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Comunicação
& educação
Revista do Departamento de Comunicação e Arte do ECA/USP – Ano XVIII – n. 1 – jan/jun 2013
Comunicação
& educação
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
Comunicação & Educação / Revista do Departamento de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo. – Ano 18, n. 1 (jan – jun. 2013). – São Paulo : CCA/ECA/USP : Paulinas, 2013 - 27 cm
	Semestral.
ISSN 0104-6829
1. Comunicação 2. Educação I. Universidade de São Paulo. Escola de Comunicações e Artes. Departamento de Comunicações
e Artes. II. Paulinas.
CDD – 21 ed. – 302.2
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor: Prof. Dr. João Grandino Rodas
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
Diretor: Prof. Dr. Mauro Wilton de Sousa
Vice‑Diretora: Profa. Dra. Maria Dora Genis Mourão
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÕES E ARTES
Chefe: Profa. Dra. Roseli Fígaro
Vice-chefe: Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares
CONSELHO EDITORIAL
Adílson Jose Ruiz (Universidade Estadual de Campinas, Unicamp); Adilson
Odair Citelli (Universidade de São Paulo, USP); Alberto Efendy Maldonado de
la Torre (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Albino Canelas
Rubim (Universidade Federal da Bahia, UFBA); Alice Vieira (Universidade de
São Paulo, USP); Antonio Fausto Neto (Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
Unisinos); Benjamin Abdala Junior (Universidade de São Paulo, USP); Christa
Berger (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Clovis de Barros Filho
(Universidade de São Paulo, USP/Escola Superior de Propaganda e Marketing,
ESPM); Cremilda Medina (Universidade de São Paulo, USP); Elza Dias Pacheco
(†) (Universidade de São Paulo, USP); Irene Tourinho (Universidade Federal de
Goiás, UFG); Ismail Xavier (Universidade de São Paulo, USP); Ismar de Oliveira
Soares (Universidade de São Paulo, USP); Jose Luiz Braga (Universidade do Vale
do Rio dos Sinos, Unisinos); José Manuel Morán (Universidade de São Paulo, USP/
Universidade Norte do Paraná, Unopar); José Marques de Melo (Universidade de
São Paulo, USP/Universidade Metodista de São Paulo, Umesp); Lindinalva Silva
Oliveira Rubim (Universidade Federal da Bahia, UFBA); Marcius Freire (Universidade
Estadual de Campinas, Unicamp); Margarida Maria Krohling Kunsch (Universidade
de São Paulo, USP); Maria Aparecida Baccega (Universidade de São Paulo, USP/
Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM); Maria Cristina Castilho Costa
(Universidade de São Paulo, USP); Maria Cristina Palma Mungioli (Universidade de
São Paulo, USP); Maria Immacolata Vassalo de Lopes (Universidade de São Paulo,
USP); Maria Louder Motter (†) (Universidade de São Paulo, USP); Maria Thereza
Fraga Rocco (Universidade de São Paulo, USP); Marília Franco (Universidade de
São Paulo, USP); Mayra Rodrigues Gomes (Universidade de São Paulo, USP);
Muniz Sodré Cabral (Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ); Nilda Jacks
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS); Raquel Paiva Araujo Soares
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ); Renata Pallottini (Universidade
de São Paulo, USP); Rosa Maria Dalla Costa (Universidade Federal do Paraná,
UFPR); Rosana de Lima Soares (Universidade de São Paulo, USP); Roseli
Fígaro (Universidade de São Paulo, USP); Ruth Ribas Itacarambi (Universidade
de São Paulo, USP/Faculdades Oswaldo Cruz, FOC); Solange Martins Couceiro
(Universidade de São Paulo, USP); Suely Fragoso (Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, Unisinos); Virgílio B. Noya Pinto (†) (Universidade de São Paulo, USP)
CONSELHO DE COLABORADORES INTERNACIONAIS
Cristina Baccin (Decana da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade
Nacional do Centro da Prov. de Buenos Aires, Argentina); Geneviève
Jacquinot-Daleunay (Université de Paris-VIII e Laboratoire Communication
et Politique - CNRS, Paris); Giovanni Bechelloni (Università di Firenze);
Guillermo Orozco Gómez (Universidade de Guadalajara, Jalisco, México);
Isabel Ferin da Cunha (Universidade de Coimbra); Jesús Martín-Barbero (Universidade
de Guadalajara, México); Jorge A. González (LabCOMplex – Universidade Nacional
Autónoma de México); José Ignácio Aguaded Gómez (Universidad de Huelva -
España); José Martínez de Toda y Terrero (Centro Interdisciplinar de Comunicação
Social – Pontifícia Universidade Gregoriana, Itália); Lúcia Villela Kracke (Chicago
State University); Luís Busato (Diretor de Comunicação – Universidade de Grenoble,
França); Marcial Murciano Martínez (Decano da Faculdade de Ciências da
Comunicação da Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha); Maria Teresa
Quiroz Velasco (Universidad de Lima, Peru); Mario Kaplún (†) (Especialista em
Comunicação e consultor independente no Uruguai); Milly Buonanno (Università
di Firenze); Raul Fuentes (Iteso – Universidade Católica de Guadalajara); Valerio
Fuenzalida Fernandez (Pontifícia Universidad Católica de Chile)
Comunicação & Educação é uma publicação do Departamento de Comunicações
e Artes da ECA-USP. Integrante da Rede Ibero-Americana de Revistas de
Comunicação e Cultura. Indexada no PortCOM/Portdata (Brasil), Portal Infoamerica
(Espanha) e Rebeca (ECA/USP).
CREDENCIAMENTO E APOIO FINANCEIRO DO:
PROGRAMA DE APOIO ÀS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS PERIÓDICAS DA USP
COMISSÃO DE CREDENCIAMENTO
Editores: Adilson Odair Citelli e Maria Cristina Castilho Costa
Comissão de publicação: Adilson Odair Citelli; Ismar de Oliveira Soares;
Maria Aparecida Baccega; Maria Cristina Palma Mungioli;
Maria Immacolata Vassalo de Lopes; Maria Lourdes Motter (†);
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Editora-executiva: Cláudia Nonato – MTB 21.992
Jornalista responsável: Ismar de Oliveira Soares – MTB 10.104
Assessora editorial: Carolina Boros
Estagiário: Adriano Leonel
Projeto gráfico – 	Capa: Telma Custódio
	Miolo: Midiamix Soluções Editoriais
Produção de arte: Jéssica Diniz Souza
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Coordenação de revisão: Marina Mendonça
Revisão: Ana Cecília Mari
Produção e distribuição
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Comunicação & Educação utilize o e-mail: livirtual@paulinas.com.br
Como publicar
Comunicadores e educadores que desejarem colaborar com a revista Comunicação &
Educação devem enviar seus textos (indicando a seção para a qual são destinados)
de acordo com os critérios para publicação no final da revista.
Endereço para correspondência:
Revista Comunicação & Educação (CCA-ECA-USP)
Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443 – Ala A – sala 12
Bloco Central – Cidade Universitária
05508-900 – São Paulo – SP – Brasil
Telefax: (+5511) 3091-4063
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Editorial
Com o primeiro número da revista Comunicação & Educação de 2013,
comemoramos dezoito anos de vida. Trata-se de um momento especialmente adequado para
lembranças e reminiscências. Foram dezoito anos que começaram com a iniciativa dos
professores do Departamento de Comunicações e Artes – CCA – da ECA/USP para produzir,
coletivamente, uma revista dirigida, sobretudo, aos educadores, auxiliando-os nas reflexões
e ações didático-pedagógicas, tendo em vista os recursos possibilitados pelas Comunicações.
Esse modelo foi planejado com diferentes seções, orientadas por preocupações academicamente
consistentes, procedimentos de trabalho colaborativo, atualização no afeito aos temas
pertinentes aos âmbitos das Ciências da Comunicação e da Educação. Estabeleceram-se
parcerias com editoras comerciais que se incumbiram da publicação e circulação da revista.
No CCA, sob a liderança da Profa. Dra. Maria Aparecida Baccega, primeira editora
da Comunicação & Educação, ocorria a concepção de cada número, assim como o
recebimento e análise preliminar dos textos enviados pelos autores, a distribuição aos
pareceristas, a revisão, diagramação, encaminhamento e acompanhamento final da edição,
e tudo isto em uma pequena sala ocupada pela secretária, editora e editora-executiva. Essas
tarefas compreendiam o auxílio de um diligente e competente conselho editorial, com nomes
importantes dentro e fora do Brasil.
Desde os primeiros números, Comunicação & Educação desenvolve uma trajetória
de reconhecimento e plena inserção nas áreas do saber com as quais se vincula e dialoga.
Foi credenciada pela Universidade de São Paulo como um dos seus periódicos científicos
representativos, fazendo parte, hoje, do Portal de Periódicos da USP. Está qualificada pelo
Comitê de Comunicação, assim como por outros comitês, a exemplo de Educação e Letras,
da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. E, reiterando os
seus propósitos iniciais, mantém viva a interlocução com pesquisadores, professores e alunos
dos diferentes níveis do sistema educativo, incluindo o ensino fundamental
e a pós-graduação.
Trata-se de uma das revistas com maior número de acessos na área de Comunicação,
segundo informa pesquisa bibliométrica do grupo EC3 (Evaluación de la Ciencia y de la
Comunicación Científica), da Universidade de Granada, Espanha, que, baseada no Google
Scholar Metrics (2007-2012), identificou a Comunicação & Educação entre as cem mais
referidas no mundo, e a quarta no Brasil, no âmbito das pesquisas em Comunicação.
A revista reúne centenas de artigos e entrevistas de nomes importantes dentro e fora do
Brasil, nos campos da Comunicação, da Educação e em áreas conexas, constituindo-se em
fonte permanente de pesquisa, em manancial bibliográfico refletido em teses, livros e artigos.
Além disso, mantém suas atividades dentro do CCA/ECA/USP, sendo produzida por uma
equipe editorial, contando com grande número de colaboradores e frutífera parceria, nos
últimos oito anos, com a Paulinas Editora.
Chegamos, enfim, à maioridade. Acompanhando o desenvolvimento dos meios de
comunicação e das tecnologias, as discussões sobre educação e cidadania, alcançamos os
dezoito anos com todo o vigor e energia dos jovens adultos. E, nesse aniversário, queremos
convidar você, leitor, principal responsável por essa trajetória, para comemorar conosco.
Vamos levantar um brinde e celebrar, juntos, outros tantos aniversários da Comunicação
& Educação. Evoé!
Os Editores
Sumário
Apresentação / Presentation
Educomunicação: quando pesquisa, extensão e ensino se imbricam! /
Educommunication: when research, extension and education are interlinked
Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares.................................................................................................. 7
Artigos Nacionais / Nacional Articles
Digital Storytelling e formação corporativa: possibilidades para a aprendizagem de adultos /
Digital Storytelling and corporate training: possibilities in adult education
Josias Ricardo Hack, Fernando Ramos e Arnaldo Santos............................................................... 15
Ficção científica: utopia ou distopia? Felicidade, angústia e prazer na pós-modernidade /
Science fiction: Utopia or dystopia? Happiness, anguish and pleasure in the post-modernity
Carlos Alberto Machado ............................................................................................................. 25
Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico: o caso Watchmen /
Comics as educatinal matirial: the Watchman case
Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi......................................................................................... 35
Cruzando espaços: proposta de contribuição para a Wikipédia /
Crossing spaces: a contribution proposal to Wikipedia
Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti.................................................................................... 43
Artigos Internacionais / International Articles
Redescobrindo o interesse pelas ciências: a chave para uma sociedade tecnológica /
Rediscovering the interest in sciences, keystone of technological society
Carlos Busón Buesa.................................................................................................................... 55
Dos paradigmas interculturais à ação educacional autogerida /
From intercultural paradigms to self managed educational action
Martha Lucia Izquierdo Barrera.................................................................................................. 63
Gestão da Comunicação / Communication Management
Cedeca Interlagos: Fotografia e educomunicação para o desenvolvimento humano /
Cedeca Interlagos: photografy and educommunication for human development
André Bueno.............................................................................................................................. 75
Entrevista / Interview
Pais, adolescentes, internet e escola: uma relação delicada /
Parents, teenagers, internet an school: a delicate relationship
Cláudia Nonato.......................................................................................................................... 87
Crítica / Review
Rebelde(s): consumo e valores nas telenovelas brasileira e mexicana /
Rebelde(s): consumption and values in Brazilian and Maxican telenovelas
Maria Aparecida Baccega, Fernanda Elouise Budag e Lucas Máximo Ribeiro.................................. 95
Depoimento / Testimony
Circo e sociabilidade em São Paulo /
Circus and sociability in São Paulo
Walter de Sousa Junior...............................................................................................................105
Experiência / Experience
Produção coletiva de webnovelas: um estudo sobre metodologias dialógicas e participativas /
Colletive production of web series: a study on dialogical and participatory methodologies
Maria Isabel Rodrigues Orofino..................................................................................................111
Poesia / Poetry
O poema do mau agouro /
The poem of misfortune
Adilson Citelli..........................................................................................................................121
Resenhas / Digests
Reinventando a educação para reinventar a mídia /
Reiventing education to reinvent media
Ismar de Oliveira Soares.............................................................................................................125
Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva em países ibero-americanos /
Transnacionalization and transmediation of television fiction in Ibero-American countries:
some notes
Maria Cristina Palma Mungioli e Issaaf Karhawi.......................................................................131
Meia-noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite: o cinema, as artes e a sedução da Modernidade /
Midnight in Paris. In Midnight Open Hour: the Cinema, the Arts and the Modernity Seduction
Maria Ignês Carlos Magno.........................................................................................................137
Atividades em sala de aula / Activities in the Classroom
Atividades com Comunicação & Educação – Ano XIII – n. 1/
Activities with articles of Communication & Education – Year XVIII – n. 1
Ruth Ribas Itacarambi...............................................................................................................145
apresentação
7
Educomunicação: quando
pesquisa, extensão e
ensino se imbricam!
Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares
Professor titular da ECA/USP, supervisor do Curso a distância "Mídias na Educação",
do MEC, no Estado de São Paulo, e coordenador da Licenciatura em
Educomunicação da ECA/USP.
E-mail: ismarolive@yahoo.com
Resumo: O texto faz um breve resumo do
percurso percorrido pela prática de edu-
comunicação, a começar pela pesquisa e
extensão cultural, parte das quais destina-
das a estudar ações geradas em programas
de extensão universitária, passando pelo
ensino regular e formal, com a criação dos
cursos de graduação e especialização, até
a sua difusão com a revista Comunicação
& Educação.
Palavras-chave: Educomunicação; pesqui-
sa; extensão cultural; prática acadêmica;
difusão acadêmica.
Abstract: The paper outlines a sum-
mary of the journey of educommunica-
tion practice, starting with the research
and cultural extension, some of them
aimed at studying actions developed in
university extension programs, passing
by regular and formal education, with the
undergraduate and specialization courses,
and finally, with the Communication &
Education journal.
Keywords: Educommunication; research;
cultural extension; academic practice;
academic diffuse.
Costuma-se afirmar que a relevância de uma universidade pode ser medida
pela articulação que souber promover entre as três áreas constitutivas de sua
missão: pesquisa (o avanço do conhecimento mediante a investigação metódica
e inédita), ensino regular e formal (a formação profissional dos alunos para
atender as demandas por trabalhadores qualificados) e difusão (a socialização
do saber junto à sociedade, para criar referenciais para a condução das práticas
sociais e laborais).
Em geral, estanques ou fechados em si mesmos, estes três setores da prática
acadêmica comportam-se, em alguns casos, como trilhas de um mesmo caminho,
ou braços de um mesmo delta que, percorridos ou navegados por um pensa-
mento transdisciplinar, garantem visibilidade, legitimação e reconhecimento a
determinadas áreas da prática social.
Foi o que ocorreu com a educomunicação1
. Presente no cenário das lutas
sociais latino-americanas, ao longo do século XX, a prática ganha identidade
no embate entre a pesquisa e a extensão cultural, facilitando e dando coe-
rência à aplicação dos resultados da investigação na solução de problemas
1. Sobre o conceito, ver
Ismar de Oliveira Soares.
Gestão comunicativa e
educação: caminhos da
educomunicação. Comu-
nicação & Educação, São
Paulo, Ano VIII, n. 23, p.
16-25, jan./abr. 2002.
8
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
contemporâneos. As intervenções – próprias da extensão – propõem novos
problemas que, pesquisados, fazem avançar os conceitos originais, mediante
especificações que agregam, modulam e fazem crescer2
.
Como a fazer girar o ciclo de mútuas interferências, as pesquisas em
torno do conceito da educomunicação (parte das quais destinadas a estudar
ações geradas em programas de extensão universitária) chegam – 13 anos
após a divulgação da pesquisa fundante – ao expressivo número de 97 teses e
dissertações. É o que registra o banco de teses da CAPES, no último mês de
2012. Deste total, 41 pesquisas foram produzidas na USP, sendo que 37 delas
no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação, da ECA/USP.
UM NAMORO COM O EDUCOM!
Uma das pesquisas desenvolvidas no espaço da USP pertence ao Programa
de Pós-graduação em Psicologia da USP, campus de Ribeirão Preto. Trata-se
da dissertação de mestrado de Helenita Sommerhalder Miike, defendida em
2008 com o título: “Oficina de TV, uma prática educomunicativa: estudo de
caso de uma criança abrigada”3
.
O projeto investigativo buscou compreender que possibilidades de ganhos
psicossociais e educativos a realização de práticas educomunicativas poderia
trazer para crianças em situação de risco social. Para tanto, tomou como estudo
de caso a realidade de uma menina de onze anos que vivia em um abrigo de
uma cidade de porte médio, no interior de São Paulo. A pesquisa procurou
identificar mudanças na condição de desenvolvimento desta criança, expressas
no seu contexto de vida cotidiana, e que poderiam ser consideradas como
possivelmente decorrentes da sua participação no projeto.
Miike adotou como suporte teórico-metodológico dois gêneros distintos de
referenciais: um primeiro, no âmbito da educomunicação, tendo como referência
as conclusões do trabalho do Núcleo de Comunicação e Educação da USP, rea-
lizado, entre 1997 e 1999, junto a especialistas em Comunicação/Educação de
12 países da América Latina; um segundo, na perspectiva da psicologia social,
fazendo uso dos estudos em torno das redes de significações.
As oficinas de vídeo, oferecidas a um grupo de crianças abrigadas, entre
as quais a menina em observação, foram realizadas em 30 encontros, num total
de 60 horas, seguindo alguns procedimentos como o “aprender fazendo” e a
identificação de conceitos teóricos a partir do contato direto dos participantes
com os equipamentos e a linguagem próprios da televisão. O educador e o
técnico do abrigo responsável pelo caso, assim como os professores e a mãe
da adolescente, foram ouvidos antes da realização e após a implantação dos
instrumentos, visando fazer um levantamento das histórias de vida e uma des-
crição das crianças nos momentos específicos.
2. Patrícia Horta Alves, em
sua tese doutoral intitula-
da “O Projeto Educom.rá-
dio como política pública”
(ECA/USP, 2007), trabalha
a relação entre pesquisa
e extensão cultural como
ação própria do âmbito
das políticas públicas.
3. MIIKE, H. S. Oficina
de TV, uma proposta
educomunicativa: estudo
de caso de uma criança
abrigada. (Dissertação
de Mestrado). Faculdade
de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto
da Universidade de São
Paulo, 2008.
9
Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares
A descrição inicial da criança em observação foi muito semelhante à exis-
tente na literatura sobre a população infantil abrigada, especialmente no que
se refere à autoimagem negativa e ao desempenho escolar ruim.
Pois bem, após a participação da menina nas oficinas, o exame de seu
retrato presente nos depoimentos dessas pessoas apontou para a existência de
efetivas e súbitas mudanças, sempre em sentido positivo. A autora compreen-
deu que essas diferenças possivelmente foram motivadas pela combinação da
maneira com que dialogicamente se estabeleceram interações entre ela e as
pessoas com quem conviveu no período do projeto, os papéis atribuídos a ela
e a forma como ela os assumiu.
Na conclusão do trabalho, a autora constatou, ainda, que o projeto per-
mitiu visualizar o uso da linguagem audiovisual (câmera de vídeo) como um
dispositivo de desenvolvimento humano capaz de potencializar a experiência
de vida das crianças, ao quebrar a relação mítica com o objeto TV e auxiliar
a percepção de recursos próprios, especialmente para crianças que ainda não
dominam a leitura e a escrita.
A dissertação defendida em Ribeirão Preto revelou o que dezenas de ou-
tras, voltadas para a análise dos procedimentos educomunicativos, acabaram
confirmando. Referimo-nos a pesquisas realizadas a partir de amostragens dis-
tintas, algumas constituídas por pequenos grupos (como, por exemplo, a tese
doutoral sobre a ação educomunicativa na prática das ONGs, em diferentes
regiões do Brasil, de autoria de Genésio Zeferino Silva Filho, de 20044
, e outras,
abrangendo contingentes maiores de estudantes vinculados a complexas redes
de ensino, como a dissertação de Renato Tavares, de 2007, sobre a produção
midiática de professores e alunos de 455 escolas de São Paulo5
).
Em todos os casos, revelou-se que a educomunicação traz como vantagem
a imediata manifestação da autoestima das pessoas envolvidas, sejam estas
profissionais comprometidos com os projetos na área ou mesmo as crianças
e jovens em sua busca por um lugar no mundo. Com a autoestima, vêm a
disposição para o estudo, a motivação para aprender, o compromisso com a
solidariedade, facilmente traduzidos em ações transformadoras, em nível pes-
soal, grupal, comunitário.
O trabalho de extensão realizado, por exemplo, a partir de 2006, pelo
NCE/USP junto à FUNDHAS – Fundação Helio Augusto de Souza, órgão da
Prefeitura de São José dos Campos responsável por atender, no contraturno
escolar, a um público de 8 mil pessoas, entre crianças e jovens de 8 a 18 anos.
Esse trabalho garantiu a criação, na maior cidade do Vale do Paraíba, de um
Centro de Referência em Educomunicação e Educação Ambiental que, com
autonomia, garante, no presente, a formação continuada de educadores e es-
tudantes não apenas da própria fundação, mas, com o mesmo empenho, de
professores e alunos da rede municipal de ensino.
No caso específico da experiência da FUNDHAS, a adesão ao conceito
por parte dos beneficiados ficou registrada no “slogan” do banner inteira-
mente desenhado por seus estudantes, por ocasião do 5o
Encontro de Jovens
4. SILVA FILHO, Genésio
Zeferino. Educomunica-
ção e sua metodologia:
um estudo a partir de
ONGs no Brasil. (Tese de
Doutorado). São Paulo,
ECA/USP, 2004.
5. TAVARES JUNIOR, Re-
nato. Educomunicação e
expressão comunicativa:
a produção radiofônica
de crianças e jovens no
projeto educom.rádio.
Dissertação de Mestra-
do. São Paulo, ECA/USP,
2007.
10
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Educomunicadores, ocorrido em 2008, com os dizeres: “Um namoro com o
Educom”. Não há quem desconheça a força da palavra “namoro” no contexto
das descobertas que fazem os adolescentes sobre a vida e seus relacionamentos,
em busca da construção de suas identidades.
DA ESPECIALIZAÇÃO À GRADUAÇÃO
Outro dado revelador da imbricação entre pesquisa e extensão cultural
no tratamento do tema da educomunicação vem sendo revelado pela produção
acadêmica dos alunos dos cursos de especialização da própria ECA/USP. A
título de exemplo, o levantamento junto à produção dos trabalhos conclusivos
da Especialização em Gestão da Comunicação informa que, entre 1997 e 2010,
aproximadamente 20% dos 500 trabalhos conclusivos voltaram-se para o tema
da relação entre comunicação e educação.
Uma segunda experiência de especialização, intitulada “Mídias na educa-
ção”, oferecida, no território do Estado de São Paulo, desde 2006, pelo NCE/
USP, mediante uma parceria com o MEC e a UFPE, levou à produção de um
total de 483 pesquisas voltadas explicitamente para a comunicação e o uso de
mídias na prática educativa. (Importante: todas estas pesquisas foram realiza-
das por professores das redes públicas estaduais e municipais, contando com a
orientação de uma equipe de mais de 75 especialistas na área, formados pelo
próprio núcleo.)
É surpreendente observar, por outro lado, que a produção de referenciais
sobre a educomunicação não tem sido obra exclusiva da academia. O trabalho
de difusão cultural de diferentes centros e organizações não governamentais
tem levado o conceito da educomunicação para ambientes que vão além das
fronteiras geográficas de suas respectivas atuações. Caso paradigmático foi a
produção, por parte da Rede CEP – Comunicação, Educação e Participação,
do manual que dá suporte ao macrocampo sobre Comunicação e Uso de Mí-
dias, do programa Mais Educação do MEC, tendo a Educomunicação como
referência. O material, elaborado entre em 2007 e 2008, continua disponível,
ainda hoje, para mais de 5 mil escolas matriculadas no programa, em todo o
país, atendendo a mais de 900 mil alunos.
De seu lado, como é sabido, a Revista Comunicação & Educação que, com o
mesmo empenho, trabalha com a teoria e a prática, ao acompanhar e refletir o
que ocorre no Brasil na interface comunicação/educação, vem se apresentando
como um dos principais espaços de consolidação dos novos referenciais que
nascem das possíveis conexões entre pesquisa e extensão cultural.
Tais fatos, pelas evidências reveladas, levou a Universidade de São Paulo
a criar, em novembro de 2009, no espaço do Departamento Comunicações e
Artes da ECA, uma licenciatura voltada especificamente ao tema da educo-
municação. Completava-se o ciclo de embricamento entre pesquisa, extensão
cultural e graduação.
11
Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares
ARTIGOS NACIONAIS
A seção de artigos de autores nacionais traz quadro-textos relacionados ao
tema dos procedimentos pedagógicos, circunstanciados em ambientes diferentes
e para distintos propósitos. O primeiro, de Josias Ricardo Hack, Fernando Ra-
mos e Arnaldo Santos, foca o estudo da linguagem, na busca de uma didática
extraescolar possibilitada pelo emprego da metodologia do Digital Storytelling,
aplicada como estratégia de aprendizagem no contexto de capacitação corporati-
va. O segundo, de Carlos Alberto Machado, faz uma leitura de cunho didático-
-filosófico sobre a literatura vigente, preocupando-se com o vício tecnológico
e a desnaturalização da sociedade, testemunhados na ficção científica. Para
tanto, faz um estudo sobre a angústia, a felicidade e liberdade no contexto
da pós-modernidade, e sobre sua presença nos romances contemporâneos, em
que o tema da sobrevivência individual se sobrepõe aos de interesse social.
No terceiro artigo, de Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi, o assunto é a
proficiência no entendimento de mensagens, verificada a partir do estudo dos
códigos escritos e visuais possibilitados pelas histórias em quadrinhos. No caso,
é analisada a obra Watchmen, do roteirista britânico Alan Moore. Finalmente,
Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti voltam-se para a didática do ensino
do jornalismo, relatando a experiência de adoção de sítio wiki em sala de aula.
Em extensão a essa prática, o artigo apresenta os primeiros passos em direção
ao aproveitamento dos trabalhos dos alunos com o intuito de complementar
tópicos ou de criar temas relevantes na Wikipédia.
ARTIGOS INTERNACIONAIS
Os artigos internacionais nos reportam à Espanha e à Colômbia. Têm em
comum a preocupação com o sujeito do processo educativo, quer no contexto
da sociedade tecnológico-industrial, quer no contexto da sociedade tradicional-
-indígena. Carlos Busón Buesa, com larga trajetória na UNED – Universidade
Nacional de Educação a Distância, de Madri, aborda o problema dos efeitos
motivacionais sobre os processos de aprendizagem em torno de conteúdos cien-
tíficos, exercidos pela maneira como os assuntos dessa natureza são tratados
pelo sistema educacional. “Apesar de vivermos em tempos de tecnologias da
informação, os alunos contemporâneos mostram uma tendência em se afastar
destas questões”, afirma o autor, para quem “é preciso adotar novas formas de
aprender a aprender.”
O segundo texto, de Martha Lucia Izquierdo Barrera, coordenadora da
Licenciatura em Etnoeducação e Desenvolvimento Comunitário, da Universi-
dade Tecnólogica de Pereira, na Colômbia, traz para os leitores da revista o
paper apresentado durante o IV Encontro Brasileiro de Educomunicação (São
Paulo, outubro de 2012), tendo como título “De los paradigmas interculturales
a la acción educativa autogestionaria”. O artigo permite ao leitor conhecer uma
experiência inovadora de formação de membros de comunidades indígenas por
12
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
parte de uma instituição de ensino superior, mediante o emprego dos pressu-
postos da educomunicação, que é o diálogo intercultural.
GESTÃO DA COMUNICAÇÃO
Em seu relato de gestão da comunicação em espaço educativo, André Bueno
nos traz a experiência do Ponto de Cultura “Centro de Defesa da Criança e
Adolescente – CEDECA Interlagos”. O artigo descreve especificamente como são
oferecidas as oficinas de fotografia, analisando entrevistas com os participan-
tes, colhidas entre 2007 e 2012. Em sua conclusão, o texto possibilita entender
como a fotografia e a Educomunicação podem se associar a projetos voltados
para o desenvolvimento humano.
ENTREVISTA
As recentes pesquisas intituladas, respectivamente, “TIC Educação 2001”
(sobre o uso das tecnologias da informação e comunicação nas escolas brasi-
leiras) e “TIC Kids Online Brasil, 2012” (sobre o consumo de internet entre
adolescentes de 9 a 16 anos), desenvolvidas pelo Centro de Estudos sobre as
Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br), órgão que perten-
ce ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), são objetos da entrevista da
presente edição.
Tatiana Jereissati e Juliano Cappi disponibilizam os dados e comentam os
resultados, afirmando que a partir deste serviço torna-se mais fácil às autori-
dades e aos responsáveis pelos processos de educação definir políticas públicas
mais adequadas no que diz respeito tanto às oportunidades quantos aos riscos
relacionados ao uso da internet em nosso país. Informam também os entrevis-
tados que com esse tipo de coleta e processamento de dados o CGI coloca-se
em sintonia com procedimentos semelhantes, em andamento na comunidade
europeia.
CRÍTICA
Maria Aparecida Baccega, Fernanda Elouise Budag e Lucas Máximo Ribei-
ro apresentam um estudo comparado da recepção de dois produtos midiáticos
afins, exibidos em dois países latino-americanos: Rebelde (veiculado no Brasil,
entre 2006-2007) e Rebeldes (veiculado no México, entre 2011-2012). A intenção
do relato é permitir identificar conexões sobre questões relacionadas a consumo
presentes nas pautas centrais de ambas as telenovelas, bem como os valores
prezados por seus respectivos sujeitos receptores.
13
Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares
DEPOIMENTO
A seção traz o depoimento de Janete Souza Oliveira, uma “quase socióloga”
que abandonou o curso da Escola Livre de Sociologia e Política para morar
na África, onde passou oito anos de sua vida. Janete havia crescido ouvindo
dos pais – a doméstica dona Gersina e o motorista Joaquim Adão – histórias
do Circo Piolin, instalado, desde 1943, na Praça Marechal Deodoro, na região
central da cidade de São Paulo. O depoimento permite ao leitor descobrir a
importância do circo e das comédias na vida social das classes menos privile-
giadas da pauliceia, nos meados do século XX.
EXPERIÊNCIA
A presente edição da revista Comunicação & Educação disponibiliza para o
leitor uma experiência que a autora – Maria Isabel Rodrigues Orofino – iden-
tifica como pertencente à esfera teórico-metodológica da “mídia-educação”.
Trata-se da produção e veiculação, no Youtube, de 5 webnovelas realizadas por
crianças de classe popular moradoras de uma comunidade na periferia urbana
da cidade de São Paulo. Com o relato, que envolve 30 crianças da EMEF Caíra
Atayde Alvarenga Midéia, fica demonstrado que a utilização das tecnologias da
informação numa perspectiva colaborativa contribui decididamente para mudar
o ecossistema comunicativo inerente ao espaço educativo tradicional.
RESENHAS
A seção destaca três lançamentos próximos ao universo da Educomunicação,
a saber: Educomunicação: imagens do professor na mídia, coordenado por Adilson
Citelli; Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes, de Muniz Sodré,
e, por último, Idade mídia, de Alexandre Sayad. Privilegia também a história da
arte cinematográfica, com um comentário sobre o livro de Maria Inês Carlos
Magno em torno do filme Meia-noite em Paris, de 2011, abordando o movimento
artístico do início do século XX.
Finalmente, a seção apresenta os principais apontamentos do Anuário Obi-
tel 2012, com o texto intitulado “Transnacionalização da ficção televisiva nos
países ibero-americanos”, num trabalho de coautoria entre Cristina Mungioli
e Issaaf Karhawi.
POESIA
A revista oferece aos seus leitores o texto completo de “O corvo” (“The
Raven”), de Edgard Allan Poe. Considerado um dos mais importantes poemas
de todos os tempos, nele é representada a misteriosa figura de um corvo, que
encarna o inevitável caráter da morte. O texto, contudo, expande outras área
14
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
de significação, promovendo diálogos com a tradição do ultrarromantismo e do
sofrimento com a perda da mulher amada. A tradução é do poeta português
Fernando Pessoa.
ATIVIDADES EM SALA DE AULA
Como ocorre em todas as edições, a última parte da revista é dedicada
às propostas de tratamento dos temas das revistas nos espaços de sala de aula,
mediante o desenvolvimento de projetos pedagógicos. Responde pela seção a
educadora e jornalista Ruth Ribas Itacarambi Leão.
artigosnacionais
15
Digital Storytelling e
formação corporativa:
possibilidades para a
aprendizagem de adultos
Josias Ricardo Hack
Professor adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: professor.hack@hotmail.com
Fernando Ramos
Professor catedrático da Universidade de Aveiro (Portugal).
Arnaldo Santos
Engenheiro da direção de inovação exploratória da Portugal Telecom Inovação Portugal.
Resumo: Neste artigo, discutimos o
uso de estratégias de aprendizagem
colaborativa baseadas em tecnologias
audiovisuais digitais num contexto de
capacitação corporativa. O texto tem
início com uma revisão concisa sobre
os fundamentos teóricos e técnicos da
comunicação educativa, por meio do uso
de produtos audiovisuais. Em seguida,
explicitamos como o uso de histórias
pessoais digitais pode contribuir com os
processos de aprendizagem colaborativa
em treinamentos corporativos, oferecen-
do meios para a entrega rápida de ma-
teriais contextualizados que permitam a
partilha de experiências entre formandos
e formadores. Por fim, concluímos que o
uso de histórias pessoais digitais pode
ser uma oportunidade para se incremen-
tar interações múltiplas no processo de
construção do conhecimento corporativo.
Palavras-chave: Digital Storytelling; tec-
nologias digitais; Comunicação; capaci-
tação corporativa.
Abstract: In this paper we discuss the
use of collaborative learning strategies
based on Digital Storytelling in corpora-
tive training. The text includes a concise
review on theoretical and technical
basis about educational communication
through the use of audiovisual prod-
ucts. The paper will also argue that
digital storytelling may contribute to
the improvement of the effectiveness of
collaborative learning processes in cor-
porative training, providing swift delivery
of highly contextualized learning materi-
als, which allows the sharing of relevant
personal experiences between trainers
and trainees. Furthermore, we conclude
that Digital Storytelling provides an op-
portunity to value, respect and promote
the multiple and different cultural and
social interactions in the corporative
knowledge construction process.
Keywords: Digital Storytelling; Digital
technologies; Communication; Corpora-
tive training.
Recebido: 28/04/2012
Aprovado: 18/06/2012
16
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
INTRODUÇÃO
O ato de contar histórias está intimamente associado ao senso de identi-
dade dos povos,1
constituindo-se ainda em um dos componentes fundamentais
da memória humana e em fundamento de vários eventos mentais básicos2
.
Vygotsky3
afirmou que, para entender e representar sua experiência no mundo,
as pessoas fazem uso de linguagens compostas por signos, que acabam por for-
mar a base da cultura humana. O autor destaca, inclusive, que as ferramentas
que construímos para mediar essas atividades simbólicas mudam a maneira
pela qual os seres humanos pensam. Em outras palavras, através da constru-
ção de ferramentas, as pessoas constroem a base material para a consciência,
transformando os ambientes e reestruturando os sistemas funcionais em que
atuam e aprendem. Ao fazer isso, lançam-se trajetórias de desenvolvimento do
pensamento e da ação que repercutem amplamente, abrangendo as dimensões
individual e coletiva, material e semiótica.
O processo descrito anteriormente é o que pode ocorrer, em nossa in-
terpretação, com a introdução do Digital Storytelling (doravante denominado
DS) no cotidiano – já que seu ponto de partida é a vivência individual, sendo
seu principal objetivo propiciar um espaço de enunciação e narrativa sobre as
próprias vivências, provocando reflexões a respeito das conquistas e das derrotas
que cada indivíduo experimentou em sua caminhada. Dentro das atividades de
DS, os participantes gravam pequenas narrativas de vida em primeira pessoa,
ilustradas com fotos, imagens, gravuras e músicas significativas para si. Por meio
da socialização da história digital produzida individualmente, podem ter início
trajetórias coletivas e colaborativas de desenvolvimento do pensamento e da ação.
No que tange ao uso do recurso de DS em contextos de ensino e apren-
dizagem, Jonassen e Hernandez-Serrano4
sugerem três maneiras de apoio ao
processo de construção do conhecimento com o uso de histórias digitais. Elas
podem exemplificar determinados conceitos ou princípios ensinados por instru-
ção direta; podem servir como casos ou problemas a serem investigados pelos
alunos; ou, numa terceira hipótese, podem possibilitar o acesso dos alunos a
informações que os ajudarão a resolver problemas. Vale lembrar que, segundo
Vygotsky5
, a interação social é imprescindível para a aprendizagem e o desen-
volvimento do ser humano, pois as pessoas adquirem novos saberes a partir das
várias relações com o ambiente que as cerca.
Na concepção sócio-histórica6
, a mediação é primordial na construção do
conhecimento – ocorrendo, dentre outras formas, pela linguagem. A singulari-
dade do indivíduo enquanto sujeito sócio-histórico se constitui em suas relações
na sociedade, enquanto o modo de pensar ou agir das pessoas depende de
interações sociais e culturais com o ambiente. Isto quer dizer que um grande
contador de histórias pode evocar uma ligação emocional com seus ouvintes,
contribuindo com o processo de construção do conhecimento.
Para Frazel7
, a ligação pessoal entre o público e o contador de histórias é
emocionalmente carregada de contato visual, linguagem corporal e narração.
1. VYGOTSKY, Lev S.
Pensamento e lingua-
gem. São Paulo: Martins
Fontes, 1993, p. 38.
2. SCHANK, Roger C.
Lessons in learning,
e-learning, and train-
ing: Perspectives and
guidance for the enlight-
ened trainer [Lições em
aprendizagem, e-learning
e treinamento: perspec-
tivas e orientação para
o educador esclarecido].
San Francisco: Pfeiffer,
2005, p. 57.
3. VYGOTSKY, Lev S. Pen-
samento e linguagem,
cit., p. 38.
4. JONASSEN, David. H.;
HERNANDEZ-SERRANO,
Julien. Case-based rea-
soning and instructional
design using stories to
support problem solving
[Raciocínio baseado em
casos e design instrucio-
nal usando histórias para
apoiar a resolução de
problemas]. Educational
Technology Research
and Development, 50, n.
2, p. 7-8, 2002.
5. VYGOTSKY, Lev S.
Pensamento e lingua-
gem, cit., p. 46.
6. VYGOTSKY, Lev S. et al.
Linguagem, desenvolvi-
mento e aprendizagem.
São Paulo: Ícone, 1988,
p. 117-118.
7. FRAZEL, Midge. Digi-
tal Storytelling: guide
for educators [Digital
Storytelling: guia para
educadores]. Washington,
DC: ISTE, 2010, p. 36-37.
17
DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos
Segundo a autora, conectar-se com uma plateia e trazê-la para dentro da his-
tória pode ser uma experiência profundamente gratificante para estudantes e
professores.
Em suma, como vimos nessas breves linhas introdutórias e como também
apontou Barret8
, a narração com tecnologias digitais facilita a convergência
de estratégias diferenciadas de aprendizagem e, se bem equacionada, poderá
promover:
• o envolvimento dos aprendizes;
• a reflexão para o aprendizado profundo;
• a aprendizagem baseada em projetos;
• a integração efetiva da tecnologia na instrução.
No entanto, apesar deste potencial, o DS é aparentemente subutilizado em
contextos de aprendizagem de adultos em formação corporativa.
APRENDIZAGEM DE ADULTOS
Vygostsky9
enunciou que, quando uma pessoa ata um nó em um lenço
para ajudá-la a se lembrar de algo, está, essencialmente, concluindo o processo
de memorização. Em outras palavras, ela transforma o processo de lembran-
ça numa atividade externa. Para o autor, a verdadeira essência da memória
humana está no fato de os seres humanos serem capazes de se lembrar de
algo, ativamente, com a ajuda de signos. Poder-se-ia dizer que a característica
básica do comportamento humano, em geral, é que as pessoas influenciam sua
própria relação com o ambiente, bem como modificam seu comportamento
através desse ambiente.
Na concepção de Vygotsky10
, a interação social é uma peça essencial no
processo de aprendizagem e no desenvolvimento do ser humano, já que as
pessoas adquirem novos saberes a partir de suas várias relações sociais. No
entanto, ainda é preciso aprofundar a compreensão de como se processa a
construção desse conhecimento.
Segundo Knowles11
, tradicionalmente nós sabemos mais sobre como os
animais aprendem do que sobre como as crianças aprendem, bem como sa-
bemos muito mais sobre como as crianças aprendem do que sobre como os
adultos aprendem.
Para o autor, tal cenário se configurou assim, possivelmente, devido ao fato
de o estudo da aprendizagem ter sido assumido, inicialmente, por psicólogos
experimentais cujos cânones exigiam o controle de variáveis. Além disso, é com-
provado que as condições em que os animais aprendem são mais controláveis do
que aquelas sob as quais as crianças aprendem. Também as condições em que
as crianças aprendem, por sua vez, são muito mais controláveis do que aquelas
sob as quais os adultos aprendem. Em síntese, o fato é que muitas das teorias
da aprendizagem derivam do estudo da aprendizagem de animais e crianças.
8. BARRETT, Helen. Re-
searching and evaluating
Digital Storytelling as a
deep learning tool [Pes-
quisando e avaliando o
Digital Storytelling como
uma vasta ferramenta
de aprendizagem]. In C.
Crawford, et al. (ed.). Pro-
ceedings of Society for
Information Technology
and Teacher Education
International [Anais da
Sociedade para Tecno-
logia da Informação e
do Ensino de Educação
Internacional]. Chesape-
ake: AACE, 2006, p. 648.
9. VYGOTSKY, Lev S. et al.
Linguagem, desenvolvi-
mento e aprendizagem,
cit., p. 68.
10. Ibid., p. 70.
11. KNOWLES, Malcolm
S.; HOLTON, Elwood F.;
SWANSON, Richard A.
The adult learner: the
definitive classic in Adult
Education and Human
Resource Development
[O aluno adulto: o clássico
definitivo em Educação
de Adultos e o Desen-
volvimento de Recur-
sos Humanos]. Woburn:
Butterworth-Heinemann,
1998, p. 18.
18
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Knowles12
ainda nos lembra de que alguns dos grandes mestres dos tem-
pos antigos – Confúcio e Lao Tse, na China; Jesus e os profetas hebreus, nos
textos bíblicos; Aristóteles, Sócrates e Platão, na antiga Grécia; e Cícero, Evelid
e Quintiliano, na Roma antiga – foram todos professores de adultos, não de
crianças. Dessa forma, a partir de suas experiências com os adultos, desenvol-
veram um conceito muito específico de ensino e aprendizagem, considerando-
-os como um processo de investigação mental e não como recepção passiva de
conteúdos difundidos. As técnicas desenvolvidas por eles, portanto, são voltadas
a envolver os alunos no processo de investigação.
Os antigos chineses e hebreus inventaram o que hoje chamamos de método
do caso, em que o líder ou um dos membros do grupo descreve uma situação –
muitas vezes na forma de uma parábola – e, juntamente com o grupo, explora
suas características e possíveis resoluções. Os gregos, por sua vez, inventaram
o que hoje chamamos diálogo socrático, em que o líder ou um membro do gru-
po coloca uma questão ou dilema para que se possa buscar uma resposta ou
solução. Já os romanos usaram técnicas de confrontação: propunham desafios
aos membros do grupo, que eram forçados a pensar em suas posições para
defendê-las.
O modelo andragógico (para aprendizagem de adultos), proposto por Kno-
wles13
, também é baseado em suposições diferentes das do modelo pedagógico
(para aprendizagem de crianças). Segundo o autor, os adultos precisam saber
por que é necessário aprender algo antes de iniciar a aprendizagem. Quando os
adultos se comprometem a aprender algo por conta própria, investem conside-
rável energia na sondagem dos benefícios que irão obter com a aprendizagem
e das consequências negativas de não aprender.
Sendo assim, a primeira tarefa do facilitador é a de ajudar o aluno a tomar
consciência da necessidade de saber. Uma boa estratégia para aumentar o nível
dessa consciência é o uso de experiências reais ou simuladas em que os alunos
descobrem, por si mesmos, as diferenças entre o estágio em que estão agora e
aquele onde querem chegar. Frisamos que, embora eles saibam aonde querem
chegar, a presença de um mediador é de extrema importância, podendo ser
esse mediador o contador de histórias.
Para Knowles, os adultos se motivam a aprender quando percebem que o
novo conhecimento os ajudará a lidar eficazmente com situações enfrentadas em
seu cotidiano. Além disso, aprendem novos conhecimentos, habilidades, valores
e atitudes de forma mais eficaz quando tais questões são apresentadas de modo
contextualizado. O autor explica, ainda, que mesmo que alguns adultos sejam
sensíveis a motivadores externos de aprendizagem (possibilidade de conseguir
um novo emprego, promoções, salários mais elevados e assim por diante), os
motivadores mais potentes são pressões internas (o desejo de maior satisfação
no trabalho, autoestima, qualidade de vida).
Em suma, o processo de aprendizagem do adulto, defendido por Knowles14
,
se fundamenta nos seguintes aspectos:
12. Ibid., p. 35-36.
13. Ibid., p. 62-69.
14. Ibid., p. 40.
19
DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos
• Os adultos são motivados a aprender coisas que satisfaçam necessidades e
interesses imediatos. Portanto, estes são os pontos de partida adequados
à organização de atividades de aprendizagem de adultos.
• A orientação dos adultos para a aprendizagem é centrada na vida cotidia-
na. Dessa forma, as unidades apropriadas para organizar a aprendizagem
de adultos são situações da vida, não temas.
• A experiência é o mais rico recurso para a aprendizagem dos adultos.
Por isso, a metodologia central da educação de adultos deve ser a análise
de experiências.
• Os adultos têm uma profunda necessidade de se autodirigir. Portanto, o
papel do professor é engajar-se em um processo de investigação mútua
com seus alunos, ao invés de transmitir seu conhecimento a eles e, em
seguida, avaliar sua conformidade.
• As diferenças individuais entre as pessoas aumentam com a idade. Dessa
forma, a educação de adultos deve prever diferenças de estilo, tempo,
lugar e ritmo de aprendizagem.
Como veremos na próxima seção, a utilização de histórias digitais em
processos de formação de adultos pode oferecer uma oportunidade para a
promoção de interações múltiplas (colaborações) no processo de construção
do conhecimento – uma vez que, através de histórias pessoais, os formadores
e formandos discutirão assuntos centrados em suas próprias experiências que
satisfaçam suas necessidades e interesses imediatos.
O DS NO CONTEXTO CORPORATIVO
A pesquisa qualitativa que originou o presente artigo analisou casos bra-
sileiros e portugueses sobre o uso do DS em contexto corporativo. Ao todo,
foram sondados 111 artigos acadêmicos e 9 livros abordando a temática DS em
algum âmbito. Os artigos internacionais foram obtidos nas bases eletrônicas de
dados SciVerse Scopus (banco de dados pertencente à Elsevier) e B-on (Biblioteca
do Conhecimento On-line das instituições de investigação e de ensino supe-
rior em Portugal). O corte temporal da análise teve a seguinte definição: a)
artigos publicados em 2008, 2009, 2010 e primeiro semestre de 2011; b) livros
publicados nos últimos 10 anos.
Durante o estudo bibliográfico, percebemos que o ato de contar histórias
com tecnologias digitais tem sido largamente explorado por publicitários para
alavancar um produto ou empresa. Em alguns casos, o DS é utilizado para
provocar no consumidor a identificação com o narrador ou com um dos per-
sonagens da história. Já em outras experiências, as corporações dão suporte,
inclusive, à criação de comunidades de consumidores em redes sociais. Também
20
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
foi possível encontrar relatos de uso do DS para a motivação de equipes, prin-
cipalmente de vendas.
No que tange ao uso de narrativas digitais em contextos de capacitação
corporativa, Savvidou (2010) destaca a importância do conceito de “diálogo” na
narrativa. Segundo a autora, embora seja dada pouca atenção ao conceito de
narrativa como um diálogo em contextos educacionais, esta é uma rica frente
de investigação no âmbito da pesquisa organizacional e comunicacional. Nesta
área, o ato de contar histórias é representado como uma prática social compar-
tilhada, através da qual o conhecimento explícito e tácito pode ser transmitido
e as identidades adquiridas.
O conceito de narrativa que Savvidou15
apresenta em seu texto está anco-
rado em teorias de comunicação verbal e na ideia de que contar histórias é,
inerentemente, um ato dialógico – de modo que, sempre que uma história é
contada, provoca uma resposta. Em outras palavras, as histórias que contamos
são moldadas pelas respostas reais ou potenciais dos interlocutores. Essa ideia
representa uma visão de narrativa como forma de diálogo, desafiando a noção
de história como construção individual.
Savvidou16
salienta que, se observarmos as interações sociais cotidianas,
verificaremos que o ato de contar histórias pessoais não é apresentado como
monólogo, mas sim como parte de um evento interacional, uma conversa na
qual histórias são mutuamente construídas pelos participantes. Neste processo,
inclusive os papéis de contador da história e destinatário são intercambiáveis.
Para a autora, dentro do campo da pesquisa organizacional e comunica-
cional, os estudos incluem frequentemente as histórias de pessoas cujas vozes
raramente são ouvidas, ou que desafiam as normas vigentes e as estruturas
organizacionais.
Em toda corporação, podem-se ouvir histórias que permeiam sua existên-
cia e solidificam comportamentos específicos de seus colaboradores. Em nossa
interpretação, tais histórias podem ser contadas no formato digital e utilizadas
favoravelmente em contextos de formação corporativa para: a) comunicar a
missão, os objetivos e as políticas corporativas; b) mobilizar e fomentar o espí-
rito de equipe; c) envolver as pessoas em determinadas ações estratégicas; d)
proporcionar a estruturação e divulgação da memória corporativa; e) fortalecer
valores e traços característicos da corporação; e f) outras possibilidades que o
próprio leitor poderá enumerar.
Apesar de nossos estudos identificarem o uso de DS em organizações no
Brasil e em Portugal, a investigação não encontrou nenhum relato que explici-
tasse a utilização da narratividade digital em contexto de ensino e aprendiza-
gem corporativos. Entretanto, ficou patente em nossas leituras a importância
de se realizar uma reflexão ampla sobre os conteúdos a serem transformados
em roteiros de DS, bem como a necessidade de se pensar em estratégias au-
diovisuais que desencadeiem percepções semelhantes às de origem natural, ao
se centrarem em desenvolver códigos e convenções sígnicas não arbitrárias17
.
15. SAVVIDOU, Christine.
Storytelling as dialogue:
how teachers construct
professional knowledge
[Storytelling como diálo-
go: como professores
constroem conhecimento
professional]. Teachers
and Teaching, 16, n. 6,
p. 649, 2010.
16. Ibid., p. 654.
17. RODRIGUEZ, Angel.
A dimensão sonora da
linguagem audiovisual.
São Paulo: Senac, 2006,
p. 268.
21
DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos
Tais estratégias audiovisuais, em nossa interpretação, podem potenciali-
zar a comunicação do conhecimento, bem como contribuir para a melhoria
da eficácia de alguns processos de treinamento corporativo. Afinal, devido às
características ágeis de concepção e produção de audiovisuais com a aplicação
do DS, existe a possibilidade de se oferecerem meios para a rápida entrega de
materiais educativos altamente contextualizados.
Consideramos relevante destacar que introduzir o DS no ambiente de for-
mação corporativa não é uma decisão meramente instrumental. Para Porter18
,
há muito a se considerar na construção de uma história digital – já que
existem abordagens infinitas, dependendo da finalidade e do público que
se quer atingir. Àqueles que pretendem utilizar este estilo de narrativa, a
autora chama a atenção para alguns procedimentos fundamentais:
• Deve-se levar os outros a vivenciarem sua história. Em outras palavras,
cada história tem uma perspectiva pessoal e precisa ser narrada pelo
próprio autor.
• Trazer sempre uma lição a ser aprendida. Uma das características
mais originais do DS é a expectativa de que cada história expresse
um significado pessoal ou insight sobre como um determinado evento
ou situação tocou a vida do autor (e quiçá poderá tocar a vida dos
ouvintes).
• Desenvolver uma tensão criativa. Uma boa história cria intriga ou
tensão em torno de uma situação que se coloca já em seu início,
sendo desenvolvida no decorrer da trama.
• Ser econômico. Uma boa história tem um destino, um objetivo a
cumprir e procura o caminho mais curto para chegar a ele. Uma
peça de DS deve ter entre 3 e 5 minutos, com base em um roteiro
de uma página ou 500 palavras.
• Mostrar e não apenas narrar uma história. Boas histórias usam de-
talhes vívidos para revelar sentimentos e informações, ao invés de
apenas dizer algo.
• Ser técnica e, ao mesmo tempo, uma obra de arte. Uma boa história
incorpora a tecnologia e a arte de forma astuta, ao demonstrar ha-
bilidade em se comunicar com imagens, som, voz, cor, espaços em
branco, animações, design, transições e efeitos especiais.
Por fim, nossos estudos também identificaram que o DS pode oferecer
uma oportunidade para a promoção de interações múltiplas no processo de
construção do conhecimento em ambientes corporativos. Por exemplo, em cer-
tas propostas de formação em uma organização, poder-se-á introduzir tarefas,
via DS, que provoquem os formandos à partilha de suas próprias histórias –
novamente via DS. Assim, tanto formadores quanto formandos colaborarão na
aprendizagem por meio de curtos relatos digitais em uma via de mão dupla.
18. PORTER, Bernaje-
an. DigiTales: the art of
telling digital stories [Di-
giTales: a arte de contar
histórias digitais]. Sedalia:
Porter, 2004, p. 115.
22
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Em síntese, a pesquisa sinaliza que o processo comunicacional dialógico,
que utiliza estratégias de aprendizagem colaborativa, pode ser uma alternativa
para a valorização e o respeito às múltiplas interações sociais e culturais dos
envolvidos no contexto de formação – desempenhando, dessa forma, o papel de
alavanca dos movimentos individuais e coletivos de aprendizagem, tão salutares
no processo de construção do conhecimento em qualquer nível ou modalidade
de ensino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente qualquer cidadão, desde que tenha acesso e saiba utilizar
determinadas tecnologias e técnicas, pode contar a sua própria história digital-
mente. No contexto educacional e de formação corporativa, tal potencialidade
redimensiona a necessidade de produção audiovisual por equipes altamente
especializadas – e aponta a possibilidade de dar voz e visibilidade às histórias
digitais elaboradas por aqueles que estão nas duas pontas do processo de ensino
e aprendizagem: o aluno/formando e seu professor/formador.
Nosso intuito, ao elaborar o presente artigo, foi refletir sobre o DS em
processos de construção do saber nas organizações. O documento foi baseado
em pesquisa bibliográfica qualitativa e argumentou que o DS pode contribuir
para a melhoria da eficácia dos processos de ensino em treinamento corpo-
rativo, oferecendo meios para a entrega rápida de materiais de aprendizagem
altamente contextualizados. Além disso, o uso da narratividade digital pode
constituir-se em oportunidade para a promoção de interações múltiplas no
processo de construção do conhecimento nas organizações, introduzindo, em
certas propostas de capacitação, estratégias que incentivem a partilha de histórias
digitais entre formadores e formandos, numa “via de mão dupla”.
Por fim, queremos enfatizar a necessidade de a comunidade científica dar
atenção à investigação sobre a questão do uso de histórias digitais pessoais em
formação corporativa. Percebemos, por meio dessa pesquisa, que suas possibili-
dades são múltiplas e devem abranger discussões epistemológicas, metodológicas,
tecnológicas, operacionais, éticas e legais.
A título de ilustração, mencionamos nosso projeto atual, uma parceria entre
a Universidade de Aveiro (Portugal) e a Portugal Telecom, que visa operaciona-
lizar e validar uma metodologia de utilização de histórias digitais pessoais em
contexto de formação profissional, através da reflexão crítica e experimentação
empírica. O intuito do projeto é desenvolver roteiros de pequenas histórias pes-
soais digitais, produzi-los e testar a eficiência e eficácia do uso de tais vídeos
em ambientes de ensino e aprendizagem corporativa.
23
DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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learning tool [Pesquisando e avaliando o Digital Storytelling como uma vasta
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_______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
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25
Ficção científica: utopia
ou distopia? Felicidade,
angústia e prazer na
pós-modernidade
Carlos Alberto Machado
Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e docente na Unicentro,
departamento de Educação.
E-mail: cipexbr@yahoo.com
Resumo: A proposta do artigo está base-
ada no interesse em aprofundar estudos
de ficção científica, e em procurar fazer
um paralelo dos problemas existenciais
do mundo contemporâneo, mormente
a angústia, citados principalmente pelos
autores Richard Sennett, Russsell Jacoby e
Zygmunt Bauman, considerados por alguns
como pós-modernos. Vários exemplos são
citados para corroborar as observações
apontadas no texto. Conceitos como
felicidade e liberdade são colocados à
prova e a ficção científica é usada como
exemplo, mostrando o vício tecnológico e a
desnaturalização da sociedade. Conclui-se
que a imagem da realidade evidenciada
em filmes de ficção científica pode auxiliar
na reflexão de nossos atos e, dessa forma,
tentar contribuir para atitudes futuras.
Palavras-chave: Angústia. Ficção científica. Pós-
-modernidade. Educomunicação. Sociedade.
Abstract: The aim of this paper is based
on the interest in further studies of sci-
ence fiction, and seek to draw a paral-
lel between the existential problems of
the contemporary world, especially the
anxiety, mainly cited by Richard Sennett,
Russsell Jacoby and Zygmunt Bauman, con-
sidered by some as postmodern authors.
Several examples are cited to support the
comments made in the paper. Concepts
such as happiness and freedom are put
to the test, while science fiction is used
as an example, emphasising the technol-
ogy addiction and the denaturalization
of society. It is ultimately a reflection
that the reality seen in science fiction
movies may help in the reflection of our
actions and thus, trying to contribute to
future actions.
Keywords: Anguish; Science Fiction; Post-
modernity; Educommunication; Society.
POR QUE ESCOLHEMOS A FICÇÃO CIENTÍFICA (FC)?
Inicialmente porque na contemporaneidade esse gênero de filme é o mais
procurado pela população em geral. Essa busca é consequência, por um lado,
da avançada tecnologia que Hollywood vem utilizando cada vez mais em seus
produtos cinematográficos e televisivos e, por outro, da forte atração que nar-
rativas sobre o futuro exercem, principalmente, sobre os jovens.
Recebido: 22/03/2012
Aprovado: 7/05/2012
26
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
São os filmes de FC que costumam ter mais sucesso na bilheteria ou uma
audiência maior, e são também os mais comentados pela mídia, devido, em
grande parte, aos efeitos especiais.
