, quando necessárias. 10. Independentemente da espécie animal, deverá ser dado tratamento humanitário.
  • 278. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 8 1 11. Deverá ser minimizado ao máximo possível o sofrimento do animal. 12. Os animais em experimentação deverão ser utilizados uma única vez na pesquisa científica, excetuando-se procedimentos de punções como a venosa ou ainda de inoculações. Entretanto, a inoculação pela via intra cerebral deverá ser feita em animal anestesiado e de preferência uma única vez. 13. Qualquer ato cirúrgico deverá ser precedido de procedimentos de anestesia. 14. O uso de tranqüilizantes será obrigatório em animais sempre que exista a sua indicação. 15. Aos animais em experimentação deverão ser fornecidos alimento e água; os animais serão mantidos em condições adequadas à espécie, respeitando-se as medidas higiênicas. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos Decorridos dezenas de anos foi normatizado o envolvimento de seres humanos em trabalhos de pesquisa realizados no Brasil. Anteriormente ao estabelecimento das normas visando a permissibilidade do uso de seres humanos em pesquisa, foram utilizados grupos com limitações como crianças in- ternadas em creches, refugiados de guerra, deficientes mentais ou ainda aqueles detidos em cadeias públicas. A responsabilidade do produtor das vacinas deverá ser seguida para evitar acidentes como aquele ocorrido em Lübeck. Nesta oportunidade o médico responsável pela elaboração da vacina teria trocado a cepa de BCG por uma amostra virulenta de bacilo de tuberculose (cepa Kiel), pois achava que o resultado fosse melhor. Este detalhe se reveste de grande importância no sentido de se estudar se os especialis- tas envolvidos possuem capacidade suficiente, aliado à biosegurança e ao comporta- mento psíquico de cada pesquisador. Quanto às diretrizes das normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, adotamos a Resolução no 196, de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde do Brasil. Conselho Nacional de Saúde Resolução no 196, de 10 de outubro de 1996. BRASIL. O Plenário do Conselho Nacional de Saúde em sua Quinquagésima Nona Reunião Ordinária, realizada nos dias 09 e 10 de outubro de 1996, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, resolve: Aprovar as seguintes diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos: I – Preâmbulo A presente Resolução fundamenta-se nos principais documentos internacionais que emanaram declarações e diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos: o Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos dos Homem (1948), a Decla- ração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989), o Acordo
  • 279. 2 8 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982 e 1993) e as Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991). Cumpre as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1998 e da legislação brasileira correlata: Código de Direitos do Consumidor, Código Civil e Código Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 19/09/90 (dispõe sobre as condições de atenção à saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes), Lei 8.142, de 28/12/90 (participação da comunidade na ges- tão do Sistema Único de Saúde), Decreto 99.438, de 07/08/90 (organização e atribuições do Conselho Nacional de Saúde), Decreto 98.830, de 15/01/90 (coleta por estrangeiros de dados e materiais científicos no Brasil), Lei 8.489, de 18/11/92 e Decreto 879, de 22/ 07/93 (dispõem sobre retirada de tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano com fins humanitários e científicos), Lei 8.501, de 30/11/92 (utilização de cadáver), Lei 8.974, de 05/01/95 (uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismo geneticamente modificados), Lei 9.279, de 14/05/96 (regula direitos e obriga- ções relativos à propriedade industrial), e outras. Esta Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, entre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado. O caráter contextual das considerações aqui desenvolvidas implica em revisões periódicas desta Resolução, conforme necessidades nas áreas tecnocientífica e ética. Ressalta-se, ainda, que cada área temática de investigação e cada modalidade de pesquisa, além de respeitar os princípios emanados deste texto, deve cumprir com as exigências setoriais e regulamentações específicas. II – Termos e definições A presente Resolução adota no seu âmbito as seguintes definições: II.1 – Pesquisa – classe de atividades cujo objetivo é desenvolver ou contribuir para o conhecimento generalizável. O conhecimento generalizável consiste em teorias, rela- ções ou princípios ou no acúmulo de informações sobre as quais estão baseados, que possam ser corroborados por métodos científicos aceitos de observação e inferência. II.2 – Pesquisa envolvendo seres humanos – pesquisa que, individual ou coletiva- mente, envolva o ser humano, de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de informações ou materiais. II.3 – Protocolo de Pesquisa – documento contemplando a descrição da pesquisa em seus aspectos fundamentais, informações relativas ao sujeito da pesquisa, à qualificação dos pesquisadores e a todas as instâncias responsáveis. II.4 – Pesquisador responsável – pessoa responsável pela coordenação e realização da pesquisa e pela integridade e bem-estar dos sujeitos da pesquisa. II.5 – Instituição de pesquisa-organização, pública ou privada, legitimamente consti- tuída e habilitada na qual são realizadas investigações científicas. II.6 – Promotor – indivíduo ou instituição responsável pela promoção da pesquisa. II.7 – Patrocinador – pessoa física ou jurídica que apoia financeiramente a pesquisa. II.8 – Risco da pesquisa – possibilidade de danos à dimensão física, psíquica, moral,
  • 280. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 8 3 intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em qualquer fase de uma pesqui- sa e dela decorrente. II.9 – Dano associado ou decorrente da pesquisa – agravo imediato ou tardio, ao indivíduo ou à coletividade, com nexo causal comprovado, direto ou indireto, decorrente do estudo científico. II.10 – Sujeito da pesquisa – é o (a) participante pesquisado (a), individual ou coleti- vamente, de caráter voluntário, vedada qualquer forma de remuneração. II.11 – Consentimento livre e esclarecido – anuência do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subor- dinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participação voluntária na pesquisa. II.12 – Indenização – cobertura material, em reparação a dano imediato ou tardio, causado pela pesquisa ao ser humano a ela submetida. II.13 – Ressarcimento – cobertura, em compensação, exclusiva de despesas decor- rentes da participação do sujeito na pesquisa. II.14 – Comitês de Ética em Pesquisa – CEP – colegiados interdisciplinares e inde- pendentes, com “munus público”, de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos. II.15 – Vulnerabilidade – refere-se a estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido. II.16 – Incapacidade – refere-se ao possível sujeito da pesquisa que não tenha capa- cidade civil para dar o seu consentimento livre e esclarecido, devendo ser assistido ou representado, de acordo com a legislação brasileira vigente. III – Aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos. As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigências éticas e cien- tíficas fundamentais. III.1 – A eticidade da pesquisa implica em: a) consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos vul- neráveis e aos legalmente incapazes (autonomia). Neste sentido, a pesquisa en- volvendo seres humanos deverá sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los em sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade; b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos (beneficiência), comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos; c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficiência); d) relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária (justiça e eqüidade). III.2 – Todo procedimento de qualquer natureza envolvendo o ser humano, cuja acei-
  • 281. 2 8 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI tação não esteja ainda consagrada na literatura científica, será considerado como pes- quisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes da presente Resolução. Os procedimen- tos referidos incluem, entre outros, os de natureza instrumental, ambiental, nutricional, educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, sejam eles farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidade preventiva, diagnóstica ou terapêu- tica. III.3 – A pesquisa em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres humanos deverá observar as seguintes exigências: a) ser adequada aos princípios científicos que a justifiquem e com possibilidades concretas de responder a incertezas; b) estar fundamentada na experimentação prévia realizada em laboratórios, animais ou em outros fatos científicos; c) ser realizada somente quando o conhecimento que se pretende obter não possa ser obtido por outro meio; d) prevalecer sempre as probabilidades dos benefícios esperados sobre os riscos previsíveis; e) obedecer à metodologia adequada. Se houver necessidade de distribuição aleató- ria dos sujeitos da pesquisa em grupos experimentais e de controle, assegurar que, a priori, não seja possível estabelecer as vantagens de um procedimento sobre outro através de revisão de literatura, métodos observacionais ou métodos que não envolvam seres humanos; f) ter plenamente justificada, quando for o caso, a utilização de placebo, em termos de não maleficiência e de necessidade metodológica; g) contar com o consentimento livre e esclarecido do sujeito da pesquisa e/ou seu representante legal; h) contar com os recursos humanos e materiais necessários que garantam o bem- estar do sujeito da pesquisa, devendo ainda haver adequação entre a competên- cia do pesquisador e o projeto proposto; i) prever procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a pro- teção da imagem e a não estignatização, garantindo a não utilização das informa- ções em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades, inclusive em termos de auto-estima, de prestígio e/ou econômico-financeiro; j) ser desenvolvida prefencialmente em indivíduos com autonomia plena. Indivíduos ou grupos vulneráveis não devem ser sujeitos de pesquisa quando a informação desejada possa ser obtida através de sujeitos com plena autonomia, a menos que a investigação possa trazer benefícios diretos aos vulneráveis. Nestes casos, o direito dos indivíduos ou grupos que queiram participar da pesquisa deve ser as- segurado, desde que seja garantida a proteção à sua vulnerabilidade e incapaci- dade legalmente definida; k) respeitar sempre os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, bem como os hábitos e costumes quando as pesquisas envolvem comunidades; l) garantir que as pesquisas em comunidades, sempre que possível, traduzir-se-ão em benefícios cujos efeitos continuem a ser fazer sentir após sua conclusão. O projeto deve analisar as necessidades de cada um dos membros da comunidade e analisar as diferenças presentes entre eles, explicitando como será assegurado o respeito às mesmas;
  • 282. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 8 5 m) garantir o retorno dos benefícios obtidos através das pesquisas para as pessoas e as comunidades onde as mesmas forem realizadas. Quando, no interesse da comu- nidade, houver benefício real em incentivar ou estimular mudanças de costumes ou comportamentos, o protocolo de pesquisa deve incluir, sempre que possível, disposições para comunicar tal benefício às pessoas e/ou comunidades; n) comunicar às autoridades sanitárias os resultados da pesquisa, sempre que os mes- mos puderem contribuir para a melhoria das condições de saúde da coletividade, preservando, porém, a imagem e assegurando que os sujeitos da pesquisa não sejam estigmatizados ou percam a auto-estima; o) assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pes- quisa; p) assegurar aos sujeitos da pesquisa as condições de acompanhamento, tratamento ou de orientação, conforme o caso, nas pesquisas de rastreamento; demonstrar a preponderância de benefícios sobre riscos e custos; q) assegurar a inexistência de conflito de interesse entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa ou patrocinador do projeto; r) comprovar, nas pesquisas conduzidas do exterior ou com cooperação estrangei- ra, os compromissos e as vantagens, para os sujeitos das pesquisas e para o Brasil, decorrentes de sua realização. Nestes casos devem ser identificado o pesquisador e a instituição nacionais co-responsáveis pela pesquisa. O protocolo deverá observar as exigências da Declaração de Helsinque e incluir documento de aprovação, no país de origem, entre os apresentados para avaliação do Comi- tê de Ética em Pesquisa da instituição brasileira, que exigirá o cumprimento de seus próprios referenciais éticos. Os estudos patrocinados do exterior também devem responder às necessidades de treinamento de pessoal no Brasil, para que o país possa desenvolver projetos similares de forma independente; s) utilizar o material biológico e os dados obtidos na pesquisa exclusivamente para a finalidade prevista no seu protocolo; t) levar em conta, nas pesquisas realizadas em mulheres em idade fértil ou em mulheres grávidas, a avaliação de riscos e benefícios e as eventuais interferênci- as sobre a fertilidade, a gravidez, o embrião ou o feto, o trabalho de parto, o puerpério, a lactação e o recém-nascido; u) considerar que as pesquisas em mulheres grávidas devem ser precedidas de pes- quisas em mulheres fora do período gestacional, exceto quando a gravidez for o objetivo fundamental da pesquisa; v) propiciar, nos estudos multicêntricos, a participação dos pesquisadores que de- senvolverão a pesquisa na elaboração do delineamento geral do projeto; e w) descontinuar o estudo somente após análise das razões da descontinuidade pelo CEP que a aprovou. IV – Consentimento livre e esclarecido O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa.
  • 283. 2 8 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI IV.1 – Exige-se que o esclarecimento dos sujeitos se faça em linguagem acessível e que inclua necessariamente os seguintes aspectos: a) a justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa; b) os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados; c) os métodos alternativos existentes; d) a forma de acompanhamento e assistência, assim como seus responsáveis; e) a garantia de esclarecimentos, antes e durante o curso da pesquisa, sobre a metodologia, informando a possibilidade de inclusão em grupo controle ou placebo; f) a liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuida- do. g) a garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa; h) as formas de ressarcimento das despesas decorrentes da participação na pesqui- sa; e i) as formas de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa. IV.2 – O termo de consentimento livre e esclarecido obedecerá aos seguintes requi- sitos: a) ser elaborado pelo pesquisador responsável expressando o cumprimento de cada uma das exigências acima; b) ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa que referenda investigação; c) ser assinado ou identificado por impressão dactiloscópica, por todos e cada um dos sujeitos da pesquisa ou por seus representantes legais; e d) ser elaborado em duas vias, sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou por seu representante legal e uma arquivada pelo pesquisador. IV.3 – Nos casos em que haja qualquer restrição à liberdade ou ao esclarecimento necessários para o adequado consentimento, deve-se ainda observar: a) em pesquisa envolvendo crianças e adolescentes, portadores de perturbação ou doença mental e sujeitos em situação de substancial diminuição em suas capaci- dades de consentimento, deverá haver justificação clara da escolha dos sujeitos da pesquisa, especificada no protocolo, aprovada pelo Comitê de Ética em Pes- quisa e cumprir as exigências do consentimento livre e esclarecido, através dos representantes legais dos referidos sujeitos, sem suspensão do direito de infor- mação do indivíduo, no limite de sua capacidade; b) a liberdade do consentimento deverá ser particularmente garantida para aqueles sujeitos que, embora adultos e capazes, estejam expostos a condicionamentos específicos ou à influência de autoridade, especialmente estudantes, militares, empregados presidiários, internos em centros de readaptação casas-abrigo, asi- los, associações religiosas e semelhantes, assegurando-lhes a inteira liberdade de participar ou não da pesquisa, sem quaisquer represálias; c) nos casos em que seja impossível registrar o consentimento livre e esclarecido, tal fato deve ser devidamente documentado, com explicação das causas da im- possibilidade, e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa; d) as pesquisas em pessoas com o diagnóstico de morte encefálica só podem ser realizadas desde que sejam preenchidas as seguintes condições:
  • 284. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 8 7 documento comprobatório da morte encefálica (atestado de óbito); consentimento explícito dos familiares e/ou do responsável legal, ou manifesta- ção prévia da vontade da pessoa; respeito total à dignidade do ser humano sem mutilação ou violação do corpo; sem ônus econômico financeiro adicional à família; sem prejuízo para outros pacientes aguardando intenção ou tratamento; possibilidade de obter conhecimento científico relevante, novo e que não possa ser obtido de outra maneira; e) em comunidades culturamente diferenciadas, inclusive indígenas, deve-se contar com anuência antecipada da comunidade através dos seus próprios líderes, não se dispensando, porém, esforços no sentido de obtenção do consentimento indivi- dual; f) quando o mérito da pesquisa depender de alguma restrição de informações aos sujeitos, tal fato deve ser devidamente explicitado e justificado pelo pesquisador e submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa. Os dados obtidos a partir dos sujei- tos da pesquisa não poderão ser usados para outros fins que os não previstos no protocolo e/ou no consentimento. V – Riscos e benefícios Considera-se que toda pesquisa envolvendo seres humanos envolve risco. O dano eventual poderá ser imediato ou tardio, comprometendo o indivíduo ou a coletividade. V.1 – Não obstante os riscos potenciais, as pesquisas envolvendo seres humanos serão admissíveis quando: a) oferecerem elevada possibilidade de gerar conhecimento para entender, prevenir ou aliviar um problema que afete o bem-estar dos sujeitos da pesquisa e de outros indivíduos; b) o risco se justifique pela importância do benefício esperado; c) o benefício seja maior, ou no mínimo igual, a outras alternativas já estabelecidas para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento. V.2 – As pesquisas sem benefício direto ao indivíduo devem prever condições de serem bem suportadas pelos sujeitos da pesquisa, considerando sua situação física, psi- cológica, social e educacional. V.3 – O pesquisador responsável é obrigado a suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano à saúde do sujeito participante da pesquisa, consequente à mesma, não previsto no termo de consentimento. Do mesmo modo, tão logo constata- da a superioridade de um método em estudo sobre outro, o projeto deverá ser suspenso, oferecendo-se a todos os sujeitos os benefícios do melhor regime. V.4 – O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição deverá ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos relevantes que alterem o curso normal do estudo. V.5 – O pesquisador, o patrocinador e a instituição devem assumir a responsabilidade de dar assistência integral às complicações e danos decorrentes dos riscos previstos. V.6 – Os sujeitos da pesquisa que vierem a sofrer qualquer tipo de dano previsto ou não no termo de consentimento e resultante de sua participação, além do direito à assis- tência integral, têm direito à indenização. V.7 – Jamais poderá ser exigido do sujeito da pesquisa, sob qualquer argumento,
  • 285. 2 8 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI renúncia ao direito à indenização por dano. O formulário do consentimento livre e escla- recido não deve conter nenhuma ressalva que afaste essa responsabilidade ou que impli- que ao sujeito da pesquisa abrir mão de seus direitos legais, incluindo o direito de procu- rar obter indenização por danos eventuais. VI – Protocolo de pesquisa O protocolo a ser submetido a revisão ética somente poderá ser apreciado se estiver instruído com seguintes documentos em português: V.I.1 – Folha de rosto: título do projeto, nome, número da carteira de identidade, CPF, telefone e endereço para correspondência do pesquisador responsável e do patrocina- dor, nome e assinatura dos dirigentes da instituição e/ou organização; V.I 2 – descrição da pesquisa, compreendendo os seguintes itens: a) descrição dos propósitos e das hipóteses a serem testadas; b) antecedentes científicos e dados que justifiquem a pesquisa. Se o propósito for testar um novo produto ou dispositivo para a saúde, de procedência estrangeira ou não, deverá ser indicada a situação atual de registro junto a agências regulatórias do país de origem; c) descrição detalhada e ordenada do projeto de pesquisa (material e métodos, casuística, resultados esperados e bibliografia); d) análise crítica de riscos e benefícios; e) duração total da pesquisa, a partir da aprovação; f) explicitação das responsabilidade do pesquisador, da instituição, do promotor e do patrocinador; g) explicitação de critérios para suspender ou encerar a pesquisa; h) local da pesquisa: detalhar as instalações dos serviços, centros, comunidades e instituições nas quais se processarão as várias etapas da pesquisa; i) demonstrativo da existência de infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da pesquisa e para atender eventuais problemas dela resultantes, com a concordân- cia documentada da instituição; j) orçamento financeiro detalhado da pesquisa: recursos, fontes e destinação, bem como a forma e o valor da remuneração do pesquisador; k) explicitação de acordo preexistente quanto à propriedade das informações gera- das, demonstrando a inexistência de qualquer cláusula restritiva quanto à divulga- ção pública dos resultados, a menos que se trate de caso de obtenção de patenteamento; neste caso, os resultados devem se tornar públicos, tão logo se encerre a etapa de patenteamento; l) declaração de que os resultados da pesquisa serão tornados públicos, sejam eles favoráveis ou não; e m) declaração sobre o uso e destinação do material e/ou dados coletados; V.I.3 – informações relativas ao sujeito da pesquisa: a) descrever as características da população a estudar: tamanho, faixa etária, sexo, cor (classificação do IBGE), estado geral de saúde, classes e grupos sociais, etc. Expor as razões para a utilização de grupos vulneráveis; b) descrever os métodos que afetem diretamente os sujeitos da pesquisa; c) identificar as fontes de material de pesquisa, tais como espécimens, registros e
  • 286. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 8 9 dados a serem obtidos de seres humanos. Indicar se esse material será obtido especificamente para os propósitos da pesquisa ou será usado para outros fins; d) descrever os planos para o recrutamento de indivíduos e os procedimentos a serem seguidos. Fornecer critérios de inclusão e exclusão; e) apresentar o formulário ou termo de consentimento, específico para a pesquisa, para a apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, incluindo informações sobre as circunstâncias sob as quais o consentimento será obtido, quem irá tratar de obtê-lo e a natureza da informação a ser fornecida aos sujeitos da pesquisa; f) descrever qualquer risco, avaliando sua possibilidade e gravidade; g) descrever as medidas para proteção ou minimização de qualquer risco eventual. Quando apropriado, descrever as medidas para assegurar os necessários cuida- dos à saúde, no caso de danos aos indivíduos. Descrever também os procedimen- tos para monitoramento da coleta de dados para prover a segurança dos indivídu- os, incluindo as medidas de proteção à confidencialidade; e h) apresentar previsão de ressarcimento de gastos aos sujeitos da pesquisa. A im- portância referente não poderá ser de tal monta que possa interferir na autono- mia da decisão do indivíduo ou responsável de participar ou não da pesquisa. V.I.4 – qualificação dos pesquisadores: “Curriculum vitae” do pesquisador responsá- vel e dos demais participantes; V.I.5 – termo de compromisso do pesquisador responsável e da instituição de cum- prir os termos desta Resolução. VII – Comitê de Ética em Pesquisa – CEP Toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa. VII.1 – As instituições nas quais se realizem pesquisas envolvendo seres humanos deverão constituir um ou mais de um Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, conforme suas necessidades. VII.2 – Na possibilidade de se constituir CEP, a instituição ou o pesquisador respon- sável deverá submeter o projeto à apreciação do CEP de outra instituição, preferencial- mente dentre os indicados pela Comissão nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS). VII.3 – Organização – A organização e criação do CEP será da competência da instituição, respeitadas as normas desta Resolução, assim como o provimento de condi- ções adequadas para o funcionamento. VII.4 – Composição – O CEP deverá ser constituído por colegiado com número não inferior a 7 (sete) membros. Sua constituição deverá incluir a participação de profissio- nais da área de saúde, das ciências exatas, sociais e humanas, incluindo, por exemplo, juristas, teólogos, sociólogos, filósofos, bioeticistas e, pelo menos, um membro da socie- dade representando os usuários da instituição. Poderá variar na sua composição, depen- dendo das especificidades da instituição e das linhas de pesquisa a serem analisadas. VII.5 – Terá sempre caráter multi e transdiciplinar, não devendo haver mais que metade de seus membros pertencentes à mesma categoria profissional, participando pessoas dos dois sexos. Poderá ainda contar com consultores “ad hoc”, pessoas perten- centes ou não à instituição, com a finalidade de fornecer subsídios técnicos. VII.6 – No caso de pesquisas em grupos vulneráveis, comunidades e coletividades,
  • 287. 2 9 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI deverá ser convidado um representante, como membro “ad hoc” do CEP, para participar da análise do projeto específico. VII.7 – Nas pesquisas em população indígena deverá participar um consultor famili- arizado com os costumes e tradições da comunidade. VII.8 – Os membros do CEP deverão se isentar de tomada de decisão, quando diretamente envolvidos na pesquisa em análise. VII.9 – Mandato e escolha dos membros – A composição de cada CEP deverá ser definida a critério da instituição, sendo pelo menos metade dos membros com experiên- cia em pesquisa, eleitos pelos seus pares. A escolha da coordenação de cada Comitê deverá ser feita pelos membros que compõem o colegiado, durante a primeira reunião de trabalho. Será de três anos a duração do mandato, sendo permitida recondução. VII.10 – Remuneração – Os membros do CEP não poderão ser remunerados no desempenho desta tarefa, sendo recomendável, porém, que sejam dispensados nos ho- rários de trabalho do Comitê das outras obrigações nas instituições às quais prestam serviço, podendo receber ressarcimento de despesas efetuadas com transportes, hospe- dagem e alimentação. VII.11 – Arquivo – O CEP deverá manter em arquivo o projeto, o protocolo e os relatórios correspondentes, por 5 (cinco) anos após o encerramento do estudo. VII.12 – Liberdade de trabalho – Os membros dos CEPs deverão ter total indepen- dência na tomada das decisões no exercício das suas funções, mantendo sob caráter confidencial as informações recebidas. Deste modo, não podem sofrer qualquer tipo de pressão por parte de superiores hierárquicos ou pelos interessados em determinada pes- quisa, devem isentar-se de envolvimento financeiro e não devem estar submetidos a conflito de interesse. VII.13 – Atribuições do CEP: a) revisar todos os protocolos de pesquisas envolvendo seres humanos, inclusive os multicêntricos, cabendo-lhe a responsabilidade primária pelas decisões sobre a ética da pesquisa a ser desenvolvida na instituição, de modo a garantir e resguar- dar a integridade e os direitos dos voluntários participantes nas referidas pesqui- sas; b) emitir parecer consubstanciado por escrito, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, identificando com clareza o ensaio, documentos estudados e data de revisão. A revisão de cada protocolo culminará com seu enquadramento em uma das se- guintes categorias; aprovado; com pendência: quando o Comitê considera o protocolo como aceitável, porém identifica determinados problemas no protocolo, no formulário do consentimento ou ambos, e recomenda uma revisão específica ou solicita uma modificação ou informação relevante, que deverá ser atendida em 60 (sessenta) dias pelos pes- quisadores; retirado: quando, transcorrido o prazo, o protocolo permanece pendente; não aprovado; e aprovado e encaminhado, com o devido parecer, para apreciação pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP/MS, nos casos previstos no capítulo VIII, item 4.c.
  • 288. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 9 1 c) manter a guarda confidencial de todos os dados obtidos na execução de sua tarefa e arquivamento do protocolo completo, que ficará à disposição das autori- dades sanitárias; d) acompanhar o desenvolvimento dos projetos através de relatórios anuais dos pes- quisadores; e) desempenhar papel consultivo e educativo, fomentando a reflexão em torno da ética na ciência: f) receber dos sujeitos da pesquisa ou de qualquer outra parte denúncias de abusos ou notificações sobre fatos adversos que possam alterar o curso normal do estu- do, decidindo pela continuidade, modificação ou suspensão da pesquisa, devendo, se necessário, adequar o termo de consentimento. Considera-se como anti-ética a pesquisa descontinuada sem justificativa aceita pelo CEP que a aprovou; g) requerer instauração de sindicância à direção da instituição em caso de denúnci- as de irregularidades de natureza ética nas pesquisas e, em havendo comprova- ção, comunicar à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP/MS e, no que couber, a outras instâncias; e h) manter comunicação regular e permanente com a CONEP/MS. VII.14 – Atuação do CEP: a) A revisão ética de toda e qualquer proposta de pesquisa envolvendo seres huma- nos não poderá ser dissociada da sua análise científica. Pesquisa que não se faça acompanhar do respectivo protocolo não deve ser analisada pelo Comitê. b) Cada CEP deverá elaborar suas normas de funcionamento, contendo metodologia de trabalho, a exemplo de: elaboração das atas; planejamento anual de suas ativi- dades; periodicidade de reuniões; número mínimo de presentes para início das reuniões; prazos para emissão de pareceres; critérios para solicitação de consul- tas de experts na área em que se desejam informações técnicas; modelo de tomada de decisão, etc. VIII – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONSEP/MS). A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP/MS é uma instância colegiada, de natureza consultiva, deliberativa, normativa, educativa, independente, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde. O Ministério da Saúde adotará as medidas necessárias para o funcionamento pleno da Comissão e de sua Secretaria Executiva. VIII.1 – Composição: A CONEP terá composição multi e transdiciplinar, com pesso- as de ambos os sexos e deverá ser composta por 13 (treze) membros titulares e seus respectivos suplentes, sendo 05 (cinco) deles personalidades destacadas no campo da ética na pesquisa e na saúde e 08 (oito) personalidades com destacada atuação nos campos teológico, jurídico e outros, assegurando-se que pelo menos um seja da área de gestão da saúde. Os membros serão selecionados a partir de listas indicativas elabora- das pelas instituições que possuem CEP registrados na CONEP, sendo que 07 (sete) serão escolhidos pelo Conselho Nacional de Saúde e 06 (seis) serão definidos por sor- teio. Poderá contar também com consultores e membros “ad hoc”, assegurada a repre- sentação dos usuários. VIII.2 – Cada CEP poderá indicar duas personalidades.