A tão almejada felicidade, que é constantemente buscada pelo ser humano
contemporâneo, em todas as suas ações, acaba se tornando utópica. A alegria
do dia a dia, constantemente confundida com felicidade por alguns, nada mais
é do que um pré-requisito desta.
A ideologia cartesiana ou “visão reacionária”, que vem carregada nas costas
da ciência, demonstra que o homem é recortado ou lido como um livro, algo
que se pode perceber em Gattaca1
, um filme de ficção científica que analisa
uma possibilidade assustadora de seletividade: você só será aquilo que seu gene
diz que você pode ser. Seus sentimentos não contam em absoluto. Roteiro que
lembra muito a ideia original de Huxley, em sua utopia “Admirável Mundo Novo”.
1. Gattaca (1997), EUA,
de Andrew Niccol.
2. Metrópolis (1927), de
Fritz Lang.
3. SENNETT, R. A cor-
rosão do caráter: con-
sequências pessoais do
trabalho no novo capita-
lismo. 9. ed. Rio de Janei-
ro: Record, 2005, p. 50.
Gattaca, 1997: filme de ficção científica que mostra uma possibilidade assustadora de seletividade.
Divulgação
Com a era da industrialização, em meados do século XIX, tanto Diderot
quanto Voltaire acreditavam que a dominação da rotina acalmaria as pessoas.
Mas, junto com a rotina, evidenciada em Metrópolis2
– e em Tempos Modernos, de
Charles Chaplin (Carlitos) –, também veio o tédio com a morte espiritual e a
rebelião, tão temida por Platão em sua utópica República. De qualquer forma,
mesmo Sennett concorda que um pouco de rotina não faz mal a ninguém,
ao contrário: “Imaginar uma vida de impulsos momentâneos, de ação a curto
prazo, despida de rotinas sustentáveis, uma vida sem hábitos, é imaginar na
verdade uma existência irracional”3
.
A era da mundialização evidencia seres humanos “locais” que, ao mesmo
tempo que olham com cobiça e desejo os mundos dos outros, procuram aquietar-
-se em seu próprio meio. Muitos procuram guias para orientá-los, lançando-se
numa busca frenética pelos livros de autoajuda, procurando receitas milagrosas.
27
Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado
Entretanto, as receitas não funcionam. Essa busca pode ser identificada em O
guia dos mochileiros das galáxias4
, que fala da necessidade de termos um guia
para transitar pelo universo. A ironia está em que, no filme, o guia, na prática,
não ajuda em absolutamente nada.
A corrosão de caráter de que fala Sennett começa pela fragilidade das
relações entre as pessoas na contemporaneidade. A solidariedade espontânea é
abandonada e substituída por uma solidão encontrada na tecnologia eletrônica
e no consumismo exacerbado e individual. Troca-se uma forma de submissão
de poder por outra, a da carne pela da eletrônica. A legimitividade emocional
não é mais encontrada, pois foi substituída pela clara operacionalidade. Apesar
disso, o reconhecimento é necessário, como nos recorda Jacoby, a dialogia é
uma necessidade humana vital, sem ela não sobrevivemos. Essa necessidade de
conexão com o outro é evidenciada por David Cronenberg com o filme eXistenZ
(1999), onde jogadores de uma espécie de video game penetram no jogo de
forma total, sentimental e corpórea (mente e corpo). O fio de conexão com o
jogo é ligado diretamente na medula espinhal, e os estímulos audiovisuais são
inseridos diretamente no córtex cerebral.
4. O guia dos mochilei-
ros das galáxias (2005),
EUA, de Garth Jennings.
O guia dos mochileiros das galáxias (2005) fala da necessidade de se ter um guia para
transitar pelo universo.
Divulgação
28
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
No mundo real, a noção de futuro, tão cara à FC moderna, parece ter
desaparecido. O presente é forte e constante. Não há longo prazo. Esse presente
realista, que dói também, pode ser evidenciado na FC pós-moderna. O alto nível
tecnológico e o baixo nível social são espelhados nos contos e roteiros atuais,
transbordando realidades que espantam ou assustam os mais desavisados. Sua
similaridade com nossa realidade é tanta, que, em alguns casos, o termo ficção
pode até ser revisto.
Décadas atrás, filmes de ficção científica como Zardoz5
ou Logan’s Run6
previam o predicamento pós-moderno de hoje: o grupo isolado vivendo uma
vida ascética, numa área restrita, anseia pela experiência do mundo real, de
barro material.
Até o pós-modernismo, a utopia era uma tentativa de romper com o real do
tempo histórico e entrar no Outro atemporal. Com a sobreposição pós-moderna
do “fim da história” pela total disponibilidade do passado em memória digital,
nesta época em que vivemos a utopia atemporal como a experiência ideológica
do dia a dia, a utopia se torna o anseio pela Realidade da própria História,
pela memória, pelos traços do passado real, numa tentativa de sair da cúpula
fechada e sentir o cheiro da deteriorização da crua realidade7
.
Matrix8
acentua isso, porque combina utopia com distopia, nossa realida-
de é apresentada como uma realidade virtual criada por um computador, de
maneira que nos restringimos a baterias humanas para a Matriz.
SEGURANÇA NO FUTURO
Em tempos remotos, estudar e economizar faziam parte de uma garantia
de futuro, mesmo que isso estivesse diretamente relacionado com a escravidão
do salário. De qualquer forma, hoje essas atitudes já não garantem o futuro,
mas apenas um presente momentâneo, repleto de angústias: “Numa sociedade
dinâmica, as pessoas passivas murcham”9
.
A FC indica alguns futuros possíveis. Sugere, em seus enredos, que o de-
sespero não é justificável, pois as respostas serão encontradas pelo próprio homo
futurus, talvez “mutantes adolescentes”, oriundos de uma mutação de ideias e
de conhecimentos, que misturados à criatividade, proporcionariam alternativas
ainda inimagináveis para a sociedade em que vivemos. Portanto, o desespero
pelo futuro pode não ser justificável, pois as novas gerações poderão encontrar
soluções interessantes para os problemas de sua época. Nosso trabalho é criar
moldando a história de nossas próprias vidas.
Os adolescentes de hoje se juntam por interesses comuns, seja em um
clube, seja em um posto de gasolina, seja através de uma comunidade digital.
Têm seus próprios grupos, suas próprias tribos, o que muitas vezes preocupa
seus pais, como lembra Sennett, quando comenta sobre um de seus pesquisa-
dos: “perseguia-o o receio da falta de disciplina ética, sobretudo o temor de
os filhos se tornarem ‘pequenos ratos’, rondando ao léu pelos estacionamentos
5. Zardoz (1974), EUA, de
Jonh Boorman.
6. Logan’s Run [Fuga
das Estrelas] (1976), de
Michael Anderson.
7. ZIZEK, S. Matrix: ou os
dois lados da perversão.
In: IRWIN, W. Matrix: bem
vindo ao deserto do real.
São Paulo: Madras, 2003,
p. 280.
8. Matrix (1999), de
Andy Wachowski e Larry
Wachowski.
9. SENNETT, op. cit., p. 103.
29
Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado
dos shopping centers à tarde, enquanto os pais permaneciam fora de alcance
em seus escritórios”10
.
E Maturana acrescenta: “a tragédia dos adolescentes é que começam a
viver um mundo que nega os valores que lhes foram ensinados”11
. A negação
dos adultos acaba sendo um problema. Hoje, os adolescentes se organizam
também de outras maneiras. Ficam reunidos por um tipo de som (música)
que, para nós, não justifica ou que não explica. Mesmo assim é um mundo de
responsabilidades. Se eles estão nesse mundo, é porque eles assim o querem
ou há “a emergência de um novo tipo de estudante, com novas necessidades
e novas capacidades” 12
.
Novas soluções poderiam ser aspiradas ou exploradas pelos jovens que um
dia serão os donos do mundo. “Como educadores/as, devemos avaliar aquilo
que já está ocorrendo em nossas salas de aula, quando os alienígenas entram
e tomam seus assentos, esperando (im)pacientemente suas instruções sobre
como herdar a terra”13
.
EXISTE UM “OUTRO ESTRANHO” NA FICÇÃO
CIENTÍFICA?
A “pílula dourada” de Jacoby, retratando o multiculturalismo da pós-mo-
dernidade, nos recorda a “pílula vermelha” de Matrix, como símbolo das muitas
possibilidades do que virá a acontecer ou do que decidimos em nossas vidas.
O filme demonstra a dualidade entre o escolher a pílula azul ou a vermelha,
entre o ficar preso a uma realidade virtual ou acordar para a verdadeira reali-
dade, mesmo que dolorosa. A decisão é difícil, mas o personagem Neo acaba
decidindo enfrentar uma realidade ainda mais dura do que a da ficção gestada
pela Matrix, a da pílula vermelha. Sem dúvida, uma condição que muitas vezes
costumamos enfrentar em nosso cotidiano.
Apesar de Jacoby apresentar o conto de FC 1984, de George Orwell, como
sendo uma obra utópica, alguns autores, como Bressand e Distler, apresentam-
-no como um conto antiutópico ou distópico. No fim do século XX e início
do XXI, o discurso vigente das lideranças costumava afirmar que câmaras nas
ruas, que geralmente passam despercebidas, são apenas para nossa segurança e
não para o controle. Ora, controle e segurança estão intimamente relacionados,
como nos alertava Foucault em seu Vigiar e punir. Nesse caso, onde ficaria o
livre-arbítrio?
O mesmo vale para os chips epidérmicos de que trata Violação de Privacida-
de14
. O filme, cuja história se desenvolve em um futuro mais ou menos próximo,
mostra a vida monótona de um editor de imagens (Robin Willians) que edita
lembranças gravadas de pessoas que deixaram de existir. Esse tipo de controle,
criticado na trama do filme, vem existindo na prática, onde verificamos chips
localizadores nos cartões de crédito ou, nos recentes: chips intraepidérmicos.
10. Ibid., p. 21.
11. MATURANA, H. Emo-
ções e linguagem na
educação e na políti-
ca. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2002, p. 33.
12. GREEN, B.; BIGUM,
C. Alienígenas na sala de
aula. In: SILVA, T. T. (org.).
Alienígenas na sala de
aula; uma introdução aos
estudos culturais em edu-
cação. Petrópolis: Vozes,
1995, p. 209.
13. Id., p. 218.
14. Violação de privaci-
dade (Final CUT) (2004),
EUA, de Omar Naim.
30
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
De certa forma, estes sistemas de rastreamento individual ofendem a “li-
berdade” dos indivíduos, expondo a ilegitimidade dessas novas formas de con-
trole, mais sutis e imperceptíveis. Os processos foram invertidos do pan-óptico
de Foucault para o sinóptico sugerido por Bauman: “A obediência aos padrões
tende a ser alcançada hoje em dia pela tentação e pela sedução e não mais pela
coerção – e aparece sob o disfarce do livre-arbítrio, em vez de revelar-se como
força externa”15
. O “Grande Irmão” tomou uma nova forma, mais perspicaz do
que a prevista por Orwell, maior e invisível, o manipulador das marionetes. “A
repulsa à rotina burocrática e a busca da flexibilidade produziram novas estru-
turas de poder e controle, em vez de criarem as condições que nos libertam”16
.
Em se tratando de estranhos e de seu papel na sociedade, Bauman nos
alerta para suas possíveis utilidades.
Esses poucos fatos anunciam o novo papel atribuído aos pobres na nova versão
da “classe baixa”, ou da “classe além das classes”: ela não é mais o “exército de
reserva da mão de obra” mas, verdadeiramente, a “população redundante”. Para
que serve? Para o fornecimento de peças sobressalentes para consertar outros
corpos?17
.
Na FC a “classe baixa” também pode ser vista de forma diferente, todos
os que morreram podem ser cobaias do futuro, como verificamos no filme
Free Jack18
, com Mick Jagger e Anthony Hopkins – onde não existe o tráfico de
órgãos para peças sobressalentes, mas, em contrapartida, existe o tráfico de
corpos inteiros! Espelhando-se nos estranhos de Bauman, um piloto de provas
(Emilio Estevez), que historicamente já havia morrido, é raptado um segundo
antes de sua morte por viajantes do tempo vindos do futuro. O objetivo deles
era utilizá-lo — visto que historicamente estava morto — como hospedeiro de
uma nova mente milionária (Hopkins), que recusava aceitar sua morte, mas
que podia pagar por toda essa operação.
Numa sociedade sinóptica de viciados em comprar/assistir, os pobres não podem
desviar os olhos; não há mais para onde olhar. Quanto maior a liberdade na tela
(…) tanto mais irresistível se torna o desejo de experimentar, ainda que por um
momento fugaz, o êxtase da escolha19
.
Vídeo Drome20
é a FC que mais se aproxima dessa realidade, mostrando
a “classe baixa” totalmente dependente da televisão, a ponto de os estranhos
terem que frequentar clínicas públicas especializadas no atendimento dos vi-
ciados em raios catódicos.
Nós também esquecemos os estranhos de Bauman, quando mergulhamos
em nossa vida diária, quando caminhamos pelas ruas e evitamos certos lugares
(ou não lugares), pois sabemos que ali existem os que não queremos lembrar
que existem. Lamentavelmente essa imposição pós-moderna está piorando a
cada dia, quando, em vez de nos preocuparmos em diminuir a pobreza, em
atingir sua raiz, nos preocupamos com a segurança de nós e de nossos filhos.
Sempre procuramos o caminho mais fácil, o menos doloroso, o mais egoísta,
sem dúvida, e o pior é que não temos vergonha disso.
15. Id. Modernidade lí-
quida. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2001,
p. 101.
16. SENNETT, op. cit., p. 54.
17. BAUMAN, Z. O mal
estar da pós-modernida-
de. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1998, p. 54.
18. Free Jack (1992), EUA,
de Geoff Murphy.
19. BAUMAN, Z. Moderni-
dade líquida, cit., p. 104.
20. Vídeo Drome (1983),
CANADÁ/EUA, de David
Cronemberg.
31
Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado
A IMAGEM DO ESCOLHIDO EM “MATRIX”
De uma forma análoga à risada enlatada (das comédias de situação na
TV), temos aqui algo semelhante a uma dignidade enlatada, em que o Outro
(o “Escolhido”) retém minha dignidade em meu lugar, ou, mais precisamente,
em que eu retenho minha dignidade por meio do Outro. Eu posso ser redu-
zido à cruel luta pela sobrevivência, mas a própria percepção de que existe o
“Escolhido” retém minha dignidade e permite-me manter um elo mínimo com
a humanidade21
.
O escolhido, que pode ser a imagem do pai, do amigo ou do professor,
muitas vezes é derrubado ou desmascarado, e nesses casos a vontade de viver
desaba, a vontade de sobreviver desaparece com ele, com o outro. Matrix apre-
senta isso em seu primeiro filme, na imagem de Neo, o protagonista da trilogia.
Ele mesmo tinha dúvidas quanto à existência dele ser o outro, o escolhido.
Essa dúvida gera tensão entre Neo e seus companheiros, que acabam traindo-o.
SOMOS LIVRES?
A liberdade “ameaça mais sombria [porém] atormentava o coração dos
filósofos: que as pessoas pudessem simplesmente não querer ser livres e rejei-
tassem a perspectiva da libertação pelas dificuldades que o exercício da liber-
dade pode acarretar”22
. Matrix é, sem dúvida, o melhor exemplo das bênçãos
mistas da liberdade que podemos encontrar na FC cinematográfica citadas
como exemplo na versão apócrifa da Odisseia, em que Ulisses descobre, após
21. IRWIN, op. cit., p. 274.
22. BAUMAN, Z. Moder-
nidade líquida, cit., p. 25.
Matrix (1999), combina utopia com distopia.
Divulgação
32
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
libertar seus “leais” e decepcionados marinheiros, que preferiam continuar na
forma de porcos.
Em um momento de clímax do filme, Cypher, um dos protagonistas secun-
dários, para surpresa do público, opta por continuar sendo escravo da máquina,
para não perder os prazeres de sua mordomia utópica. Ele está no mundo virtual,
sentado à mesa em um restaurante, em frente ao agente Smith, degustando um
saboroso filé e negociando sua liberdade e a de seus companheiros23
. A ilusão
foi preferida, em detrimento da realidade nua e crua. Jacoby, parafraseando
David Bromwich, pergunta-se: “Os intelectuais se oporiam a escravidão?”.
Sair da Caverna de Platão em Matrix é o mesmo que sair do controle das
máquinas que dominavam a humanidade. O problema é que, apesar da eston-
teante realidade demonstrar um conceito de liberdade, existiam pessoas livres
que preferiam a liberdade vigiada, retornando à Caverna e preferencialmente,
ao contrário de Platão, levando consigo todo o restante, para que ninguém mais
pudesse enxergar a verdade. A liberdade aparente que temos ou a liberdade
que não queremos.
“Esforços para manter a distância o outro, o diferente, o estranho e o
estrangeiro, e a decisão de evitar a necessidade de comunicação”24
. Na série
Além da Imaginação, da década de 1985, o episódio denominado “O Homem
Invisível”25
retrata exatamente isso. O protagonista Cotter Smith, que feriu a lei
de sua cidade cometendo um crime antissocial, leva uma marca em sua testa
e, apesar de estar sendo visto pela população, todos fingem não vê-lo e, dessa
forma, o personagem sofre as consequências de ser um homem invisível ou um
estranho. Apenas quando retirarem sua marca, ou seja, após ter cumprido sua
pena, é que voltarão a falar com ele, como se tivesse retornado de uma longa
viagem. A sequência final é brilhante: o protagonista avista uma colega com a
tal marca, vivendo a mesma situação que ele , e tendo se tornado uma mulher
invisível, mas cede às pressões e conversa com ela. Sabia que era apenas questão
de tempo para que a marca não tivesse mais efeito cultural.
Jacoby alerta para o fato de que os estadunidenses, apesar do discurso
multicultural, não demonstram na prática interesse pelas línguas de outras
culturas. Analogamente ao filme, agem como se as outras línguas estivessem
portando a marca da invisibilidade social.
Os estranhos de Bauman também podem ser evidenciados no filme distó-
pico Blade Runner [O Caçador de Androides]26
, em uma história de androides
idênticos aos seres humanos que, para escapar do trabalho nas minas do planeta
Marte, fogem para a Terra, no intuito de viverem em meio às pessoas, para
dessa forma passarem-se por humanos (serem livres). O policial Rick Deckard
(Harrison Ford) é contratado pela polícia de Los Angeles (que mais parece
uma Hong Kong em decadência) para descobrir onde estão os androides e
recapturá-los. Deckard aprofunda-se na investigação e descobre, ao final do
filme, que o fato de querer ser humano em uma sociedade decadente como a
Terra era impraticável para os androides. Também questiona se os estranhos
eram eles, os androides, ou nós, os humanos. A própria identidade de Deckard é
23. DANAHAY, M. A.;
RIEDER, D. Matrix, Marx
e a vida de uma bateria.
In: IRWIN, op. cit.
24. BAUMAN, Z. Mo-
dernidade líquida, cit.,
p. 126.
25. O Homem Invisível
[To See the Invisible Man]
(1985), EUA, de Robert
Silverberg.
26. Blade Runner, o
Caçador de Andróides
(1982), EUA, de Ridley
Scott.
33
Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado
colocada em dúvida quanto a sua autenticidade humana, por um colega policial
Hannibal Chew (James Hong), que a certa altura do filme o trata como um
estranho. Essa evidência é demonstrada na cena em que seu colega deixa, em
frente ao elevador, uma réplica em papel de um unicórnio, imagem principal
implantada nos sonhos de Deckard. Um final para levar muitos a refletirem sobre
a situação de Deckard e sobre o rumo que a humanidade pode vir a tomar.
ALGUMA CONCLUSÃO?
Como toda a encruzilhada evolutiva, não sabemos para onde esta nos
levará. As classes dominantes jamais abdicam do poder, mesmo que este as
leve à destruição. Assim, inteligências artificiais cada vez mais possantes serão
desenvolvidas com o objetivo de serem utilizadas nesse grande xadrez mundial
pelo poder, abrindo as portas, talvez, para a nossa destruição27
.
A contemporaneidade mostra uma busca pelo prazer diário, mesmo que
supérfluo, um consumo no sentido de digerir. Literatura, cinema, jogos virtuais,
comida e bebida. Tudo que esteja sendo comentado, divulgado na cultura de
massa. Essa fuga pelo consumo não apazigua sua busca por si mesmo, confun-
dido-se com a busca pela sociedade, pelo reconhecimento nela. A busca por si
deve ser constante. A dificuldade é que, no meio dessa busca, devemos mudar,
e toda mudança implica não só uma perda, mas também aceitar a perda, e
não é fácil. O processo de mudança é essencial, mas difícil.
Sennet aponta para a falta de relacionamentos objetivos e duráveis como
uma solução para o problema da inquietação e da angústia. Isso também se
evidencia nos jogos virtuais de computador, que estão cada vez mais reais e
sedutores.
Matrix pode servir de alerta para situações análogas que estão por vir? A
escola por sua vez tem que aprender a trabalhar com esse processo de cons-
trução social que, além das experiências educacionais, também inclui, como
lembra Green e Bigum, os meios de comunicação de massa, rock, cultura da
droga e outros fatores subculturais. Eles também recordam que é cada vez
mais urgente a necessidade de “pensarmos de forma diferente”. Precisamos
reimaginar a “imaginação investigativa educacional”28
.
Dessa forma, os autores concluem que:
argumentamos que é importante interagir ativamente com os novos insights e
imagens proporcionados pelo pós-modernismo cultural e pela nova ciência. Como
tem sido assinalado por vários analistas [...], parece haver uma convergência geral
e extremamente produtiva entre a teoria social e a ficção científica29
.
Desse modo, explorá-la no conceito educacional, como esse artigo, se torna
essencial.
Jacoby, em seu O fim da utopia, admite que a linguagem é reveladora e a
diversidade determina os caminhos a serem seguidos. Os conservadores que o
negam ficam à beira do caminho.
27. TORRIGO, M. Prólogo
a Matrix. In: IRWIN, op.
cit., p. 28.
28. GREEN, B.; BIGUM,
C. Alienígenas na sala de
aula. In: SILVA, T. T. (org.).
Alienígenas na sala de
aula: uma introdução aos
estudos culturais em edu-
cação. Petrópolis: Vozes,
1995, p. 211.
29. Id.
34
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
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ZIZEK, S. Matrix: ou os dois lados da perversão. In: IRWIN, Willian. Matrix: bem-
vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2003.
35
Histórias em quadrinhos
como suporte
pedagógico: o caso
Watchmen
Waldomiro Vergueiro
Professor titular e coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
E-mail: wdcsverg@usp.br
Douglas Pigozzi
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
E-mail: douglas.pigozzi@usp.br
Resumo: Discute a importância das his-
tórias em quadrinhos como suporte nos
procedimentos pedagógicos, em especial
sua aplicação no ensino de temas próprios
das Ciências Sociais, por meio de um es-
tudo de caso utilizando a obra Watchmen,
do roteirista britânico Alan Moore. Busca
estudar a proficiência no entendimento
das mensagens transmitidas pelos códigos
escritos e visuais, quando apresentados
em conjunto. Relaciona especificamente as
características da aplicação da linguagem
gráfica sequencial às técnicas de ensino.
Palavras-chave: Histórias em quadrinhos;
Educação; Ciências Sociais; Sociologia; Teoria
do Caos.
Abstract: The paper discusses the im-
portance of comics as support in the
educational procedures, particularly its
application in the teaching of Social Sci-
ences subjects, through a case study us-
ing the work Watchmen, by the English
writer Alan Moore. It also studies the
proficiency in the understanding of the
messages conveyed by written and visual
codes, when presented together. Finally, it
relates the characteristics of application of
graphic sequential language to the teach-
ing techniques.
Keywords: Comics; Education; Social Sci-
ences; Sociology; Chaos Theory.
INTRODUÇÃO
As histórias em quadrinhos possuem várias aplicações didáticas nas disci-
plinas do Ensino Médio. No caso específico das Ciências Sociais, é adequado
mencionar que seria possível, por meio do suporte de informação quadrinhos,
tratar dos diversos processos que auxiliam numa melhor compreensão das ca-
racterísticas tidas como “naturais” nas sociedades contemporâneas.
Recebido: 29/05/2012
Aprovado: 15/08/2012
36
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Os quadrinhos têm significativa importância pedagógica, por ser um meio
facilitador de transmissão de informação, ou seja, por auxiliar na transmissão
dos fluxos de mensagens. Além disso, também possibilitam construir sentido e
produzir informações de forma singular, quando comparados a outros recursos
informacionais1
.
Também se ressalta que os quadrinhos apresentam uma linguagem diferen-
ciada dos outros meios de acesso à informação, possuindo vários mecanismos
comunicativos de destacada riqueza, o que permite potencializar a sua capacidade
de expressão e comunicação. Neles existem dois códigos que interagem para a
transmissão das mensagens: o linguístico (as palavras utilizadas nas narrações)
e o pictórico (imagens). Além desses dois códigos, existem também diversos
elementos característicos da linguagem quadrinística, como os balões, as linhas
de movimento, as onomatopeias e as metáforas visuais.
Entre as diversas obras em quadrinhos que podem colaborar no objetivo
antes mencionado, a graphic novel Watchmen, escrita pelo autor britânico Alan
Moore2
, destaca-se por sua complexidade nas esferas da estética, da política e
da sociedade. Sua aplicação na área educativa tem sido abordada na literatura
da área, revelando benefícios palpáveis no processo de aprendizagem3
.
A GRAPHIC NOVEL WATCHMEN
É adequado ressaltar que, antes de Watchmen, Alan Moore escreveu várias
obras importantes, buscando temas de complexo entendimento na sociedade
contemporânea, tais como o fascismo, as greves, a guerra nuclear, os protestos
sociais e políticos, além de seres alienígenas.
Originalmente, uma minissérie produzida em 12 edições mensais,
Watchmen foi escrita por Moore entre 1986 e 1987. A obra contou também com
a participação de Dave Gibbons e John Higgins, no trabalho de ilustração e
cores, respectivamente. Seu sucesso fez com que, posteriormente, em 2009, ela
fosse transposta à linguagem cinematográfica4
.
Watchmen traz conteúdos que tratam de diversos aspectos culturais, econô-
micos, políticos e sociais, sendo uma produção já clássica nos quadrinhos. Tem
como ponto de partida o real impacto da presença de vigilantes e super-humanos
em nosso mundo e o modo como eles se relacionariam com os seres humanos
comuns. A graphic novel Watchmen expõe ao leitor um grupo de super-heróis
que combate o crime, mas que, ao mesmo tempo, apresenta distúrbios mentais
e, por vezes, sexuais. A obra fala de questões que os quadrinhos mainstream
– ou seja, produzidos pela grande indústria – raramente tratavam até aquele
momento, tais como a degradação humana em função da ignorância de uma
maioria. Anteriormente, apenas os quadrinhos underground – ou independentes
– discutiam com mais constância essas temáticas.
São 6 os protagonistas da história: Rorschach; Ozymandias; o Comediante;
o Coruja (que, na verdade, são dois personagens, o idoso e já aposentado Coruja
1. A esse respeito, ver:
BARI, Valéria Aparecida.
O potencial das histórias
em quadrinhos na forma-
ção de leitores. 2008.
Tese (Doutorado em Ci-
ências da Comunicação).
Escola de Comunicações
e Artes, Universidade de
São Paulo, 2008; CAPU-
TO, Maria Alice Romano.
História em quadrinhos:
um potencial de informa-
ção inexplorado. 2003.
Dissertação (Mestrado em
Ciências da Informação).
Escola de Comunicações
e Artes, Universidade de
São Paulo, 2003; RAMA,
Ângela; VERGUEIRO, Wal-
domiro (org.). Como usar
as histórias em quadri-
nhos na sala de aula. São
Paulo: Contexto, 2005;
VERGUEIRO, Waldomiro;
RAMOS, Paulo. Quadri-
nhos na educação. São
Paulo: Contexto, 2009.
2. MOORE, Alan; GIB-
BONS, Dave. Watchmen.
São Paulo: Panini Brasil,
2009.
3. HARRIS-FAIN. Dar-
ren. Revisionist superhero
graphic novels: teach-
ing Alan Moore’s Watch-
men and Frank Miller’s
Dark Knight Books. In:
TABACHNICK, Stephen.
Teaching the graphic
novel. New York: The
Modern Language Asso-
ciation of America, 2009.
p. 147-154.
4. WATCHMEN. Direção:
Zack Snyder.Legendary
Pictures; DC Comics,
2009. 1 bobina cinema-
tográfica (162 min.), color.
37
Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico • Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi
original e o segundo, que está inativo no começo da história); Laurie Juspeczyk
e o Dr. Manhattan (Figura 1). Todos esses personagens são apresentados ao
leitor já no primeiro capítulo da minissérie.
Figura 1
Fonte:Watchmen,p.51.
A história é ambientada em uma Nova York fictícia, situada no ano de 1985,
tendo como linha condutora o assassinato do Comediante, então um diplomata
estadunidense, e a investigação desse crime é realizada pelo vigilante Rorschach.
Durante o processo de investigação, várias fatos ocorrem, culminando com
o exílio voluntário do Dr. Manhattan da Terra, por sofrer desilusões com a
humanidade, e com a invasão do Afeganistão pela Rússia, o que coloca o planeta
à beira de um impasse nuclear. O pano de fundo da narrativa é a guerra fria
entre as duas grandes potências mundiais: Estados Unidos e União Soviética.
De acordo com Watchmen, em 1977 foi aprovada uma legislação específica,
denominada Lei Keene, que tornava os vigilantes ilegais, fazendo com que todos
eles abandonassem suas atividades. As únicas exceções foram os personagens
Dr. Manhattan e Comediante, que já exerciam suas atividades sob tutela estatal.
Ozymandias, considerado o homem mais inteligente do planeta, torna-se líder
de um conglomerado empresarial, enquanto Rorschach mantém suas atividades
à margem da lei e possui problemas tanto com as forças policiais como com os
malfeitores. Este personagem possui uma concepção moral bastante maniqueísta,
pois entende que existe tanto o bem como o mal, e que o mal deve ser punido.
O personagem Dr. Manhattan desempenha um papel fundamental na
história, pois é o único dotado de superpoderes, tais como a capacidade de
controle do tempo-espaço, regeneração física ou mental e teletransporte. No
universo construído por Moore, os Estados Unidos venceram a Guerra do Vietnã,
graças a esse personagem, e Richard Nixon sobreviveu ao escândalo Watergate
modificando a constituição e sendo reeleito por mais duas vezes. A série se
estende da década de 1930, início do advento dos “combatentes do crime”, ao
ano de 1985, no qual a história é inicialmente situada.
38
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
APLICAÇÃO DO RECURSO INFORMACIONAL À
EDUCAÇÃO: WATCHMEN, A TEORIA DO CAOS E A AÇÃO
SOCIAL DE MAX WEBER
A temática da teoria do caos foi aqui escolhida por ser possível fazer a
associação entre este conteúdo e o conceito de ação social de Max Weber5
, um
dos mais importantes temas por ele estudado.
A teoria do caos parte do princípio de que as ocorrências dos fatos (na-
turais e sociais) têm origem em determinadas sequências de eventos. Dito de
outro modo: um determinado fato que, a título de análise, será chamado de
evento C, ocorre posteriormente aos eventos A e B (nessa ordem); com isso,
quando ocorrer o evento A e depois o B, acontecerá o evento C6
.
Enfim, quando se analisam as relações em sociedade, as ações sociais e as
causalidades podem, certamente, sustentar que as escolhas dos atores sociais
são passíveis de inscrição em longas séries de interações entre causas e efeitos,
formando, portanto, uma cadeia de causalidades. Ou seja, o caos completo é
um tipo de perfeição.
Watchmen faz várias referências à matemática fractal e à teoria do caos
– portanto, aos processos não lineares –, utilizando também elementos meta-
linguísticos. Esta “linguagem” está relacionada à formação de estruturas dissipa-
tivas de não equilíbrio, sendo, portanto, instáveis. Nesse sentido, é importante
lembrar que, de acordo com David Ruelle, a dependência hipersensível das
condições iniciais alteram, de modo significativo, os processos que ocorrem
após um determinado evento7
.
Desse modo, a ciência do caos tem como objetivo detectar padrões nos
fatos naturais e sociais desprovidos de ordem aparente. Na ciência econômica,
por exemplo, tem ocorrido um aumento significativo do estudo dos não lineares
e as polêmicas se multiplicam a cada ano8
. Em específico, no caso da macro-
economia, o equilíbrio perfeito, que é resultado do livre-comércio, dogma do
liberalismo econômico, jamais será alcançado9
.
Atualmente, estuda-se como diminuir o grau de indeterminismo dos pro-
cessos, na tentativa de domínio do conhecimento de modelos heterogêneos
que se misturam em um determinado fenômeno. Durante muito tempo, ocor-
reram tentativas de desenvolvimento de teorias que buscavam a explicação de
coincidências (ou a ausência delas) no universo dos números e das formas,
mas essas fórmulas foram incapazes de abranger a essência dos episódios não
lineares e irregulares10
.
A teoria do caos é um tema complexo que demanda a utilização de re-
cursos informacionais que auxiliem, de forma lúdica, o seu entendimento. A
linguagem das histórias em quadrinhos pode ser uma alternativa bastante eficaz
nesse sentido, como se pretende demonstrar a seguir, pela discussão de um dos
princípios da teoria do caos, o efeito borboleta, em Watchmen.
O efeito borboleta foi estudado de forma aprofundada por Edward Nor-
ton Lorenz, meteorologista e matemático estadunidense (1917-2008). Em seus
5. WEBER, Max. Econo-
mia e sociedade: fun-
damentos da sociologia
compreensiva.Brasília:
Universidade de Brasília,
2009.
6. MLODINOW, Leonard.
O andar do bêbado:
como o acaso determi-
na nossas vidas. Rio de
Janeiro: Zahar, 2009;
BELLOS, Alex. Alex no
país dos números. São
Paulo: Companhia das
Letras, 2011.
7. RUELLE, David. Acaso e
caos. São Paulo: UNESP,
1993.
8. PRIGOGINE. Ilya. O
fim das certezas: tempo,
caos e as leis da natureza.
São Paulo: Editora da
Universidade Estadual
Paulista, 1996.
9. MLODINOW, op. cit.,
p. 187.
10. CAMBEL, Ali Bulent.
Applied chaos theory.
Boston: Academic Press,
1993.
39
Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico • Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi
estudos meteorológicos, esse autor procurou realizar uma simulação, buscando
prever as condições climáticas futuras. Para tanto, ao invés de repetir todos os
cálculos já realizados, iniciou-os já no meio do caminho, fazendo uso dos da-
dos iniciais que já possuía pela simulação anterior. Com isso, ele pensava que
o computador fosse reapresentar os dados da simulação prévia. Entretanto, tal
fato não ocorreu e o computador apresentou dados novos, fazendo com que
sua previsão das condições climáticas fosse diferente da anterior11
.
A explicação para tal fato é a de que, na memória do computador, os dados
haviam sido armazenados com uma precisão de seis casas decimais, enquanto
o resultado da impressão possuía três casas décimas. Assim, Lorenz concluiu
que pequenas diferenças conduzem a significativas alterações nos resultados
finais. Esse fenômeno ficou conhecido como “efeito borboleta”. Nos termos
de Mlodinow: “ínfimas alterações atmosféricas, como as causadas pelo bater
de asas de uma borboleta, poderiam ter um grande efeito nos subsequentes
padrões atmosféricos globais”12
.
Alan Moore, em Watchmen, conseguiu transpor o conceito do efeito borbo-
leta para os quadrinhos, ao destacar que, após o surgimento dos super-heróis,
o mundo jamais seria o mesmo, uma vez que estes afetariam o cotidiano das
pessoas comuns. Deste modo, as ações sociais dos indivíduos seriam diferentes,
quando se comparam dois períodos idênticos (em termos cronológicos): um,
com o surgimento e presença dos super-heróis, e, outro, sem esse surgimento.
Para Weber, cada ator social age conduzido por motivos relacionados à emoti-
vidade, aos interesses racionais e à tradição. Portanto, a ação social seria uma
conduta humana dotada de sentido subjetivo13
.
O sentido da ação é social, pois, cada indivíduo age levando em conta a
reação ou resposta dos outros atores sociais – como, por exemplo, a existência
real (ou não) dos super-heróis –, o que demonstra a intensa interdependência
dos indivíduos em sociedade. E mais: a ação social gera efeitos sobre a realida-
de em que ocorre, pois existe interdependência entre os sentidos das diversas
ações dos atores sociais.
Em Watchmen, a história é narrada de modo não linear, próprio dos eventos
que são estudados por meio da teoria do caos. Ressalta-se, porém, que se tem
aqui apenas uma alusão implícita à teoria do caos, alusão essa que está presente
no decorrer de toda a obra. De acordo com ela, o surgimento dos super-heróis
ocorreu em 1938, quando apareceram notícias de que pessoas “encapuzadas”
ou “usando alguma coisa sobre o rosto” teriam interrompido crimes em Nova
York. Foi nesse ano que, segundo a graphic novel, ocorreram notícias sobre os
primeiros aventureiros mascarados fora dos quadrinhos.
Lembra-se que o mundo apresentado em Watchmen era, até a década de
1960, semelhante ao nosso, com a diferença da existência de indivíduos fanta-
siados interrompendo assaltos ou outros crimes. Tal contexto se alterou com o
surgimento do primeiro herói com superpoderes reais, o Dr. Manhattan.
Esse personagem passou a ter superpoderes em função de um acidente,
no qual
11. MLODINOW, op. cit.,
p. 206.
12. Ibid, p. 206.
13. WEBER, op. cit.
40
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
(...) um jovem americano foi completamente desintegrado, pelo menos no sen-
tido físico da palavra. Apesar da ausência de corpo, uma forma de padrão ele-
tromagnético semelhante à consciência sobreviveu e foi capaz, com o tempo, de
reconstruir uma versão aproximada do corpo que o havia hospedado.
No decorrer da reconstrução de sua forma corpórea, essa entidade nova e total-
mente original adquiriu um domínio completo sobre toda a matéria, capaz de
moldar a realidade pela manipulação de seus blocos básicos.14
É possível fazer vários paralelos entre a obra Watchmen, em específico com
o protagonista Dr. Manhattan, e as teorias da ação social e do caos, pois o sur-
gimento desse protagonista em nosso mundo influiu diretamente na alteração
de contextos reais no futuro.
As figuras 2 e 3, a seguir, retratam a importância e a influência que o
personagem Dr. Manhattan exerceu na história analisada, para o desfecho da
guerra do Vietnã. Na obra em estudo, esse conflito bélico foi vencido pelos
Estados Unidos, contrariamente ao mundo real, no qual tal fato não ocorreu.
14. MOORE; GIBBONS,
op. cit., p. 138-139.
Figura 2: Dr. Manhattan e o
presidente Nixon.
Fonte:Watchmen,p.127.
Com a vitória dos Estados Unidos na guerra do Vietnã, como mostrado
nas figuras, as relações de forças políticas e de luta pelo poder entre as nações
foram alteradas. Ou seja: ocorreram modificações significativas nas relações
internacionais pela alteração do vencedor de uma guerra. Tal fato demonstra
como a variação de apenas um fato do contexto real acaba por ter repercussão
em todo um contexto econômico, social e político mais amplo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação da história em quadrinhos Watchmen às temáticas da teoria do
caos e as suas relações com a teoria da ação social de Max Weber deixa vislum-
brar um leque variado de possibilidades e recursos, disponíveis ao educador,
para trabalhar o tema de modo lúdico com os estudantes. Percebe-se, assim,
Figura 3: Os Estados Unidos
vencem a guerra do Vietnã.
Fonte:Watchmen,p.128.
41
Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico • Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi
as possibilidades de desenvolvimento de um trabalho com o conteúdo textual
e visual, próprio das histórias em quadrinhos. Especificamente na questão da
teoria do caos, as imagens dessa história em quadrinhos acabam por fornecer
todo um contexto, ou, até mesmo, um caso concreto (no âmbito da ficção)
das relações sociais existentes entre diversos agentes sociais, fazendo também
relação direta com a teoria do caos.
A experiência de aplicação da obra Watchmen às temáticas selecionadas
representa apenas uma possibilidade de aplicação dos quadrinhos em ambiente
didático. Muitas outras existem. Como produto artístico, as histórias em qua-
drinhos têm a capacidade de transmitir mensagens no âmbito educacional e
de aprofundar questionamentos no interior de uma determinada realidade. A
partir da aplicação aqui apresentada, pode-se afirmar que fica mais uma vez
comprovado que os professores do Ensino Médio – e também dos demais ní-
veis de ensino – têm, nas histórias em quadrinhos, um importante aliado nas
atividades escolares, pois esse recurso informacional possibilita a ampliação
do trabalho com os educandos, auxiliando no aprendizado por meio de uma
linguagem mais agradável e próxima dos alunos. E o melhor de tudo é que
os quadrinhos estão aí, disponíveis, acessíveis e prontos para serem explorados
por todos aqueles que tenham firmado um compromisso sério com a melhoria
do ensino e com a dinamização do ambiente escolar
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARI, Valéria Aparecida. O potencial das histórias em quadrinhos na formação
de leitores. 2008. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação). Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2008.
BELLOS, Alex. Alex no país dos números. São Paulo: Companhia das Letras,
2011.
CAMBEL, Ali Bulent. Applied chaos theory. Boston: Academic Press, 1993.
CAPUTO, Maria Alice Romano. História em quadrinhos: um potencial
de informação inexplorado. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Informação). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003.
HARRIS-FAIN. Darren. Revisionist superhero graphic novels: teaching Alan
Moore´s Watchmen and Frank Miller´s Dark Knight Books. In: TABACHNICK,
Stephen. Teaching the graphic novel. New York: The Modern Language
Association of America, 2009. p. 147-154.
MLODINOW, Leonard. O andar do bêbado: como o acaso determina nossas
vidas. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
MOORE, Alan; GIBBONS, Dave. Watchmen. São Paulo: Panini Brasil, 2009.
42
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
PRIGOGINE. Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São
Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996.
RAMA, Ângela; VERGUEIRO, Waldomiro (org.). Como usar as histórias em
quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2005.
RUELLE, David. Acaso e caos. São Paulo: UNESP, 1993.
VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo. Quadrinhos na educação. São Paulo:
Contexto, 2009.
WATCHMEN. Direção: Zack Snyder.Legendary Pictures; DC Comics, 2009. 1
bobina cinematográfica (162 min.), color.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva.
Brasília: Universidade de Brasília, 2009.
43
Cruzando espaços:
proposta de contribuição
para a Wikipédia
Mayra Rodrigues Gomes
Professora titular no Departamento de Jornalismo e Editoração e do Programa de
Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP.
Ivan Paganotti
Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM) da
USP, sob orientação da Profa. Dra. Mayra Rodrigues Gomes, com bolsa CAPES.
Resumo: Este artigo relata uma experiência
em projeto pedagógico com reforço na
contribuição social. Trata da adoção em
sala de aula de sítio wiki, em que os alunos
realizam seus trabalhos finais das discipli-
nas ministradas para curso de Jornalismo.
Em extensão a essa proposta, o artigo
apresenta os primeiros passos em direção
ao aproveitamento desses mesmos tra-
balhos, com o intuito de complementar
tópicos, ou criar temas relevantes, na
Wikipédia.
Palavras-chave: Ensino; wikimedia; Wikipé-
dia; comunicação; colaboração.
Abstract: This article describes the ex-
perience in a pedagogical project that
reinforces social contribution. It is related
to the adoption, in class, of a site wiki in
which the students write their final works in
disciplines ministered for an undergraduate
course in journalism. The article presents
observations about an extension to the
pedagogical proposal: the first steps to-
ward the application of these works with
the intention to complement topics, or
create relevant themes, in the Wikipedia.
Keywords: Teaching; Wikimedia; Wikipedia;
communication; collaboration.
INTRODUÇÃO: ENTRE DOIS MUNDOS
Temos desenvolvido, a partir de 2005, um projeto didático junto a disci-
plinas ministradas na graduação, que envolve a criação de sítio da ferramenta
wiki para que os alunos componham seus trabalhos semestrais em ambiente
hipertextual1
. A plataforma wiki permite a inserção e edição colaborativa de
conteúdos, criando facilmente páginas hipermídias e links, usando um software
livre adotado também pela Wikipédia. Essas disciplinas são compartilhadas com a
Profa. Dra. Rosana de Lima Soares, e a implantação do projeto com wikimedia
envolveu a colaboração de vários orientandos, entre eles destacando-se Andrea
Limberto Leite, Eliza Bachega Casadei, Fábio Sasseron e Ivan Paganotti.
Embora pioneiro em sua época, o recurso à mídia de hipertexto tornou-se
procedimento, desde então, bastante comum em sala de aula. No entanto, nosso
Recebido: 21/09/2012
Aprovado: 01/11/2012
1. GOMES, Mayra Rodri-
gues; SOARES, Rosana
de Lima; LEITE, Andrea
Limberto. Wiki: uma ex-
periência pedagógica.
Rumores (USP), v. 1, n. 1,
2o
sem. 2007. Disponível
em: <http://www.revis-
tas.univerciencia.org/in-
dex.php/rumores/article/
viewFile/6495/5905>.
44
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
projeto conserva seu ineditismo, ao considerarmos a natureza das disciplinas
que ministramos.
Nossas disciplinas estão, em sequência de três, arroladas sob a rubrica Ci-
ências da Linguagem, pois esse nome já é revelador. Bastante antigo, o termo
segue o espírito do que ficou conhecido, a partir das colocações de Wittgenstein,
como virada linguística. Corresponde ao momento em que as ciências huma-
nas começaram a dedicar atenção especial à linguagem, considerando-a como
a dimensão de base para todo o potencial que caracteriza nossa humanidade.
A partir desse momento, em meados do século XX a expressão se fez
cada vez mais presente nas obras de grandes pensadores. Embora a virada
como um todo tenha tido suas raízes em trabalhos desenvolvidos no campo
da linguística, a expressão nada mais tinha a ver com a linguística no sentido
estrito do termo. Ela comparecia em obras diferenciadas e agregava campos
do saber (como antropologia, história, lógica, psicanálise, psicologia, sociolo-
gia etc.) em torno de achados e reflexões, a partir do papel da linguagem na
constituição do homem, suas comunidades, suas fabulações e, portanto, seus
modos de conceber e viver a realidade do mundo.
Das reflexões geradas pelo conjunto de saberes em torno desse eixo, po-
demos dizer que se tratava, fundamentalmente, da ativação de uma filosofia
da linguagem. Nesse caso, é preciso esclarecer que, por linguagem, se entende
uma dimensão que compreende língua e também todas as formas de expres-
são inscritas ou ainda por se inscrever. É igualmente necessário anotar que o
termo ciências se sustenta enquanto remetido aos procedimentos metodológicos
específicos, mantidos por cada campo, ainda que sob o prisma da linguagem,
em relação a seu objeto.
No decorrer do tempo, esse conjunto passou a incorporar achados da
biologia, das ciências cognitivas, da neurologia, da paleontologia etc. Para seu
desenho e depuração, foram fundamentais os conceitos de alteridade, discur-
so, identidade e sistema, acompanhados de uma genuína revolução quanto ao
conceito de representação.
Por outro lado, dentre esses conceitos, enquanto instrumentalização, o de
discurso, em suas variadas apropriações, teve um papel central, pois foi traba-
lhado a partir de sua propriedade básica, ou seja, a articulação das coisas, de
modo a gerar sentidos orientadores da ação humana, a rigor, a tessitura do
mundo. Por outro lado, o conceito de narração é um segmento fundamental
para a compreensão dos meios e formas em que as mencionadas articulações
se estruturam.
Uma vez apontados esses conceitos centrais, ao procurarmos novamente uma
visão de conjunto, é discernível uma linha central catalisadora que podemos
identificar como uma teoria do sujeito enquanto ser de linguagem.
Tendo esses vetores no horizonte, as Ciências da Linguagem se voltam
para a compreensão das condições e efeitos dos processos comunicacionais,
vale dizer, ao mesmo tempo, para a compreensão das produções midiáticas ao
longo do tempo.
45
Cruzando espaços • Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti
Ora, embora de caráter teórico, nossas disciplinas têm a cultura, em suas
formas midiáticas de emergência, como a matéria por onde transitam em suas
explicações/demonstrações. Entre dois mundos, o da teoria e o das práticas
correntes, tais disciplinas não deixam de impor questões e desafios.
Por um lado, e em virtude de sua mencionada natureza, elas se constituem
como rede de informações, rede de cruzamento de teorias da qual brota uma
compreensão de conjunto e com a qual se colocam nossos instrumentais ex-
ploratórios. Este foco se reforça com alguns dos autores que são nelas aborda-
dos, como, por exemplo (e apesar de seus distintos enfoques), Gilles Deleuze,
Marshall MacLuhan, Pierre Lévy etc.
Por outro lado, elas nos pedem uma ponte entre a teoria e seu objeto de
reflexão para além da própria reflexão, ou seja, enquanto fazer concreto no
qual possam ser vistos aportes teóricos em atualização. Esse prisma também é
solicitado em virtude dos autores por elas visitados, por exemplo, Michel Fou-
cault, Patrick Charaudeau, Dominique Maingueneau, cujos trabalhos operam
na injunção dos processos a partir das leis, ou conceitos, que lhes organizam,
dando uma forma de inteligibilidade.
Em resposta a esse quadro veio o encontro com a wikimedia, software livre
voltado para a organização de conteúdo em forma sincrética, o qual permite
automática linkagem e cruzamento entre texto, imagem e som.
De 2005 ao presente momento, temos explorado formas de abordagem
da ferramenta e meios de utilização que possam propiciar ao aluno uma fácil
aproximação e melhor aproveitamento. Estávamos respondendo à questão da
ponte entre teoria e prática, mas também a uma questão que se enuncia, com
insistência, em tempos de redes sociais. Trata-se da conectividade entre meios e
pessoas de que se tecem as relações sociais, em seus diversos níveis e extensão,
em nossos dias.
Procuramos descrever essa experiência anteriormente2
, assim como nosso
modo de resposta a demandas da contemporaneidade. Porém, dois novos fatores
se introduziram a partir dessas mesmas experiências. Em primeiro lugar, desde
o início da implantação dos sites wikis, constatamos que, ao construírem seus
artigos, os alunos, em termos da implantação de links externos, recorriam, ma-
joritariamente, a páginas da Wikipédia que estendiam/explicavam determinado
tópico. Mais do que isso, constatamos que a maior fonte para seus levantamentos
ou pesquisas sobre um assunto era a própria Wikipédia.
Ao mesmo tempo, pudemos perceber que a referência dos alunos era, fre-
quentemente, a Wikipédia em língua inglesa. E, comparativamente, o conteúdo
nessa língua era – no que tange aos temas explorados em classe – bem mais
extenso, pormenorizado e abrangente. Por outro lado, desde algum tempo, ao
acessarmos a Wikipédia, somos solicitados a contribuir com seu projeto, tanto para
que ele inclua mais informações quanto para que essas sejam mais acuradas.
Seguindo experiências anteriores na Universidade de Columbia, em Nova
York3
, com concomitantes experiências na Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro e na Universidade Estadual Paulista de Marília4
, no primeiro
2. GOMES, Mayra Rodri-
gues; SOARES, Rosana de
Lima. Wikimedia: integra-
ção de texto e imagem
no ensino de Jornalismo.
Brazilian Journalism Re-
search, v. 7, p. 171-199,
2011. Disponível em:
<http://bjr.sbpjor.org.br/
bjr/article/view/299/280>
3. BLASQUES, Márcia.
Colaboração, direito de
autor e narrativas da
contemporanidade. In:
MEDINA, Cremilda (org.).
Liberdade de expressão,
direito à informação nas
sociedades latino-ameri-
canas. São Paulo: Funda-
ção Memorial da América
Latina, 2010, p. 107.
4. ESTEVES, Bernardo.
Cooperação conturba-
da: quem são e por que
brigam os editores da
Wikipédia em português.
Revista Piauí, n. 70, jul.
2012. Disponível em:
<http://revistapiaui.es-
tadao.com.br/edicao-70/
questoes-enciclopedicas/
cooperacao-conturbada>.
46
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
semestre de 2011, buscamos levar os artigos construídos por nossos alunos den-
tro de nossa própria plataforma wiki para a Wikipédia, para que o resultado de
suas pesquisas pudesse complementar, aprimorar ou criar verbetes nesse meio
– uma experiência que será pormenorizada a seguir.
TRANSPONDO ESPAÇOS: O MUNDO DO LADO DE LÁ
Foi assim que adotamos, como condição da avaliação final, o projeto de
inserção, pelos próprios alunos, de parte de seus trabalhos, visando à com-
plementação de tópicos já existentes ou, dependendo do caso, a criação de
temas expressivos, no entanto, ainda inexplorados. Cruzando a demanda desses
verbetes incipientes, que poderiam crescer com a colaboração de nossos alu-
nos (ver Imagem 1), com a oferta possível de conteúdos estudados durante a
disciplina, os estudantes escolheram tópicos, esboçando suas contribuições em
uma plataforma wiki fechada5
, hospedada nos servidores da USP para esse fim
(ver Imagem 2). Após elaboração satisfatória e comentários da docente e dos
monitores, os alunos inseriram então esses conteúdos na Wikipédia (Imagem 3).
5. Matutino: <http://www.
jorwiki.usp.br/jorwiki/gdmat11/
index.php/CI%C3%8ANCIAS_
DA_LINGUAGEM_I>. Noturno:
<http://www.jorwiki.usp.br/
jorwiki/gdnot11/index.php/
CI%C3%8ANCIAS_DA_LIN-
GUAGEM_I>
6. <http://pt.wikipedia.org/w/
index.php?title=Esfera_p%C3
%BAblica&oldid=25416823>.
7. <http://www.jorwiki.usp.br/
jorwiki/gdnot11/index.php/
Esfera_p%C3%BAblica>.
Imagem 1 – Artigo “Esfera pública”, na Wikipédia (início do 1o
semestre/2011)6
.
Imagem 2 – Artigo “Esfera pública”, elaborado pelos alunos na plataforma
wiki interna (fim do 1o
semestre/2011)7
.
47
Cruzando espaços • Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti
Entretanto, poucos dias depois, 5 dos 20 artigos com contribuições dos
alunos foram retirados da Wikipédia. Entre os tópicos removidos, encontram-se
descrições de livros como “Análise de textos de comunicação”, de Dominique
Maingueneau, “Interpretação e superinterpretação”, de Umberto Eco, e “A arte
da conversação”, de Peter Burke. Esses verbetes foram acusados de se tratarem
de “resenha crítica” de obras pouco relevantes, ou sem fontes externas, o que
é desaconselhado pelas políticas de neutralidade da Wikipédia, que proíbe a
publicação de pesquisa inédita, sem fundamentação em dados e interpretações
já publicadas em fontes confiáveis – pois os artigos sobre os livros citavam
predominantemente as próprias obras que pretendiam sintetizar. Outro tópico
(mostrado na Imagem 4) sobre a “Esfera pública” apresentou uma paradoxal
acusação de “violação dos direitos autorais” da própria página dos alunos
na nossa plataforma wiki – como os esboços dos artigos partiram de lá, um
editor da Wikipédia considerou a transposição do conteúdo como plágio, e não
identificou que se tratava de etapa preliminar dos próprios autores.
8. <http://pt.wikipedia.org/w/
index.php?title=Esfera_p%C3
%BAblica&direction=next&ol
did=25837461>.
9. <http://pt.wikipedia.org/
wiki/Esfera_p%C3%BAblica>.
Imagem 3 – Contribuição dos alunos ao artigo “Esfera pública”,
na Wikipédia (fim do 1o
semestre/2011)8
.
Imagem 4 – Versão atual (em setembro/2012) do artigo “Esfera pública”, na Wikipédia
(contribuições dos alunos foram apagadas9
).
48
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Ainda assim, três quartos dos artigos persistem após mais de um ano na
Wikipédia, demonstrando que a experiência apresentou frutos perenes: entre
eles, destacam-se contribuições em trechos de biografias (de Julia Kristeva,
Sigmund Freud, Contardo Calligaris e Dominique Maingueneau), a ampliação
de artigos sobre obras fundamentais (como A interpretação dos sonhos, de Freud,
e A ordem do discurso, de Foucault), além de aprimoramentos nos tópicos Faits
divers, Identidade Nacional, Moral, Opinião Pública, Relativismo Linguístico e
Discurso.
Devido às exclusões de artigos no primeiro semestre de 2011, no segundo
semestre a contribuição com a Wikipédia foi facultativa. Dos poucos alunos que
decidiram contribuir com a enciclopédia, uma estudante adotou o incipiente
artigo “Gatekeeping” (ver Imagem 5), estruturando sua contribuição após aulas
com tutoriais dos monitores e docentes da disciplina (Imagem 6) e, posterior-
mente, concluiu o tópico, seguindo comentários dos professores ao final da
disciplina (Imagem 7), e inserindo sua contribuição na Wikipédia (Imagem 8).
10. <http://pt.wikipedia.
o r g / w / i n d e x . p h p ? t
itle=Gatekeeping&old
id=26024157>.
11. <http://www.jorwiki.
usp.br/jorwiki/gdnot11/
i n d e x . p h p? t i t l e = O _
g a t e k e e p i n g _ e _
a s _ n a r r a t i v a s _ n a _
Web&oldid=2719>.
Imagem 5 – Artigo “Gatekeeping”, na Wikipédia (início do 2o
semestre/2011)10
.
Imagem 6 – Artigo “O gatekeeping e as narrativas na web”, esboçado pela aluna na plataforma
wiki interna (meados do 2o
semestre/2011)11
.
49
Cruzando espaços • Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti
Ironicamente, o artigo “Gatekeeping” foi ele próprio alvo de controle: a
contribuição da aluna foi removida por um editor da Wikipédia, novamente
criticando a “violação de direitos autorais” da página da própria aluna na
nossa plataforma wiki. Porém, dessa vez a aluna conseguiu contatar o usuário
“Jo Lorib” (identificado como João Ribeiro) que removera sua contribuição, e,
após explicar a dinâmica da atividade, recebeu a recomendação de inserir, em
sua página no site wiki, uma licença de uso da Creative Commons14
, adotada
também pela Wikipédia. A recomendação desse editor foi crucial para o apri-
moramento dessa atividade, evitando novas acusações de violações de direitos
1 2 . < h t t p : / / w w w .
jorwiki.usp.br/jorwiki/
gdnot11/index.php/O_
gatekeeping_e_as_narra-
tivas_na_Web>.
13. <http://pt.wikipedia.
o r g / w / i n d e x . p h p ? t
itle=Gatekeeping&old
id=27427069>.
14. <http://creative-
commons.org/licenses/
by/3.0/>.
Imagem 7 – Artigo “O gatekeeping e as narrativas na web”, concluído pela aluna na plataforma
wiki interna (fim do 2o
semestre/2011)12
.
Imagem 8 – Contribuição da aluna ao artigo “Gatekeeping”
na Wikipédia (fim do 2o
semestre/2011)13
.
50
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
autorais; posteriormente, em contato por e-mail com os autores desta pesquisa,
esse editor também se dispôs a colaborar com a atividade, de forma a treinar
os alunos na linguagem e nas práticas próprias da Wikipédia, evitando novos
atritos com outros usuários e a perda das colaborações dos alunos. Dessa for-
ma, o artigo da aluna retornou e persiste atualmente na Wikipédia, com novas
contribuições (Ver imagem 9).
15. <http://pt.wikipedia.
org/wiki/Gatekeeping>.
16. MORAES JÚNIOR,
Enio. O ensino do in-
teresse público na for-
mação de jornalistas:
elementos para a cons-
trução de uma pedagogia
[Tese de Doutorado]. São
Paulo, 2011, p. 316.
17. MAINGUENEAU, Do-
minique. Análise de tex-
tos de comunicação. São
Paulo: Cortez, 2005, p. 42.
18. BARROS FILHO, Cló-
vis; DAL FABBRO, Antô-
nio. Jornalismo didático
e agenda do leitor. Co-
municação & Educação,
n. 11, p. 22, jan./abr. 1998.
Imagem 9 – Versão atual do artigo “Gatekeeping” na Wikipédia (setembro/2012)15
.
CONCLUSÃO: CONTRIBUIÇÕES NA TRANSIÇÃO
ENTRE MUNDOS
A promoção da cidadania e a preocupação com temas de interesse público
são centrais na formação de jornalistas16
. A experiência antes analisada não
só pretende trabalhar com a “competência enciclopédica”17
dos alunos, que
aprofundam seus saberes e, no processo, contribuem para o conhecimento
socialmente acessível, mas também busca trabalhar com as capacidades lin-
guísticas dos futuros jornalistas, que precisarão apresentar, descrever e explicar
conceitos para seu público, uma preocupação pedagógica própria da prática
do “jornalismo didático”18
.
Além das habilidades clássicas de pesquisa e organização textual, centrais
ao jornalismo – nesse caso, seguindo um estilo mais objetivo e coeso, que
aproxima a linguagem enciclopédica de técnicas de texto jornalístico –, a ati-
vidade descrita anteriormente já parte de um exercício de apuração criativa
semelhante à pauta jornalística, identificando lacunas e temas de interesse que
podem abrir espaço para novos tópicos ou contribuições de aprimoramento de
verbetes incipientes.
Mais do que isso, a contribuição com a Wikipédia evidenciou uma necessidade
de abertura à crítica pública, pois a visibilidade dos trabalhos cresceu devido
51
Cruzando espaços • Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti
ao grande público e à importância desse veículo. Novas estratégias de escrita
também se tornaram necessárias devido ao formato colaborativo da Wikipédia,
que permite comentários e edições de outros usuários – nesse ambiente, alunos
e professores precisam mostrar a validade de sua contribuição pela fundamen-
tação de seus artigos, não podendo escorar-se no prestígio acadêmico.
Com isso, ficou ainda mais evidente para os alunos a necessidade de basear
suas pesquisas em fontes confiáveis e verificáveis, possibilitando o aprofunda-
mento posterior dos leitores interessados19
. Também o uso de hipermídia – uma
grande vantagem ilustrativa na plataforma fechada, que permite exemplificação
ou análise de objetos midiáticos – demandou restrições para seguir as exigências
das políticas internas da Wikipédia com respeito aos direitos autorais.
Por fim, as contribuições excluídas mostraram aos alunos a existência de
disputas pela definição dos sentidos dos termos, baseados em discursos de
autoridade, pelas demandas técnicas ou legais, ou pela legitimidade dos parti-
cipantes com mais prática em zelar pelas regras coletivas. Se a credibilidade da
Wikipédia já foi reconhecida justamente pelo controle constante da qualidade
das contribuições de seus voluntários20
, isso por vezes pode levar a conflitos
entre diferentes interpretações dos princípios e regras desse projeto coletivo.
Como conclusão, é possível destacar alguns desafios para a continuidade
e aprimoramento dessa contribuição acadêmica para a Wikipédia:
• Aprimorar o treinamento prévio dos alunos: além do uso técnico do
software, atualmente coberto pelos tutoriais dos monitores, é preciso
discutir melhor as regras da Wikipédia (como os direitos autorais) e seus
princípios e convenções (quais páginas exigem edição, e como ela deve
ser feita).
• Crítica da simples tradução de verbetes de outros idiomas ou cópia de
registros em outras fontes: a apropriação adequada das informações deve
ir além da simples reprodução para realmente influir na formação dos
jovens estudantes. É necessário apresentar as vantagens da contextuali-
zação e reformulação das informações coletadas de forma a atender às
demandas próprias de cada público específico, uma habilidade (e um
princípio ético) essencial para futuros jornalistas.
• Maior objetividade: diminuir a prioridade dada por trabalhos acadêmicos
de análise (interpretativa e, por definição, subjetiva e contestável) de
objetos, incentivando a descrição de conceitos (por meio de pesquisa e
fundamentação em fontes já existentes). No caso descrito anteriormen-
te, promove-se mais o papel do jornalista como repórter, que relata e
“reporta”21
, e menos o de um “comentarista”22
, que analisa e interpreta
fatos a partir de um ponto de vista particular.
Além disso, o maior desafio – determinante para a continuidade dessa
experiência – exige reverter o incentivo negativo por que passam os novos
usuários inexperientes23
, que sofrem com a dificuldade inicial de dominar
19. GOMES, Mayra Ro-
drigues. Site wiki em sala
de aula: uma experiência
com hipertextualidade.
Comunicacao & Educa-
cao, v. 11, p. 109-118,
maio/ago. 2009. Dispo-
nível em: <http://www.
revistas.univerciencia.
org/index.php/comeduc/
article/view/7797/7192>.
20. GILES, Jim. Internet
encyclopaedias go head
to head (Enciclopédias
na internet estão páreo
a páreo). Nature, n. 438,
p. 900-901, 15 dez. 2005.
Disponível em: <http://
www.nature.com/natu-
re/journal/v438/n7070/
full/438900a.html>.
21. SODRÉ, Muniz. A
narração do fato: notas
para uma teoria do acon-
tecimento. Petrópolis:
Vozes, 2009, p. 171.
22. CHAPARRO, Ma-
nuel Carlos. Sotaques
d’aquém e d’além mar:
travessias para uma nova
teoria de gêneros jornalís-
ticos. São Paulo: Summus,
2008, p.178.
23. D’ANDRÉA, Carlos
Frederico de Brito. En-
ciclopédias na web 2.0:
colaboração e moderação
na Wikipédia e Britanni-
ca Online. Em Questão
(UFRGS), v. 15, n. 1, p.
73-88, jan./jun. 2009.
Disponível em: <http://
seer.ufrgs.br/EmQuestao/
article/view/9147/5801>.
52
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
linguagem e regras próprias da Wikipédia. Devido a críticas ou exclusões de
suas contribuições, os principiantes podem desistir da colaboração.
Experiências anteriores destacam que a maior proximidade institucional
com a Wikimedia Foundation24
possibilita uma base melhor para que os alunos
tenham maior desenvoltura nessa colaboração25
. A própria Wikipédia descreve-se
como “A enciclopédia livre”, mas não custa lembrar que a liberdade de contri-
buição e edição encontra limites coletivamente difundidos e decididos sobre
quais contribuições são válidas, e como devem ser feitas. Caso as dificuldades
iniciais impostas pelas próprias dinâmicas da Wikipédia se tornem uma barreira
de transposição difícil, a “enciclopédia livre” poderia acabar tolhendo demasia-
damente a própria liberdade dos colaboradores de que depende.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS FILHO, Clóvis; DAL FABBRO, Antônio. Jornalismo didático e agenda
do leitor. Comunicação & Educação (USP) n. 11, p. 22, jan./abr. 1998.
BLASQUES, Márcia. Colaboração, direito de autor e narrativas da contempo­
ranidade. In: MEDINA, Cremilda (org.). Liberdade de expressão, direito à
informação nas sociedades latino-americanas. São Paulo: Fundação Memorial da
América Latina, 2010, p. 107.
CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além mar: travessias para
uma nova teoria de gêneros jornalísticos. São Paulo: Summus, 2008, p. 178.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo:
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MORAES JÚNIOR, Enio. O ensino do interesse público na formação de jornalistas:
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SODRÉ, Muniz. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento.
Petrópolis: Vozes, 2009, p. 171.
Endereços eletrônicos
D’ANDRÉA, Carlos Frederico de Brito. Enciclopédias na web 2.0: colaboração
e moderação na Wikipédia e Britannica Online. Em Questão (UFRGS), v. 15, n.
1, p. 73-88, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/EmQuestao/
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ESTEVES, Bernardo. Cooperação conturbada: quem são e por que brigam os
editores da Wikipédia em português. Revista Piauí, n. 70, jul. 2012. Disponível em:
24. <http://wikimediafoun-
dation.org/wiki/Home>.
25. JORENTE, Maria José
Vicentini. Cultura da Wi-
kipédia como política de
capacitação compartilha-
da em meio digital de
socialização do conhe-
cimento. Tendências da
Pesquisa Brasileira em
Ciência da Informação,
v. 4, n. 1, 2011. Disponível
em: <http://inseer.ibict.
br/ancib/index.php/tpbci/
article/viewArticle/53>.
53
Cruzando espaços • Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti
<http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-70/questoes-enciclopedicas/cooperacao-
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GILES, Jim. Internet encyclopaedias go head to head (Enciclopédias na internet
estão páreo a páreo). Nature, n. 438, p. 900-901, 15 dez. 2005. Disponível em:
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experiência pedagógica. Rumores (USP), v. 1, n. 1, 2o
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JORENTE,MariaJoséVicentini.CulturadaWikipédiacomopolíticadecapacitação
compartilhada em meio digital de socialização do conhecimento. Tendências da
Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, v. 4, n. 1, 2011. Disponível em:
<http://inseer.ibict.br/ancib/index.php/tpbci/article/viewArticle/53>.
Miolo[1]
artigosinternacionais
55
Redescobrindo o interesse
pelas ciências: a chave para
uma sociedade tecnológica
Carlos Busón Buesa
Doutor em Comunicação e Educação em Ambientes Digitais da UNED. Mestre em
Comunicação e Educação na Rede, pela UNED. Professor e pesquisador em TICs na UNED.
E-mail:cbuson@gmail.com
Resumo: Apesar de vivermos em uma
sociedade resultante da ciência e da tec-
nologia, estamos cada vez mais afastados
delas. Neste artigo pretendemos mostrar
como uma má aprendizagem de disciplinas
científicas produz um crescente desinteresse
dos jovens pelo assunto. É fundamental que
a sociedade da informação e comunicação
promova uma aprendizagem mais adaptada
aos tempos atuais, que considere as no-
vas formas de aprender a aprender algo
essencial em uma sociedade desenvolvida.
Palavras-chave: Ciência; educação; tecno-
logia; criatividade; motivação.
Abstract: Although we live in a society that
is result of science and technology, we are
increasingly more distant from them. In
this paper we argue that an inadequate
learning of the scientific disciplines can
produce disinterest on the issue amongst
young people. It is essential in information
and communication society to promote
an education in line with these times,
an education that considers new ways of
learning to learn, which is indispensable
in a developed society.
Keywords: Science; Education; Technology;
Creativity; Motivation.
A influência educativa que a execução
de um trabalho exerce no aluno pode variar
bastante, a depender se ele experimentou o
medo de ser castigado, a paixão egoísta
ou o desejo de prazer e satisfação.
Albert Einstein (1879-1955)
Recebido: 27/08/12
Aprovado: 08/10/12
1. Entrevista de Michio
Kaku. Por qué los niños
no quieren ser científicos
[Por que as crianças não
querem ser cientistas].
Disponível em: <http://
w w w .y o u t u b e . c o m /
watch?v=xroEFYCXrwY>.
Acesso em: 6 abr. de 2012.Carlos Busón Buesa
O interesse e a motivação são fatores-chave para a aprendizagem humana.
Nosso meio nos estimula à descoberta, mas, em muitos casos, o que poderia
ser uma experiência bela e estimulante transforma-se em
algo desagradável e frustrante. O físico e divulgador Michio
Kaku1
afirma que “nascemos cientistas” e, assim mesmo, nos
alerta sobre algo inquietante, ao referir-se aos “anos peri-
gosos para a ciência”, os quais correspondem curiosamente
ao período que inclui o ensino primário e secundário,
quando a curiosidade dos jovens é literalmente esmagada
56
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
pelo sistema educacional, que oferece unicamente a transmissão linear das
ideias para dar conta dos programas oficiais.
Não obstante, essa mesma ideia sobre a educação é compartilhada por mui-
tos outros cientistas e educadores, como o prêmio Nobel Sydney Brenner2
ou,
para ir ainda mais longe, o próprio Albert Einstein3
. Por que tantos cientistas
de renome acreditam que a escola é o maior perigo para a ciência?
A resposta talvez seja mais simples do que se acredita: a escola, tal como
a compreendemos, acaba com a criatividade e o interesse natural das crianças.
Como afirma Robinson4
, a educação afasta muitas pessoas de seus talentos na-
turais. Apaga a curiosidade própria dos jovens; uma escola que não responde
às perguntas e que persegue a quem o faça. É necessário voltar e resgatar o
conceito da pedagogia da pergunta, de Freire e Faundez5
, uma pedagogia que
incita a descobrir o desconhecido.
ALERTA NA EDUCAÇÃO
São numerosas as vozes críticas que nos alertam para o estado da educação
atual. Muitos autores nos falam dos pífios resultados obtidos, de meios insufi-
cientes, do abandono escolar, de professores malformados e desmotivados etc.
Tudo isso, sem dúvida, incide nos resultados acadêmicos e, consequentemente,
no desenvolvimento econômico e social de um país.
Schank6
afirma que “o que ensinamos não está certo, e a forma como en-
sinamos também não”, chegando a dizer que “as escolas de hoje organizam-se
em torno das ideias de ontem, das necessidades de ontem e dos recursos de
ontem”7
. Continua e reafirma: “as escolas nunca ensinam o que vale na vida.
Obrigam o aluno a memorizar, todos no mesmo ritmo, dados que são esquecidos
de imediato. As provas avaliam aptidões que não têm a menor importância”.
Não poderíamos estar mais de acordo, pois memorizar conteúdos acrescenta
pouco à aprendizagem. Entretanto, o que entendemos por utilidade? O que
realmente é útil para a vida? Trata-se de questões de difícil resposta.
Cada vez mais cresce o número de autores que questionam os conteúdos
oferecidos nas aulas: Schank (1995), Torres (2000), Carbonell, (2006), Robin-
son (2006, 2011), Prensky (2010), e muitos outros falam de conteúdos “pouco
úteis”, baseados em modelos educacionais arcaicos, que nada têm a ver com
as novas gerações. Não obstante, isto não é algo novo, em seu momento, Isaac
Asimov8
afirmava que nas escolas a educação é algo imposto, e que todos são
obrigados a aprender as mesmas coisas, ao mesmo tempo, no mesmo ritmo –
desconsiderando que todas as pessoas são diferentes. Em um espaço assim há
bem pouca margem para desenvolver a criatividade e o interesse dos alunos.
2. Entrevista de Sydney
Brenner, um biólogo da
África do Sul, premiado
com o Nobel de Medi-
cina de 2002: “acredito
que no fundo todas as
crianças são naturalistas e
parecem querer explorar a
natureza. Infelizmente vão
à escola e a escola acaba
com isso...”. Disponível em:
<http://www.rtve.es/tve/b/
redes2007/semanal/prg341/
entrevista.htm>. Acesso em
5 dez. 2011.
3. “O ensino deveria ser
de natureza tal que o que
se oferece fosse recebido
como um dom valioso e
não como penoso dever”
(EINSTEIN, 1980: 76), “Para
mim, o pior da escola é
utilizar como fundamento o
temor, a força e a autorida-
de. Tal tratamento destrói
os sentimentos sólidos, a
sinceridade e a confiança
do aluno em si mesmo. Cria
um ser submisso” (Ibid., 71).
4. Sir Ken Robinson; ¡A
iniciar la revolución del
aprendizaje! [Sir Ken Ro-
binson: vamos começar
a revolução da aprendi-
zagem!]. Disponível em:
<http://www.ted.com/talks/
sir_ken_robinson_bring_
on_the_revolution.html>.
Acesso em: 7 nov. 2010.
5. FREIRE, P; FAUNDEZ,
A. Por uma pedagogia da
pergunta. Rio de Janeiro:
Ed. Paz e Terra, 1985.
6. Entrevista de Roger
Shank. ¿Crisis educativa?
[Crise educacional?]. Dis-
ponível em: <http://www.
rtve.es/tve/b/redes2007/
semanal/prg351/entrevista.
htm>. Acesso em: 5 dez.
2011.
7. SCHANK apud NORA,
Dominique. La Conquista
Del Ciberespacio. Ed. An-
drés Bello, 1997, p. 46
8. Bill Moyers Rewind:
Isaac Asimov (1988). Dis-
ponível em: <http://www.
pbs.org/moyers/journal/
blog/2008/03/bill_moyers_
rewind_isaac_asimo_1.
html>. Acesso em: 6 dez.
2011.
57
Redescobrindo o interesse pelas ciências • Carlos Busón Buesa
A SOCIEDADE E A CIÊNCIA
Vivemos em um mundo resultante de avanços científicos e técnicos. Em
cada gesto nosso, interagimos com a tecnologia criada por nossos ancestrais;
cada instrumento que utilizamos em nosso meio cotidiano foi desenvolvido para
resolver um problema concreto, tudo, absolutamente tudo de nosso meio tem
uma origem tecnológica e, em última instância, científica. A tecnologia está
presente em todos os âmbitos humanos.
Entretanto, há um profundo desconhecimento de como a tecnologia se
desenvolve e qual é sua finalidade. Ao estudar ciências, os alunos adquirem
habilidades e destrezas que os capacitam a um melhor desenvolvimento em sua
vida cotidiana, para se relacionarem com seu meio e com o mundo natural. As
ciências se incorporaram à vida social de tal modo que se transformaram na
chave essencial que permite interpretar e compreender a cultura contemporânea.9
Conceitos como o genoma humano, o DNA, os transplantes, as pandemias, a
síndrome respiratória aguda grave, a AIDS, o câncer, as mudanças climáticas, o
fim da biodiversidade, a contaminação do meio ambiente, as catástrofes naturais
etc. estão presentes em nossas conversas diárias, de uma forma ou de outra.
Aumentar o interesse pela ciência nos ajudará a entender mais sobre nosso
meio e sobre nós mesmos. Carl Sagan10
afirmava que: “(...) vivemos em uma
sociedade profundamente dependente da ciência e da tecnologia, e na qual
ninguém sabe nada sobre estes assuntos. Isso constitui uma fórmula segura
para o desastre (...)”.
De qualquer modo, queremos ressaltar que não se trata, de forma nenhu-
ma, de transformar os alunos em grandes cientistas, mas de permitir que sai-
bam compreender não apenas os mecanismos do mundo em que vivem, como
também as implicações de suas atividades sobre o planeta e sobre a vida em
comum com nosso semelhantes.
A ciência é o processo para descobrir a verdade oculta no que nos rodeia,
como afirmam diferentes autores: Kuhn (1971), Popper (1980), Bourdieu (2003)
etc. Descobrimos uma maneira eficiente e elegante de compreender o universo,
e este método se chama ciência. Como dizia Sagan11
, “apenas quem formula
perguntas pode descobrir a verdade”. A dúvida produz a pergunta, que está
sempre presente no método científico em busca da verdade.
NOVOS DESAFIOS PARA NOVOS TEMPOS
Brenner (2006) afirmava que “a essência da ciência é realizá-la, implementá-
-la”. E uma das chaves sobre a criatividade é saber onde e como algo pode ser
experimentado.
Comentamos anteriormente que a chave da ciência e do progresso huma-
nos é a curiosidade e também a reflexão crítica. Apenas uma leitura crítica de
nosso entorno nos permite, tal como afirma Freire12
, desvelar a realidade, ler o
mundo – em uma sociedade que nos educa, muitas vezes, para não pensarmos.
9. AGAZZI, Evandro. El
bien, el mal y la ciencia
[O bem, o mal e a ciên-
cia]. Madrid: Ed. Tecnos,
1992, p. 45.
10. Série de TV Cosmos
(1980).
11. SAGAN, Carl. El cere-
bro de Broca [O cérebro
de Broca]. Barcelona: Ed.
Crítica, 2009, p. 424.
12. FREIRE, P. Pedagogía
de la indignación [Pe-
dagogia da indignação].
Madrid: Ed. Morata, 2001.
58
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Deveríamos retomar as ideias de John Dewey sobre o pensamento reflexo e
aprender fazendo, o que requererá, sem dúvida, um deslocamento do que se
alcançou até agora.
Ao focalizar esta discussão nos ambientes educacionais, em especial no
ensino e sua utilidade nas ciências, nos perguntamos se verdadeiramente os
alunos adquirem habilidades e destrezas que permitem melhor desenvolvimen-
to em sua vida cotidiana, aprendendo a se relacionar com seu meio e com o
mundo natural (OCDE, 2010).
Todos estes assuntos são tratados de modo mecânico; a educação atual
transformou-se, em muitos casos, em algo muito parecido com um restaurante
de fast food. Seguindo com a metáfora proposta, nos encontramos em muitos
países com uma educação “industrializada”, na qual os pratos são sempre os
mesmos em qualquer lugar em que nos encontremos; obriga-se o aluno a con-
sumir o que está no menu, queira ele ou não. Um sistema que dá bem pouca
margem à criatividade e à curiosidade para explorar “novos pratos e sabores”.
Entretanto, o docente deve ser imaginativo e buscar fórmulas para explicar
os conceitos de forma criativa. Gardner13
opina que devem ser desenvolvidos
materiais atraentes que se prestem à exploração e à síntese, aproveitando as
possibilidades da tecnologia. É interessante desenvolver materiais que ponham
o gênio da tecnologia e a curiosidade das crianças a serviço de uma compre-
ensão mais profunda.
Um exemplo disso é o caso finlandês. Segundo Wagner14
, a educação se
baseia em confiança, transparência, respeito e em ensinar a pensar ao invés
de memorizar. É mais importante aprender a pensar que aprender a repetir.
Tudo isso concorda plenamente com as propostas de mudança que diversos
autores propõem. O sucesso finlandês deve-se fundamentalmente à participação
dos estudantes no processo de aprendizagem. São incorporadas todas aquelas
ferramentas educacionais que tornam as aulas mais atraentes, como, por exem-
plo, vídeos do YouTube ou desenvolvimento de assuntos através de pesquisa na
Wikipédia ou Facebook. A tecnologia utilizada nas casas é levada à sala de aula,
como uma continuidade de sua forma de vida, que é aproveitada nos centros
e contextos educacionais como estímulo à aprendizagem.
Como dissemos anteriormente, o problema não são os conteúdos, mas
a forma como são transmitidos. O que acontece atualmente nas aulas é uma
transmissão linear do conteúdo, engessada em regras e normas fixas, para dar
conta de um currículo estabelecido em uma repartição, onde se decidiu, por
lei, como devem ser dadas as aulas. O professor transmite e o aluno retém,
ou tenta reter, uma proposição que está claramente destinada ao fracasso e ao
esquecimento. Os alunos não são esponjas, são pessoas que devem entender,
interiorizar os conceitos, vê-los na mente. A proposta de memorizar para ser
aprovado, sem que os conhecimentos sejam retidos, de nada serve para a vida
adulta. Nossos alunos aprenderam mais através da internet, televisão, imprensa,
rádio etc. que dentro da sala de aula.
13. GARDNER, H. La edu-
cación de la mente y
el conocimiento de las
disciplinas: lo que todos
los estudiantes deberían
comprender [A educação
da mente e o conheci-
mento das disciplinas: o
que todos os estudantes
deveriam compreender].
Barcelona: Ed. Paidós,
2000.
14. WAGNER, Tony (2011).
“The Finland Phenome-
non; Inside The World’s
Most Surprising School
System” – a great re-
source now available
[“O fenômeno finlan-
dês: por dentro do mais
surpreendente sistema
escolar” – um grande
recurso agora disponível].
Disponível em: <http://
www.tonywagner.com/
resources/the-finnish-
-phenomenon-inside-the-
-worlds-most-surprising-
-school-system-a-great-
-resource-now-available>.
Acesso em: 12 fev. 2012.
59
Redescobrindo o interesse pelas ciências • Carlos Busón Buesa
Nossa espécie alcançou fórmulas bastante engenhosas de transmissão do
conhecimento, somos uma espécie cultural, uma espécie que conta histórias,
ao longo de milhares de gerações, quando a única forma de difundir o co-
nhecimento era a oral. Histórias que eram contadas noite após noite ao redor
do fogo, sob a luz das estrelas. Uma transmissão oral que permitia recordar
conceitos, dados, que eram passados de geração para geração.
Nossa mente evoluiu com a representação simbólica que abriu a possibi-
lidade de recordar histórias, desenvolveram-se novas formas de transmissão,
como a escrita, e tudo o que ela nos trouxe: ter acesso ao pensamento alheio
no tempo e no espaço. Tudo isto continua presente em nossa cultura, no teatro,
no cinema, na televisão e, nos últimos anos, nos video games.
Na cultura grega aprendia-se no firmamento, contando fábulas fantásticas
e imaginárias sobre o que se via no céu. Era uma forma simples de recordar
a situação das estrelas, muito mais fácil e eficaz que memorizar longas listas
de siglas e números.
O PAPEL DOS EDUCADORES
Para capturar a atenção e o interesse dos alunos, é fundamental conceder-
-lhes autonomia, ensinar competências e, sem dúvida, transmitir os propósitos
da aprendizagem. A autonomia permitirá criar oportunidades para que os
alunos possam colocar em prática suas próprias pesquisas, que se ilustrem15
no método científico, com seus acertos e erros, para que errando possam de-
tectar e retificar os erros. Recursos esses extremamente valiosos na ciência, e
que, sem dúvida, desenvolverá a capacidade de solucionar futuros problemas.
A aquisição de competências, chave para a aprendizagem permanente, permite
o desenvolvimento pessoal do aluno para sua integração à sociedade. Entender
o propósito do que se vai aprender ajuda o cérebro a visualizar conceitos abs-
tratos que, sem dúvida, facilitam a compreensão dos objetivos que se querer
atingir com a matéria.
Tudo isso requererá a presença de alguém fundamental neste processo,
o docente, mas não como se entende atualmente. As aulas continuarão sendo
uma transferência de informação ao arquétipo bancário definido por Freire
(1970), no qual se segue solicitando uma acumulação de conteúdos, sem refletir
sobre o que significam. Um sistema que bem pouco tem a ver com o modelo
de sociedade no qual vivemos imersos. Necessitamos de um docente que, como
o afirma Downes16,
possa desempenhar vários papéis que se adaptem às neces-
sidades dos alunos. Apoiado em todos os meios tecnológicos ao seu alcance,
deve atuar mais como um mediador, um guia do conhecimento que motive,
oriente e incite os alunos a novos desafios na busca do saber. Como comenta
Robinson17
“o que necessitamos não é uma evolução, mas uma revolução na
educação”. A educação precisa ser transformada em algo mais.
15. Aqui nos referimos a
“ilustrar” para recorda-
mos que a Ilustração foi
uma época que estabele-
ceu um antes e um depois
no progresso da ciência.
Seria interessante volver
a estimular o espírito
da pesquisa nos nossos
jovens, com o exemplo
da paixão pela busca
da verdade que aqueles
pioneiros possuíam.
16. DOWNES, Stephen
(2010). The Role of
the Educator [O papel
do educador]. Dispo-
nível em:<http://www.
huffingtonpost.com/ste-
phen-downes/the-role-of-
-the-educator_b_790937.
html>. Acesso em: 6 dez.
2010.
17. Sir Ken Robinson;
¡A iniciar la revolución
del aprendizaje! [Sir Ken
Robinson: vamos começar
a revolução da aprendi-
zagem!]. Disponível em:
<http://www.ted.com/
talks/sir_ken_robinson_
bring_on_the_revolution.
html>. Acesso em: 7 nov.
2010.
60
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
É preciso mudar o modelo para “aprender a aprender”, isto permitirá aos
alunos realizarem uma aprendizagem significativa de forma autônoma. Deve-se
incentivar a aquisição de destrezas e procedimentos necessários para que os
alunos possam realizar a aprendizagem por si mesmos.
Vivemos no século XXI, mas em muitos aspectos continuamos ancorados no
século XIX. São muitos os desafios, mas os resultados que poderemos alcançar
compensarão quaisquer esforços.
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Ed. Tecnos, 1992.
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educação personalizadas. Entrevista com Howard Gardner]. <http://www.
redesparalaciencia.com/6491/redes/redes-114-de-las-inteligencias-multiples-a-
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comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
la-educacion-personalizada>; <http://www.redesparalaciencia.com/wp-content/
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agora disponível]. Disponível em: <http://www.tonywagner.com/resources/the-
finnish-phenomenon-inside-the-worlds-most-surprising-school-system-a-great-
resource-now-available>. Acesso em: 12 fev. 2012.
63
Dos paradigmas
interculturais à ação
educacional autogerida
Martha Lucia Izquierdo Barrera
Especialista (Magíster) em Direção do Desenvolvimento Local; doutoranda do Programa
de Ciências da Educação, na linha da Comunicação e Pensamento Educativo; diretora do
Mestrado em Migrações Internacionais e da Escuela de Ciencias Sociales da Universidad
Tecnológica de Pereira em Risaralda, Colômbia.
E-mail: maluiz08@utp.edu.co
Resumo: Este texto pretende relatar a
experiência da graduação, em Etnoedu-
cação e Desenvolvimento Comunitário,
da Universidad Tecnológica de Pereira, na
Colômbia, com as comunidades indígenas
Embera Chamí, dos Departamentos de
Risaralda e Caldas. Iniciamos com um
percurso sócio-histórico e conceitual do
surgimento da educação indígena, com
a finalidade de contextualizar o leitor no
âmbito referido. A segunda parte faz um
percurso do contexto institucional – a
Facultad de Ciencias de la Educación da
Universidad Tecnológica de Pereira e a
criação da graduação em Etnoeducação e
Desenvolvimento Comunitário. Encerra-se
relatando o processo de educação intercul-
tural de uma perspectiva educomunicativa
(Entre O CONCEBIDO/O VIVIDO: uma
relação para qualificar o olhar).
Palavras-chave: Educação; educação in-
dígena; comunicação; interculturalidade;
educomunicação.
Abstract: This paper aims to relate the
experience of the Undergraduate Course
in Etnoeducation and Community Devel-
opment of the Technological University of
Pereira Colombia with the indigenous com-
munity of Embera Chamí in the Risaralda y
Caldas Area. We start with a sociohistorical
and conceptual discussion, from the emer-
gence of indigenous education, in order to
contextualize the reader on the issue we re-
fer. The second part of the paper discusses
the institutional context – the Faculty of
Educational Sciences of Technological Uni-
versity of Pereira and the creation of the
Undergraduate Course in Etnoeducation
and Community Development. Finally, we
relate the process of intercultural education
from the educommunicative, (BETWEEN
THE CONCEIVED/LIVED: A relationship
to qualify the perspective).
Keywords: Education; Indigenous Edu-
cation; Communication; Interculturality;
Educommunication.
EDUCAÇÃO INDÍGENA: REFERÊNCIAS
SÓCIO-HISTÓRICAS E CONCEITUAIS
Entre os anos de 1900 e 1960, a educação de
indígenas era realizada sob a tutela da Igreja ou em
escolas oficiais, nas quais era aplicado um currículo que
desconhecia a cultura dos grupos étnicos e, na maioria
dos casos, impedia que a língua indígena fosse falada.
Recebido: 05/11/12
Aprovado: 03/12/12
Foto:LuizAltieri
Martha Barrera
64
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Com o convênio firmado entre o Estado colombiano e a Santa Sé, em 1887, e
que se estendeu até depois de meados do século XX, propunham-se normas e
diretrizes que tornavam a Igreja Católica um elemento essencial na ordem social
e um meio de extensão da civilização e da nacionalidade sobre os “selvagens”
e os índios andinos, antigos vassalos seus1
.
A educação de indígenas, a cargo da Igreja, desenvolveu-se no âmbito das
missões, com uma concepção pedagógica originada na pedagogia católica e que
se manteve até os anos 1950, época em que foram adotados os planos oficiais.
A partir do convênio de 1887, a catequese dos selvagens e a educação
da juventude passaram a ser os objetivos principais das missões. Por outro
lado, a percepção – representações e considerações ideológicas que se tinha
das comunidades indígenas – que se havia iniciado na conquista justificava as
diversas ações com objetivos civilizadores. De acordo com tais considerações,
os indígenas “encontravam-se em um estado inverossímil de degradação: desco-
nheciam o direito à propriedade – base da sociedade –, e seu desconhecimento
do matrimônio monogâmico favorecia a promiscuidade sexual com terríveis
consequências. Era, portanto, necessário “levar a luz (...) [a] nossos pobres
índios [que] vivem tristes, desesperançados (...) [e] não sabem de onde vêm
nem para onde vão”2
. Impor a “ideia cristã” a povos politeístas em quase sua
totalidade – “o que pressupõe uma aberração do entendimento e uma abjeção
da natureza racional” – era um compromisso histórico. Apenas assim “o selva-
gem, livre do jugo da natureza (...) respirou o ar da liberdade (...) e conheceu
(...) sua pequenez diante de Deus, que agora lhe alienava o corpo da alma”3
.
O SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO INDÍGENA
Apesar dos antecedentes de um pensamento pedagógico indígena como
o de Manuel Quintín Lame, a escola bilíngue, escola própria ou escola indíge-
na, surgiu apenas nos anos 1970, na Colômbia e também na América Latina,
contrariamente e, em muitos casos, por conta da escola oficial e religiosa que
havia sido promovida pelo Estado e pela Igreja4
. As reivindicações indígenas do
momento se dirigiam ao reconhecimento de seus direitos em diversos setores
e não apenas no plano nacional, mas também internacional.
Assim, próximo ao ano de 1971, seis cabildos5
da comunidade Páez, uma
das maiores do país (com aproximadamente 120 mil habitantes), formaram o
Conselho Regional Indígena do Cauca (CRIC). Tal organização apresentou um
programa de lutas que incluía aspectos do ideário de Manuel Quintín Lame,
como recuperação das terras em mãos dos latifundiários, consolidação do cabildo
indígena, afirmação dos valores culturais dos indígenas.
São seguidos posteriormente pelo Conselho Regional Indígena de Tolima
(CRIT), formado por indígenas Pijaos e Coyaimas, e pelo Conselho Regional
Indígena de Risaralda (CRIR). Começaram a se reunir no ano de 1975, mas
1. JIMENO, Myrian; TRIA-
NA ANTORVEZA, Adolfo.
Estado y minorías étnicas
en Colombia [Estado e
minorias étnicas na Colôm-
bia]. Bogotá: Cuadernos el
jaguar, 1985, p. 31.
2. BUILES, M. A. 1951: 30,
apud JIMENO,op. cit, p. 61.
3. JARAMILLO, 1947: 14,
apud JIMENO, op. cit.
p. 61.
4. AMODIO, Emanuele.
(1989) Escuelas como
espadas [Escolas como
espadas]. In: AMODIO,
Emanuele. (Compilador).
Educación, escuelas y
culturas indígenas de
América Latina [Educa-
ção, escolas e culturas
indígenas da América
Latina]. Quito: Edicio-
nes Abya-Yala, 1989, p.
5-23; BODNAR, Yolanda.
(1992). La constitución y
la etnoeducación: ¿Una
paradoja? [A constituição
e a etnoeducação: um
paradoxo?]. Educación y
cultura, n. 27, p. 20-23,
1992. (Estado, educa-
ción y grupos étnicos.);
ARTUNDUAGA, Luis Al-
berto. La etnoeducación:
una dimensión de trabajo
para la educación en
comunidades indígenas
de Colombia [A etnoe-
ducação: uma dimensão
de trabalho para a edu-
cação em comunidades
indígenas da Colômbia].
Revista Iberoamerica-
na de educación, n. 13,
1997. (Educación bilin-
güe. Biblioteca virtual.)
Disponível em: http://
www.campus-oei.org/re-
vista/frame_anteriores.
htm; AGUIRRE, LICHT,
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Etnocoacción? [Etnoedu-
cação. Etnocoação?]. In:
González Bermúdez, Jor-
ge. Memorias del primer
congreso universitario de
Etnoeducación [Memórias
do primeiro congresso
universitário de etnoedu-
cação]. La Guajira: ICFES/
MEN/Universidad, 1988,
p. 51-60.
5. Uma espécie de conse-
lho comunitário (N.T.).
65
Dosparadigmasinterculturaisàaçãoeducacionalautogerida • MarthaLuciaIzquierdoBarrera
só realizaram seu primeiro congresso em torno de 1980 (COLOMBRES, 1977;
CRIC, 1978, ICFES, 1985).
As diversas organizações indígenas no ano de 1982 formaram a Organização
Nacional Indígena da Colômbia (ONIC). Concebida como uma grande “maloka”
de povos indígenas do país, surgiu como resultado de um entendimento entre
as comunidades e os povos indígenas colombianos, reunidos no I Congresso
Nacional Indígena (ONIC, 2002).
Apesar de que no ideário inicial das organizações indígenas existia uma
evidente preocupação com uma educação que defendesse a cultura e a língua,
será apenas no final da década de 1970 e meados dos anos 1980 que terão
início os programas de educação bilíngue, alguns dos quais controlados por
estas organizações, e outros por grupos religiosos (ICFES)6
.
O conceito de educação indígena refere-se a um processo de socialização
endógeno levado a cabo por parte de um grupo étnico, no qual o objetivo é
a revalorização da cultura. Neste contexto, cada povo cria sua própria prática
educacional, de acordo com sua situação específica.
A CRIAÇÃO DA GRADUAÇÃO EM ETNOEDUCAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO
Por sua vez, a Faculdade de Ciências da Educação estava, nos anos 1990,
em uma etapa de crise institucional e acadêmica, que exigia a implantação de
uma série de transformações quanto aos paradigmas que orientavam sua ação
pedagógica e curricular.
Ainda assim, era necessário pensar em modelos de formação integral,
dados os altos níveis de conflito e intolerância que caracterizavam nosso país
nos anos 1990. Além disso, havia desafios propostos pela UNESCO, como a
formulação dos saberes necessários para a educação do futuro.
Surge, então, a graduação em Etnoeducação e Desenvolvimento Comu-
nitário, na Universidade Tecnológica de Pereira (UTP), no contexto da pro-
mulgação da nova Constituição Política de 1991, na qual se reconhecia que a
Colômbia era um país de diversidades regionais e pluriétnico. Isso levava ao
reconhecimento de uma série de esforços de acadêmicos, pesquisadores e líde-
res de organizações étnicas, no sentido de atestar a importância de tais grupos
étnicos, especialmente indígenas e afrodescendentes, no processo de construção
do Estado-Nação na Colômbia.
O reconhecimento desta mestiçagem étnica foi um primeiro passo que
permitiu tornar mais visíveis os processos de exclusão, a partir de uma pers-
pectiva histórica, da qual foram “vítimas” os membros de tais etnias durante
os anos da Colônia, sob a hegemonia da Coroa Espanhola, como também ao
longo do processo de consolidação do Estado republicano moderno, entre os
séculos XIX e XX.
6. ENCUENTRO NACIO-
NAL DE EXPERIENCIAS
EN EDUCACIÓN INDÍ-
GENA. ICFES/ Popayán:
Universidad del Cauca,
1985).
66
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Nesse contexto, a educação também devia assumir um papel central para
fortalecer os nexos identitários dentro de grupos étnicos – que em sua grande
maioria corriam o risco de dissolver-se, como resultado da modernização eco-
nômica, da penetração dos meios de comunicação em massa e do deslocamento
forçado do campo e das zonas selvagens para a cidade, como consequência do
conflito social e da confrontação armada entre exército, guerrilhas e paramili-
tares, e que por longos anos afetou a população civil colombiana. Isso implicava
também que (ao mesmo tempo que fortalecia a educação própria, o que permite
valorizar sua língua, história e tradições como parte de um diálogo de gerações
no âmbito da comunidade) fosse necessário abordar temas como o dos direitos
humanos – problemática de profunda repercussão que também afetava outros
grupos que sofriam perseguição, tais como sindicalistas, estudantes, militares
de organizações de esquerda etc.
Dessa forma, a etnoeducação era um bom pretexto para se propor o de-
safio da transição étnica da nação e de uma sociedade mais tolerante, gerando
outros espaços de diálogo e pedagogias para o reconhecimento intercultural.
Ao longo destes anos, tem sido necessário enfatizar de maneira complemen-
tar vários modelos ou paradigmas de educação intercultural. É claro, como diz
Adela Cortina, que a educação das pessoas não pode estar desconectada de seus
contextos sociais ou comunitários e de seus projetos pessoais; mas, da mesma
forma, uma capacidade de relação dialógica com projeção ética e universal.
Como aponta Rosa Marí Ytarte, falar de interculturalidade de uma pers-
pectiva pedagógica significa falar de identidade e de cultura no âmbito de
sociedades complexas e interdependentes. Implica ir além dos reducionismos na
educação e nos estereótipos culturais. O esforço centra-se no estabelecimento
de um equilíbrio entre as diferenças culturais e das possibilidades de articula-
ção. Já não se trata de uma simples relação centro-periferia, culto-popular ou
bárbaro-civilizado – dicotomias das quais deram conta as teorias pós-coloniais.
Para nós, da graduação em Etnoeducação e Desenvolvimento Comunitário,
é evidente que a aproximação de nossa interculturalidade requer uma análise
crítica das estruturas sociais e das mediações culturais, mas também de um
alto nível de reflexão – ou subjetividade – sobre a própria história, mas em
constante interação com outras formas de ver e entender o mundo. Desse modo,
a interculturalidade é assumida a partir de um exercício dialógico e de uma
pedagogia comunicativa que integram tanto o reconhecimento da diversidade
quanto a adesão a pressupostos comuns baseados na democracia, nos direitos
humanos e no desenvolvimento comunitário, cooperativo e solidário.
Entendemos a etnocomunicação sob uma perspectiva de mudança cultu-
ral, revolucionária, dialógica, dialética, global, interativa, que nunca se acaba,
e que adquire seu pleno sentido quando os envolvidos no processo ensinam e
aprendem ao mesmo tempo, pois são alternativamente emissores e receptores.
A relação pedagógica transforma-se numa situação de aprendizagem comparti-
lhada entre os que se comunicam entre si e que, ao fazê-lo, constroem um fato
67
Dosparadigmasinterculturaisàaçãoeducacionalautogerida • MarthaLuciaIzquierdoBarrera
educacional, cujo principal objetivo é o desenvolvimento de um pensamento
crítico diante da situação do mundo e de suas mensagens.
EXPERIÊNCIA DO PROCESSO DE EDUCAÇÃO INTERCULTURAL
EM MISTRATÓ E RIOSUCIO: BALANÇO E NOVOS DESAFIOS
Entre o concebido/o vivido: uma relação para qualificar o
olhar. O contexto formal:
A população Embera Chamí encontra-se localizada nos departamentos de
Risaralda e Caldas, dois departamentos da zona cafeeira e mineira da Colômbia.
Estes povoados têm como base de sua organização social a parentela, compos-
ta pelo pai, a mãe, os filhos do casal e suas respectivas famílias. O chefe da
família é a autoridade do grupo.
Politicamente, sustentam-se no cabildo, o poder das autoridades tradicionais
com o Jaibaná, que desempenha uma função de grande importância no manejo
da vida mágico-religiosa.
A cosmovisão destas comunidades bem pode ser expressa nos termos
utilizados por uma mulher Embera, citada por Vasco Uribe em seu texto Los
Embera-Chamí en guerra contra los cangrejos [Os Embera-Chamí em guerra com
os caranguejos]:
Na cosmovisão Embera, pensa-se que há três mundos: o de cima (bajía), onde
estão Karagabí (a lua e pai de Jinopotabar) e Ba (o trovão); o dos huanos, que
é a terra (egoró), onde vivem os Embera; e o de baixo (aremuco ou chiapera),
ao qual chega-se pela água e que é onde vivem os Dojura, Tuturica, Jinopotabar
e os antepassados, e onde se originam os Jaibaná (sábios tradicionais). Jinopota-
bar une todos os mundos e pode passar de um para o outro com seu trabalho,
porque é cure, sábio, Jaibaná. Este mundo tem também três partes, três ordens:
a do monte; a da terra, onde vivem os Embera nas margens dos rios; a da água;
três componentes que se equivalem e relacionam com os três anteriores. Assim,
seus termos extremos, monte e rio, são as vias de comunicação com o mundo de
cima e o de baixo, respectivamente. Por isso, Jinopotabar vai ao monte quando
quer ir à lua, que navega pelo céu em sua canoa, e ao rio quando quer alcançar
o mundo de baixo... O equilíbrio entre estes mundos e as ordens que estão en-
tre eles geram a vida cotidiana Chamí. O que pertence ao mundo de cima deve
descer e o que pertence ao de baixo deve subir, ascensão que representa um sair
do meio da terra. A água é um elemento de mediação entre os dois mundos, já
que se unem o movimento de cair e sair, daqui nasce também a importância dos
rios e a localização das comunidades Chamí perto deles. Conta-se que rio acima,
na nascente da água, está a selva com toda sua força, com lugares perigosos e
temidos, e rio abaixo fica o lugar dos homens onde é possível viver7
.
Tal contexto, caracterizado por tensões, como exclusão/inclusão, homoge-
neidade/heterogeneidade, distribuição desigual da riqueza, foi levado ao âmbito
educacional, afetando, na maioria dos casos, o desempenho e a permanência
das crianças Embera no sistema educacional.
7. URIBE, Vasco. Los Em-
bera-Chami em guerra
contra los cangrejos (Os
Embera-Chami em guer-
ra com os caranguejos),
1990.
68
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Estas tensões nos levaram, na graduação em Etnoeducação e Desenvol-
vimento Comunitário, a nos propor e enfrentar o desafio de trabalhar dire-
tamente com as comunidades indígenas e de afrodescendentes, gerando uma
série de perguntas: Como enfrentar criativamente tais tensões? Como alcançar
uma educação inclusiva nesse panorama heterogêneo multifacetado e cheio de
contrastes? Como conseguir passar do slogan às estratégias e metas concretas?
De que tipo de educação estas pessoas necessitam? Quem são os sujeitos da
aprendizagem etnoeducativa? Deveríamos perguntar também: Quem são os
sujeitos do conhecimento etnoeducativo ou intercultural?
Para além da titulação profissional – que, sem dúvida, pode auxiliar nossos
estudantes na ascensão profissional –, é claro que nossa contribuição deve se
centrar em ajudar a criar uma relação de respeito e reconhecimento a partir
de cada cosmovisão, dos saberes próprios e do próprio projeto de vida; deve
inclusive produzir maior reconhecimento ou participação na gestão e execução
de políticas públicas firmadas entre os diferentes âmbitos de sua vida social
ou comunitária.
Aparentemente, o esquema da relação ensino-aprendizagem é bastante
simples, mas exige uma grande disposição para interagir entre educandos e
educadores, em aspectos como:
• Reconhecimento – mediante a pesquisa – da oralidade, da história pró-
pria, dos mitos que ainda se mantêm entre os idosos e os jovens.
• Projetos de vida que fortaleçam a identidade própria, mitiguem a migra-
ção campo-cidade, produzam projetos de vida centrados em elementos
como segurança alimentar, em processo educacionais e culturais que
permitam aos jovens, em plena época de globalização, se reconhecerem e
reconhecerem outros modos de vida e identidade individual ou coletiva.
• Estratégias educomunicativas entre estudante/docente/estudante.
• Compreender como viver e entender a interculturalidade.
Não se deve esquecer que, de toda forma, trata-se de um exercício de
formação de educadores, o que pressupõe um grau de complexidade na
capacidade de desenvolver olhares de primeiro grau (áreas de conhecimento,
problemáticas políticas e sociais contemporâneas, história própria etc.), segundo
grau (âmbito das relações de educação e comunicação com outros jovens e
futuros estudantes) e terceiro grau (seu próprio nível de reflexão e compreensão,
como diria Morin).
Dessa forma, procuramos que a aposta na educação intercultural crie um
espaço dinâmico, lúdico, reflexivo e construtivo, que permita articular uma
reflexão particular do local sobre o global, e sobre noções como sociedade,
identidade, cultura, democracia e direitos humanos.
Estávamos conscientes de que diretrizes estabelecidas pelo Ministério de
Educação Nacional – referente à estrutura curricular e autonomia escolar – não
nos distanciavam de nosso próprio propósito, mas nos ofereciam uma orientação
69
Dosparadigmasinterculturaisàaçãoeducacionalautogerida • MarthaLuciaIzquierdoBarrera
para sustentar nossa proposta, segundo o que foi exposto no texto “Estándares
para la Excelencia en la Educación” [Modelos para a excelência na educação].
A partir de tais parâmetros, foi possível estabelecer uma estratégia meto-
dológica flexível, permitindo uma construção coletiva entre docente/estudante/
comunidade, com o intercâmbio de processos de aprendizagem e construção
de conhecimento. Este esboço, a partir de perguntas orientadoras e recursos
pedagógicos já mencionados, nos introduziram no que chamamos “cenário de
aprendizagem”, baseado em um eixo comunicativo de intercâmbio de relatos
entre professores indígenas/estudantes indígenas/professores mestiços, dos
quais emergia um novo relato. Os relatos surgidos eram produzidos levando
em conta o Projeto de Vida e as mudanças culturais no seu lugar de origem;
esta construção metodológica pode ser sintetizada no seguinte esquema:
Cenário de aprendizagem.
O cenário de aprendizagem aqui exposto nos permitiu, além de tudo,
estimular habilidades lecto-escritoras e oral-auditivas, relacionadas sempre com
os assuntos a serem tratados, relacionados, por sua vez, a eixos geradores, per-
guntas problematizadoras e âmbitos conceituais.
A proposta de resolução de um problema concreto nos situa no horizonte
das condições de um aprendizado significativo – na medida em que se motiva
a atitude significativa de aprendizagem por parte dos estudantes – relaciona-
do à estrutura cognitiva daquele que aprende de maneira não “arbitrária” e
“substantiva”, permitindo a interação com o novo conhecimento como “ideias
de ancoragem”.
O horizonte de aprendizagem significativa proposto por Ausubel distingue
três tipos – o de representações, o de conceitos e o de proposições – e está
de acordo com a metodologia proposta, que é: interrelacionar um primeiro
relato a partir dos conhecimentos prévios dos estudantes, um segundo relato
70
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
que encontre assimilação de um conceito com a prática vivida e um relato
emergente no qual sejam combinados conhecimentos prévios, assimilação do
novo relato, para fazer um relato emergente significativo.
Como foi possível evidenciar nos parágrafos anteriores, tais relações triá-
dicas, tanto na metodologia quanto na perspectiva teórica, nos ofereceram a
possibilidade de estabelecer a proposta para colocar em prática uma estratégia
de ensino-aprendizagem, do trabalhar fazendo, aprender fazendo e ensinar
produzindo, para conferir significado à relação do concebido/vivido como
possibilidade de qualificar o olhar.
VIVENDO OS CENÁRIOS DE APRENDIZAGEM: UM
ENFOQUE PEDAGÓGICO-COMUNICATIVO
Sobre as bases do esboço proposto pela graduação, partiu-se de dois ques-
tionamentos: O que queremos fixar na memória dos estudantes? Como vamos
conseguir isso? Para tanto, seriam utilizados recursos pedagógicos da compa-
ração, associação e da ilustração analógica. Tais recursos teriam a intenção de
fazer descer o discurso abstrato para torná-lo comunicável aos estudantes e, para
isso, era indispensável afinar nossas próprias competências comunicativas, como:
• escuta ativa;
• simplicidade na formulação das mensagens;
• estrutura clara nos aspectos verbais;
• precisão e brevidade nos aspectos verbais;
• coerência entre expressões verbais e não verbais.
Tudo isso sempre conectado à interculturalidade como conceito que tem sido
o lugar de chegada e partida de distintos atores docentes que formam a equipe
de trabalho da graduação de Etnoeducação e Desenvolvimento Comunitário.
71
Dosparadigmasinterculturaisàaçãoeducacionalautogerida • MarthaLuciaIzquierdoBarrera
Sem ser um conceito compartilhado, na medida em que coexistem diferentes
pontos de vista e experiências, consolidou-se uma prática de escuta que viabiliza
o outro como correlator da experiência compartilhada. Ao diferenciar-se do
fazer na sala de aula tradicional, no caso dos docentes de etnoeducação, existe
a predisposição para uma escuta cultural que dimensiona os pequenos detalhes
e os interstícios do que é comunicado. Não se parte da escuta equiparada à
recepção de uma mensagem, em consonância com o universo das subjetividades
de quem recebe, mas da escuta como um exercício pleno de comunicação, no
qual a disposição de quem o faz permite o paulatino surgimento de códigos
comuns que efetivamente conferem ao outro um estatuto de correlator.
É-se correlator na medida em que os dispositivos pertencentes à funciona-
lidade hegemônica (status, poder, influência, distinção) não são aqueles privile-
giados no encontro. O docente não se assume como representante funcional da
institucionalidade educacional, pelo contrário, faz um esforço intencional para
liberar-se parcialmente dos dispositivos, permitindo ao outro ator (estudante)
seu surgimento no correlato.
Quando se reconhece a existência de saberes mediadores do encontro
dentro e fora da sala de aula, os mesmos tornam-se um meio para estimular o
surgimento de uma escuta cultural comum. Neste âmbito, docente e estudantes
participam na redução das prevenções e temores ligados aos dispositivos he-
gemônicos. O correlato que surge ganha um valor que desloca a centralidade
do aspecto temático, para chamar pelos elementos cognitivos ligados à cultura.
Emergem as diferentes formas de aprendizagem, as diversas pautas para
a explicação do mundo, as sinergias que na cultura conferem uma qualidade
desencadeadora para cada ator. E é precisamente tal qualidade desencadeado-
ra a que fala timidamente, a que ainda não visualizamos de modo manifesto.
A prática de escuta cultural enfrenta diversos obstáculos. No caso da gra-
duação, são os mesmos atores do programa seus primeiros elementos de ten-
são. O estudante não chega às salas de aula universitárias preparado para ser
ouvido, pois sua experiência no aparelho educacional é de sujeição e invisibili-
zação sob a homogeneidade.
Igual dentro da alma mater,
compara-se a outros estudan-
tes, sem compreender com
clareza por que não recebe
no cotidiano uma soma de
tensões autoritárias. Ao não
esperar ser ouvido, também
não realiza o interesse pela
escuta, o que aumenta de
modo progressivo a tensão
entre um docente interessado
na escuta e um estudante
A interculturalidade... de onde partir.
72
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
que aguarda a indicação e a bancarização como práticas próprias do cenário
da educação.
Outro obstáculo advém da própria estrutura universitária de nosso contexto,
que não está pensada para a interação com o outro. Tal estrutura assume-se
como um dispositivo técnico que oferece uma preparação básica para um fazer
social, sem reclamar-se um papel adicional. Portanto, a forma de planejamento
cria rotas que privilegiam a temática, sem dar importância ao significado do
encontro educacional. Isso pressiona docentes e estudantes a desempenharem
papéis mínimos, formais, que terminam sendo ruídos, ausências e silêncios,
que não favorecem uma escuta cultural.
Na graduação, estamos em constante construção de um olhar intercultural
através do qual possamos: viver com outros e conosco; de nós para os outros;
ver no outro um nós; poder com os outros; fazer conosco e pensar do lugar
do outro. Construir a partir dos diferentes campos disciplinares que alimentam
as diversas dimensões de ser um nós-outros.
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gestãodacomunicação
75
Cedeca Interlagos:
Fotografia e
educomunicação para o
desenvolvimento humano
André Bueno
Fotógrafo, educador e especialista em Gestão da Comunicação pela Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo.
E-mail: andre@andrebueno.com.br
Resumo: Propõe-se, dentro dos estudos
de comunicação, qualificar o impacto
das atividades realizadas pelo ponto de
cultura e Centro de Defesa da Criança e
Adolescente – Cedeca Interlagos – junto de
seu público, bem como analisar especial-
mente os efeitos dos projetos de oficinas
fotográficas desenvolvidos na entidade e
em outras, coordenados pelo autor des-
te artigo. Como material relevante para
nossos estudos, recuperamos, através de
entrevistas, a visão de alguns participantes
das atividades realizadas entre o período
2007 e 2012. Sustentado por diversos
olhares, mas sendo costurado a partir da
ótica de um fotógrafo e gestor da comu-
nicação, este trabalho tem por finalidade
discutir, num plano geral, a fotografia e a
Educomunicação para o desenvolvimento
humano.
Palavras-chave: Cedeca Interlagos; Defesa
da Criança e do Adolescente; fotografia;
imagem; intervenção urbana.
Abstract: The proposal of this paper is,
within the scope of Communication Stud-
ies, to examine the impact of the activities
developed by the CEDECA Interlagos
(Cultural center for Children and Teenagers
support) on their target public, as well as
to analyse the result of the projects and
photography workshops developed in the
center , coordinated by the author of this
paper. As a relevant material for our re-
search, we use the interviews conducted
with the participants of the workshops be-
tween 2007 and 2012, analyzing their point
of view. This paper is based on diverse
perspectives, but it is mainly constructed
according to a vision of a photographer
and communication manager, and has as
an objective to discuss the Photography
and the Educommunication for the human
development.
Keywords: CEDECA Interlagos; Children
and teenagers support; photography; im-
age; urban intervention.
APRESENTAÇÃO
O presente artigo, resultado de um trabalho de
pesquisa qualitativa cujo tema é “Fotografia e Edu-
comunicação para o desenvolvimento humano”, tem
como proposta estimular a discussão sobre os estudos
de comunicação no Centro de Defesa da Criança e
Recebido: 10/09/2012
Aprovado: 05/11/2012André Bueno
Foto:ElisangelaDuarte.
76
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Adolescente – Cedeca1
Interlagos, tentando entender os efeitos dos projetos
“Oficinas de fotografia e educação” – realizados ali (2009) e em outras insti-
tuições de Paraisópolis e Grajaú (2007-2012) – sobre seu o público, em suas
formas de expressão, compreensão da sociedade, na construção de suas imagens
de mundo e em seu desenvolvimento humano.
Também buscamos compreender a visão de participantes engajados em
outras atividades culturais (grafite, hip-hop, artes plásticas etc.) realizadas pelo
Cedeca, no que se refere às contribuições que estas trouxeram para suas vidas
e também quanto às interpretações sobre o que a instituição representa para
estes jovens, buscando entender o impacto das atividades da organização na
comunidade.
No decorrer deste trabalho, a fotografia é tratada como elemento capaz
de transformar a realidade e os sujeitos. Como fundamento teórico, buscou-se,
além da compreensão sobre o mundo da
fotografia, referenciado por pesquisado-
res deste campo, desenvolver uma pes-
quisa a partir da perspectiva das ciências
da comunicação, nos permitindo uma
compreensão menos ingênua do cenário
midiático que vivenciamos atualmente.
Dentro deste contexto, enfatizaram-se
as possibilidades fotográficas como meio
de comunicação para o conhecimento.
A FOTOGRAFIA COMO ELEMENTO TRANSFORMADOR DA
REALIDADE E DO SUJEITO
Buscamos colaborar para a reflexão em torno da fotografia e de outras
linguagens visuais, acreditando terem potencial para a comunicação interpessoal
e servirem como “fonte de conhecimento, descobertas, atenção e memória”2
.
Elas são também favoráveis para nos expressarmos, são estimuladoras para o
diálogo entre adultos, crianças, fotógrafos, comunicadores, organizações e, ainda,
por que não dizer, para a comunicação com o poder público. O universo de
produção das imagens tem potencial para contribuir com o desenvolvimento
humano e com a percepção e fortalecimento de identidades.
Nosso objetivo não se restringe aos estudos sobre processos estritamente
produtivos ou questões estéticas. Buscamos contribuir para o entendimento
do universo das imagens e do sistema de sua produção, na medida em que
favorecem o desenvolvimento humano, mediados pela interposição de um con-
junto de signos (fotos, ficções e outras narrativas poéticas) que possibilitam a
transformação de realidades e dos sujeitos que nela estejam inseridos.