  • 289. 2 9 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI VIII.3 – O mandato dos membros da CONEP será de quatro anos com renovação alternada a cada dois anos, de sete ou seis de seus membros. VIII.4 – Atribuições da CONEP – Compete à CONEP o exame dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, bem como a adequação e atualização das nor- mas atinentes. A CONEP consultará a sociedade sempre que julgar necessário, caben- do-lhe, entre outras, as seguintes atribuições: a) estimular a criação de CEPs institucionais e de outras instâncias; b) registrar os CEPs institucionais e de outras instâncias; c) aprovar, no prazo de 60 dias, e acompanhar os protocolos de pesquisa em áreas temáticas especiais tais como: 1) genética humana; 2) reprodução humana; 3) farmácos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos novos (fases I, II, III) ou não registrados no país (ainda que fase IV), ou quando a pesquisa for referente a seu uso com modalidades, indicações, doses ou vias de administração diferentes daquelas estabelecidas, incluindo seu emprego em combinações; 4) equipamentos, insumos e dispositivos para a saúde novos, ou não registrados no país; 5) novos procedimentos ainda não consagrados na literatura; 6) populações indígenas; 7) projetos que envolvam aspectos de biossegurança; 8) pesquisas coordenadas do exterior ou com participação estrangeira e pesquisas que envolvam remessa de material biológico para o exterior; 9) projetos que, a critério do CEP, devidamente justificado, sejam julgados merece- dores de análise pela CONEP; d) prover normas específicas no campo da ética em pesquisa, inclusive nas áreas temáticas especiais, bem como recomendações para aplicação das mesmas; e) funcionar como instância final de recursos, a partir de informações fornecidas sistematicamente, em caráter ex-ofício ou a partir de denúncias ou de solicitação de partes interessadas devendo manifestar-se em um prazo não superior a 60 (sessenta) dias; f) rever responsabilidade, proibir ou interromper pesquisas, definitiva ou temporari- amente, podendo requisitar protocolos para revisão ética inclusive, os já aprova- dos pelo CEP; g) constituir um sistema de informação e acompanhamento dos aspectos éticos das pesquisas envolvendo seres humanos em todo o território nacional, mantendo atualizados os bancos de dados; h) informar e assessorar o MS, o CNS e outras instâncias do SUS, bem como do governo e da sociedade, sobre questões éticas relativas à pesquisa em seres humanos; i) divulgar esta e outras normas relativas à ética em pesquisa envolvendo seres humanos; j) a CONEP, juntamente com outros setores do Ministério da Saúde, estabelecerá normas e critérios para o credenciamento de Centros de Pesquisa. Este credenciamento deverá ser proposto pelos setores do Ministério da Saúde, de
  • 290. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 9 3 acordo com suas necessidades, e aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde; e k) estabelecer suas próprias normas de funcionamento. VIII.5 – A CONEP submeterá ao CNS para sua deliberação: a) propostas de normas gerais a serem aplicadas às pesquisas envolvendo seres humanos, inclusive modificações desta norma; b) plano de trabalho anual; c) relatório anual de suas atividades, incluindo sumário dos CEP estabelecidos e dos projetos analisados. IX – Operacionalização IX.1 – Todo e qualquer projeto de pesquisa envolvendo seres humanos deverá obe- decer às recomendações desta Resolução e dos documentos endossados em seu pre- âmbulo. A responsabilidade do pesquisador é indelegável, indeclinável e compreende os aspectos éticos e legais. IX.2 – Ao pesquisador cabe: a) apresentar o protocolo, devidamente instruído ao CEP, aguardando o pronuncia- mento deste, antes de iniciar a pesquisa; b) desenvolver o projeto conforme delineado; c) elaborar e apresentar os relatórios parciais e final; d) apresentar dados solicitados pelo CEP, a qualquer momento; e) manter em arquivo, sob sua guarda, por 5 anos, os dados da pesquisa, contendo fichas individuais e todos os demais documentos recomendados pelo CEP; f) encaminhar os resultados para publicação, com os devidos créditos aos pesquisa- dores associados e ao pessoal técnico participante do projeto; g) justificar, perante o CEP, interrupção do projeto ou a não publicação dos resulta- dos. IX.3 – O Comitê de Ética em Pesquisa institucional deverá estar registrado junto à CONEP/MS. IX.4 – Uma vez aprovado o projeto, o CEP passa a ser co-responsável no que se refere aos aspectos éticos da pesquisa. IX.5 – Consideram-se autorizados para execução, os projetos aprovados pelo CEP, exceto os que se enquadrarem nas áreas temáticas especiais, os quais, após aprovação pelo CEP institucional deverão ser enviados à CONEP/MS, que dará o devido encami- nhamento. IX.6 – Pesquisas com novos medicamentos, vacinas, testes diagnósticos, equipa- mentos e dispositivos para a saúde deverão ser encaminhados do CEP à CONEP/MS e desta, após parecer, à Secretaria de Vigilância Sanitária. IX.7 – As agências de fomento à pesquisa e o corpo editorial das revistas científica deverão exigir documentação comprobatória de aprovação do projeto pelo CEP e/ou CONEP, quando for o caso. IX.8 – Os CEPs institucionais deverão encaminhar trimestralmente à CONEP/MS a relação dos projetos de pesquisa analisados, aprovados e concluídos, bem como dos projetos em andamento e, imediatamente, aqueles suspensos. X. Disposições transitórias
  • 291. 2 9 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI X.1 – O grupo Executivo de Trabalho-GET, constituindo através da Resolução CNS 170/95, assumirá as atribuições da CONEP até a sua constituição, responsabilizando-se por: a) tomar as medidas necessárias ao processo de criação da CONEP/MS; b) estabelecer normas para registro dos CEP institucionais; X.2 – O GET terá 180 dias para finalizar as suas tarefas. X.3 – Os CEPs das instituições devem proceder, no prazo de 90 (noventa) dias, ao levantamento e análise, se for o caso, dos projetos de pesquisa em seres humanos já em andamento, devendo encaminhar à CONEP/MS, a relação dos mesmos. X.4 – Fica revogada a Resolução 01/88. Conselho nacional de saúde resolução nº 102, de 07 de novembro de 1996 O Plenário do Conselho Nacional de Saúde em sua Sexagésima Reunião Ordinária, realizada nos dias 6 e 7 de novembro de 1996, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e pela lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990, considerando: a) a necessidade de completar o trabalho do Grupo Executivo criado através da Resolução nº 170 de 09 de novembro de 1995; e b) o estipulado no item 2, Capítulo X, da Resolução nº 196 de 10 de novembro de 1996, que aprova as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envol- vendo Seres Humanos, resolve: Aprovar o seguinte Plano de Trabalho: 1) Desenvolver as atribuições da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP, nos termos do item 1, Capítulo X, da Resolução nº 196/96. Período: até a criação da CONEP; 2) Distribuir amplamente a Resolução nº 196/96, como passo inicial para: a) assegurar a divulgação das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos; b) promover a criação de Comitês de Ética em Pesquisa – CEP, de acordo com as novas diretrizes; c) obter informações básicas sobre os Comitês de Ética em Pesquisa; d) registrar os CEPs no Ministério da Saúde; e) desenvolver Banco de Dados sobre os Comitês de Éticas; e f) divulgar Boletim sobre o processo de organização dos Comitês no país, por Uni- dade Federada, contendo lista com as instituições que possuem CEP cadastrado no Ministério da Saúde. Período: novembro de 1996 a março de 1997. 3) Solicitar sugestões sobre as sete áreas temáticas especiais referidas na letra c, item 4, Cap VIII, da Resolução nº 196/96, como subsídios ao trabalho de elabora- ção das Normas e Diretrizes destas áreas. Período: novembro de 1996 a março de 1997; 4) Promover revisão da bibliografia e organizar o trabalho de elaboração das nor- mas das áreas temáticas especiais. Período: janeiro a fevereiro de 1997; 5) Definir as prioridades de trabalho na elaboração das normas de pesquisa das áreas temáticas especiais. Período: fevereiro de 1997.
  • 292. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 9 5 6) Identificar, para cada área temática, as pessoas, sociedades, instituições etc., que serão consultados e, eventualmente, poderão contribuir na elaboração das nor- mas específicas. Período: janeiro e fevereiro de 1997. 7) Elaborar o plano de trabalho das áreas temáticas especiais priorizadas para apre- sentação na Reunião Ordinária do CNS do mês de abril de 1997; e 8) Apresentar, na Reunião Ordinária do CNS do mês de abril de 1997, proposta de estruturação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, nos termos dos itens 1, 2 e 3 do Capítulo VIII e da letra a do item 1, Capítulo X, das Disposição Transitórias da Resolução nº 196/96. Instruções para preparar o Sumário do protocolo Um Sumário de cada um dos itens seguintes deve ser anexado a cada proposta de investigação antes que esta seja avaliada pelo Comitê de Voluntários Humanos. O Su- mário deve conter um máximo de três páginas. Se um determinado item não for relevan- te à pesquisa, descreva as razões pelas quais você crê que o item não se aplica. 1) Faça um breve resumo dos propósitos do estudo, incluindo os métodos e materi- ais a serem empregados. 2) Descreva a população de referência do estudo e o que será requerido dos parti- cipantes. (Quando a população consistir de grupos especiais, tais como prisionei- ros, crianças e pacientes psiquiátricos ou outros grupos cuja capacidade de for- necer informação voluntária com conhecimento de causa é questionável, faz-se necessário fornecer uma justificativa para o emprego desse tipo de população.) 3) Informar se a investigação exige o uso de documentos papeletas (incluindo papeletas hospitalares, atestado de óbito ou nascimento, etc.), órgãos, tecidos (histologia ou outros), líquidos orgânicos (sangue ou soro, por exemplo), feto ou aborto. Se a informação identificando os pacientes for obtida de documentação (tal como os prontuários), indique o tipo de informação a ser obtida, o propósito para o qual os dados serão usados, durante quanto tempo a informação será conservada e como a informa- ção será eliminada no futuro. 4) Descreva e avalie riscos potenciais – físicos, psicológicos, sociais e outros – e avalie a probabilidade e a seriedade de tais riscos. a) Descreva os procedimentos para proteger indivíduos contra tais riscos (ou como os riscos serão minimizados) e avalie a eficácia de tais procedimentos. b) Se os métodos a serem utilizados na investigação proposta criam riscos em po- tencial, descreva outros métodos (se existentes) que foram considerados durante o desenho do protocolo e porque estes não serão usados. 5) Avalie os benefícios em potencial a serem obtidos pelo indivíduo participante da pesquisa, pela sociedade em geral, como resultado da pesquisa proposta. Indique porque você acredita que os benefícios serão maiores do que os riscos. 6) Descreva os procedimentos de “consentimento” a serem usados, indicando como e onde o “consentimento informado” (consentimento com conhecimento de cau- sa) será obtido. Quando há riscos em potencial para o indivíduo ou quando a sua privacidade pode ser lesada, o investigador deverá obter um consentimento infor- mado assinado pelo participante. No caso de crianças ou pacientes psiquiátri- cos, o consentimento informado assinalado pode ser obtido do pai/mãe ou guardião
  • 293. 2 9 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI legal do indivíduo. As informações sobre o estudo deverão ser claramente trans- mitidas às crianças participantes, a fim de que estas forneçam seu consentimen- to. Anexe uma cópia da descrição do estudo a ser lida aos participantes e/ou do consentimento com conhecimento de causa. a) Se o consentimento com conhecimento de causa não for obtido, explique porque este requisito deve ser omitido e forneça uma descrição e justificativa para o procedimento a ser seguido. b) Se a informação básica não for transmitida aos participantes, explique este tipo de ação. c) Participantes deverão obter informação dos investigadores sobre a disponibilida- de (ou não disponibilidade) de tratamento ou compensação monetária a ser fornecida como resultado de enfermidades ou lesões decorrentes da sua partici- pação no estudo. 7) Descreva os instrumentos pelos quais será assegurado o caráter confidencial e/ ou medidas para proteger o anonimato dos participantes. (Informe ao Comitê onde os dados serão mantidos e quais são os planos para destruir os dados iden- tificados indivíduos, após o término do estudo.) 8) Se o estudo incluir entrevistas, descreva onde e em que contexto a entrevista será realizada. (A duração aproximada da entrevista deverá ser mencionada no “consentimento informado” a ser lido pelo participante.) 9) Se o questionário final não for anexado a este, as seguintes informações deverão ser incluídas no Sumário da investigação: a) Uma descrição das áreas a serem cobertas pelo questionário e que possam ser consideradas “delicadas” ou que venham a constituir uma invasão da privacidade do participante. b) Exemplos de perguntas a serem endereçadas relacionadas com os tópicos refe- ridos. c) Data em que o questionário será apresentado ao Comitê para avaliação. Proposta de formulário para o comitê de pesquisa em voluntários humanos Investigador principal: ____________________________________ Co-investigador: ________________________________________ Departamento: _________________________________________ Universidade e/ou Instituição responsável: ___________________ Endereço: _____________________________________________ Telefone: ______________________________________________ Título do estudo: ________________________________________ _____________________________________________________ O protocolo está sendo Avaliado pela primeira vez ________________________________ Reavaliado ____________________________________________ 1. Natureza da população em estudo:
  • 294. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 9 7 a) Pacientes (enfermos) Sim( ) Não( ) b) Indivíduos sadios Sim( ) Não( ) c) Crianças Sim( ) Não( ) d) Estudantes Sim( ) Não( ) e) Prisioneiros Sim( ) Não( ) f) Doentes mentais (incluindo retardados mentais) Sim( ) Não( ) 2. O estudo incluirá os seguintes aspectos: a) Uso de papeletas médicas, certificados de óbito, certificados de nascimento, etc. Sim( ) Não( ) b) Uso de material radioativo Sim( ) Não( ) c) Uso de agentes infecciosos Sim( ) Não( ) d) Uso de tecido fetal ou aborto Sim( ) Não( ) e) Uso de órgãos ou fluidos corpóreos (como sangue etc.) Sim( ) Não( ) 3. O estudo poderá levar às conseqüências assinaladas a seguir: a) Riscos físicos Sim( ) Não( ) b) Riscos sociais Sim( ) Não( ) c) Riscos psicológicos Sim( ) Não( ) d) Desconforto nos indivíduos estudados Sim( ) Não( ) e) Invasão da privacidade do indivíduo Sim( ) Não( ) f) Liberação de informações potencialmente nocivas ao indivíduo ou a terceiros. Sim( ) Não( ) 4. Os indivíduos incluídos na investigação serão claramente informados a respeito de: a) Objeto e natureza do estudo Sim( ) Não( ) b) Métodos a serem usados, incluindo alternativas Sim( ) Não( ) c) Riscos e reações colaterais Sim( ) Não( ) d) Questões de natureza privada Sim( ) Não( ) e) Possíveis benefícios Sim( ) Não( ) f) Direito de recusar a participação no estudo ou interrompê-la a qualquer momento depois do estudo ter sido iniciado Sim( ) Não( ) g) Tratamento confidencial dos dados h) Possível reembolso de despesas que os indivíduos possam vir a fazer ligadas ao estudo (incluindo as despesas médicas e outras advindas de reações colaterais e/ou efeitos nocivos decorrentes do estudo) Sim( ) Não( ) 5. Haverá um “consentimento informado” oral ou escrito? Especifique: Com assinatura___________oral______________ Se sim,
  • 295. 2 9 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI a) Dos indivíduos Sim( ) Não( ) b) Dos pais ou responsável legal (se os b) indivíduos são crianças ou doentes mentais) Sim( ) Não( ) 6. Uma cópia do formulário para obter o consentimento será dada ao indivíduo ou ao responsável legal: Sim( ) Não( ) 7. Serão tomadas precauções para proteger o caráter confidencial dos dados e o anoni- mato dos participantes: Sim( ) Não( ) 8. O presente protocolo se inclui na categoria de “isento” de revisão ética: Sim( ) Não( ) Se sim responda aos seguintes itens a fim de evidenciar as razões pelas quais o estudo proposto estaria isento de revisão ética: a)___________A pesquisa envolve apenas entrevistas ou procedimentos com base em questionários e os fatores seguintes não estarão todos presentes: _____________Os indivíduos só poderão ser identificados direta ou indiretamente através de códigos conectados com o indivíduo _____________O indivíduo estará correndo algum risco _____________A pesquisa lida com aspectos delicados ligados ao comportamento doindivíduo b)___________A pesquisa inclui somente revisão de dados existentes (papeletas ou outros documentos ou espécimes patológicos ou diagnósticos); adicionalmente, as fontes de informação são disponíveis ao público em geral (ex: atestado de óbito) ou informação está arquivada de tal maneira que é impossível identificar o indivíduo direta ou indiretamente c)___________A pesquisa inclui somente observação de comportamento público e os seguintes fatores não estarão todos presentes: _____________Os indivíduos não podem ser identificados direta ou indiretamente através de códigos conectados com o indivíduo _____________O indivíduo estará correndo algum risco _____________A pesquisa lida com aspectos delicados ligados ao comportamento doindivíduo 9. Verificar a existência dos seguintes documentos que devem ter sido anexados para avaliação crítica do Comitê de Voluntários Humanos: ____________Sumário do protocolo ____________Descrição do protocolo a ser lida ou dada ao indivíduo participante do estudo ____________Formulário para “consentimento informado” a ser assinado pelo in- divíduo ____________Formulário para que o pai/mãe ou tutor consinta que a criança parti-
  • 296. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 2 9 9 cipe do estudo ____________Descrição dos procedimentos a serem adotados para manter o cará- ter confidencial ____________Aprovação do estudo pela instituição (instituição financiadora de pesquisa) Nós assumimos responsabilidade pelas respostas aos itens acima e concordamos em tentar obter a aprovação do Comitê de Voluntários Humanos, antes de quaisquer modi- ficações no protocolo de pesquisa envolvendo seres humanos. ___________________ ___________________ __/__/__ Coordenador do Projeto Chefe do Departamento Data XIII– Principais enfermidades transmissíveis de importância em saúde pública A saúde nas Américas: tendências atuais Roberto Soerensen A Organização Panamericana da Saúde (OPS) realiza levantamentos epidemiológicos nas Américas situando os problemas que interferem com a saúde do homem e indicando a maneira de solucioná-los tendo como objetivo a saúde física, mental e social. Os países das Américas antecedendo o ano 2000 experimentam uma série de extra- ordinárias mudanças políticas, econômicas e demográficas. O sistema atual de econo- mia aberta leva a uma competição em nível mundial e a população aumenta de ano para ano. Desta maneira os cálculos aproximados do número de habitantes é de 800 milhões de pessoas para a região das Américas, representando 14% da população mundial. Apro- ximadamente uma terça parte mora nos Estados Unidos, outra terça parte no México e no Brasil e a terça parte restante em 45 países e territórios das Américas. O número de nascimento, de maneira geral, aumentou com uma taxa de nascimento de 19,2 nascidos vivos por 1.000 habitantes. De todos os países das Américas o Canadá tem a taxa de nascimento menor (11,9 por 1.000) e a Guatemala a mais elevada (36,1 por 1.000 habitantes). Conforme projeções das Nações Unidas, em 1998 nasceram mais de 15 milhões de crianças nas Américas e os valores estimados que são calculados é que no ano 2003 o número de nascimentos será praticamente idêntico ao de 1998. Estados Unidos, Brasil e México, os países mais populosos das Américas, têm o maior número de óbitos. Os Estados Unidos, Canadá e Bermuda tiveram 8,7 óbitos por
  • 297. 3 0 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI 1.000 habitantes em 1998, entretanto Costa Rica teve o menor índice de mortalidade de 3,8 por 1.000 habitantes. As tendências de nascimento e mortalidade resultam difíceis de se definir pois a população flutuante e migratória geralmente foge ao controle. O deslocamento das populações rurais para o meio urbano levou ao crescimento vertiginoso, com destaque das cidades latino-americanas, constatando-se o crescimento de 60% em alguns centros urbanos nos últimos 10 anos. Na Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai aproximadamente 85% de seus habitantes moram em zonas urbanas. A população de indígenas é estimada em 42 milhões que moram em mais de 400 povoados ou aldeias. O México tem 12 milhões de indígenas, Guatemala 5,3 milhões, Peru 9,3 milhões, Bolívia 4,9 milhões e Equador 4,1 milhões. A saúde da população Os coeficientes de Saúde Pública indicam uma melhora gradativa nas Américas. Desde a década de 80 até a metade da década de 90, a esperança de vida ao nascer aumentou de 68,7 para 71,1 anos. Em 1995 na América Latina a taxa foi de 70 anos e no Caribe de 74,3 anos, constando-se sempre taxas superiores para o sexo feminino. A diminuição das mortes prematuras, com menos de 75 anos de idade, teve como causa a diminuição da mortalidade dos primeiros anos de vida, especialmente por doenças transmissíveis. As não transmissíveis são ao redor de duas terças partes de toda a mor- talidade na América Latina e o Caribe. A mortalidade infantil na década de 50 na América Latina e no Caribe foi de 125 por 1000 nascidos vivos e no início da década de 80 foi de 59 por 1000. A taxa de mortalidade infantil no Canadá e nos Estados Unidos passou de 29 por 1000 dos anos 50 para aproximadamente 8 por 1000 na década de 90. A Bolívia e Haiti no mesmo período sofreram um decréscimo da metade na mortalidade infantil. Fazendo um retrospecto, a Varíola foi erradicada da face da terra em 1979, a Polio- mielite foi erradicada das Américas, o Sarampo se encontra sob controle e avançou-se muito para o controle da Doença de Chagas. Aproximadamente a metade dos 1,6 milhões dos casos notificados de AIDS no mun- do, desde o início da epidemia, foi nas Américas. A partir de 1986 foram registrados 472.562 mortes decorrentes da AIDS. Até dezembro de 1997 foram notificados 808.540 casos de AIDS na Região das Américas, representando 47,5% do total de casos assina- lados no mundo. Realmente, este número poderia duplicar se pensarmos nos casos sem notificação. O aspecto atual da AIDS nas Américas é a mudança do predomínio da transmissão de homens homossexuais para os heterossexuais. O maior número de AIDS notificado é no grupo de homens de 30 a 34 anos, seguido pelo de 25 a 29 anos de idade. No grupo feminino, o maior número de notificações foi de 25 a 29 anos seguido pelo de 30 a 34 anos. Como decorrência do panorama da AIDS observa-se a prevalência de crianças que nascem comprometidas pelo vírus HIV, constatando-se que, no fim de 1996, 6.911 casos foram com idade inferior a 14 anos e 5.095 casos perinatais. Em 1991, após um silêncio epidemiológico de praticamente um século, a Cólera rea- parece nas Américas comprometendo 21 países onde foram notificados 1,2 milhões de casos desde o início da epidemia.
  • 298. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 0 1 A Dengue, especialmente o tipo hemorrágico, e ainda outras doenças transmitidas por vetores se apresentam de maneira epidémica nos países das Américas. A emergência e reemergência de novas doenças também preocupam. A Tuberculo- se com os problemas de resistência a antibióticos indica a necessidade do aperfeiçoa- mento dos sistemas de vigilância epidemiológica. Em 1996 foram notificados 253.867 casos de Tuberculose resultando numa taxa superior a 32 casos por 100.000 habitantes, correspondendo a Bolívia e Peru as mais elevadas, de 100 casos por 100.000 habitantes. Independentemente das doenças transmissíveis, as repercussões na Saúde Pública de aspectos sociais devem ser abordados como as formas de violência, incluindo-se a familiar e os acidentes. Os dados estatísticos correspondentes ao período compreendido entre os anos de 1984 a 1994 mostram que a violência teria diminuido. Alguns países como Suriname, El Salvador, Bahamas, Nicarágua, México, Trinidad e Tobago e Barbados diminuíram o número de óbitos por acidentes e violências. No que se refere a El Salva- dor e a Nicarágua a redução é atribuída ao fim das guerras civis na década de 1990. Os transtornos mentais, o tabagismo e o alcoolismo são outros problemas presentes nas Américas. O desenvolvimento deficitário das crianças, muitas vezes decorrente de desnutrição, compromete até 50% de crianças em idade pré-escolar e escolares. A carência de iodo e de vitamina A está sendo reduzida gradativamente, entretanto a carência de ferro é um problema nutricional importante especialmente em crianças e em mulheres em idade reprodutiva. Os problemas ambientais também são deficientes. Aproximadamente 78% da po- pulação da América Latina e do Caribe conta com abastecimento de água potável. Existem detalhes, entretanto, assim em Costa Rica todas as residências tem água encanada e tratada, não acontecendo a mesma coisa com Haiti e Paraguai onde so- mente quatro de cada 10 lares contam com abastecimento de água potável. A defici- ência de uma disposição sanitária de águas residuais e de excretas é ainda maior nestes países, pois somente 69% da população possui instalações adequadas e somen- te 10% dos esgotos são tratados. A contaminação de alimentos, a falta de tratamento do lixo e a precariedade das residências somam-se aos fatores anteriores. A pobreza é mais um fator negativo. É de conhecimento que nos grupos de popula- ção pobre a saúde é também deficiente pois são mais propensos a adquirirem doenças. Os financiamentos precários na área da saúde são também um problema. O setor público de países da América Latina gasta ao redor de 25% do produto interno bruto (PIB), entretanto um país industrializado gasta mais de 40%. Em sistemas de segurança social um país industrializado gasta 15% e a América Latina 2,5%. As políticas de saúde devem-se adequar às necessidades regionais para eliminar as desigualdades desnecessárias e injustas em termos da saúde e do bem-estar individual e coletivo. As reformas do setor saúde estão dirigidas atualmente a redefinir o papel do governo central e dos governos regionais e locais para garantir a saúde a população. Conquistas da medicina e os novos problemas de saúde pública
  • 299. 3 0 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Bruno Soerensen As Ciências evoluem dia a dia e nesta evolução são detectados mecanismos novos, vários deles nunca imaginados. Na Ciência Médica o avanço, com destaque no fim do século passado e neste século, contribuiu para uma verdadeira revolução de conheci- mentos. Se nos atermos somente às áreas da Microbiologia e da Imunologia, as doenças Infecciosas e suas repercussões para a Saúde Pública são realmente deslumbrantes. A descoberta de agentes causadores de inúmeras doenças por eminentes pesquisadores trouxe conhecimentos sólidos para o combate às seguintes doenças: Carbúnculo (Pollender e Davaine, 1850); Pús Azul (Lucke, 1862); Lepra (Hansen, 1882); Clostridiose (Pasteur e Joubert, 1877); Gonorréia (Neisser, 1879); Pneumonia Lobar (Pasteur, 1880); Furunculose e Osteomielite (Pasteur, 1880); Febre Puerperal (Pasteur e Doléris, 1880); Febre Tifóide (Eberth, 1880); Mormo (Loefler e Schiitz, 1882); Tuberculose (Koch, 1882); Difteria (Klebs, 1883); Cólera (Koch, 1883); Tétano (Nicolaier, 1884); Meningite Meningocócica (Weichselbaum, 1887); Intoxicação Alimentar por Salmonela (Gaertner, 1889); Gripe por Hemófilos (Pfeiffer, 1892); Peste (Yersin e Kitasato, 1894); Brucelose (Bang, 1895); Febre Paratifóide (Achard e Bensaude, 1896); Botulismo (Van Ermengem,1896); Disenteria Bacilar (Shiga, 1898); Coqueluche (Bordet e Gengou, 1900); Sífilis (Schaudinn e Hoffmam,1905); Tularemia (McCoy e Chapin, 1910); Tifo Exantemático (Rocha Lima, 1916). No campo da imunoprofilaxia, da mesma maneira, foram descobertas inúmeras vaci- nas, como a primeira de todas, a Vacina Antivaríolica (Jenner, 1796). Devem-se a Pasteur a introdução científica do processo de imunização e o preparo das primeiras vacinas vivas de virulência atenuada, como a vacina contra a Cólera Aviária em 1879, a do Carbúnculo em 1881, da Erisipela dos suínos e finalmente da vacina contra a Raiva, aplicada pela primeira vez no homem em 1885. Os avanços no campo da imunoprofilaxia prosseguiram, conseguindo a atenuação da virulência de vários microrganismos patogênicos como a vacina a BCG obtida por Calmette e Guérin em 1924 ou ainda outras inativadas como a vacina antipestosa de Haffkine em 1895, a vacina antitifóidica de Wright em 1896, a vacina contra o Tifo Exantemático de Weigl em 1932, a vacina contra a Coqueluche de Leslie e Gardner em 1933. Em 1923, foram descobertas por Ramon as primeiras anatoxinas, a diftérica e a tetânica, constitu- indo-se nas primeiras vacinas químicas. A obtenção do cultivo dos vírus em animais de laboratório, em ovo embrionado e em cultura celular, contribuiu sobremaneira para a obtenção das vacinas contra a Febre Amarela por Sellard e Laigret em 1932 e Max Theiler em 1937, a vacina contra a Poliomielite por Salk em 1953 e por Sabin em 1956, a vacina contra a Parotidite por Smorodintvev em 1954, contra o Sarampo por Enders em 1958, contra a Rubéola por Meyer e Parkman em 1966. A substituição de células de origem animal por células diplóides humanas na obten- ção de vacinas também representou considerável avanço. As vacinas acelulares (extrativas) polissacarídicas de cápsulas bacterianas como a pneumocóccica e a meningocóccica, obtidas em 1969 por Gotschlich e colaboradores, as entéricas, contra a Cólera, Salmoneloses, e Shigeloses, de germes vivos de virulência atenuada, também enriqueceram o capítulo das vacinas.