Nós escolhemos a fotografia como linguagem visual de referência para a
reflexão, por seu importante papel na sociedade e capacidade de estabelecer
1. O Cedeca Interlagos
é uma ONG de pequeno
porte, fundada em 1999,
e pertencente à Associa-
ção Nacional do Centros
de Defesa da Criança e
Adolescente (ANCED). De
origem e âmbito regional
municipal (SP), o Centro
de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente
atua apostando contra
toda desesperança e ci-
nismo do senso comum,
no potencial da infância
e da juventude, buscan-
do dignidade humana
a partir da defesa dos
direitos da criança, do
adolescente e do jovem,
construindo experiências
de resistência no meio
das inúmeras favelas e
loteamentos clandestinos
das regiões da Capela do
Socorro, Grajaú e Pare-
lheiros, na Zona Sul de
São Paulo. Seu estatuto
se coloca no papel de:
defesa dos direitos da
criança e do adolescente;
atendimento a crianças
e adolescentes em situ-
ação de vulnerabilidade;
promover a proteção ju-
rídico-social, na lógica de
proteção integral, na ótica
de políticas públicas com
construção e participação
popular, além de atuar na
área da assistência social
e também ser ponto de
cultura.
2. COSTA, Maria Cristina
Castilho. Educação, ima-
gem e mídias. São Paulo:
Cortez, 2005, p. 82.
Evento do Dia do Grafite, organizado pelo
Cedeca Interlagos, em 2009.
Foto:AndréBueno.
77
Cedeca Interlagos • André Bueno
relações entre os sujeitos e o mundo. No entanto, não descartamos que existam
outras linguagens como o cinema, as artes plásticas e outras produções visuais
favoráveis à análise neste mesmo sentido. Mas a fotografia tem se mostrado uma
linguagem inteligente, na medida em que vem estimulando o conhecimento e
o olhar crítico sobre a realidade, através de composições que nos fazem pensar,
que nos intrigam e nos enquadram dentro do que foi registrado. Em outras
palavras, segundo Roland Barthes, a fotografia “é subversiva, não quando ater-
roriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa”3
.
Entendemos que a linguagem fotográfica,
dentre outras linguagens visuais, é capaz de ex-
pandir nossa consciência para além da capacidade
que temos de perceber e interpretar cotidiana-
mente, sem a utilização dos meios culturais.
A ação de aprender a olhar para o mundo
se dá pelo constante exercício de compô-lo e
recompô-lo. O modo como cada pessoa se interes-
sará em acessá-lo trata-se essencialmente de uma
escolha, uma espécie de alternativa que, quando
amadurecida, pode possibilitar a origem de um
novo estilo de vida, uma nova comunicação. Os
conflitos existentes na realidade nem sempre
precisam ou podem ser enfrentados diretamente.
As imagens, linguagens e processos de produções
culturais podem ser os mediadores entre sujeito
e cotidiano.
Este trabalho reflete sobre a possibilidade de aplicação da fotografia como
um meio de comunicação favorável para a emancipação, e também sobre o es-
tímulo do olhar e a aquisição de conhecimento, incluindo ainda suas possíveis
aplicações na contemporaneidade que digam respeito a uma educação dialógica.
Acreditamos que a discussão em torno da fotografia, em sua relação com
a educação, contribuirá para a formação de sujeitos e gestores que cultivem
imagens de mundo menos ingênuas. Um estímulo para esse processo se dá a
partir do momento em que uma “fotografia educomunicativa” for inserida na
sociedade e nas instituições de ensino através de uma ótica humana, cultural,
emancipadora e igualitária. Nesse sentido, segundo Costa, em seu trabalho
Educação, imagem e mídias:
(...) a opção por uma educação que valoriza a educação pela e para a imagem
não se faz em nome de uma ação pedagógica menos disciplinada ou mais espon-
taneísta, mas em busca de um entendimento mais efetivo do mundo e de uma
comunicação mais abrangente e inclusiva. (...) Houve um tempo no qual a imagem
era um mero adereço na educação, na divulgação e na produção literária, porém
hoje os mais diversos campos do saber, da produção e da comunicação humana
se apoiam na linguagem visual e na representação imagética (...)4
.
3. BARTHES, R. A câmara
clara. Rio de Janeiro: Ed.
Nova Fronteira, 1984,
p. 62.
4. COSTA, op. cit., p.
35 e 36.
Retrato de Thiago Moraes (Tigone)
e sua pintura.
Foto:AndréBueno.
78
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Levando em consideração o atual universo midiático, tecnológico e o impac-
to das mídias no cotidiano, no campo da educação, bem como sua influência
direta na vida dos jovens, além da pluralidade existente quanto aos modos de
“produção, circulação e recepção do conhecimento e da informação”5
, o campo
da Educomunicação nos sugere novas formas de ensino-aprendizagem e possíveis
caminhos para uma educação dialógica e participativa.
A linguagem fotográfica foi escolhida propositadamente como meio de
comunicação e referência de expressão visual, tendo os projetos de fotografia
e educação como uma das várias alternativas educativas para o acesso a outras
realidades sociais que favoreçam o desenvolvimento humano e estimulem olha-
res críticos e discussões em torno das possibilidades de defesa de direitos das
crianças e dos adolescentes nos centros de defesa (Cedeca's).
A PESQUISA
Contribuíram para esta pesquisa participantes dos projetos de “Oficinas de
fotografia e educação”, coordenados e assessorados pelo autor deste trabalho,
no período de 2007 a 2012, intitulados: projeto fotográfico “Um Olhar”6
(2007 a
2009); projeto “Retratos, um Click para a Educação”7
(2010), e projeto “D’Olho”8
(2011). Além de alguns jovens que participaram de outras atividades culturais
desenvolvidas pelo Cedeca Interlagos, entre o período de 2001 e 2012, sendo
que alguns deles foram convidados a trabalhar no Centro de Defesa e se tor-
naram educadores.
Os três projetos de “Oficinas de fotografia e educação” utilizaram a foto-
grafia como linguagem para o conhecimento, aplicada ao cotidiano e ao campo
da educação. Os projetos foram desenvolvidos em uma escola pública da cidade
de São Paulo e em organizações do terceiro setor, voltadas às comunidades de
Paraisópolis e no Grajaú, na Zona Sul de São Paulo.
Seus objetivos foram trabalhar a fotografia – em oficinas e saídas fotográfi-
cas – junto do público adolescente, utilizando-a como um meio de comunicação
favorável para a educação, a pesquisa, a crítica e a expressão artística, inician-
do jovens na área da fotografia, incentivando o exercício de olhares críticos,
a participação popular e a produção cultural coletiva de cunho documental.
O intuito inicial desta pesquisa com públicos diferentes, os jovens parti-
cipantes das atividades oferecidas pelo Cedeca e aqueles especificamente das
oficinas de Fotografia, partiu de duas hipóteses: 1) verificar, com os partici-
pantes das oficinas fotográficas realizadas no Cedeca e em outras instituições,
o quanto a fotografia e as vivências trocadas durante as oficinas influíram em
suas formas de expressão, de olhar e também na formação de suas imagens de
mundo; 2) verificar, com jovens participantes de atividades culturais realizadas
pelo Cedeca, o impacto destas atividades e o quanto estas atingiram os objetivos
a que a organização se propõe.
5. SIMÕES, 2011.
6. <http://www.umolhar.
org/>.
7. Vídeo e publicação com
fotos do projeto. Disponí-
vel em: <http://www.vimeo.
com/19507696>; <http://
www.flickr.com/photos/re-
tratosumclickparaeducacao/
sets/72157625203676762/>.
8. Vídeo sobre o pro-
jeto “D’Olho”. Disponí-
vel em: <http://vimeo.
com/33716710> e blog
<http://projetodeolho.
blogspot.com.br/>.
79
Cedeca Interlagos • André Bueno
O universo da amostra foi composto de 31 pessoas entrevistadas, sendo que
vinte delas correspondem ao público das “Oficinas de fotografia e educação”
e onze participaram de outras atividades culturais desenvolvidas pelo Cedeca,
como oficinas de grafite, estêncil, vídeo, eventos de hip-hop, debates e outras.
A pesquisa qualitativa foi desenvolvida a partir de duas perspectivas dife-
rentes para cada grupo amostral, e com dois focos distintos, utilizando ques-
tionários como roteiro de entrevista semiestruturada, composto de questões
diferenciadas para o público participante das atividades do Cedeca, e outro
para os participantes dos projetos de “Oficinas de fotografia e educação”. As
entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas.
SOBRE O IMPACTO DA FOTOGRAFIA E VIVÊNCIAS
DURANTE AS OFICINAS FOTOGRÁFICAS
Os jovens entrevistados, em sua maioria com nível médio de instrução e
faixa etária entre 19 e 21 anos, chegando a até 30 anos, apontaram de maneira
quase consensual a questão da mudança do olhar e o desenvolvimento de uma
visão crítica sobre o mundo como os fatores que mais aprenderam durante as
oficinas fotográficas. Porém, aspectos como conquistar um olhar que valoriza
a região onde vivem, o ganho de autoconfiança e o desenvolvimento do apren-
dizado técnico também foram apresentados como fatores importantes:
A oficina nos ajudou a nos descobrir, a ver o mundo de outra forma e analisar
mais as coisas. A fotografia me possibilitou a descobrir a mim mesma e o que
eu quero realmente. O curso de fotografia mudou nossa perspectiva de vida
(Elaine Braga).
Dentre os vinte entrevistados, somente um relatou que atualmente não
percebe a influência quanto à forma de ver o mundo, tempos depois de ter
participado das oficinas. Os demais afirmaram que ainda hoje notam mudan-
ças nesse sentido, ao observarem o cotidiano em geral, e ainda disseram ter
passado a notar mais detalhes no dia a dia, além de perceberem que agora
enquadram o mundo em cenas, imagens, fotos, luzes e sombras.
Observamos uma coincidência nos relatos feitos pelo público das atividades
do Cedeca Interlagos, e aqueles vindos das oficinas de fotografia: ambos relataram
ter desenvolvido uma visão crítica
sobre o mundo e ter conseguido
despertar um olhar que valoriza
a região onde vivem.
Praticamente todos os par-
ticipantes (dezenove deles) afir-
maram sentir uma influência
positiva em suas formas de ex-
pressão, a partir das oficinas de
fotografia. Reforçando essa ideia,
Foto:SuellenQuerino(2007).
80
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
grande parte deles diz ter passado a expressar melhor seus sentimentos, a se
comunicar com outras pessoas de forma mais eficiente, a adotar a fotografia
como meio de expressão artística e, curiosamente, uma parte significativa dos
entrevistados relata ter uma influência sobre sua forma de expressão escrita,
além da fotográfica.
Há um consenso quanto a assumir que o aprendizado vivenciado
durante as atividades envolvendo fotografia foi positivo, a ponto de todos os
entrevistados afirmarem que aconselhariam outras pessoas a participarem da
mesma experiência. Dentre os entrevistados, oito deles sugeriram que esse tipo
de trabalho continuasse voltado ao público adolescente, outros oito disseram
que ele deveria ser realizado para um público sem restrição etária, e os demais
apontaram a necessidade de se desenvolver um projeto com crianças.
O trabalho desenvolvido com fotografia foi interpretado pela maior parte
dos participantes como um caminho para a construção de vivências e para o
desenvolvimento individual. A possibilidade de conhecer novas pessoas e novos
lugares, ser uma opção favorável para a distração e relaxamento, promover o
desenvolvimento humano, a partir do desenvolvimento de um senso crítico e
do contato com a realidade, contribuir para o amadurecimento do olhar e para
a construção de um ponto de vista sobre o mundo. Além da oportunidade
de contar histórias e construir vivências a partir de imagens, contribuir para
a formação do caráter, oferecer um novo meio de comunicação e fomentar
o desenvolvimento de outras linguagens, como a escrita, por exemplo, foram
apontados como fatores importantes para o desenvolvimento humano.
Depois de terem participado das oficinas fotográficas, praticamente
todos os entrevistados começaram a perceber mudanças em sua maneira de
ver e enquadrar o mundo. Além disso, passaram a conseguir descrever seus
olhares antes e depois da experiência da fotografia. Diante disso, assumimos
que é impossível descrevermos um olhar que não seja o nosso, pois estaremos
amarrados sempre a uma perspectiva, a um olhar capaz de distorcer outro olhar.
Nossa saída é, talvez, atribuir nossa visão limitada sobre os diversos olhares
apresentados na perspectiva de “antes e depois da fotografia”, baseando-nos
nos diálogos e depoimentos apresentados pelos entrevistados no decorrer deste
projeto, resultando em uma espécie de sobreposição ou mistura de olhares do
pesquisador e pesquisado.
Desse modo, podemos indicar algumas características associadas aos olhares
anteriores à fotografia e aqueles posteriores, classificando-os e atribuindo-lhes
sentidos apoiados em depoimento de vários entrevistados. Assim, notamos olhares
fechados, inexistentes, vazios, preconceituosos, quadrados, olhares em preto e
branco, olhares turvos, ou mesmo uma visão sem olhar. Quanto aos olhares
depois da prática da fotografia, transformaram-se em olhares panorâmicos,
questionadores, nítidos, novos, criativos, distintos, coloridos, ampliados e mais
críticos. Segundo alguns dos entrevistados:
O mundo era em preto e branco, sem cores, sem sombra, sem contrastes, via
o que todos viam e o que a mídia queria que fosse visto. Depois da fotografia,
81
Cedeca Interlagos • André Bueno
o meu senso crítico se tornou mais afiado, o mundo ganhou novas formas e
cores. Tudo passou a ter um significado que se encaixava como uma peça de
quebra-cabeça. A fotografia foi superimportante para ter um novo olhar sobre o
cotidiano (Thiago Carneiro).
Após o período de realização das oficinas fotográficas, considerando apenas
os vinte entrevistados da amostra, oito deles seguem dando os primeiros passos
para a profissionalização na área da fotografia, sendo que alguns já realizaram
trabalhos remunerados, obtiveram apoio da Secretaria de Cultura para o
desenvolvimento de projetos fotográficos, estão atuando como educadores ou
fazendo algum curso de aperfeiçoamento.
Outros dez entrevistados disseram continuar fotografando no dia a dia,
como hobby, registrando suas famílias, e até produzindo ensaios pessoais, como
trabalho de cunho documental e artístico. Um único jovem que relatou não
mais praticá-la, Danilo Sousa, afirma: “não tiro mais fotos e nem atuo em
nenhum trabalho como esse, mas a experiência que tive com a fotografia
jamais esquecerei”.
Portanto, para além da pretensão fotográfica direcionada ao profissional,
pode-se notar que, mais relevante do que isso, foi a importância dada às
vivências e novas imagens de mundo construídas. Uma discussão sob a ótica
de uma possível profissionalização de jovens e adultos no campo da fotografia
pode ser uma segunda e complexa discussão a ser realizada.
SOBRE O IMPACTO DAS ATIVIDADES DO CEDECA
INTERLAGOS JUNTO A SEU PÚBLICO
A maior parte dos entrevistados havia estabelecido o primeiro contato
com o Centro de Defesa a partir de eventos realizados em espaços públicos,
principalmente durante intervenções urbanas de grafite e rap realizadas na rua.
Durante as entrevistas, foi apontada também a influência que alguns artistas e
educadores locais exerceram por meio do convite para participação nas atividades,
dentre eles Jerry Batista, Helder Oliveira, Pato Cacá e Wellington Neri (Tim).
Dos onze entrevistados, oito afirmaram que haviam conhecido o Cedeca a
partir de alguma atividade relacionada ao grafite e a eventos de intervenções
urbanas. Na sua maioria integraram
mais de uma atividade promovida
pela organização, geralmente
de hip-hop, exposições de arte,
manifestações sobre direitos das
crianças e dos adolescentes, eventos
esportivos, oficinas fotográficas e
outras.
Para a maioria dos entrevista-
dos, aspectos como ser reconhecidoEscultura e pintura de Mauro Sérgio.
Foto:AndréBueno.
82
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
artisticamente, a realização de trabalhos em grupo, formar laços de amizade e as
vivências pessoais trocadas foram considerados primordiais para que gostassem
das atividades. Dentre as contribuições mais importantes que os entrevistados
indicaram levar para suas vidas, temos especialmente o desenvolvimento de um
espírito coletivo e de um olhar crítico. No mesmo sentido, também disseram ter
aprendido a valorizar e respeitar o próximo e o bairro onde vivem, bem como
relataram um despertar maior de consciência sobre seus direitos e deveres.
Um dos períodos mais marcantes na história da organização, como nos relata
Wellington Neri, o Tim, foi aquele em que a instituição entregou ao Estado as
medidas socioeducativas, através de um ato interventivo em frente ao Parque
do Ibirapuera. Neste momento a organização passou a encarar a “intervenção
urbana” como uma prática mais frequente, indo ao encontro de outros jovens
em seu convívio social no ambiente da rua. Segundo Tim:
Me marcou a época em que entregamos as medidas socioeducativas ao governo
através de um ato em frente ao Parque do Ibirapuera, no qual construímos uma
cela em que ficamos 48 horas presos. Acho que aquele momento foi um momento
forte em que o Cedeca começou a perceber que intervenção urbana com arte
repercute e funciona. Até então nós só fazíamos oficinas de break, grafite e
outras, mas depois disso passamos a fazer várias intervenções (Wellington Neri).
Percebe-se um interesse muito forte dos jovens participantes das atividades
do Cedeca em realizar mudanças na sociedade por meio da arte e da cultura,
da intervenção urbana, que é geralmente estimulada ou sugerida pela própria
instituição. Nessa mesma direção, observamos que a organização também exerceu
grande influência sobre os entrevistados quanto a suas formas de expressão.
Eles relatam ter desenvolvido, a partir das vivências propostas pelo Cedeca, um
maior senso de liberdade de expressão, principalmente através de linguagens
visuais como o grafite, o rap e outras formas de intervenção.
A maioria dos entrevistados identifica o Cedeca Interlagos como um ponto de
cultura e como um espaço aberto para o jovem, sendo uma organização sempre
disposta a dialogar e apoiar o protagonismo juvenil. Mas parte significativa dos
entrevistados também apontou para o aspecto de que o Cedeca não é mais o
mesmo e que atualmente a organização não tem feito intervenções com atividades
realizadas na rua e outras atividades
em geral que favoreçam a expressão.
Uma pequena parte dos entrevistados
também reclamou do fato de nos
últimos tempos terem encontrado a
organização com as portas fechadas,
sugerindo que estas estejam abertas, e
que se passe a colocar em prática o
estúdio de produção existente. Desenho de Gelson Salvador Those (reprodução).
83
Cedeca Interlagos • André Bueno
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Baseado nas pesquisas e análises de dados levantados a partir das entre-
vistas, foi possível observar que todas as atividades foram realizadas com êxito
e bem-aceitas pelo público. Este relatou ter um despertar de olhares críticos e
a adoção de outras formas de ver, compreender, se expressar, interagir e até se
inserir no mundo, mediado principalmente pelas linguagens fotográficas, do
grafite e do rap, a partir do contato com a fotografia e com o Centro de Defesa.
Afirmamos isso nos apoiando em inúmeros depoimentos consistentes, pro-
vindos de dezenas de diálogos com tipos de público diferentes, participantes de
atividades até certo ponto distintas, mas que se aproximam num único sentido,
fizeram uso da fotografia, da arte e da educação para o desenvolvimento hu-
mano e para a defesa de direitos das crianças e adolescentes.
Foi possível observar a importância do trabalho realizado pelo Cedeca
Interlagos na região em que atua, baseado nos depoimentos que repetidamen-
te apontaram a organização como maior referência em cultura e em espaço
aberto para o jovem.
O Centro de Defesa tem conseguido despertar nestes adolescentes, além
das noções de direitos e deveres, o sentido de “coletivo”. Desse modo, percebe-
-se que, ao longo de sua história, a organização ganhou credibilidade junto a
seu público, que se mostrou disponível e interessado em participar e colaborar
com novos projetos.
Suas ações junto ao público, estabelecidas primeiramente a partir de rela-
ções culturais na rua, têm contribuído para o surgimento de inúmeros jovens
artistas na região. Notou-se que a visibilidade do Centro de Defesa, bem como
o impacto de suas atividades partiram principalmente de eventos realizados
nas comunidades, tornando-o referência para outros centros de defesa e orga-
nizações locais. Mas a sua falta de atuação na rua nos últimos tempos sugere
que a organização terá de realizar um novo planejamento, com a criação de
estratégias para que potencialize as ações existentes e outras novas na área de
defesa de direitos.
Os projetos de “Oficinas de fotografia e educação” estão sendo realizados
há algum tempo, de forma que é possível observar que os impactos foram
positivos e ainda prevalecem, mesmo passado algum tempo. Os entrevistados
destacam como aprendizado mais importante e que extrapola os conhecimentos
técnicos adquiridos durante os encontros, a questão do desenvolvimento do
olhar e formação de uma visão crítica sobre o mundo. Demonstra-se, assim, a
eficácia de projetos fotográficos, educativos e de comunicação que extrapolem
os objetivos técnicos instrumentais e priorizem as relações humanas, estimulando
o olhar sobre a sociedade.
Para além de uma iniciação técnica na fotografia, os participantes passaram
a experimentar e enquadrar seu cotidiano de modo mais lúdico, detalhado e
fotográfico. Com base nos depoimentos levantados, seus olhares se ressignifica-
ram e suas visões se expandiram em vários aspectos com relação à fotografia
84
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
e à sociedade. A partir dos diálogos estabelecidos no decorrer desta pesquisa,
foi possível verificar que os participantes, além de se comunicarem por fotos
e perceberem seu cotidiano mediado por instrumentos fotográficos, passaram
também a reconstruir as imagens de si próprios. Contudo, o desenvolvimento
de projetos fotográficos como estes que apresentamos pode, além de sugerir
um possível caminho profissional, estimular o desenvolvimento de cidadãos com
olhares menos ingênuos e mais conscientes de seus direitos e deveres.
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86
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Referências videográficas
CIDADE DE DEUS. Direção Fernando Meirelles, Kátia Lund. Roteiro Paulo Lins
(romance), Bráulio Mantovani (roteiro). Duração 130 min. Brasil, Rio de Janeiro.
Globo Filmes e O 2 Filmes, Brasil, 2002.
JANELA DA ALMA. Direção João Jardin, Walter Carvalho. Roteiro João Jardim,
Walter Carvalho (Gênero documentário). Duração 73 min. Copacabana Filmes,
Brasil, 2002.
entrevista
87
Pais, adolescentes,
internet e escola:
uma relação delicada
Cláudia Nonato
Jornalista, doutoranda em Ciências da Comunicação na ECA/USP e editora executiva da
revista Comunicação & Educação.
E-mail: claudia.nonato@usp.br
Resumo: Tatiana Jereissati e Juliano Cap-
pi, coordenadores do Centro de Estudos
sobre as Tecnologias da Informação e da
Comunicação (CETIC.br), entidade que
pertence ao Comitê Gestor da Internet no
Brasil (CGI), comentam os resultados de
duas pesquisas realizadas recentemente:
a TIC Educação 2011, sobre o uso das
tecnologias de informação e comunicação
nas escolas brasileiras, e a TIC Kids Online
Brasil, realizada pela primeira vez em 2012,
com adolescentes de 9 a 16 anos, usuários
de internet, e também com seus pais, com
o propósito de medir as oportunidades
e riscos relacionados ao uso da internet.
Palavras-chave: Pesquisa; TIC; educação;
adolescentes; internet.
Abstract: Tatiana Jereissati and Juliano
Cappi, coordinators of the Center for Study
on Information and Communication Tech-
nologies (CETIC.br), entity that belongs
to the Executive Committee of Internet in
Brazil (CGI), comment on some results of
two researches developed recently: the ICT
Education 2012, about the use of informa-
tion and communication technologies by
Brazilian schools, and the ICT Kids Online
Brazil, developed for the first time in 2012,
with teenagers between 9 and 16 years,
internet users, and also with their parents,
in order to measure the opportunities and
dangers related to the internet access.
Keywords: Research; Education; ICTs;
Teenagers; Internet.
Para o professor, o uso efetivo do computador e internet em atividades
com os alunos ainda permanece como um desafio a ser vencido. Os pais,
por sua vez, consideram que os filhos fazem um uso seguro da internet, mas
gostariam de ter mais informações sobre o tema na escola. Estas são algumas
das conclusões de duas pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos sobre as
Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br) e divulgadas pelo
Comitê Gestor da Internet. Trata-se da TIC Educação 2011, sobre o uso das
tecnologias de informação e comunicação nas escolas brasileiras, e a TIC Kids
Online Brasil, realizada pela primeira vez em 2012, com adolescentes de 9 a 16
anos, usuários de internet, e também com os pais, com o propósito de medir
as oportunidades e os riscos relacionados ao uso da rede.
Recebido: 02/11/2012
Aprovado: 30/11/2012
88
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Na entrevista a seguir, Tatiana Jereissati e Juliano Cappi, coordenadores
do CETIC.br, explicam como foram feitas as pesquisas e comentam alguns
resultados.
C&E: Como surgem os temas a serem desenvolvidos
e pesquisados pelo CETIC.br? De onde vêm essas
demandas?
Juliano Cappi: A demanda da criação de uma área
de estudos sobre tecnologias da informação e comu-
nicação no Brasil vem do Comitê Gestor, que por sua
vez cria um NIC, e dentro do NIC é criada uma área
para produzir dados sobre o uso da internet, do com-
putador, e de outras tecnologias e em diversas áreas.
Dentro disso tudo, o Centro de Estudos em Informação
e Comunicação (CETIC.br) começou fazendo duas
pesquisas, por solicitação do Comitê Gestor, que foi
a pesquisa de domicílios e a de internet e, ao longo dos anos, essas áreas de
estudo foram se ampliando. Esse estudo sobre o uso da internet pelas crianças
é uma das pesquisas que surgiram; a maior parte é solicitada pelo Comitê Ges-
tor, mas, às vezes, alguns setores da sociedade encaminham essas solicitações
diretamente ao CETIC, que vai aprovar isso no Comitê Gestor da Internet. De
uma forma ou de outra, o CGI está relacionado à decisão do que vai ser feito,
de qual pesquisa vamos realizar ou não.
C&E: A pesquisa TIC Educação 2011 já está na sua terceira edição. O que
vocês podem destacar sobre os resultados?
J.C.: Essa pesquisa trouxe fatos importantes, pois oferece um retrato muito
claro e objetivo dos desafios das TICs, da incorporação por professores, diretores,
dentro das atividades escolares, num nível nacional. Para sumarizar, podemos
separar os desafios em duas grandes áreas. A primeira, que eu acho a mais
central nesse momento, é a de infraestrutura. Apesar de quase a totalidade das
escolas públicas e privadas no Brasil terem acesso ao computador e à internet,
quando olhamos a qualidade dessa infraestrutura, observamos que está muito
longe de ter essa questão resolvida, para que o uso possa avançar na educação.
Apesar de existirem outros fatores, se você não tem a infraestrutura dis-
ponível, o uso é limitado. Todas as outras funções, também importantes, aca-
bam indo por terra, porque, se você não oferece condições de trabalho para
o professor, não adianta pensar nas outras questões. E o que acontece é que
temos um número de computadores muito pequeno nas escolas, em média
vinte computadores em funcionamento e, segundo dados do INEP1
, do censo
escolar, para uma média de 500 alunos por escola. Esses computadores estão
disponibilizados num laboratório de informática, e o professor tem que levar
uma sala inteira para a sala de informática. Ele fica com medo de dar algum
problema no computador, não ter um suporte ali, na hora, para resolver, e não
conseguir fazer a atividade.
1. Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Edu-
cacionais Anísio Teixeira,
autarquia federal vin-
culada ao Ministério da
Educação (MEC).
89
Pais, adolescentes, internet e escola: uma relação delicada • Cláudia Nonato
Você não tem um computador por criança, que precisa dividir os computa-
dores. Além disso, a qualidade do acesso à internet também está muito aquém
da necessidade do professor, para realizar uma atividade básica como ver um
filme na internet, em que o professor precise ter uma conexão que permita
àqueles vinte computares oferecerem um acesso adequado.
C&E – E qual seria o outro fator de destaque?
J.C.: Temos uma questão geracional importante, os professores nas escolas
têm em média quinze anos de trabalho. Se olharmos para trás, quinze anos,
chegaremos próximo à data que começa a internet comercial no Brasil, em
1995, quando ainda poucos tinham acesso. Os professores que hoje estão dan-
do aula, de forma geral, são professores que foram preparados para dar aula
sem uma perspectiva de ter uma tecnologia, que está colocando em discussão
a relação do professor e do aluno, do professor e dos pais, do professor e da
administração da escola. Então, não é trivial.
O professor está acostumado a realizar as suas atividades sem ter esse
suporte, sem a discussão de qual é o papel do professor, de que a Educação
está se transformando nesse país e que, além disso, tem uma tecnologia que
está capitalizando essa mudança em algum nível, porque muda muito mesmo
a forma como as pessoas se relacionam.
Temos no Brasil, e isso é depoimento de uma das especialistas no nosso
grupo, um número muito pequeno de universidades de Educação que trabalham
a questão de uso das TICs nas escolas. E até hoje, ainda assim, os professores
que estão entrando no mercado vão ter que aprender isso ali, no dia a dia,
porque o aluno já está usando. Perguntamos na pesquisa qual é a proporção
de alunos que utiliza a internet para realizar as atividades escolares e chegamos
a 90% dos alunos nas escolas públicas. Já é uma realidade, então o professor
vai ter que se adaptar.
Enfim, tem toda a parte de estrutura, treinamento, tem uma discussão
sobre a condição do professor em relação a salário. Os intelectuais de educação
não gostam muito de tocar nesse ponto, mas eu acho uma questão importante,
porque o piso salarial do professor é de R$ 1.200,00 reais. E observamos na
pesquisa que a maior parte dos professores tem dois turnos; uma parte trabalha
mais de 40 horas por semana, e ainda tem uma proporção grande de profes-
sores que trabalha em mais de uma função: são professores e coordenadores
pedagógicos, diretores. Como é que esse profissional vai ter tempo para pensar,
como é que vai reestruturar o dia a dia das atividades dele, em função dessas
novas tecnologias que vão surgindo? É uma situação
bem complicada.
C&E: E quanto à pesquisa TIC Kids Online? Por que
realizar uma pesquisa com crianças e adolescentes
usuários da internet?
Tatiana Jereissati: A pesquisa TIC Domicílios
acontece desde 2005, sendo realizada pelo Comitê
Gestor. E o foco dessa pesquisa é a população de 10
Foto:LuizAltieri
90
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
anos ou mais. Então surgiu uma demanda por realizar pesquisa com um pú-
blico mais jovem, a TIC Crianças, cuja população está entre 5 e 9 anos, faixa
etária que não é coberta pela TIC Domicílios.
Em 2009 realizamos a primeira versão da TIC Crianças, para começar a
entender como essa população utiliza os computadores, a internet, de forma
geral. Alguns indicadores simples, básicos, mas importantes. Até porque realizar
uma pesquisa, aplicar um questionário quantitativo com crianças de 5 anos é
um grande desafio. Então começamos a fazer esse trabalho de adaptação do
questionário das TIC Domicílios para esse público mais jovem.
Em 2010 realizamos mais uma versão dessa pesquisa, e começamos a inse-
rir algumas questões relativas ao uso seguro da internet. Em 2012 resolvemos
adotar integralmente essa pesquisa, que se chama “You Kids Online”, que foi
realizada, em 2010, em 25 países da Europa, com uma metodologia desenvolvida
e coordenada pela London School Economics.
Em 2011 estivemos lá (Londres) na reunião da divulgação dos resultados,
apresentamos também resultados da TIC Crianças, que foi bastante interessante,
porque não é tão comum ter pesquisa com esse público tão jovem. Mudamos
um pouco a faixa etária da nossa pesquisa TIC Crianças, que começa a abranger
um público de 5 a 8 anos, não mais de 5 a 9 anos, e fizemos a Kids Online,
de 9 a 16 anos. A diferença da Kids Online, é que abrange os usuários da in-
ternet. Ou seja, para resolver aquele questionário, aquele respondente precisa
ser usuário da internet. E consideramos usuário de internet como sendo aquele
que usou internet nos três meses anteriores ào momento da pesquisa. Porque as
pesquisas são muito específicas sobre os usos, e o enfoque é exatamente esse,
são as oportunidades on-line e também os riscos, pois ambos andam juntos; a
internet oferece oportunidades, mas também riscos, então a ideia é justamente
medir esses aspectos, que é uma questão muito relevante na Europa. E foi assim
que surgiu a pesquisa lá.
C&E: Os critérios e a metodologia utilizados na pesquisa brasileira foram os
mesmos da Europa? Quais foram os desafios encontrados nessa adaptação
para a nossa realidade?
T.J.: De modo geral, sim, com algumas diferenças. Um grande desafio, que
também foi enfrentado na Europa, foi adaptar o questionário, por causa da
tradução. Fizemos uma primeira versão da tradução do questionário, e ela não
pôde ser uma tradução literal; tivemos que adaptar aquele conceito ao nosso
contexto, à nossa realidade. Outro desafio foi a extensão do questionário, que
era comprido, extenso, demorava muito. E acompanhamos de perto os pré-testes,
que foi numa segunda etapa muito difícil, pois era preciso conseguir manter
a atenção da criança por algum tempo.
Fizemos a tradução integral e aplicamos integralmente o questionário. E
depois, outra diferença da pesquisa na Europa, é que teremos a possibilidade
de aplicar essa pesquisa anualmente. Com isso, podemos fazer alguns recortes,
selecionar temas e, de repente, no ano seguinte, selecionar outros temas de
relevância, como, por exemplo, o tema de consumo, que foi bastante levantado.
91
Pais, adolescentes, internet e escola: uma relação delicada • Cláudia Nonato
Então a ideia é de que no ano que vem a gente comece a investigar e tenha
um módulo sobre isso. O entrevistador chegava ao domicílio que foi sorteado,
entrevistava o pai necessariamente e também a criança ou adolescente.
Tem outro questionário que é de autopreenchimento: a criança/adolescente
preenche sozinho aquele questionário, porque são questões mais sensíveis; para
garantir a privacidade, para que ele se sinta mais à vontade. Para isso, o pré-
-teste foi bastante valioso: as crianças se cansavam, às vezes tinham preguiça
de ler, pediam ajuda do entrevistador, enfim, pensamos em como adaptar esse
questionário para que ele fosse cumprido de forma simples no Brasil.
Em termos da metodologia estatística, nós tivemos uma pequena diferen-
ça, pois a nossa pesquisa foi totalmente probabilística, o que é diferente da
metodologia aplicada na Europa.
C&E: E, em relação aos resultados, o que vocês destacariam, comparando-os
com os dados europeus?
T.J.: Eu acho que a questão central que nós avaliamos aqui talvez tenha
sido a percepção dos pais em relação ao uso seguro. Quer dizer, foi um dado
bastante surpreendente, 71% dos pais acreditam que os filhos usam a internet
com segurança. Isso revela como eles entendem o que é o uso seguro, e isso
também foi revelado nos testes cognitivos. Acho que essa é uma diferença que
podemos destacar, porque na Europa essa é uma questão muito discutida e
relevante, e aqui a gente percebe que é muito incipiente, há pouca preocupação
dos pais em relação a isso e, de repente, pouca discussão.
Em termos de atividades, os padrões são bem semelhantes. Acho que há
uma diferença que não pode ser ignorada, que são os dados de posses e de uso.
De posse de forma geral, que são muito mais baixos aqui no Brasil. É difícil
falar de Europa, porque são 25 países, mas, em geral, as posses aqui são muito
mais baixas, e isso vai ter um impacto nas frequências. A média das residências
europeias é de 75% dos domicílios com internet. O Brasil tem 38%. Quer dizer,
não conseguimos deixar essa questão de lado, e um indicador que isso impacta
é o local de acesso, que chama muito a atenção dos pesquisadores europeus,
a lan house. Quer dizer, o domicílio é muito relevante aqui, mas tem outros
locais de acesso que são utilizados. Outro dado que se destacou, com relação
aos europeus, foi com respeito à proporção de usuários de rede sociais, pois a
nossa proporção é mais alta que a média europeia, o que é muito particular
do Brasil. Os brasileiros estão muito presentes, desde o Orkut, agora Facebook e
outras, enfim, essa é uma questão interessante para continuarmos estudando
e até inserirmos novas perguntas, para entender como é que esses jovens uti-
lizam as redes sociais.
C&E: Uma das maiores surpresas foi com relação à privacidade: 77% dos
usuários afirmaram ter conversado com estranhos na internet, sendo que 23%
encontraram pessoalmente essa pessoa. A pesquisa mostra que os pais não
sabem o que ocorre em casa, não estão preparados para enfrentar esses riscos?
T.J.: A pesquisa mostra que os pais se julgam preparados. Temos um indi-
cador que mostra que a maioria dos pais julga que o filho é capaz de enfrentar
92
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
situações de risco, e que também o próprio pai é capaz de ajudar o filho em
alguma situação de constrangimento. Os pais dizem ser pouco provável que os
filhos encontrem alguma situação de risco, de chateação na internet, e também
muito improvável que ele tenha enfrentado alguma situação no último ano. O
pai tem uma percepção muito baixa do risco e se julga capaz de contornar
essa situação.
C&E: É grande o número de pais usuários de internet?
J.C.: Essa é uma questão interessante, porque uma média de 70% dos pais
declara que sabe orientar os filhos, ajudar os filhos a usar, ou sabe o suficiente
para usar. Mas se você observar que só metade dos pais usa internet, ficamos
nos perguntando, ao olhar os dados, se de fato esses pais sabem o que estão
dizendo.
Recentemente, numa entrevista, uma jornalista me perguntou se a internet
está substituindo o pai e o professor, porque a criança vai tirar as dúvidas na
internet. Eu respondi que não tenho indicador para saber se está ou não está,
mas se está eu fico preocupado, porque o pai e o professor são fundamentais
na construção da identidade, da educação da criança, ajudando-a a usar a
internet de uma forma segura.
Eu olho esse indicador de 50% e vejo um copo meio vazio; se a maioria
dos pais está tranquila com relação à internet, mas só metade a utilizou, então
eu acho que, de fato, está faltando discussão, conversa entre pais e filhos. E
é interessante perceber a percepção dos filhos, cuja maioria afirma que sabe
mais que os pais.
C&E: A pesquisa aponta que os pais consideram a escola como o local
adequado para obter informações sobre o uso seguro da internet, mas 50%
buscam essas informações na televisão e nos jornais. Como a escola poderia
desempenhar esse papel?
T.J.: 28% declararam buscar informações na escola, enquanto 61% gostariam
de obter informações sobre o uso da internet na escola. Acho que deveriam
estimular esse tipo de discussão. Se a escola fizer isso em sala de aula, até com
os próprios alunos, já será muito importante. Que eles percebam essa questão,
que discutam sobre isso.
A cartilha é uma ótima ferramenta para isso, mas o mais importante é
que o tema seja levado para casa, que as crianças discutam bastante entre si;
não é só o ensinamento dos pais ou professores para a criança, mas os pares
se ajudam muito no uso da internet. O mais importante é que as pessoas dis-
cutam sobre esse tema, que essa discussão seja levada para a escola, para a sala
de aula, juntamente com os professores, os pais.
Recentemente me perguntaram também de quem deve ser esse papel, e
acho que tem quer ser um papel compartilhado, pois as funções desses atores
são muito diversas. Quando os pais falam que vão buscar informação na gran-
de mídia, na televisão, revista, rádio, jornal, isso também mostra que de fato
93
Pais, adolescentes, internet e escola: uma relação delicada • Cláudia Nonato
eles não têm condição de discutir o assunto com o filho. Porque na Europa a
agenda é importante, está circulando, mas aqui no Brasil é incipiente, a gente
está começando a discutir. É uma oportunidade que a gente tem de adiantar
essa agenda, porque a internet vai avançar muito nos próximos anos. Eu tenho
a expectativa de que nos próximos anos o Brasil entre numa realidade de país
digital que seja de país europeu, e aí esses problemas, essa visão vai se aproxi-
mar das pessoas. Esses dois indicadores são importantes, porque vão apontar
para dois aspectos importantes, primeiro sobre o pai, que espera que a escola
possa ajudá-lo nesse processo e, segundo, sobre a busca de informação onde
não há informação.
J.C.: Nós estávamos em um evento da ONU de discussão de indicadores
de TIC, e o pessoal que faz a pesquisa na Coreia estava comentando – vale
destacar que 99% usam internet e 99% usam todos os dias, e que lá eles têm
acesso de fibra ótica nas casas – que lá eles têm uma política chamada Shut
Down Police, que determina que os servidores de jogos on-line têm de ser
desligados da meia-noite às seis da manhã. E isso é superpolêmico, está geran-
do uma discussão lá, mas é porque a internet está gerando questões de saúde
pública, pois as crianças estão o tempo todo plugadas; é uma política um tanto
quanto desesperada. O risco está tanto no conteúdo quando no vício. E nós
temos um indicador sobre isso, há crianças que afirmam não conseguir largar
a internet, se sentem mal, deixam de comer. Então a escola é importante, pre-
cisa “abraçar” essa questão.
C&E: Este fato que você acabou de contar, sobre a Coreia, envolve controle. E
qual é a opinião de vocês sobre isso? Deve haver uma restrição, um controle mais
efetivo sobre o uso, principalmente das crianças?
J.C.: Nós temos aqui no CGI um decálogo de princípios. E tem alguns
princípios que defendemos aqui, para o bom desenvolvimento da internet, e
que vão contra esse tipo de política: inimputabilidade, neutralidade, tudo o que
tiver de interferência e que não for do usuário, não é de acordo.
C&E: O controle deve vir de onde? De casa?
J.C.: Exatamente, o pai que deve controlar. É fácil nós discutirmos, olhar-
mos para o problema do vizinho, mas não sabemos qual é o nível de problema
que eles estão enfrentando. Deram acesso à internet para todo mundo, você
entra no Metrô, em Seul, e todos estão usando internet e celular. Defendemos
o princípio de neutralidade, que qualquer interferência deve começar na pon-
ta, no usuário, mas também não ouso criticar uma política de saúde pública.
C&E: Essa pesquisa TIC Kids Online será anual a partir de agora? Quais
serão os próximos temas a serem abordados?
T.J.: Essa foi a primeira aplicação, o piloto da pesquisa, então tentamos nos
aproximar ao máximo do que foi feito na Europa, até para fins de comparabi-
lidade. Mas, a partir da próxima onda, teremos um pouco de liberdade para
flexibilizar um pouco os módulos, e passaremos a investigar algumas questões
94
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
que, de repente, não tiveram espaço no questionário da Europa, como a ques-
tão do consumo, que foi bastante discutida por especialistas do nosso grupo e
que precisa ser investigada.
Claro que é um grande desafio investigar isso, mas a ideia é que consigamos
sempre replicar algumas perguntas. É importante ter uma base de comparação
anual, mas também inserir alguns módulos novos para investigar novas ques-
tões que também são importantes. Estamos lançando uma publicação impressa
com os dados e alguns artigos, de especialistas, para analisar outras questões
mais teóricas. Junto com essa pesquisa a gente deve lançar os resultados da
TIC Crianças, de 2012, que ainda não foram divulgados e que contempla a
população de 5 a 8 anos.
ENDEREÇOS ELETRÔNICOS
TICS ON-LINE 2012. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação
e comunicação no Brasil. Disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/
kidsonline/index.htm>.
TIC EDUCAÇÃO 2011. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e
comunicação nas escolas brasileiras. Disponível em: <http://op.ceptro.br/cgi-
bin/cetic/tic-educacao-2011.pdf>.
crítica
95
1. Artigo resultante do
cruzamento de duas
pesquisas, ambas sob
orientação de Dra. Maria
Aparecida Baccega: BU-
DAG, Fernanda Elouise.
Comunicação, recepção
e consumo: suas inter-re-
lações em Rebelde-RBD.
Dissertação (Programa
de Pós-graduação em
Comunicação e Práticas
de Consumo) – Escola
Superior de Propaganda
e Marketing, ESPM, 2008;
RIBEIRO, Lucas Máximo.
Rebeldes. Pesquisa de
iniciação científica (Pro-
grama de Pós-graduação
em Comunicação e Práti-
cas de Consumo) – Escola
Superior de Propaganda e
Marketing, ESPM, 2011.
Recebido: 11/09/2012
Aprovado: 30/10/2012
Rebelde(s): consumo e
valores nas telenovelas
brasileira e mexicana1
Maria Aparecida Baccega
Livre-docente em Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Docente,
pesquisadora e orientadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de
Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (SP). Pesquisadora do Centro de
Pesquisa de Telenovela (USP), do Centro de Pesquisa Comunicação e Trabalho (USP) e do
OBITEL (Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva).
E-mail: mabga@usp.br
Fernanda Elouise Budag
Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM-SP). Graduada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, pela
Universidade Regional de Blumenau (FURB). Docente da Faculdade Paulus de Tecnologia e
Comunicação (FAPCOM) e da Faculdade IBTA.
E-mail: fernanda.budag@gmail.com
Lucas Máximo Ribeiro
Graduando em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, pela Escola Superior de
Propaganda e Marketing (ESPM-SP). Auxiliar de pesquisa do Programa de Suporte à
Pós-graduação de Instituições de Ensino Particulares (PROSUP).
E-mail: lucasmaximo@gmail.com
Resumo: Partindo de duas pesquisas que
se debruçaram sobre produtos midiáticos
afins – Rebelde (veiculada no Brasil entre
2006-2007) e Rebeldes (2011) –, lançamos
mão de seus discursos e buscamos traçar
conexões sobre questões relacionadas a
consumo, a temáticas centrais em pauta em
ambas as telenovelas e a valores prezados
por seus respectivos sujeitos receptores.
Palavras-chave: Comunicação; consumo,
telenovela; discurso; recepção.
Abstract: From two researches that exam-
ine the same media product – Rebelde
(aired in Brazil between 2006-2007) and
Rebeldes (2011-present), we investigate
their discourses and try to outline connec-
tions about issues related to consumption,
to central topics concerning the two pro-
grams and to values appreciated by their
reception subjects.
Keywords: communication; consumption;
telenovela; discourse; reception.
INTRODUÇÃO
Enxergamos a telenovela como grande observatório do cenário sociocultural
de uma época, das práticas em voga, dos valores em evidência e dos temas em
destaque e em discussão na sociedade. Esse fenômeno acontece em especial no
96
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Brasil, quando levamos em conta que a televisão é a principal fonte de informa-
ção e lazer para uma parcela de brasileiros menos privilegiada monetariamente,
das classes D e E – sem acesso a TV a cabo, teatro, cinema, revistas, viagens
e demais experiências que enriquecem visões de mundo, repertórios e mesmo
a bagagem de conhecimentos gerais. Nesse contexto, a telenovela figura como
importante referência de estilos de vida, gostos e padrões estéticos, bem como
de identificação e/ou aspiração de consumo. E, quando pensamos na tão acla-
mada “nova classe C” – sujeitos que subiram na pirâmide social nos últimos
anos em virtude da profunda mudança na economia brasileira, que culminou
em elevação de renda –, estamos falando de pessoas que, até há apenas menos
de uma década, viviam com o básico do básico e hoje possuem recursos extras
que lhes permitem ter luxos e fazer extravagâncias. Ou seja, essa porção da
população se junta à classe média que, pela primeira vez na história do país,
representa mais da metade da população: 170 milhões de consumidores. Con-
sumidores/cidadãos. Em referência direta a Canclini, “podemos atuar como
consumidores nos situando somente em um dos processos de interação – o que
o mercado regula – e também podemos exercer como cidadãos uma reflexão
e uma experimentação mais ampla que leve em conta as múltiplas potenciali-
dades dos objetos [...]”2
.
Desse novo cenário econômico-social brasileiro emerge o desejo – e, por
que não, a necessidade – de atualização do universo de investigação em tor-
no da telenovela Rebelde (mexicana, veiculada no Brasil entre 2006 e 2007), a
partir de cruzamentos com sua versão mais recente, ainda em transmissão – a
brasileira Rebeldes, no ar, pela Rede Record, em 2011.
Destacamos que, em contraste com toda a paisagem econômica e social
que viemos apontando, ambas as telenovelas possuem como palco principal de
suas histórias uma escola de nome Elite Way, voltada à alta classe social, aos
ricos e famosos. Porém, ambas as escolas retratadas, em contrapartida, possuem
sistemas de bolsas de estudo que possibilitam aceitar alunos de menor renda.
Interessa-nos aproximar e distanciar as telenovelas – a matriz mexicana e
a versão brasileira – na tentativa de identificação de questões relacionadas ao
consumo e, no que concerne ao discurso, aos valores e temas recorrentes em
cada uma delas.
REBELDE: O ORIGINAL
MEXICANO
Rebelde, produção da
mexicana Televisa, trabalhou
com estereótipos e assuntos
d e interesse universal a ponto de
arrebatar públicos em mais de
70 países – e de culturas, em
Divulgação.
Rebelde produzido pela mexicana Televisa.
2. CANCLINI, Néstor
García. Consumidores e
cidadãos: conflitos multi-
culturais da globalização.
Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2006. p. 71.
97
Rebelde(s) • Maria A. Baccega, Fernanda E. Budag e Lucas M. Ribeiro
alguns casos, extremamente diversas, como México, Chile, Colômbia, Estados
Unidos, Peru, Venezuela, Espanha, Angola, República Dominicana, Israel,
Canadá, Rússia, Índia, Inglaterra e Japão.
Os valores na trama
Iniciamos com a apresentação e análise dos principais valores que reco-
nhecemos no discurso – imagético e oral – de Rebelde, a partir de recorrências
temáticas. Assistindo aos DVDs das três temporadas da telenovela, identificamos,
sobretudo, quatro valores principais que permeiam toda a trama, quais sejam:
amizade, amor, família e rebeldia. Vejamos algumas representações desses valores.
A) Amizade
Exemplificamos a expressão do valor Amizade com o discurso que encerra
o capítulo final da terceira temporada – comprovando que se trata de um tema
ao qual a telenovela deseja dar importância. Oralizada em retrospectiva, na voz
de sete dos principais alunos do Colégio – isto é, integrantes do núcleo central
da trama –, a mensagem é a seguinte:
Não sei se o Colégio era exatamente como me lembro. Ou se os professores
eram tão bons ou tão ruins como ficaram na minha memória. O que eu sei é
que o mais importante que eu aprendi naqueles dias foi o valor da amizade. Os
amigos sempre presentes, para o bem ou para o mal. Nos melhores e nos piores
momentos. São deles [sic] que eu me lembro com maior nitidez. E o amor? O
primeiro amor. Amores, amigos, não importa como ou onde estejam, sempre
os levo comigo. E eu sei que vou com eles. Porque naquilo que somos hoje,
está presente o que fomos. A vocês, meus amigos do coração, não me canso de
agradecer, sempre. Porque naquela época em que caminhávamos no mundo de
coração aberto, conseguimos fazer do mundo um lugar melhor para se viver.
Como percebemos, a temática da amizade perpassa boa parte desse discur-
so. Percebemos a presença da “formação discursiva”3
no trecho final dessa fala,
quando o sujeito fala na posição de ex-aluno do Colégio – “naquilo que somos
hoje está presente o que fomos”. Se outra fosse sua posição, a fala obedeceria
a uma formação discursiva diferente.
B) Rebeldia
A respeito de “rebeldia”, trazemos o discurso do professor Madariaga –
personagem do núcleo central da trama, bastante querido dos alunos, que fica
ausente durante a trama para reaparecer no final:
[Vocês, alunos] mostraram uma união, como grupo, incrível. Me surpreende-
ram. E mais uma vez enfrentaram tudo para defender a um de vocês. A uma de
vocês, nesse caso. [...] O melhor de tudo... o melhor de tudo, gente, é que, por
trás dessa rebeldia de vocês, mostraram ter valores muito fortes. Muito fortes. Eu
sei que no dia de amanhã essa força vai fazer com que possam mudar muitas
3. Ou seja, o conjunto
de regras que regulam
os discursos, de acordo
com posições ocupadas e
com contextos históricos
determinados (MAINGUE-
NEAU, Dominique. Ter-
mos-chave da análise do
discurso. Belo horizonte:
Ed. UFMG, 1998. p. 68).
98
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
coisas. E ainda que cresçam (acreditem, vai acontecer). Não percam isso, gente.
De verdade. Não percam essa rebeldia, mas sempre com razão e com o coração.
O personagem aparece como um ponto positivo da telenovela, pois – não
somente nesse episódio, mas em outros – profere falas dirigidas a situações de
mudança.
A telenovela defende a necessidade de os jovens terem uma postura pró-ativa,
o que é visto de forma positiva. Contudo, analisando esta cena conjuntamente
com as demais cenas de Rebelde, percebemos que a trama sustenta a “rebeldia”
em relação a causas que se restringem à esfera escolar ou à esfera pessoal dos
jovens – não se aprofundando, portanto, na macroestrutura social. Geralmente,
conforme se desenrolam as histórias no transcorrer da telenovela, percebe-se
que as causas da “rebeldia” – de nível micro – são as injustiças que ocorrem
com um ou outro colega. Na situação anterior, a injustiça era com relação à
expulsão de uma aluna grávida.
A partir de resultados de pesquisa de campo, concluímos que tanto Rebelde
quanto seus receptores operaram uma ressignificação do conceito de rebeldia,
ao retirarem a carga de revolta que o adjetivo “rebelde” possui em sua origem.
A rebeldia, que até então remetia à tentativa de mudança da macroestrutura e
à ida de encontro à autoridade constituída, na busca de modificação profunda
dos valores da sociedade, passa a ser uma revolta que se esgota na microestru-
tura – no âmbito da família e da escola.
C) Amor
Já sobre o conceito de “amor”, percebemos na telenovela duas posturas que
se complementam: a primeira é de luta para manter um relacionamento, e a
segunda é de hipervalorização do amor. Um discurso de Roberta – personagem
que faz parte do núcleo central, indisciplinada e teimosa, e que é a represen-
tante maior da “rebeldia” propagada pela obra – sintetiza este posicionamento
diante do amor:
Bom, estamos aqui para festejar algo pelo qual vocês têm lutado com todas as
forças. Estamos aqui para celebrar o amor! (suspiro). Lupita e Nico se apaixona-
ram... e esperaram... fizeram mil coisas pra ficarem juntos e nós sabemos disso.
E, na verdade, eu acho que ver que nada e nem ninguém pode separá-los foi o
melhor que pôde acontecer no Colégio, neste ano que estivemos juntos (suspi-
ro). Por isso eu, que sou uma rebelde, e que hoje tenho a honra e a sorte de
representar os rebeldes do mundo (pausa)... quero pedir para lembrarmos algo
muito importante e que a maioria dos adultos já se esqueceu. Que o amor é o
mais importante e o mais forte que existe no mundo. E por isso estamos aqui!
[...] Bom, pois, agora, sim, diante das leis da natureza, da liberdade e do amor,
nós todos os declaramos marido e mulher! O que os amigos unem, nada e nin-
guém pode separar.
Roberta na ocasião ocupa a posição de “mestre de cerimônias” em uma ce-
lebração, sem valor legal ou religioso, que os amigos preparam para o casamento
99
Rebelde(s) • Maria A. Baccega, Fernanda E. Budag e Lucas M. Ribeiro
de Nico e Lupita. Observando os não ditos – ou implícitos –, podemos notar,
principalmente pelo trecho “fizeram mil coisas pra ficarem juntos”, que o casal
passou por situações que colocaram à prova o seu amor – possivelmente, de
pessoas que tramaram situações para colocar um contra o outro ou separá-
-los. Expressões e palavras como “única coisa que salva”, “única coisa que fica”,
“celebrar”, “festejar”, “o mais importante” e “o mais forte” são todas indicativas
da posição de celebração do amor, que Rebelde veicula.
D) Família
Como na maioria das telenovelas – e no cotidiano real, sua matéria-fonte –,
em Rebelde a família assume papel importante. Mesmo sendo retratada, por
vezes, como origem de sofrimentos, na trama ela também assume o papel de
fonte de felicidade. Vejamos, então, um discurso típico de cada um dos casos.
Sobre o primeiro (sofrimento), em uma fala da personagem Roberta, notamos
seu desapontamento com relação à família:
O mundo não é nada como falam. Essa casinha de boneca com uma família
que demonstra tudo que se quer. Isso só existe nas brincadeiras. Na vida real,
a família é um grupo de desconhecidos, que só pensam em sobreviver. Quando
não é possível mais acreditar nos próprios pais, o que sobra? Tudo uma grande
mentira. E eu não quero ser parte disso. Agora eu vou fazer tudo o que eu quiser.
Vou fazer tudo o que me disseram pra não fazer.
Já sobre a segunda abordagem (felicidade), temos um discurso de Franco
Colucci, um personagem positivo que, apesar de não estar ligado diretamente
ao Elite Way School, insere-se no núcleo central de Rebelde: “Eu quero dizer
que quem está agradecido sou eu. Eu era um homem só, na minha solidão.
Eu quero dizer que devo agradecer à vida porque graças a vocês a minha vida
se converteu em luz e alegria de viver. Obrigado”. O contexto da enunciação
é o momento que antecipa o casamento de Franco – empresário do ramo da
moda, muito rico, pai da aluna Mia – com Alma Rey (mãe de Roberta). Nesta
fala, Franco agradece Alma, Mía (sua filha), Roberta (filha de Alma) e Josy
(amiga de Roberta e Mía que foi adotada pelo casal) por iluminarem sua vida.
Dessa forma, no que se refere à família, constatamos a presença da polissemia
(multiplicidade de sentidos): “família” gerando sentidos positivos e negativos.
O consumo: sentidos
Pensando na inter-relação entre discurso de valores e práticas de consumo,
buscamos notar a emergência dos sentidos criados e/ou reproduzidos nos dis-
cursos pronunciados pelos receptores de Rebelde, abordados em nossa pesquisa4
,
tendo em vista que “os dizeres não são [...] apenas mensagens a serem decodi-
ficadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas
e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz [...]”5
.
4. Pesquisa de campo
de abordagem multime-
todológica empreendida
junto a jovens receptores
de Rebelde, por meio
de abordagens no show
de RBD, questionários
quanti-qualitativos, grupo
focal e entrevistas em
profundidade.
5. ORLANDI, Eni Pucci-
nelli. Análise de discurso;
princípios e procedimen-
tos. Campinas: Pontes,
2007. p. 30.
100
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Para esta etapa, após estudarmos procedimentos possíveis de análise, opta-
mos pela proposta de Fiorin6
, segundo o qual a formação discursiva “[...] é um
conjunto de temas e de figuras que materializa uma dada visão de mundo”7
,
onde “tema é o elemento semântico que designa um elemento não presente
no mundo natural, mas que exerce o papel de categoria ordenadora dos fatos
observáveis”8
; e figura, por sua vez, “[...] é o elemento semântico que remete a
um elemento do mundo natural [...]”9
. Assim, nosso procedimento de análise
consistiu-se em desconstruir os discursos dos receptores de Rebelde, dos quais
nos aproximamos com o intuito de identificar temas e figuras para, então,
registrarmos aqui os sentidos emergidos.
Selecionamos, para trabalhar neste pequeno espaço, uma questão que
parece resumir o diálogo que os receptores mantêm com esta telenovela e o
grupo musical a ela vinculado. Na tentativa de percebermos como os receptores
de Rebelde-RBD racionalizam e verbalizam o afeto que sentem por estes ídolos e
pelos produtos midiáticos por eles protagonizados, questionamos sobre “o que
tem a novela Rebelde que dá vontade aos receptores de comprar os produtos?”.
Encontramos então o afeto tematizado em quatro âmbitos: visual, con-
teudístico, material e emocional. O tema no âmbito visual é figurativizado
pelos seguintes elementos: a beleza e o “jeito” dos atores/músicos; o quarto
das personagens da telenovela; e as roupas, uniformes e acessórios por eles
usados. No âmbito conteudístico, o tema aparece figurativizado como “é uma
novela que ensina muito”. O âmbito material, por sua vez – referindo-se, mais
diretamente, à posse de bens materiais (produtos) –, é figurativizado em sen-
tenças como esta: “é legal ter os produtos para mostrar para os outros”. Já no
âmbito emocional, o tema aparece figurativizado nos enunciados que seguem:
“é para ter a coleção de tudo deles para vê-los todos os dias, toda hora e todo
o momento”, “parece que eles são viciantes”, “porque eles mexem com a nossa
cabeça”, “nos atrai por ser parecido com a gente”.