  • 300. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 0 3 As vacinas virais contra a Hepatite, vírus respiratórios, Herpes, arboviroses, vacinas contra doenças parasitárias (Malária), anavenenos (para acidentes ofídicos), vacinas contra cáries dentárias de origem bacteriana, vacina acelular contra a Coqueluche e a contra AIDS (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida) já estão em pleno uso ou em experimentação. Os estudos de novos adjuvantes usados especialmente na área veterinária aumen- tando a resposta imune, a identificação de antígenos protetores, novos métodos de fracionamento antigênico, manipulação genética e síntese antigênica, levarão a mudan- ças fundamentais a produção de vacinas. No campo da patologia humana experimental se encontram em desenvolvimento di- versos produtos antigênicos contra as moléstias neoplásicas, generativas e ainda anti- concepcionais. A conquista de novos antígenos profiláticos ou curativos, associada a outras medidas higiênico-sanitárias e terapêuticas, exigiu anos de luta, sacrifício até da própria vida, despreendimento, visando ao controle e à erradicação das diferentes moléstias. O advento da quimioterapia antibacteriana com a descoberta do Prontosil (1935) veio como a pavimentar o caminho para a era dos antibióticos, conduzindo em 1940 à produ- ção em escala industrial da Penicilina. É necessário lembrar a descoberta da Penicilina por Fleming em 1929 e a retomada dos estudos da produção industrial dez anos mais tarde, pelos pesquisadores Chain, Florey e colaboradores. Atualmente o arsenal terapêutico médico dispõe de dezenas de quimioterápicos e antibióticos. Como resultado de toda esta conquista científica o mundo médico teve o controle de diversas doenças, como a erradicação da Varíola Humana no mundo em 1973, por meio de vacinação e, no presente momento, o controle da Poliomielite nas Américas, também por meio de vacinação. Contrastando com o desenvolvimento da medicina que poupa milhões de vítimas anu- almente, a ciência médica enfrenta no momento os problemas decorrentes das chama- das Doenças Novas, Doenças Emergentes e Doenças Reemergentes. Os recursos de laboratório fizeram com que o homem pudesse detectar e individua- lizar, com segurança, novas situações no campo da patologia, que permitiram a definição pela Organização Mundial da Saúde de novos critérios de classificação das doenças Infecciosas. Desta maneira, Doenças Novas são aquelas detectadas no mundo pela primeira vez; Doenças Emergentes aquelas que no presente momento epidemiológico, como o nome diz, se encontram emergindo e as últimas, as Reemergentes, aquelas que já foram consideradas controladas no passado e voltam a se apresentar como problema de Saúde Pública. Foram consideradas como Doenças Novas para o homem, em 1995, a Microsporidiose, os Arenavirus Sulamericanos, a Síndrome por Hantavirus, o vírus Ebola e a AIDS. Doença Emergentes, a Criptosporidiose e a Colite determinada pela Escherichia coli. Entre as doenças Reemergentes podem ser citadas a Tuberculose, Dengue e Dengue Hemorrágica, Febre Amarela, Cólera, Malária e Peste. As características médicas e epidemiológicas destas doenças podem-se resumir da seguinte maneira: a Microsporidiose Humana é relatada com maior freqüência em pes- soas aidéticas, compreendendo três espécies novas de microsporidios (Encephalitozoom bieneusi, Encephalitozoon hellem e o Encephalitozoon intestinalis). Estas espécies foram descritas pela primeira vez em indivíduos infectados pelo HIV nos Estados Uni-
  • 301. 3 0 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI dos e no Caribe. Os Arenavirus Sul-americanos, comprometendo o homem, se relacionam à explora- ção de novas regiões de matas na atividade agrícola. No caso da Síndrome Pulmonar por Hantavirus, a mesma se encontra relacionada à exposição do homem a roedores infectados, comprometendo adultos jovens normais, resultando numa mortalidade de 50%. Foram identificados mais de 100 casos em 22 estados dos Estados Unidos e no Canadá foram notificados 7 casos. Em outros países do continente americano também foi notificado e se encontra aumentando o número de casos desta doença como no Brasil com 3 casos confirmados e 2 óbitos. Na Argen- tina, foi possível ter dados indicativos de que, nos anos de 1991 e 1995, aconteceram 3 surtos da Síndrome Pulmonar por Hantavirus. O vírus Ebola, determinando a Febre Hemorrágica, foi assinalado pela primeira vez no Zaire nos anos de 1976 e 1979, repetindo-se o surto a partir de 6 de maio de 1995 quando se registraram, somente neste ano, até junho, um total de 297 casos e 233 óbitos, portanto 78% de letalidade. Os mecanismos referentes a reservatórios do vírus Ebola ainda não se encontram bem definidos; entretanto, quanto ao quadro clínico, a doença é bem conhecida. O período de incubação é de 2 a 21 dias, caracterizando-se por febre, dores musculares, dor de cabeça, sudorese seguida por vômitos, diarréia, erupção, com- prometimento dos rins, do fígado e hemorragia. Aproximadamente 50 a 90% dos que apresentam estes sintomas morrem. A confirmação do diagnóstico é feita pelo isola- mento do vírus responsável pela doença. Não existe ainda vacina ou tratamento especí- fico. A Organização Mundial da Saúde (OMS) preocupada com esta nova doença, de comum acordo com o Governo do Zaire, estabeleceu medidas para o controle do surto. As medidas de controle incluem: bloqueio da epidemia, estudo das características do vírus Ebola, como também de que maneira se dissemina a doença, como se manifesta e se existe comprometimento de algum animal como reservatório. Foi estabelecida uma Coordenação Técnico Científica por meio de uma Comissão Internacional em Kikwit, incluindo-se ainda o alerta à população diante de Doenças Potencialmente Epidêmicas. No momento, 1996, não parece existir maior risco de disseminação da doença no mun- do. A Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS), assinalada pela primeira vez nos Estados Unidos em 1979 com apenas 8 casos, atingiu, em apenas 4 anos, 1.982 casos projeta-se em progressão geométrica comprometendo o mundo todo e, se não for con- trolada nos próximos anos, poderá transformar-se num dos maiores flagelos da humani- dade. A Organização Mundial da Saúde calculou, em 1995, que ultrapassa atualmente 1,5 milhões o número de pessoas contaminadas pelo vírus HIV na América Latina e no Caribe. A doença é transmitida preferentemente pelo contato sexual, pela transfusão sangüínea e por agulhas contaminadas. É interessante destacar a constatação de que a AIDS leva a maior suceptibilidade ao câncer, entre outros, ao câncer do colo uterino, principal causa da morte das mulheres em países desenvolvidos. Entre as Doenças Emergentes, temos a Criptosporidiose, assinalada com as caracte- rísticas de surto em 1993 nos Estados Unidos. Esta doença, que tem como agente cau- sador um parasita intestinal, o Cryptosporidium, teve como fonte de infecção o abaste- cimento da água municipal de uma cidade e pode ser mortal, comprometendo preferentemente os imunodeprimidos, como aidéticos. Também em 1993 uma bactéria
  • 302. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 0 5 patogênica emergente, a Escherichia coli 0157:H7 causou um surto epidêmico de Colite Hemorrágica e Síndrome Urêmico Hemolítico, doença esta contraída pela ingestão de alimentos contaminados. Entre as Doenças Reemergentes, podemos citar a Tuberculose, que já se encontrava praticamente erradicada na população humana nos Estados Unidos, países da Europa e Japão e ressurge, de maneira rápida, especialmente nos Estados Unidos. Este ressurgi- mento da Tuberculose poderia explicar-se por ter caráter de infecção oportunista, com- prometendo de maneira importante a população de aidéticos por apresentarem uma di- minuição da resistência orgânica. Atualmente aqui no Brasil e também em Honduras, Argentina e México a infecção oportunista de maior importância é a Tuberculose. No ano de 1992 comprometeu, nesta região, mais de 330.000 pessoas. A associação da Tuberculose à AIDS foi responsável pelo ressurgimento da Tuberculose, pois resultou num aumento da fonte de infecção especialmente nos Estados Unidos. A Dengue compromete atualmente o mundo todo, ressurgindo como importante pro- blema de Saúde Pública nas Américas onde a média do número de casos anuais notifi- cados, especialmente de Dengue Hemorrágica entre 1989 e 1993, teve um aumento de 60 vezes, comparando-se ao quinquênio anterior (1984-1988). Em cinco países da Amé- rica do Sul reapareceu após um silêncio epidemiológico de 50 anos. A Febre Amarela, que compromete atualmente cinco países da América Tropical, ocasiona esporadicamente surtos epidêmicos de pouca importância na população expos- ta à infecção, nas matas. A doença reapareceu com força total no Peru em 1995 deter- minando o maior surto epidêmico da história do país, notificando-se ao redor de 400 casos com uma taxa de letalidade de aproximadamente 50%. Após aproximadamente 90 anos a cólera voltou a comprometer o continente ameri- cano em proporções epidêmicas em 1991. Conforme informações da Organização Panamericana da Saúde, até 1995 foram notificados na região mais de um milhão de casos e 9.000 óbitos. A Malária fármaco-resistente por Plasmodium falciparum está presente em todas as regiões sul-americanas. A fármaco-resistência, isto é a resistência de microrganis- mos a quimioterápicos e antibióticos, é mais um fator que leva ao ressurgimento de doenças já controladas anteriormente. A resistência a cloroquina e posteriormente a outras combinações de medicamentos é uma das causas da reemergência da Malária. A venda de antibióticos sem receita e a automedicação são responsáveis pelo ressur- gimento de numerosas doenças, levando a uma situação semelhante à observada anteri- ormente à descoberta dos quimioterápicos e antibióticos. Finalmente a Peste, doença que ao longo dos últimos 50 anos se apresentava de maneira esporádica no Peru, em outubro de 1992 ressurgiu com caráter epidêmico. Até o fim de 1994 foram notificados 1299 casos com 69 óbitos. No nosso modo de ver os problemas que o homem enfrenta são apenas substituídos, mas infelizmente, sempre persistirão. Bacterioses Cólera
  • 303. 3 0 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Bruno Soerensen A Cólera é uma infecção intestinal que apresenta uma incubação de um a quatro dias, com início abrupto, náuseas, vômitos, cólicas abdominais, diarréia profusa e fezes de aspecto de água de arroz. A perda rápida de água e sais leva à uma profunda desidra- tação acompanhada de hipotermia, queda da pressão arterial, anúria e colapso circulató- rio. Do ponto de vista laboratorial, observam-se especialmente hemoconcentração, hipovolemia e acidose por perda de bicarbonato. Nas regiões onde a doença é endêmica, a evolução da moléstia pode ser benigna. O agente responsável é o Vibrio cholerae, bactéria em forma de vírgula que pode ser cultivada facilmente em laboratório. Em 1978 foi isolado em águas de esgoto da cidade de Santos. A amostra isolada, entretanto, não era patogênica, portanto sem risco de causar a doença. Isto pode explicar porque na oportunidade não foi observado ne- nhum caso clínico. EPIDEMIOLOGIA A Cólera é moléstia relacionada intimamente às condições precárias de saneamento básico e à falta de educação sanitária da população. Porcentagem elevada da população de nosso país apresenta elevado risco potencial para contrair a moléstia. Independente- mente da água contaminada, desempenham papel relevante na propagação da cólera os alimentos poluídos como verduras, frutas e, particularmente, mariscos e ostras que se consomem cruas. O Vibrio cholerae se conserva viável ao longo do tempo, mais de uma semana, especialmente em alimentos conservados na geladeira. Por ocasião da segunda pandemia, entre 1829 e 1850, a Cólera comprometeu pela primeira vez as Américas, tendo sido introduzida em 1832 por navios procedentes da Europa, apesar das precauções de quarentena tomadas em Gross Island, perto de Quebec no Canadá. A doença propagou-se ao longo do rio Saint Lawrence, comprometendo o interior do país. Independentemente, apareceu nos Estados Unidos nas cidades de Nova York e Filadélfia, avançando para o oeste até a costa do Pacífico. Nesta oportunidade esta pandemia também comprometeu a América Latina e o Caribe e possivelmente, conforme relatos, também Chile, Peru e Equador. Nos anos de 1833 e 1854 comprome- teu o México. Em 1833 foi registrado em Cuba e nas Guianas em 1836 e 1837, embora sem maiores conseqüências; entretanto na Guatemala e Nicarágua a epidemia foi de- vastadora. Em 1848 a Cólera voltou a atacar os Estados Unidos e, a seguir, Canadá, México, Panamá, Colômbia, Equador e novamente Cuba, este último país com violência. A terceira pandemia nos anos de 1852-1860 comprometeu novamente Estados Uni- dos, México e as Ilhas do Caribe. Nesta ocasião a Cólera também comprometeu Trinidad e Tobago. Em 1854 e 1855 continuou a doença nos Estados Unidos, México e Ilhas do Caribe, Uruguai, Colômbia, Venezuela. O Brasil foi comprometido pela primeira vez em 1854, embora existam referências a uma anterior no Estado do Paraná em 1851. Em 1856 foi relatada a doença na Argentina, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Guatemala. Nos anos de 1863 a 1875 (quarta pandemia) a doença comprometeu várias ilhas do Caribe. A Cólera nesta oportunidade foi introduzida em Marselha, França, República
  • 304. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 0 7 Dominicana, Cuba, Chile e Paraguai. Os Estados Unidos registraram em 1865 um surto grave, introduzido por navios procedentes da Europa ou ainda como conseqüência de uma simples recrudescência da doença. Em Honduras foi registrada, nos anos de 1866 a 1871. Um caso importado de Nova Orleans levou a moléstia a América Central. Nicarágua e Honduras Britânicas (atual- mente Belice) foram comprometidas nos anos de 1866 a 1868. Guatemala também apre- sentou surtos em 1866 e o Brasil foi comprometido novamente no mesmo ano. No mes- mo tempo, atingiu as tropas paraguaias durante a guerra com o Brasil, Argentina e Paraguai. Nesta mesma oportunidade, em 1868 a doença penetrou na Argentina avan- çando para a Bolívia e Peru e contaminando a Costa do Pacífico, incluindo-se a do Chile. Em 1867, a doença também penetrou no Brasil, a partir do Paraguai, propagando-se aos Estados de Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Na quinta pandemia (1881-1896), a cidade de Nova York foi comprometida por meio de uma importação da Cólera em navio procedente de Nápoles e Marselha. Nesta opor- tunidade foram observados surtos no México nos anos de 1886 a 1888, no Uruguai em 1886 e no Chile nos anos de 1886 a 1888. A doença foi constatada no Brasil nos anos de 1893 a 1895, na Argentina 1894 e 1895 e no Uruguai em 1895. Na sexta pandemia, ocorrida nos anos de 1899 a 1923, a doença não comprometeu as Américas, sendo a Ilha da Madeira o ponto ocidental mais afetado, em 1910. A atual e sétima pandemia, iniciada em 1961 a partir de um foco endêmico na Indonésia, espalhou-se a toda a Ásia, a região oriental da Europa, ao norte da África, a península Ibérica, atingindo a Itália em 1973. No mesmo ano, nos Estados Unidos (Texas) foi registrado um caso de origem desconhecida. Em 1978 foram detectados 8 casos clínicos esporádicos no Estado de Luisiana e 3 infecções assintomáticas. A partir de 1978 continu- aram aparecendo nos Estados Unidos casos autóctones, 18 em 1986, 6 em 1987 e 7 em 1988, todos relacionados ao consumo de ostras cruas colhidas no Golfo do México. Em 1989 não foram relatados casos autóctones e em 1990 dois casos autóctones no Estado de Luisiana. Nos anos de 1977 e 1978, registraram-se pequenos surtos no Japão e casos esporá- dicos importados em pessoas que regressaram à Europa Ocidental, ao Canadá e à Aus- trália. A propagação desta pandemia em 30 anos tem características que devem ser consi- deradas, entre outras o atual agente causador Vibrião colérico biotipo El Tor, que deter- mina um número elevado de casos de infecções, assintomáticas algumas, confundidas com outros processos diarreicos agudos, mas basicamente o fator de maior importância é a deficiência do saneamento básico na América Latina e em nosso País em particular, onde os rios recebem sem tratamento prévio o esgoto das cidades, constituindo-se em grave problema de Saúde Pública. O Vibrião colérico é veiculado pela água contamina- da, fazendo com que as populações tenham alto risco de contrair Cólera, devido também à deficiência de cloração da água e, por vezes, à total ausência de tratamento de alimen- tos como verduras, frutas, ostras, peixes consumidos crus ou ainda de outros alimentos manipulados sem nenhuma higiene tornam nosso país vulnerável. O avanço da cólera no brasil A doença ficou restrita inicialmente à região amazônica, devido a baixa densidade demográfica, entretanto à medida que aumenta a mobilidade de população por via fluvial
  • 305. 3 0 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI (Rio Amazonas), a veiculação hídrica do Vibrião colérico poderá afetar massivamente esta região. O maior risco de disseminação da moléstia no país é o rio Amazonas e acreditamos que considerando-se diversos fatores, entre outros a progressão observada, nos meses de março a abril teremos a contaminação da costa atlântica progredindo a disseminação da doença para o litoral norte e sul. Desde o início da epidemia foram constatados pelo menos 3.000 casos da doença e aproximadamente 40.000 portadores. O papel de maior importância para a disseminação da cólera no litoral Atlântico deverá ser desempenhado por pescadores, assim como aconteceu na contaminação de todo o litoral do Pacífico. Na interiorização da cólera a população esta representada, nas grandes cidades, pelas favelas. Acreditamos ainda que existe o avanço da doença para o oeste, a partir do litoral, comprometendo por meio de surtos as populações de alto risco. Esta dissemina- ção deverá ser processada especialmente por via rodoviária e por via férrea. Somente qualquer mudança nas características do Vibrio cholerae quanto à virulência ou à ca- pacidade de resistência ao meio ambiente poderá mudar a progressão da moléstia, con- siderando-se ainda a inexistência de vacina eficaz. A imunidade conferida pela doença também é precária. A vigilância sanitária, a educação sanitária, o saneamento futuro e a melhoria das condições sócio-econômicas contribuirão no futuro para se evitar a cólera assim como outras doenças relacionadas às deficiências acima referidas. O tratamento adequado dos doentes diminuirá o número de óbitos. O fracasso no bloqueio da doença na porta de entrada (região amazônica) diminui as possibilidades de se evitar uma epidemia em nível nacional. É preocupante a falência no controle da progressão da doença e nos perguntamos: a cólera vem para ficar?, assim como na Índia, teremos recrudescimentos periódicos? A vacina contra a cólera A vacina contra Cólera em uso atualmente é preparada com bactérias inteiras (vaci- na somática), mortas por processo químico ou físico, ministrada por via parenteral, de proteção moderada por período reduzido sendo ineficaz para a prevenção e o controle da moléstia. O grau de proteção é de 30-60% administrada em duas doses. Esta vacina foi preparada no Brasil em outras oportunidades; o seu procedimento é simples, entre- tanto, desde 1973 a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda o seu uso por ser ineficaz para prevenir a disseminação da Cólera, assim como também não reco- menda a exigência de vacinação como condição para permitir a entrada das pessoas que chegam a uma área endêmica. Entretanto, o uso de uma vacina eficaz poderia ser de grande utilidade, paralelamente às outras medidas que serão assinaladas. Foi verificado, em trabalhos experimentais realizados com voluntários que se recupe- raram da Cólera, que os mesmos se encontram protegidos contra a reinfecção durante vários anos. Independentemente deste fato, os conhecimentos em imunologia referentes à proteção das mucosas contra infecções entéricas serviram de base para a obtenção de novas vacinas mais eficazes. A vacina recomendável seria aquela que conseguisse pro- teger contra a doença grave e ainda reduzisse o risco de infecção assintomática. Existem várias vacinas em estudos de campo, entre outras, uma vacina constituída de vibrião colérico morto, dos sorotipos Inaba e Ogawa, e biotipos clássico e El Tor,
  • 306. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 0 9 adicionados de um componente inócuo da toxina da Cólera de capacidade imunogênica (Vacina CE/B). Esta vacina é administrada pela via oral e estimula a resposta em nível da mucosa intestinal, assim como a resposta sérica. O estudo de campo foi realizado em Blangladesch no período de 1985 a 1988. O biotipo de V. cholerae, isolado atualmente nas Américas e responsável pela epide- mia, é o El Tor e para este biotipo os resultados de vacinação não foram muito alentado- res. Em Bangladesch, 60 a 70% dos casos de Cólera se devem ao biotipo clássico, portanto o agente causador da Cólera nas Américas não é idêntico à prevalência das cepas responsáveis naquele país. Na produção de vacinas é importante incluir o biotipo correspondente ao responsável pela epidemia. Outra vacina encontra-se também em estudo, a vacina oral de células vivas CVD- 103 HgR, constituída de bactérias vivas V. cholerae de virulência atenuada. Esta vacina poderá provocar, embora em porcentagem reduzida de vacinados, diarréia leve de curta duração. Isto foi observado em ensaio feito em voluntários nos Estados Unidos. Os resultados de proteção desta vacina comparados à vacina morta foram bem melhores, como era esperado; entretanto, há necessidade de estudo de campo para se verificar com segurança a proteção conferida e a ausência de reações colaterais à vacina em regiões onde existam a Cólera endêmica e a epidêmica. Medidas preventivas Até o presente momento, as medidas preventivas de maior valor para controlar a epidemia de Cólera são a vigilância sanitária, os programas de tratamento dos pacientes, a educação sanitária, o abastecimento de água e alimento não contaminados e um fim adequado aos diferentes materiais (fezes e vômito) provenientes dos pacientes. Inde- pendentemente, recomenda-se um tratamento também adequado do esgoto e do lixo, pois existem, além da Cólera, pelo menos vinte doenças relacionadas ao saneamento básico. As cidades no nosso país, em sua maioria, são extremamente deficientes quanto a saneamento básico. Coqueluche Bruno Soerensen A Coqueluche, doença infecciosa aguda, compromete o trato respiratório provocan- do tosse paroxística com duração de várias semanas. A doença acomete preferentemente crianças de zero a 15 anos. Etiologia Um coco-bacilo Gram-negativo aeróbio a Bordetella pertussis com três espécies o B. pertussis, B. parapertussis e a B. bronchiseptica, é o agente etiológico, embora a pri- meira seja o mais importante. Distribuição geográfica
  • 307. 3 1 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI A doença, de distribuição mundial, é de elevada prevalência e de alta mortalidade, ocorre especialmente na primavera e no verão. Epidemiologia A contagiosidade é elevada nas populações de nível sócio-econômico baixo e densi- dade demográfica elevada pois se transmite por via aerógena por contato direto com material de nasofaringe da pessoa infectada. O período de transmissibilidade é de 7 dias a 3 semanas depois de iniciada a sintomatologia. Não foi descrita imunidade transplacentária, portanto a ocorrência é em crianças com poucos meses de idade. Nas crianças com menos de um ano de idade a doença é de maior gravidade levando a maior número de óbitos. A coqueluche leva a sólida imu- nidade e atualmente devido à vacinação se encontra em declínio. A morbidade e a letalidade, entretanto, já foram elevadas no passado, atribuindo-se seu declínio ao uso de antibióticos e preferentemente à vacinação preventiva. A doença apresenta uma fase catarral, uma paroxística e, finalmente, o período de convalescência. As complicações respiratórias, neurológicas e hemorrágicas são as mais freqüentes, revestindo-se de gravidade. Diagnóstico O diagnóstico é clínico, caracterizado pela presença da “tosse comprida” muito ca- racterística. O quadro hematológico é de leucocitose (geralmente superior a 20.000 cé- lulas por mm3 ) já na fase catarral. Entretanto a confirmação diagnóstica é feita mediante isolamento da Bordetella no meio de Bordet e Gengou. Os métodos sorológicos na pesquisa de anticorpos auxiliam o diagnóstico, com destaque ao método ELISA. É de importância o diagnóstico diferencial com processos causados por adenovírus, o Haemophilus influenzae, o vírus sincicial respiratório, o vírus parainfluenza tipo 2, a Bordetella parapertussis e a Bordetella bronchiseptica. Tratamento Consiste em isolamento e tratamento do doente e de seus contatos com eritromicina, tetraciclina ou cloranfenicol. Crianças com mais de um ano geralmente podem ser trata- das em casa, mas as menores de seis meses, dependendo do caso clínico, exigem hospitalização. Paralelamente deve-se reduzir o risco de aspiração, colocando-se o paci- ente de bruços, com a cabeça mais baixa que o corpo, durante os acessos paroxísticos, melhorando com isso a drenagem do muco pela ação da gravidade. Poderá se recorrer ao uso de gamaglobulina. Os casos graves devem ter tratamento médico. Profilaxia Em primeiro lugar, encontra-se o isolamento do paciente para impedir a disseminação da doença. Soma-se o tratamento do doente com antibióticos e, se houver indicação, gamaglobulina. Entretanto, o controle da doença deverá ser feito com a vacinação em massa, mediante a imunização ativa conseguida pela vacinação associada da DTP (Diftérica, Tétanica, Pertussis) ou ainda associada a outros antígenos. A vacina tradicional contra a coqueluche
  • 308. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 1 1 é a somática absorvida pelo hidróxido de alumínio. Outras vacinas estão sendo testadas. Emboraavacinasomáticaabsorvidapelohidróxidoalumínio,associadaàtetânicaediftérica, nos testes de potência realizados em camundongos resulte pouco antigênica, os resultados obtidos em crianças são satisfatórios diminuindo a doença em coletividade assim como modificando o curso clínico. Difteria Kathia Brienza Badini-Marulli Enfermidade de ocorrência mundial, popularmente conhecida como Crupe, é causa- da pela toxina produzida pelo Corynebacterium diphtheriae. O agente possui três biotipos, gravis, intermedius e mitis, associados à gravidade da doença. O habitat normal do bacilo diftérico é o trato respiratório superior do homem, sendo que somente as cepas lisogênicas (infectadas com bacteriófagos temperados) são toxigênicas. Transmissão O agente é transmitido através do contato direto, por gotículas respiratórias ou, mais raramente, por meio de fômites como lenços e toalhas. As bactérias crescem no trato respiratório superior e iniciam a produção da toxina que é a responsável pelo apareci- mento dos sintomas. A toxina diftérica é uma exotoxina de natureza protéica, composta por dois fragmen- tos, A e B. O fragmento A é o responsável pelos efeitos tóxicos da molécula; o fragmen- to B é o que promove a fixação a receptores da mucosa. A porção B é necessária para que ocorra a entrada do fragmento A no citoplasma da célula. A ação do fragmento A consiste no bloqueio da síntese protéica. É uma enfermidade que ocorre mais freqüentemente no inverno, acometendo princi- palmente crianças na faixa etária de 1 a 7 anos. Atualmente, é de ocorrência rara nos países em que a vacinação é generalizada. A incidência da Difteria vem apresentando um declínio no estado de São Paulo desde 1973, variando seu coeficiente de incidência de 5,45 casos por 100.000 habitantes em 1973 (1.504 casos) até 0,02 casos por 100.000 habitantes em 1994 (5 casos). A doença no homem O período de incubação dura geralmente de 3 a 6 dias. A infecção geralmente inicia-se no trato respiratório superior, com os bacilos se mul- tiplicando nas camadas superficiais das mucosas. Aí eles elaboram a toxina, que causa necrose nos tecidos vizinhos. A resposta inflamatória resulta no acúmulo de um exsudato acinzentado que, eventualmente, forma a pseudomembrana diftérica. Ela aparece inici- almente nas amídalas ou na faringe, podendo então espalhar-se para cima, pelas fossas nasais (Difteria Nasofarigeana), ou para baixo, para a laringe e traquéia (Difteria Laringeana). Cerca de 10 dias depois, estas pseudomembranas regridem, são destruídas ou se desprendem.