REBELDES: VERSÃO
BRASILEIRA
Conforme adiantamos na
introdução, damos continuidade a
este estudo por meio do processo
de exploração de outro universo,
distinto, mas complementar: o
mundo ficcional de Rebeldes, pro-
dução nacional da Rede Record
– cuja veiculação, iniciou-se em
21 de março de 2011.
Inspirada diretamente na ver-
são mexicana de que tratávamos há pouco – daí nosso interesse em aproximá-
-las –, seu enredo assemelha-se bastante ao de sua antecessora, mantendo os
A versão brasileira, produzida pela Rede Record.
Divulgação.
6. FIORIN, José Luiz. O
regime de 1964: discurso
e ideologia. São Paulo:
Atual, 1988; Id. Lingua-
gem e ideologia. São
Paulo: Ática, 2005.
7. Id. Linguagem e ideo-
logia, cit., p. 32.
8. Ibid., p. 24.
9. Ibid., p. 24.
101
Rebelde(s) • Maria A. Baccega, Fernanda E. Budag e Lucas M. Ribeiro
nomes de alguns personagens, a identificação da escola e a formação dos casais.
No entanto, a telenovela nacional traz uma edição mais dinâmica e diálogos
mais rápidos entre as personagens – e, por mais que haja também uma banda
composta de alguns estudantes do colégio, esta recebe um nome diferente da
anterior, batizada agora de Rebeldes – o mesmo nome da telenovela (diferindo
da dupla Rebelde-RBD no México).
Os valores na trama
Assim como procedemos com o produto midiático anterior, em Rebeldes
procuramos identificar os valores abordados na trama de forma mais recorren-
te, seja em discursos e representações orais ou imagéticos. A maior parte dos
temas coincide com os da versão mexicana, justamente porque seu enredo – de
sucesso anterior – foi praticamente mantido.
A) Família
Como ocorria no original mexicano, a questão familiar é também retrata-
da com bastante frequência na produção brasileira, principalmente devido ao
fato de os estudantes do colégio viverem em sistema de semi-internato – o que
potencializa a saudade que sentem de seus familiares. Os pais dos personagens
são, em sua grande maioria, profissionais bem-sucedidos e ocupados demais no
trabalho, o que acarreta em falta de tempo para ver seus filhos. A personagem
Alice, por exemplo, deixa claro em um discurso seu descontentamento com o
fato de nunca ver seu pai e tampouco contar com sua colaboração: “Do que
adianta ser a garota mais popular do colégio e não ter o apoio do meu pai
nunca?”. Embora a telenovela apresente o relacionamento conflitante entre
pais e filhos, a busca de consenso entre as duas partes está sempre presente.
B) Rebeldia
Quanto à rebeldia, o discurso de alguns alunos num protesto coletivo
contra o diretor revela o significado que esse valor/tema tem para a telenovela.
Pedro: “Ser rebelde é ser você mesmo e não respeitar as regras só porque elas
são regras”. Roberta: “Ser rebelde é pensar com a sua própria cabeça”. Alice:
“Ser rebelde é fazer aquilo que você acredita”. Thomas: “Ser rebelde não é só
ser ‘do contra’, ser rebelde é fazer o que acha certo”. Carla: “Ser rebelde é não
aceitar imposição”. Diego: “Ser rebelde é questionar”. E, na continuidade dessa
mesma cena, o professor Vicente traz o seguinte discurso: “Vocês se lembram
do que eu disse sobre ser rebelde? Que ser rebelde é não aceitar imposição,
é não aceitar o que vem de fora e sim entender e fazer? Porque o movimento
vem de dentro, vem do entendimento”. O discurso é, pois, apoiado e legitimado
por uma autoridade competente, um professor.
102
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
É possível identificar, em seu discurso, a defesa da “rebeldia” como apelo para
que cada aluno tenha conhecimento de si próprio – para, então, compreender
o que acontece ao redor e, somente assim, tomar atitudes com justiça e ética.
C) Amor
Novamente, o amor é mais um dos valores presentes na telenovela, sendo
argumento que induz a desfechos ao longo de Rebeldes.
(...) Existe um nome específico para a mistura de coisas diferentes: criatividade.
Ser criativo é pegar duas coisas que aparentemente não tem nada a ver e combi-
nar numa coisa nova. Igual para igual: mais do mesmo. Diferente com diferente,
alguém sabe? É o novo, original, criativo. A mistura de coisas diferentes gera o
novo. Pega duas pessoas iguaizinhas, que pensam do mesmo jeito, que gostam
das mesmas coisas, pode parecer confortável e legal no começo, mas depois...
começa a enjoar, isso não cresce, não desenvolve, é mais do mesmo. Agora pega
duas pessoas apaixonadas! Que não têm nada a ver! Nada! Absolutamente nada
a ver uma com a outra! (...) O que pode surgir? (...) Pode surgir algo novo, troca
de valores, crescimento, aprendizado.
A citação foi tirada do discurso do professor Vicente sobre o amor. Pode-
mos perceber, claramente, que a fala é coerente com o relacionamento amoroso
vivenciado pelos casais que fazem parte do núcleo central da telenovela, uma
vez que todos apresentam alguma – grande ou sutil – diferença em relação ao
seu parceiro. Alice, por exemplo, é menina rica e popular, enquanto Pedro, seu
namorado, é de família humilde e estuda como bolsista no Elite Way.
D) Dinheiro
O valor do dinheiro é uma constante em Rebeldes – sendo a questão mo-
netária frequentemente figurativizada. A personagem Alice, por exemplo, sabe
usar isso a seu favor. Para confortar a bolsista Vitória, após descumprirem as
regras do colégio, Alice diz “relaxa que não vai acontecer nada, porque pelo
que eu vi a família do Tomás tem grana e a minha também (...) e grana nesse
colégio tão formal e sério significa benefícios”.
Vitória, por sua vez, sonha em se casar com um homem rico e fica bastante
feliz ao conseguir a bolsa no Elite Way College: “Imagina eu naquele colégio,
cheio de meninos ricos”.
O consumo: práticas
Na esfera do consumo – primeiramente, em relação ao universo da pro-
dução, ou seja, da oferta de bens de consumo relacionados à trama – identi-
ficamos um nicho muito bem explorado em torno de Rebeldes. Obviamente,
os produtores tinham como referência o sucesso que a versão mexicana da
telenovela alcançou entre seus receptores/consumidores, vislumbrando com
tranquilidade, portanto, as mesmas – ou maiores – oportunidades no Brasil.
103
Rebelde(s) • Maria A. Baccega, Fernanda E. Budag e Lucas M. Ribeiro
Dados obtidos projetavam o lançamento, pela Record Entretenimento, de 47
categorias diferentes de produtos licenciados com a marca da trama, com foco
principal em materiais escolares e CDs10
.
Entre os itens mais desejados entre os receptores/consumidores, ao lado
de pôsteres, revistas e CDs, está uma linha inteira de esmaltes da marca Impa-
la inspirada na telenovela – trazendo cores vibrantes que seguem a moda do
chamado color blocking. Outra grande aposta dos produtores é o livro Rebeldes
– A obra oficial, que, tal qual a publicação similar de sua antecessora, apresen-
ta imagens, entrevistas com os atores e perfis dos personagens. Brinquedos,
bicicletas, chicletes, pulseiras e demais acessórios também entram na lista de
produtos à disposição no mercado.
Porém, o que mais chama a atenção em se tratando de consumo em Rebel-
des, agora a respeito dos consumidores propriamente ditos – que, na era digital,
agregam a função simultânea de produtores de informação –, é a introdução de
uma nova prática de consumo de telenovela: o compartilhamento dos gostos e
temáticas pelas redes sociais. Estas possibilitam a visibilidade tão desejada – e,
por que não, até mesmo exigida – na contemporaneidade e permitem a forma-
ção de redes, comunidades, agrupamentos que compartilham interesses afins.
“A Web 2.0 tem repercussões sociais importantes, que potencializam processos
de trabalho coletivo, de troca afetiva, de produção e circulação de informações,
de construção social de conhecimento apoiada pela informática”11
.
No caso de Rebeldes, destacamos, especificamente, a interação por meio da
rede social Twitter. Uma evidência dessa (re)produção de conteúdo e de mani-
festação de afeto por parte dos fãs da telenovela é que as chamadas hashtags12
relacionadas a Rebeldes vêm figurando, por diversas ocasiões, entre os chamados
Trending Topics13
(TTs) da rede social. Entre as hashtags mais significativas em
termos de quantidade de menções, encontramos “Pedro e Alice” (um casal
da trama), “Pelice” (termo que junta sílabas dos nomes do casal supracitado),
“Vicente Antonio” (personagem), “EuAmoRebeldes” e “Depois da chuva” (uma
música da banda).
Esses são reflexos dos novos padrões de consumo da telenovela: temos
um produto cultural-midiático legitimamente nacional moldando-se a um
novo cenário, permeado por tecnologias digitais que, ao mesmo tempo que se
alimentam da telenovela, também a renovam e a fomentam.
REFLEXÕES FINAIS
Conforme assinalamos no início, até mesmo como justificativa para os pre-
sentes relatos e reflexões, vivemos hoje, no Brasil, num cenário socioeconômico
e tecnológico já bastante diferente e distante dos anos de 2006-2007, período
de transmissão da Rebelde mexicana.
Portanto, a partir da aproximação desta com a Rebeldes brasileira, acredita-
mos ter lançado luz sobre permanências e rupturas em torno de tematizações
10. NA TELINHA. Re-
cord lançará linha de
produtos de “Rebelde”.
Disponível em: <http://
natelinha.uol.com.br/no-
ticias/2011/03/16/154442.
php>. Acesso em: 16
mar. 2011.
11. PRIMO, Alex. O as-
pecto relacional das
interações na Web 2.0. In:
XXIX CONGRESSO BRA-
SILEIRO DE CIÊNCIAS DA
COMUNICAÇÃO. Brasília,
Anais, 2006. p. 2.
12. Termo utilizado para
denominar um tópico
que se deseja fazer ser
indexado pelo Twitter,
acrescentando-se o sím-
bolo “#” à sua frente.
13. Trending Topis são os
assuntos mais citados em
determinado momento,
a partir de levantamento
feito automaticamente
pelo Twitter.
104
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
diversas e, principalmente, enxergamos como grande contribuição do estudo
a reflexão sobre a emergência de novas práticas de recepção e consumo de
telenovela.
Segundo apontamos no tópico imediatamente anterior, essas práticas hoje
são, em muito, agenciadas pelas redes sociais, que colocam em evidência os
comentários dos receptores sobre as produções midiáticas que consomem – e
reproduzem. Se, em 2006-2007, tais práticas estavam engatinhando – na época,
com o pioneiro Orkut –, hoje se encontram consolidadas, sujeitas a índices de
mensuração e utilizadas, da parte dos produtores, como mídias de fato – ou
desdobramento do mainstream.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da
globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.
FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 2005.
_______. O regime de 1964: discurso e ideologia. São Paulo: Atual, 1988.
MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chave da análise do discurso. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos.
Campinas: Pontes, 2007.
PRIMO, Alex. O aspecto relacional das interações na Web 2.0. In: XXIX
CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2006, Brasília.
Anais, 2006.
Referências eletrônicas
NA TELINHA. Record lançará linha de produtos de “Rebelde”. Disponível em:
<http://natelinha.uol.com.br/noticias/2011/03/16/154442.php>. Acesso em:
16 mar. 2011.
REBELDE – primeira temporada da novela. EMI Music, 2006. 3 DVD (780 min.),
son., color.
REBELDE – segunda temporada da novela. EMI Music, 2006. 3 DVD (780 min.),
son., color.
REBELDE – terceira temporada da novela. EMI Music, 2007. 3 DVD (780 min.),
son., color.
depoimento
105
Circo e sociabilidade em
São Paulo
Walter de Sousa Junior
Pós-doutorando em Ciências da Comunicação na ECA/USP e pesquisador do OBCOM –
Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura da Universidade de São
Paulo.
E-mail: waltersousajr@hotmail.com
Resumo: Janete Souza Oliveira cresceu
ouvindo dos pais as histórias do Circo Pio-
lin, instalado na Praça Marechal Deodoro,
em São Paulo, desde 1943. E percebeu o
quanto isso foi determinante para que ela,
empregada doméstica, e ele, motorista,
pudessem ter uma sociabilidade fora das
longas jornadas de trabalho a que se de-
dicavam em casas de famílias abastadas da
região de Higienópolis. Neste depoimento,
esta “quase socióloga”, como se define,
que abandonou o curso da Escola Livre de
Sociologia e Política para morar na África,
onde passou oito anos de sua vida, filha
de dona Gersira e do senhor Joaquim
Adão, lembra a importância do circo e das
comédias na vida social das classes menos
privilegiadas da capital paulista.
Palavras-chave: Circo; sociabilidade; humor;
Piolin; Higienópolis.
Abstract: Janete Souza Oliveira grew up
listening to her parents’ stories of Piolin
Circus, located at Marechal Deodoro
Square in São Paulo since 1943. And she
realized how crucial it was for her parents,
who were maid and driver, to have a social
life outside the long working hours they
dedicated in homes of wealthy families
from Higienópolis. In this testimony,
Janete, “almost a sociologist,” as she de-
fines herself, who abandoned the course
of Free School of Sociology and Politics
to live in Africa, where she spent eight
years, the daughter of Mrs. Gersira and Mr.
Joaquim Adão remembers the importance
of the circus and of the comedy in the
social life of the less privileged classes
from São Paulo.
Keywords: Circus; sociability; humor; Piolin;
Higienópolis.
Nas décadas de 1930, 1940, 1950, minha mãe era babá em São Paulo. Ela
me contava que as empregadas domésticas, nos finais de semana, se reuniam
na Praça Villaboim e na Praça Buenos Aires, em Higienópolis, para combinar
onde iriam e o que fariam no final de semana, qual seria o seu lazer. Geral-
mente, assistiam aos filmes de Mazzaropi, Oscarito, Grande Otelo, ou iam aos
circos. Os cinemas eram sempre os do centro da cidade, Comodoro, Marabá.
Ela falava que tinha a sessão de gala e a sessão mais popular, que era a que
elas frequentavam.
Mas o circo era a opção mais corriqueira. Porque era barato e porque era
onde elas podiam se expressar... O circo tem essa magia, você pode expressar
o seu sentimento. Você grita, chora, ri, participa junto com a cena. Então isso,
para ela, era uma válvula de escape. Minha mãe falava que era um mundo
“mágico e de sonhos”.
106
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Bom, normalmente elas moravam no trabalho. E não tinham uma casa
para ir aos finais de semana, pois os familiares moravam no interior. Ela tra-
balhava aqui em São Paulo, na rua Bahia, em casa de família. Era babá, e os
familiares dela moravam no interior. Depois, quando veio um irmão para cá,
ele alugou uma casa no Bixiga, onde as irmãs se reuniam com as primas. Todas
trabalhavam sempre como empregadas domésticas.
Circo Piolin instalado na av. Gen. Olímpio da Silveira, na zona Oeste de São Paulo, que recebeu em suas
sessões a população de empregados das casas de família de Higienópolis, nas décadas de 1940 e 1950.
Fonte:AcervodoCentrodeMemóriadoCirco.
O divertido, minha mãe contava, eram os grupos que iam para o circo para
assistir àquela magia toda acontecer. E ela falava muito do Piolin. E o Piolin
era, para ela, o maior humorista! Ela falava dele já rindo. Eu perguntava: “Por
que a senhora está rindo?”. “Ah, é porque estou me lembrando das palhaçadas
dele”, respondia. Foi assim que eu tive contato com o Piolin, através dos casos
contados pela minha mãe.
As famílias, naquela época, eram bem tradicionais e tinham todas, em suas
casas, motorista, cozinheira, copeira, babá, passadeira. As lavadeiras geralmente
vinham dos bairros da periferia, pegavam as roupas e depois entregavam.
A minha mãe conheceu o meu pai, ele era motorista de uma família na
rua Piauí, e ela babá e morava na rua Bahia. O bairro de Higienópolis tinha
esse contraste. Os nomes das ruas eram os de estados do Nordeste e as famílias
eram riquíssimas...
Naquela época os senhores do café mantinham lá as suas mansões. Eles
tinham suas fazendas de café e geralmente traziam seus funcionários dessas
fazendas. Foi o caso da minha mãe. Ela foi trazida por essa família aos 8 anos
de idade, da região de Bauru. Ela perdeu os pais, e eram sete irmãos, que
107
Circo e sociabilidade em São Paulo • Walter de Sousa Junior
foram divididos pelas famílias tradicionais da região. Ela veio com a família
Guimarães para trabalhar como babá. Era uma criança cuidando de outras
crianças. Eles foram pessoas muito sensíveis, que eu respeito demais. Eu nasci
no meio dessa família, porque minha mãe passou de babá para cozinheira e,
depois, governanta. Ela trabalhou durante quarenta anos com eles. E depois
disso continuava dando “assessoria” para essa família. Digo assessoria porque ela
cozinhava muito bem, e era sempre chamada quando havia banquetes e festas.
Ela casou com meu pai, e eles continuaram trabalhando com essa família, só
que daí ele foi trabalhar numa das firmas, passando de motorista particular
para motorista de diretoria.
Moramos uma época em Guarulhos. Meu pai tinha um caminhãozinho e
vínhamos todo dia para São Paulo. Isso ficou bem marcado na minha memória;
eu estava com 6, 7 anos. Com 8 anos nós mudamos definitivamente para São
Paulo e fomos morar na casa dos Guimarães. Eles fizeram uma casa nos fundos,
aí já no Jardim América. Fiquei até os 14 anos morando com essa família, mas
eu não trabalhava. Fiquei no colégio interno, dos 8 até os 12 anos. Eu voltava
nos finais de semana e, assim, foi a minha vida até o começo da minha ado-
lescência. Aí depois o meu pai comprou um imóvel em São Paulo, na Lapa.
Isso em 1975. Na época as pessoas casavam cedo. A minha mãe não, casou já
com 37 anos. Quando eu nasci ela já estava com 40, e o meu pai estava com
uns 44. Morávamos perto da linha de trem, na Lapa de baixo.
Piolin na peça “Que rei sou eu?”, de Olindo Dias Corleto, encenada na década de 1940. O ponto alto do
espetáculo ficava para a segunda parte: a encenação de comédias em que o palhaço fazia o papel principal.
Fonte:AcervodoCentrodeMemóriadoCirco.
CIRCO, LUGAR DE NAMORAR
Saíram muitos casamentos no circo. O da minha mãe foi um. Porque era
um lugar aberto; pois na época vigorava outro tipo de educação. Não podia
pegar na mão, essas coisas. E o circo deixava tudo mais descontraído. Acho que
108
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
isso favorecia os encontros. Elas não tinham uma casa, não tinham um lugar
para poder apresentar os namorados. O circo favoreceu então vários casamentos
entre essas pessoas que saíam juntas.
E o ambiente do circo, que era um ambiente alegre, favorecia as pessoas
a quebrarem um pouco a barreira da timidez, aquela coisa toda. Meus pais
ficaram casados por 32 anos, até 1989, quando meu pai faleceu. Ele era uma
pessoa muito divertida, gostava de contar piada, estava sempre sorrindo, sempre
reunindo a família. Acho que porque eles não tiveram a família perto, então
queriam sempre estar com a família reunida.
Eles me levavam muito ao circo – Orlando Orfei, Vostok, Garcia, Circo de
Madrid, que lembro de ser armado na Penha. O último foi o Circo de Cuba,
na Avenida Politécnica. No Glicério vi o Parque Xangai, que era um parque
de diversões que também tinha sua lona, o seu picadeiro.
Os africanos chamam de “griot”. Minha mãe fazia questão de contar as
histórias do circo, repetir, falar. Acho isso bonito no pessoal da outra geração.
Eles saíam de lá e continuavam sonhando. Chegavam em casa sonhando. Ela
dizia que o circo fazia sonhar.
Apesar de os patrões serem maravilhosos, a vida era dura, porque não
estavam junto com os parentes... Então acho que ela se desligava e sonhava. E
esse sonho ela passou para nós. Digo nós, porque a minha casa, apesar de eu
ser filha única, estava sempre cheia de parentes. Nós falávamos que era a casa
do migrante. A pessoa vinha para São Paulo e ficava na minha casa. Mesmo
quando morávamos no emprego da minha mãe, eles também vinham. E ficavam
lá! Muitas tias minhas passaram por lá. Todas como arrumadeira, copeira ou
cozinheira. Elas estudavam à noite.
Minha mãe se formou no primário com 50 anos. Pegou o diploma toda
orgulhosa. Ia fazer Madureza, mas depois desistiu. O meu pai era autodidata,
lia muito. Foi motorista e teve uma época em que fazia carreto. Foi também
motorista de táxi, trabalhando nos finais de semana. Mas sempre foi fiel às duas
famílias. Mudava só os nomes das empresas, mas ele continuava com as famílias.
Meu pai era uma pessoa que admiro muito, porque era autodidata, era
curioso, queria saber as coisas; ele passou um pouco disso para mim. Com
o bom humor dele... Tive um palhaço dentro de casa! Para ele não tinha
dia ruim. O dia poderia ter sido o pior de todos, mas ele sempre tirava uma
piada... O nosso palhaço. A família também o considerava dessa forma. Eles
foram muito solidários.
Na nossa casa, apesar de termos televisão, conversávamos muito. Uma coisa
que se perdeu um pouco agora: sentar à mesa para conversar. E os familiares
que vinham do interior para São Paulo ficavam em casa e entravam no ritmo.
Ficavam sempre muito otimistas.
MAGIA E MISTÉRIO
Um espaço mágico e, por ser itinerante, que trazia um que de mistério.
Essa é uma interpretação minha. Pelos relatos dos parentes do interior, quando
109
Circo e sociabilidade em São Paulo • Walter de Sousa Junior
chegava um circo na cidade, todo mundo ficava contente de ir, mas sempre
com um pé atrás. Isso porque sempre alguém da cidade ia junto com o circo.
Ele tinha essa coisa de mistério, que alimenta até hoje a fama de encantar.
Encantava de uma forma que parecia o mágico da flauta. Encantava crianças,
jovens donzelas, também reprimidas em suas cidadezinhas, e que viam aquela
liberdade que as encantava muito e acabavam levando-as a acompanhar o circo.
Falavam que o circo em cidade pequena servia para roubar criança, uma
crença que surgiu com os ciganos. Mas eles saíam porque queriam desbravar;
aquele mundinho ali deles era pouco.
Minha mãe contava
que no interior nenhuma
criança ia desacompanhada
ao circo, porque ficava com
medo das mágicas que
faziam desaparecer...
Eu cursei até o terceiro
ano de Sociologia e Política,
mas não me formei. O
coração falou mais alto e
me casei. Formei-me no
colegial. Quando comecei a
namorar, ainda nem tinha
terminado o colegial.
A faculdade, que eu
amava, ainda penso em terminar. Gostava muito da área de pesquisa,
antropologia, e aí fiz três anos, mas me casei e tive de acompanhar meu esposo;
saí do Brasil.
Morei na África por oito anos, em Guiné Bissau e no Senegal. Foi uma
experiência que, se eu tivesse terminado o curso...
Fiz o curso na Escola de Sociologia e Política, na FESP, na turma de 1981
a 1984. Viajei antes de terminar, depois tranquei, voltei e fiz mais um ano. Foi
“picadinho”, e eu poderia ter terminado. Tinha até tema para fazer trabalho
de conclusão. Mas não terminei. Sou uma quase socióloga, portanto.
ÁFRICA: FUNÇÃO SOCIAL DO HUMOR
Teve uma passagem interessante vivida em África. Eram grupos nômades,
que ião passando nas casas de tempos em tempos, geralmente depois de um
“fanado”, que é a circuncisão, masculina ou feminina. Eles ião fazer palhaçadas
nas portas das casas. Você saía para ver, e eles pediam alguma coisa após a
apresentação.
A primeira vez que foram a minha casa, eu não sabia o que aquele gru-
po estava fazendo lá, tocando instrumentos e com os rostos pintados. Eles se
As comédias de Piolin atraíam o grande público ao seu circo.
Entre 1925 e 1961 ele encenou por volta de 450 peças, a maior
parte delas comédias de picadeiro.
Fonte:AcervodoCentrodeMemóriadoCirco.
110
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
paramentavam com peles de animais, e ficavam fazendo a sua apresentação. Vi
e fechei a porta. Mas não era para fechar a porta. Era para dar alguma coisa
para eles. Dali a pouco bateram na minha porta.
São grupos formados por jovens, na faixa dos 25, 30 anos. Os que tocam
os instrumentos são os mais velhos, sempre com o rosto pintado. O Congurão
é uma das representações. Parece um orixá. Eles usam muito guizo, palha.
Lembra o orixá Obaluaê. Sempre com o rosto coberto de palha. Ele vinha à
frente e era o que dançava mais. Mas tinha os outros, que faziam piruetas.
Esses grupos atuavam não só em Guiné, mas no Senegal também, em vários
grupos étnicos, com dialetos diferentes. Sempre há, portanto, um grupo com
o papel de alegrar.
PIOLIN, PALHAÇO DOS INTELECTUAIS E DO GRANDE PÚBLICO
Parte dos pesquisadores reconhece Abelardo Pinto Piolin (1887-1973) como o palhaço
que encantou os intelectuais da Semana de 22, entre eles Oswald de Andrade, Tarsila do
Amaral, Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Anita Malfati, que frequentaram o Circo
Alcebíades, instalado no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, na década de 1920.
Antonio de Alcântara Machado, em diversos artigos publicados à época, viu no personagem
excêntrico a essência de um teatro genuinamente brasileiro, isento de influências estrangeiras.
Mas, passada a euforia modernista, Piolin continuou sua trajetória circense por muitos anos.
Depois de uma temporada no Teatro Boa Vista, no centro paulistano, ao lado do cômico
de origem italiana Tom Bill, montou um circo próprio, com seu nome, estreando em 1933.
Circulou pelos bairros operários da cidade até 1943, quando se fixou na Praça Marechal
Deodoro, zona oeste. Dali, em 1949, se mudou para a avenida General Olímpio da Silveira,
onde permaneceu até 1961, quando foi despejado pela prefeitura, pois o terreno era público.
Nessa longa temporada, atraiu um público fiel e disposto a acompanhar suas diatribes no
picadeiro. Pouco antes de morrer, em 1972, teve seu circo montado debaixo do vão do
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP), numa homenagem ao cinquentenário da
Semana de 22.
O Arquivo Miroel Silveira, da ECA/USP, que guarda os processos de censura da antiga
Divisão de Diversões Públicas de São Paulo, registra 450 peças, na grande maioria comédias,
encenadas por Piolin, sendo 80 delas assinadas pelo palhaço como autor.
experiência
111
Produção coletiva de
webnovelas: um estudo
sobre metodologias
dialógicas e participativas1
Maria Isabel Rodrigues Orofino
Professora do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo PPGCOM/
ESPM SP
E-mail: iorofino@espm.br
Resumo: Este texto relata uma experiência
de Comunicação e Educação que resultou
na produção e veiculação, no YouTube, de
cinco webnovels realizadas por crianças de
classe popular moradoras de uma comu-
nidade na periferia urbana da cidade de
São Paulo. Com esta iniciativa, buscamos
verificar a hipótese teórico-metodológica
da mídia-educação enquanto metodologia
colaborativa na prática escolar transforma-
dora. Questionam-se as denúncias que
reduzem as tecnologias a um fenômeno
meramente de mercado. Defende-se o uso
das tecnologias digitais com as crianças
como uma questão de direito à inclusão
digital, de criatividade e de produção cultu-
ral coletia. Apresentamos uma reflexão de
caráter metodológico sobre uma pesquisa
participante feita com trinta crianças em
uma escola pública.
Palavras-chave: Mídia; educação; crianças;
webnovelas; mídia-educação.
Abstract: This paper reports an experi-
ence of Communication and Education
that resulted in the production and
broadcasting on Youtube of five web series
by children from a poor community in the
periphery of São Paulo. With this work,
we aim to verify the theoretical-method-
ological hypothesis of media education as
a collaborative methodology in the
transformative educational practice.
We question the complaints that re-
duce the technologies to a mere mar-
ket phenomenon. We defend the
use of digital technologies with the
children as a question of digital inclusion,
of creativity and collective cultural produc-
tion rights. We present a methodological
reflection about a participant research
conducted with 30 children from a public
school.
Keywords: Media; education; children;
webseries; media education.
CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO, EXPERIÊNCIA E
REFLEXÃO TEÓRICA PROPOSTA
O trabalho que apresentamos neste artigo refere-se a uma pesquisa que
se encontra em desenvolvimento (work in progress). A mesma teve início no ano
de 2010, a partir de nossa participação em um grupo vinculado ao Programa
de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, em um projeto
Recebido: 12/04/2012
Aprovado: 29/07/2012
1. Artigo apresentado
no encontro da ALAIC
– Associação Latino-Ame-
ricana de Investigadores
em Comunicação Social,
no GT Comunicação e
Educação, de 9 a 11 de
maio de 2012.
112
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
que toma como objeto as relações entre comunicação e consumo com base na
telenovela. O grupo definiu interesses particulares para explorar tais relações.
O nosso recorte em particular tomou como foco as crianças enquanto
sujeitos da observação. Portanto, partimos de uma pesquisa de recepção de
telenovela para conjuntamente realizarmos uma iniciativa de mídia-educação.
Assim, fizemos uma pesquisa de recepção de telenovela por parte do pú-
blico infantil. Trabalhamos com um grupo de 36 crianças, estudantes de uma
escola pública na cidade de São Paulo, em um de seus bairros populares, pelo
período de um semestre letivo. Nossa permanência na escola, para a realização
da pesquisa de recepção, desencadeou uma série de atividades e vínculos com
a direção e os professores.
Foram realizadas: (i) palestras de formação com o corpo docente; (ii)
diálogos sobre políticas de comunicação para a escola (junto à direção); (iii)
diálogos sobre produção criativa junto ao grupo de comunicação da escola; (iv)
diálogos com as POIE (Professor Orientador de Informática na Educação), em
conjunto com o trabalho em sala de aula com a professora regente da 4a
série.
O pesquisador de comunicação que estiver em relação de pesquisa com a
escola pode e deve cooperar com as mediações escolares. Estas mediações es-
colares, de que fala Guillermo Orozco-Gomez, de fato, já acontecem na escola.
Porém, a presença do comunicador na escola qualifica esta discussão de manei-
ra diferenciada; pois, uma vez que se trata da presença de um especialista no
tema, o mesmo pode oferecer uma série de contribuições a este debate junto
às escolas. Assim, as contribuições que o comunicador oferece à educação são
amplas, variadas e reservam múltiplas possibilidades.
Neste paper vamos buscar demonstrar os resultados de um trabalho que
nos encoraja a levar adiante nossa defesa de que a mídia-educação pode e deve
ser pensada enquanto uma metodologia. Isto é, enquanto uma nova forma de
educar.
Portanto, temos o entendimento de que a mídia-educação não é mais uma
disciplina a competir com tantas outras por um espaço na grade curricular. A
mídia-educação é uma metodologia, uma nova forma de educar, pois ela toca
todas as disciplinas. Todos os professores, de fato, são educomunicadores.
Nas páginas seguintes vamos apresentar algumas contribuições parciais à
compreensão das possibilidades de termos na mídia-educação uma metodologia
de trabalho na educação transformadora, pois, com ela, de fato, alcançamos uma
forma de mediação escolar que permite ativar a reflexividade na produção de
conhecimento com as crianças e os jovens por meio de múltiplas plataformas
e formas de intervenção.
PERGUNTAS CENTRAIS OU A ETERNA CURIOSIDADE
EPISTEMOLÓGICA
O problema motivador da pesquisa se estruturou em três lugares de ob-
servação: o consumo e os usos das novas tecnologias digitais por crianças de
113
Produção coletiva de webnovelas • Maria Isabel Rodrigues Orofino
classes populares; a recepção de telenovela e a transmedialidade por parte das
crianças; e a possibilidade da observação participante no espaço escolar por parte
do comunicador. Com isso, defendemos um olhar sobre a mídia-educação que
é transdiciplinar e multimetodológico, um lugar necessariamente convergente,
integrador e, portanto, transformador, não apenas inovador.
Sob o ponto de vista da teoria, também trabalhamos de modo transdisci-
plinar. Contamos com os aportes dos estudos de comunicação e da pesquisa
de recepção; dos estudos que enfatizam o receptor ativo e, mais do que isso,
o prossumidor: que se trata de uma categoria emergente, e por isso mesmo
uma categoria aberta às críticas. Mas defendemos que há aí um novo lugar de
observação que merece toda a nossa atenção. Este receptor ativo não apenas
expressa variadas competências culturais e subjetivas diante do texto midiático,
como também sabe manusear as tecnologias com agilidade e destreza. E, na
medida em que lê, também responde, produz novas textualidades, sobretudo
com as novas plataformas digitais e redes sociais.
Para problematizar tais questões buscamos uma série de contribuições te-
óricas no âmbito de uma teoria crítica da cultura. Para uma teoria da cultura
propriamente, tomamos o trabalho de Raymond Williams, um estudioso das
formas culturais.
Como destacamos anteriormente2
, muitos autores defendem a ideia de que
a cultura precisa ser compreendida menos enquanto oposições binárias e muito
mais pela ideia de teia de complexidades, de trama.
Dentre os autores que buscam problematizar a cultura a partir de uma
perspectiva de trama ou teia de complexidades, está a obra de Raymond
Williams. Nela está a sua grande contribuição com os escritos que fez sobre a
indústria cultural e como esta articula o popular e o erudito, em uma diversidade
de dimensões ou níveis que operam efetivas mudanças culturais.
Segundo Martín-Barbero, Williams é o autor da imagem metodológica mais
aberta e precisa que temos até hoje: aquela que respeita a emergência do popular
como cultura a partir das práticas, e para defini-las ele cria uma tipologia das
formações culturais em três níveis: (1) o dominante; (2) o residual e (3) o
emergente. Juntamente com o trabalho de Raymond Williams, sempre nos in-
teressaram também os teóricos dos estudos culturais da Escola de Birmingham
(Hall, Morley e, de certa forma, Silverstone).
Lançamos um olhar atento também ao trabalho dos autores latino-
-americanos no campo da comunicação, cultura e mediações. Sobretudo o de
Jesús Martín-Barbero e Guillermo Orozco Gomes. Na obra de Jesús Martín-
-Barbero, como destacamos anteriormente3
, encontramos o recente debate em
torno de uma perspectiva das mediações na América Latina – sobretudo a partir
da contribuição oferecida pela obra de Jesús Martín-Barbero – que propõe um
modelo compreensivo integrador entre os processos de produção, do produto
e da audiência.
Um avanço importante proposto pelos autores latino-americanos é justa-
mente o de tentar superar esta fragmentação a partir de uma compreensão
2. OROFINO, Maria Isa-
bel. Mediações na pro-
dução de teleficção: um
estudo sobre o Auto da
Compadecida. Porto Ale-
gre: EdiPUC-RS, 2006.
3. OROFINO, Maria Isa-
bel. Mídia e mediação
escolar: pedagogia dos
meios, participação e
visibilidade. São Paulo:
Cortez, 2005.
114
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
da comunicação enquanto processo sócio-histórico, problematizado a partir da
cultura, propondo um novo deslocamento, qual seja: o da recepção às mediações.
E então buscamos aportes teóricos ainda no âmbito da mídia-educação.
Neste caso há também um longo percurso já trilhado na América Latina, mas
a nossa ênfase foi na localização de estudos que valorizem a participação das
crianças na produção de contranarrativas de libertação. Isso significa pensar
a mídia-educação como metodologia para a educação libertadora, o que nos
leva a Paulo Freire e todos os autores vinculados a uma pedagogia dialógica,
problematizadora e emancipadora. Defende-se que a educação é, em primeiro
lugar, um ato político, uma questão de direito. E a partir daí pensa-se, então,
em tudo o mais que lhe compete, como: o desenvolvimento da autonomia, da
criatividade, da participação, da cooperação, da consciência, da inteligência,
da sensibilidade.
Detivemo-nos também em identificar as contribuições oferecidas pelo traba-
lho do grupo vinculado à ECA-USP nos estudos da Comunicação e Educação,
que aqui merece destaque: Maria Aparecida Baccega, Ismar de Oliveira Soares,
Adilson Citelli, Maria Immacolata Lopes, Roseli Figaro, entre outros. Destaca-
mos também nosso interesse pelo trabalho de David Buckingham, Ellen Seiter
e Sonia Livingstone, para uma reflexão sobre mídia e infância.
OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE OU
O DESAFIO DA PESQUISA DE CAMPO
Sair a campo exige do pesquisador a pré-disposição de se distanciar do
seu lugar, de sua zona de conforto das salas da universidade, laboratórios e
escritórios e, para enfrentar o tempo, o espaço, o clima, das intempéries, do
trânsito, do desconhecido, do estranho, do Outro.
A pesquisa de campo, de caráter etnográfico, é, como identificou a Profa.
Rute Cardoso, uma aventura. Nosso campo fica nas bordas da grande cidade,
nas extremidades das margens de uma das maiores megalópoles do planeta:
a cidade de São Paulo, com uma população em torno de 20 milhões de ha-
bitantes. A comunidade do Morro Grande, próximo à Freguesia do Ó, onde
trabalhamos, é desenhada por vielas estreitas de barro cru, com casas – quase
todas – sem pinturas nas paredes. Casas modestas, sem muros, com cercas de
arames frouxos.
A escola é bonita, nova, com apenas quatro anos de atividade. Em grande
medida ouvimos denúncias com relação à escola pública. Nossa impressão foi
muito positiva nesse sentido. A escola que visitamos tinha uma excelente ins-
talação, uma excelente equipe (do porteiro ao diretor). Uma equipe solidária,
cooperativa, consciente, responsável. Foram tantas as vezes que me deparei com
relatos de denúncia com relação à escola, o abandono da gestão pública, a falta
de recursos, a desmotivação dos professores.
115
Produção coletiva de webnovelas • Maria Isabel Rodrigues Orofino
Nossa etnografia se estendeu pelo período de um semestre letivo. Em ter-
mos metodológicos buscamos um diálogo com o trabalho de Carlos Rodrigues
Brandão, Michel Thiollent e Antunes. A pesquisa participante e a pesquisa-ação
são, para a prática da Educomunicação e da Mídia-Educação, uma metodolo-
gia fundamental. Nossa etnografia do espaço escolar esteve articulada a uma
metodologia da pesquisa participante, o que nos permitiu um vínculo explícito
com a política escolar de ação cultural e ação midiática naquela escola.
Os vínculos se explicitaram por meio de consultorias junto à direção
com relação às políticas de comunicação da escola, com uma intervenção na
constituição de momentos de diálogo e palestras com os professores sobre a
presença da mídia na vida de todos nós (educadores, profissionais e educandos)
e, também, com a realização do trabalho de produção de webnovelas com a
turma da 4a
série.
Nesta última etapa utilizamos uma série de técnicas de pesquisa, como a
produção de redações a partir de temas geradores identificados pelas próprias
crianças, a elaboração de storyboards, a redação de roteiros, a decupagem dos
roteiros, a produção propriamente, a gravação, a edição, a apresentação na
escola, a veiculação, a distribuição e a recepção desse trabalho pelas crianças
que participaram da iniciativa.
AS WEBNOVELAS PRODUZIDAS
Nossa permanência em campo possibilitou a realização de uma experi-
ência de mídia-educação com a produção de cinco episódios de webnovelas.
Este trabalho foi uma contrapartida oferecida à escola que nos recebeu pelo
período de um semestre para uma pesquisa mais ampla – como destacamos
na abertura deste texto – sobre as relações entre comunicação, telenovela,
consumo e tecnologias.
O trabalho na escola incluiu a elaboração de palestras para o corpo do-
cente sobre diferentes enfoques a respeito da mídia no conjunto das teorias
da comunicação e educação e novas possibilidades de crítica e usos sociais dos
meios. Foi realizada de uma atividade de mídia-educação (experiência piloto)
com a mesma turma da pesquisa como atividade inter e transdiciplinar, com
foco direcionado aos temas geradores definidos pela própria turma com a qual
estávamos trabalhando.
A realização das webnovelas partiu da iniciativa da professora Roberta
Duarte, responsável pela 4a
série com a qual estávamos trabalhando. A profes-
sora partiu de temas geradores, e as crianças criaram redações sobre as seguintes
questões: (i) deficiência física; (ii) intolerância; (iii) superação (iv) amizade e
(v) amor.
O trabalho envolveu a redação das histórias e posteriormente todas as
etapas de produção dos vídeos com criação dos storyboards, para que as crian-
ças pudessem realizar o trânsito da forma escrita para a linguagem visual.
116
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Posteriormente, os roteiros foram criados. E na sequência, a decupagem de
produção para definição das locações, figurino, maquiagem, atuação, assistência
de direção e assistência de câmera. As gravações foram todas realizadas com
uma pequena câmera digital em um sábado, durante todo o dia, nas depen-
dências da própria escola.
O mais interessante a observar foram as referências à telenovela que está-
vamos estudando naquele momento4
, em vários aspectos das narrativas constru-
ídas pelas crianças. Elas redigiram as redações justamente quando a telenovela
estava no ar. Cabe destacar que estas menções não eram reproduções, mas
sim recriações que nos permitem compreender como ocorrem os processos de
ressignificação.
Na webnovela sobre o cotidiano de portadores de necessidades especiais
há uma narrativa de um cadeirante que supera a sua doença a partir do mo-
mento em que sua mãe o visita no hospital. Isto nos permite perceber como
funciona a ressignificação da telenovela no imaginário das crianças com as quais
trabalhamos, sendo vista como uma narrativa de superação, o que difere da
telenovela veiculada. Outra webnovela sobre o amor romântico fez referências
à cidade de Paris, justamente quando os personagens da telenovela Viver a vida
– Luciana e Miguel – estavam passando a lua de mel nesta cidade. E em uma
outra webnovela, sobre o amor entre namorados, as crianças roteirizaram o
final da história com um grande casamento, fazendo uma citação explícita ao
fato de que “quase toda” telenovela termina com esse tipo de cena.
A realização das webnovelas nos permitiu entender não só as questões de
ressignificação do conteúdo da teleficção no imaginário, como a competência
cultural da criança com relação a este gênero em particular e sua tradução
na cultura brasileira.
SOBRE AS ETAPAS DE PRODUÇÃO DOS VÍDEOS
O vídeo é uma linguagem híbrida em texto, imagem e som. Seu aspecto
articulado em três códigos o torna particular, e este aspecto confere à pedagogia
do audiovisual um lugar privilegiado para o desenvolvimento cognitivo e criativo.
Atualmente o vídeo e a TV atravessam grandes transformações para uma
nova fase no seu desenvolvimento material. Estamos hoje experienciando as
novas possibilidades desencadeadas pela WebTV, o que muda radicalmente
tanto os modos de difusão quanto de produção de linguagens. A velha TV
possuía uma trajetória histórica com início a partir do uso e aplicação de tec-
nologias mecânicas; um segundo momento foi marcado pelo desenvolvimento
do sistema eletrônico/analógico e, hoje, os sistemas digitais passam a mudar
significativamente as estruturas de produção, difusão e recepção das mensagens
audiovisuais. Os sistemas digitais são definidos por Barker5
como:
4. Viver a vida – Rede
Globo, 2010.
117
Produção coletiva de webnovelas • Maria Isabel Rodrigues Orofino
Aqueles que permitem que a informação seja organizada eletronicamente em
bytes, em pequenas unidades discretas de informação, que podem ser comprimidas
durante a transmissão e descomprimidas na chegada. Isto permite que uma quan-
tidade bem maior de informação possa se deslocar por qualquer conduto dado,
seja ele o cabo, satélite ou sinais terrestres (isto também abre zonas do espectro de
uso não utilizadas previamente) e em grande velocidade sobre longas distâncias.
Na realidade, o impacto das novas tecnologias em geral e dos sistemas digitais
em particular pode ser resumido em termos de velocidade, volume e distância.
O que quer dizer maior informação em maior velocidade em longas distâncias6
.
Com os usos sociais das tecnologias digitais surgem novos apelos estéticos
ligados à convergência tecnológica e às possibilidades de fusão de formas cul-
turais em hipertextos. Neste contexto, as possibilidades criativas com as novas
mídias são muito amplas, muito diversificadas.
Nossa metodologia de mídia-educação obedeceu às seguintes etapas de
trabalho com a participação das crianças: em primeiro lugar buscamos um di-
álogo muito próximo e, com a participação da professora Roberta, foi possível
fazer a identificação de temas geradores que atendessem às demandas reflexivas
das crianças naquele momento. Os temas que emergiram foram: a questão da
deficiência física; intolerância; superação; amizade e amor.
Após serem identificados os temas, foram escolhidos os grupos de trabalho.
A primeira etapa, de redação criativa, já aconteceu em grupos. Quando as crian-
ças produziram as suas redações coletivas, as mesmas foram lidas e comentadas
pela professora. Na sequência as crianças participaram de um debate sobre a
presença da mídia na vida de todos nós. Algumas palestras sobre comunicação
e cultura aconteceram, identificando inclusive formas culturais, formatos indus-
triais e gêneros narrativos. As crianças passaram a participar então de oficinas
de produção. Estas oficinas incluíram atividades como: a criação de storyboards
(histórias em quadrinho). Esta etapa é muito interessante porque deflagra um
lugar privilegiado de trânsito da linguagem verbal para a visual.
Após o trabalho e a leitura final, com os textos verbais (as redações), par-
timos para a elaboração de história em quadrinhos. Com os stotyboards prontos,
a etapa seguinte foi a de roteirização. Neste momento surgiu a possibilidade de
realização de um amplo debate sobre técnica e tecnologia com as crianças. Um
debate sobre consumo e usos sociais das tecnologias digitais encontrou também
aqui uma ótima oportunidade. Outra etapa de trabalho foi a realização da
produção técnica, que exigiu não só providências com a câmera e o microfone,
mas também atuação/interpretação, direção geral e de arte, cenografia, trilha
sonora, figurino e maquiagem.
Na etapa de produção consolidou-se a metodologia colaborativa, com
as diferentes identificações, por parte das crianças, das múltiplas funções
da produção coletiva. Com isso alcançou-se um alto grau de participação e
colaboração.
5. BARKER, Chris. Tele-
vison, Globalization and
Cultural Identities. Bu-
ckingham/Philadelphia,
Penn: Open University
Press, 1999.
6. BARKER, op. cit., p. 48.
118
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
As crianças optaram por desempenhar diferentes funções no processo de
produção, que foram desde assistência de direção, escolha por desempenhar o
papel de ator, atriz, figurante, até maquiagem e figurino (funções estas muito
disputadas pelas meninas).
No dia da gravação cada criança exerceu sua função, e os demais
colaboravam ora como figurantes, ora como apoio técnico, ou, ainda, como
assistentes de produção do filme da outra equipe.
A edição continua acarretando um afunilamento, por isso é preciso
experimentar outras iniciativas que contem cada vez mais com o conhecimento
de edição das próprias crianças. A apresentação do trabalho aconteceu na escola,
na festa de formatura da turma e final de ano. Posteriormente foram copiadas
em CD e postadas no YouTube.
ALGUNS RESULTADOS ALCANÇADOS
Este trabalho nos permitiu alcançar alguns resultados importantes para a
pesquisa no campo da comunicação e educação. Vamos destacar alguns deles,
compreendendo que são resultados parciais e que modestamente nos podem
apontar novos caminhos para a prática da educação transformadora.
Em primeiro lugar, verificamos que a aliança entre duas metodologias valiosas,
como o estudo de recepção e a mídia-educação, são etapas complementares e que
se articulam. Os estudos de recepção nos possibilitam compreender o universo
cultural e midiático das crianças. Além dissso, permitem que o educador note
qual é o repertório cultural dos estudantes: a que assistem, como assistem, o
que apreciam, o que recusam e como o fazem.
Este estudo nos fez perceber também qual o papel da criança enquanto agente
social com competências próprias, que constrói táticas nos usos e apropriações
que faz dos meios de comunicação e que, também, apresenta competências na
produção de novas narrativas com o uso da linguagem audiovisual.
Foi possível também construir novas referências que contribuam para a
superação de uma visão da tecnologia como algo unicamente atrelado ao mercado
e aos interesses do consumismo. Verificamos que no Brasil, em particular, ainda
há, por um lado, uma política neoliberal cuja ênfase nos usos das tecnologias
no espaço escolar parece se justificar muito mais pelos interesses obscuros
dos grandes volumes de vendas de equipamentos e seus altos percentuais em
comissões, do que propriamente pelo desenvolvimento de novas metodologias
que fortaleçam as práticas dos educadores e dos estudantes, bem como suas
demandas e formas de narrar e de construir visibilidade para seus discursos.
Assim, defendemos que continua importante investirmos muito mais na
formação dos educadores para que transitem com maior liberdade criativa pelo
universo dos estudos de comunicação e da mídia. É fundamental estabelecer
este diálogo entre o campo da comunicação, com suas práticas e processos,
119
Produção coletiva de webnovelas • Maria Isabel Rodrigues Orofino
e o campo da educação, enquanto um lugar da produção criativa e de ação
cultural libertadora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Philadelphia, Penn: Open University Press, 1999.
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CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 1993.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
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GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José Eustáquio. Autonomia da escola: princípios e
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MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:
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OROZCO, Guillermo. Mediações escolares e familiares na recepção televisiva.
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120
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
_______. Cultura y Television: de las comunidades de referencia a la produccion
de sentido en el processo de la recepcion. México: Universidade Iberoamericana
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THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo, Cortez, 1985.
WILLIAMS, Raymond. Television, technology and cultural form. New York:
Schocken Books, 1975.
poesia
121
O poema do mau agouro
Adilson Citelli
Professor titular do Departamento de Comunicações e Artes da ECA/USP, onde ministra
cursos de graduação e pós-graduação. Orienta dissertações e teses nas áreas de Comunicação
e Linguagem, com ênfase nas subáreas Comunicação/Educação, Comunicação/Linguagem. É
coeditor da revista Comunicação & Educação, bem como pesquisador 1 C do CNPq.1
A revista oferece aos seus leitores o texto completo de “O corvo”, escrito
por Edgard Allan Poe. O poeta, contista, editor, crítico literário, Edgard Allan
Poe, nasceu em Boston, no dia 19 de janeiro de 1809, e morreu em Baltimo-
re, em 7 de outubro de 1849. Ao lado de obras-primas da ficção policial, do
mistério e do macabro, publicou, em janeiro de 1845, após quase dez anos de
reescritas, aquele que é considerado um dos mais importantes poemas de todos
os tempos, “The Raven” [O corvo]. Nele é representada a misteriosa figura
de um corvo, que encarna o inevitável caráter da morte. O texto, contudo,
expande outras áreas de significação, promovendo diálogos com a tradição do
ultrarromantismo e do sofrimento com a perda da mulher amada. A tradução
que escolhemos foi feita pelo poeta português Fernando Pessoa.
O Corvo
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
“Uma visita”, eu me disse, “está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais.”
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu queria a madrugada, toda a noite aos livros dada
Para esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
1. É autor de inúmeros
artigos e livros, dentre
os quais se destacam:
Linguagem e Persuasão
(Ática, 1994); Comuni-
cação e Educação: a
linguagem em movimento
(Senac, 2000); Palavras,
meios de comunicação e
educação (Cortez, 2006).
122
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
“É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais”.
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
“Senhor”, eu disse, “ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...” E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
“Por certo”, disse eu, “aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.”
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
“É o vento, e nada mais.”
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
“Tens o aspecto tosquiado”, disse eu, “mas de nobre e ousado
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.”
Disse o corvo, “Nunca mais”.
123
O poema do mau agouro • Adilson Citelli
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome “Nunca mais”.
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, “Amigo, sonhos – mortais
Todos – todos já se foram. Amanhã também te vais”.
Disse o corvo, “Nunca mais”.
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
“Por certo”, disse eu, “são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesperança de seu canto cheio de ais
Era este “Nunca mais”.
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que queria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele “Nunca mais”.
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
“Maldito!”, a mim disse, “deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!”.
124
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Disse o corvo, “Nunca mais”.
“Profeta”, disse eu, “profeta – ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, “Nunca mais”.
“Profeta”, disse eu, “profeta – ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!”
Disse o corvo, “Nunca mais”.
“Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!”, eu disse. “Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!”
Disse o corvo, “Nunca mais”.
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
125
resenhas
1. Informações no site:
<escolarhttp://www.
unesco.org/new/en/
communication-and-
-information/resources/
publications-and-com-
munication-materials/
publications/full-list/
media-and-informa-
tion-literacy-curricu-
lum-for-teachers/>.
Reinventando a
educação para
reinventar a mídia
Ismar de Oliveira Soares
Professor titular da ECA/USP, supervisor do curso a distância “Mídias na Educação”,
do MEC, no Estado de São Paulo, e coordenador da licenciatura em
Educomunicação da ECA/USP.
E-mail: ismarolive@yahoo.com
Resumo: O artigo faz uma análise de três
obras que privilegiam – cada uma sob uma
perspectiva distinta – a mídia educação:
Educomunicação: imagens do professor
na mídia, coordenado por Adilson Citelli;
Reinventando a educação: diversidade,
descolonização e redes, de Muniz Sodré, e
Idade mídia, de Alexandre Sayad. O tema,
presente entre os trabalhos apresentados
no IV Encontro Brasileiro de Educomuni-
cação, em 2012, também está em um ma-
nual que foi recentemente disponibilizado
pela Unesco. São livros atuais, que não
podem faltar na bibliografia de disciplinas
voltadas à reflexão epistemológica e ao
planejamento da ação prática no campo
da Educomunicação.
Palavras-chave: Mídia-educação; Educomu-
nicação; educação; mídia; escola.
Abstract: This paper analyses three works
that discuss – each one under a different
perspective – the Media Education: Educo-
municação: imagens do professor na mídia,
organized by Adilson Citelli; Reinventando
a educação: diversidade, descolonização e
redes, by Muniz Sodré, and Idade Mídia,
by Alexandre Sayad. The subject, pres-
ent among the works presented in the IV
Brazilian Educommunication Encounter,
in 2012, is also included in a manual
recently created by UNESCO. They are
contemporary works, which cannot be
missing in the bibliography of courses that
make epistemological reflections and that
discuss the planning of practical action in
educommunication.
Keywords: Media Education; educommu-
nication; media; school.
O movimento mundial em torno da Media Education (formação para uma
convivência adequada em relação aos sistemas e meios de comunicação) sempre
teve o propósito de levar o conhecimento sobre a mídia ao mundo da educação
formal. A Unesco acaba de disponibilizar um manual denominado Media and
Information Literacy Curriculum for Teachers1
, sistematizando experiências
de formação de audiências ativas e socializando roteiros a serem trabalhados
em sala de aula, para orientar os alunos sobre como interagir com a infor-
mação disponibilizada nas redes e como fazer uso da produção midiática.
O tema esteve presente no IV Encontro Brasileiro de Educomunicação,
celebrado em São Paulo, entre 25 e 27 de outubro de 2012, não apenas entre
126
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
os 80 papers apresentados ao longo de todo o evento, mas também nos lança-
mentos ocorridos no último dia do evento.
Três lançamentos privilegiaram o tema, destacando – cada um sob uma
perspectiva distinta – aspetos complementares da questão: Educomunicação: imagens
do professor na mídia, coordenado por Adilson Citelli, que se volta para o olhar
da mídia sobre um dos polos do processo educativo, o educador; Reinventando
a educação: diversidade, descolonização e redes, de Muniz Sodré, que se propõe
analisar os desafios colocados à educação pelos vários tipos de saberes, com
destaque para o papel das tecnologias midiáticas e, finalmente, Idade mídia,
de Alexandre Sayad, que narra uma experiência de reinvenção da mídia no
contexto do ensino escolar formal.
A MÍDIA, ENSINANDO SOBRE A EDUCAÇÃO
O livro Educomunicação: imagens do professor na mídia reúne artigos que
discutem a maneira como a imagem do professor é construída pela mídia; no
caso, ao traduzir em representações estereotipadas o papel social do docente,
cria referências que levam a uma padronização dos
aspectos físicos, emocionais, afetivos que caracterizam
a conduta da categoria. Ao assim proceder, os meios
de comunicação cumprem uma das funções a eles
socialmente atribuída: a de nomear e categorizar,
dando valor ao que descreve.
Segundo o coordenador da obra, Adilson Odair
Citelli, professor titular da Escola de Comunicações
e Artes da USP, as imagens e a representação dos
professores presentes na mídia apresentam-se, efeti-
vamente, como figura genérica, ganhando contornos
discursivos modelares, cuja difusão pública registra
uma vasta genealogia: indo da caricatura, passando
pela constatação do desprestígio, da pura acusação
de incompetência e inapetência profissional, até chegar às versões apocalípticas
do fim de uma espécie que poderíamos chamar de homus docentis (p. 14-15).
É o que uma análise empírica do comportamento dos diferentes veículos de
comunicação alcançou identificar. Para tanto, os autores visitaram a produção
veiculada nos diferentes espaços midiáticos, representados pelo rádio (“A imagem
do professor no rádio: aproximações, representações e miragens reconstituídas”,
de Ana Luisa Zaniboni Gomes); pela revista (“Discurso da qualidade na educação
e invisibilidade do professor”, de Helena Corazza); pelo jornal impresso (“Aula
do crime: o discurso jornalístico e a imagem do professor”, de Michel Carva-
lho da Silva); pela televisão (“Nas telas da TV: a representação do professor na
“Turma 1901”, de Elisangela Rodrigues da Costa); pelo cinema (“Pro dia nascer
feliz: imagens da educação brasileira”, de Maria do Carmo Souza de Almeida);
127
Reinventando a educação para reinventar a mídia • Ismar de Oliveira Soares
pela propaganda comercial (“O professor na propaganda comercial: roteiros e
marcas”, de Eliana Nagamini); pela propaganda institucional (“Ambiente escolar
e a publicidade governamental”, de Rogério Pelizzari de Andrade) e pela web
(“Estigma ou emancipação: da imagem do professor na web à formação para
a docência”, de Sandra Pereira Falcão).
A EDUCAÇÃO REPENSANDO-SE FRENTE AO
MUNDO DA MÍDIA
O livro de Muniz Sodré, professor emérito da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, realiza uma análise sócio-histórica, partindo do lugar social onde
nos situamos – o Hemisfério Sul –, colonizado em passado recente e vivendo,
no momento, um forte processo de neodescolonização diante de um enfraque-
cido neoeurocentrismo. Muniz propõe que a educação se repense, superando
os paradigmas que a constituíram como um serviço a um projeto de sociedade
absolutamente em crise.
Prefaciando o livro, Leonardo Boff informa que a obra de Muniz, ao
analisar as várias correntes da pedagogia e da educação, desde a paideia gre-
ga até o mercado mundial da educação, de faceta utilitarista, identifica no
capitalismo-informacional-cognitivista o fundamento
para o discurso responsável pelo aparato educa-
cional contemporâneo, cuja base é a acumulação
do capital. Esta é a razão pela qual a nova meta
civilizatória para a educação mundial – e para a
brasileira, igualmente – visa à formação de quadros
que prestem “serviços simbólico-analíticos”, quadros
dotados de alta capacidade de inventar, identificar
problemas e de resolvê-los. É nesse sentido, por
exemplo, que Boff entende que o livro desmascara
os mecanismos de poder econômico e político que
se escondem atrás de expressões que estão na boca
de todos, como “sociedade do conhecimento ou da
informação”.
A perspectiva defendida por Muniz, em busca da mudança, é o resgate
das utopias representadas pelos nomes de intelectuais que, ao longo de nossa
recente história, pensaram uma educação adequada às nossas virtualidades, e
não exatamente aos modelos que nos são impostos do exterior, especialmente da
Europa, como é o caso de Joaquim Nabuco, Anísio Teixeira e, particularmente,
de Paulo Freire. Lembra igualmente Darcy Ribeiro, que falava com entusiasmo
da “reinvenção do Brasil” a partir da riqueza da mestiçagem entre todos os
representantes dos sessenta povos que vieram ao nosso país.