  • 309. 3 1 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI Os principais sintomas são anorexia, prostração, febre e dor de garganta. A Difteria Laringeana é particularmente perigosa devido à obstrução mecânica que pode causar sufocação, sendo necessário desobstruir a via aérea por intubação ou traqueostomia. A doença nos animais Além do homem, o único outro reservatório natural tanto para cepas toxigênicas como para não-toxigênicas de Corynebacterium diphtheriae é o trato respiratório su- perior de eqüinos, mas apenas no homem foi descrita a infecção natural. A infecção experimental, no entanto, já foi produzida em vários animais de laborató- rio. São sensíveis à toxina diftérica os coelhos, cobaias, macacos, pombos e galinhas; os ratos e camundongos são resistentes. Diagnóstico O diagnóstico da Difteria é geralmente clínico. O exame bacteriológico direto é de pouco valor, porque não permite diferenciar a espécie patogênica de outras corinebactérias da flora normal da garganta. As culturas devem ser feitas com secreções colhidas no local das lesões, no meio de Loeffler, e a identificação do agente deve ser feita mediante testes bioquímicos. Ao se isolar a bactéria, deve-se pesquisar sua virulência, a fim de determinar se a cepa é ou não toxigênica. Para isso, inocula-se o material em duas cobaias, via subcutâ- nea. Uma delas deve receber previamente o soro antidiftérico, via intraperitoneal. Caso a cepa seja toxigênica, a outra cobaia morrerá em 1 a 4 dias. Existe, ainda, o método de Elek, de acordo com o qual uma tira de papel de filtro impregnada com antitoxina é colocada numa placa de ágar e as amostras suspeitas são semeadas perpendicularmente à fita. Se aparecerem linhas de precipitação, será sinal da produção de toxina diftérica. Tratamento Deve-se aplicar o soro antidiftérico (antitoxina) o mais brevemente possível, na dose de 200 a 1000 U/Kg de peso. A precocidade da administração da antitoxina determinará o prognóstico, podendo haver alta letalidade se houver demora para seu início (a antitoxina só tem ação sobre a toxina circulante; depois de fixada às células, ela não é mais neutra- lizada). Associados ao uso da antitoxina devem ser empregados antibióticos (Penicilina, Eritromicina ou Tetraciclinas), para acelerar a destruição dos microrganismos causado- res da lesão primária. Pessoas que se recuperaram completamente podem continuar a abrigar os microrganis- mos no nariz ou na garganta durante semanas ou meses. Antigamente, eram estes portado- res sãos que propagavam a doença, mantendo as bactérias toxigênicas na população; o advento da imunização causou uma drástica redução na taxa de portadores. Controle A principal medida de controle é a imunização com o toxóide diftérico. Crianças recém-nascidas, cujas mães são resistentes, adquirem imunidade temporária por meio de anticorpos transplacentários, porém esta imunidade passiva dura apenas alguns me-
  • 310. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 1 3 ses. A imunização ativa das crianças geralmente é feita com uma vacina combinada contendo toxóide diftérico, toxóide tetânico e vacina anticoqueluche (DPT ou vacina tríplice bacteriana). Atualmente, no Brasil, a primeira dose desta vacina está sendo feita aos dois meses de idade, com doses de reforço aos 4, 6, 15 meses e 5 ou 6 anos. Aos 15 anos é recomendada mais uma dose, da vacina “dupla tipo adulto”, contra Difteria e Tétano. Estima-se que cerca de 1-2% das pessoas não respondem à vacinação, perma- necendo suscetíveis. Enfermidade de lyme Bruno Soerensen A enfermidade de Lyme, também chamada de Artrite de Lyme, Eritema Crónico Migratório com Artrite, tem como agente etiológico uma espiroqueta isolada em 1983 por Steere e colaboradores. Esta espiroqueta com nome proposto de Borrelia burgdorferi possui características próximas às dos treponemas e das borrélias. Esta doença foi descrita pela primeira vez na região de Lyme, Connecticut USA, ocorrendo pelo menos em 14 Estados dos Estados Unidos. Encontra-se relacionada à ocorrência do vetor, carrapatos do complexo Ixodes ricinus (I. dammini e I. pacificus). Nos Estados Unidos existem 3 regiões comprometidas como a do Noroeste, a dos Esta- dos centronorte como Wisconsin e Minnesota e ao do Norte da California e Oregón na costa do Pacífico. Foram descritos casos na Europa, na Austrália, na Região do Cáucaso da antiga União Soviética. Transmissão Os estudos atribuem como vetores carrapatos de diferentes gêneros e espécies, como os do gênero Ixodes e Amblyomma, conforme a região em que é estudada a enfermida- de e a prevalência dos carrapatos. Foi atribuído como vetor por meio de isolamento das espiroquetas com caracteres morfológicos e bioquímicos idênticos aos isolados de paci- entes. O isolamento de espiroquetas de carrapatos indicaria que teriam-se infectado em algum reservatório animal, portanto a fonte de infecção seriam possivelmente animais silvestres ou o próprio cão. A transfusão de sangue também desempenha papel de im- portância na transmissão. Sem nenhuma dúvida, os animais silvestres podem ser considerados como reservató- rios do agente etiológico e o homem seria um hóspede acidental. A doença no homem Foram relatados no período de 1975 a 1979, 512 casos, sendo na Região de Lyme, no mesmo período, 242 casos (47% do total) e dados mais recentes relacionam mais de 444 casos para a mesma Região. A enfermidade ocorre no verão, coincidindo com a abun- dância e atividade dos carrapatos. A lesão cutânea de Eritema Crônico Migratório (ECM) aparece de 3 a 20 dias após a picada do carrapato, iniciando-se por uma mácula ou pápula vermelha que progride
  • 311. 3 1 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI gradativamente. Os bordos são bem nítidos, a região central é mais pálida. O eritema pode desapare- cer e voltar novamente acompanhando lesões secundárias em outras partes do corpo. As lesões cutâneas são acompanhadas de mal estar, febre, cefalalgia, rigidez de nuca, mialgias, astralgias e linfoadenopatia persistindo por várias semanas. Transcorridas se- manas ou até mesmo meses, alguns pacientes manifestam menin- goencefalite, neuropatias, miocardite e taquicardia atrioventricular. Pode-se observar ainda, mais tarde, artrite das grandes articulações, que pode persistir por vários anos, independentemente da sintomatologia referida acima, portanto aparentemente não rela- cionada. Conforme os relatos, o tratamento com penicilina seria eficaz. A doença nos animais Em estudos sorológicos foi detectada a presença de anticorpos em animais silvestres e no cão na região oriental de Connecticut, inclusive em cervos, camundongos, ardilhas, cães e outros animais, conseguindo-se o isolamento de espiroquetas do sangue de um camundongo. A manifestação clínica nos animais é desconhecida. Diagnóstico e tratamento A suspeita clínica deverá ser confirmada pela ocorrência da doença na região. O isolamento do agente etiológico por meio de cultura, embora difícil, deverá ser tentada. O teste sorológico pela imunofluorescência indireta com soros conjugadas IgG e IgM fornece dados de grande valor em pacientes com evolução clínica de pelo menos 3 semanas. A prova de ELISA também é de grande utilidade para a confirmação diagnóstica. O tratamento com penicilina e tetracilina pode abreviar a evolução da enfermidade com possibilidades de evitar as manifestações tardias. Os pacientes tratados precoce- mente não apresentam títulos elevados nos exames sorológicos. Controle Recomenda-se evitar as áreas endêmicas e as picadas por carrapatos por meio do uso de sapatos e de roupa protetora. Os repelentes contra carrapatos podem ser tam- bém indicados e o uso de carrapaticidas em cães. Febre tifóide Kathia Brienza Badini Marulli A Febre Tifóide é uma enfermidade infecciosa aguda que tem como agente etiológico a Salmonella typhi. Quadros clínicos com sintomatologia semelhante, porém mais bran- da, são geralmente causados pelas Salmonella paratyphi A, B e C e recebem o nome de Febres Paratifóides. A S. typhi causa doença natural apenas no homem; chimpanzés, camundodngos e outros animais podem apresentar a infecção experimentalmente. Já a S. paratyphi pode, ocasionalmente, causar a infecção natural também em animais.
  • 312. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 1 5 Transmissão As Febres Tifóide e Paratifóide são doenças relacionadas com a água de má qualida- de. Localidades com problemas em seus sistemas de tratamento, distribuição e abaste- cimento de águas apresentam maior prevalência da doença. As principais fontes de infecção são os doentes e portadores, por meio de suas excreções (fezes e urina) e, em alguns casos, pelo vômito, expectoração ou pus. Após a enfermidade clínica ou subclínica, as pessoas podem permanecer como portadores por vários meses ou anos. Tornou-se famoso, no meio médico, o caso de “Maria Tifosa” (“Typhoid Mary”), uma cozinheira americana que, ao longo de vários anos foi responsá- vel por mais de 50 casos. O homem se infecta pela ingestão de água ou alimentos contaminados. Os alimentos mais envolvidos com a transmissão da Salmonella typhi são legumes e verduras irriga- dos com água contaminada, leite, frutos do mar, alimentos enlatados e congelados não pasteurizados, como sorvetes, por exemplo. As mãos dos pacientes e seus objetos de uso pessoal (roupas, lençóis, etc.) também podem servir como fontes de contaminação em situações de falta de higiene e promis- cuidade. A doença no homem O período de incubação varia de poucos dias a semanas, sendo considerado como período médio cerca de 10 dias. Inicialmente o paciente apresenta febre, dor abdomi- nal, vômitos, anorexia e cefaléia. A partir da segunda semana, os sintomas intensifi- cam-se; ocorre prostração e o estado de consciência altera-se progressivamente. O paciente entra em estado de torpor, fica delirante e indiferente ao ambiente. Ocorre desidratação, diarréia abundante e esverdeada, esplenomegalia, hepatomegalia. Po- dem ocorrer hemorragia e perfuração intestinais. No abdômen e no tórax aparecem sinais cutâneos característicos, de 2 a 5 mm de diâmetro, que desaparecem à pressão, evoluem em dois ou três dias, e são denominadas “roseólas tíficas”. A partir da quarta semana de estado, a febre começa a diminuir progressivamente e o paciente entra em fase de recuperação, que é bastante demorada. Pacientes no período de convalescença podem sofrer uma recaída, ou seja, o reaparecimento dos sintomas durante dois dias ou mais. Isso ocorre em cerca de 3 a 20% dos casos, geralmente 15 dias após o término da febre. Em pacientes tratados entre 7 a 10 dias este fato é mais comum do que nos que recebem tratamento por períodos de 15 dias ou mais. Antes do advento dos antibióticos, a letalidade ficava em torno de 10 a 20%; atual- mente, varia de 0,2 a 3,8%. Diagnóstico Pode ser confirmado pelo isolamento e identificação da Salmonella, por meio da hemocultura(principalmentenaprimeirasemanadaenfermidade),coproculturaouurinocultura (ambas com máxima positividade na terceira semana clínica), mielocultura, ou a partir de outros materiais como as roséolas tíficas, secreções purulentas, bile, etc.. Como prova sorológica, é empregada a reação de Widal, prova de soroaglutinação de
  • 313. 3 1 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI execução simples e rápida. Consideram-se significativos títulos de anticorpos acima de 1:100. Existem, ainda, outros testes, como reação de fixação em superfície, contra- imunoeletroforese, ELISA. Tratamento Os quimioterápicos mais indicados são: cloranfenicol, ampicilina, amoxacilina e sulfametoxazol-trimetoprim. Para o tratamento dos portadores são recomendadas a ampicilina ou a amoxacilina pelo período de duas a quatro semanas. Controle Deve-se realizar o controle e tratamento das fontes de água e sistemas de abasteci- mento. Em locais onde a obtenção de água seja precária, pode-se lançar mão de artifíci- os como a fervura ou cloração caseira da água. Deve-se dar um destino adequado às excretas humanas e ao lixo e controlar moscas, que podem servir como vetores mecâni- cos para as salmonelas. Fervura ou pasteurização do leite; fiscalização sanitária dos alimentos; programas de educação sanitária da população e dos manipuladores de alimentos; tratamento dos do- entes e desinfecção concorrente de dejetos e utensílios são outras importantes medidas de controle. É extremamente importante a identificação e tratamento dos portadores que, muitas ve- zes, são os responsáveis pela manutenção do agente e pela origem de surtos epidêmicos. Portadores devem ser afastados de atividades relacionadas à manipulação de alimentos. O critério de restabelecimento do portador consiste na negativação de coproculturas realizadas durante três dias de cada semana por um período de um mês. As vacinas existentes atualmente são recomendadas para pessoas altamente expos- tas, que vivem ou viajam freqüentemente em regiões endêmicas de alta incidência da doença e para aquelas que vivem em instituições com condições higiênicas insatisfatórias. Meningites Bruno Soerensen A meningite é um processo inflamatório do espaço subaracnídeo e das membranas leptomeníngeas que envolvem o encéfalo e a medula espinhal podendo atingir por conti- güidade estruturas do Sistema Nervoso Central. Podem ter como agente etrológico bacterias, vírus, protozorários, helmintos, espiroquetas e fungos. Estudos realizados no Hospital Emilio Ribas, de São Paulo, das meningites relaciona- das aos agentes etiológicos que foi possível determinar situam em ordem de importância a Neisseria meningitides: o Streptococais pneumonial: o Haemophilus influenzae: Mixovirus (caxumba); o Mycobacterium tuberculosis e outros agentes de menor im- portância incluindo-se bactérias e fungos. Não há diferenças de suscetibilidade de sexo e de grupos étnicos. Cerca de dois terços dos casos ocorrem antecedendo os 15 anos de idade. A meningite meningocóccica, a mais comum de todas com seu agente causador a
  • 314. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 1 7 Neisseria meningitidis, determina a meningite cérebro-espinhal epidémica, embora possa ser endência ou esporádica. Caracteriza-se por febre, cefaléia intensa, náusea, vomitos, rigidez de nuca e freqüentemente “rash” petequial. Diagnóstico O diagnóstico tem como base o quadro clínico que inclui febre, vômitos, rigidez da nuca e alterações funcionais do Sistema Nervoso Central. A confirmação do agente etiológico é feita pelo exame liquórico. O aspecto do liquor, a citologia, o exame químico, o exame bacteriológico e micológico são imprescindíveis. A pesquisa de antígenos e anticorpos pode ser feita pelas provas de latex, imunoenzimatico (ELISA), radioimunoensaio e imunofluorescência, entre outras. Epidemiologia A meningite meningocóccica é de grande distribuição geográfica e se mantém de maneira endêmica em várias regiões, produzindo casos esporádicos, principalmente em crianças. Entretanto, periodicamente, independentemente da sua faixa de endemicidade, pode apresentar caráter epizoótico como aquela que ocorreu em São Paulo em 1947 e em 1971 a 1974 com maior incidência nos meses de inverno e no início da primavera. Profilaxia A profilaxia da meningite meningocóccica tem como base o isolamento dos doentes e a imediata notificação, o tratamento do doente e de todos os familiares e comunicantes de casos de meningite. A vacinação com polissacárides purificados constitui o recurso prático que deve-se impor, embora as vacinas polissacarídicas não apresentem a antigenicidade das vacinas proteicas. Por este motivo a algumas vacinas polissacarídecas foram adicionadas prote- ínas contidas no meningococo com o intuito de aumentar o seu resultado protetor. Diver- sos experimentos realizados em grupos militares teriam fornecido resultados satisfatórios. No surto observado em São Paulo, de 1971 a 1974, predominou o tipo C de meningococo e daí por diante o tipo A. A epidemia se alastrou por todo o País, o que exigiu das autoridades sanitárias a vacinação em massa indiscriminada de aproximadamente oiten- ta milhões de adultos e crianças com uma vacina bivalente A-C em todo o território brasileiro, em 1975. Esta vacinação de grande extensão, entretanto, não foi controlada com bases cientí- ficas como seria desejável, embora após a vacinação se tenha observado um declínio do número de casos, sobretudo no que concerne ao tipo A em crianças acima de um ano. Um detalhe que pode ter invalidado os aludidos bons resultados foi o fato de ter sido implantada a vacinação somente no início do declínio da curva epidemiológica, momento epidemiológico este em que é esperado obrigatoriamente o declínio de casos. Recente- mente foram observados acidentes vacinais possivelmente pela presença de endotoxinas na vacina utilizada. Sífilis
  • 315. 3 1 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI Kathia Brienza Badini-Marulli Enfermidade também conhecida como Lues Venérea, é causada por uma espiroqueta denominada Treponema pallidum. O agente é anaeróbio obrigatório, possui baixa resis- tência ao meio ambiente e aos desinfetantes, podendo sobreviver até 10 horas em obje- tos úmidos. O nome Sífilis vem do Grego, língua na qual Sys significa porco e philein, amar, demonstrando que a ocorrência da enfermidade sempre esteve relacionada ao conceito de que o amor (no caso, o sexo) é uma coisa suja. Já a palavra Lues vem do Latim e quer dizer praga, peste, corrupção. A enfermidade é extremamente antiga, havendo a descrição de sintomas compatí- veis em documentos médicos chineses de 2.637 a.C.. Durante o século XV, ocorreu sob a forma de epidemias em todo o continente europeu e era conhecida como “mal fran- cês”, “mal alemão”, “napolitano”, “americano”, ou por inúmeros outros nomes, confor- me o caso, cada nação tentando jogar a culpa de sua eclosão na Europa em outro povo. Foi a doença “da moda” durante o período da Renascença, considerada uma moléstia de natureza secreta, contagiosa, mortífera e causadora de lesões repugnantes. Em 1905 Schaudinn consegue determinar o agente etiológico. Transmissão A Sífilis é uma enfermidade endêmica na maioria das regiões do mundo. É conside- rada a segunda doença sexualmente transmissível mais grave, sendo suplantada apenas pela AIDS. O homem é a única fonte do agente. A transmissão pode ocorrer por meio do contato sexual, por transfusões sangüíneas, inoculação direta acidental, ou mesmo pelo beijo, se houver alguma lesão prévia na mucosa oral. Outra forma de transmissão bastante impor- tante é a via transplacentária, ocasionando a Sífilis Congênita. A doença no homem A Sífilis desenvolve-se numa seqüência de três formas clínicas, denominadas primá- ria, secundária e terciária. A Sífilis Primária é também conhecida como Cancro Duro. A lesão, que varia de uma pequena erosão até uma úlcera profunda, aparece cerca de 10 a 20 dias após a contaminação. Como a principal via de transmissão da Sífilis é o contato sexual, esta lesão inicial geralmente surge nos órgãos genitais, podendo, entretanto, loca- lizar-se em outros órgãos. A lesão muitas vezes é única e oculta, principalmente nas mulheres, o que dificulta o diagnóstico. Apresenta bordas duras, bem definidas, com a base recoberta por exsudação purulenta e desencadeia uma linfoadenite regional. A lesão cicatriza em 4 a 6 semanas, mesmo sem tratamento. A Sífilis Secundária desenvolve-se aproximadamente de 2 a 10 semanas após o surgimento do Cancro Duro. Ocorre linfoadenopatia generalizada, erupções cutâneas, úlceras nas mucosas oral, vaginal e anal. Estas lesões cedem em poucas semanas. A Sífilis Terciária pode acometer o paciente de 8 a 25 anos após a infecção original. Nesta forma clínica as lesões desenvolvem-se em qualquer órgão ou tecido, sendo os pontos preferenciais o sistema nervoso central, a porção ascendente da aorta e os ossos. São lesões geralmente destrutivas e graves. Alguns grandes granulomas denominados
  • 316. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 1 9 “gomas” podem aparecer, mas isso não é freqüente. A Sífilis Congênita acomete crianças nascidas de mães com Sífilis, não tratadas ou tratadas de forma inadequada. Os sintomas são semelhantes aos das Sífilis Secundária e Terciária e manifestam-se nos dois primeiros anos de vida da criança, sendo comum seu aparecimento até o terceiro mês de idade. A Sífilis também pode provocar morte fetal e aborto; estima-se que cerca de 25% das gestantes infectadas abortam e as outras trans- mitem a enfermidade a seus filhos. Diagnóstico Deve ser feito pela demonstração do Treponema na secreção da lesão. Existe tam- bém o diagnóstico sorológico, que deve ser feito em duas fases: a primeira por meio da prova conhecida como VDRL (“Veneral Disease Research Laboratory”); a segunda, pela imunofluorescência indireta com antígeno treponêmico (FTA-ABS, “Fluorescent Treponemal Antibodies, Absorbed”), considerada como prova confirmatória. Tratamento O antibiótico de escolha é a Penicilina e, aparentemente, não existem cepas resisten- tes até o momento. Também podem ser empregadas as Cefalosporinas, Tetraciclinas e a Eritromicina. A cura completa às vezes requer vários anos. Pode ocorrer uma reação ao tratamento, uma a duas horas após o início da antibioticoterapia, em pacientes secundários ou terciários, denominada Reação de Hersheimer, em que ocorre cefaléia, febre, calafrio, dores musculares e reativação das lesões, devido à destruição intensa dos treponemas. Controle Tratamento dos doentes até a obtenção de cura completa. Impedir o contato da pele ou mucosa dos doentes com pessoas sadias. Notificação dos casos às autoridades sani- tárias (a Sífilis Congênita é de notificação compulsória no Brasil desde 1986). Durante o acompanhamento pré-natal deve-se submeter as gestantes ao exame VDRL na primei- ra consulta e no início do 3o trimestre de gestação. Em função de alguns levantamentos sorológicos realizados no Brasil, o Ministério da Saúde admitiu uma soroprevalência para o VDRL em gestantes atendidas em serviços públicos de 3,5%. Considerando a porcentagem de gestantes na população total igual a 3% e estimando que a taxa média de transmissão vertical para a gestante não tratada é de 85%, a estimativa para o Brasil para o ano de 1994 foi de 140.730 possíveis casos conseqüentes de Sífilis na gestação. Para o Estado de São Paulo, a estimativa de casos no ano de 1994 seria de 19.732 possíveis casos, considerando 2% de gestantes na popu- lação geral, pois o índice de fertilidade do Estado é menor do índice de alguns outros locais do país. Entretanto, em 1994, foram notificados 339 casos de Sífilis Congênita no Estado de São Paulo. Esta disparidade pode ter várias hipóteses explicativas, entre elas uma baixa sensibilização do sistema de Vigilância Epidemiológica para a questão da Sífilis Congênita, levando a uma elevada subnotificação dos casos. Frente a estes dados e visando diminuir a subnotificação e a ocorrência de casos, a Divisão de Epidemiologia do Programa Estadual de DST/AIDS, a partir de 1994 passou a adotar uma nova defini- ção de caso e a estabelecer novas estratégias de controle da doença, propondo a “elimi-
  • 317. 3 2 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI nação da Sífilis Congênita até o ano 2000”. Tuberculose Bruno Soerensen Etiologia Os agentes etiológicos da Tuberculose são bactérias do gênero Mycobacterium. O principal causador da tuberculose humana é o M. tuberculosis, na África Tropical o M. africanum, nos bovinos o M. bovis. O M. africanum tem características intermediárias entre o M. tuberculosis e o M. bovis. Atualmente o M. avium, antigamente incluído como o agente da tuberculose nas aves, é estudado no capítulo das doenças causadas pelas micobactérias não tuberculosas. Distribuição geográfica Mundial, embora há poucos anos já se encontra-sse erradicada em vários países, atualmente é um exemplo de doença reemergente. Ocorrência no homem Trata-se de doença sócio-econômica em declínio lento no mundo, com predominân- cia maior nas regiões pobres. Nos últimos anos está sendo constatado o resurgimento da Tuberculose. A maior incidência da Tuberculose Humana é pelo M. tuberculosis, constituindo-se como agente etiológico de importância secundária o M. bovis. O M. bovis foi isolado com maior freqüência em crianças na Inglaterra, constituindo-se em 1945 em 5% dos casos fatais e em 30% dos casos da doença em crianças com menos de cinco anos de idade. Com o controle da erradicação da Tuberculose Bovina, em vários países, os casos humanos são atribuídos ao M.tuberculosis. Nos países onde a Tuberculose Bovina é enzóotica, como em vários países da Amé- rica Latina, os casos humanos geralmente são localizados, com comprometimento de gânglios linfáticos da região cervical ou ainda de gânglios linfáticos mesentéricos e ex- cepcionalmente comprometimento hepático. A transmissão é por meio do consumo de leite cru. O leite não pasteurizado e não fervido, portanto, se constitui na fonte de infec- ção humana. Deve-se considerar que uma vaca portadora de Tuberculose não necessita do comprometimento da glândula mamária pela doença para que elimine o bacilo da tuberculose pelo leite. O M. bovis é de virulência menor para o homem que o M. tuberculosis. Na Argentina, no período de 1978 a 1981, foram estudados 7.195 cepas de bactérias isoladas de casos de Tuberculose Pulmonar, classificando-se 1,1% como M. bovis. Anualmente morrem no mundo pelo menos 3 milhões de pessoas e surgem 4 a 5 milhões de novos casos de Tuberculose com baciloscopia positiva, que infectam outros indivíduos. Paralelamente, outros 5 milhões de casos ativos com baciloscopia negativa aparecem anualmente, dentre eles muitos somente com cultura positiva, outros com Tuberculose extrapulmonar. A taxa de incidência de Tuberculose declina gradativamente no mundo, mas é um
  • 318. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 2 1 dos maiores problemas da Saúde Pública nos países em desenvolvimento, encontrando- se relacionada a condições sócio-econômicas precárias, assim nas Filipinas a taxa de incidência da moléstia é de 20 vezes maior que nos Estados Unidos. A desnutrição é fator predisponente. Considerando-se a população de desnutridos no Brasil estariam expostos a adquirir Tuberculose aproximadamente 20 milhões de habitantes. Outro fator predisponente é a AIDS, fator importante no ressurgimento da tuberculose no mundo. Conforme dados da Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária, em nosso país as taxas de incidência de Tuberculose nos últimos anos (100.000 habitantes) são as seguin- tes: 1978:48,5; 1979:54,0; 1980:60,0; 1981:71,4; 1982:70,4; 1983:66,8; 1984:66,7; e a mor- talidade 1977:13,4; 1978:11,6; 1979:10,6; 1980:9,9; 1981:8,6; 1982:7,5. Os dados de au- mento da incidência não correspondem à realidade e possivelmente existam falhas de notificação. O risco de infecção para 1984 foi estabelecido para o território nacional em 1,0% com variações de 2,0% para as regiões norte e 0,5% para a região sul. Ocorrência nos animais Nos países industrializados, a Tuberculose Bovina foi erradicada ou se encontra sob controle, entretanto nos países em desenvolvimento isso não ocorreu; muito pelo contra- rio, na ausência de um dimensionamento do problema os dados são contraditórios ou ainda inexistentes. Nos países da Europa ocidental a prevalência da infecção bovina é inferior a 0,1%. No Canadá e nos EUA as taxas de infecção são baixas, assim em 1969 nos EUA foi referido 0,06% de reatores a tuberculina em 4,5 milhões de bovinos examinados e a grande maioria dos reatores não apresentou lesões em matadouros. Na América Latina, somente Cuba e Venezuela possuem programas de controle em nível nacional. Os maiores índices se encontram nas fazendas produtoras de leite de gado estabulado. No Brasil não existe nenhum controle nem legislação eficaz visando à erradicação da Tuberculose Bovina. Pode-se dizer que os índices variam consideravelmente e os dados existentes não são verídicos. Praticamente todo produtor de leite com um plantel superi- or a dez vacas de gado holandês estabulado possui sua fonte de Tuberculose. Nos países da América do Sul onde os suínos são alimentados com produtos lácteos (não pasteurizados), as taxas de infecção são similares ao dos bovinos, conforme regis- tro de matadouros. Neste particular, entretanto, deverá ser realizado um diagnóstico diferencial com as Micobacterioses, freqüentes nos suínos. A doença no homem A infecção inicial, muitas vezes, é inaparente e a prova de tuberculina após algumas semanas se torna positiva, as lesões iniciais regridem espontaneamente, como acontece com freqüência nos pulmões, e uma adenopatia satélite pode-se detectar com fibrose e calcificação da lesão pulmonar e dos gânglios que drenam a região. Esta primo-infecção recebe o nome de “complexo primário tuberculoso” e a calcificação é considerada como o sepultamento do bacilo de Tuberculose. Elevado número da população é portadora do complexo primário tuberculoso (tuberculose infecção) que difere da Tuberculose Doen- ça, podendo-se observar a Tuberculose Evolutiva, que progride lentamente levando à morte se não tratada adequadamente. A Tuberculose pode comprometer todos os teci-
  • 319. 3 2 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI dos e órgãos, entretanto a localização mais freqüente é a Tuberculose Pulmonar. Pode- se observar a disseminação da doença, especialmente nos indivíduos que não tiveram Complexo Primário ou ainda naqueles que não foram vacinados com BCG. A generalização precoce, comum nas crianças e jovens, pode-se revestir de maior gravidade. A Meningite Tuberculosa em crianças é relativamente comum. Existe um organotropismo do bacilo de Tuberculose pelo tecido pulmonar, daí a importância do exame radiológico dos pulmões que pode revelar quadro compatível com Tuberculose. Do ponto de vista clínico a Tuberculose se inicia por fadiga, febre, emagrecimento, tosse, ronquidão, dor torácica e hemoptise. As pessoas doentes são reagentes à prova de tuberculina de duas unidades tuberculínicas (2UT) de PPD (Derivado Protéico Purificado). A prova tuberculínica, entretanto também é positiva em indivíduos portadores de Tuberculose não evolutiva, assim como naqueles vacinados com BCG. A prova tuberculínica pode falhar nos tuberculosos que se encontram na fase final da doença, em pacientes medicados com drogas antialérgicas, etc. A sintomatologia da Tuberculose varia consideravelmente quando o órgão compro- metido não são os pulmões. As tuberculoses disseminadas geralmente são devidas ao M. tuberculosis e as localizadas, geralmente, de adenites, ao M. bovis. A doença nos animais Diversas espécies animais são susceptíveis a Tuberculose. Entretanto, indubitavelmente, a Tuberculose Bovina é a mais importante, não somente do ponto de vista da sua incidência, mas também do ponto de vista econômico e como doença zoonótica. A Tuberculose Bovina já foi erradicada há mais de 20 anos em vários países como na Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Suíça, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e Japão. A erradicação foi conseguida por meio do diagnóstico dos animais doentes pela prova de tuberculina e do sacrifício dos tuberculino-positivos, recebendo indenização os seus proprietários. Nestes países foi observado, em conseqüência, o declínio da Tuberculose Humana de origem bovina. Gradativamente tem-se conseguido a erradicação da Tuberculose Bovina em outros países. Em nosso país, entretanto, diante da impossibilidade do sacrifício sistemático dos animais tuberculino-reatores, pois há necessidade de indenização dos animais sacrificados, ela ainda se mantém em níveis elevados. Tem-se tentado o controle da moléstia por outros procedimentos como a vaci- nação preventiva dos bovinos com BCG, observando-se em nosso meio uma dessensibilização progressiva expontânea à tuberculina num período de 16 meses, inter- ferindo entretanto negativamente, nesse período, no valor da prova de tuberculina como método semiológico. Embora a vacinação BCG tenha-se mostrado efetiva no homem, não é recomendada nos bovinos, considerando-se o inconveniente da sensibilização à tuberculina. Tem-se observado também complexo primário tuberculoso em bovinos infectados propositalmente, apresentando reação tuberculínica positiva sem ser eviden- ciada na necropsia Tuberculose evolutiva. No meio rural a Tuberculose Humana de origem bovina, em regiões onde não existe controle, encontra-se entre 5 e 10% geralmente em jovens impúberes e, nos pacientes urbanos, 3 a 5%. A sua maior incidência ainda é em profissionais como veterinários, magarefes, ordenhadores, pelo contato direto com as lesões pulmonares, cutâneas e
  • 320. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 2 3 ainda infecção por pó de estábulos, ingestão de leite e derivados não pasteurizados. Na tuberculose de origem aviária o contágio se deve a lida com aves, poeira de aviários e a sua limpeza a seco. Os suínos se infectam geralmente pela ingestão de alimentos conta- minados. Quanto à susceptibilidade dos animais domésticos aos três tipos de bacilos de tuber- culose, pode-se afirmar que nos bovinos, suínos, ovinos, caprinos, cães, gatos e eqüinos podem ser isolados com relativa freqüência o M. bovis; dos bovinos, suínos, cães, gatos e eqüinos o M. tuberculosis e finalmente das aves, suínos, bovinos, ovinos, caprinos, cães, gatos e eqüinos o M. avium. Nos suínos, é mais comum a ocorrência da Micobacteriose, que pode-se confundir com a Tuberculose, nos matadouros. O homem é susceptível aos três tipos de bacilos de Tuberculose com maior frequência ao M. tuberculosis, seguindo-se o M. bovis e raramente o M. avium. A doença pode ocorrer também em animais silvestres, destacando-se entre eles os primatas não huma- nos que são susceptíveis ao M. tuberculosis, M. bovis e ao M. africanum. Quanto aos alimentos de origem animal que podem estar contaminados, encontra-se em primeiro lugar o leite (leite cru ou não pasteurizado), manteiga, creme, queijo fresco e queijo integral curado, verificando-se ainda a sobrevivência do M. bovis em manteiga conservada à temperatura ambiente por 32 dias, manteiga salgada conservada à 4º C até por 180 dias e ainda em queijos gordos até um ano. A carne de animais doentes também pode veicular bacilos, embora em pequena quantidade; entretanto, o critério de condena- ção de carcaças de animais doentes e o fato da cocção diminuem consideravelmente o risco. Diagnóstico O diagnóstico da Tuberculose no homem tem como base a detecção clínica, radioló- gica, bacteriológica e finalmente a reprodução experimental em cobaio. A prova tuberculínica é de importância secundária como recurso no diagnóstico da tuberculose no homem, entretanto nos animais se constitui em recurso de importância. Fonte de infecção, transmissão e medidas de controle e erradicação A fonte de infecção de maior importância é constituída pelo portador da doença, com especial destaque para os portadores de Tuberculose aberta, portanto contaminantes, destacando-se entre as medidas a notificação à autoridade local, o isolamento do doente para diminuir a contagiosidade e a quimioterapia específica. Somente os pacientes bacteri- ologicamente negativos, que não tossem ou que se encontram sob quimioterapia adequa- da confirmada, não precisam ser isolados. A desinfecção concorrente inclui a descontaminação microbiana do ar, suplementada pela luz ultravioleta e a utilização de filtros esterilizantes contribui a diminuir o risco de contagio. A imunização de contatos tuberculino-negativos com BCG pode contribuir ao bloqueio da fonte de infecção. O tratamento dos pacientes com Tuberculose pulmonar com uma combinação de medicamentos antimicrobianos, incluindo-se entre outros a isoniazida (INH), a rifampicina (RFM), a estreptomicina (SM) e o etambutol (EMB) em esquemas apropriados, se torna indispensável. O êxito do tratamento possibilitou que se realize em condições ambulatoriais. A tuberculose de origem animal, em que o leite constitui a principal fonte de infecção,
  • 321. 3 2 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI deve ser considerada e portanto a pasteurização ou pelo menos a fervura do mesmo deve ser praticada. A vacinação BCG no homem é obrigatória, recomendando-se precocemente já no primeiro mês de vida. A vacinação BCG pela via intradérmica é a recomendada, situan- do-se em eficiência ligeiramente superior ao método da multipuntura. Paralelamente, a nutrição adequada do povo deverá se constituir como base na erradicação da doença. O controle e erradicação da tuberculose animal, especialmente a bovina pelo sacrifício dos animais tuberculino-positivos, deve-se somar às recomendações anteriores quando se pretende a erradicação da Tuberculose. A pasteurização do leite, quando processada adequadamente, pode diminuir o risco de infecção humana pelo bacilo bovino. Viroses Dengue Bruno Soerensen A Dengue tem como agente responsável um RNA vírus, do gênero Flavivirus da família Togaviridae, com quatro sorotipos diferentes. É uma doença que confere sólida imunidade para o sorotipo que causou a enfermidade. É de ampla distribuição geográfi- ca, ocorrendo nas Américas, com preferência na região do Caribe, América Central e norte da América do Sul. Ocorre, também, na Ásia tropical, África ocidental e oriental, Polinésia e Micronésia. Nas Américas tivemos quatro epidemias nos últimos 20 anos, sendo a primeira em 1963, atribuída ao vírus sorotipo 3, que comprometeu as ilhas do Caribe e Venezuela; a segunda em 1969 pelo sorotipo 2, novamente nas ilhas do Caribe e na Colômbia; a terceira em 1977, também pelo sorotipo 2, comprometeu a Jamaica, ilhas do Caribe, México, América Central e Venezuela; a quarta epidemia, em 1981, devida ao sorotipo 4, ocorreu em San Bartolomé (Antilhas Francesas), ilhas do Caribe, Belice e, pela pri- meira vez em cinqüenta anos, aqui no Brasil. Foram assinalados, ainda em 1983, surtos localizados da doença no México e em El Salvador. Por meio de provas sorológicas foi possível avaliar a extensão do comprometimento nas diferentes regiões, pois existem ocasiões em que a doença não é diagnosticada, sendo, entretanto, evidenciada na prova de detecção de anticorpos no sangue circulante. Transmissão da doença A Dengue é transmitida por pernilongos do gênero Aedes, sendo o vetor de maior importância no continente americano o Aedes aegypti, que se reproduz com facilidade em recipientes com águas paradas, dentro das casas ou nas suas proximidades. Outros pernilongos, como o Aedes albopictus e o Aedes scutellaris, desempenham papel im- portante na transmissão da doença, principalmente em outros continentes. O pernilongo, ao sugar o sangue do doente no período virêmico (período febril, duran- te 5 a 6 dias, em que o vírus se encontra no sangue circulante), se contamina e o vírus se multiplica dentro dele migrando para suas glândulas salivares. Após aproximadamente
  • 322. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 2 5 dez dias, estes pernilongos já transmitem o agente causador da doença para pessoas que ainda não tiveram Dengue. Os estudos referentes à transmissão da doença revelaram a importância para a Saú- de Pública de um ciclo silvestre da Dengue, possivelmente tendo como vetor o Aedes albopictus, originário da Ásia, de ocorrência freqüente na selva. Foi constatado ainda que o Aedes albopictus, contaminado com o vírus, pode transmitir o vírus por via transovariana a novas gerações de pernilongos, somando-se a este mecanismo o fato da suscetibilidade de macacos ao vírus responsável pelo Dengue. Desta maneira, poderia explicar-se a existência de um ciclo silvestre entre macacos, que justificaria a sobrevi- vência do vírus em determinadas áreas geográficas nos períodos inter-epidêmicos. Em- bora até a presente data não tenha sido isolado o vírus de primatas não-humanos (maca- cos), a presença de anticorpos nestes animais indica que entraram em contato com o vírus causador da Dengue. A doença no homem A Dengue é uma doença febril aguda e benigna, com um período de incubação de 5 a 8 dias. A febre é acompanhada de prostração, calafrios, dor de cabeça intensa, dor retro-orbitária, dores musculares e articulares. Podem-se observar ainda náuseas, vômi- tos, dor de garganta e aumento de volume dos linfonodos. Dificilmente são observados óbitos. A Dengue hemorrágica (febre hemorrágica), entretanto, pode ter uma evolução grave, inclusive levando à morte, especialmente em crianças. A doença nos animais Os animais, primatas não-humanos, inoculados experimentalmente com o vírus, não apresentam nenhuma sintomatologia. Diagnóstico O material a ser utilizado para o isolamento do vírus é o sangue, colhido do paciente no período febril, semeado em cultura celular. As provas sorológicas podem ser úteis, como a inibição da hemaglutinação, a fixação de complemento e a soroneutralização. Controle A prevenção da Dengue baseia-se, fundamentalmente, no controle e erradicação do Aedes aegypti, evitando-se o acúmulo de água em recipientes, nos quais os pernilongos poderiam proliferar. Febre amarela Kathia Brienza Badini Marulli Enfermidade causada por um RNA vírus do gênero Flavivirus, da família Togaviridae, é também denominada Vômito Negro. A Febre Amarela ocorre nos continentes africano e americano, existindo diferenças antigênicas entre as cepas dos diferentes continentes.
  • 323. 3 2 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI Transmissão A enfermidade é considerada ocupacional, acometendo principalmente homens que trabalham em regiões de floresta, agricultores, extratores de látex (seringueiros), caça- dores, etc.. Existem duas modalidades epidemiológicas da doença, a urbana e a silvestre. Na modalidade urbana, o hospedeiro é o homem e a transmissão é feita pelo vetor biológico Aedes aegypti. O agente pode ser transmitido a outro homem de 10 a 12 dias após o mosquito sugar sangue de alguém enfermo. No ciclo silvestre, o agente é mantido pelo hospedeiros, que são os macacos, e pelo vetor, mosquitos do gênero Haemagogus. Neste caso, o homem é um hospedeiro aci- dental, que se infecta quando se aproxima de regiões de floresta, em situações de traba- lho ou de lazer. Os ciclos urbano e silvestre são independentes e auto-suficientes, mas a infecção pode passar de um ciclo a outro, dependendo das condições. Como fatores que influen- ciam a extensão do ciclo silvestre às cidades, podem ser citados: título e duração da viremia no homem; densidade da população de Aedes aegypti; freqüência da exposição do vetor a pacientes virêmicos em áreas urbanas; nível de imunidade da população urbana. Nas Américas, foram notificados 710 casos de 1975 a 1980. Em 1981-1982, Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru notificaram um total de 368 casos com 183 óbitos. Não ocorrem surtos de Febre Amarela urbana nas Américas desde 1942. Na África, nos últimos 30 anos, têm ocorrido extensas epidemias da doença, principalmente nas áreas de savana. Entre 1965 e 1983, foram notificados oficialmente 2.840 casos no continente africano. A doença no homem A infecção no homem varia desde uma forma assintomática até enfermidade grave, com desfecho fatal. O período de incubação da doença varia de 3 a 6 dias depois da picada do mosquito infectado. A viremia ocorre nos primeiros quatro dias da enfermida- de. Os casos leves apresentam um quadro clínico indefinido, semelhante a outros esta- dos febris. Os casos graves possuem três períodos clínicos: infecção, remissão e intoxi- cação. O período de infecção começa repentinamente com febre, dor de cabeça, mal- estar generalizado, fraqueza, dor na região lombo-sacral, náusea e vômitos. Esta fase dura cerca de 3 dias e nesse período o vírus está circulando no sangue em altas concen- trações e o paciente pode servir como fonte de infecção para os mosquitos. A febre e os sintomas podem desaparecer por um período de 24 horas, retornando com maior inten- sidade. O período de intoxicação é caracterizado por icterícia, albuminúria, oligúria, ins- tabilidade cardiovascular e manifestações hemorrágicas, incluindo hematemese. Os sin- tomas nervosos, como delírios, convulsões, estupor e coma antecedem a morte. Nos casos gravíssimos, a morte ocorre entre o terceiro e o sétimo dia, existindo relatos de óbitos no segundo ou terceiro dia. Se a enfermidade se prolonga por mais de 10 dias, existe tendência de recuperação do paciente. Pacientes que sobrevivem à fase tóxica aguda podem apresentar sinais de falência renal. A convalescença é lenta, com
  • 324. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 2 7 fraqueza e fadiga, durando cerca de 3 meses, e mortes tardias, durante este período, são atribuídas à falência cardíaca. Em populações autóctones de áreas endêmicas, a letalidade é menor que 5%; nos casos severos, aproxima-se de 50%. Os casos de Febre Amarela que são notificados às autoridades oficiais são, geral- mente, aqueles que levam o paciente a óbito. Estima-se que a verdadeira incidência da enfermidade nas Américas é de, pelo menos, 10 a 20 vezes maior do que o notificado. Contribuem para o problema da subnotificação o baixo índice de suspeita, acesso limita- do aos serviços médicos em áreas remotas e dificuldade em obter testes diagnósticos específicos. A doença nos animais A doença ocorre em diferentes espécies de macacos, cuja suscetibilidade é variável. Os sintomas são semelhantes aos apresentados pelo homem. Os macacos africanos estão mais adaptados ao vírus, apresentando menor letalidade que os americanos. As espécies suscetíveis são: Aotus (macaco noturno), Cebus (capuchinho ou bran- co), Ateles (macaco aranha), Alouatta, Callithrix e Saimiri. Diagnóstico Deve ser feito por meio do isolamento do vírus, pela inoculação em camundongos ou em macacos Rhesus. Também pode ser realizado o diagnóstico sorológico (ELISA, fixação de complemento, inibição da hemaglutinação e neutralização). O exame histopatológico post-mortem de amostras de fígado é um importante méto- do de vigilância epidemiológica. Tratamento Alguns trabalhos experimentais têm demonstrado a ação terapêutica de algumas dro- gas antivirais, como o ribaverin, tiazofurin e os interferons humanos Alpha e Gama. Entretanto, seu valor no tratamento da doença in vivo ainda não foi estabelecido. Assim, o tratamento preconizado para a Febre Amarela consiste em dar condições de suporte aos pacientes, por meio da reposição da volemia e do equilíbrio eletrolítico, administra- ção de antieméticos e antiácidos, reposição sanguínea e tratamento do choque. Em al- guns casos, torna-se necessário realizar diálise peritoneal e hemodiálise. Controle Vacinação de pessoas que moram ou vão viajar para zonas enzoóticas. A principal vacina é conhecida como 17D e é constituída por vírus vivo atenuado. A revacinação deve ser feita a cada 10 anos. Outra importante medida de controle é a tentativa de erradicar o vetor Aedes aegypti. Nas regiões onde este objetivo for alcançado, devem ser implementadas medidas de vigilância, para que não ocorra o mesmo que aconteceu no continente americano: por meio de campanhas contra o vetor, a partir de 1947, foi conseguida sua erradicação em 80% da área infestada nas Américas, em 1960. Entretanto, com o retrocesso da campa- nha, ocorreu a reinfestação.
  • 325. 3 2 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI Febre hemorrágica pelo vírus Ebola Bruno Soerensen “Com a mesma velocidade com que a ciência consegue erradicar doenças no mundo, aparecem outras novas como se fosse para substitui-las.” A Varíola foi erradicada da face da terra em 1979 e neste ano (1995) foi erradicada a Poliomielite nas Américas, embora seja ainda necessária a persistência da vacinação, pois existem possibilidades da reintrodução da Paralisia Infantil de outras regiões do mundo onde ainda é assinalada. A próxima meta é a erradicação do Sarampo. É interessante destacar a substituição dos problemas. A cólera voltou em 1991 ao Brasil após um século. Uma nova doença, a AIDS, encontra-se em franca progressão. Outras doenças emergentes como a Infecção Pulmonar por Hantavirus, nos Estados Unidos, a Neuropatia Epidêmica em Cuba e a Febre Hemorrágica na Venezuela também podem ser citadas. Como se não fosse suficiente uma nova doença, a Febre Hemorrágica pelo vírus Ebola apareceu no Zaire neste ano. No dia 6 de maio de 1995 foi notificado à Organização Mundial da Saúde (OMS), pelas autoridades de saúde do Zaire, um surto de Febre Hemorrágica Viral na região de Kikwit (Bandundi-Zaire), tendo como agente causador o vírus Ebola. Esta doença, entretanto, já tinha sido observada anteriormente pela primeira vez em 1976 na região Oeste Equatorial do Sudán e no Zaire, e ainda pela segunda vez na mesma região em 1979. A partir de maio deste ano até o dia 28 de junho, foram notificados 297 casos pelo vírus Ebola incluindo-se 233 óbito (78%); considera-se entretanto que o momento crítico se encontra superado. Os mecanismos quanto a reservatórios do vírus ainda não se encon- tram bem definidos; entretanto, quanto ao quadro clínico, a doença é bem conhecida. O período de incubação (período da demora para o aparecimento dos primeiros sintomas desde o momento da contaminação) é de 2 a 21 dias, caracterizando-se por febre, dores musculares, dor de cabeça, sudorese seguida por vômitos, diarréia, erupção cutânea (man- chas vermelhas na pela), comprometimento dos rins, do fígado e hemorragia. Aproximadamente 50 a 90% dos que apresentam estes sintomas morrem. A confirma- ção do diagnóstico é feita pelo isolamento do vírus responsável pela doença. Não existe ainda vacina ou tratamento específico. A Organização Mundial da Saúde (OMS), preocupada com esta nova doença, de co- mum acordo com o Governo do Zaire, estabeleceu medidas para o controle do surto. As medidas de controle incluem: bloqueio da epidemia, estudo das características do vírus Ebola, de que maneira se dissemina a doença, como se manifesta e se existe compro- metimento de algum animal como reservatório. Foi estabelecida uma coordenação técni- co-científica por meio de uma Comissão Internacional em Kikwit, incluindo-se ainda alerta à população diante de Doenças Potencialmente Epidêmicas. No momento, não parece existir maior risco de disseminação da doença no mundo. Gastroenterites por rotavírus
  • 326. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 2 9 Kathia Brienza Badini Marulli Enfermidade causada por RNA vírus, do gênero Rotavirus, da família Reoviridae. Os rotavírus foram detectados pela primeira vez em 1973, na Austrália, por meio do exame, ao microscópio eletrônico, de fragmentos da mucosa duodenal de crianças com gastroenterite aguda não-bacteriana. Transmissão Os rotavírus têm distribuição universal. São classificados em subgrupos denomina- dos I e II e em sorotipos, de acordo com seus determinantes antigênicos, que eram supostamente espécie-específicos (a transmissão experimental interespécies já foi conseguida, o que indica que a barreira de espécie animal não é estrita; entretanto, não se conhece em que grau acontece este intercâmbio de vírus entre as diferentes espécies na natureza). No Brasil, os rotavírus foram detectados pela primeira vez em Belém (PA), em duas crianças que apresentavam quadro diarréico agudo. Cerca de 30% das gastroenterites agudas envolvendo crianças de baixa idade são causadas por esses agentes. O subgrupo II é de ocorrência predominante em crianças, em relação ao I. A epidemiologia da doença ainda não foi totalmente esclarecida. O vírus é resistente e pode sobreviver meses nas fezes, à temperatura ambiente; assim, a contaminação do ambiente pode ser uma fonte de contaminação para os animais. Em analogia com outras infecções intestinais, parece que tanto no homem como nos animais o modo de transmis- são é fecal-oral. Também existem várias indicações de que surtos de gastroenterite em populações humanas ocorreram devido à contaminação da água corrente com rotavírus. A doença no homem O número de sorotipos do vírus para a espécie humana ainda é objeto de controvér- sia: acredita-se que existam de 3 a 5 sorotipos, com distribuição geográfica uniforme. Os rotavírus acometem principalmente crianças com idade entre zero e seis anos. O período de incubação varia de 1 a 3 dias. A maior excreção de vírus ocorre no terceiro ou quarto dia da doença (1.010 ou mais partículas por grama de fezes) e após o oitavo dia, dificilmente são detectáveis. Em recém-nascidos e adultos podem ocorrer infecções inaparentes. O principal sintoma em crianças é a diarréia, que pode levar à desidratação e à morte, principalmente quando ocorre em crianças subnutridas. Podem estar presentes anorexia, cólicas abdominais, astenia e vômitos, sendo que alguns pacientes apresentam apenas vômitos, sem diarréia. A febre pode ou não ocorrer. Às vezes, acompanhando o processo gastrointestinal, as crianças apresentam comprometimento respiratório alto; foram relatadas mortes súbitas em pacientes com este tipo de quadro clínico. Crianças mais velhas (15 a 34 meses) podem apresentar diarréia com sangue. Em crianças imunodeficientes pode-se estabelecer uma infecção crônica, com diarréia e excreção viral por mais de seis semanas. Nos países tropicais, 20 a 40% das diarréias de crianças hospitalizadas de até 5 anos de idade são causadas por rotavírus; nos países de clima temperado a taxa seria de 40 a
  • 327. 3 3 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI 60%. A associação de rotavírus com bactérias enteropatogênicas é comum e acredita-se que as infecções por esses vírus possam ser precursoras das gastroenterites por coliformes. De acordo com algumas pesquisas, os rotavírus encontram-se associados a outros enteropatógenos em 55% dos quadros diarréicos. Cepas atípicas de rotavírus, destituídas do determinante antigênico comum ao grupo, produzem extensos surtos epidêmicos, com envolvimento de adultos. O período de incu- bação nestes casos é de 1 a 3 dias, a transmissão é fecal-oral e os sintomas permane- cem geralmente por uma semana. A veiculação hídrica dos rotavírus já foi assinalada por vários autores. A doença nos animais Diversas espécies animais são acometidas, principalmente mamíferos. Rotavírus atípicos ou novos foram recentemente detectados em mamíferos e aves. Nos animais, a enfermidade ocorre principalmente em neonatos e animais jovens, mas pode ocorrer em animais de qualquer faixa etária. Os sintomas consistem em de- pressão, anorexia e diarréia. Em leitões, foram observados vômitos. Se não existirem outros microrganismos associados, a doença pode ser afebril. Quando a diarréia é pro- longada, pode ocorrer desidratação e morte. Em leitões e bezerros a infecção por rotavírus costuma ser menos severa, com rela- ção à letalidade que a provocada por E.coli ou coronavírus, apesar de existirem relatos de epizootias que causaram até 90% de mortalidade. Diagnóstico Pode ser realizado por meio da detecção de vírus ou antígenos virais nas fezes, com o auxílio de microscópio eletrônico. Pode-se ainda empregar imunofluorescência, fixa- ção de complemento e ELISA para detecção de rotavírus em espécimes fecais. O diag- nóstico sorológico não é realizado como prova de rotina, mas também pode ser feito pelas técnicas citadas acima, dentre outras. Controle Levando em consideração que a via de transmissão provavelmente é fecal-oral, a prevenção deve se basear na educação sanitária e observação de regras de higiene pessoal. A higiene também deverá ser rigorosamente observada em berçários e hospi- tais, onde a ocorrência de surtos de diarréia por rotavírus são freqüentes e atingem alta incidência. O colostro contendo anticorpos específicos protege animais recém-nascidos contra a enfermidade. O leite humano parece exercer papel importante principalmente quanto à severidade do quadro clínico e as imunoglobulinas de origem humana também protegem recém-nascidos contra as gastroenterites por rotavírus, durante certo tempo. Existem várias tentativas de produção de vacinas eficazes, atualmente, a partir de cepas humanas menos virulentas ou de cepas atenuadas de origem bovina. A vacina deverá ser polivalente, com antígenos de diversos sorotipos que infectam o homem, e de administração oral, para estimular a produção de IgA secretória específica na luz intes- tinal.