A proposta de Muniz é a de que “reinventemos a educação” para que a
reinvenção do Brasil seja obra coletiva.
128
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
“A educação reinventada” – conclui Boff – “nos deve ajudar na descoloni-
zação e na superação do pensamento único, aprendendo com as diversidades
culturais e tirando proveito das redes sociais. Deste esforço poderão nascer
entre nós os primeiros brotos de outro paradigma de civilização que terá como
centralidade a vida, a Humanidade e a Terra que alguns também chamam de
civilização biocentrada”. Entendemos que a Educomunicação está sintonizada
com esta perspectiva.
REINVENTANDO A MÍDIA
Ao longo das últimas décadas, multiplicaram-se, pelo Brasil, experi-
ências de construção de projetos em que professores e alunos tomaram a
mídia como objeto de análise e de experimentação. Trata-se de propostas
de reflexão/ação identificadas como práticas de
mídia-educação.
Presentes em organizações do Terceiro Setor, as
propostas de análise do comportamento da mídia
passam, paulatinamente, do embate ideológico (a
condenação do que se entende como programação
de baixa qualidade) para o esforço de apropriação
de suas linguagens no espaço escolar (a produção
de mídia pelos próprios alunos). É o que defen-
de a Educomunicação, quando propõe que, para
bem analisar a mídia (a produção de terceiros),
há que se exercitar a produção, sob paradigmas
que privilegiem o fazer comunicativo como uma
ação coletiva e solidária, seguindo-se a avaliação
sobre a qualidade do processo e do produto, de forma a criar parâmetros
de avaliação aplicáveis a outras circunstâncias e a outros produtos.
Fora do ambiente mais aberto e permeável das ONGs, é no espaço mais
complexo da educação formal, numa escola destinada à classe média alta – o
Colégio Bandeirantes, na capital paulista –, que vamos encontrar a experiência
relatada por Alexandre Sayad, em seu livro Idade mídia.
A brecha tem sido a prática de pedagogia de projetos, adotada pela es-
cola, reconhecendo a Educomunicação como um instrumento válido de ação
junto a uma juventude aberta à inovação, para além do que dela se espera no
competitivo mundo das provas vestibulares.
No livro, o leitor vai encontrar o debate sobre a natureza da prática de
educação “para” e “com” a mídia. Em algum momento, o autor é explícito:
diz aquilo que o projeto não é (nem um curso profissionalizante de comu-
nicação; nem mesmo um curso sobre leitura crítica da mídia); em outro
momento, afirma o que a experiência pretende ser (a “reinvenção” da prática
educativa). Explica Sayad:
129
Reinventando a educação para reinventar a mídia • Ismar de Oliveira Soares
Reinvenção é a palavra de ordem do Idade Mídia; esse talvez seja o principal
elemento que explique a continuidade do projeto – importante para mantê-lo
em compasso com o mundo e os jovens estudantes. O conceito preserva uma
ambição ativa: a de revirar permanentemente os paradigmas tradicionais da
educação. Em outras palavras, o desejo permanente de deixar a educação
pronta para lidar com todos os desafios impostos para uma sociedade cada
vez mais veloz.
O projeto mostra, por outro lado, a figura do novo profissional da inter-
face, atuando no novo mercado que emerge dos caminhos cruzados entre a
educação e a comunicação. Temos aqui o perfil do profissional que algumas
universidades (entre as quais a USP) esperam formar. Uma notícia nada mal,
em tempos de crises de identidade profissional e de empregabilidade!
Estamos falando, pois, do educomunicador, identificado como um traba-
lhador muito procurado, ainda que nem sempre facilmente identificável. Aqui
está ele: um operário criativo, reconhecido pelas surpreendentes ações geradas
a partir da riqueza contida nas diferentes formas de expressão comunicativa, e
que consegue promover, junto às novas gerações, o crescimento comunitário.
Em outras palavras, o livro vem comprovar que a Educomunicação, efetiva
quando aplicada aos espaços próprios da educação não formal, pode transformar-
-se, de igual maneira, numa aliada no espaço da educação formal, através de
uma bem arquitetada pedagogia de projetos.
Por outro lado, a leitura dos capítulos do livro permite ao observador
perceber que o tratamento educomunicativo, presente na relação entre mídia
e educação, favorece especialmente o desenvolvimento qualitativo dos alunos
em três grandes esferas: na esfera da política (a socialização do poder de se
comunicar); na esfera da ética (a vivência e disseminação de princípios como
o da sustentabilidade e o da responsabilidade social, em relação a toda a co-
munidade humana) e na esfera da estética (a valorização das diferentes formas
de apreciação da arte e do belo e – mais no âmago da questão – da própria
produção da arte e do belo). Inteligência e sensibilidade se unem a uma de-
terminada forma de conceber e, especialmente, de expressar o mundo.
Se, no passado, o ponto de vista hegemônico de se olhar o binômio mídia
e educação era predominantemente instrumentalista, experiências como as
narradas por Sayad permitem descobrir uma perspectiva dialética no processo
mediado pelo educomunicador, levando o aluno a descobrir que, mais impor-
tante que saber o que pode a mídia fazer por ele ou contra ele, é saber o que
ele e sua comunidade podem fazer, juntos, com os recursos disponibilizadas
pela era da informação e da comunicação.
À pergunta que muitos se fazem: Afinal, existe o educomunicador? O livro
de Sayad dá a resposta: sim! Desde que seja um profissional inconformado
com a naturalização dos modelos verticalistas de comunicação e de educação,
e um ativista da criatividade na busca de novas razões culturais, políticas e
éticas, para uma ação que beneficie os excluídos dos processos de produção
simbólica e midiática.
130
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
EPISTEMOLOGIA DA EDUCOMUNICAÇÃO
Os livros de Adilson Odair Citelli, Muniz Sodré e Alexandre Sayad não
podem faltar na bibliografia de disciplinas voltadas à reflexão epistemológica
e ao planejamento da ação prática no campo da Educomunicação. É o que
propomos que passe a vigorar, a partir deste momento, nas disciplinas de li-
cenciatura em Educomunicação da própria ECA/USP.
Sugerimos que os livros sejam apropriados na sequência apresentada por
esta resenha, permitindo que novas referências sejam incorporadas ao estudo
dos fundamentos da educomunicação, bem como aos exercícios em torno de
sua ética e de sua prática em suas diferentes áreas e espaços de atuação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CITELLI, Adilson (org.). Educomunicação: imagens do professor na mídia. São
Paulo: Paulinas, 2012.
SAYAD, Alexandre. Idade mídia. São Paulo: Editora Alef/Editora Jatobá, 2011.
SODRÉ, Muniz. Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes.
Petrópolis: Vozes, 2012.
131
1. LOPES, Maria Immaco-
lata Vassallo de; GÓMEZ,
Guillermo Orozco (org.).
Obitel 2012. Transna-
cionalização da ficção
televisiva nos países
ibero-americanos. Por-
to Alegre: Sulina, 2012.
Disponível em: <www.
obitel.net>.
Transnacionalização e
transmidiação da ficção
televisiva em países
ibero-americanos
Maria Cristina Palma Mungioli
Professora doutora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,
pesquisadora do Centro de Estudos de Telenovela (CETVN) e do Observatório Ibero-americano
de Ficção Televisiva (OBITEL). Coordenadora do GP de Ficção Seriada da Intercom.
E-mail: crismungioli@usp.br
Issaaf Karhawi
Mestranda em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo. Pesquisadora do Centro de Estudos de Telenovela (CETVN) e do Observatório
Ibero-americano da Ficção Televisiva (OBITEL). Bolsista do CNPq.
E-mail: issaaf@usp.br
Resumo: A resenha apresenta alguns
aspectos do Anuário Obitel 2012 – Trans-
nacionalização da ficção televisiva nos
países ibero-americanos, obra resultante
de pesquisas desenvolvidas em onze
países sobre a produção, exibição e circula-
çãodeprogramasdeficção.Nopresentetex-
to, destacam-se dois dos assuntos tratados
no anuário: a transnacionalização da ficção
televisiva como marca de um atual
quadro de trocas e fluxos no âmbito
ibero-americano e a transmidiação da
ficção televisiva, sobretudo nas redes
sociais.
Palavras-chave: Ficção televisiva; Obitel;
transnacionalização; transmidiação.
Abstract: This review presents the main
points of the Obitel Yearbook 2012 –
Transnationalization of television fiction
in Ibero-American countries (Transnacio-
nalização da ficção televisiva nos países
ibero-americanos) which shows the results
of eleven countries researches about pro-
duction, exhibition and circulation of their
national television fiction. As the topic of
the year, Obitel Yearbook 2012 observes
transnationalization in television fiction as
an important fact of the contemporary
scenery of flows and exchanges within the
Obitel scope.
Keywords: Television fiction; Obitel; trans-
nationalization; transmedia.
APRESENTAÇÃO
O Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva (Obitel), em seu sexto
anuário – Transnacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos1
–, apre-
senta um panorama da ficção produzida nos onze países integrantes do projeto
(Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, México,
132
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
2. Ibid.
3. 1o
Passione (telenovela,
Brasil); 2o
Fina estam-
pa (telenovela, Brasil);
3o
Insensato coração
(telenovela, Brasil); 4o
A
corazón abierto (série,
Colômbia); 5o
Ti-ti-ti (te-
lenovela, Brasil); 6o
Morde
& assopra (telenovela,
Brasil); 7o
El Joe la leyen-
da (telenovela, Colômbia);
8o
Tres milagros (teleno-
vela, Colômbia); 9o
Los
80; más que uma moda
(série, Chile); 10o
Cordel
encantado (telenovela,
Brasil).
Capa do Obitel 2012.
Portugal, Uruguai e Venezuela). Coordenado por Maria Immacolata Vassallo
de Lopes e Guillermo Orozco Gómez, desde 2005, o Obitel tem concentrado
esforços na análise de, pelo menos, seis dimensões da ficção televisiva nos pa-
íses que o integram: produção, exibição, consumo, comercialização, propostas
temáticas e a recepção transmidiática. Além de, anualmente, eleger um tema
ao qual dedica especial atenção; em 2012, a rede de pesquisadores analisou a
transnacionalização da ficção televisiva.
Ao longo de 2011, cada um dos onze países acompanhou sistematicamente
os programas de ficção de televisão aberta e, com base nos resultados desse
monitoramento, elaborou um capítulo para compor o Anuário Obitel 2012.
No capítulo “Síntese comparativa dos países Obitel em 2011”, os coorde-
nadores do observatório dedicaram-se a analisar os dados de todos os países
e compará-los, a fim de traçar um panorama geral do quadro de produção,
circulação e consumo da ficção televisiva entre os países ibero-americanos do
Obitel.
A OFERTA DE FICÇÃO TELEVISIVA NOS PAÍSES
IBERO-AMERICANOS
Em meio a dados de número de estreias do ano, horários de exibição,
número de capítulos/episódios, índices e perfil de audiência, o capítulo “Sín-
tese comparativa dos países”, do Obitel 2011, apresenta dados representativos
em relação aos formatos das ficções. O Brasil e o México, por exemplo, foram
os países que mais produziram telenovelas no âmbito Obitel no último triênio,
com um total de 42 títulos cada, dado que evidencia não apenas a grande
capacidade produtiva dos países,
mas também a predileção entre os
latino-americanos pelos formatos
de longa serialidade como a tele-
novela. Por sua vez, a Espanha tem
sido, nos últimos três anos, a maior
produtora de séries e minisséries,
confirmando “(...) uma particulari-
dade do país, que, à diferença dos
países latino-americanos, investe
e se especializa fortemente em
formatos de curta serialidade”2
.
Com base nos índices de au-
diência das dez ficções mais vistas
de cada país, o Obitel apresenta as
110 ficções televisivas mais vistas no
ano. Entre os dez primeiros títu-
los3
, seis são ficções brasileiras, três
colombianas e uma chilena. Em
relação aos formatos, observa-se
133
Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva • Maria C. Mungioli e Issaaf Karhawi
que oito são telenovelas e dois, séries. As três primeiras posições do ranking
são ocupadas por telenovelas brasileiras: Passione, Fina estampa, Insensato coração,
resultado dos altos índices de audiência conquistados pela telenovela em nosso
país, mesmo quando posta ao lado de outros países ibero-americanos que tam-
bém se caracterizam pela produção e consumo de telenovelas.
TRANSMIDIAÇÃO DA FICÇÃO TELEVISIVA:
A CONVERSA DOS FÃS
Antes de se dedicar ao tema do ano, a transnacionalização, o Obitel discute
a transmidiação como ponto essencial na compreensão do atual panorama da
ficção televisiva. Para Lopes et al.4
“o conjunto das mídias digitais vem conso-
lidando processos e fenômenos de uma nova cultura de mídia, que estimula a
interação dos produtos midiáticos e a convergência de conteúdos”, fenômeno que
proporciona transformações tanto na maneira de ver como na de fazer ficção.
No polo da produção, transformações podem ser percebidas, em menor
ou maior escala, pela ocorrência de reestruturações nas narrativas que buscam
atender às novas necessidades de consumo dos telespectadores envolvidos cada
vez mais por novas plataformas. Os autores afirmam que “(...) a maioria das
produções está levando suas narrativas para outras telas, principalmente para
as do computador e do telefone celular, ambas em simbiose com a internet”5
o que exige renovações tanto na estrutura da narrativa (produção) quanto em
sua circulação, distribuição e consumo.
Partindo da lógica proposta por Martín-Barbero, “o questionamento das
novas tecnologias de comunicação nos obriga, assim, a analisar os diferentes
registros desde os quais elas estão remodelando as identidades culturais”6
(É
nessa importância do registro da “nova cara” da ficção televisiva que os países
do âmbito Obitel debruçaram-se sobre a questão da recepção transmidiática
da ficção televisiva).
Compreender esse fenômeno exige não apenas um olhar lançado sobre o
receptor, o internauta, o telespectador, mas também sobre o produtor trans-
midiático. É nesse sentido que os estudos do Obitel se concentram tanto no
que os fãs de ficções televisivas produzem na internet, como também no que
os produtores de ficção, as emissoras de televisão, estão disponibilizando para
seu espectador. De acordo com Lopes e Orozco7
nas pesquisas de 2011 nota-se
“[...] o investimento dos produtores para incorporar em seu relacionamento
com a audiência as práticas dos fãs na internet e nas redes sociais [...] como
forma de conseguir engajamento da audiência com suas produções”.
Pensando no polo da produção (sites oficiais das ficções) entre os países
do Obitel, de um lado estão Chile, Portugal e Uruguai, com uma baixa oferta
transmidiática das dez ficções mais vistas em 2011. Em um plano intermediário,
estão México, Colômbia, Equador e Venezuela, em patamares de crescimento
da interação entre os espectadores e a oferta dos produtores. Como bons exem-
plos de grande oferta transmidiática por parte da produção das ficções, estão
Espanha, Brasil, Estados Unidos e Argentina, “países que registram a maior
4. Lopes et al. Obitel
2010. Convergências e
transmidiaçãoda ficção
televisiva. São Paulo:
Globo, 2010, p. 166.
5. LOPES; OROZCO, op.
cit., p. 49.
6. MARTÍN-BARBERO,
Jesús. Ofício de car-
t ó g r a f o: tr ave s sia s
latino-americanas da
comunicação e cultura.
São Paulo: Loyola 2004,
p. 184.
7. LOPES; OROZCO, op.
cit., p. 57.
134
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
intensidade de interações entre fãs e produtores, que se realizam através das
ofertas do emissor e das práticas da audiência”8
.
O que define o processo de transmidiação da ficção televisiva de um
determinado país não é um esquema fechado daquilo que deve ou não ser
oferecido aos espectadores em um site de ficção, mas sim a relação que as
emissoras de televisão estabelecem com seus fãs no ambiente virtual. Ou seja, o
quanto o consumidor é cortejado. Nas palavras de Jenkins10|11
), “se o paradigma
da revolução digital presumia que as novas mídias substituiriam as antigas, o
emergente paradigma da convergência presume que novas e antigas mídias irão
interagir de formas cada vez mais complexas”. Portanto, os países que ofertam
uma grande variedade de conteúdo transmidiático são aqueles em que os canais
vêm tentando adequar-se mais rapidamente ao novo cenário de assistência de
ficção não só nos países ibero-americanos, mas no mundo.
Outro aspecto importante do tópico de recepção transmidiática recai sobre
a análise dos CGU12
dos internautas. O estudo busca compreender o que o fã
produz na internet a partir das ficções televisivas, e não apenas o que lhe é
oferecido pelo produtor. Dessa forma, destaca-se o que o telespectador fabri-
ca, ou seja, o que ele absorve e o que faz com as horas que passa assistindo a
programas televisivos, nesse caso, na internet.
Para acompanhar as conversas dos fãs sobre as ficções na internet, oito
países monitoraram redes sociais como o Facebook, enquanto três outros busca-
ram CGU nos sites oficiais das ficções. A coleta reuniu mais de 68 mil CGU.
Em uma categorização temática, a conversa dos fãs privilegiou a trama, os
personagens, os atores, os roteiristas e produtores das ficções. Sob o ponto de
vista das funções da linguagem de Jakobson, a função referencial e a emotiva
são as mais proeminentes nos CGU dos espectadores ibero-americanos de fic-
ção; a primeira, nas conversações sobre o capítulo do dia, horário de exibição,
expectativas em relação ao enredo; a segunda, nas expressões de sentimentos
despertados pela trama e na partilha de vivências do dia a dia.
Assim, os dados trazidos pelo Anuário Obitel 2012 mostram,, no que tange
à recepção transmidiática, além de uma possibilidade metodológica para esse
tipo de estudo ainda emergente, o lugar que a audiência televisiva tem ocupado
nessa nova dinâmica midiática. Para Lopes e Orozco,
sem dúvida, há demonstrações da emergência de novos hábitos característicos de
uma audiência participativa geradora de conteúdos [...] que toma em suas mãos
a tarefa de criar espaços transmidiáticos para manifestação, debate e registro de
sua experiência de fruição das ficções televisivas12
TRANSNACIONALIZAÇÃO NO ÂMBITO OBITEL:
CAMINHOS DA FICÇÃO TELEVISIVA
O último tópico de análise do capítulo “Síntese comparativa dos países
Obitel em 2011” apresenta o tema do ano adotado para o anuário 2012:
a transnacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos.
8. LOPES; OROZCO, op.
cit., p. 58.
9. JENKINS, Henry. Cul-
tura da convergência.
2. ed. São Paulo: Aleph,
2009.
10. JENKINS, op. cit.,p.33.
11. Conteúdo gerado pelo
usuário, que nas análises
refere-se à unidade de
discurso das redes sociais
(o post, ou postagem),
seja ele composto apenas
por textos, seja constituí-
do de fotos, imagens ou
vídeos.
12. LOPES, Maria Immaco-
lata Vassallo de; GÓMEZ,
Guillermo Orozco (org.).
Obitel 2012. Transna-
cionalização da ficção
televisiva nos países
ibero-americanos. Por-
to Alegre: Sulina, 2012,
p. 73.
135
Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva • Maria C. Mungioli e Issaaf Karhawi
Objetivamente, a escolha do tema almeja fazer um mapeamento dos fluxos
transnacionais entre os países do âmbito Obitel. Pergunta-se: Quais são as atuais
tendências de trocas na produção e distribuição da ficção?
Para os questionamentos acerca da transnacionalização, as discussões se
baseiam nos estudos de Chalaby13
. O autor “(...) descreve a nova ordem dos
meios de comunicação transnacional como resultado de uma redesignação dos
espaços, práticas, fluxos e produtos midiáticos”, ainda “(...) reconhece a emer-
gência de uma nova ordem, com novas instituições midiáticas a nível regional,
e o aumento do fluxo de populações, que tem feito aumentar o número e a
visibilidade de audiências transnacionais”14
.
A transnacionalização é caracterizada como um dos períodos de desenvol-
vimento mundial das mídias proposto por Chalaby15
. Após a internacionalização
e a globalização, a atual transnacionalização é definida por um cenário em que
as relações entre o que é local, nacional, regional e global são reestruturadas
pelas complexas redes de corporações midiáticas, produtos e audiências. Assim,
temos que
[...] o transnacional permite reconhecer uma nova configuração, na qual jogado-
res emergentes interromperam a ideia de uma totalidade global midiática [...]. A
emergência de um panorama de mídias mais “interdependente e assimétrico”16
é resultado do surgimento de instituições de mídia com impacto regional que
permitiu questionar a ideia imperante de um sistema de relação unidirecional
centro-periferia [...]17
Levando-se em consideração os integrantes do Obitel, observa-se com clareza
que enquanto uma parcela dos países – entre eles Brasil, México, Argentina,
Colômbia, Espanha e Estados Unidos – é eminentemente exportadora, uma
outra parcela, composta por Portugal, Chile, Uruguai, Venezuela e Equador,
está essencialmente dirigida para seu mercado interno. Por ora, “essas diferenças
[...] trazem elementos para explicar como estão sendo gestados os processos de
transnacionalização [...], quais são as relações de poder que são impostas a partir
das indústrias fortes e que tipo de estratégias adotam as indústrias emergentes
para fortalecer seus mercados”18
. O Brasil, por exemplo, tem uma produção
de ficção 100% nacional entre os títulos mais vistos no ano (todos da Globo),
o que o caracteriza como um caso especial no âmbito Obitel. Com um forte
mercado interno de ficção nacional, o Brasil é reconhecido por suas narrativas
que, apesar de inovarem, mantêm-se fiéis ao gosto nacional. Movimento que
Wolton atribuiria à “(...) forte identidade cultural” do Brasil, país “(...) onde
existe um mercado interior, [no qual se] percebem os riscos de dominação
pelo estrangeiro e a ela opõem uma identidade e um voluntarismo nacionais”19
.
Parcerias em coproduções e fluxos comerciais entre um país e outro são
determinados, principalmente, por fronteiras físicas que propiciam ou dificultam
as trocas, além de fatores linguísticos e proximidade cultural que “(...) esta-
belecem um marco para relações e dinâmicas particulares entre países de um
determinado âmbito, como no caso de Brasil e Portugal e de todos os países
hispânicos”20
. Também determinam esses processos, os grandes exportadores
13. CHALABY, J. From
internationalization to
transnationalization. Glo-
bal Media and Commu-
nication, v. 1, 1, p. 28-33,
April 2005.
14. LOPES; OROZCO, op.
cit., p. 73 e 74.
15. CHALABY, op. cit.
16. STRAUBHAAR, J.D.
Beyond Media Impe-
rialism: Asymmetrical
Interdependence and
CulturalProximity, Critical
Studies in Mass Com-
munication, 1991.
17. LOPES, Maria Immaco-
lata Vassallo de; GÓMEZ,
Guillermo Orozco (org.).
Obitel 2012. Transna-
cionalização da ficção
televisiva nos países
ibero-americanos. Por-
to Alegre: Sulina, 2012,
p. 74.
18. LOPES; OROZCO, op.
cit., p. 76.
19. WOLTON, Dominique.
Elogio do grande pú-
blico. São Paulo: Ática,
2006, p. 156.
20. LOPES; OROZCO, op.
cit., p. 85.
136
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
da área, como a própria Rede Globo (Brasil), a Televisa (México) e os norte-
-americanos Disney, Nickelodeon, MTV, HBO.
Ao longo do Anuário Obitel, outras questões servem de fio condutor à análise
do cenário transnacional entre os países: Como se formam e se transformam
os conteúdos da ficção televisiva nesse processo? Como essas trocas e fluxos
medeiam e geram narrativas cultural e esteticamente novas? Aos países do
Obitel, coube não apenas respondê-las, mas cumprir a valiosa missão de regis-
trar o momento histórico, econômico e cultural das mudanças nas televisões
ibero-americanas.
Por se tratar de um anuário, os dados e análises do Obitel 2012 devem
ser lidos como parte de um discurso que engendra anteriormente: devemos
entrar em uma correia de discursos anteriores que versam sobre pesquisas e
procedimentos metodológicos discutidos ano a ano. Ainda, e mais substancial-
mente, a completude do anuário deve muito aos capítulos nacionais de cada
país integrante do Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva, algo que
não pudemos discutir devido aos limites deste artigo.
Na leitura da obra, é possível observar, em cada um dos onze países, os
caminhos da ficção televisiva analisados sob o olhar de seus pesquisadores e
de sua cultura em termos de ficção televisiva. Além disso, deve-se destacar que
a publicação do Anuário Obitel, desde 2007, permite, ao estudioso da ficção e
da televisão no espaço ibero-americano, o cotejamento de dados e informações
valiosos para as pesquisas no campo da Comunicação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHALABY, J. From internationalization to transnationalization. Global Media and
Communication, v. 1, 1, p. 28-33, April 2005.
DE CERTEAU. Michel. Fazer com: usos e táticas. In: A invenção do cotidiano. V.
1. (Artes de fazer). Petrópolis/RJ: Vozes, 2007.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009.
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de; GÓMEZ, Guillermo Orozco (org.). Obitel
2012. Transnacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos. Porto
Alegre: Sulina, 2012.
_______; MUNGIOLI, Maria Cristina Palma; BREDARIOLI, Claudia Maria
Moraes; FREIRE, Denise de Oliveira; ALVES, Clarice Greco. Brasil – Novos modos
de fazer e de ver ficção televisiva. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de;
GÓMEZ, Guillermo Orozco (org.). Obitel 2010. Convergências e transmidiação
da ficção televisiva. São Paulo: Globo, 2010.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da
comunicação e da cultura. São Paulo: Loyola, 2004.
STRAUBHAAR, J.D. Beyond Media Imperialism: Asymmetrical Interdependence
and CulturalProximity, Critical Studies in Mass Communication, 1991.
WOLTON, Dominique. Elogio do grande público. São Paulo: Ática, 2006.
137
Meia-Noite em Paris. Na
hora aberta da meia-noite:
o cinema, as artes e a
sedução da Modernidade.
Maria Ignês Carlos Magno
Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Professora do mestrado em
Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi e da Fundação Escola de Sociologia e
Política de São Paulo.
E-mail: unsigster@gmail.com
Resumo: A autora faz uma análise do filme
Meia-noite em Paris (Midnight in Paris), co-
média dramática cujo roteiro e direção foram
conduzidos por Wood Allen, em 2011, que
retoma o realismo mágico de outros filmes
e mostra em sua obra um pouco sobre uma
das épocas históricas que marcaram muitas
gerações pela força dos movimentos artísti-
cos e revolucionários: o início do século XX
em Paris. A sedução que a cidade, suas luzes
e sua modernidade exerceram e continuam
a exercer sobre intelectuais e artistas de
várias partes do mundo.
Palavras-chave: Hora aberta; cinema; anos
1920; Paris; vanguardas modernistas.
Abstract: The author analyses the movie
Midnight in Paris, a comedy written and
directed by Woody Allen in 2011, which re-
turns to the magical realism from his other
movies and shows part of historical times
that have determined many generations
with the power of artistic and revolutionary
movements: the early 20th
century in Paris.
The seduction that the city, its lights and
its modernity have exerted and continue
exerting over academicians and artists
around the world.
Keywords: Open hour; Cinema; 20’s; Paris;
Modernist vanguards.
As horas abertas são quatro: meio-dia, meia-noite,
anoitecer e amanhecer.
São as horas em que se morre, em que se piora,
em que os feitiços agem fortemente,
em que as pragas e as súplicas ganham expansões
maiores. Horas sem defesa [...]. Na ambivalência
natural, meio-noite e meio-dia prestam-se às rogativas
benéficas, mas constituem exceção.
(Luis da Câmara Cascudo).
138
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
No florescimento do Segundo Império, as lojas não fecham antes das
dez horas da noite. Era a grande época do noctambulismo.
“O ser humano” – escreve Delvau no capítulo de As Horas Parisienses,
dedicado à segunda hora depois da meia-noite – “pode de
tempos em tempos repousar; pontos de parada e estações lhe são
franqueadas; não tem, contudo, o direito de dormir”.
(Walter Benjamin)
Introdução
Muito foi dito e escrito sobre o filme Meia-Noite em Paris (2012), de Woody
Allen. Não apenas a crítica especializada se ocupou de análises e interpretações
sobre o filme, mas todos aqueles que aprenderam a gostar de cinema, e tam-
bém os que não estão muito preocupados se as personagens são sempre o alter
ego do diretor; se ele estava inspirado
ou não. Ou, ainda, se conta sempre
a mesma história.
Não importa, porque o que
interessa é assistir a um filme que
tem uma história bem contada. E
isso Allen sabe fazer. Por último, se
o diretor retoma nesse filme o realis-
mo mágico de outros filmes, ótimo,
porque podemos, como a personagem
Gil, pegar carona na hora aberta da
meia-noite em Paris e conhecer um
pouco sobre uma das épocas histó-
ricas que marcaram muitas gerações
pela força dos movimentos artísticos
e revolucionários: o início do século
XX. Particularmente Paris e a sedu-
ção que a cidade, suas luzes e sua
modernidade exerceram e continuam
a exercer sobre intelectuais e artistas
de várias partes do mundo.
DA HISTÓRIA DO FILME ÀS HISTÓRIAS DOS
MOVIMENTOS ARTÍSTICOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX
Meia-Noite em Paris conta a história de Gil Pender, um roteirista de Hollywood
apaixonado pelos grandes escritores norte-americanos e que queria, como eles,
escrever um grande romance. Gil Pender vai a Paris ao lado de sua noiva e dos
pais dela. Os pais de Inez vão fechar um grande negócio na cidade. Estar em
Reprodução de cartaz de divulgação do filme.
139
Meia-Noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite • Maria Ignês Carlos Magno
Paris faz com que Gil volte a questionar sua vida e desejar realizar o sonho
de se tornar um escritor renomado. Ao perambular pelas ruas parisienses ten-
tando encontrar o caminho de volta para o hotel, na hora aberta da meia-noite
Gil entra em um carro que o leva para uma festa na Paris do início do século
XX. Na festa organizada pelo poeta, dramaturgo, cineasta Jean Cocteau, Gil
começa viver um duplo sonho: o de conviver com seus ídolos e ter a chance
de se tornar um escritor. E as primeiras perguntas podem ser feitas: Por que
Paris e não qualquer outra cidade da Europa? Por que Paris foi a cidade que
todos os expoentes da intelectualidade na época escolheram para visitar, viver,
produzir, estudar ou entender o porquê do fascínio daquela cidade?
Para começar a responder a essas perguntas, podemos retomar um dos
últimos passeios de Gil na Paris dos anos vinte: o jantar com Adriana no res-
taurante Maxim’s e, depois, o Cabaré Moulin Rouge, que é quando se encon-
tram e conversam com Henri de Toulouse-Lautrec e, em seguida, com Paul
Gauguin e Edgar Degas.
Como uma de nossas propostas é a de recuperar os movimentos artísticos
dos anos 1920, creio que podemos começar pelo final, porque esses pintores,
juntamente com outros que não aparecem no filme, não só participaram da
atmosfera daqueles anos como deram as bases de outros movimentos do sécu-
lo XX. E, como esses artistas pertenceram aos movimentos conhecidos como
neoimpressionismo e expressionismo, a sugestão é a de iniciar os estudos pelo
impressionismo.
Embora saibamos que nenhum movimento artístico é homogêneo, é in-
teressante perceber as características norteadoras, as ramificações ou os des-
dobramentos que caracterizam cada um deles. É o caso do neoimpressionismo e
do expressionismo, que tiveram suas bases na proposta impressionista. Em Paris
(1905), o neoimpressionismo e, em Dresden (1905), o expressionismo. Paul Cèzanne,
Vincent Van Gogh, Paul Gauguin, Henri Matisse e Henri de Toulouse-Lautrec,
entre outros, sem abandonar os pressupostos impressionistas, mas na tentativa
de alargar os horizontes daquela proposta, investiram não só no estudo da luz
e da cor através de estudos científicos, como assumiram uma pintura que tinha
como uma de suas características as distorções das formas que expressavam o
mundo hostil. A arte entendida como a arte do instinto, uma pintura dramática
em que os sentimentos humanos eram ressaltados mesmo que a figura humana
fosse deformada. Especialmente o expressionismo deve ser estudado em sua tota-
lidade, já que aparece com força em dois momentos da história: 1905 e 1930.
Iniciar os estudos por esses movimentos nos interessa porque em 1905,
também no Salão de Outono de Paris, surge um movimento que é considerado
o primeiro grupo da vanguarda europeia: o fauvismo, de Fauve (feras). Nome
ironicamente cunhado por um crítico de arte, esse movimento, embora com
vida curta (1905/1908), teve como representantes: André Duran e Georges
Braque, de quem Pablo Picasso sofre uma grande influência. Já que todas as
personagens que aparecem no filme ou fizeram parte direta da vanguarda, ou
140
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
transitaram e conviveram com os ideários e propostas desse movimento, que foi
um dos mais importantes do século XX, ele merece um estudo aprofundado.
PARIS E AS VANGUARDAS DOS ANOS 1920
A vanguarda pode ser entendida como uma multiplicidade de tendências
artísticas e culturais preocupadas com uma visão e interpretação da realidade.
Pode ser considerada como uma grande síntese artística da Europa do início
do século XX, seja como reação ao desenvolvimento tecnológico e científico e
aos progressos da Revolução Industrial, seja como reação às assimetrias sociais e
projetos ideológicos e políticos que levaram a um conflito em escala planetária,
a Primeira Guerra Mundial, ou mesmo como síntese de correntes artísticas que
proclamavam a liberdade e a criação de um novo estilo de arte.
Nessa perspectiva, a pesquisa dos demais movimentos que afloraram nesse
período pode ser continuada, bem como ampliada para além das características
próprias dos movimentos: as relações que mantinham entre si e com os acon-
tecimentos históricos daqueles anos. Um deles: a Primeira Guerra (1914-1918).
Considerando a simultaneidade dos movimentos e, ao mesmo tempo, a di-
dática, uma linearidade será mantida para efeitos de pesquisa e entendimento.
Nessa perspectiva, o cubismo (1907-1914) e o futurismo italiano (1909-1916) são
os próximos movimentos do período a serem estudados. O cubismo, com o céle-
bre quadro de Picasso “Les Demoiselles d'Ávignon”, marca a crise do fauvismo.
Para os cubistas, um quadro é uma estrutura autônoma, que não representa
a realidade, mas é uma realidade própria. Inspirado nas artes africanas, na
racionalidade e no “princípio de realização” de Cèzanne, terá como uma de
suas características a geometrização das formas, na expressão visual da luz e
da sombra, rompendo com a ideia de que a arte é uma imitação da natureza.
Além de Braque e Picassso, outros artistas ligados a esse movimento foram:
Guillaume Apollinaire, Max Jacob, Francis Picabia, Fernand Lèger e Marchel
Duchamp.
Entre 1914 e 1918 muitos jovens são enviados para a frente dos campos de
batalha. Em 1909 Felippo de Tomanaso Marinetti lança o 1o
Manifesto Futu-
rista. Esse movimento conclama o fim da arte passada em rumo ao futuro e
mostra suas implicações políticas. Ao todo foram quatro manifestos. Depois do
1o
Manifesto em 1909, em 1910, é lançado o Manifesto da Pintura, em 1912, o
Manifesto da Escultura e, em 1914, surge um livro onde se expressa que deve
ser feita uma limpeza radical em todos os gostos mofados, a fim de mostrar o
vórtice da vida moderna: a vida do aço, da febre, do orgulho e da velocidade.
Em 1916, um dos líderes do futurismo italiano, Umberto Boccione, morre, ví-
tima de ferimentos da guerra, e o movimento começa a entrar em decadência.
Embora os dadaístas não tenham feito parte da história do filme nem
transitado pela casa de Gertrude Stein, com exceção de Man Ray e Francis
Picabia, o movimento dadaísta, que nasceu em plena guerra, em 1915, em
141
Meia-Noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite • Maria Ignês Carlos Magno
Zurique, teve um significado tão forte quanto a guerra. Com base na filosofia
anarquista e no niilismo, negava todas as tradições sociais e artísticas da época,
pregava o slogan de Bakunin: “a destruição também é um ato de criação”, tinha
por objetivo o choque e o escândalo. Mas não só, os dadaístas reuniam-se no
Cabaret Voltaire e pretendiam criar uma arte internacional com apresentações
de música, poesia, exposições de arte.
Em 1917 lançam: Cabaret Voltaire, Galeria Dadá e a Revista Dadá. Seus criadores
e principais representantes foram: Tristan Tzara, Hans Harp, Hugo Ball, Hans
Richter, Michel Duchamp. Francis Picabia, que transitou do cubismo ao dadaísmo,
acabou fazendo uma ponte entre o dadaísmo europeu e norte-americano. Vale
a pena conhecer tanto a produção desses artistas como aprofundar as linhas
gerais aqui expostas. Principalmente porque as propostas dadaístas serviram
de inspiração para o movimento surrealista, em 1924.
O Manifesto Surrealista, de André Breton, marca historicamente o
surgimento do movimento. Nele se propunha, entre outras propostas, a
restauração dos sentimentos humanos. As incertezas políticas do pós-guerra
colaboraram para o surgimento de uma arte crítica. Breton reuniu em torno
de si artistas ligados a uma filosofia de pensamento e ação, em que a liberdade
era valorizada. Tinham como proposta um forte apelo às imagens na descrição
de aspectos do subconsciente.
O caráter antirracionalista do movimento vai na direção contrária das
tendências construtivistas e do projeto de retorno à ordem surgidos após a
Primeira Guerra. Em 1925 eles lançam a Revista Revolucion Surrealiste, afinam
a arte com a política e anunciam a adesão do movimento ao comunismo. Nem
todos os participantes do grupo aderem a essa ligação.
Divulgação.
142
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
O movimento mobiliza quase todas as tendências artísticas como a pintura,
a literatura, a fotografia, as artes gráficas e o cinema. Alguns dos representantes
foram: André Breton, Louis Aragon, Georges Bataille, Max Jacob, entre outros,
que se destacaram na literatura; René Magritte, Max Ernest, André Masson e
Salvador Dalí, na pintura. Man Ray e Dora Maar, na fotografia, e Luís Buñuel,
no cinema.
Outro aspecto que interessa saber é a sua difusão tanto na Europa como
nos Estados Unidos e América Latina. Particularmente no Brasil, vale estudar
a produção de Ismael Nery, Cícero Dias e Jorge de Lima.
A VANGUARDISTA GERTRUDE STEIN, A LIVRARIA
SHAKESPEARE & CIA E A “GERAÇÃO PERDIDA”
NA FICÇÃO DE WOOD ALLEN
Gertrude Stein era poeta e escritora vanguardista. Norte-americana de
origem, vivia em Paris cuidando do valioso acervo da família. Sua casa na Rue
de Fleurus, n. 27, descrita no livro autobiográfico de sua companheira Alice
Bebette Toklas, era exatamente como aparece no filme de Allen: um minúsculo
pavilhão de dois andares com quatro pecinhas, cozinha e banheiro, e um vasto
ateliê anexo. Sua casa era um ponto de encontro de toda uma geração de poetas,
escritores, pintores, que ela denominou “geração perdida”. Mentora de jovens
escritores e artistas, congregava ao seu redor um círculo de artistas formado
por Pablo Picasso, Henri Matisse, Georges Braque, André Darain, Juan Gris,
Guillame Apollinaire, Francis Picabia, Ezra Pound, Ernest Hemingway, James
Joyce, apenas para citar alguns dos nomes que compõem a história do filme e
personagens com quem Gil convive e dialoga sempre que entra na hora aberta
da meia-noite em Paris.
Além deles, na Paris da ficção de Allen, outros escritores e artistas marcaram
presença, como o casal de escritores Zelda e Scott Fitzgerald, o poeta Thomas S.
Eliot, Josephine Baker, a famosa atriz, cantora e dançarina americana conhecida
como “Vênus Negra”, e Cole Porter, músico. Aliás, é Cole Porter quem estava
tocando piano na festa para onde Gil Pender foi levado no início do filme.
Cantava a música que simbolizou o período em que morou em Paris: Let’s do it.
Nessa jornada de Woody Allen sobre a cidade de Paris nos anos loucos,
outro ícone do período é trazido no filme: a lendária Livraria Shakespeare &
Cia, fundada em 1919 pela livreira Silvia Beach. Na época localizada na Rive
Gauche, onde se reuniam Hamingway, Ezra Pound, James Joyce, Ford Madox
Ford, o casal Fitzgerald, Man Ray e a própria Gertrude Stein. A importância
dessa livraria, além do fato de ser ponto de encontro dessa geração vanguardista,
está também no fato de a livreira Silvia Beach ter editado o livro Ulisses, de
James Joyce, em 1922, que na época fora recusado por todos os editores de
Paris. Hoje um dos clássicos da literatura universal. E essa pode ser outra parte
da pesquisa: a literatura vanguardista produzida no período.
143
Meia-Noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite • Maria Ignês Carlos Magno
Penso que, se bem conduzidas, essas pesquisas e discussões serão de
grande valor e prazer para essa nova geração altamente linkada e com todas as
informações disponíveis, mas um pouco carente da leitura de um belo conto,
de uma poesia lida em voz alta, ou em silêncio mesmo, de histórias de outras
gerações.
Se prestada a devida atenção, os professores poderão se surpreender ao
verem como, mesmo nos dias atuais, uma boa história pode deixar uma plateia
em silêncio. Allen soube contar em imagens e textos uma boa história como
essa Meia-noite da Paris-sedução, das luzes, das vanguardas modernistas, da
efervescência da cidade-luz dos anos 1920.
Pensando bem, cabem duas perguntas para finalizar essa proposta de
trabalho: James Joyce era difícil para uma geração acostumada com a leitura
linear. Será para essa? Ou, se ainda for difícil, por que não a leitura de Charles
Baudelaire para conhecermos a outra Paris descrita em seus poemas e prosas?
Ficha técnica
Título: Meia-noite em Paris. (Midnight in Paris)
Roteiro e direção: Wood Allen
Gênero: comédia dramática
Fotografia: Darius Khondji
Trilha sonora: Stephane Wrembel
Duração: 95 min.
Ano: 2011.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São
Paulo: Brasiliense, 1989, p. 47.
DA CÂMARA CASCUDO, Luis. Coisas que o povo diz. São Paulo: Global, 2009,
p. 49, 50.
Meia-noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite
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Quem dera os problemas dos professores fossem
somente os apresentados aos alunos em sala de aula.
Os professores do Ensino Básico enfrentam muitas
outras dificuldades. Salários muito baixos, materiais de
péssima qualidade, precariedade nos equipamentos
e estruturas da sala de aula, jornadas exaustivas, entre
outras complicações. Problemas que realmente precisam
de solução. Mas será que as mídias mostram a realidade
desses professores?
Pensando nessa questão, oito pesquisadores, entre
mestrandos e doutorandos da Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), se
reuniram, sob a orientação do professor dr. Adilson Citelli,
para debater o tema. Os autores utilizaram um método
crítico-analítico para mostrar como a televisão, o rádio, o
jornal, o cinema e até mesmo a publicidade apresentam
os professores, com ou sem referências da realidade
dessa categoria no Brasil.
145
atividadesemsaladeaula
Atividades com
Comunicação & Educação
Ano XVIII – n. 1
Ruth Ribas Itacarambi
Doutora pela Faculdade de Educação da USP. Educadora aposentada do IME-USP.
Pesquisadora e professora da FOC – Faculdades Osvaldo Cruz. Membro da Equipe
SiteEducacional.
E-mail: ruthri@uol.com.br
La influencia educativa que ejerce sobre el alumno
la ejecución de un trabajo puede ser muy distinta,
según provenga del miedo al castigo,
la pasión egoísta o el deseo de placer y satisfacción
(Albert Einstein – 1879-1955).
Os temas tratados nesta revista, por serem sociais, têm natureza diferente
das áreas convencionais da escola tradicional. Tratam de situações que estão
sendo vividas pela sociedade nas diferentes comunidades e, nessas, o espaço
dos jovens, sejam esses alunos, professores e/ou trabalhadores das corporações.
A temática proveniente de diferentes espaços sociais apresenta questões que
interrogam sobre a vida humana, sobre a realidade que está sendo construí-
da, e que necessitam de transformações macrossociais e, também, de atitudes
pessoais, exigindo ensino e aprendizagem de conteúdos relativos a novas ideias
– “novo iluminismo”. Suas implicações organizativas e curriculares são um
desafio para a escola e para os ambientes corporativos ainda organizados em
torno das disciplinas clássicas. Não se trata de trazer novas disciplinas para a
escola, mas de organizar o conhecimento sobre temas transversais e buscar um
marco interpretativo comum.
Nesta perspectiva destacam-se os artigos que proporcionam uma reflexão
sobre o papel das tecnologias na ação pedagógica – como no texto de Mayra
Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti: “Cruzando espaços: proposta de contri-
buição para a Wikipédia”. Nele os autores apresentam a criação de um sítio da
ferramenta wiki para que os alunos de jornalismo componham seus trabalhos
semestrais em ambiente hipertextual. Para os autores, a plataforma wiki permi-
te a inserção e edição colaborativa de conteúdos, criando facilmente páginas
hipermídias e links, usando um software livre adotado também pela Wikipédia.
146
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Na mesma direção de trabalho colaborativo, mas no ambiente corpora-
tivo, tem-se o texto de Josias Ricardo Hack, Fernando Ramos e Arnaldo
Santos: “Digital Storytelling e formação corporativa: possibilidades para a
aprendizagem de adultos”. Este apresenta como o uso de histórias pessoais
digitais pode contribuir com os processos de aprendizagem colaborativa
em treinamentos corporativos.
Já para a escola básica tem-se o artigo de Maria Isabel Rodrigues Orofino:
“Produção coletiva de webnovelas: um estudo sobre metodologias dialógicas e
participativa”, que relata uma experiência de produção e veiculação no YouTube
de cinco webnovelas realizadas por crianças de classe popular, moradoras de
uma comunidade na periferia urbana da cidade de São Paulo. Para a autora,
esta iniciativa busca verificar a hipótese teórico-metodológica da mídia-educação
enquanto metodologia colaborativa na prática escolar transformadora.
O paralelo entre o conhecimento científico presente nas ciências e na
ficção cientifica é objeto de reflexão nos artigos de Carlos Busón Buesa: “Re-
descobrindo o interesse pelas ciências, a chave para uma sociedade tecnológica”,
com a pergunta: Por que os jovens não querem ser cientistas, e Carlos Alberto
Machado: “Ficção científica: utopia ou distopia? Felicidade, angústia e prazer
na pós-modernidade”, em que conceitos como felicidade e liberdade são colo-
cados à prova e a ficção científica é usada como exemplo, mostrando o vício
tecnológico e a desnaturalização da sociedade.
Na perspectiva de refletir sobre experiências culturais, selecionamos
o artigo de Martha Lucia Izquierdo Barrera, “Dos paradigmas interculturais
à ação educacional autogerida”, que conta a experiência com as comunidades
indígenas do curso de Licenciatura em Etnoeducação e Desenvolvimento Co-
munitário da Universidad Tecnológica de Pereira, na Colômbia, e que apresenta
a Educomunicação em um contexto de mudança cultural, dialógica, interativa
e que, segundo a autora, nunca se acaba.
PRIMEIRA ATIVIDADE
Tecnologias, escola e empresa: ação colaborativa
A atividade está organizada em três vertentes: a primeira relacionada aos
cursos de graduação, em particular, os que são voltados para as ciências humanas,
como os cursos de Comunicação e Jornalismo e História, que têm como apoio
o artigo: “Cruzando espaços: proposta de contribuição para a Wikipédia”. Para
o mundo corporativo e a capacitação em serviço é indicado o artigo: “Digital
Storytelling e formação corporativa: possibilidades para a aprendizagem de
adultos”. E para a escola básica (Ensino Fundamental e Médio), tem-se o artigo:
“Produção coletiva de webnovelas: um estudo sobre metodologias dialógicas e
participativas”, com o uso do YouTube junto a crianças de escolas públicas. A
atividade tem a seguinte sequência didática:
147
Atividades com Comunicação & Educação • Ruth Ribas Itacarambi
Para os cursos de graduação:
1. Propor a leitura individual do artigo: “Cruzando espaços: proposta de
contribuição para a Wikipédia”, para responder as seguintes indagações:
• Quais os conceitos centrais apontados pelas autoras para identificar uma
teoria do sujeito enquanto ser de linguagem?
• Por que o sítio wiki foi escolhido para o desenvolvimento de trabalho
em sala de aula?
• Como alunos do curso de Jornalismo construíram páginas na plataforma
wiki?
2. Fazer uma síntese das considerações no grupo.
3. Solicitar que, em grupos, os jovens consultem as páginas da Wikipédia
citadas e façam uma leitura crítica dos conteúdos quanto à linguagem
utilizada e o referencial teórico.
4. Verificar a possibilidade de se criarem, na sua instituição, páginas utilizan-
do a plataforma wiki, considerando as dificuldades apontadas no artigo.
5. Quais são os desafios apontados no artigo com relação à continuidade
e aprimoramento da contribuição acadêmica para a Wikipédia?
Para a capacitação no mundo corporativo:
1. Propor a leitura do texto: “Digital Storytelling e formação corpora-
tiva: possibilidades para a aprendizagem de adultos”, registrando o
significado dado pelos autores para os termos:
• Digital Storytelling;
• formação corporativa;
• histórias digitais;
• concepção sócio-histórica;
• narração com tecnologias digitais.
2. Fazer a síntese das considerações retomando no texto a noção de narração
com tecnologias digitais que, segundo os autores, facilita a convergência de
estratégias diferenciadas de aprendizagem e poderá promover:
• o envolvimento dos aprendizes;
• a reflexão para o aprendizado profundo;
• a aprendizagem baseada em projetos;
• a integração efetiva da tecnologia na instrução.
Discutir em grupo estes quatro itens, tendo como referencial o artigo.
148
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
3. Os autores argumentam que, nas experiências com os adultos, desen-
volveu-se um conceito muito específico de ensino e aprendizagem – o
processo de investigação mental e não recepção passiva de conteúdos
difundidos. Apresentam algumas técnicas desenvolvidas por diferentes
civilizações para a capacitação de adultos, como o método do caso dos
chineses, o diálogo socrático dos gregos e as técnicas de confrontação
dos romanos.
• fazer o registro das características de cada uma delas;
• verificar se existem características semelhantes nas capacitações profis-
sionais atuais.
4. Encerrar a atividade com a leitura das conclusões do artigo e pesquisar
as técnicas de capacitação corporativas no Brasil. Sugere-se começar
pela Telecom.
Para a escola básica:
1. Fazer a leitura coletiva do artigo: “Produção coletiva de webnovelas:
um estudo sobre metodologias dialógicas e participativas”, com o uso
do YouTube, junto a crianças de escolas públicas, e registrar os termos
desconhecidos pelos alunos, em português ou em inglês.
• Solicitar que eles consultem individualmente os dicionários impressos ou
da web e que registrem um significado mais apropriado para o texto,
justificando.
2. Propor que os alunos façam no YouTube uma leitura sobre os temas ge-
radores apontados no texto: a questão da deficiência física; intolerância;
superação; amizade e amor. (Atenção: acompanhar a leitura ou selecionar
alguns endereços eletrônicos e sugerir aos alunos.)
3. Retomar com os alunos a leitura da metodologia utilizada no artigo pela
autora, discutindo os seguintes pontos:
• a etapa de produção da metodologia colaborativa;
• as diferentes funções no processo de produção;
• se, no momento da gravação, cada criança exercia suas funções;
• edição das próprias crianças;
• a apresentação do trabalho para a comunidade escolar.
4. Verificar a possibilidade de produção de vídeos para o YouTube, na ins-
tituição, e levantar com os alunos os temas de interesse. Para subsidiar
o trabalho, retomar as considerações finais da autora no texto.
149
Atividades com Comunicação & Educação • Ruth Ribas Itacarambi
SEGUNDA ATIVIDADE
Ciência e ficção científica: ética
O tema desta atividade tem como referencia dois artigos que tratam do co-
nhecimento científico a partir de diferentes pontos de vista, em que a ética esta
presente com tratamentos próprios. São eles: “Redescobrindo o interesse pelas
ciências, a chave para uma sociedade tecnológica”, com uma discussão específica
sobre a importância do conhecimento científico na sociedade tecnológica e o
papel da educação; “Ficção científica: utopia ou distopia? Felicidade, angústia
e prazer na pós-modernidade”, que apresenta um estudo sobre ficção científi-
ca, tendo como paralelo os problemas existenciais do mundo contemporâneo.
A atividade é destinada, de preferência, aos alunos da Escola Básica e seus
professores, e está organizada na seguinte sequência didática:
1. Leitura pessoal do professor do artigo “Redescobrindo o interesse pelas
ciências, a chave para uma sociedade tecnológica”, com destaque para
os seguintes tópicos:
• É necessário resgatar o conceito da pedagogia da pergunta, uma peda-
gogia que incite a descobrir o desconhecido.
• As escolas não ensinam o que conta na vida. Levam-se os alunos a me-
morizarem informações que eles esquecem em seguida.
• O docente deve ser imaginativo e buscar formas de explicar os conceitos
de forma criativa.
• A ciência é o processo para descobrir as verdades ocultas que nos rodeiam.
Nossos alunos têm visto mais informações científicas nos meios de comu-
nicação: internet, TV, rádio etc. do que na escola.
2. Fazer a reflexão sobre sua prática em sala de aula à luz destes tópicos.
3. Refletir sobre a afirmação retirada do artigo de Carl Sagan1
(1980) que
afirmava: “(...) vivimos en una sociedad profundamente dependiente de
la ciencia y la tecnología y en la que nadie sabe nada de estos temas.
Ello constituye una fórmula segura para el desastre”.
4. Propor aos alunos que, em grupo, discutam e registrem o que entendem
por conhecimento científico e qual a importância desse conhecimento
na sociedade tecnológica.
5. Fazer a síntese das discussões na sala de aula, retomando o artigo como
apoio para a mediação pedagógica.
6. Solicitar que os alunos leiam o artigo: “Ficção científica: utopia ou dis-
topia? Felicidade, angústia e prazer na pós-modernidade”, assinalando
os termos desconhecidos. 1. Série de TV Cosmos
(1980).
150
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
• Solicitar que individualmente consultem os dicionários impressos ou da
web e registrem o significado mais apropriado para o texto, justificando.
7. Analisar com os alunos as seguintes afirmações dos autores no texto
sobre ficção científica (FC):
• A solidariedade espontânea é abandonada e substituída por uma solidão
encontrada na tecnologia eletrônica e no consumismo exacerbado e
individual.
• No mundo real, a noção de futuro, tão cara à FC moderna, parece ter
desaparecido.
• O filme de FC Matrix2
acentua isso, porque combina utopia com distopia,
nossa realidade é apresentada como uma realidade virtual, criada por
um computador, de maneira que nos restringimos a baterias humanas
para a Matriz.
• Maturana acrescenta: “a tragédia dos adolescentes é que começam a viver
um mundo que nega os valores que lhes foram ensinados”3
.
8. Propor que assistam ao filme Matrix e leiam ou assistam o filme sobre o
livro de George Orwell “1984”, façam o registro da problemática abor-
dada em cada um e, em seguida, leiam as considerações dos autores e
verificando se concordam com a opinião dos mesmos.
9. Encerrar a atividade discutindo a questão posta no artigo: “Somos livres?”.
A liberdade “ameaça mais sombria [porém] atormentava o coração dos
filósofos: que as pessoas pudessem simplesmente não querer ser livres e
rejeitassem a perspectiva da libertação pelas dificuldades que o exercício
da liberdade pode acarretar”4
.
TERCEIRA ATIVIDADE
Etnoeducação e Educomunicação
A questão a ser abordada nesta atividade é a discussão sobre Etnoeducação
e a Educomunicação, nas comunidades indígenas da Colômbia, apresentada no
artigo de Martha Lucia Izquierdo Barrera como “aposta na educação intercultural
crie um espaço dinâmico, lúdico, reflexivo e construtivo, que permita articular
uma reflexão particular do local sobre o global, e sobre noções como sociedade,
identidade, cultura, democracia e direitos humanos”.
A atividade tem como público-alvo os alunos de graduação em ciências
humanas e de licenciaturas em geral. Esta organizada na seguinte sequência
didática:
1. Propor a leitura individual do artigo destacando os seguintes conteúdos:
2. Matrix (1999), de
Andy Wachowski e Larry
Wachowski.
3. MATURANA, H. Emo-
ções e linguagem na
educação e na políti-
ca. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2002, p. 33.
4. BAUMAN, Z. Moderni-
dade líquida. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar Editor,
2001, p. 25.
151
Atividades com Comunicação & Educação • Ruth Ribas Itacarambi
• A história da educação indígena na Colômbia e sua forma de organização.
• A criação da licenciatura em Etnoeducação.
• O processo de ensino e aprendizagem e as tensões entre exclusão e in-
clusão, homogeneidade e heterogeneidade, além da distribuição desigual
da riqueza que afeta a permanência na escola.
• O significado de Etnoeducação e Educomunicação.
2. Fazer a síntese no grupo, tendo com referência as perguntas da autora:
Por que criar um curso de Licenciatura em Etnoeducação? Como ob-
ter uma educação inclusiva neste panorama heterogêneo, tão o cheio
de contrastes? Quem são os sujeitos do conhecimento etnoeducativo?
Como organizar o processo de ensino-aprendizagem para os diferentes
grupos apontados?
3. Solicitar que em grupo pesquisem, em artigos nas bibliotecas de sua
instituição e na internet, experiências semelhantes no Brasil, e que es-
crevam um pequeno texto sobre as características delas.
4. Encerrar analisando as propostas do grupo de Etnomatemática, criado
pelo Prof. Ubiratan D’Ambrosio, nos site:
• <http:/www.ppgecm.ufpa.br/pt.wikipedia.org/wiki/Ubiratan_D’Ambrosio>.
• Ubiratan D’Ambrosio – Entrevista – III Congresso Int – YouTube. http://
www.youtube.com/watch?v=wesPNCLCopM
Sobre Etnociências consultar:
• <http://www.uva.br/pdfs/graduacao/ccbs/revistabiologia/05-08/artigos/
populacoes_tradicionais.htm>.
E ainda a entrevista de Paulo Freire e Ubiratan D’Ambrosio no vídeo:
• <www.youtube.com/watch?v=tKkkGY1co7s>.
•	 A publicação é semestral: janeiro/junho; julho/dezembro.
•	 Os artigos têm fluxo contínuo, podendo, portanto, ser recebidos a qualquer momento. A resposta é enviada logo
após a apreciação do Conselho Editorial.
•	 A revista não é temática. A pauta é feita de acordo com o número de colaborações recebidas. Havendo necessidade
de pautar um tema específico, solicita-se a colaboração de um especialista.
•	 Os artigos devem ser originais.
•	 Os títulos devem ser curtos, e a intertitulação é necessária.
•	 Os textos apresentados em congressos, simpósios e seminários são aceitos, com a condição de estarem estruturados
em forma de artigos, serem inéditos e estarem de acordo com as normas de publicação.
•	 Os artigos devem ser encaminhados com a indicação da seção da revista para a qual são mais adequados. Para os
artigos internacionais, os textos podem estar escritos em inglês, espanhol, italiano ou francês (todos serão tradu-
zidos para o português).
•	 Cada artigo deverá ter no máximo 20 mil e no mínimo 14 mil caracteres, com espaço, e apresentar as referências
bibliográficas completas apenas e exclusivamente nas notas de rodapé, listando ao final somente a referência biblio-
gráfica. Quaisquer outros comentários devem estar incorporados ao texto. Os títulos de obras estrangeiras devem vir
acompanhados da tradução em português, colocada entre parênteses.