  • 328. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 3 1 Hepatites virais Bruno Soerensen As hepatites virais, devido à elevada morbidade, se constituem em importante proble- ma de saúde pública mundial. Os diferentes agentes etiológicos comprometem o tecido hepático e raramente têm comprometimento sistêmico. Considerando-se os agentes etiológicos, existem pelo menos quatro moléstias distintas. Etiologia A hepatite viral tipo A (HVA), a hepatite viral tipo B (HVB), a hepatite viral não A, não B (HVNANB), a hepatite viral delta (HVD), embora seus aspectos clínicos sejam similares, diferem quanto a etiologia, epidemiologia e imunopatogênese. A hepatite, chamada “infecciosa”, “epidêmica” é a que possui como agente etiológico o do tipo A, reproduzível em macacos (Saguinus mystax) e detectável pela imunoflurescência, radioimunoensaio, hibridação, etc. Na “hepatite aguda benigna” pode-se considerar a fase prodrómica ou pré-ictérica, a fase ictérica e a fase convalescente. A “hepatite aguda fulminante” se caracteriza por necrose maciça de células hepáti- cas, alterações mentais graves e progressivas, desde confusão, torpor, coma e morte. A taxa de letalidade é elevada. Entre as “hepatites crônicas” podem-se considerar a hepatite crônica lobular, a hepa- tite crônica persistente e a hepatite crônica ativa. Profilaxia As hepatites virais podem ser evitadas ou minimizadas com vacinas (imunização ativa), ou pelo uso de gamaglobulina humana (imunização passiva). A primeira é preven- tiva e a segunda é destinada preferencialmente a contatos. Somam-se às medidas acima referidas cuidados higiênico-sanitários como o isolamen- to, cuidado na manipulação de fézes, urina e outras secreções do doente, abstinencia sexu- al durante a fase aguda da doença especialmente nos tipos B e não A não B; esterilização de instrumentos hospitalares e a desinfecção terminal como uso de detergentes e desinfe- tante na higiene de superfícies contaminadas. Nos Bancos de Sangue, devem-se evitar doadores profissionais e selecionar para uso os sangues a serem transfundidos sempre negativos para reações sorológicas de radioimunoensaio ou ELISA. Pode ser usada ainda a dosagem de transaminases séricas que permite selecionar os portadores assintomáticos ou do vírus não A e não B. Influenza Bruno Soerensen
  • 329. 3 3 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI A Influenza é doença aguda febril acompanhada de sintomatologia respiratória, cefaléia, mialgia e prostração. Etiologia É causada por três principais vírus A, B e C e um número elevado de variantes. Estes vírus são classificados como Orthomyxovirus. O aparecimento das variantes de vírus de características antigênicas diferentes pode explicar as sucessivas epidemias, pois não confere proteção cruzada. Epidemiologia A influença, doença de distribuição Mundial, foi responsável por várias pandemias como as ocorridas em 1900, 1918, 1946, 1957 e 1968. A pandemia de 1918 ocasionou ao redor de vinte milhões de mortes, constituindo-se na maior pandemia de todos os tempos. Nos intervalos das pandemias ocorrem epidemi- as regionais a intervalos anuais ou bianuais na dependência das variantes antigénicas do vírus que não conferem imunidade. A doença se transmite de pessoa a pessoa pelo contato íntimo ou por meio de aerossois contendo vírus. A disseminação é rapidíssima, comprometendo crianças e adultos. As complicações pulmonares bacterianas por pneumococos e estafilococos são frequentes. A influenza dos suínos pode ocasionalmente ser transmitida ao homem. Diagnóstico O diagnóstico confirmando as características antigênicas do vírus é feito em labora- tório pelo isolamento em cultura de tecido de embrião de galinha ou ainda por meio da especificidade antigeno-anticorpo em soros de indivíduos convalescentes. Profilaxia A vacinação com vírus inativados da influenza tratados com formol administrada pela via parenteral é a mais comumente usada. Vacinas de vírus vivo de virulência atenuada também foram ensaiadas. O maior problema da utilização das vacinas são as variantes do vírus que comprome- tem cada epidemia, tendo sido observada uma determinada variante no início da curva epidemiológica e o aparecimento de novas variantes no decorrer da mesma curva epidemiológica, fato este que impede freqüentemente o êxito da vacinação. A droga amantadina e a rimantadina são eficazes na prevenção da influenza por vírus A. A vacinação e a administração das drogas acima referidas podem ser indicadas nos grupos de maior risco como idosos, cardíacos, profissionais de saúde, serviços públi- cos, forças armadas, etc. Poliomielite Bruno Soerensen O agente etiológico da poliomielite é um vírus que pertence ao grupo RNA e está situado na família Picornaviridae (pico = pequeno) gênero Enterovirus, que compreen-
  • 330. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 3 3 dem três grupos genéricos de interesse na patologia humana: 11, 22 os poliovírus (com três sorotipos), os Coxsackie (A, com 24 sorotipos e B, com seis sorotipos) e os ECHO (com 30 sorotipos).1, 2, 7, 22, 24. Dos três sorotipos do polivírus, o tipo 1 é o que mais freqüentemente causava doença paralítica, 4 em endemias ou epidemias, enquanto o tipo 2 é o menos virulento.4 As cepas vacinais são capazes ainda de causar paralisia em macacos rhesus e cynomolgus quando injetadas em altas doses diretamente no SNC. Vários métodos distinguem cepas vacinais de cepas “selvagens”: sensibilidade à temperatura (as cepas vacinais têm replicações diminuídas a 40°C); por marcadores antigênicos, testes nos quais anticorpos preparados contra cepas vacinais são capazes de discriminar sutis dife- renças antigênicas entre vírus homólogos e cepas “selvagens” do mesmo sorotipo. Após penetrar no organismo humano pela via oral, o vírus atinge a orofaringe e o tubo intestinal, onde inicia a sua proliferação, passando, a seguir, para os tecidos linfáticos regionais. Nesta fase, pode ocorrer a viremia “minor”, pela qual tecidos retículo-endoteliais (SRE) se tornam suscetíveis. Em poucas pessoas, depois, a replicação no SRE dá vazão à viremia “major”, que corresponde temporariamente à “doença menor” conhecida como “poliomielite abortiva”. Na maior parte das vezes, a infecção limita-se apenas à multipli- cação viral no tubo digestivo e à invasão dos gânglios regionais, não ocorrendo a viremia. Esta proliferação é, no entanto, suficiente para conferir ao infectado títulos de anticorpos protetores para toda a vida.3, 22. Formas clínicas A poliomielite pode-se apresentar sob quatro formas: inaparente, abortiva, meningite asséptica e paralítica. Esta última corresponde à forma mais grave e é um evento bas- tante raro.3, 20, 24. A forma inaparente não tem manifestação clínica e pode ser demonstrada de duas formas: por meio de inquéritos sorológicos em populações e pela demonstração do poliovírus na faringe ou nas fezes de pessoas clinicamente sadias. Esta forma, também chamada de assintomática, ocorre em 99 por cento dos casos.3, 20, 22. A forma abortiva, que incide em 0,9 por cento dos indivíduos suscetíveis contamina- dos, caracteriza-se por quadro clínico inespecífico, tendo início de forma súbita, com febre, cefaléia, dor da garganta, tosse, coriza e sintomas gastrintestinais como anorexia, vômitos, dor abdominal e diarréia. É comumente confundida, em decorrência de sua sintomatologia pouco específica, com episódios gripais e seu diagnóstico de certeza está na dependência do isolamento do poliovírus nas fezes ou na orofaringe.3, 7, 20, 22, 24. O comprometimento do SNC ocorre em 0,1 por cento dos casos e pode-se dar como meningite asséptica ou como forma paralítica. Na primeira eventualidade, o início apre- senta-se com as mesmas características da forma abortiva com sintomatologia inespecífica. Ao exame clínico, o estado geral do paciente não se mostra tão comprome- tido como nas meningites bacterianas; a orofaringe pode estar hiperemiada, existem sinais evidentes de irritação radicular (sinais de Kerning e Brudzinski positivos) e obser- va-se rigidez de nuca;3, 24. não há evidências de paresias e os reflexos miotáticos encon- tram-se presentes. Na forma paralítica da pólio podem ser observados diversos quadros clínicos refe- rentes ao comprometimentos espinhal, bulbar ou encefálico, de forma isolada ou associ-
  • 331. 3 3 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI ada. O período de incubação, até se chegar à forma paralítica, pode variar de cinco a 35 dias (com média de 17 dias). Epidemiologia Modos de transmissão Embora não se conheça com precisão a forma pela qual se dá a passagem do vírus de uma pessoa infectada para uma suscetível, a maior parte dos estudiosos acredita que a difusão se dê por meio do contato inter-humano, principalmente pelas fezes.7, 22, 24. A capacidade de disseminação do vírus varia de acordo com a idade. Crianças abai- xo de dois anos de idade, em decorrência de seus hábitos de higiene, são particularmente propensas a transmitir os vírus.7 A hipótese da disseminação por via intestinal-oral é fortalecida pelo fato de saber-se que a prevalência do vírus é maior em condições sanitárias inadequadas, pela coincidên- cia do período de maior infectividade com o de maior eliminação fecal do vírus e pelo fato de, raramente, se encontrar o vírus na orofaringe, após a primeira semana da doen- ça.7 O poliovírus já foi muitas vezes detectado em esgotos de áreas epidêmicas, embora sua presença pareça ser muito mais uma repercussão da epidemia do que a sua causa. Insetos já foram apontados como vetores da infecção, mas sua importância epidemiológica é discutível.7 Comportamento epidemiológico Podem-se distinguir três comportamentos epidemiológicos na poliomielite: o endêmico, o epidêmico e o da era pós-vacinação.4, 9. O comportamento endêmico existe nas áreas populosas dos países em desenvolvi- mento, onde, caracteristicamente, crianças com menos de cinco anos de idade são aco- metidas pela forma paralítica, constituindo as verdadeiras “paralisias infantis”. São paí- ses geralmente com más condições de saneamento, baixa renda per capita e situados em regiões tropicais, que apresentam alta prevalência dos enterovírus, inclusive o polivírus, na sua população.9. Onúmerodecasosnotificadosdepoliomielitenessespaísesé,noentanto,pequeno,edois fatores são comumente aventados para explicar esse fenômeno. O primeiro deles é de que a presença de anticorpos contra os três tipos de polivírus é quase universal nas gestantes e existe passagem transplacentária dos mesmos para os fetos;2, 9 assim, caso o lactente entras- se em contato com o poliovírus nos primeiros seis meses de vida, estaria parcialmente prote- gido e não desenvolveria a forma paralítica da doença. O segundo fator é que a freqüencia de infecções inaparentes é mais alta nas crianças de baixa idade do que nos adolescentes e adultos. As populações desses países estariam em condições muito favoráveis para serem contaminadas pelo poliovírus nos primeiros anos de vida, quando a infecção teria um curso mais benigno.7, 9, 22. Profilaxia O controle da poliomielite foi conseguido, em grande parte, com o desenvolvimento das vacinas de vírus inativados de Salk e de vírus atenuados de Sabion. A primeira é aplicada por via intramuscular e, a segunda, por via oral.1, 7, 9.
  • 332. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 3 5 Vacina com poliovírus inativado (Salk) Foi extensamente utilizada a partir de 1955 até o início da década de 60 e é ainda utilizada em países como Suécia, Finlândia e Holanda9, 20, 21, 22 . A imunização é obtida com o emprego de quatro inoculações, as três primeiras espaçadas por um período de quatro a seis semanas e a Quarta após seis a 12 meses. Posteriormente, é necessária uma dose de reforço a cada quatro ou cinco anos.9 As suas vantagens e os seus problemas estão resumidos no Quadro 12.1, da página anterior.9 Vacinas com poliovírus atenuado (Sabin) Utilizadas desde 1960, são atualmente empregadas na maior parte do mundo, inclusi- ve no Brasil, sendo altamente eficazes no controle da poliomielite.9, 20 Elas podem ser mono-, bi- ou trivalentes;22 o esquema usual de vacinação consiste em três doses, dadas a partir dos dois meses de vida, com intervalos de dois meses, seguindo-se reforço aos 18 meses e, às vezes, aos seis anos de idade, não sendo necessárias novas doses na maior parte das vezes.9 A erradicação da Poliomielite no continente Americano. LEITURA RECOMENDADA 1. Bell, W. E. & McCormick, W. F. – 1975 – Enterovirus. In: Neurologic Infections of Children. 1 st ed. Philadelphia: W. B. Saunders Company, p. 157. 2. Cherry, J. D. – 1976 – Enteroviruses. In: Infections Diseases of the Fetus Newborn Infant. Remington, J. S. and Klein, J. O., editors, 1 st ed., Philadelphia: W. B. Saunders Company, p. 366. 3. Diament, A. J. – 1980 – Neuroviroses. In: Neurologia Infantil. Lefèvre, A. B. e Diament, A. J., editores, 1. ed., Sarvier, S. Paulo, p. 594. 4. Gaudin, O. G. – 1976 – La notion de risque dans la poliomyélite. Rev. Epidém. et Santé Publ., 24:231. 5. Guyer, B.; Bisong, A. A. E.; Gould, J.; Brigalo, M. & Aymard, M. – 1980 – Infections and paralytic poliomyelitis in tropical África. Bull. Word Health Organ., 58(2): 285. 6. Hubinger, M. G.; Meulman, I.; Madeira, M. I. A. & Pinto, O. S. – 1974 – Padrões imunológicos da poliomielite em adultos na Guanabara. Rev. Med. Est. Guanab., 41 (2): 112. 7. Krugman, S. & Ward, R. – 1977 – Enteroviral Infections. In: Infectious Diseases of Children and Adults. 6 th ed. St. Louis, C. V. Mosby Company. 8. Lasch, E. E.; Joshua, H.; Gazit, E.; Elmassri, M.; Marcus, O. & Zamir, R. – 1970 – Study of the HLA antigen in Arab Children with paralytic poliomyelistis Is. J. Med. Sci., 15 (1):12. 9. Melnick, J. – 1978 – Advantages and disavantages of killed and live poliomyelitis vaccines. Bull. World Health Organ., 56 (1): 21. 10.Metsellar,D.;MacDonald,K.;Gemert,W.;Vanrens,M.M.&Muller,A.S.–1977–Poliomyelitis epidemiology and prophylaxis. Bull. World Health Organ., 55(6): 747. 11. Modlin, J.F. – 1985 – Poliovirus. In: Mandell, G.L.; Douglas, R.G., Jr. & Bennett, J.E. – Principles and Practice of Infectious Diseases. 2 nd edition. John Wiley & Sons. New York, p. 806. 12. Monif, G.R.S. – 1969 – Viral Infections of the Human Fetus. Toronto, MacMillan Co. 13. Mulder, D.W.; Rosenbaum, R.A. & Layton, D.D. Jr. – 1972 – Late progression of poliomyelitis or forme fruste amyotrophic lateral sclerosis? Mayo Clin. Proc., 47:756. 14. Neves, W.E. – 1972 – Alguns aspectos da poliomielite no primeiro semestre de vida. Estudo de 241 casos. Tese de doutoramento. Fac. Med. Univ. S. Paulo.
  • 333. 3 3 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI 15. Neves, W.E.:; Carvalho, R.P.S. & Silva, W.V. – 1975 – Paralisia facial em crianças. Importância do diagnóstico virológico. Rev. Inst. Med. Trop. São Paulo, 17(3): 181. 16. Nicholas, D.D.; Kratzer, J.H.; Ofusu-Amaah, S. & Belcher, D.W. – 1977 – Is poliomyelitis a serious problem in developing countries? The Danfa experience. Br. Med. J., 1: 1009. 17. Oberhofer, T.R.: Brown, G.C. & Monto, A.S. – 1975 – Seriommunity to poliomyelitis in an American comunity. Amer. J. Epidem., 101(4): 333. 18. Ofusu-Amaah, S.; Kratzer, J.H. & Nicholas, D.D. – 1977 – Is poliomyelitis a serious problem in developing countries? Lameness in Ghanaian schools. Br. Med. J., 1: 1012. 19. Pietsch, M.C. & Morris, P.J. – 1974 – An association of HL-A7 with paralytic poliomyelitis. Tissue Antigens, 4:50. 20. Prince, R.W. & Plum, F. – 1978 – Poliomyelitis. In: Handbook of Clinical Neurology. Infections of the Nervous System, Part II, Vol. 34. Vinken, P.J. and Bruyn, G.W., editors, Elsevier North- Holland Biomedical Press, Amsterdam, p. 93. 21. Sabin, A.B. – 1980 – Vaccination against poliomyelitis in economically inderdeveloped countries. Bull. World Health. Organ., 58 (1):141. 22.Sabin,A.B.-1981–Poliomyelitis.In:Braude,A.I.;Davis,I.E.&Fierer,J.– MedicalMicrobiology and Infectious Diseases. W.B. Saunders Company, Philadelphia, p. 1348. 23. Salk, J. & Salk, D. – 1955 –Control of Influenza and Poliomyelitis with killed virus vaccines. Science, 195:834. 24. Shepherd, G.; Simsolo, V. – 1976 – Enterovírus. I. Poliomielite. In: Doenças Infecciosas e Parasitárias, Veronesi, R., editor. 6ª ed., Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, p. 104. 25. Stewien, K.E.; Barbosa, V. & Rosenburg, C.P. – 1977 – Níveis de imunidade contra a poliomi- elite em uma amostra de escolares do Mun. De São Paulo. Rev. Saúde Públ., 11(2): 270. 26. Volpi, A.; Raguna, G.; Biondi, W.; Rocchi, G. & Archetti, I. – 1976 – Seroimmunity to poliovirus in an urban population of italy. Bull. World Health Organ., 54(2):275. 27. Weekly Epidemiological Record. – 1978 – 53(32):237. Rubéola Bruno Soerensen A Rubéola é uma doença exantemática com evolução de três a cinco dias compro- metendo com maior frequência a infância e a adolescência. A doença exantemática com um período de incubação de duas a três semanas pode apresentar um período prodrômico caracterizado por discreta febre, arrepios de frio, cefaléia, dores generaliza- das e aumento dos gânglios do pescoço mastóides e suboccipitais. Um dos graves pro- blemas é que a incidência precoce na gravidez pode induzir malformações congênitas e ainda poder ser transmitida ao feto. Etiologia O agente etiológico é um vírus da família Togaviridae gênero Rubivirus. Os testes sorológicos podem ser utilizados. Epidemiologia As epidemias ocorrem com intervalo de 7 a 12 anos e principalmente na primavera comprometendo especialmente crianças abaixo de 15 anos. Ocorre com maior frequência
  • 334. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 3 7 em populações de escolares, entretanto casos esporádicos podem ser observados a cada ano. A doença é de distribuição mundial. Diagnóstico Independentemente do diagnóstico clínico, realizam-se provas sorológicas em convalescentes; durante longos períodos as provas positivas persistem. O método rápido de aglutinação de látex e o método de ELISA são os mais utilizados. Tratamento Os casos mais graves são os de Rubéola congenita e de crianças acometidas por múltiplas lesões congênitas. Nenhum medicamento tem ação antiviral e, conforme rela- tos, o tratamento com imunoglobulinas não tem valor terapêutico. As crianças com rubé- ola podem ser consideradas portadoras da infecção pelo período de seis meses e devem ser tomados cuidados especialmente com mulheres grávidas. Profilaxia Há mais de vinte anos tem-se utilização a imunização ativa com vacinas com resulta- dos alentadores, tendo como meta prioritária as crianças de 15 meses de idade. As vacinações de rotina incluem sarampo, caxumba e rubéola. As mulheres sem anticorpos devem ser vacinadas, evitando-se entretanto mulheres em gestação. A vacina pode ser aplicada após o parto, com a recomendação de evitar uma gravidez durante os três meses que se seguem. A vacina protege durante um período de pelo menos três anos. O uso de imunoglobulina pode ter indicação médica em casos especiais. Sarampo Bruno Soerensen O agente causador do Sarampo é um vírus do gênero Morbillivirus da família Paramyxoviridae. Ao mesmo gênero pertence o vírus responsável pela Cinomose, que compromete os cães. O Sarampo é de distribuição mundial. A doença no homem Anteriormente ao uso da vacinação, esta doença comprometia com extrema fre- qüência as crianças (90%) até chegarem aos dez anos de vida. O Sarampo era doença endêmica e, com intervalos de aproximadamente dois anos, eram observadas as epide- mias. A vacinação utilizada na prevenção do Sarampo é de grande eficácia. É uma vacina de vírus vivo, de virulência atenuada que, dependendo da virulência residual do vírus utilizado na elaboração da vacina, pode, eventualmente, manifestar na criança vacinada uma pequena reação à vacina, um “sarampinho” que, entretanto, não apresenta nenhum risco para a criança (crianças de nove meses de idade), resultando em sólida imunidade. É uma das vacinas que compõem o Plano Nacional de Imunização, e há expectativa de
  • 335. 3 3 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI uma possível erradicação da doença nos próximos 10 anos. Atualmente, os casos registrados se referem, em sua maioria, a adolescentes e adultos que não tiveram a doença quando crianças ou que não foram vacinados. Entretanto, recentemente foi ve- rificado um ressurgimento da doença no Brasil iniciado em 1996 e o seu declínio gradativo em 1998. Todas as mães que se encontram protegidas contra o Sarampo transferem esta imu- nidade para a criança recém-nascida. Se esta criança for vacinada durante o período em que se encontra imune, a vacina não confere proteção, e é devido a este fato que a vacinação é feita em crianças com 9 meses de idade, porque nesta fase a criança já perdeu os anticorpos contra o Sarampo, não prejudicando os benefícios trazidos pela vacina. Foi constatado que, em nosso país, aproximadamente 15% das mães não possuem imunidade contra o Sarampo e, conseqüentemente, não existem anticorpos a serem trans- feridos da mãe ao filho através da placenta. Considerando-se que a vacinação é feita aos 9 meses de idade, pode-se dizer que 15% das crianças brasileiras se encontram desprotegidas durante praticamente todo o primeiro ano de vida, e nesta faixa de idade é constatada mortalidade elevada por diferentes doenças, incluindo-se o Sarampo. Sintomatologia O período de incubação é de 8 a 13 dias. A doença inicia por febre, conjuntivite, coriza, tosse e manchas localizadas na mucosa bucal. Com grande freqüência podem ser observa- das inflamações da faringe e das vias aéreas superiores. Após 3 a 7 dias de evolução, inicia uma erupção (manchas vermelhas, na pele do rosto e a seguir em todo o corpo), que após 4 a 7 dias regride com descamação da pele. O Sarampo é uma doença de importância em Saúde Pública devido às complicações que podem sobrevir como otite média, pneumonia e encefalite, levando à morte cerca de 10% das crianças doentes, especialmente aquelas que se encontram desnutridas. O Sarampo se transmite de pessoa a pessoa, pela via aerógena, especialmente pela tosse. O período de transmissão se inicia já antes de qualquer sintomatologia, prolongan- do-se até 4 dias após a erupção. A doença nos animais Independentemente da ocorrência da moléstia no homem, também foi registrada em primatas não-humanos em cativeiro, mantidos em centros de primatologia, institutos ci- entíficos e zoológicos. Nestes animais foram observados inclusive epizootias em pelo menos dez espécies diferentes de macacos. A sintomatologia nos primatas não-humanos é semelhante à do homem. Possivelmente, os macacos mantidos em cativeiro adquirem a doença em con- tato com seres humanos e esta transmissão é pela via aerógena, uma vez que o vírus pode ser isolado das secreções nasofaríngeas do homem. Não foi constatada a trans- missão de Sarampo dos macacos ao homem, portanto é uma doença que sendo erradicada no homem deverá desaparecer também nos primatas não-humanos. Os macacos que não são destinados à experimentação com vírus do Sarampo, como os criados em Cen- tros de Primatologia e zoológicos, poderão ser vacinados visando o controle e erradicação da doença no mundo.
  • 336. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 3 9 Diagnóstico O vírus pode ser isolado em cultura de fibroblasto de embrião de galinha, a partir de lavado faríngeo, sangue ou urina. Pode-se pesquisar a presença de anticorpos no soro do paciente após convalescência, através de provas de laboratório como fixação de com- plemento e inibição da hemaglutinação. Prevenção e controle Indiscutivelmente, a vacinação da população susceptível é a base fundamental para o controle e erradicação do Sarampo. A recomendação de vacinação do PNI (Programa Nacional de Imunização) do Brasil é de crianças de 9 meses a 9 anos de idade, com índices de cobertura de vacinação superior a 80%. Em 1992 foi estabelecido no Brasil o Plano Nacional de Saúde e Eliminação do Sarampo com uma estratégia de atualização da vacinação da população de 9 meses a 14 anos e implementação da vigilância epidemiológica, incluindo-se amostragem de sangue da população para verificar-se a presença de anticorpos contra o sarampo e determinar a susceptibilidade à doença. Durante a epidemia de sarampo nos anos 1996-1997, foi constatada a ocorrência, embo- ra em proporção pequena, em adultos que possivelmente não teriam sido imunizados quando crianças. A epidemia decorreu com grande possibilidade devido a uma cobertu- ra de vacinação inferior à mínima recomendada de 80% da população infantil. A reco- mendação inicial era da vacinação aos 7 meses e uma segunda dose aos 12 meses. Esta recomendação não incluiria 15% das crianças que nascem sem anticorpo, pois pela via transplacentária não receberiam anticorpo das mães. A este fato deve-se o adoecimento prematuro de crianças antes de completarem o primeiro ano de vida. Entretanto, a partir de 1983, foi iniciada uma única dose aos nove meses de vida. Em alguns Estados da Federação foi recomendada uma segunda dose aos 15 meses de idade, ministrada na vacina tríplice contra sarampo, parotidite e rubéola. A vacinação ao nascimento não é recomendada pois a presença de anticorpo transplacentário até os seis meses de idade prejudica o efeito da vacinação, pois a vaci- na contém vírus vivos de virulência atenuada que são mortos pelos anticorpos transplacentários presentes. Apesar dos insucessos colhidos, o Sarampo é a próxima doença a ser erradicada da face da Terra, pois, quando bem conduzida, a vacinação confere sólida imunidade soma- da ao fato de não possuir reservatório no reino animal, pois os únicos susceptíveis são os primatas não humanos. Síndrome da Imunodeficiências Adquirida (AIDS) Bruno Soerensen A síndrome conhecida como AIDS (“Acquired Immune Deficiency Syndrome”) cons- titui no momento a mais preocupante doença sexualmente transmitida, considerando-se até o presente a ausência de tratamento eficiente, a elevada letalidade, suas repercus- sões sociais e o número crescente de novos casos da doença em todos os países do mundo. Foi assinalada pela primeira vez nos Estados Unidos em 1979, com apenas oito ca-
  • 337. 3 4 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI sos, atingindo em quatro anos 1.982 casos e até a presente data milhões de casos e milhares de óbitos. Os primeiros casos, entretanto, comprometendo de maneira desapercebida milhares de pessoas, teriam acontecido na África Equatorial. Através de Haiti e Ilhas do Caribe por turistas ou trabalhadores e o vírus teria penetrado nos Estados Unidos. Acredita-se ainda que o vírus da AIDS tenha passado do macaco para o homem por meio de contato íntimo desses animais com os nativos africanos. O agente etiológico é um vírus da família Retroviridae, vírus HTLV (“Human T Lynphotropic Vírus”). Um retrovirus linfotrópico que ataca especificamente os linfócitos T humanos “Helper” (Th) OKT4 + destruindo-os ou tornando-os funcionalmente insufi- cientes. Um dos mais freqüentemente isolados é o HTLV – III que se multiplica em laboratório em cultura celular de características próprias possibilitando a reprodução do vírus. Epidemiologia Inicialmente foi verificada a ocorrência da doença em homossexuais masculinos em aproximadamente 80% dos casos, em toxicômanos, hemofílicos, politransfundidos, imi- grantes haitianos e em portadores do sarcoma de Kaposi, doença esta que ocorria ante- riormente à AIDS somente na África Central. Os novos aspectos epidemiológicos da AIDS, entretanto, mudaram, comprometendo atualmente também os bissexuais masculinos, heterossexuais e, conseqüentemente, mulheres e crianças. Independentemente do contato sexual vaginal, a AIDS pode-se transmitir por meio do contato sexual anal, oral, do beijo em casos da existência de solução de continuidade da mucosa oral, transfusão sanguínea, agulhas contaminadas. Em estudo realizado em prostitutas de Georgetown, Guyana no ano de 1993, consta- tou-se que a soro positividade ao HIV era superior em prostitutas de condições sócio- econômicas de baixo nível comparando-se com aquelas de nível melhor. As prostitutas de condições sócio-econômicas piores usavam em menor proporção preservativo e en- tre elas era mais freqüente o uso de cocaína. Calcula-se que em homossexuais masculinos com comportamento sexual hiperativo a probabilidade de desenvolver a doença num período de até três anos é de 70 a 90%, entretanto em portadores assintemáticos não pertencentes a grupos de risco a possibili- dade calculada é de 0 a 3%. A tendência epidemiológica é de um aumento significativo da doença comprometen- do grande parte da população do mundo. Os principais elementos epidemiológicos a serem considerados são: idade, sexo, procedência, grupo de risco, estilo de vida, tipo de prática sexual, transfusões de sangue nos últimos cinco anos, se hemofílico, se preso por mais de um mês em ambiente promíscuo ou se é profissional de saúde. O uso de copos, xícaras, talheres não oferece perigo de transmissão. A possível transmissão por artrópodos está sendo estudada. O dentista portador de HIV poderá transmitir a doença em casos de sangramento das mãos e a contaminação do intrumental em intervenções cruentas. A doença leva a uma profunda imunodepressão imunológica e o organismo desprotegido sofre com a associação de microrganismos, incluindo-se alguns oportunistas. As doen- ças que com maior freqüência se associam são o sarcoma de Kaposi, a pneumonia por Pneumocystis carinii e a tuberculose por Mycobacteriun tuberculosis.
  • 338. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 4 1 A doença no homem Apresenta ampla variedade de formas clínicas, desde assintomáticas até formas clí- nicas que evoluem para a morte. A soro positividade em populações de risco de indivídu- os sintomáticos é relativamente elevada; portanto, eles constituem o grupo infectado. A possibilidade do portador assintomático evoluir para doença não se encontra bem esclarecida. O período de inoculação da AIDS pode ser muito curto como seis a treze dias, embo- ra geralmente seja longo, de vinte meses para crianças e trinta meses para adultos. Uma das primeiras manifestações sugestivas da infecção pelo HIV são lesões orais de placas esbranquiçadas nos bordos laterais da lingua que podem ter como agente etiológico a Candida albicans ou um vírus como os correspondentes ao herpes simples, citomegalovirus, vírus Epstein-Barr ou ainda serem relacionadas ao sarcoma de Kaposi, carcinoma de células escamosas, linfomas não-Hodgkin, papilomas ou melanomas. Es- tas manisfestações podem preceder a AIDS plenamente manifesta por um período de um a 33 meses. As manifestações clínicas decorrem da infecção pelo HIV e das infecções que se associam devido à imunodepressão desencadeada pelo vírus. Pode-se observar poliadenopatia com ausência de qualquer doença conhecida, lembrando o mononucleose infecciosa. Há queda do estado geral e cansaço aos pequenos esforços, anorexia e perda significativa do peso corporal, ressecamento da pele, sudorese noturna, febre, diarréia crônica, tosse geralmente não produtiva, disturbios da esfera psíquica e neuroló- gica. Associam-se com frequência histoplasmose disseminada, candidíase brônquica ou pulmonar, isosporíase causando diarréia crônica, linfomas não-Hodgkin, sarcoma de Kaposi, tuberculose. No estado mais avançado da doença, instala-se uma série de infecções oportunistas e neoplásicas apresentando quadro clínico correspondente à doença que estiver associ- ada. A doença nos animais Não são conhecidos reservatórios. Diagnóstico Independentemente do grupo de risco e do aspecto clínico, deverão ser considerados aspectos epidemiológicos e laboratoriais. Entre os epidemiológicos, os grupos de risco, embora com a disseminação atual da doença os grupos de risco tendam a desaparecer comprometendo gradativamente a população. Quanto ao diagnóstico laboratorial, revestem-se de grande importância os testes sorológicos de grande sensibilidade e especificidade para a pesquisa de anticorpos como o Western–blot que, quando bem conduzido, pode expressar grande segurança. O méto- do imunoenzimático (ELISA), a imunofluorescência indireta, a radioimunoprecipitação situam-se como de menor valor comparados ao Western-blot. Outros novos testes já se encontram em experimentação, entre eles alguns que de- tectam o antígeno viral a partir de duas semanas de infecção, portanto antecedendo a formação de anticorpos HIV que somente aparecem de seis a oito semanas após a
  • 339. 3 4 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI infecção primária, ou seja no período negativo de “janela imunológica”. Nos portadores assintomáticos, avaliados em milhões de indivíduos somente no Bra- sil, podem ser encontrados títulos elevados de anticorpos e ausência de antigenos possi- bilitando a persistência desta situação imunológica durante vários anos. Os estudos atu- almente indicam que na população de risco (prostitutas) não todas possuem susceptibili- dade à aquisição da doença. Tratamento e prevenção Para o tratamento específico da infecção pelo HIV temos as drogas que impedem a penetração do vírus na célula-alvo como os anticorpos monoclonais anti-gp., o peptídio T o AL 721, os inibidores da transcriptase reversa como o Suramin o AZT, a Dideoxynosina, o CD 4, a Rifabutina e o Ácido Fosfonofórmico. Outras drogas atuam em etapas posteriores à síntese do DNA viral, como a Ribavisina, o Interferon, o Ampligen e as associações de drogas que mostraram ação sinérgica contra o HIV. O tratamento inespecífico tem como finalidade o combate às infecções secundárias que se associam. Entre as medidas preventivas pode-se citar: 1. Evitar a promiscuidade e o sexo anônimo. 2. Limitar e selecionar os parceiros. 3. Higiene adequada após a prática sexual (lavagem com água e sabão). 4. Usar preservativos. 5. Evitar sexo oral, principalmente com grupos de risco. 6. Evitar ambientes promíscuos. 7. Para viciados em drogas injetáveis, usar seringa descartável. 8. As mulheres devem ter ciência da possibilidade da transmissão da AIDS por via placentária. 9. Nos bancos de sangue evitar o uso de sangues soro positivos para AIDS. 10. Os profissionais de saúde (médicos, dentistas, enfermeiros, técnicos de laborató- rio) devem adotar medidas que evitem a contaminação. VACINAÇÃO Diversas vacinas estão sendo ensaiadas em grupos de risco, incluindo-se prisioneiros em penitenciária; entretanto, qualquer resultado deverá ter validade se os grupos de vacinados e não vacinados forem observados por um período não inferior a cinco e a dez anos e com um declínio significativo no grupo vacinado. Bibliografia consultada e recomendada A saúde nas américas – tendências atuais. Borroto, R.J. Supervivência de Vibrio cholerae O I en agua dulce superficial y cólera endemico: Una hipótesis geoecológica. Revista Panamericana Salud Pública. 4(6): 371-374, 1998. Darras, C. Diferencias de mortalidad infantil dentro de Bolívia. Revista Panamericana Salud Pública.4(6):393-397,1998. Gomes do Monte, C. M.; Ashworth, A.; Barreto Sá, M.L. and Portela Diniz, R. L. Revista Panamericana Salud Pública. 4(6): 375-382, 1998.