•	 Os artigos devem trazer resumo e abstract (inseridos no início do texto) com no máximo 10 linhas e 5 palavras-
-chave, em português e inglês, e no caso de artigo em língua estrangeira, na língua original e em português. Devem
ser digitados em times new roman, corpo 12, entrelinhas com espaço 1,5 e seguir as normas da ABNT (no caso de
texto em língua estrangeira, as referências devem estar completas para que sejam reestruturadas pelo editor de
acordo com a ABNT).
•	 Os artigos preferencialmente devem estar impressos e ser enviados pelo correio, acompanhados de arquivos
eletrônicos em CD-ROM. Devem trazer as seguintes informações: título do artigo e nome do autor, além de seus
dados pessoais (incluindo e-mail).
•	 Os trabalhos serão examinados através do sistema blind review, em que os autores não são identificados pelo con-
selho editorial em nenhuma fase da apreciação. Para tanto, em folha à parte, o(s) autor(es) deverá(ão) apresentar
as seguintes informações:
a)	 título do trabalho;
b)	 nome completo;
c)	 titulação acadêmica máxima;
d)	 instituição onde trabalha(m) e a atividade que exerce(m);
e)	 endereço completo para correspondência;
f)	 telefone e e-mail para contato;
g)	 apontar (caso necessário) a origem do trabalho, a vinculação a outros projetos, a obtenção de auxílio para a
realização do projeto e quaisquer outros dados relativos à produção do material.
Ilustrações
•	 As fotografias devem ser nítidas, no tamanho máximo de 9 x 14 cm, e apresentadas em formato digital padrão
JPEG em 300 dpi, ou em papel brilhante, em preto e branco.
•	 As figuras devem ser apresentadas no tamanho máximo de 20 x 30 cm, em formato digital padrão JPEG em 300
dpi, ou em papel, em preto e branco.
•	 Quadros e tabelas devem ser acompanhados de título que permita compreender o significado dos dados reunidos.
Assinalar, no texto, pela ordem, o local de inclusão.
•	 Para reimpressão de fotografias, figuras, quadros e tabelas extraídos de outros textos, deve ser indicada a fonte de
referência e anexada a autorização da fonte e do autor.
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Miolo[1]

  • 1. Comunicação & educação Revista do Departamento de Comunicação e Arte do ECA/USP – Ano XVIII – n. 1 – jan/jun 2013 Comunicação & educação
  • 2. Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Comunicação & Educação / Revista do Departamento de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. – Ano 18, n. 1 (jan – jun. 2013). – São Paulo : CCA/ECA/USP : Paulinas, 2013 - 27 cm Semestral. ISSN 0104-6829 1. Comunicação 2. Educação I. Universidade de São Paulo. Escola de Comunicações e Artes. Departamento de Comunicações e Artes. II. Paulinas. CDD – 21 ed. – 302.2 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Reitor: Prof. Dr. João Grandino Rodas ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES Diretor: Prof. Dr. Mauro Wilton de Sousa Vice‑Diretora: Profa. Dra. Maria Dora Genis Mourão DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÕES E ARTES Chefe: Profa. Dra. Roseli Fígaro Vice-chefe: Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares CONSELHO EDITORIAL Adílson Jose Ruiz (Universidade Estadual de Campinas, Unicamp); Adilson Odair Citelli (Universidade de São Paulo, USP); Alberto Efendy Maldonado de la Torre (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Albino Canelas Rubim (Universidade Federal da Bahia, UFBA); Alice Vieira (Universidade de São Paulo, USP); Antonio Fausto Neto (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Benjamin Abdala Junior (Universidade de São Paulo, USP); Christa Berger (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Clovis de Barros Filho (Universidade de São Paulo, USP/Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM); Cremilda Medina (Universidade de São Paulo, USP); Elza Dias Pacheco (†) (Universidade de São Paulo, USP); Irene Tourinho (Universidade Federal de Goiás, UFG); Ismail Xavier (Universidade de São Paulo, USP); Ismar de Oliveira Soares (Universidade de São Paulo, USP); Jose Luiz Braga (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); José Manuel Morán (Universidade de São Paulo, USP/ Universidade Norte do Paraná, Unopar); José Marques de Melo (Universidade de São Paulo, USP/Universidade Metodista de São Paulo, Umesp); Lindinalva Silva Oliveira Rubim (Universidade Federal da Bahia, UFBA); Marcius Freire (Universidade Estadual de Campinas, Unicamp); Margarida Maria Krohling Kunsch (Universidade de São Paulo, USP); Maria Aparecida Baccega (Universidade de São Paulo, USP/ Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM); Maria Cristina Castilho Costa (Universidade de São Paulo, USP); Maria Cristina Palma Mungioli (Universidade de São Paulo, USP); Maria Immacolata Vassalo de Lopes (Universidade de São Paulo, USP); Maria Louder Motter (†) (Universidade de São Paulo, USP); Maria Thereza Fraga Rocco (Universidade de São Paulo, USP); Marília Franco (Universidade de São Paulo, USP); Mayra Rodrigues Gomes (Universidade de São Paulo, USP); Muniz Sodré Cabral (Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ); Nilda Jacks (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS); Raquel Paiva Araujo Soares (Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ); Renata Pallottini (Universidade de São Paulo, USP); Rosa Maria Dalla Costa (Universidade Federal do Paraná, UFPR); Rosana de Lima Soares (Universidade de São Paulo, USP); Roseli Fígaro (Universidade de São Paulo, USP); Ruth Ribas Itacarambi (Universidade de São Paulo, USP/Faculdades Oswaldo Cruz, FOC); Solange Martins Couceiro (Universidade de São Paulo, USP); Suely Fragoso (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Virgílio B. Noya Pinto (†) (Universidade de São Paulo, USP) CONSELHO DE COLABORADORES INTERNACIONAIS Cristina Baccin (Decana da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nacional do Centro da Prov. de Buenos Aires, Argentina); Geneviève Jacquinot-Daleunay (Université de Paris-VIII e Laboratoire Communication et Politique - CNRS, Paris); Giovanni Bechelloni (Università di Firenze); Guillermo Orozco Gómez (Universidade de Guadalajara, Jalisco, México); Isabel Ferin da Cunha (Universidade de Coimbra); Jesús Martín-Barbero (Universidade de Guadalajara, México); Jorge A. González (LabCOMplex – Universidade Nacional Autónoma de México); José Ignácio Aguaded Gómez (Universidad de Huelva - España); José Martínez de Toda y Terrero (Centro Interdisciplinar de Comunicação Social – Pontifícia Universidade Gregoriana, Itália); Lúcia Villela Kracke (Chicago State University); Luís Busato (Diretor de Comunicação – Universidade de Grenoble, França); Marcial Murciano Martínez (Decano da Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha); Maria Teresa Quiroz Velasco (Universidad de Lima, Peru); Mario Kaplún (†) (Especialista em Comunicação e consultor independente no Uruguai); Milly Buonanno (Università di Firenze); Raul Fuentes (Iteso – Universidade Católica de Guadalajara); Valerio Fuenzalida Fernandez (Pontifícia Universidad Católica de Chile) Comunicação & Educação é uma publicação do Departamento de Comunicações e Artes da ECA-USP. Integrante da Rede Ibero-Americana de Revistas de Comunicação e Cultura. Indexada no PortCOM/Portdata (Brasil), Portal Infoamerica (Espanha) e Rebeca (ECA/USP). CREDENCIAMENTO E APOIO FINANCEIRO DO: PROGRAMA DE APOIO ÀS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS PERIÓDICAS DA USP COMISSÃO DE CREDENCIAMENTO Editores: Adilson Odair Citelli e Maria Cristina Castilho Costa Comissão de publicação: Adilson Odair Citelli; Ismar de Oliveira Soares; Maria Aparecida Baccega; Maria Cristina Palma Mungioli; Maria Immacolata Vassalo de Lopes; Maria Lourdes Motter (†); Roseli Fígaro; Solange M. Couceiro de Lima; Virgílio B. Noya Pinto (†) Editora-executiva: Cláudia Nonato – MTB 21.992 Jornalista responsável: Ismar de Oliveira Soares – MTB 10.104 Assessora editorial: Carolina Boros Estagiário: Adriano Leonel Projeto gráfico – Capa: Telma Custódio Miolo: Midiamix Soluções Editoriais Produção de arte: Jéssica Diniz Souza Tradutores: Denise Monteiro de Lima Demange e Mariane Harumi Murakami (Inglês); e Wilson Alves Bezerra (Espanhol) Coordenação de revisão: Marina Mendonça Revisão: Ana Cecília Mari Produção e distribuição Paulinas Editora Rua Dona Inácia Uchoa, 62 04110-020 – São Paulo – SP Tel.: (11) 2125-3500 http://www.paulinas.org.br e-mail: editora@paulinas.com.br Telemarketing e SAC: 0800-7010081 Pedidos e assinaturas Números avulsos: você adquire a revista na Rede Paulinas de Livrarias. Se preferir, ligue: 0800-7010081 ou acesse: www.paulinas.org.br Assinatura: para receber os próximos números da revista Comunicação & Educação utilize o e-mail: livirtual@paulinas.com.br Como publicar Comunicadores e educadores que desejarem colaborar com a revista Comunicação & Educação devem enviar seus textos (indicando a seção para a qual são destinados) de acordo com os critérios para publicação no final da revista. Endereço para correspondência: Revista Comunicação & Educação (CCA-ECA-USP) Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443 – Ala A – sala 12 Bloco Central – Cidade Universitária 05508-900 – São Paulo – SP – Brasil Telefax: (+5511) 3091-4063 http://www.eca.usp.br/comueduc
  • 3. Editorial Com o primeiro número da revista Comunicação & Educação de 2013, comemoramos dezoito anos de vida. Trata-se de um momento especialmente adequado para lembranças e reminiscências. Foram dezoito anos que começaram com a iniciativa dos professores do Departamento de Comunicações e Artes – CCA – da ECA/USP para produzir, coletivamente, uma revista dirigida, sobretudo, aos educadores, auxiliando-os nas reflexões e ações didático-pedagógicas, tendo em vista os recursos possibilitados pelas Comunicações. Esse modelo foi planejado com diferentes seções, orientadas por preocupações academicamente consistentes, procedimentos de trabalho colaborativo, atualização no afeito aos temas pertinentes aos âmbitos das Ciências da Comunicação e da Educação. Estabeleceram-se parcerias com editoras comerciais que se incumbiram da publicação e circulação da revista. No CCA, sob a liderança da Profa. Dra. Maria Aparecida Baccega, primeira editora da Comunicação & Educação, ocorria a concepção de cada número, assim como o recebimento e análise preliminar dos textos enviados pelos autores, a distribuição aos pareceristas, a revisão, diagramação, encaminhamento e acompanhamento final da edição, e tudo isto em uma pequena sala ocupada pela secretária, editora e editora-executiva. Essas tarefas compreendiam o auxílio de um diligente e competente conselho editorial, com nomes importantes dentro e fora do Brasil. Desde os primeiros números, Comunicação & Educação desenvolve uma trajetória de reconhecimento e plena inserção nas áreas do saber com as quais se vincula e dialoga. Foi credenciada pela Universidade de São Paulo como um dos seus periódicos científicos representativos, fazendo parte, hoje, do Portal de Periódicos da USP. Está qualificada pelo Comitê de Comunicação, assim como por outros comitês, a exemplo de Educação e Letras, da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. E, reiterando os seus propósitos iniciais, mantém viva a interlocução com pesquisadores, professores e alunos dos diferentes níveis do sistema educativo, incluindo o ensino fundamental e a pós-graduação. Trata-se de uma das revistas com maior número de acessos na área de Comunicação, segundo informa pesquisa bibliométrica do grupo EC3 (Evaluación de la Ciencia y de la Comunicación Científica), da Universidade de Granada, Espanha, que, baseada no Google Scholar Metrics (2007-2012), identificou a Comunicação & Educação entre as cem mais referidas no mundo, e a quarta no Brasil, no âmbito das pesquisas em Comunicação. A revista reúne centenas de artigos e entrevistas de nomes importantes dentro e fora do Brasil, nos campos da Comunicação, da Educação e em áreas conexas, constituindo-se em fonte permanente de pesquisa, em manancial bibliográfico refletido em teses, livros e artigos.
  • 4. Além disso, mantém suas atividades dentro do CCA/ECA/USP, sendo produzida por uma equipe editorial, contando com grande número de colaboradores e frutífera parceria, nos últimos oito anos, com a Paulinas Editora. Chegamos, enfim, à maioridade. Acompanhando o desenvolvimento dos meios de comunicação e das tecnologias, as discussões sobre educação e cidadania, alcançamos os dezoito anos com todo o vigor e energia dos jovens adultos. E, nesse aniversário, queremos convidar você, leitor, principal responsável por essa trajetória, para comemorar conosco. Vamos levantar um brinde e celebrar, juntos, outros tantos aniversários da Comunicação & Educação. Evoé! Os Editores
  • 5. Sumário Apresentação / Presentation Educomunicação: quando pesquisa, extensão e ensino se imbricam! / Educommunication: when research, extension and education are interlinked Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares.................................................................................................. 7 Artigos Nacionais / Nacional Articles Digital Storytelling e formação corporativa: possibilidades para a aprendizagem de adultos / Digital Storytelling and corporate training: possibilities in adult education Josias Ricardo Hack, Fernando Ramos e Arnaldo Santos............................................................... 15 Ficção científica: utopia ou distopia? Felicidade, angústia e prazer na pós-modernidade / Science fiction: Utopia or dystopia? Happiness, anguish and pleasure in the post-modernity Carlos Alberto Machado ............................................................................................................. 25 Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico: o caso Watchmen / Comics as educatinal matirial: the Watchman case Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi......................................................................................... 35 Cruzando espaços: proposta de contribuição para a Wikipédia / Crossing spaces: a contribution proposal to Wikipedia Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti.................................................................................... 43 Artigos Internacionais / International Articles Redescobrindo o interesse pelas ciências: a chave para uma sociedade tecnológica / Rediscovering the interest in sciences, keystone of technological society Carlos Busón Buesa.................................................................................................................... 55 Dos paradigmas interculturais à ação educacional autogerida / From intercultural paradigms to self managed educational action Martha Lucia Izquierdo Barrera.................................................................................................. 63 Gestão da Comunicação / Communication Management Cedeca Interlagos: Fotografia e educomunicação para o desenvolvimento humano / Cedeca Interlagos: photografy and educommunication for human development André Bueno.............................................................................................................................. 75 Entrevista / Interview Pais, adolescentes, internet e escola: uma relação delicada / Parents, teenagers, internet an school: a delicate relationship Cláudia Nonato.......................................................................................................................... 87
  • 6. Crítica / Review Rebelde(s): consumo e valores nas telenovelas brasileira e mexicana / Rebelde(s): consumption and values in Brazilian and Maxican telenovelas Maria Aparecida Baccega, Fernanda Elouise Budag e Lucas Máximo Ribeiro.................................. 95 Depoimento / Testimony Circo e sociabilidade em São Paulo / Circus and sociability in São Paulo Walter de Sousa Junior...............................................................................................................105 Experiência / Experience Produção coletiva de webnovelas: um estudo sobre metodologias dialógicas e participativas / Colletive production of web series: a study on dialogical and participatory methodologies Maria Isabel Rodrigues Orofino..................................................................................................111 Poesia / Poetry O poema do mau agouro / The poem of misfortune Adilson Citelli..........................................................................................................................121 Resenhas / Digests Reinventando a educação para reinventar a mídia / Reiventing education to reinvent media Ismar de Oliveira Soares.............................................................................................................125 Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva em países ibero-americanos / Transnacionalization and transmediation of television fiction in Ibero-American countries: some notes Maria Cristina Palma Mungioli e Issaaf Karhawi.......................................................................131 Meia-noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite: o cinema, as artes e a sedução da Modernidade / Midnight in Paris. In Midnight Open Hour: the Cinema, the Arts and the Modernity Seduction Maria Ignês Carlos Magno.........................................................................................................137 Atividades em sala de aula / Activities in the Classroom Atividades com Comunicação & Educação – Ano XIII – n. 1/ Activities with articles of Communication & Education – Year XVIII – n. 1 Ruth Ribas Itacarambi...............................................................................................................145
  • 7. apresentação 7 Educomunicação: quando pesquisa, extensão e ensino se imbricam! Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares Professor titular da ECA/USP, supervisor do Curso a distância "Mídias na Educação", do MEC, no Estado de São Paulo, e coordenador da Licenciatura em Educomunicação da ECA/USP. E-mail: ismarolive@yahoo.com Resumo: O texto faz um breve resumo do percurso percorrido pela prática de edu- comunicação, a começar pela pesquisa e extensão cultural, parte das quais destina- das a estudar ações geradas em programas de extensão universitária, passando pelo ensino regular e formal, com a criação dos cursos de graduação e especialização, até a sua difusão com a revista Comunicação & Educação. Palavras-chave: Educomunicação; pesqui- sa; extensão cultural; prática acadêmica; difusão acadêmica. Abstract: The paper outlines a sum- mary of the journey of educommunica- tion practice, starting with the research and cultural extension, some of them aimed at studying actions developed in university extension programs, passing by regular and formal education, with the undergraduate and specialization courses, and finally, with the Communication & Education journal. Keywords: Educommunication; research; cultural extension; academic practice; academic diffuse. Costuma-se afirmar que a relevância de uma universidade pode ser medida pela articulação que souber promover entre as três áreas constitutivas de sua missão: pesquisa (o avanço do conhecimento mediante a investigação metódica e inédita), ensino regular e formal (a formação profissional dos alunos para atender as demandas por trabalhadores qualificados) e difusão (a socialização do saber junto à sociedade, para criar referenciais para a condução das práticas sociais e laborais). Em geral, estanques ou fechados em si mesmos, estes três setores da prática acadêmica comportam-se, em alguns casos, como trilhas de um mesmo caminho, ou braços de um mesmo delta que, percorridos ou navegados por um pensa- mento transdisciplinar, garantem visibilidade, legitimação e reconhecimento a determinadas áreas da prática social. Foi o que ocorreu com a educomunicação1 . Presente no cenário das lutas sociais latino-americanas, ao longo do século XX, a prática ganha identidade no embate entre a pesquisa e a extensão cultural, facilitando e dando coe- rência à aplicação dos resultados da investigação na solução de problemas 1. Sobre o conceito, ver Ismar de Oliveira Soares. Gestão comunicativa e educação: caminhos da educomunicação. Comu- nicação & Educação, São Paulo, Ano VIII, n. 23, p. 16-25, jan./abr. 2002.
  • 8. 8 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 contemporâneos. As intervenções – próprias da extensão – propõem novos problemas que, pesquisados, fazem avançar os conceitos originais, mediante especificações que agregam, modulam e fazem crescer2 . Como a fazer girar o ciclo de mútuas interferências, as pesquisas em torno do conceito da educomunicação (parte das quais destinadas a estudar ações geradas em programas de extensão universitária) chegam – 13 anos após a divulgação da pesquisa fundante – ao expressivo número de 97 teses e dissertações. É o que registra o banco de teses da CAPES, no último mês de 2012. Deste total, 41 pesquisas foram produzidas na USP, sendo que 37 delas no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação, da ECA/USP. UM NAMORO COM O EDUCOM! Uma das pesquisas desenvolvidas no espaço da USP pertence ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da USP, campus de Ribeirão Preto. Trata-se da dissertação de mestrado de Helenita Sommerhalder Miike, defendida em 2008 com o título: “Oficina de TV, uma prática educomunicativa: estudo de caso de uma criança abrigada”3 . O projeto investigativo buscou compreender que possibilidades de ganhos psicossociais e educativos a realização de práticas educomunicativas poderia trazer para crianças em situação de risco social. Para tanto, tomou como estudo de caso a realidade de uma menina de onze anos que vivia em um abrigo de uma cidade de porte médio, no interior de São Paulo. A pesquisa procurou identificar mudanças na condição de desenvolvimento desta criança, expressas no seu contexto de vida cotidiana, e que poderiam ser consideradas como possivelmente decorrentes da sua participação no projeto. Miike adotou como suporte teórico-metodológico dois gêneros distintos de referenciais: um primeiro, no âmbito da educomunicação, tendo como referência as conclusões do trabalho do Núcleo de Comunicação e Educação da USP, rea- lizado, entre 1997 e 1999, junto a especialistas em Comunicação/Educação de 12 países da América Latina; um segundo, na perspectiva da psicologia social, fazendo uso dos estudos em torno das redes de significações. As oficinas de vídeo, oferecidas a um grupo de crianças abrigadas, entre as quais a menina em observação, foram realizadas em 30 encontros, num total de 60 horas, seguindo alguns procedimentos como o “aprender fazendo” e a identificação de conceitos teóricos a partir do contato direto dos participantes com os equipamentos e a linguagem próprios da televisão. O educador e o técnico do abrigo responsável pelo caso, assim como os professores e a mãe da adolescente, foram ouvidos antes da realização e após a implantação dos instrumentos, visando fazer um levantamento das histórias de vida e uma des- crição das crianças nos momentos específicos. 2. Patrícia Horta Alves, em sua tese doutoral intitula- da “O Projeto Educom.rá- dio como política pública” (ECA/USP, 2007), trabalha a relação entre pesquisa e extensão cultural como ação própria do âmbito das políticas públicas. 3. MIIKE, H. S. Oficina de TV, uma proposta educomunicativa: estudo de caso de uma criança abrigada. (Dissertação de Mestrado). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 2008.
  • 9. 9 Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares A descrição inicial da criança em observação foi muito semelhante à exis- tente na literatura sobre a população infantil abrigada, especialmente no que se refere à autoimagem negativa e ao desempenho escolar ruim. Pois bem, após a participação da menina nas oficinas, o exame de seu retrato presente nos depoimentos dessas pessoas apontou para a existência de efetivas e súbitas mudanças, sempre em sentido positivo. A autora compreen- deu que essas diferenças possivelmente foram motivadas pela combinação da maneira com que dialogicamente se estabeleceram interações entre ela e as pessoas com quem conviveu no período do projeto, os papéis atribuídos a ela e a forma como ela os assumiu. Na conclusão do trabalho, a autora constatou, ainda, que o projeto per- mitiu visualizar o uso da linguagem audiovisual (câmera de vídeo) como um dispositivo de desenvolvimento humano capaz de potencializar a experiência de vida das crianças, ao quebrar a relação mítica com o objeto TV e auxiliar a percepção de recursos próprios, especialmente para crianças que ainda não dominam a leitura e a escrita. A dissertação defendida em Ribeirão Preto revelou o que dezenas de ou- tras, voltadas para a análise dos procedimentos educomunicativos, acabaram confirmando. Referimo-nos a pesquisas realizadas a partir de amostragens dis- tintas, algumas constituídas por pequenos grupos (como, por exemplo, a tese doutoral sobre a ação educomunicativa na prática das ONGs, em diferentes regiões do Brasil, de autoria de Genésio Zeferino Silva Filho, de 20044 , e outras, abrangendo contingentes maiores de estudantes vinculados a complexas redes de ensino, como a dissertação de Renato Tavares, de 2007, sobre a produção midiática de professores e alunos de 455 escolas de São Paulo5 ). Em todos os casos, revelou-se que a educomunicação traz como vantagem a imediata manifestação da autoestima das pessoas envolvidas, sejam estas profissionais comprometidos com os projetos na área ou mesmo as crianças e jovens em sua busca por um lugar no mundo. Com a autoestima, vêm a disposição para o estudo, a motivação para aprender, o compromisso com a solidariedade, facilmente traduzidos em ações transformadoras, em nível pes- soal, grupal, comunitário. O trabalho de extensão realizado, por exemplo, a partir de 2006, pelo NCE/USP junto à FUNDHAS – Fundação Helio Augusto de Souza, órgão da Prefeitura de São José dos Campos responsável por atender, no contraturno escolar, a um público de 8 mil pessoas, entre crianças e jovens de 8 a 18 anos. Esse trabalho garantiu a criação, na maior cidade do Vale do Paraíba, de um Centro de Referência em Educomunicação e Educação Ambiental que, com autonomia, garante, no presente, a formação continuada de educadores e es- tudantes não apenas da própria fundação, mas, com o mesmo empenho, de professores e alunos da rede municipal de ensino. No caso específico da experiência da FUNDHAS, a adesão ao conceito por parte dos beneficiados ficou registrada no “slogan” do banner inteira- mente desenhado por seus estudantes, por ocasião do 5o Encontro de Jovens 4. SILVA FILHO, Genésio Zeferino. Educomunica- ção e sua metodologia: um estudo a partir de ONGs no Brasil. (Tese de Doutorado). São Paulo, ECA/USP, 2004. 5. TAVARES JUNIOR, Re- nato. Educomunicação e expressão comunicativa: a produção radiofônica de crianças e jovens no projeto educom.rádio. Dissertação de Mestra- do. São Paulo, ECA/USP, 2007.
  • 10. 10 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Educomunicadores, ocorrido em 2008, com os dizeres: “Um namoro com o Educom”. Não há quem desconheça a força da palavra “namoro” no contexto das descobertas que fazem os adolescentes sobre a vida e seus relacionamentos, em busca da construção de suas identidades. DA ESPECIALIZAÇÃO À GRADUAÇÃO Outro dado revelador da imbricação entre pesquisa e extensão cultural no tratamento do tema da educomunicação vem sendo revelado pela produção acadêmica dos alunos dos cursos de especialização da própria ECA/USP. A título de exemplo, o levantamento junto à produção dos trabalhos conclusivos da Especialização em Gestão da Comunicação informa que, entre 1997 e 2010, aproximadamente 20% dos 500 trabalhos conclusivos voltaram-se para o tema da relação entre comunicação e educação. Uma segunda experiência de especialização, intitulada “Mídias na educa- ção”, oferecida, no território do Estado de São Paulo, desde 2006, pelo NCE/ USP, mediante uma parceria com o MEC e a UFPE, levou à produção de um total de 483 pesquisas voltadas explicitamente para a comunicação e o uso de mídias na prática educativa. (Importante: todas estas pesquisas foram realiza- das por professores das redes públicas estaduais e municipais, contando com a orientação de uma equipe de mais de 75 especialistas na área, formados pelo próprio núcleo.) É surpreendente observar, por outro lado, que a produção de referenciais sobre a educomunicação não tem sido obra exclusiva da academia. O trabalho de difusão cultural de diferentes centros e organizações não governamentais tem levado o conceito da educomunicação para ambientes que vão além das fronteiras geográficas de suas respectivas atuações. Caso paradigmático foi a produção, por parte da Rede CEP – Comunicação, Educação e Participação, do manual que dá suporte ao macrocampo sobre Comunicação e Uso de Mí- dias, do programa Mais Educação do MEC, tendo a Educomunicação como referência. O material, elaborado entre em 2007 e 2008, continua disponível, ainda hoje, para mais de 5 mil escolas matriculadas no programa, em todo o país, atendendo a mais de 900 mil alunos. De seu lado, como é sabido, a Revista Comunicação & Educação que, com o mesmo empenho, trabalha com a teoria e a prática, ao acompanhar e refletir o que ocorre no Brasil na interface comunicação/educação, vem se apresentando como um dos principais espaços de consolidação dos novos referenciais que nascem das possíveis conexões entre pesquisa e extensão cultural. Tais fatos, pelas evidências reveladas, levou a Universidade de São Paulo a criar, em novembro de 2009, no espaço do Departamento Comunicações e Artes da ECA, uma licenciatura voltada especificamente ao tema da educo- municação. Completava-se o ciclo de embricamento entre pesquisa, extensão cultural e graduação.
  • 11. 11 Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares ARTIGOS NACIONAIS A seção de artigos de autores nacionais traz quadro-textos relacionados ao tema dos procedimentos pedagógicos, circunstanciados em ambientes diferentes e para distintos propósitos. O primeiro, de Josias Ricardo Hack, Fernando Ra- mos e Arnaldo Santos, foca o estudo da linguagem, na busca de uma didática extraescolar possibilitada pelo emprego da metodologia do Digital Storytelling, aplicada como estratégia de aprendizagem no contexto de capacitação corporati- va. O segundo, de Carlos Alberto Machado, faz uma leitura de cunho didático- -filosófico sobre a literatura vigente, preocupando-se com o vício tecnológico e a desnaturalização da sociedade, testemunhados na ficção científica. Para tanto, faz um estudo sobre a angústia, a felicidade e liberdade no contexto da pós-modernidade, e sobre sua presença nos romances contemporâneos, em que o tema da sobrevivência individual se sobrepõe aos de interesse social. No terceiro artigo, de Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi, o assunto é a proficiência no entendimento de mensagens, verificada a partir do estudo dos códigos escritos e visuais possibilitados pelas histórias em quadrinhos. No caso, é analisada a obra Watchmen, do roteirista britânico Alan Moore. Finalmente, Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti voltam-se para a didática do ensino do jornalismo, relatando a experiência de adoção de sítio wiki em sala de aula. Em extensão a essa prática, o artigo apresenta os primeiros passos em direção ao aproveitamento dos trabalhos dos alunos com o intuito de complementar tópicos ou de criar temas relevantes na Wikipédia. ARTIGOS INTERNACIONAIS Os artigos internacionais nos reportam à Espanha e à Colômbia. Têm em comum a preocupação com o sujeito do processo educativo, quer no contexto da sociedade tecnológico-industrial, quer no contexto da sociedade tradicional- -indígena. Carlos Busón Buesa, com larga trajetória na UNED – Universidade Nacional de Educação a Distância, de Madri, aborda o problema dos efeitos motivacionais sobre os processos de aprendizagem em torno de conteúdos cien- tíficos, exercidos pela maneira como os assuntos dessa natureza são tratados pelo sistema educacional. “Apesar de vivermos em tempos de tecnologias da informação, os alunos contemporâneos mostram uma tendência em se afastar destas questões”, afirma o autor, para quem “é preciso adotar novas formas de aprender a aprender.” O segundo texto, de Martha Lucia Izquierdo Barrera, coordenadora da Licenciatura em Etnoeducação e Desenvolvimento Comunitário, da Universi- dade Tecnólogica de Pereira, na Colômbia, traz para os leitores da revista o paper apresentado durante o IV Encontro Brasileiro de Educomunicação (São Paulo, outubro de 2012), tendo como título “De los paradigmas interculturales a la acción educativa autogestionaria”. O artigo permite ao leitor conhecer uma experiência inovadora de formação de membros de comunidades indígenas por
  • 12. 12 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 parte de uma instituição de ensino superior, mediante o emprego dos pressu- postos da educomunicação, que é o diálogo intercultural. GESTÃO DA COMUNICAÇÃO Em seu relato de gestão da comunicação em espaço educativo, André Bueno nos traz a experiência do Ponto de Cultura “Centro de Defesa da Criança e Adolescente – CEDECA Interlagos”. O artigo descreve especificamente como são oferecidas as oficinas de fotografia, analisando entrevistas com os participan- tes, colhidas entre 2007 e 2012. Em sua conclusão, o texto possibilita entender como a fotografia e a Educomunicação podem se associar a projetos voltados para o desenvolvimento humano. ENTREVISTA As recentes pesquisas intituladas, respectivamente, “TIC Educação 2001” (sobre o uso das tecnologias da informação e comunicação nas escolas brasi- leiras) e “TIC Kids Online Brasil, 2012” (sobre o consumo de internet entre adolescentes de 9 a 16 anos), desenvolvidas pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br), órgão que perten- ce ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), são objetos da entrevista da presente edição. Tatiana Jereissati e Juliano Cappi disponibilizam os dados e comentam os resultados, afirmando que a partir deste serviço torna-se mais fácil às autori- dades e aos responsáveis pelos processos de educação definir políticas públicas mais adequadas no que diz respeito tanto às oportunidades quantos aos riscos relacionados ao uso da internet em nosso país. Informam também os entrevis- tados que com esse tipo de coleta e processamento de dados o CGI coloca-se em sintonia com procedimentos semelhantes, em andamento na comunidade europeia. CRÍTICA Maria Aparecida Baccega, Fernanda Elouise Budag e Lucas Máximo Ribei- ro apresentam um estudo comparado da recepção de dois produtos midiáticos afins, exibidos em dois países latino-americanos: Rebelde (veiculado no Brasil, entre 2006-2007) e Rebeldes (veiculado no México, entre 2011-2012). A intenção do relato é permitir identificar conexões sobre questões relacionadas a consumo presentes nas pautas centrais de ambas as telenovelas, bem como os valores prezados por seus respectivos sujeitos receptores.
  • 13. 13 Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares DEPOIMENTO A seção traz o depoimento de Janete Souza Oliveira, uma “quase socióloga” que abandonou o curso da Escola Livre de Sociologia e Política para morar na África, onde passou oito anos de sua vida. Janete havia crescido ouvindo dos pais – a doméstica dona Gersina e o motorista Joaquim Adão – histórias do Circo Piolin, instalado, desde 1943, na Praça Marechal Deodoro, na região central da cidade de São Paulo. O depoimento permite ao leitor descobrir a importância do circo e das comédias na vida social das classes menos privile- giadas da pauliceia, nos meados do século XX. EXPERIÊNCIA A presente edição da revista Comunicação & Educação disponibiliza para o leitor uma experiência que a autora – Maria Isabel Rodrigues Orofino – iden- tifica como pertencente à esfera teórico-metodológica da “mídia-educação”. Trata-se da produção e veiculação, no Youtube, de 5 webnovelas realizadas por crianças de classe popular moradoras de uma comunidade na periferia urbana da cidade de São Paulo. Com o relato, que envolve 30 crianças da EMEF Caíra Atayde Alvarenga Midéia, fica demonstrado que a utilização das tecnologias da informação numa perspectiva colaborativa contribui decididamente para mudar o ecossistema comunicativo inerente ao espaço educativo tradicional. RESENHAS A seção destaca três lançamentos próximos ao universo da Educomunicação, a saber: Educomunicação: imagens do professor na mídia, coordenado por Adilson Citelli; Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes, de Muniz Sodré, e, por último, Idade mídia, de Alexandre Sayad. Privilegia também a história da arte cinematográfica, com um comentário sobre o livro de Maria Inês Carlos Magno em torno do filme Meia-noite em Paris, de 2011, abordando o movimento artístico do início do século XX. Finalmente, a seção apresenta os principais apontamentos do Anuário Obi- tel 2012, com o texto intitulado “Transnacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos”, num trabalho de coautoria entre Cristina Mungioli e Issaaf Karhawi. POESIA A revista oferece aos seus leitores o texto completo de “O corvo” (“The Raven”), de Edgard Allan Poe. Considerado um dos mais importantes poemas de todos os tempos, nele é representada a misteriosa figura de um corvo, que encarna o inevitável caráter da morte. O texto, contudo, expande outras área
  • 14. 14 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 de significação, promovendo diálogos com a tradição do ultrarromantismo e do sofrimento com a perda da mulher amada. A tradução é do poeta português Fernando Pessoa. ATIVIDADES EM SALA DE AULA Como ocorre em todas as edições, a última parte da revista é dedicada às propostas de tratamento dos temas das revistas nos espaços de sala de aula, mediante o desenvolvimento de projetos pedagógicos. Responde pela seção a educadora e jornalista Ruth Ribas Itacarambi Leão.
  • 15. artigosnacionais 15 Digital Storytelling e formação corporativa: possibilidades para a aprendizagem de adultos Josias Ricardo Hack Professor adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: professor.hack@hotmail.com Fernando Ramos Professor catedrático da Universidade de Aveiro (Portugal). Arnaldo Santos Engenheiro da direção de inovação exploratória da Portugal Telecom Inovação Portugal. Resumo: Neste artigo, discutimos o uso de estratégias de aprendizagem colaborativa baseadas em tecnologias audiovisuais digitais num contexto de capacitação corporativa. O texto tem início com uma revisão concisa sobre os fundamentos teóricos e técnicos da comunicação educativa, por meio do uso de produtos audiovisuais. Em seguida, explicitamos como o uso de histórias pessoais digitais pode contribuir com os processos de aprendizagem colaborativa em treinamentos corporativos, oferecen- do meios para a entrega rápida de ma- teriais contextualizados que permitam a partilha de experiências entre formandos e formadores. Por fim, concluímos que o uso de histórias pessoais digitais pode ser uma oportunidade para se incremen- tar interações múltiplas no processo de construção do conhecimento corporativo. Palavras-chave: Digital Storytelling; tec- nologias digitais; Comunicação; capaci- tação corporativa. Abstract: In this paper we discuss the use of collaborative learning strategies based on Digital Storytelling in corpora- tive training. The text includes a concise review on theoretical and technical basis about educational communication through the use of audiovisual prod- ucts. The paper will also argue that digital storytelling may contribute to the improvement of the effectiveness of collaborative learning processes in cor- porative training, providing swift delivery of highly contextualized learning materi- als, which allows the sharing of relevant personal experiences between trainers and trainees. Furthermore, we conclude that Digital Storytelling provides an op- portunity to value, respect and promote the multiple and different cultural and social interactions in the corporative knowledge construction process. Keywords: Digital Storytelling; Digital technologies; Communication; Corpora- tive training. Recebido: 28/04/2012 Aprovado: 18/06/2012
  • 16. 16 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 INTRODUÇÃO O ato de contar histórias está intimamente associado ao senso de identi- dade dos povos,1 constituindo-se ainda em um dos componentes fundamentais da memória humana e em fundamento de vários eventos mentais básicos2 . Vygotsky3 afirmou que, para entender e representar sua experiência no mundo, as pessoas fazem uso de linguagens compostas por signos, que acabam por for- mar a base da cultura humana. O autor destaca, inclusive, que as ferramentas que construímos para mediar essas atividades simbólicas mudam a maneira pela qual os seres humanos pensam. Em outras palavras, através da constru- ção de ferramentas, as pessoas constroem a base material para a consciência, transformando os ambientes e reestruturando os sistemas funcionais em que atuam e aprendem. Ao fazer isso, lançam-se trajetórias de desenvolvimento do pensamento e da ação que repercutem amplamente, abrangendo as dimensões individual e coletiva, material e semiótica. O processo descrito anteriormente é o que pode ocorrer, em nossa in- terpretação, com a introdução do Digital Storytelling (doravante denominado DS) no cotidiano – já que seu ponto de partida é a vivência individual, sendo seu principal objetivo propiciar um espaço de enunciação e narrativa sobre as próprias vivências, provocando reflexões a respeito das conquistas e das derrotas que cada indivíduo experimentou em sua caminhada. Dentro das atividades de DS, os participantes gravam pequenas narrativas de vida em primeira pessoa, ilustradas com fotos, imagens, gravuras e músicas significativas para si. Por meio da socialização da história digital produzida individualmente, podem ter início trajetórias coletivas e colaborativas de desenvolvimento do pensamento e da ação. No que tange ao uso do recurso de DS em contextos de ensino e apren- dizagem, Jonassen e Hernandez-Serrano4 sugerem três maneiras de apoio ao processo de construção do conhecimento com o uso de histórias digitais. Elas podem exemplificar determinados conceitos ou princípios ensinados por instru- ção direta; podem servir como casos ou problemas a serem investigados pelos alunos; ou, numa terceira hipótese, podem possibilitar o acesso dos alunos a informações que os ajudarão a resolver problemas. Vale lembrar que, segundo Vygotsky5 , a interação social é imprescindível para a aprendizagem e o desen- volvimento do ser humano, pois as pessoas adquirem novos saberes a partir das várias relações com o ambiente que as cerca. Na concepção sócio-histórica6 , a mediação é primordial na construção do conhecimento – ocorrendo, dentre outras formas, pela linguagem. A singulari- dade do indivíduo enquanto sujeito sócio-histórico se constitui em suas relações na sociedade, enquanto o modo de pensar ou agir das pessoas depende de interações sociais e culturais com o ambiente. Isto quer dizer que um grande contador de histórias pode evocar uma ligação emocional com seus ouvintes, contribuindo com o processo de construção do conhecimento. Para Frazel7 , a ligação pessoal entre o público e o contador de histórias é emocionalmente carregada de contato visual, linguagem corporal e narração. 1. VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e lingua- gem. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 38. 2. SCHANK, Roger C. Lessons in learning, e-learning, and train- ing: Perspectives and guidance for the enlight- ened trainer [Lições em aprendizagem, e-learning e treinamento: perspec- tivas e orientação para o educador esclarecido]. San Francisco: Pfeiffer, 2005, p. 57. 3. VYGOTSKY, Lev S. Pen- samento e linguagem, cit., p. 38. 4. JONASSEN, David. H.; HERNANDEZ-SERRANO, Julien. Case-based rea- soning and instructional design using stories to support problem solving [Raciocínio baseado em casos e design instrucio- nal usando histórias para apoiar a resolução de problemas]. Educational Technology Research and Development, 50, n. 2, p. 7-8, 2002. 5. VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e lingua- gem, cit., p. 46. 6. VYGOTSKY, Lev S. et al. Linguagem, desenvolvi- mento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988, p. 117-118. 7. FRAZEL, Midge. Digi- tal Storytelling: guide for educators [Digital Storytelling: guia para educadores]. Washington, DC: ISTE, 2010, p. 36-37.
  • 17. 17 DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos Segundo a autora, conectar-se com uma plateia e trazê-la para dentro da his- tória pode ser uma experiência profundamente gratificante para estudantes e professores. Em suma, como vimos nessas breves linhas introdutórias e como também apontou Barret8 , a narração com tecnologias digitais facilita a convergência de estratégias diferenciadas de aprendizagem e, se bem equacionada, poderá promover: • o envolvimento dos aprendizes; • a reflexão para o aprendizado profundo; • a aprendizagem baseada em projetos; • a integração efetiva da tecnologia na instrução. No entanto, apesar deste potencial, o DS é aparentemente subutilizado em contextos de aprendizagem de adultos em formação corporativa. APRENDIZAGEM DE ADULTOS Vygostsky9 enunciou que, quando uma pessoa ata um nó em um lenço para ajudá-la a se lembrar de algo, está, essencialmente, concluindo o processo de memorização. Em outras palavras, ela transforma o processo de lembran- ça numa atividade externa. Para o autor, a verdadeira essência da memória humana está no fato de os seres humanos serem capazes de se lembrar de algo, ativamente, com a ajuda de signos. Poder-se-ia dizer que a característica básica do comportamento humano, em geral, é que as pessoas influenciam sua própria relação com o ambiente, bem como modificam seu comportamento através desse ambiente. Na concepção de Vygotsky10 , a interação social é uma peça essencial no processo de aprendizagem e no desenvolvimento do ser humano, já que as pessoas adquirem novos saberes a partir de suas várias relações sociais. No entanto, ainda é preciso aprofundar a compreensão de como se processa a construção desse conhecimento. Segundo Knowles11 , tradicionalmente nós sabemos mais sobre como os animais aprendem do que sobre como as crianças aprendem, bem como sa- bemos muito mais sobre como as crianças aprendem do que sobre como os adultos aprendem. Para o autor, tal cenário se configurou assim, possivelmente, devido ao fato de o estudo da aprendizagem ter sido assumido, inicialmente, por psicólogos experimentais cujos cânones exigiam o controle de variáveis. Além disso, é com- provado que as condições em que os animais aprendem são mais controláveis do que aquelas sob as quais as crianças aprendem. Também as condições em que as crianças aprendem, por sua vez, são muito mais controláveis do que aquelas sob as quais os adultos aprendem. Em síntese, o fato é que muitas das teorias da aprendizagem derivam do estudo da aprendizagem de animais e crianças. 8. BARRETT, Helen. Re- searching and evaluating Digital Storytelling as a deep learning tool [Pes- quisando e avaliando o Digital Storytelling como uma vasta ferramenta de aprendizagem]. In C. Crawford, et al. (ed.). Pro- ceedings of Society for Information Technology and Teacher Education International [Anais da Sociedade para Tecno- logia da Informação e do Ensino de Educação Internacional]. Chesape- ake: AACE, 2006, p. 648. 9. VYGOTSKY, Lev S. et al. Linguagem, desenvolvi- mento e aprendizagem, cit., p. 68. 10. Ibid., p. 70. 11. KNOWLES, Malcolm S.; HOLTON, Elwood F.; SWANSON, Richard A. The adult learner: the definitive classic in Adult Education and Human Resource Development [O aluno adulto: o clássico definitivo em Educação de Adultos e o Desen- volvimento de Recur- sos Humanos]. Woburn: Butterworth-Heinemann, 1998, p. 18.
  • 18. 18 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Knowles12 ainda nos lembra de que alguns dos grandes mestres dos tem- pos antigos – Confúcio e Lao Tse, na China; Jesus e os profetas hebreus, nos textos bíblicos; Aristóteles, Sócrates e Platão, na antiga Grécia; e Cícero, Evelid e Quintiliano, na Roma antiga – foram todos professores de adultos, não de crianças. Dessa forma, a partir de suas experiências com os adultos, desenvol- veram um conceito muito específico de ensino e aprendizagem, considerando- -os como um processo de investigação mental e não como recepção passiva de conteúdos difundidos. As técnicas desenvolvidas por eles, portanto, são voltadas a envolver os alunos no processo de investigação. Os antigos chineses e hebreus inventaram o que hoje chamamos de método do caso, em que o líder ou um dos membros do grupo descreve uma situação – muitas vezes na forma de uma parábola – e, juntamente com o grupo, explora suas características e possíveis resoluções. Os gregos, por sua vez, inventaram o que hoje chamamos diálogo socrático, em que o líder ou um membro do gru- po coloca uma questão ou dilema para que se possa buscar uma resposta ou solução. Já os romanos usaram técnicas de confrontação: propunham desafios aos membros do grupo, que eram forçados a pensar em suas posições para defendê-las. O modelo andragógico (para aprendizagem de adultos), proposto por Kno- wles13 , também é baseado em suposições diferentes das do modelo pedagógico (para aprendizagem de crianças). Segundo o autor, os adultos precisam saber por que é necessário aprender algo antes de iniciar a aprendizagem. Quando os adultos se comprometem a aprender algo por conta própria, investem conside- rável energia na sondagem dos benefícios que irão obter com a aprendizagem e das consequências negativas de não aprender. Sendo assim, a primeira tarefa do facilitador é a de ajudar o aluno a tomar consciência da necessidade de saber. Uma boa estratégia para aumentar o nível dessa consciência é o uso de experiências reais ou simuladas em que os alunos descobrem, por si mesmos, as diferenças entre o estágio em que estão agora e aquele onde querem chegar. Frisamos que, embora eles saibam aonde querem chegar, a presença de um mediador é de extrema importância, podendo ser esse mediador o contador de histórias. Para Knowles, os adultos se motivam a aprender quando percebem que o novo conhecimento os ajudará a lidar eficazmente com situações enfrentadas em seu cotidiano. Além disso, aprendem novos conhecimentos, habilidades, valores e atitudes de forma mais eficaz quando tais questões são apresentadas de modo contextualizado. O autor explica, ainda, que mesmo que alguns adultos sejam sensíveis a motivadores externos de aprendizagem (possibilidade de conseguir um novo emprego, promoções, salários mais elevados e assim por diante), os motivadores mais potentes são pressões internas (o desejo de maior satisfação no trabalho, autoestima, qualidade de vida). Em suma, o processo de aprendizagem do adulto, defendido por Knowles14 , se fundamenta nos seguintes aspectos: 12. Ibid., p. 35-36. 13. Ibid., p. 62-69. 14. Ibid., p. 40.
  • 19. 19 DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos • Os adultos são motivados a aprender coisas que satisfaçam necessidades e interesses imediatos. Portanto, estes são os pontos de partida adequados à organização de atividades de aprendizagem de adultos. • A orientação dos adultos para a aprendizagem é centrada na vida cotidia- na. Dessa forma, as unidades apropriadas para organizar a aprendizagem de adultos são situações da vida, não temas. • A experiência é o mais rico recurso para a aprendizagem dos adultos. Por isso, a metodologia central da educação de adultos deve ser a análise de experiências. • Os adultos têm uma profunda necessidade de se autodirigir. Portanto, o papel do professor é engajar-se em um processo de investigação mútua com seus alunos, ao invés de transmitir seu conhecimento a eles e, em seguida, avaliar sua conformidade. • As diferenças individuais entre as pessoas aumentam com a idade. Dessa forma, a educação de adultos deve prever diferenças de estilo, tempo, lugar e ritmo de aprendizagem. Como veremos na próxima seção, a utilização de histórias digitais em processos de formação de adultos pode oferecer uma oportunidade para a promoção de interações múltiplas (colaborações) no processo de construção do conhecimento – uma vez que, através de histórias pessoais, os formadores e formandos discutirão assuntos centrados em suas próprias experiências que satisfaçam suas necessidades e interesses imediatos. O DS NO CONTEXTO CORPORATIVO A pesquisa qualitativa que originou o presente artigo analisou casos bra- sileiros e portugueses sobre o uso do DS em contexto corporativo. Ao todo, foram sondados 111 artigos acadêmicos e 9 livros abordando a temática DS em algum âmbito. Os artigos internacionais foram obtidos nas bases eletrônicas de dados SciVerse Scopus (banco de dados pertencente à Elsevier) e B-on (Biblioteca do Conhecimento On-line das instituições de investigação e de ensino supe- rior em Portugal). O corte temporal da análise teve a seguinte definição: a) artigos publicados em 2008, 2009, 2010 e primeiro semestre de 2011; b) livros publicados nos últimos 10 anos. Durante o estudo bibliográfico, percebemos que o ato de contar histórias com tecnologias digitais tem sido largamente explorado por publicitários para alavancar um produto ou empresa. Em alguns casos, o DS é utilizado para provocar no consumidor a identificação com o narrador ou com um dos per- sonagens da história. Já em outras experiências, as corporações dão suporte, inclusive, à criação de comunidades de consumidores em redes sociais. Também
  • 20. 20 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 foi possível encontrar relatos de uso do DS para a motivação de equipes, prin- cipalmente de vendas. No que tange ao uso de narrativas digitais em contextos de capacitação corporativa, Savvidou (2010) destaca a importância do conceito de “diálogo” na narrativa. Segundo a autora, embora seja dada pouca atenção ao conceito de narrativa como um diálogo em contextos educacionais, esta é uma rica frente de investigação no âmbito da pesquisa organizacional e comunicacional. Nesta área, o ato de contar histórias é representado como uma prática social compar- tilhada, através da qual o conhecimento explícito e tácito pode ser transmitido e as identidades adquiridas. O conceito de narrativa que Savvidou15 apresenta em seu texto está anco- rado em teorias de comunicação verbal e na ideia de que contar histórias é, inerentemente, um ato dialógico – de modo que, sempre que uma história é contada, provoca uma resposta. Em outras palavras, as histórias que contamos são moldadas pelas respostas reais ou potenciais dos interlocutores. Essa ideia representa uma visão de narrativa como forma de diálogo, desafiando a noção de história como construção individual. Savvidou16 salienta que, se observarmos as interações sociais cotidianas, verificaremos que o ato de contar histórias pessoais não é apresentado como monólogo, mas sim como parte de um evento interacional, uma conversa na qual histórias são mutuamente construídas pelos participantes. Neste processo, inclusive os papéis de contador da história e destinatário são intercambiáveis. Para a autora, dentro do campo da pesquisa organizacional e comunica- cional, os estudos incluem frequentemente as histórias de pessoas cujas vozes raramente são ouvidas, ou que desafiam as normas vigentes e as estruturas organizacionais. Em toda corporação, podem-se ouvir histórias que permeiam sua existên- cia e solidificam comportamentos específicos de seus colaboradores. Em nossa interpretação, tais histórias podem ser contadas no formato digital e utilizadas favoravelmente em contextos de formação corporativa para: a) comunicar a missão, os objetivos e as políticas corporativas; b) mobilizar e fomentar o espí- rito de equipe; c) envolver as pessoas em determinadas ações estratégicas; d) proporcionar a estruturação e divulgação da memória corporativa; e) fortalecer valores e traços característicos da corporação; e f) outras possibilidades que o próprio leitor poderá enumerar. Apesar de nossos estudos identificarem o uso de DS em organizações no Brasil e em Portugal, a investigação não encontrou nenhum relato que explici- tasse a utilização da narratividade digital em contexto de ensino e aprendiza- gem corporativos. Entretanto, ficou patente em nossas leituras a importância de se realizar uma reflexão ampla sobre os conteúdos a serem transformados em roteiros de DS, bem como a necessidade de se pensar em estratégias au- diovisuais que desencadeiem percepções semelhantes às de origem natural, ao se centrarem em desenvolver códigos e convenções sígnicas não arbitrárias17 . 15. SAVVIDOU, Christine. Storytelling as dialogue: how teachers construct professional knowledge [Storytelling como diálo- go: como professores constroem conhecimento professional]. Teachers and Teaching, 16, n. 6, p. 649, 2010. 16. Ibid., p. 654. 17. RODRIGUEZ, Angel. A dimensão sonora da linguagem audiovisual. São Paulo: Senac, 2006, p. 268.
  • 21. 21 DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos Tais estratégias audiovisuais, em nossa interpretação, podem potenciali- zar a comunicação do conhecimento, bem como contribuir para a melhoria da eficácia de alguns processos de treinamento corporativo. Afinal, devido às características ágeis de concepção e produção de audiovisuais com a aplicação do DS, existe a possibilidade de se oferecerem meios para a rápida entrega de materiais educativos altamente contextualizados. Consideramos relevante destacar que introduzir o DS no ambiente de for- mação corporativa não é uma decisão meramente instrumental. Para Porter18 , há muito a se considerar na construção de uma história digital – já que existem abordagens infinitas, dependendo da finalidade e do público que se quer atingir. Àqueles que pretendem utilizar este estilo de narrativa, a autora chama a atenção para alguns procedimentos fundamentais: • Deve-se levar os outros a vivenciarem sua história. Em outras palavras, cada história tem uma perspectiva pessoal e precisa ser narrada pelo próprio autor. • Trazer sempre uma lição a ser aprendida. Uma das características mais originais do DS é a expectativa de que cada história expresse um significado pessoal ou insight sobre como um determinado evento ou situação tocou a vida do autor (e quiçá poderá tocar a vida dos ouvintes). • Desenvolver uma tensão criativa. Uma boa história cria intriga ou tensão em torno de uma situação que se coloca já em seu início, sendo desenvolvida no decorrer da trama. • Ser econômico. Uma boa história tem um destino, um objetivo a cumprir e procura o caminho mais curto para chegar a ele. Uma peça de DS deve ter entre 3 e 5 minutos, com base em um roteiro de uma página ou 500 palavras. • Mostrar e não apenas narrar uma história. Boas histórias usam de- talhes vívidos para revelar sentimentos e informações, ao invés de apenas dizer algo. • Ser técnica e, ao mesmo tempo, uma obra de arte. Uma boa história incorpora a tecnologia e a arte de forma astuta, ao demonstrar ha- bilidade em se comunicar com imagens, som, voz, cor, espaços em branco, animações, design, transições e efeitos especiais. Por fim, nossos estudos também identificaram que o DS pode oferecer uma oportunidade para a promoção de interações múltiplas no processo de construção do conhecimento em ambientes corporativos. Por exemplo, em cer- tas propostas de formação em uma organização, poder-se-á introduzir tarefas, via DS, que provoquem os formandos à partilha de suas próprias histórias – novamente via DS. Assim, tanto formadores quanto formandos colaborarão na aprendizagem por meio de curtos relatos digitais em uma via de mão dupla. 18. PORTER, Bernaje- an. DigiTales: the art of telling digital stories [Di- giTales: a arte de contar histórias digitais]. Sedalia: Porter, 2004, p. 115.
  • 22. 22 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Em síntese, a pesquisa sinaliza que o processo comunicacional dialógico, que utiliza estratégias de aprendizagem colaborativa, pode ser uma alternativa para a valorização e o respeito às múltiplas interações sociais e culturais dos envolvidos no contexto de formação – desempenhando, dessa forma, o papel de alavanca dos movimentos individuais e coletivos de aprendizagem, tão salutares no processo de construção do conhecimento em qualquer nível ou modalidade de ensino. CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente qualquer cidadão, desde que tenha acesso e saiba utilizar determinadas tecnologias e técnicas, pode contar a sua própria história digital- mente. No contexto educacional e de formação corporativa, tal potencialidade redimensiona a necessidade de produção audiovisual por equipes altamente especializadas – e aponta a possibilidade de dar voz e visibilidade às histórias digitais elaboradas por aqueles que estão nas duas pontas do processo de ensino e aprendizagem: o aluno/formando e seu professor/formador. Nosso intuito, ao elaborar o presente artigo, foi refletir sobre o DS em processos de construção do saber nas organizações. O documento foi baseado em pesquisa bibliográfica qualitativa e argumentou que o DS pode contribuir para a melhoria da eficácia dos processos de ensino em treinamento corpo- rativo, oferecendo meios para a entrega rápida de materiais de aprendizagem altamente contextualizados. Além disso, o uso da narratividade digital pode constituir-se em oportunidade para a promoção de interações múltiplas no processo de construção do conhecimento nas organizações, introduzindo, em certas propostas de capacitação, estratégias que incentivem a partilha de histórias digitais entre formadores e formandos, numa “via de mão dupla”. Por fim, queremos enfatizar a necessidade de a comunidade científica dar atenção à investigação sobre a questão do uso de histórias digitais pessoais em formação corporativa. Percebemos, por meio dessa pesquisa, que suas possibili- dades são múltiplas e devem abranger discussões epistemológicas, metodológicas, tecnológicas, operacionais, éticas e legais. A título de ilustração, mencionamos nosso projeto atual, uma parceria entre a Universidade de Aveiro (Portugal) e a Portugal Telecom, que visa operaciona- lizar e validar uma metodologia de utilização de histórias digitais pessoais em contexto de formação profissional, através da reflexão crítica e experimentação empírica. O intuito do projeto é desenvolver roteiros de pequenas histórias pes- soais digitais, produzi-los e testar a eficiência e eficácia do uso de tais vídeos em ambientes de ensino e aprendizagem corporativa.
  • 23. 23 DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETT, Helen. Researching and evaluating Digital Storytelling as a deep learning tool [Pesquisando e avaliando o Digital Storytelling como uma vasta ferramenta de aprendizagem]. In: CRAWFORD, C. et al. (ed.). Proceedings of Society for Information Technology and Teacher Education International [Anais da sociedade para tecnologia da informação e do ensino de educação internacional]. Chesapeake: AACE, 2006. FRAZEL, Midge. Digital Storytelling: guide for educators [Digital Storytelling; guia para educadores]. Washington, DC: ISTE, 2010. JONASSEN, David. H.; HERNANDEZ-SERRANO, Julien. Case-based reasoning and instructional design using stories to support problem solving [Raciocínio baseado em casos e design instrucional usando histórias para apoiar a resolução de problemas]. Educational Technology Research and Development, 50, n. 2, 2002. KEARNEY, M. A learning design for student-generated digital storytelling [Um projeto de aprendizagem para estudantes gerarem suas histórias digitais]. Learning, Media and Technology, v. 36, n. 2, p. 169-188, 2011. KNOWLES, Malcolm S.; HOLTON, Elwood F.; SWANSON, Richard A. The adult learner: the definitive classic in Adult Education and Human Resource Development [O aluno adulto: o clássico definitivo em Educação de Adultos e o Desenvolvimento de Recursos Humanos]. Woburn: Butterworth-Heinemann, 1998. PORTER, Bernajean. DigiTales: the art of telling digital stories [DigiTales: a arte de contar histórias digitais]. Sedalia: Porter, 2004. POSTMAN, Neil. Learning by story [Aprendendo pela história]. The Atlantic, 1989. RODRIGUEZ, Angel. A dimensão sonora da linguagem audiovisual. São Paulo: Senac, 2006. SAVVIDOU, Christine. Storytelling as dialogue: how teachers construct professional knowledge [Storytelling como diálogo: como professores constroem conhecimento professional]. Teachers and Teaching, 16, n. 6, 2010. SCHANK, Roger C. Lessons in learning, e-learning, and training: perspectives and guidance for the enlightened trainer [Lições em aprendizagem, e-learning e treinamento: perspectivas e orientação para o educador esclarecido]. San Francisco: Pfeiffer, 2005. VYGOTSKY, Lev S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988. _______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
  • 24. Você escolhe como quer pagar! Assine a revista Comunicação & Educação Uma parceria de Paulinas com a Escola de Comunica- ções e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA-USP), que tem por objetivo ajudar a formar profissionais mais conscientes, críticos e interativos, por meio da discussão séria a respeito da natureza dos meios de comunicação de massa, dos direitos da audiência e da crítica estética à produção midiática. Revista Comunicação & Educação Periodicidade: semestral Ligue 0800-7010081 ramal 9448 ou assine pela livraria virtual Paulinas, acessando www.paulinas.org.br Informações: livirtual@paulinas.com.br • Cartão de crédito – Visa, Mastercard ou Dinners • Boleto bancário • Depósito bancário identificado • DOC ou transferência bancária Adquira também os exemplares avulsos! Ensaios, entrevistas e debates com os maiores especialistas da área auxiliam educadores a incluir em suas práticas novas linguagens e novos recursos pedagógicos.