  • 340. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 4 3 Organización Panamericana de la Salud (OPS) Salud en las Américas. Boletin Epidemiológico. 19(3):1-6,1998. Bacterioses: Cólera VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Coqueluche VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Difteria PERCI, R. D. Difteria. Akrôpolis – Revista da UNIPAR., 3 (9): 3-14, 1995. VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Enfermidade de lyme VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Febre tifóide VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Meningites VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Sífilis FREGONESI, A, FERREIRA, U., ESTEVES, S.C. Doenças sexualmente transmissíveis. Ver. Bras. Med.,51:59-66,1995. HABER, L.E., GUINSBURG, R., IAZZETTI, A V. Sífilis congênita: situação atual. Conduta diagnóstica e terapêutica. Pediatria Moderna, 29(6): 772-778, 1993. VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Tuberculose ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. Publ. cient. no 503. VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Viroses: Dengue ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Febre amarela ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Febre hemorrágica pelo vírus Ebola VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991.
  • 341. 3 4 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Gastroenterites por rotavírus ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Hepatites virais ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Influenza ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Rubéola VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Sarampo ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. Publ. cient. no 503. VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. XIV – Zoonoses e enfermidades transmissíveis comuns ao homem e aos animais A saúde do homem depende em grande parte da saúde dos animais Bruno Soerensen Diversos microorganismos responsáveis por doenças nos animais também compro- metem o homem, como os causadores da Tuberculose, Leptospirose, Moléstia de Cha- gas, Brucelose, Carbúnculo, Colibacilose, Listeriose, Salmonelose, Histoplasmose, Fe- bre Q, Encefalite, Hepatite, Raiva, Toxoplasmose, Hidatidose, Teníase, Ascaridíase, Estrongiloidose, Triquinelose, Sarna, etc. Como se isso não fosse suficiente, diversos microorganismos responsáveis por diarréia nos animais são também responsáveis por diarréia no homem; milhões de crianças morrem anualmente em nosso país em conseqü- ência de processos diarréicos, e as doenças diarréicas são as principais responsáveis pela mortalidade infantil no primeiro ano de vida. Bactérias, vírus e protozoários patogênicos, que causam diarréia ao homem, podem ser encontrados nos intestinos dos animais.
  • 342. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 4 5 Nos países em desenvolvimento, as doenças diarréicas são o principal fator de mortalidade nas crianças, assim como nos animais domésticos, principalmente nos mais novos. Nas zonas rurais, este problema é mais acentuado, devido ao contato com animais doentes ou portadores das doenças. Neste sentido, um estudo realizado na Índia (estado de Haryana), mostrou que 10% de um plantel de búfalos e bovinos apre- sentavam Campylobacter nas fezes, incluindo-se animais com diarréia e sãos. Em suínos, a mesma bactéria responsável pela diarréia em crianças foi isolada em 50% dos animais e, no mesmo ambiente contaminado, em 10% das crianças que tiveram suas fezes examinadas foi isolado o Campylobacter. Os alimentos e a água contaminados pelas fezes destes animais podem transmitir a moléstia ao homem, especialmente às crianças. Foi comprovado ainda que brinquedos contaminados com material fecal de animais podem veicular microorganismos respon- sáveis, entre outros, por processos diarréicos. Em nosso país e nos demais países da América Latina, porcentagem elevada de ratos, principalmente os ratos de esgoto, são portadores de Leptospira e Salmonella typhimurium, agentes, respectivamente, da Leptospirose e da Salmonelose, moléstias de grande importância em Saúde Pública. Considerando-se a contaminação fecal-oral e a importância de microorganismos na etiologia das doenças diarréicas, a Organização Mundial da Saúde recomenda reduzir os riscos de contaminação da seguinte maneira: 1. Manter os animais em boas condições de saúde, isolar os doentes, tratá-los ade- quadamente e manter as crianças afastadas dos animais doentes; 2. Evitar que os animais habitem dentro das casas; 3. Recolher ou enterrar as fezes dos animais, jogar no vaso sanitário ou em local ao qual as crianças não tenham acesso; 4. Evitar que os animais freqüentem áreas onde brincam crianças, especialmente as mais novas; 5. Impedir que os animais comam nos mesmos pratos usados pelas pessoas, ou que contaminem mesas ou locais onde são preparados os alimentos; 6. Recomendar às crianças que sempre lavem as mãos antes das refeições ou de tocarem em alimentos (frutas entre outros), especialmente após terem brincado com animais. 1. Bacterioses Actinomicose Bruno Soerensen O agente de maior importância como causador da Actinomicose no homem é o Actinomyces israelii e, nos animais, o Actinomyces bovis, embora existam outros actinomicetos, como o Actinomyces viscosus, responsável pela Actinomicose em cães. Têm sido relatados casos de Actinomicose pelo A. bovis no homem e pelo A. israelii em animais, porém isso é raro. Os actinomicetos são considerados, atualmente, como bactérias superiores, próxi-
  • 343. 3 4 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI mas aos fungos. São Gram-positivos, anaeróbios e normalmente encontrados na cavida- de oral. A Actinomicose é de distribuição mundial, com grandes diferenças regionais. A doença no homem A porta de entrada do microorganismo no corpo humano é constituída por feridas ou lesões cirúrgicas comprometendo os tecidos moles e os ossos. A infecção pelo Actinomyces israelii determina um processo granulomatoso supurativo que, poste- riormente, fistuliza. Quanto à sua localização, a cervico-facial é a mais freqüente, seguida pela torácica (pulmonar), abdominal e generalizada. A localização cérvico-facial possui um quadro clínico bem característico, iniciando com um aumento de volume de consistência dura, ao nível da mandíbula e região cervical, evoluindo gradativamente e apresentando áreas moles e drenagem ao exterior de pus amarelado contendo grãos de cor amarela de aproximadamente meio milímetro de diâ- metro, assemelhando-se a “grãos de enxofre”. Estes pequenos grãos não são outra coisa que colônias do Actinomyces israelii, observáveis ao microscópio, e que recebem o nome de “druzas actinomicóticas”, morfologia esta que serve para se diagnosticar a doença. Na clínica odontológica da Universidade de Marília, foi observado um caso raríssimo de comprometimento do maxilar superior com grande destruição óssea, recuperado por meio de tratamento adequado. A forma pulmonar simula tuberculose e as formas características acima descritas (“grãos de enxofre”) podem ser encontradas no exame de escarro. A forma abdominal é sempre caracterizada por aumento de volume capsulado localizado no intestino ou, ainda, na parede abdominal. Nos últimos anos tem-se observado a ocorrência da doença no trato genital de mulheres que usam dispositivos intra-uterinos por longos períodos. A doença nos animais O Actinomyces bovis é o agente etiológico de maior importância, especialmente em bovinos. O quadro clínico mais freqüente é o comprometimento da mandíbula, com au- mento de volume, formação de tecido granulomatoso e processo purulento, que drena através de condutos fistulosos. O pus é viscoso, amarelado, contendo grânulos amarela- dos semelhantes a “grãos de enxofre”. O animal tem dificuldades de mastigação e perde peso. Nos suínos a doença compromete, geralmente, as mamas sob forma de abscessos, que fistulizam. Estas lesões são atribuídas a ferimentos causados pelos leitões na opor- tunidade de mamar. Nos cães, podem-se observar abscessos cervico-faciais, osteomielite, pneumonia, comprometimento dos órgãos abdominais ou, ainda, abscessos subcutâneos. Aqui no Brasil, tivemos a oportunidade de relatar, em 1959, o primeiro caso de Actinomicose em coelhos descrito no mundo. Fonte de infecção e transmissão A Actinomicose ocorre com mais freqüência no meio rural, portanto é possível que o agente etiológico possa ter sua origem no reino vegetal. Estudos realizados em vários
  • 344. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 4 7 países mostram que os actinomicetos podem ser encontrados em 40% de amígdalas humanas e em 30 a 48% de amostras de saliva e material de dentes cariados, como também em 10% de secreções vaginais de mulheres que usavam dispositivos intra- uterinos. De qualquer maneira, o quadro cérvico-facial pode ser explicado pela penetração do microorganismo por ferimentos ou através de dentes cariados. A infecção dos animais não é transmitida ao homem e, da mesma maneira, nunca foi assinalada nenhuma transmissão inter-humana. Diagnóstico e controle O quadro clínico no homem e nos animais é bem sugestivo. A demonstração micros- cópica em material observado entre lâmina e lamínula da existência de formações radiadas (“druzas actinomicóticas”) confirma o diagnóstico. A identificação do tipo de actinomiceto é feita por meio de culturas em meios espe- cíficos. Quanto ao homem, é recomendável para a prevenção da doença, a higiene bucal e cuidados após a extração dentária ou qualquer intervenção na cavidade bucal. No que se refere à Actinomicose animal, ainda não foi encontrada nenhuma reco- mendação prática. Bibliografia consultada e recomendada ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Botulismo Bruno Soerensen O microrganismo responsável pelo Botulismo é o Clostridium botulinum, que elabo- ra uma toxina considerada a mais potente de todas as conhecidas. É uma bactéria anaeróbia, que esporula, possibilitando sua resistência no meio ambiente. São conhecidos quatro grupos (I a IV) relacionados às características de prolifera- ção em meios de cultura ou ainda à classificação sorológica. Existem pelo menos sete tipos diferentes de toxinas botulínicas (A,B,C,D,E,F,G). O Botulismo Clássico é adquirido pela ingestão de alimentos contaminados contendo a toxina pré-formada. Finalmente, mais recentemente, foi identificada nova entidade clínica, o Botulismo Infantil, como conseqüência da proliferação do Clostridium botulinum na luz intestinal de lactentes, produzindo toxina absorvida por via intestinal. O Botulismo foi relatado em todas as regiões do mundo, com maior ou menor inci- dência e de maneira esporádica ou em grupos. O Botulismo Clássico é uma intoxicação alimentar pela ingestão de alimentos pro- cessados de maneira inadequada, especialmente os de fabricação caseira estocados por
  • 345. 3 4 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI longos períodos. O Clostridium botulinum pode ser encontrado espontaneamente no meio ambiente, contamina o alimento e, caso este apresente teor baixo de oxigênio, o microorganismo inicia sua proliferação e elabora a toxina. Por ocasião do consumo do alimento, a toxina é absorvida, provocando uma intoxicação alimentar de extrema gravi- dade, determinando elevada letalidade, especialmente quando o paciente não é socorrido com premência. Atualmente, em decorrência de uma produção industrial de alimentos de origem ani- mal e vegetal, especialmente enlatados, obedecendo à tecnologia segura, a tendência é a diminuição do risco da intoxicação e do número de casos da doença. Para termos uma idéia das fontes de alimentos contaminados pelas diferentes toxinas botulínicas, trabalhos relatados nos Estados Unidos indicam que as hortaliças se situam em primeiro lugar, com elevada incidência das toxinas botulínicas tipo A e B, seguindo- se o peixe e derivados onde predominam as toxinas dos tipos E a A. Seguem-se as frutas e os condimentos, com predominância das toxinas A e B. Finalmente, os seguintes ali- mentos em ordem de importância: carne bovina, leite e seus derivados, carne de suínos e de aves. Alguns países dispõem de dados confiáveis: nos Estados Unidos o registro em 1978 foi de 80 mortes por Botulismo e, na Argentina, em 1974, 26 mortes. No Brasil, em 1958 foram comunicadas seis mortes numa mesma família, atribuídas ao Botulismo, por ingestão de peixe em conserva de preparação caseira. Em 1981, outros dois casos suspeitos, no Rio de Janeiro, por ingestão de um alimento de preparação industrial. Entre 1997 e 1999 ocorreram alguns casos de Botulismo no Estado de São Paulo relacio- nados à ingestão de palmitos em conserva. A doença no homem A intoxicação botulínica por alimentos é causada pelos tipos A,B,E e F. O período de incubação é de 18 a 36 horas, entretanto, já foram registrados períodos muito curtos, de poucas horas, ou ainda manifestação tardia, como 8 dias após a ingestão. A sintomatologia pelos diferentes tipos de toxina botulínica é praticamente a mesma, embora seja atribuída mortalidade maior à intoxicação pelo tipo A. Os pacientes não apresentam febre, e sim sintomas gastrointestinais como náuseas, vômitos, dores abdominais e, posteriormente, sintomas nervosos, como debilidade ou paralisia descendente, dificuldade de visão e de deglutição, permanecendo presentes até a morte a consciência e a sensibilidade. A morte é geralmente por parada respiratória. As possibilidades de morte são altas, especialmente quando o período de incubação é de poucas horas. Os pacientes que sobrevivem demoram muito tempo para chegar à recu- peração total. Uma das pessoas que contraíram a doença a partir da ingestão de palmito contaminado, uma jovem de 21 anos, permaneceu internada de fevereiro a agosto de 1997, tendo alta quase seis meses depois do início dos sintomas. Ela apresentou paralisia total da musculatura e conseguiu recuperar-se completamente. Nos casos de Botulismo Infantil, se inicia por constipação seguida de fraqueza, perda de apetite, tosse, dificuldade de deglutição, fraqueza muscular e falta de controle muscu- lar da cabeça. Existe paralisia dos nervos cranianos, da musculatura periférica e respira- tória até por terminar com a morte da criança. É atribuída ao Botulismo a morte súbita de muitos lactentes. O Botulismo por feridas, quanto à sintomatologia nervosa, é pratica-
  • 346. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 4 9 mente idêntico aos anteriores. A doença nos animais A doença nos mamíferos domésticos é devido aos tipos C e D e nas aves, ao tipo C. Nos bovinos, nos países da América Latina, o Botulismo é relativamente freqüente e se associa à deficiência de fósforo. O Clostridium botulinum prolifera com facilidade em ossos resultantes de cadáveres abandonados no campo, onde a bactéria excreta a toxi- na. Estes ossos são roídos por bovinos deficientes em sais minerais que apanham a doença dessa maneira. Os bovinos são muito suscetíveis à toxina botulínica, manifestan- do-se a doença por paralisia parcial ou completa dos músculos da locomoção, mastigação e deglutição. Os animais apresentam dificuldade de locomoção, permanecem durante muito tempo imóveis ou deitados e, com o progredir do Botulismo, o animal não conse- gue levantar a cabeça, levando à letalidade de praticamente 100% dos animais. Os ovinos e os eqüinos também são suscetíveis à doença e a sintomatologia é seme- lhante à dos bovinos. O Botulismo nas aves se manifesta por paralisia das asas, estendendo-se a outros músculos e, finalmente, aos do pescoço, mantendo-se, especialmente nos casos das galinhas, como que sentadas, apoiando o bico no solo. A doença em galinhas não é rara em nosso país, principalmente em frangos criados no chão, onde as fezes empastadas dos animais junto à cama, criam condições para a proliferação do Clostridium botulinum geralmente do tipo C, e as aves se intoxicam pela ingestão destas fezes misturadas a restos de alimentos. Controle No referente ao homem, o controle consiste num rigor na regulamentação e inspeção do envasamento dos alimentos e na educação sanitária quanto ao risco de consumo de conservas de fabricação caseira ou de gosto alterado. Os pacientes portadores de Botulismo devem ser tratados com urgência com soro anti-botulínico apropriado ao tipo de toxina responsável pela intoxicação. No Botulismo animal, como medida preventiva, é recomendada a administração de suplementos contendo fosfato e a vacinação contra o Botulismo dos plantéis onde a doença ocorre. Bibliografia consultada e recomendada ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Brucelose Kathia Brienza Badini Marulli A Brucelose no homem também é chamada de Febre Ondulante, Febre de Malta e
  • 347. 3 5 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI Febre do Mediterrâneo e, nos animais, Aborto Contagioso, Aborto Epizoótico ou Doen- ça de Bang. Tem como agente causador uma bactéria, do gênero Brucella, com seis espécies conhecidas: B. melitensis, B. suis, B. neotomae, B. ovis e B. canis. As três primeiras ainda se dividem em biotipos. A doença nos animais A Brucelose é doença de grande importância em Medicina Veterinária, pois compro- mete várias espécies animais, como os bovinos, nos quais o agente de maior importância é a Brucella abortus, sendo a manifestação mais notória o aborto na segunda metade da gestação, geralmente com retenção de placenta, podendo ser seguida de metrite e infertilidade permanente e com conseqüente diminuição da produção leiteira. Após acon- tecer o primeiro ou o segundo aborto, as vacas chegam a parir normalmente, mas po- dem-se observar natimortos, ou ainda, recém-nascidos fracos, portadores da doença. É interessante observar que a suscetibilidade à doença varia, isto é, nem todos os animais apanham a doença; no entanto, é mantida na criação e se manifesta quando houver ou forem introduzidos animais suscetíveis. O touro também é comprometido, localizando-se a bactéria nos testículos e glândulas genitais anexas, provocando o aumento do volume de um ou ambos testículos e, posteri- ormente, levando à atrofia do testículo comprometido e, como resultado final, à esterili- dade do macho. É estimada na América Latina uma perda anual de aproximadamente 600 milhões de dólares devido à Brucelose. No Brasil, a doença é observada em todos os Estados da Federação. Na região de Marília, dificilmente é encontrada uma propriedade onde não exista o problema, embora com reduzido comprometimento. A Brucelose bovina é de distribuição mundial e somente foi erradicada na Finlândia, Noruega, Suécia, Dinamar- ca, Holanda, Bélgica, República Federal da Alemanha, Áustria, Hungria, Checoslováquia, Romênia e Bulgária. A Inglaterra, Irlanda, Polônia, Canadá, Estados Unidos, Cuba, Pa- namá, Austrália e Nova Zelândia estão erradicando a moléstia. A América Latina não possui programa de controle da doença e é impossível avaliar a extensão do problema. Compromete com maior freqüência o gado leiteiro. A fonte principal de contaminação bovina são as descargas vaginais contendo grande quantidade de Brucelas. Em grau menor, podem contribuir à contaminação do campo as fezes de bezerros que se alimen- tam com leite contaminado. O pasto, a forragem e a água contaminados podem resultar em fonte de contaminação quando ingeridos. O hábito das vacas de lamber as membra- nas fetais, fetos, recém-nascidos ou, ainda, os órgãos genitais de outras vacas, contribui também para a transmissão da Brucelose. A inseminação natural e artificial, quando utilizados portadores da moléstia, também são responsáveis pela transmissão da doença. Nos suínos, o agente causal é a B. suis e, assim como nos bovinos, as vias principais de transmissão são a digestiva e a venérea. Com freqüência a introdução de um reprodutor doente é a causa da disseminação da doença no plantel. É possível que nos suínos a infecção por aerossóis através da via respiratória e, ainda, a via conjuntival desempe- nhem papel relevante. Nos caprinos e ovinos, a infecção pela B. melitensis ocorre de modo similar aos bovinos. A Brucella ovis também compromete o rebanho caprino e ovino. A infecção dos cães pela Brucella canis acontece por meio de contato com secre-
  • 348. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 5 1 ções vaginais, fetos e membranas fetais. Os machos infectados transmitem a doença às fêmeas no momento da cobertura. O leite de cadelas portadoras também poderá repre- sentar papel importante na transmissão da doença. Existem aproximadamente 30 casos humanos por Brucella canis na literatura internacional contraídos possivelmente pela exposição do homem a abortos recentes. Os eqüinos também podem ficar infectados pela Brucella abortus e Brucella suis, apresentando a doença chamada “Mal da cernelha”. Outros animais, como os gatos, podem apresentar Brucelose de maneira esporádica pela Brucella abortus, B. suis e B. melitensis. Em animais silvestres, a infecção brucélica já foi assinalada em ratos pela Brucella neotomae; em lebre pela Brucella suis; em raposas e furão, pela Brucella abortus e suis e ainda foi relatado em antílope e vison americano. As Brucellas também foram isoladas de artrópodes como carrapatos, em- bora o papel que possam representar na transmissão da moléstia seja de caráter secun- dário. As aves também representam papel sem maior importância, embora tenham sido isoladas amostras de Brucella de aves domésticas, em casos de infecção inaparente ou apresentando perda de peso, queda de postura ou diarréia. Diagnóstico nos animais Na Clínica Veterinária, o isolamento em laboratório do agente causador da Brucelose é um dos métodos para confirmar o diagnóstico, embora do ponto de vista da Medicina Preventiva o diagnóstico sorológico seja o mais indicado. Os levantamentos epidemiológicos por meio das reações de aglutinação, complementados pelas de fixação de complemento, hemólise indireta, imunoenzimática, imunodifusão radial, mercapto - 2 - etanol e a de rivanol, são feitos em criações, princi- palmente de bovinos e suínos, contribuindo para o controle da Brucelose nos animais. A interpretação dos resultados deve ser criteriosa e o seguimento dos rebanhos absoluta- mente indispensável. Os animais com Brucelose devem ser sacrificados. A vacinação sistemática de bovinos com a vacina B 19, excluindo-se os machos, deverá ser obrigató- ria. A falta de conscientização de muitos criadores e a ausência de uma ação efetiva das autoridades do setor são responsáveis pela perpetuação da Brucelose na América Lati- na. A doença no homem O homem adquire a infecção dos animais por contato direto ou indiretamente, pela ingestão de produtos de origem animal ou, ainda, pela inalação de aerossóis infectantes. Existem grupos de risco de ocupação profissional como a de tratadores de animais prin- cipalmente de suínos, pois a incidência predominante da moléstia no homem no Brasil é pela Brucella suis e, a seguir, pela Brucella abortus. São incluídos na população de risco os trabalhadores de matadouros e médicos veterinários. O homem geralmente contrai a moléstia ao manipular fetos e membranas fetais e ao entrar em contato com secreção vaginal, excretas e produtos provenientes de animais infectados. O microorganismo penetra através de soluções de continuidade da pele e também quando se levam as mãos contaminadas até as conjuntivas. O homem também pode adquirir a enfermidade de caprinos e ovinos contaminados. Queijo fresco, leite cru e produtos lácteos de vaca e de cabra portadoras da doença
  • 349. 3 5 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI podem conter Brucella sp. Os leites acidificados, cremes e manteigas ácidas e queijos fermentados conservados por mais de três meses dificilmente representam fonte de contaminação. O leite deverá ser pasteurizado ou fervido. O homem é suscetível à infeção pela B. melitensis, B. suis, B. abortus e B. canis. O período de incubação é geralmente de uma a três semanas e, excepcionalmente, de vários meses. É uma doença de caráter septicêmico apresentando febre contínua, inter- mitente ou irregular. Na Brucelose aguda, como em outras doenças febris, os sintomas consistem em calafrios, sudorese e elevação térmica. Um sintoma freqüente é a astenia, cansaço ao menor esforço. A temperatura pode variar de normal, pela manhã, até 40º C à tarde e os suores se apresentam à noite. É acompanhado de insônia, impotência sexu- al, constipação, falta de apetite, dor de cabeça e dores generalizadas, irritação, nervosis- mo e depressão. Muitos pacientes apresentam os gânglios aumentados de volume e aumento de volu- me do baço e do fígado. A doença pode se prolongar por algumas semanas, meses ou ainda durante alguns anos. Podem ser observadas ainda complicações sérias como encefalite, meningite, neurite, artrite e endocardite. Existe tratamento médico. Como medidas preventivas para a população de alto risco podemos citar práticas de higiene pessoal, o uso de desinfetantes e vestimentas protetoras. Na Rússia e na China é utilizada como medida preventiva a vacinação desta população de risco com a vacina 19 BA de B. abortus (derivada da cepa 19 usada em bovinos), aplicada por escarificação da pele. Na China também é usada para a vacinação humana a vacina viva de virulência atenuada da cepa de B. abortus 104M, pela via percutânea, e ainda, na Rússia e na França, com bons resultados, frações antigênicas de Brucella sp. Considerando-se que os animais são os reservatórios da doença, o controle da doença nas populações animais repercutirá favoravelmente na erradicação da Brucelose no homem. Bibliografia consultada e recomendada ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Campilobacteriose Bruno Soerensen O gênero Campylobacter é de grande importância em Saúde Pública. São germes Gram-negativos de forma curva ou em espiral. São duas espécies patogênicas, o Campylobacter jejuni e o Campylobacter fetus. O Campylobacter jejuni tem gran- de interesse médico pois é causador de enterite. Entretanto, os quadros clínicos determi- nados pelas duas espécies, C. jejuni e C. fetus, são diferentes. Esta doença é de distri- buição mundial. O Campylobacter jejuni é responsável por uma enterite chamada também vibriônica. O Campylobacter coli ocasionalmente também causa enterite, especialmente no ho-
  • 350. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 5 3 mem, mas é de importância secundária. O gênero Campylobacter compreende deze- nas de sorotipos e a tipificação é de importância do ponto de vista epidemiológico, por- que separa rastreamento da fonte de infecção. O Campylobacter fetus é responsável por infertilidade em bovinos e por aborto epizoótico em ovinos, com duas subespécies, a fetus (intestinalis) e a subespécie venerealis. As duas espécies de Campylobacter são de distribuição mundial. Campylobacter jejuni Esta espécie é responsável por enterite e diarréia no homem, especialmente nos países desenvolvidos, onde a incidência é comparável à enterite pelo gênero Salmonella ou ainda é superior. Na Inglaterra foi constatado que 20% dos casos de enterite estavam relacionados à Campilobacteriose, embora também o agente possa ser isolado de pesso- as sem diarréia. As epidemias de maior importância tiveram como fonte de contamina- ção o leite e a água contaminada. A doença compromete especialmente as crianças nos meses de temperatura elevada, sendo os mamíferos e aves domésticas e silvestres o reservatório de maior importância do ponto de vista da Saúde Pública. A doença no homem Se manifesta por enterite de caráter agudo, com um período de incubação de dois a cinco dias. As manifestações clínicas são diarréia, febre, dor abdominal, vômito e sangue e muco nas fezes em número elevado de pacientes. De maneira geral os pacientes se recupe- ram num período de 10 dias. Há casos que simulam apendicite e outros podem levar à septicemia, meningite e aborto. A doença nos animais Os bovinos, especialmente bezerros, apresentam sintomatologia comparável à do homem. Foram observados casos de mastite. Em ovinos podem ocorrer abortos no fim da gestação e/ou nascem bezerros mortos ou muito fracos. Os cães e gatos podem apresentar diarréia e servem como fonte de contaminação para seus donos. Macacos e potros também podem ser comprometidos pela Campilobacteriose. Nas aves pode-se observar enterite, lesões hemorrágicas e necróticas no fígado e diminuição da produção de ovos. Em suínos e búfalos também foi observada a doença. Diagnóstico e controle Na fase inicial da doença pode-se isolar o Campylobacter do sangue e, posterior- mente, das fezes. Há necessidade do cultivo em meios seletivos incubando-se numa atmosfera de 5% de oxigênio, 10% de C02 e 85% de nitrogênio, de preferência a uma temperatura de 43º C. O diagnóstico sorológico pela imunofluorescência é de utilidade. Quanto à prevenção da doença, recomenda-se evitar o consumo de água não trata- da, de leite não pasteurizado ou ainda o consumo de frangos não suficientemente cozi- dos. Os cães e gatos apresentando diarréia se constituem em fonte de contaminação e, portanto, devem ser aplicadas medidas de higiene como: 1 - Manter os animais em boas condições de saúde, isolar os doentes, tratá-los ade-
  • 351. 3 5 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI quadamente e manter as crianças afastadas dos animais doentes. 2 - Evitar que os animais habitem dentro das casas. 3 - Recolher ou enterrar as fezes dos animais, jogar no vaso sanitário ou em local onde as crianças não tenham acesso. 4 - Evitar que os animais freqüentem área onde brincam crianças, especialmente as mais novas. 5 - Impedir que os animais comam no mesmo prato que é usado pelas pessoas, ou que contaminem mesas ou locais onde são preparados os alimentos. 6 - Recomendar às crianças que sempre lavem as mãos antes das refeições ou antes de tocarem em alimentos (frutas entre outros), especialmente após terem brincado com animais. Campylobacter fetus Este microorganismo é responsável, como foi referido anteriormente, por problemas da reprodução, especialmente em bovinos e em ovinos. A doença no homem Independentemente de sua ocorrência rara, aparentemente não parece repre- sentar problemas de Saúde Pública. A Campilobacteriose no homem se encontra associada a fatores predisponentes que levam a uma queda de resistência como gestação, alcoolismo crônico, neoplasias e doenças cardiovasculares. Tem-se isola- do o Campylobacter fetus de gestantes, crianças prematuras e pessoas com mais de 45 anos de idade. A Campilobacteriose pode ocasionar no homem processos septicêmicos, podendo nestes casos ser isolado o Campylobacter do sangue circulante, quando colhido no periodo febril. Também foi isolado do líquido sinovial, do líquor e de fezes de pacientes com enterite aguda. A doença nos animais Nos bovinos e ovinos a doença pode causar grandes perdas por infertilidade e abor- tos. A Campilobacteriose causada pelo Campylobacter fetus variedade venerealis é a de maior importância nos bovinos, sendo de interesse secundário o Campylobacter fetus variedade fetus, invertendo-se esta importância em ovinos. Nos bovinos causa a infertilidade epizoótica. Fonte de infecção e transmissão A fonte de contaminação para o homem está constituída pelos animais infectados e se adquire o agente por ingestão de alimentos e água contaminada. A fonte de infecção para os bovinos são os touros portadores e as fêmeas que podem se manter infectadas de uma a outra parição. Os fetos abortados e as descargas vagi- nais de bovinos e ovinos se constituem também em fonte de contaminação. As fezes e os pastos contaminados também são de importância mas, sem dúvida alguma, é uma doença que se transmite pelo contato sexual, incluindo-se a inseminação artificial. Diagnóstico e controle
  • 352. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 5 5 O método de diagnóstico laboratorial é idêntico ao da Campilobacteriose pelo Campylobacter jejuni, incluindo-se como material de isolamento o corrimento vaginal, fetos e envoltórios abortados, secreção prepucial e líquido seminal. Quanto à doença no homem, os dados disponíveis ainda não autorizam recomenda- ções e medidas de controle. Nos animais, a melhor maneira de prevenir a doença é a inseminação artificial utilizando-se sêmen proveniente de animais não portadores. As vacinas somáticas adicionadas de adjuvantes são úteis especialmente em ovinos. O des- tino sanitário imediato de fetos e envoltórios abortados, o isolamento de ovelhas que abortaram e a proteção da água são medidas recomendáveis. Bibliografia consultada e recomendada ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Carbúnculo Kathia Brienza Badini Marulli O Carbúnculo, também chamado de Antrax, Pústula Maligna e Carbúnculo Hemático, tem como agente causador uma bactéria, o Bacillus anthracis. A doença é de distribui- ção mundial e é considerada uma zoonose, uma vez que compromete o homem e os animais, principalmente bovinos, ovinos e caprinos. Nos países de economia avançada, a moléstia é de ocorrência rara, em conseqüência do controle da doença nos animais. Os casos relatados se relacionam à importação de subprodutos de origem animal contaminados, como couros, lãs e crinas. O Carbúnculo humano, portanto, é mais freqüente em áreas enzoóticas, em países em desenvolvimento e, especialmente, em pessoas que trabalham com gado, consomem carne mal cozida proveniente de animais doentes, manipulam animais doentes, ou ainda, em trabalhadores que negociam ou processam lã, pêlo de caprinos e couros. Ainda ocorrem surtos epidêmicos de Carbúnculo no homem, como no Haiti, onde entre os anos de 1973 a 1977 ocorreram 1.587 casos. Na Rússia, ao redor de 1.000 pessoas faleceram de Carbúnculo decorrente possivelmente da ingestão de carne de animais doentes, provenientes de abate clandestino. Nestes casos, foi observado um quadro clínico gástrico, já assinalado em outra oportunidade na Ásia, na África e mesmo na América. A doença no homem A doença no homem apresenta um período de incubação de 2 a 5 dias, observando- se três formas clínicas: a cutânea, a pulmonar e a gastro-intestinal. A cutânea é a mais freqüente, devido ao contato com animais mortos por Carbúnculo ou ainda com lã e couros contaminados (pincel de crina contaminado, usado para fazer barba, por exem- plo). No local da pele lesada e contaminada observa-se prurido e, a seguir, uma pápula
  • 353. 3 5 6 SOERENSEN & BADINI MARULLI que se transforma em escara deprimida e de cor preta. Esta lesão cutânea geralmente não causa muita dor, contribuindo este fato a se evitar a consulta de um médico. Entre- tanto, se o paciente não for tratado, a doença progride, levando a um processo septicêmico e à morte em 5 a 20% dos casos. A forma pulmonar decorre da inalação de esporos do Bacillus anthracis, especial- mente em ambientes onde se manipulam lãs e pêlos de animais doentes. A sintomatologia inicial pode ser confundida com uma infecção comum de vias respiratórias superiores; entretanto, após 3 a 5 dias os sintomas pioram, observa-se febre e, posteriormente, choque e elevada mortalidade. Finalmente, o Carbúnculo intestinal é contraído pela ingestão de carne proveniente de animais doentes abatidos de maneira clandestina. Nestes casos observa-se gastroenterite hemorrágica, acompanhada de vômitos, causando uma letalidade que varia de 25 a 75%. A bactéria Bacillus anthracis elabora uma toxina potente na qual se evidenciam três frações: fator I, responsável pelo edema; fator II, responsável pela proteção (este fator deverá estar contido nas vacinas destinadas à proteção contra a doença), e fator III, também chamado de fator letal (responsável pela morte do paciente). A doença nos animais A doença compromete diversas espécies animais como os bovinos, caprinos, ovinos, eqüinos e, ainda, animais silvestres de zoológicos. A doença também já foi relatada em cães e suínos. A sintomatologia nos animais é a seguinte: na forma aguda em bovinos e ovinos, observa-se febre alta, falta de ruminação, excitação seguida de depressão, dificuldade respiratória, incoordenação de movimentos, convulsão e morte. Pode-se observar ainda hemorragia pelos orifícios naturais e edemas em locais diferentes. A forma crônica, mais freqüente em bovinos, eqüinos e cães, apresenta edema da faringe e da língua, acompanhado freqüentemente de espuma sanguinolenta na boca e, a seguir, morte por asfixia. Nos suínos, pode-se observar o Carbúnculo intestinal. À necrópsia, nos casos de manifestação aguda, observa-se a presença de sangue nas aberturas naturais. A decomposição é rápida, com produção de gás. A rigidez cada- vérica é incompleta. Hemorragias nos órgãos internos; esplenomegalia, com coloração escura e consistência mole ou semi-fluída; fígado, rins e linfonodos congestos e aumen- tados de volume, contendo sangue preto geralmente não coagulado. Os animais geralmente contraem a moléstia pela ingestão de capim e água contami- nados pelo Bacillus anthracis, especialmente em campos onde não foram tomadas medidas para se evitar a disseminação da doença, e que se transformam nos chamados “Campos Malditos”, onde existe de maneira permanente o Carbúnculo. Isto decorre do abandono no pasto de cadáveres de animais que morrem de Carbúnculo ou, ainda, da abertura desses animais, contaminando o ambiente, somado à ação das chuvas que le- vam os esporos a lugares de maior declive. Estes esporos germinam e a bactéria se multiplica. Os animais pastando se contaminam e adquirem a doença. Estas bactérias também podem ser levadas à distância por animais, inclusive pelas aves. Os surtos de maior gravidade são observados em verões secos após chuvas abun- dantes. Outra fonte de contaminação para os animais consiste na administração de fari- nhas de ossos e de sangue contaminadas, utilizadas na composição da alimentação ani- mal.
  • 354. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 5 7 Diagnóstico e controle A confirmação do diagnóstico do Carbúnculo no homem e nos animais é feita por meio de exame bacteriológico, inicialmente pelo exame microscópico do material (con- teúdo líquido da lesão no homem e nos animais, líquido aspirado da pústula maligna e sangue). Pode ser feita ainda a cultura do material e a inoculação experimental em cobaia ou camundongo. A técnica de esfregaços de sangue diante de anticorpos fluores- centes pode resultar em método útil. A prova de Ascoli é de valor no exame de couros. Nos casos de Carbúnculo de evolução lenta, podem ser de utilidade as provas de hemaglutinação indireta, imuno- precipitação em ágar e a prova de Farr com antígeno marcado em iodo 131. O controle da doença no homem tem como base a prevenção da infecção nos ani- mais. Deve-se evitar o contato com animais infectados e produtos contaminados; pro- mover a higiene ambiental e pessoal nos lugares onde se manipulam subprodutos de origem animal; tratar as lesões cutâneas e, finalmente, desinfetar pêlos e lãs destinados à comercialização. Os grupos populacionais de risco podem ser vacinados quando existe indicação. Nos animais, a melhor maneira de prevenir o Carbúnculo é por meio da vacinação anual de todas as espécies onde foi assinalada a moléstia. O diagnóstico precoce e o tratamento com antibióticos como a penicilina também são recomendados. Os animais doentes devem ser isolados e, naqueles que vierem a morrer, não se deve praticar a necrópsia. Se o cadáver não for aberto, entra em putrefação rápida e a forma vegetativa do Bacillus anthracis é destruída em pouco tempo. O diagnóstico laboratorial é feito colhendo-se sangue com seringa esterilizada e enviando ao laboratório, onde serão realizadas a bacterioscopia e a cultura. Os animais mortos devem ser incinerados no mesmo local onde morreram ou, então, enterrados a dois metros de profundidade, cobrindo-se com cal. Bibliografia consultada e recomendada ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Colibacilose Bruno Soerensen A Colibacilose recebe também o nome de diarréia enteropatogênica. O agente res- ponsável é a Escherichia coli, da família Enterobacteriaceae. É um bacilo Gram- negativo, considerado como componente da flora microbiana normal do intestino grosso dos animais e do homem. A Escherichia coli, entretanto, pode causar enterite, classificando-se em: enterotoxigênicas, enteroinvasoras e enteropatogênicas. As cepas enterotoxigênicas ela-
  • 355. 3 5 8 SOERENSEN & BADINI MARULLI boram dois tipos de toxinas, uma termolábil e outra termoestável. Estas cepas enteroxigênicas, para poderem produzir toxinas, fazem uso de suas fímbrias, que entram em contato com as células epiteliais. As características antigênicas das fímbrias, adap- tadas a bezerros e cordeiros, são predominantemente K99 embora possa ser isolado também outro grupo antigênico como K88 e 987P. Nos leitões, as famílias relacionadas à Colibacilose Enterotóxica são K88, K89 e 987P e, no homem, CEFA1 e CFA2. As enteroinvasoras invadem a mucosa determinando uma sintomatologia disentérica, à semelhança da determinada pelas bactérias do gênero Shigella. Estas cepas de E. coli multiplicam-se na mucosa intestinal, causando um processo inflamatório e colite. Quanto às enteropatogênicas, o mecanismo pelo qual determinam diarréia não se encontra bem esclarecido. A Colibacilose é de distribuição mundial, prevalecendo nos países em desenvolvi- mento. A doença no homem A Escherichia coli enterotoxigênica compromete preferentemente crianças com menos de dois anos de idade. Tem sido relatada também em viajantes (“Diarréia do viajante”) quando estes visitam áreas endêmicas, indicando uma possível imunidade da população que vive nessas regiões. As cepas de E. coli enteroinvasoras são de ocorrência rara podendo ser responsá- veis por surtos de diarréia em adultos, em crianças em idade escolar e ainda em hospi- tais. Nestes casos foi constatada estar relacionada à ingestão de água e de queijo conta- minados. Quanto às cepas de E. coli enteropatogênicas, são responsáveis por epidemia de enterite infantil, sendo raro o seu isolamento de surtos na comunidade. O período de incubação da Colibacilose é de 12 a 72 horas e, quando se trata de cepas enterotoxigênicas de E. coli, pode se apresentar com sintomatologia semelhante à Cólera, com diarréia intensa aquosa, cólicas abdominais, vômitos, acidose e desidrata- ção. As fezes não contêm muco nem sangue e pode ou não haver febre. Esta sintomatologia, de maneira geral, desaparece em questão de dois dias. As cepas enteroinvasoras determinam um quadro clínico disentérico, com diarréia mucóide, acompanhada ou não de sangue. As cepas enteropatogênicas têm sua importância especialmente em berçários, pro- vocando surtos da doença. A E. coli, paralelamente à sua atividade entérica, é de importância como responsável por infecções urogenitais. A doença nos animais A E. coli pode causar mastites, infecções urogenitais, abortos, independentemente de outras patologias. Diarréia dos bezerros (diarréia branca) é de caráter agudo e de elevada mortalidade, comprometendo animais com menos de dez dias. Esta doença é comum em animais que não receberam colostro, que é rico em anticorpos da classe IgM. Nas primeiras 36 horas de vida, a mucosa intestinal do bezerro é permeável às imunoglobulinas, que penetram na corrente sanguínea e protegem contra os germes do ambiente. Esta patologia é das
  • 356. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 5 9 mais importantes, levando um número elevado de bezerros à morte por diarréia ou sep- ticemia. Aqueles que sobrevivem podem apresentar artrite ou meningite. A mastite por E. coli é de relativa freqüência em vacas velhas acompanhada de processo febril, anorexia, interrupção da produção leiteira e perda de peso. A doença foi assinalada também em cordeiros, manifestando-se por diarréia branca, septicemia, sintomatologia nervosa, ascite e hidropericardite. Em eqüinos, causa morte de recém-nascidos e abortos. Da mesma maneira, ocorre em leitões, com as mesmas características da diarréia dos bezerros, considerando-se neste caso a desmama como fator desencadeante, devido ao estresse que ocasiona. Finalmente, foram isolados de aves sorotipos patogênicos de E. coli de casos de salpingites e de pericardites. Foram verificadas em aves lesões granulomatosas no fíga- do, no ceco, baço, medula óssea e pulmões. Estas lesões lembram Tuberculose, e delas foram isoladas cepas mucóides de E. coli. Fonte de infecção e transmissão A principal fonte de contaminação para o homem são as fezes humanas de doentes ou portadores da Colibacilose ou objetos contaminados, sendo a transmissão mais co- mum por meio da via fecal-oral. Nos casos de diarréia em berçários pode-se admitir uma transmissão aerógena pela permanência de bactérias no pó. Considerando-se que existem cepas de E. coli similares comprometendo o homem e os animais, é possível que determinados alimentos, como o leite, produtos derivados do leite e carne, possam conter E. coli patogênicas. Entre os animais, aqueles que apresentam diarréia, constituem importante fonte de infecção. É possível ainda que cães e gatos doentes possam se constituir em reservató- rios, principalmente para crianças. Diagnóstico e controle O diagnóstico da Colibacilose é feito pelo isolamento da Escherichia coli em meios de cultura seletivos. Pelo método de ELISA pode-se pesquisar a existência da proteína K99 em fezes de bovinos, a proteína K88 em fezes de suínos ou ainda a enterotoxina TL em fezes humanas. Para o controle da doença, recomenda-se a higiene pessoal, destino sanitário de excretas, saneamento ambiental, higiene materno-infantil, proteção dos alimentos, pas- teurização do leite e inspeção veterinária de produtos de origem animal. Para controle na área veterinária, aconselha-se a ingestão de colostro e a vacinação de vacas. A vacina para bovinos deve conter antígenos K99 e para suínos, antígeno K88. No caso de ovelhas, vacinar com a vacina de antígeno K99. São estudadas as possibilidades de uso humano de vacinas de administração oral, tanto com toxóides da toxina termoestável e termolábil de E.coli toxigênicas, assim como aquelas contendo fatores anti-adesivos (fímbrias purificadas). Bibliografia consultada e recomendada ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503).
  • 357. 3 6 0 SOERENSEN & BADINI MARULLI VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Corinebacteriose Bruno Soerensen A Corinebacteriose tem como agente causador uma bactéria pertencente ao gênero Corynebacterium com as espécies C. diphtheriae (agente da difteria humana) e as espécies patogênicas para os animais, entre outras, a C. pseudotuberculosis (C. kutsheri), C. kutscheri, C. equi, C. pyogenes e C. bovis. Independentemente das espécies referidas, encontram-se algumas não patogênicas e ainda outros grupos de Corinebactérias responsáveis por doenças em plantas. Recentemente foi atribuída patogenicidade para o homem pela espécie C. ulcerans. A doença no homem Independentemente da difteria causada pelo Corynebacterium diphtheriae, doen- ça que não compromete os animais, são raríssimos os casos de Corinebacteriose no homem. São conhecidos somente 12 casos de infecção humana pelo C. equi (responsá- vel por uma broncopneumonia altamente mortal em potros e que, nas éguas, pode causar infecções uterinas), dos quais 11 pacientes se encontravam em tratamento com imunodepressores. O comprometimento pulmonar foi o mais observado, com uma evo- lução que durou de alguns dias a semanas, com febre, fadiga e tosse não produtiva. Em um dos pacientes foram observados abscessos cerebrais múltiplos. A letalidade foi ele- vada. As infecções humanas pelo C. bovis (responsável por mastites em vacas e que pode ser isolado com relativa frequência do leite), são extremamente raras, podendo causar nefrite aguda, endocardite, afecção do sistema nervoso e otite crônica. Numa oportuni- dade foi observado causando úlcera persistente na perna de um paciente. Casos também esporádicos no homem podem ser observados pelo C. pseudotuberculosis, por cepas intermediárias entre o C. pseudotuberculosis e o C. ulcerans e ainda por outros, como uma cepa mutante do C. pyogenes, que podem ser responsáveis por úlceras, linfadenites e amidalites. Estes microorganismos são também responsáveis pela linfoadenite caseosa dos ovinos e caprinos, linfangite ulcerativa e abs- cessos em eqüinos, especialmente pelo último deles, o C. pyogenes, que pode produzir, em bovinos, abscessos e processos supurativos em diferentes órgãos e tecidos, endometrite, piometra, artrite e mastite. A doença nos animais Contrariamente à reduzida importância desta moléstia na espécie humana, em Medi- cina Veterinária se reveste de grande importância, como a Corinebacteriose pelo C. pseudotuberculosis nos ovinos e caprinos determinando abscessos subcutâneos por vezes localizados nos órgãos internos. Estes abscessos podem drenar espontaneamente deixando sair um pus caseoso esverdeado. Nos eqüinos pode-se observar uma linfangite ulcerativa nas regiões do metacarpo e metatarso falangeanas que, ao drenar, deixa sair
  • 358. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 6 1 um pus espesso de cor esverdeada, dando lugar a um processo de difícil cicatrização. Ainda em eqüinos, o C. pseudotuberculosis pode ser responsável por abscessos volu- mosos e muito sensíveis no peito e nas regiões abdominal e inguinal. No Brasil foram relatados, em camundongos, abscessos, geralmente localizados no subcutâneo, provoca- dos pelo C. pseudotuberculosis (C. kutsheri). O C. equi causa uma broncopneumonia bilateral supurativa e, como acima referido, infecções uterinas em éguas. O Corynebacterium pyogenes, independente de causar processos supurativos em bovinos, é responsável, na Europa, pela “mastite do verão” e nos Estados Unidos e no Brasil por mastite que ocorre em qualquer estação do ano. Na região de Marília, não é raro se encontrar mastites em bovinos tendo como agente causador o C. pyogenes. Em ovinos e caprinos pode ser responsável por pneumonia e artrites purulentas e, em suínos, pode-se encontrar associado a diferentes processos purulentos. Fonte de infecção e transmissão A transmissão dos animais ao homem pode ser possível, embora isto não seja uma hipótese necessária, uma vez que podem ser isoladas as Corinebactérias naturalmente da terra. Já nos animais, a doença pode ser transmitida por ocasião da tosquia ou de ferimentos. Nos camundongos, a doença se transmite por ferimentos causados na briga de animais e pode-se isolar a Corinebactéria da saliva e da pele de animais normais. Diagnóstico e controle O isolamento da Corinebactéria pode ser feito em laboratório, no meio ágar sangue. São bacilos Gram-positivos, com delicada granulação. Atualmente são usadas provas sorológicas e cutâneas, com o objetivo de se detectar os animais portadores da doença. No homem, o reduzido número de casos observados na literatura mundial não justifi- ca nenhuma medida preventiva. Nos animais, têm-se tentado vacinas preventivas; entretanto, até a presente data, nenhuma apresentou resultado protetor. Devem-se evitar lesões em ovinos na oportuni- dade da tosquia. As medidas higiênicas são recomendadas, especialmente contra a in- fecção pelo C. equi, associadas à retirada de éguas prenhes de ambientes contamina- dos. Bibliografia consultada e recomendada ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Dermatofilose Bruno Soerensen Os principais responsáveis pela Dermatofilose são o Dermatophilus congolensis
  • 359. 3 6 2 SOERENSEN & BADINI MARULLI com as espécies D. dermatonomus e D. pedis. É uma bactéria da ordem Actinomycetales caracterizada por filamentos ramificados septados transversal e longi- tudinalmente. Estes filamentos se fragmentam, quando maduros, deixando sair os esporos flagelados, moveis, chamados zoosporas constituindo-se em elemento infectante. A doença ocorre na África, Austrália, Nova Zelândia e nas Américas, podendo ser considerada como de distribuição mundial. A doença no homem São raros os casos referidos no homem. Clinicamente se caracteriza por lesões pustulosas múltiplas (2 a 25) nas mãos e no antebraço constituídas de exudato branco amarelado deixando uma cavidade vermelha. As lesões evoluem num período de 3 a 14 dias, deixando uma escara vermelho-púrpura. As principais referências da doença foram em 1961, em Nova York, Estados Unidos, constatando-se em quatro pessoas que contraíram a doença após entrarem em contato com um cervo portador de Dermatofilose. Logo a seguir num estudante da Universidade de Kansas, Estados Unidos, três casos na Austrália e dois no Brasil. A doença nos animais Pode comprometer diversas espécies de animais domésticos e silvestres, mas com maior freqüência os bovinos, ovinos e eqüinos especialmente nas regiões tropicais e subtropicais. A doença leva a perdas econômicas por afetar a qualidade do couro, da lã e peles de maneira geral. Em países africanos foram registrados perdas em 16% (Kênia) e até 90% (Tanzânia) dos couros de bovinos. Na Inglaterra foi estimada uma perda de 20% do valor comercial da lã. A doença também foi relatada em gatos domésticos, com um comprometimento dos tecidos mais profundos, como na língua, bexiga e gânglios. Fonte de infecção, transmissão e diagnóstico O D. congolensis é um parasita obrigatório, sendo isolado somente das lesões. Os casos humanos sempre foram relacionados ao contato direto com lesões de ani- mais. É possível que a transmissão entre animais seja devida ao transporte mecânico do material infeccioso (zoosporas) por meio de artrópodes, incluindo-se carrapatos, moscas e pernilongos que são mais freqüentes nas estações úmidas e quentes do ano. A trans- missão pode acontecer também por meio de tesouras na oportunidade da tosquia. Quanto ao diagnóstico, a suspeita clínica pode ser confirmada em laboratório pela observação microscópica do agente etiológico em esfregaços corados pelo método de Giemsa ou ainda pela imunofluorescência de esfregaços ou de cortes histológicos. O isolamento do agente pode-se fazer no meio de ágar sangue, embora resulte difícil devido às contaminações do material como exudatos e crostas. Os levantamentos epidemiológicos podem ser feitos utilizando-se as provas de hemaglutinação passi- va, imunodifusão em ágar e contra imunoeletroforese. Controle Para a prevenção da Dermatofilose no homem, recomenda-se evitar manipular le-
  • 360. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 6 3 sões em animais sem proteção de luvas e especialmente redobrar o cuidado quando existe solução de continuidade da pele das mãos. Quanto aos animais, na África, foi demonstrado que o controle de carrapatos pode prevenir eficazmente a Dermatofilose bovina. No caso de ovinos, recomenda-se a tosquia dos animais doentes em separado e queimar a lã comprometida. São recomendados ainda banhos de imersão com 1% de alumem e, para os casos crônicos, a administração de 70 mg de estreptomicina e 70.000 unidades de penicilina pela via intramuscular dois meses antes da tosquia. Encontra-se em estudo uma vacina preventiva contra a Dermatofilose. Bibliografia consultada e recomendada ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Febre por mordedura de rato Kathia Brienza Badini Marulli Trata-se de enfermidade ocasional, provocada por dois agentes etiológicos distintos: Streptobacillus moniliformis e Spirillum minus, ambos de ocorrência mundial. A infecção causada por S. moniliformis recebe a denominação de Febre de Haverhill e seu reservatório são os ratos sadios, que albergam o agente etiológico na nasofaringe. A transmissão geralmente ocorre por meio da mordedura, porém foi descrito um surto epidêmico devido ao consumo de leite cru, provavelmente contaminado com fezes de ratos, em Haverhill, Estados Unidos da América. A doença no homem Dos 13 casos registrados nos EUA desde 1958, 6 foram devidos à mordedura de ratos de laboratório e 12 foram causados por S. moniliformis. Geralmente ocorrem casos esporádicos, que têm início febril, semelhante a uma gri- pe. A incubação varia de 2 a 14 dias. A ferida no local da mordedura tem cura espontâ- nea, sem complicações. Exantema, linfadenite regional, artralgias migratórias e mialgias são comuns. Nos casos mais graves, observa-se poliartrite e pode ocorrer endocardite. Em casos não tratados a mortalidade chega a 10%. A doença nos animais Os ratos às vezes apresentam lesões purulentas. Os camundongos são sensíveis à S. moniliformis, apresentando altas morbidade e mortalidade e sintomas como poliartrite, gangrena e amputação espontânea dos membros. Suspeita-se que camundongos de la- boratório podem contaminar-se por via aerógena, quando alojados num mesmo ambiente com ratos.
  • 361. 3 6 4 SOERENSEN & BADINI MARULLI Em cobaias, pode desenvolver-se uma linfadenite cervical com abscessos dos gânglios linfáticos da região. Foram descritos também surtos da doença em perus, cujo principal sintoma foi artrite. A Febre por mordedura de rato quando causada por Spirillum minus é também conhecida como Sodoku. Esta enfermidade no homem é semelhante à anterior, sendo que, neste caso, o período de incubação é geralmente maior, de uma semana a dois meses. A febre começa bruscamente, desaparece e retorna várias vezes, durante um a três meses. Ocorre uma erupção exantemática generalizada que pode reaparecer a cada ataque febril. A ferida ocasionada pela mordedura cicatriza no período de incubação, apresentando uma infiltração edematosa e, muitas vezes, ulceração. Os linfonodos en- contram-se hipertrofiados. Em ratos, a infecção é inaparente e o agente pode ser isolado do sangue dos animais. O reservatório da doença são os ratos e outros roedores. A saliva é a fonte de contaminação para o homem e a transmissão se dá pela mordedura. Existe a descrição de casos humanos devido à mordida de furões, cães, gatos e outros carnívoros que possivelmente haviam-se contaminado ao apreender roedores e, portanto, atuariam como transmissores mecânicos. Diagnóstico Para a enfermidade causada por S. moniliformis, deve-se isolar o agente em meios enriquecidos com sangue ou soro, a partir do sangue ou de lesões articulares do indivíduo suspeito. No caso do Sodoku, deve-se proceder ao exame microscópico em campo escuro do infiltrado da ferida. A inoculação intraperitoneal de camundongos com sangue ou infiltrado da ferida e a observação microscópica do sangue e líquido peritoneal duas semanas após a inoculação oferecem um diagnóstico bastante seguro. O Spirillum minus não se de- senvolve em meios de cultura. Controle Controle da população de ratos e construção de habitações à prova destes animais. No caso da Febre de Haverhill, recomenda-se a pasteurização do leite e proteção dos alimentos contra roedores. Ratos, camundongos e cobaias de laboratório devem ser alojados em ambientes dife- rentes e o pessoal encarregado deve receber instruções sobre o manejo adequado dos animais. Bibliografia consultada e recomendada ACHA, P. & SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington: OPAS - OMS, 1989. (Publ. cient. no 503). VERONESI, R. Doenças infecciosas. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1991. Febre recorrente transmitida por carrapatos
  • 362. MANUAL DE SAÚDE PÚBLICA 3 6 5 Kathia Brienza Badini Marulli Também denominada Febre Recorrente Endêmica, Borreliose ou Espiroquetose, é causada por espiroquetas do gênero Borrelia. Devido à especificidade que existe entre a espécie de carrapato transmissor e a espécie de Borrelia que alberga, foi proposto classificar o agente etiológico segundo seu vetor. Assim, o agente transmitido pelo Ornithodoros hermsii seria a Borrelia hermssi; o veiculado pelo O. brasiliensis seria B. brasiliensis, etc... Outros pesquisadores, entretanto, afirmam que todas as cepas são apenas variantes de uma única espécie, Borrelia recurrentis, agente da Febre Recorrente Epidêmica, transmitida por piolhos. A enfermidade ocorre em todo o mundo, exceto na Austrália, Nova Zelândia e Oceania. Transmissão O reservatório das borrelias da Febre Recorrente Endêmica são os animais silvestres e os carrapatos do gênero Ornithodoros, que também são os vetores da infecção. As borrelias sobrevivem muito tempo nos carrapatos que, por sua vez, são muito resistentes à dessecação e a longos períodos de jejum em ambientes de pouca u