  • 25. 25 Ficção científica: utopia ou distopia? Felicidade, angústia e prazer na pós-modernidade Carlos Alberto Machado Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e docente na Unicentro, departamento de Educação. E-mail: cipexbr@yahoo.com Resumo: A proposta do artigo está base- ada no interesse em aprofundar estudos de ficção científica, e em procurar fazer um paralelo dos problemas existenciais do mundo contemporâneo, mormente a angústia, citados principalmente pelos autores Richard Sennett, Russsell Jacoby e Zygmunt Bauman, considerados por alguns como pós-modernos. Vários exemplos são citados para corroborar as observações apontadas no texto. Conceitos como felicidade e liberdade são colocados à prova e a ficção científica é usada como exemplo, mostrando o vício tecnológico e a desnaturalização da sociedade. Conclui-se que a imagem da realidade evidenciada em filmes de ficção científica pode auxiliar na reflexão de nossos atos e, dessa forma, tentar contribuir para atitudes futuras. Palavras-chave: Angústia. Ficção científica. Pós- -modernidade. Educomunicação. Sociedade. Abstract: The aim of this paper is based on the interest in further studies of sci- ence fiction, and seek to draw a paral- lel between the existential problems of the contemporary world, especially the anxiety, mainly cited by Richard Sennett, Russsell Jacoby and Zygmunt Bauman, con- sidered by some as postmodern authors. Several examples are cited to support the comments made in the paper. Concepts such as happiness and freedom are put to the test, while science fiction is used as an example, emphasising the technol- ogy addiction and the denaturalization of society. It is ultimately a reflection that the reality seen in science fiction movies may help in the reflection of our actions and thus, trying to contribute to future actions. Keywords: Anguish; Science Fiction; Post- modernity; Educommunication; Society. POR QUE ESCOLHEMOS A FICÇÃO CIENTÍFICA (FC)? Inicialmente porque na contemporaneidade esse gênero de filme é o mais procurado pela população em geral. Essa busca é consequência, por um lado, da avançada tecnologia que Hollywood vem utilizando cada vez mais em seus produtos cinematográficos e televisivos e, por outro, da forte atração que nar- rativas sobre o futuro exercem, principalmente, sobre os jovens. Recebido: 22/03/2012 Aprovado: 7/05/2012
  • 26. 26 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 São os filmes de FC que costumam ter mais sucesso na bilheteria ou uma audiência maior, e são também os mais comentados pela mídia, devido, em grande parte, aos efeitos especiais. A tão almejada felicidade, que é constantemente buscada pelo ser humano contemporâneo, em todas as suas ações, acaba se tornando utópica. A alegria do dia a dia, constantemente confundida com felicidade por alguns, nada mais é do que um pré-requisito desta. A ideologia cartesiana ou “visão reacionária”, que vem carregada nas costas da ciência, demonstra que o homem é recortado ou lido como um livro, algo que se pode perceber em Gattaca1 , um filme de ficção científica que analisa uma possibilidade assustadora de seletividade: você só será aquilo que seu gene diz que você pode ser. Seus sentimentos não contam em absoluto. Roteiro que lembra muito a ideia original de Huxley, em sua utopia “Admirável Mundo Novo”. 1. Gattaca (1997), EUA, de Andrew Niccol. 2. Metrópolis (1927), de Fritz Lang. 3. SENNETT, R. A cor- rosão do caráter: con- sequências pessoais do trabalho no novo capita- lismo. 9. ed. Rio de Janei- ro: Record, 2005, p. 50. Gattaca, 1997: filme de ficção científica que mostra uma possibilidade assustadora de seletividade. Divulgação Com a era da industrialização, em meados do século XIX, tanto Diderot quanto Voltaire acreditavam que a dominação da rotina acalmaria as pessoas. Mas, junto com a rotina, evidenciada em Metrópolis2 – e em Tempos Modernos, de Charles Chaplin (Carlitos) –, também veio o tédio com a morte espiritual e a rebelião, tão temida por Platão em sua utópica República. De qualquer forma, mesmo Sennett concorda que um pouco de rotina não faz mal a ninguém, ao contrário: “Imaginar uma vida de impulsos momentâneos, de ação a curto prazo, despida de rotinas sustentáveis, uma vida sem hábitos, é imaginar na verdade uma existência irracional”3 . A era da mundialização evidencia seres humanos “locais” que, ao mesmo tempo que olham com cobiça e desejo os mundos dos outros, procuram aquietar- -se em seu próprio meio. Muitos procuram guias para orientá-los, lançando-se numa busca frenética pelos livros de autoajuda, procurando receitas milagrosas.
  • 27. 27 Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado Entretanto, as receitas não funcionam. Essa busca pode ser identificada em O guia dos mochileiros das galáxias4 , que fala da necessidade de termos um guia para transitar pelo universo. A ironia está em que, no filme, o guia, na prática, não ajuda em absolutamente nada. A corrosão de caráter de que fala Sennett começa pela fragilidade das relações entre as pessoas na contemporaneidade. A solidariedade espontânea é abandonada e substituída por uma solidão encontrada na tecnologia eletrônica e no consumismo exacerbado e individual. Troca-se uma forma de submissão de poder por outra, a da carne pela da eletrônica. A legimitividade emocional não é mais encontrada, pois foi substituída pela clara operacionalidade. Apesar disso, o reconhecimento é necessário, como nos recorda Jacoby, a dialogia é uma necessidade humana vital, sem ela não sobrevivemos. Essa necessidade de conexão com o outro é evidenciada por David Cronenberg com o filme eXistenZ (1999), onde jogadores de uma espécie de video game penetram no jogo de forma total, sentimental e corpórea (mente e corpo). O fio de conexão com o jogo é ligado diretamente na medula espinhal, e os estímulos audiovisuais são inseridos diretamente no córtex cerebral. 4. O guia dos mochilei- ros das galáxias (2005), EUA, de Garth Jennings. O guia dos mochileiros das galáxias (2005) fala da necessidade de se ter um guia para transitar pelo universo. Divulgação
  • 28. 28 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 No mundo real, a noção de futuro, tão cara à FC moderna, parece ter desaparecido. O presente é forte e constante. Não há longo prazo. Esse presente realista, que dói também, pode ser evidenciado na FC pós-moderna. O alto nível tecnológico e o baixo nível social são espelhados nos contos e roteiros atuais, transbordando realidades que espantam ou assustam os mais desavisados. Sua similaridade com nossa realidade é tanta, que, em alguns casos, o termo ficção pode até ser revisto. Décadas atrás, filmes de ficção científica como Zardoz5 ou Logan’s Run6 previam o predicamento pós-moderno de hoje: o grupo isolado vivendo uma vida ascética, numa área restrita, anseia pela experiência do mundo real, de barro material. Até o pós-modernismo, a utopia era uma tentativa de romper com o real do tempo histórico e entrar no Outro atemporal. Com a sobreposição pós-moderna do “fim da história” pela total disponibilidade do passado em memória digital, nesta época em que vivemos a utopia atemporal como a experiência ideológica do dia a dia, a utopia se torna o anseio pela Realidade da própria História, pela memória, pelos traços do passado real, numa tentativa de sair da cúpula fechada e sentir o cheiro da deteriorização da crua realidade7 . Matrix8 acentua isso, porque combina utopia com distopia, nossa realida- de é apresentada como uma realidade virtual criada por um computador, de maneira que nos restringimos a baterias humanas para a Matriz. SEGURANÇA NO FUTURO Em tempos remotos, estudar e economizar faziam parte de uma garantia de futuro, mesmo que isso estivesse diretamente relacionado com a escravidão do salário. De qualquer forma, hoje essas atitudes já não garantem o futuro, mas apenas um presente momentâneo, repleto de angústias: “Numa sociedade dinâmica, as pessoas passivas murcham”9 . A FC indica alguns futuros possíveis. Sugere, em seus enredos, que o de- sespero não é justificável, pois as respostas serão encontradas pelo próprio homo futurus, talvez “mutantes adolescentes”, oriundos de uma mutação de ideias e de conhecimentos, que misturados à criatividade, proporcionariam alternativas ainda inimagináveis para a sociedade em que vivemos. Portanto, o desespero pelo futuro pode não ser justificável, pois as novas gerações poderão encontrar soluções interessantes para os problemas de sua época. Nosso trabalho é criar moldando a história de nossas próprias vidas. Os adolescentes de hoje se juntam por interesses comuns, seja em um clube, seja em um posto de gasolina, seja através de uma comunidade digital. Têm seus próprios grupos, suas próprias tribos, o que muitas vezes preocupa seus pais, como lembra Sennett, quando comenta sobre um de seus pesquisa- dos: “perseguia-o o receio da falta de disciplina ética, sobretudo o temor de os filhos se tornarem ‘pequenos ratos’, rondando ao léu pelos estacionamentos 5. Zardoz (1974), EUA, de Jonh Boorman. 6. Logan’s Run [Fuga das Estrelas] (1976), de Michael Anderson. 7. ZIZEK, S. Matrix: ou os dois lados da perversão. In: IRWIN, W. Matrix: bem vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2003, p. 280. 8. Matrix (1999), de Andy Wachowski e Larry Wachowski. 9. SENNETT, op. cit., p. 103.
  • 29. 29 Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado dos shopping centers à tarde, enquanto os pais permaneciam fora de alcance em seus escritórios”10 . E Maturana acrescenta: “a tragédia dos adolescentes é que começam a viver um mundo que nega os valores que lhes foram ensinados”11 . A negação dos adultos acaba sendo um problema. Hoje, os adolescentes se organizam também de outras maneiras. Ficam reunidos por um tipo de som (música) que, para nós, não justifica ou que não explica. Mesmo assim é um mundo de responsabilidades. Se eles estão nesse mundo, é porque eles assim o querem ou há “a emergência de um novo tipo de estudante, com novas necessidades e novas capacidades” 12 . Novas soluções poderiam ser aspiradas ou exploradas pelos jovens que um dia serão os donos do mundo. “Como educadores/as, devemos avaliar aquilo que já está ocorrendo em nossas salas de aula, quando os alienígenas entram e tomam seus assentos, esperando (im)pacientemente suas instruções sobre como herdar a terra”13 . EXISTE UM “OUTRO ESTRANHO” NA FICÇÃO CIENTÍFICA? A “pílula dourada” de Jacoby, retratando o multiculturalismo da pós-mo- dernidade, nos recorda a “pílula vermelha” de Matrix, como símbolo das muitas possibilidades do que virá a acontecer ou do que decidimos em nossas vidas. O filme demonstra a dualidade entre o escolher a pílula azul ou a vermelha, entre o ficar preso a uma realidade virtual ou acordar para a verdadeira reali- dade, mesmo que dolorosa. A decisão é difícil, mas o personagem Neo acaba decidindo enfrentar uma realidade ainda mais dura do que a da ficção gestada pela Matrix, a da pílula vermelha. Sem dúvida, uma condição que muitas vezes costumamos enfrentar em nosso cotidiano. Apesar de Jacoby apresentar o conto de FC 1984, de George Orwell, como sendo uma obra utópica, alguns autores, como Bressand e Distler, apresentam- -no como um conto antiutópico ou distópico. No fim do século XX e início do XXI, o discurso vigente das lideranças costumava afirmar que câmaras nas ruas, que geralmente passam despercebidas, são apenas para nossa segurança e não para o controle. Ora, controle e segurança estão intimamente relacionados, como nos alertava Foucault em seu Vigiar e punir. Nesse caso, onde ficaria o livre-arbítrio? O mesmo vale para os chips epidérmicos de que trata Violação de Privacida- de14 . O filme, cuja história se desenvolve em um futuro mais ou menos próximo, mostra a vida monótona de um editor de imagens (Robin Willians) que edita lembranças gravadas de pessoas que deixaram de existir. Esse tipo de controle, criticado na trama do filme, vem existindo na prática, onde verificamos chips localizadores nos cartões de crédito ou, nos recentes: chips intraepidérmicos. 10. Ibid., p. 21. 11. MATURANA, H. Emo- ções e linguagem na educação e na políti- ca. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002, p. 33. 12. GREEN, B.; BIGUM, C. Alienígenas na sala de aula. In: SILVA, T. T. (org.). Alienígenas na sala de aula; uma introdução aos estudos culturais em edu- cação. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 209. 13. Id., p. 218. 14. Violação de privaci- dade (Final CUT) (2004), EUA, de Omar Naim.
  • 30. 30 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 De certa forma, estes sistemas de rastreamento individual ofendem a “li- berdade” dos indivíduos, expondo a ilegitimidade dessas novas formas de con- trole, mais sutis e imperceptíveis. Os processos foram invertidos do pan-óptico de Foucault para o sinóptico sugerido por Bauman: “A obediência aos padrões tende a ser alcançada hoje em dia pela tentação e pela sedução e não mais pela coerção – e aparece sob o disfarce do livre-arbítrio, em vez de revelar-se como força externa”15 . O “Grande Irmão” tomou uma nova forma, mais perspicaz do que a prevista por Orwell, maior e invisível, o manipulador das marionetes. “A repulsa à rotina burocrática e a busca da flexibilidade produziram novas estru- turas de poder e controle, em vez de criarem as condições que nos libertam”16 . Em se tratando de estranhos e de seu papel na sociedade, Bauman nos alerta para suas possíveis utilidades. Esses poucos fatos anunciam o novo papel atribuído aos pobres na nova versão da “classe baixa”, ou da “classe além das classes”: ela não é mais o “exército de reserva da mão de obra” mas, verdadeiramente, a “população redundante”. Para que serve? Para o fornecimento de peças sobressalentes para consertar outros corpos?17 . Na FC a “classe baixa” também pode ser vista de forma diferente, todos os que morreram podem ser cobaias do futuro, como verificamos no filme Free Jack18 , com Mick Jagger e Anthony Hopkins – onde não existe o tráfico de órgãos para peças sobressalentes, mas, em contrapartida, existe o tráfico de corpos inteiros! Espelhando-se nos estranhos de Bauman, um piloto de provas (Emilio Estevez), que historicamente já havia morrido, é raptado um segundo antes de sua morte por viajantes do tempo vindos do futuro. O objetivo deles era utilizá-lo — visto que historicamente estava morto — como hospedeiro de uma nova mente milionária (Hopkins), que recusava aceitar sua morte, mas que podia pagar por toda essa operação. Numa sociedade sinóptica de viciados em comprar/assistir, os pobres não podem desviar os olhos; não há mais para onde olhar. Quanto maior a liberdade na tela (…) tanto mais irresistível se torna o desejo de experimentar, ainda que por um momento fugaz, o êxtase da escolha19 . Vídeo Drome20 é a FC que mais se aproxima dessa realidade, mostrando a “classe baixa” totalmente dependente da televisão, a ponto de os estranhos terem que frequentar clínicas públicas especializadas no atendimento dos vi- ciados em raios catódicos. Nós também esquecemos os estranhos de Bauman, quando mergulhamos em nossa vida diária, quando caminhamos pelas ruas e evitamos certos lugares (ou não lugares), pois sabemos que ali existem os que não queremos lembrar que existem. Lamentavelmente essa imposição pós-moderna está piorando a cada dia, quando, em vez de nos preocuparmos em diminuir a pobreza, em atingir sua raiz, nos preocupamos com a segurança de nós e de nossos filhos. Sempre procuramos o caminho mais fácil, o menos doloroso, o mais egoísta, sem dúvida, e o pior é que não temos vergonha disso. 15. Id. Modernidade lí- quida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 101. 16. SENNETT, op. cit., p. 54. 17. BAUMAN, Z. O mal estar da pós-modernida- de. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 54. 18. Free Jack (1992), EUA, de Geoff Murphy. 19. BAUMAN, Z. Moderni- dade líquida, cit., p. 104. 20. Vídeo Drome (1983), CANADÁ/EUA, de David Cronemberg.
  • 31. 31 Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado A IMAGEM DO ESCOLHIDO EM “MATRIX” De uma forma análoga à risada enlatada (das comédias de situação na TV), temos aqui algo semelhante a uma dignidade enlatada, em que o Outro (o “Escolhido”) retém minha dignidade em meu lugar, ou, mais precisamente, em que eu retenho minha dignidade por meio do Outro. Eu posso ser redu- zido à cruel luta pela sobrevivência, mas a própria percepção de que existe o “Escolhido” retém minha dignidade e permite-me manter um elo mínimo com a humanidade21 . O escolhido, que pode ser a imagem do pai, do amigo ou do professor, muitas vezes é derrubado ou desmascarado, e nesses casos a vontade de viver desaba, a vontade de sobreviver desaparece com ele, com o outro. Matrix apre- senta isso em seu primeiro filme, na imagem de Neo, o protagonista da trilogia. Ele mesmo tinha dúvidas quanto à existência dele ser o outro, o escolhido. Essa dúvida gera tensão entre Neo e seus companheiros, que acabam traindo-o. SOMOS LIVRES? A liberdade “ameaça mais sombria [porém] atormentava o coração dos filósofos: que as pessoas pudessem simplesmente não querer ser livres e rejei- tassem a perspectiva da libertação pelas dificuldades que o exercício da liber- dade pode acarretar”22 . Matrix é, sem dúvida, o melhor exemplo das bênçãos mistas da liberdade que podemos encontrar na FC cinematográfica citadas como exemplo na versão apócrifa da Odisseia, em que Ulisses descobre, após 21. IRWIN, op. cit., p. 274. 22. BAUMAN, Z. Moder- nidade líquida, cit., p. 25. Matrix (1999), combina utopia com distopia. Divulgação
  • 32. 32 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 libertar seus “leais” e decepcionados marinheiros, que preferiam continuar na forma de porcos. Em um momento de clímax do filme, Cypher, um dos protagonistas secun- dários, para surpresa do público, opta por continuar sendo escravo da máquina, para não perder os prazeres de sua mordomia utópica. Ele está no mundo virtual, sentado à mesa em um restaurante, em frente ao agente Smith, degustando um saboroso filé e negociando sua liberdade e a de seus companheiros23 . A ilusão foi preferida, em detrimento da realidade nua e crua. Jacoby, parafraseando David Bromwich, pergunta-se: “Os intelectuais se oporiam a escravidão?”. Sair da Caverna de Platão em Matrix é o mesmo que sair do controle das máquinas que dominavam a humanidade. O problema é que, apesar da eston- teante realidade demonstrar um conceito de liberdade, existiam pessoas livres que preferiam a liberdade vigiada, retornando à Caverna e preferencialmente, ao contrário de Platão, levando consigo todo o restante, para que ninguém mais pudesse enxergar a verdade. A liberdade aparente que temos ou a liberdade que não queremos. “Esforços para manter a distância o outro, o diferente, o estranho e o estrangeiro, e a decisão de evitar a necessidade de comunicação”24 . Na série Além da Imaginação, da década de 1985, o episódio denominado “O Homem Invisível”25 retrata exatamente isso. O protagonista Cotter Smith, que feriu a lei de sua cidade cometendo um crime antissocial, leva uma marca em sua testa e, apesar de estar sendo visto pela população, todos fingem não vê-lo e, dessa forma, o personagem sofre as consequências de ser um homem invisível ou um estranho. Apenas quando retirarem sua marca, ou seja, após ter cumprido sua pena, é que voltarão a falar com ele, como se tivesse retornado de uma longa viagem. A sequência final é brilhante: o protagonista avista uma colega com a tal marca, vivendo a mesma situação que ele , e tendo se tornado uma mulher invisível, mas cede às pressões e conversa com ela. Sabia que era apenas questão de tempo para que a marca não tivesse mais efeito cultural. Jacoby alerta para o fato de que os estadunidenses, apesar do discurso multicultural, não demonstram na prática interesse pelas línguas de outras culturas. Analogamente ao filme, agem como se as outras línguas estivessem portando a marca da invisibilidade social. Os estranhos de Bauman também podem ser evidenciados no filme distó- pico Blade Runner [O Caçador de Androides]26 , em uma história de androides idênticos aos seres humanos que, para escapar do trabalho nas minas do planeta Marte, fogem para a Terra, no intuito de viverem em meio às pessoas, para dessa forma passarem-se por humanos (serem livres). O policial Rick Deckard (Harrison Ford) é contratado pela polícia de Los Angeles (que mais parece uma Hong Kong em decadência) para descobrir onde estão os androides e recapturá-los. Deckard aprofunda-se na investigação e descobre, ao final do filme, que o fato de querer ser humano em uma sociedade decadente como a Terra era impraticável para os androides. Também questiona se os estranhos eram eles, os androides, ou nós, os humanos. A própria identidade de Deckard é 23. DANAHAY, M. A.; RIEDER, D. Matrix, Marx e a vida de uma bateria. In: IRWIN, op. cit. 24. BAUMAN, Z. Mo- dernidade líquida, cit., p. 126. 25. O Homem Invisível [To See the Invisible Man] (1985), EUA, de Robert Silverberg. 26. Blade Runner, o Caçador de Andróides (1982), EUA, de Ridley Scott.
  • 33. 33 Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado colocada em dúvida quanto a sua autenticidade humana, por um colega policial Hannibal Chew (James Hong), que a certa altura do filme o trata como um estranho. Essa evidência é demonstrada na cena em que seu colega deixa, em frente ao elevador, uma réplica em papel de um unicórnio, imagem principal implantada nos sonhos de Deckard. Um final para levar muitos a refletirem sobre a situação de Deckard e sobre o rumo que a humanidade pode vir a tomar. ALGUMA CONCLUSÃO? Como toda a encruzilhada evolutiva, não sabemos para onde esta nos levará. As classes dominantes jamais abdicam do poder, mesmo que este as leve à destruição. Assim, inteligências artificiais cada vez mais possantes serão desenvolvidas com o objetivo de serem utilizadas nesse grande xadrez mundial pelo poder, abrindo as portas, talvez, para a nossa destruição27 . A contemporaneidade mostra uma busca pelo prazer diário, mesmo que supérfluo, um consumo no sentido de digerir. Literatura, cinema, jogos virtuais, comida e bebida. Tudo que esteja sendo comentado, divulgado na cultura de massa. Essa fuga pelo consumo não apazigua sua busca por si mesmo, confun- dido-se com a busca pela sociedade, pelo reconhecimento nela. A busca por si deve ser constante. A dificuldade é que, no meio dessa busca, devemos mudar, e toda mudança implica não só uma perda, mas também aceitar a perda, e não é fácil. O processo de mudança é essencial, mas difícil. Sennet aponta para a falta de relacionamentos objetivos e duráveis como uma solução para o problema da inquietação e da angústia. Isso também se evidencia nos jogos virtuais de computador, que estão cada vez mais reais e sedutores. Matrix pode servir de alerta para situações análogas que estão por vir? A escola por sua vez tem que aprender a trabalhar com esse processo de cons- trução social que, além das experiências educacionais, também inclui, como lembra Green e Bigum, os meios de comunicação de massa, rock, cultura da droga e outros fatores subculturais. Eles também recordam que é cada vez mais urgente a necessidade de “pensarmos de forma diferente”. Precisamos reimaginar a “imaginação investigativa educacional”28 . Dessa forma, os autores concluem que: argumentamos que é importante interagir ativamente com os novos insights e imagens proporcionados pelo pós-modernismo cultural e pela nova ciência. Como tem sido assinalado por vários analistas [...], parece haver uma convergência geral e extremamente produtiva entre a teoria social e a ficção científica29 . Desse modo, explorá-la no conceito educacional, como esse artigo, se torna essencial. Jacoby, em seu O fim da utopia, admite que a linguagem é reveladora e a diversidade determina os caminhos a serem seguidos. Os conservadores que o negam ficam à beira do caminho. 27. TORRIGO, M. Prólogo a Matrix. In: IRWIN, op. cit., p. 28. 28. GREEN, B.; BIGUM, C. Alienígenas na sala de aula. In: SILVA, T. T. (org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em edu- cação. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 211. 29. Id.
  • 34. 34 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. ______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. DANAHAY, M. A.; RIEDER, D. Matrix, Marx e a vida de uma bateria. In: IRWIN, Willian. Matrix: bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2003. FOUCAULT, M. Vigiar e punir. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. GREEN, B.; BIGUM, C. Alienígenas na sala de aula. In: SILVA, T. T. (org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. IRWIN, W. Matrix: bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras. 2003. JACOBY, R. O fim da utopia: política e cultura na era da apatia. Rio de Janeiro: Record, 2001. MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Russel, 1996. SENNETT, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. TORRIGO, M. Prólogo a Matrix. In: IRWIN, Willian. Matrix: bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2003. ZIZEK, S. Matrix: ou os dois lados da perversão. In: IRWIN, Willian. Matrix: bem- vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2003.
  • 35. 35 Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico: o caso Watchmen Waldomiro Vergueiro Professor titular e coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. E-mail: wdcsverg@usp.br Douglas Pigozzi Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. E-mail: douglas.pigozzi@usp.br Resumo: Discute a importância das his- tórias em quadrinhos como suporte nos procedimentos pedagógicos, em especial sua aplicação no ensino de temas próprios das Ciências Sociais, por meio de um es- tudo de caso utilizando a obra Watchmen, do roteirista britânico Alan Moore. Busca estudar a proficiência no entendimento das mensagens transmitidas pelos códigos escritos e visuais, quando apresentados em conjunto. Relaciona especificamente as características da aplicação da linguagem gráfica sequencial às técnicas de ensino. Palavras-chave: Histórias em quadrinhos; Educação; Ciências Sociais; Sociologia; Teoria do Caos. Abstract: The paper discusses the im- portance of comics as support in the educational procedures, particularly its application in the teaching of Social Sci- ences subjects, through a case study us- ing the work Watchmen, by the English writer Alan Moore. It also studies the proficiency in the understanding of the messages conveyed by written and visual codes, when presented together. Finally, it relates the characteristics of application of graphic sequential language to the teach- ing techniques. Keywords: Comics; Education; Social Sci- ences; Sociology; Chaos Theory. INTRODUÇÃO As histórias em quadrinhos possuem várias aplicações didáticas nas disci- plinas do Ensino Médio. No caso específico das Ciências Sociais, é adequado mencionar que seria possível, por meio do suporte de informação quadrinhos, tratar dos diversos processos que auxiliam numa melhor compreensão das ca- racterísticas tidas como “naturais” nas sociedades contemporâneas. Recebido: 29/05/2012 Aprovado: 15/08/2012
  • 36. 36 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Os quadrinhos têm significativa importância pedagógica, por ser um meio facilitador de transmissão de informação, ou seja, por auxiliar na transmissão dos fluxos de mensagens. Além disso, também possibilitam construir sentido e produzir informações de forma singular, quando comparados a outros recursos informacionais1 . Também se ressalta que os quadrinhos apresentam uma linguagem diferen- ciada dos outros meios de acesso à informação, possuindo vários mecanismos comunicativos de destacada riqueza, o que permite potencializar a sua capacidade de expressão e comunicação. Neles existem dois códigos que interagem para a transmissão das mensagens: o linguístico (as palavras utilizadas nas narrações) e o pictórico (imagens). Além desses dois códigos, existem também diversos elementos característicos da linguagem quadrinística, como os balões, as linhas de movimento, as onomatopeias e as metáforas visuais. Entre as diversas obras em quadrinhos que podem colaborar no objetivo antes mencionado, a graphic novel Watchmen, escrita pelo autor britânico Alan Moore2 , destaca-se por sua complexidade nas esferas da estética, da política e da sociedade. Sua aplicação na área educativa tem sido abordada na literatura da área, revelando benefícios palpáveis no processo de aprendizagem3 . A GRAPHIC NOVEL WATCHMEN É adequado ressaltar que, antes de Watchmen, Alan Moore escreveu várias obras importantes, buscando temas de complexo entendimento na sociedade contemporânea, tais como o fascismo, as greves, a guerra nuclear, os protestos sociais e políticos, além de seres alienígenas. Originalmente, uma minissérie produzida em 12 edições mensais, Watchmen foi escrita por Moore entre 1986 e 1987. A obra contou também com a participação de Dave Gibbons e John Higgins, no trabalho de ilustração e cores, respectivamente. Seu sucesso fez com que, posteriormente, em 2009, ela fosse transposta à linguagem cinematográfica4 . Watchmen traz conteúdos que tratam de diversos aspectos culturais, econô- micos, políticos e sociais, sendo uma produção já clássica nos quadrinhos. Tem como ponto de partida o real impacto da presença de vigilantes e super-humanos em nosso mundo e o modo como eles se relacionariam com os seres humanos comuns. A graphic novel Watchmen expõe ao leitor um grupo de super-heróis que combate o crime, mas que, ao mesmo tempo, apresenta distúrbios mentais e, por vezes, sexuais. A obra fala de questões que os quadrinhos mainstream – ou seja, produzidos pela grande indústria – raramente tratavam até aquele momento, tais como a degradação humana em função da ignorância de uma maioria. Anteriormente, apenas os quadrinhos underground – ou independentes – discutiam com mais constância essas temáticas. São 6 os protagonistas da história: Rorschach; Ozymandias; o Comediante; o Coruja (que, na verdade, são dois personagens, o idoso e já aposentado Coruja 1. A esse respeito, ver: BARI, Valéria Aparecida. O potencial das histórias em quadrinhos na forma- ção de leitores. 2008. Tese (Doutorado em Ci- ências da Comunicação). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2008; CAPU- TO, Maria Alice Romano. História em quadrinhos: um potencial de informa- ção inexplorado. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências da Informação). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003; RAMA, Ângela; VERGUEIRO, Wal- domiro (org.). Como usar as histórias em quadri- nhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2005; VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo. Quadri- nhos na educação. São Paulo: Contexto, 2009. 2. MOORE, Alan; GIB- BONS, Dave. Watchmen. São Paulo: Panini Brasil, 2009. 3. HARRIS-FAIN. Dar- ren. Revisionist superhero graphic novels: teach- ing Alan Moore’s Watch- men and Frank Miller’s Dark Knight Books. In: TABACHNICK, Stephen. Teaching the graphic novel. New York: The Modern Language Asso- ciation of America, 2009. p. 147-154. 4. WATCHMEN. Direção: Zack Snyder.Legendary Pictures; DC Comics, 2009. 1 bobina cinema- tográfica (162 min.), color.
  • 37. 37 Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico • Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi original e o segundo, que está inativo no começo da história); Laurie Juspeczyk e o Dr. Manhattan (Figura 1). Todos esses personagens são apresentados ao leitor já no primeiro capítulo da minissérie. Figura 1 Fonte:Watchmen,p.51. A história é ambientada em uma Nova York fictícia, situada no ano de 1985, tendo como linha condutora o assassinato do Comediante, então um diplomata estadunidense, e a investigação desse crime é realizada pelo vigilante Rorschach. Durante o processo de investigação, várias fatos ocorrem, culminando com o exílio voluntário do Dr. Manhattan da Terra, por sofrer desilusões com a humanidade, e com a invasão do Afeganistão pela Rússia, o que coloca o planeta à beira de um impasse nuclear. O pano de fundo da narrativa é a guerra fria entre as duas grandes potências mundiais: Estados Unidos e União Soviética. De acordo com Watchmen, em 1977 foi aprovada uma legislação específica, denominada Lei Keene, que tornava os vigilantes ilegais, fazendo com que todos eles abandonassem suas atividades. As únicas exceções foram os personagens Dr. Manhattan e Comediante, que já exerciam suas atividades sob tutela estatal. Ozymandias, considerado o homem mais inteligente do planeta, torna-se líder de um conglomerado empresarial, enquanto Rorschach mantém suas atividades à margem da lei e possui problemas tanto com as forças policiais como com os malfeitores. Este personagem possui uma concepção moral bastante maniqueísta, pois entende que existe tanto o bem como o mal, e que o mal deve ser punido. O personagem Dr. Manhattan desempenha um papel fundamental na história, pois é o único dotado de superpoderes, tais como a capacidade de controle do tempo-espaço, regeneração física ou mental e teletransporte. No universo construído por Moore, os Estados Unidos venceram a Guerra do Vietnã, graças a esse personagem, e Richard Nixon sobreviveu ao escândalo Watergate modificando a constituição e sendo reeleito por mais duas vezes. A série se estende da década de 1930, início do advento dos “combatentes do crime”, ao ano de 1985, no qual a história é inicialmente situada.
  • 38. 38 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 APLICAÇÃO DO RECURSO INFORMACIONAL À EDUCAÇÃO: WATCHMEN, A TEORIA DO CAOS E A AÇÃO SOCIAL DE MAX WEBER A temática da teoria do caos foi aqui escolhida por ser possível fazer a associação entre este conteúdo e o conceito de ação social de Max Weber5 , um dos mais importantes temas por ele estudado. A teoria do caos parte do princípio de que as ocorrências dos fatos (na- turais e sociais) têm origem em determinadas sequências de eventos. Dito de outro modo: um determinado fato que, a título de análise, será chamado de evento C, ocorre posteriormente aos eventos A e B (nessa ordem); com isso, quando ocorrer o evento A e depois o B, acontecerá o evento C6 . Enfim, quando se analisam as relações em sociedade, as ações sociais e as causalidades podem, certamente, sustentar que as escolhas dos atores sociais são passíveis de inscrição em longas séries de interações entre causas e efeitos, formando, portanto, uma cadeia de causalidades. Ou seja, o caos completo é um tipo de perfeição. Watchmen faz várias referências à matemática fractal e à teoria do caos – portanto, aos processos não lineares –, utilizando também elementos meta- linguísticos. Esta “linguagem” está relacionada à formação de estruturas dissipa- tivas de não equilíbrio, sendo, portanto, instáveis. Nesse sentido, é importante lembrar que, de acordo com David Ruelle, a dependência hipersensível das condições iniciais alteram, de modo significativo, os processos que ocorrem após um determinado evento7 . Desse modo, a ciência do caos tem como objetivo detectar padrões nos fatos naturais e sociais desprovidos de ordem aparente. Na ciência econômica, por exemplo, tem ocorrido um aumento significativo do estudo dos não lineares e as polêmicas se multiplicam a cada ano8 . Em específico, no caso da macro- economia, o equilíbrio perfeito, que é resultado do livre-comércio, dogma do liberalismo econômico, jamais será alcançado9 . Atualmente, estuda-se como diminuir o grau de indeterminismo dos pro- cessos, na tentativa de domínio do conhecimento de modelos heterogêneos que se misturam em um determinado fenômeno. Durante muito tempo, ocor- reram tentativas de desenvolvimento de teorias que buscavam a explicação de coincidências (ou a ausência delas) no universo dos números e das formas, mas essas fórmulas foram incapazes de abranger a essência dos episódios não lineares e irregulares10 . A teoria do caos é um tema complexo que demanda a utilização de re- cursos informacionais que auxiliem, de forma lúdica, o seu entendimento. A linguagem das histórias em quadrinhos pode ser uma alternativa bastante eficaz nesse sentido, como se pretende demonstrar a seguir, pela discussão de um dos princípios da teoria do caos, o efeito borboleta, em Watchmen. O efeito borboleta foi estudado de forma aprofundada por Edward Nor- ton Lorenz, meteorologista e matemático estadunidense (1917-2008). Em seus 5. WEBER, Max. Econo- mia e sociedade: fun- damentos da sociologia compreensiva.Brasília: Universidade de Brasília, 2009. 6. MLODINOW, Leonard. O andar do bêbado: como o acaso determi- na nossas vidas. Rio de Janeiro: Zahar, 2009; BELLOS, Alex. Alex no país dos números. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 7. RUELLE, David. Acaso e caos. São Paulo: UNESP, 1993. 8. PRIGOGINE. Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996. 9. MLODINOW, op. cit., p. 187. 10. CAMBEL, Ali Bulent. Applied chaos theory. Boston: Academic Press, 1993.
  • 39. 39 Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico • Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi estudos meteorológicos, esse autor procurou realizar uma simulação, buscando prever as condições climáticas futuras. Para tanto, ao invés de repetir todos os cálculos já realizados, iniciou-os já no meio do caminho, fazendo uso dos da- dos iniciais que já possuía pela simulação anterior. Com isso, ele pensava que o computador fosse reapresentar os dados da simulação prévia. Entretanto, tal fato não ocorreu e o computador apresentou dados novos, fazendo com que sua previsão das condições climáticas fosse diferente da anterior11 . A explicação para tal fato é a de que, na memória do computador, os dados haviam sido armazenados com uma precisão de seis casas decimais, enquanto o resultado da impressão possuía três casas décimas. Assim, Lorenz concluiu que pequenas diferenças conduzem a significativas alterações nos resultados finais. Esse fenômeno ficou conhecido como “efeito borboleta”. Nos termos de Mlodinow: “ínfimas alterações atmosféricas, como as causadas pelo bater de asas de uma borboleta, poderiam ter um grande efeito nos subsequentes padrões atmosféricos globais”12 . Alan Moore, em Watchmen, conseguiu transpor o conceito do efeito borbo- leta para os quadrinhos, ao destacar que, após o surgimento dos super-heróis, o mundo jamais seria o mesmo, uma vez que estes afetariam o cotidiano das pessoas comuns. Deste modo, as ações sociais dos indivíduos seriam diferentes, quando se comparam dois períodos idênticos (em termos cronológicos): um, com o surgimento e presença dos super-heróis, e, outro, sem esse surgimento. Para Weber, cada ator social age conduzido por motivos relacionados à emoti- vidade, aos interesses racionais e à tradição. Portanto, a ação social seria uma conduta humana dotada de sentido subjetivo13 . O sentido da ação é social, pois, cada indivíduo age levando em conta a reação ou resposta dos outros atores sociais – como, por exemplo, a existência real (ou não) dos super-heróis –, o que demonstra a intensa interdependência dos indivíduos em sociedade. E mais: a ação social gera efeitos sobre a realida- de em que ocorre, pois existe interdependência entre os sentidos das diversas ações dos atores sociais. Em Watchmen, a história é narrada de modo não linear, próprio dos eventos que são estudados por meio da teoria do caos. Ressalta-se, porém, que se tem aqui apenas uma alusão implícita à teoria do caos, alusão essa que está presente no decorrer de toda a obra. De acordo com ela, o surgimento dos super-heróis ocorreu em 1938, quando apareceram notícias de que pessoas “encapuzadas” ou “usando alguma coisa sobre o rosto” teriam interrompido crimes em Nova York. Foi nesse ano que, segundo a graphic novel, ocorreram notícias sobre os primeiros aventureiros mascarados fora dos quadrinhos. Lembra-se que o mundo apresentado em Watchmen era, até a década de 1960, semelhante ao nosso, com a diferença da existência de indivíduos fanta- siados interrompendo assaltos ou outros crimes. Tal contexto se alterou com o surgimento do primeiro herói com superpoderes reais, o Dr. Manhattan. Esse personagem passou a ter superpoderes em função de um acidente, no qual 11. MLODINOW, op. cit., p. 206. 12. Ibid, p. 206. 13. WEBER, op. cit.
  • 40. 40 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 (...) um jovem americano foi completamente desintegrado, pelo menos no sen- tido físico da palavra. Apesar da ausência de corpo, uma forma de padrão ele- tromagnético semelhante à consciência sobreviveu e foi capaz, com o tempo, de reconstruir uma versão aproximada do corpo que o havia hospedado. No decorrer da reconstrução de sua forma corpórea, essa entidade nova e total- mente original adquiriu um domínio completo sobre toda a matéria, capaz de moldar a realidade pela manipulação de seus blocos básicos.14 É possível fazer vários paralelos entre a obra Watchmen, em específico com o protagonista Dr. Manhattan, e as teorias da ação social e do caos, pois o sur- gimento desse protagonista em nosso mundo influiu diretamente na alteração de contextos reais no futuro. As figuras 2 e 3, a seguir, retratam a importância e a influência que o personagem Dr. Manhattan exerceu na história analisada, para o desfecho da guerra do Vietnã. Na obra em estudo, esse conflito bélico foi vencido pelos Estados Unidos, contrariamente ao mundo real, no qual tal fato não ocorreu. 14. MOORE; GIBBONS, op. cit., p. 138-139. Figura 2: Dr. Manhattan e o presidente Nixon. Fonte:Watchmen,p.127. Com a vitória dos Estados Unidos na guerra do Vietnã, como mostrado nas figuras, as relações de forças políticas e de luta pelo poder entre as nações foram alteradas. Ou seja: ocorreram modificações significativas nas relações internacionais pela alteração do vencedor de uma guerra. Tal fato demonstra como a variação de apenas um fato do contexto real acaba por ter repercussão em todo um contexto econômico, social e político mais amplo. CONSIDERAÇÕES FINAIS A aplicação da história em quadrinhos Watchmen às temáticas da teoria do caos e as suas relações com a teoria da ação social de Max Weber deixa vislum- brar um leque variado de possibilidades e recursos, disponíveis ao educador, para trabalhar o tema de modo lúdico com os estudantes. Percebe-se, assim, Figura 3: Os Estados Unidos vencem a guerra do Vietnã. Fonte:Watchmen,p.128.
  • 41. 41 Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico • Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi as possibilidades de desenvolvimento de um trabalho com o conteúdo textual e visual, próprio das histórias em quadrinhos. Especificamente na questão da teoria do caos, as imagens dessa história em quadrinhos acabam por fornecer todo um contexto, ou, até mesmo, um caso concreto (no âmbito da ficção) das relações sociais existentes entre diversos agentes sociais, fazendo também relação direta com a teoria do caos. A experiência de aplicação da obra Watchmen às temáticas selecionadas representa apenas uma possibilidade de aplicação dos quadrinhos em ambiente didático. Muitas outras existem. Como produto artístico, as histórias em qua- drinhos têm a capacidade de transmitir mensagens no âmbito educacional e de aprofundar questionamentos no interior de uma determinada realidade. A partir da aplicação aqui apresentada, pode-se afirmar que fica mais uma vez comprovado que os professores do Ensino Médio – e também dos demais ní- veis de ensino – têm, nas histórias em quadrinhos, um importante aliado nas atividades escolares, pois esse recurso informacional possibilita a ampliação do trabalho com os educandos, auxiliando no aprendizado por meio de uma linguagem mais agradável e próxima dos alunos. E o melhor de tudo é que os quadrinhos estão aí, disponíveis, acessíveis e prontos para serem explorados por todos aqueles que tenham firmado um compromisso sério com a melhoria do ensino e com a dinamização do ambiente escolar REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARI, Valéria Aparecida. O potencial das histórias em quadrinhos na formação de leitores. 2008. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2008. BELLOS, Alex. Alex no país dos números. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. CAMBEL, Ali Bulent. Applied chaos theory. Boston: Academic Press, 1993. CAPUTO, Maria Alice Romano. História em quadrinhos: um potencial de informação inexplorado. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências da Informação). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003. HARRIS-FAIN. Darren. Revisionist superhero graphic novels: teaching Alan Moore´s Watchmen and Frank Miller´s Dark Knight Books. In: TABACHNICK, Stephen. Teaching the graphic novel. New York: The Modern Language Association of America, 2009. p. 147-154. MLODINOW, Leonard. O andar do bêbado: como o acaso determina nossas vidas. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. MOORE, Alan; GIBBONS, Dave. Watchmen. São Paulo: Panini Brasil, 2009.
  • 42. 42 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 PRIGOGINE. Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996. RAMA, Ângela; VERGUEIRO, Waldomiro (org.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2005. RUELLE, David. Acaso e caos. São Paulo: UNESP, 1993. VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo. Quadrinhos na educação. São Paulo: Contexto, 2009. WATCHMEN. Direção: Zack Snyder.Legendary Pictures; DC Comics, 2009. 1 bobina cinematográfica (162 min.), color. WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Universidade de Brasília, 2009.
  • 43. 43 Cruzando espaços: proposta de contribuição para a Wikipédia Mayra Rodrigues Gomes Professora titular no Departamento de Jornalismo e Editoração e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP. Ivan Paganotti Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM) da USP, sob orientação da Profa. Dra. Mayra Rodrigues Gomes, com bolsa CAPES. Resumo: Este artigo relata uma experiência em projeto pedagógico com reforço na contribuição social. Trata da adoção em sala de aula de sítio wiki, em que os alunos realizam seus trabalhos finais das discipli- nas ministradas para curso de Jornalismo. Em extensão a essa proposta, o artigo apresenta os primeiros passos em direção ao aproveitamento desses mesmos tra- balhos, com o intuito de complementar tópicos, ou criar temas relevantes, na Wikipédia. Palavras-chave: Ensino; wikimedia; Wikipé- dia; comunicação; colaboração. Abstract: This article describes the ex- perience in a pedagogical project that reinforces social contribution. It is related to the adoption, in class, of a site wiki in which the students write their final works in disciplines ministered for an undergraduate course in journalism. The article presents observations about an extension to the pedagogical proposal: the first steps to- ward the application of these works with the intention to complement topics, or create relevant themes, in the Wikipedia. Keywords: Teaching; Wikimedia; Wikipedia; communication; collaboration. INTRODUÇÃO: ENTRE DOIS MUNDOS Temos desenvolvido, a partir de 2005, um projeto didático junto a disci- plinas ministradas na graduação, que envolve a criação de sítio da ferramenta wiki para que os alunos componham seus trabalhos semestrais em ambiente hipertextual1 . A plataforma wiki permite a inserção e edição colaborativa de conteúdos, criando facilmente páginas hipermídias e links, usando um software livre adotado também pela Wikipédia. Essas disciplinas são compartilhadas com a Profa. Dra. Rosana de Lima Soares, e a implantação do projeto com wikimedia envolveu a colaboração de vários orientandos, entre eles destacando-se Andrea Limberto Leite, Eliza Bachega Casadei, Fábio Sasseron e Ivan Paganotti. Embora pioneiro em sua época, o recurso à mídia de hipertexto tornou-se procedimento, desde então, bastante comum em sala de aula. No entanto, nosso Recebido: 21/09/2012 Aprovado: 01/11/2012 1. GOMES, Mayra Rodri- gues; SOARES, Rosana de Lima; LEITE, Andrea Limberto. Wiki: uma ex- periência pedagógica. Rumores (USP), v. 1, n. 1, 2o sem. 2007. Disponível em: <http://www.revis- tas.univerciencia.org/in- dex.php/rumores/article/ viewFile/6495/5905>.
  • 44. 44 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 projeto conserva seu ineditismo, ao considerarmos a natureza das disciplinas que ministramos. Nossas disciplinas estão, em sequência de três, arroladas sob a rubrica Ci- ências da Linguagem, pois esse nome já é revelador. Bastante antigo, o termo segue o espírito do que ficou conhecido, a partir das colocações de Wittgenstein, como virada linguística. Corresponde ao momento em que as ciências huma- nas começaram a dedicar atenção especial à linguagem, considerando-a como a dimensão de base para todo o potencial que caracteriza nossa humanidade. A partir desse momento, em meados do século XX a expressão se fez cada vez mais presente nas obras de grandes pensadores. Embora a virada como um todo tenha tido suas raízes em trabalhos desenvolvidos no campo da linguística, a expressão nada mais tinha a ver com a linguística no sentido estrito do termo. Ela comparecia em obras diferenciadas e agregava campos do saber (como antropologia, história, lógica, psicanálise, psicologia, sociolo- gia etc.) em torno de achados e reflexões, a partir do papel da linguagem na constituição do homem, suas comunidades, suas fabulações e, portanto, seus modos de conceber e viver a realidade do mundo. Das reflexões geradas pelo conjunto de saberes em torno desse eixo, po- demos dizer que se tratava, fundamentalmente, da ativação de uma filosofia da linguagem. Nesse caso, é preciso esclarecer que, por linguagem, se entende uma dimensão que compreende língua e também todas as formas de expres- são inscritas ou ainda por se inscrever. É igualmente necessário anotar que o termo ciências se sustenta enquanto remetido aos procedimentos metodológicos específicos, mantidos por cada campo, ainda que sob o prisma da linguagem, em relação a seu objeto. No decorrer do tempo, esse conjunto passou a incorporar achados da biologia, das ciências cognitivas, da neurologia, da paleontologia etc. Para seu desenho e depuração, foram fundamentais os conceitos de alteridade, discur- so, identidade e sistema, acompanhados de uma genuína revolução quanto ao conceito de representação. Por outro lado, dentre esses conceitos, enquanto instrumentalização, o de discurso, em suas variadas apropriações, teve um papel central, pois foi traba- lhado a partir de sua propriedade básica, ou seja, a articulação das coisas, de modo a gerar sentidos orientadores da ação humana, a rigor, a tessitura do mundo. Por outro lado, o conceito de narração é um segmento fundamental para a compreensão dos meios e formas em que as mencionadas articulações se estruturam. Uma vez apontados esses conceitos centrais, ao procurarmos novamente uma visão de conjunto, é discernível uma linha central catalisadora que podemos identificar como uma teoria do sujeito enquanto ser de linguagem. Tendo esses vetores no horizonte, as Ciências da Linguagem se voltam para a compreensão das condições e efeitos dos processos comunicacionais, vale dizer, ao mesmo tempo, para a compreensão das produções midiáticas ao longo do tempo.
  • 45. 45 Cruzando espaços • Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti Ora, embora de caráter teórico, nossas disciplinas têm a cultura, em suas formas midiáticas de emergência, como a matéria por onde transitam em suas explicações/demonstrações. Entre dois mundos, o da teoria e o das práticas correntes, tais disciplinas não deixam de impor questões e desafios. Por um lado, e em virtude de sua mencionada natureza, elas se constituem como rede de informações, rede de cruzamento de teorias da qual brota uma compreensão de conjunto e com a qual se colocam nossos instrumentais ex- ploratórios. Este foco se reforça com alguns dos autores que são nelas aborda- dos, como, por exemplo (e apesar de seus distintos enfoques), Gilles Deleuze, Marshall MacLuhan, Pierre Lévy etc. Por outro lado, elas nos pedem uma ponte entre a teoria e seu objeto de reflexão para além da própria reflexão, ou seja, enquanto fazer concreto no qual possam ser vistos aportes teóricos em atualização. Esse prisma também é solicitado em virtude dos autores por elas visitados, por exemplo, Michel Fou- cault, Patrick Charaudeau, Dominique Maingueneau, cujos trabalhos operam na injunção dos processos a partir das leis, ou conceitos, que lhes organizam, dando uma forma de inteligibilidade. Em resposta a esse quadro veio o encontro com a wikimedia, software livre voltado para a organização de conteúdo em forma sincrética, o qual permite automática linkagem e cruzamento entre texto, imagem e som. De 2005 ao presente momento, temos explorado formas de abordagem da ferramenta e meios de utilização que possam propiciar ao aluno uma fácil aproximação e melhor aproveitamento. Estávamos respondendo à questão da ponte entre teoria e prática, mas também a uma questão que se enuncia, com insistência, em tempos de redes sociais. Trata-se da conectividade entre meios e pessoas de que se tecem as relações sociais, em seus diversos níveis e extensão, em nossos dias. Procuramos descrever essa experiência anteriormente2 , assim como nosso modo de resposta a demandas da contemporaneidade. Porém, dois novos fatores se introduziram a partir dessas mesmas experiências. Em primeiro lugar, desde o início da implantação dos sites wikis, constatamos que, ao construírem seus artigos, os alunos, em termos da implantação de links externos, recorriam, ma- joritariamente, a páginas da Wikipédia que estendiam/explicavam determinado tópico. Mais do que isso, constatamos que a maior fonte para seus levantamentos ou pesquisas sobre um assunto era a própria Wikipédia. Ao mesmo tempo, pudemos perceber que a referência dos alunos era, fre- quentemente, a Wikipédia em língua inglesa. E, comparativamente, o conteúdo nessa língua era – no que tange aos temas explorados em classe – bem mais extenso, pormenorizado e abrangente. Por outro lado, desde algum tempo, ao acessarmos a Wikipédia, somos solicitados a contribuir com seu projeto, tanto para que ele inclua mais informações quanto para que essas sejam mais acuradas. Seguindo experiências anteriores na Universidade de Columbia, em Nova York3 , com concomitantes experiências na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade Estadual Paulista de Marília4 , no primeiro 2. GOMES, Mayra Rodri- gues; SOARES, Rosana de Lima. Wikimedia: integra- ção de texto e imagem no ensino de Jornalismo. Brazilian Journalism Re- search, v. 7, p. 171-199, 2011. Disponível em: <http://bjr.sbpjor.org.br/ bjr/article/view/299/280> 3. BLASQUES, Márcia. Colaboração, direito de autor e narrativas da contemporanidade. In: MEDINA, Cremilda (org.). Liberdade de expressão, direito à informação nas sociedades latino-ameri- canas. São Paulo: Funda- ção Memorial da América Latina, 2010, p. 107. 4. ESTEVES, Bernardo. Cooperação conturba- da: quem são e por que brigam os editores da Wikipédia em português. Revista Piauí, n. 70, jul. 2012. Disponível em: <http://revistapiaui.es- tadao.com.br/edicao-70/ questoes-enciclopedicas/ cooperacao-conturbada>.
  • 46. 46 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 semestre de 2011, buscamos levar os artigos construídos por nossos alunos den- tro de nossa própria plataforma wiki para a Wikipédia, para que o resultado de suas pesquisas pudesse complementar, aprimorar ou criar verbetes nesse meio – uma experiência que será pormenorizada a seguir. TRANSPONDO ESPAÇOS: O MUNDO DO LADO DE LÁ Foi assim que adotamos, como condição da avaliação final, o projeto de inserção, pelos próprios alunos, de parte de seus trabalhos, visando à com- plementação de tópicos já existentes ou, dependendo do caso, a criação de temas expressivos, no entanto, ainda inexplorados. Cruzando a demanda desses verbetes incipientes, que poderiam crescer com a colaboração de nossos alu- nos (ver Imagem 1), com a oferta possível de conteúdos estudados durante a disciplina, os estudantes escolheram tópicos, esboçando suas contribuições em uma plataforma wiki fechada5 , hospedada nos servidores da USP para esse fim (ver Imagem 2). Após elaboração satisfatória e comentários da docente e dos monitores, os alunos inseriram então esses conteúdos na Wikipédia (Imagem 3). 5. Matutino: <http://www. jorwiki.usp.br/jorwiki/gdmat11/ index.php/CI%C3%8ANCIAS_ DA_LINGUAGEM_I>. Noturno: <http://www.jorwiki.usp.br/ jorwiki/gdnot11/index.php/ CI%C3%8ANCIAS_DA_LIN- GUAGEM_I> 6. <http://pt.wikipedia.org/w/ index.php?title=Esfera_p%C3 %BAblica&oldid=25416823>. 7. <http://www.jorwiki.usp.br/ jorwiki/gdnot11/index.php/ Esfera_p%C3%BAblica>. Imagem 1 – Artigo “Esfera pública”, na Wikipédia (início do 1o semestre/2011)6 . Imagem 2 – Artigo “Esfera pública”, elaborado pelos alunos na plataforma wiki interna (fim do 1o semestre/2011)7 .
  • 47. 47 Cruzando espaços • Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti Entretanto, poucos dias depois, 5 dos 20 artigos com contribuições dos alunos foram retirados da Wikipédia. Entre os tópicos removidos, encontram-se descrições de livros como “Análise de textos de comunicação”, de Dominique Maingueneau, “Interpretação e superinterpretação”, de Umberto Eco, e “A arte da conversação”, de Peter Burke. Esses verbetes foram acusados de se tratarem de “resenha crítica” de obras pouco relevantes, ou sem fontes externas, o que é desaconselhado pelas políticas de neutralidade da Wikipédia, que proíbe a publicação de pesquisa inédita, sem fundamentação em dados e interpretações já publicadas em fontes confiáveis – pois os artigos sobre os livros citavam predominantemente as próprias obras que pretendiam sintetizar. Outro tópico (mostrado na Imagem 4) sobre a “Esfera pública” apresentou uma paradoxal acusação de “violação dos direitos autorais” da própria página dos alunos na nossa plataforma wiki – como os esboços dos artigos partiram de lá, um editor da Wikipédia considerou a transposição do conteúdo como plágio, e não identificou que se tratava de etapa preliminar dos próprios autores. 8. <http://pt.wikipedia.org/w/ index.php?title=Esfera_p%C3 %BAblica&direction=next&ol did=25837461>. 9. <http://pt.wikipedia.org/ wiki/Esfera_p%C3%BAblica>. Imagem 3 – Contribuição dos alunos ao artigo “Esfera pública”, na Wikipédia (fim do 1o semestre/2011)8 . Imagem 4 – Versão atual (em setembro/2012) do artigo “Esfera pública”, na Wikipédia (contribuições dos alunos foram apagadas9 ).
  • 48. 48 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Ainda assim, três quartos dos artigos persistem após mais de um ano na Wikipédia, demonstrando que a experiência apresentou frutos perenes: entre eles, destacam-se contribuições em trechos de biografias (de Julia Kristeva, Sigmund Freud, Contardo Calligaris e Dominique Maingueneau), a ampliação de artigos sobre obras fundamentais (como A interpretação dos sonhos, de Freud, e A ordem do discurso, de Foucault), além de aprimoramentos nos tópicos Faits divers, Identidade Nacional, Moral, Opinião Pública, Relativismo Linguístico e Discurso. Devido às exclusões de artigos no primeiro semestre de 2011, no segundo semestre a contribuição com a Wikipédia foi facultativa. Dos poucos alunos que decidiram contribuir com a enciclopédia, uma estudante adotou o incipiente artigo “Gatekeeping” (ver Imagem 5), estruturando sua contribuição após aulas com tutoriais dos monitores e docentes da disciplina (Imagem 6) e, posterior- mente, concluiu o tópico, seguindo comentários dos professores ao final da disciplina (Imagem 7), e inserindo sua contribuição na Wikipédia (Imagem 8). 10. <http://pt.wikipedia. o r g / w / i n d e x . p h p ? t itle=Gatekeeping&old id=26024157>. 11. <http://www.jorwiki. usp.br/jorwiki/gdnot11/ i n d e x . p h p? t i t l e = O _ g a t e k e e p i n g _ e _ a s _ n a r r a t i v a s _ n a _ Web&oldid=2719>. Imagem 5 – Artigo “Gatekeeping”, na Wikipédia (início do 2o semestre/2011)10 . Imagem 6 – Artigo “O gatekeeping e as narrativas na web”, esboçado pela aluna na plataforma wiki interna (meados do 2o semestre/2011)11 .
  • 49. 49 Cruzando espaços • Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti Ironicamente, o artigo “Gatekeeping” foi ele próprio alvo de controle: a contribuição da aluna foi removida por um editor da Wikipédia, novamente criticando a “violação de direitos autorais” da página da própria aluna na nossa plataforma wiki. Porém, dessa vez a aluna conseguiu contatar o usuário “Jo Lorib” (identificado como João Ribeiro) que removera sua contribuição, e, após explicar a dinâmica da atividade, recebeu a recomendação de inserir, em sua página no site wiki, uma licença de uso da Creative Commons14 , adotada também pela Wikipédia. A recomendação desse editor foi crucial para o apri- moramento dessa atividade, evitando novas acusações de violações de direitos 1 2 . < h t t p : / / w w w . jorwiki.usp.br/jorwiki/ gdnot11/index.php/O_ gatekeeping_e_as_narra- tivas_na_Web>. 13. <http://pt.wikipedia. o r g / w / i n d e x . p h p ? t itle=Gatekeeping&old id=27427069>. 14. <http://creative- commons.org/licenses/ by/3.0/>. Imagem 7 – Artigo “O gatekeeping e as narrativas na web”, concluído pela aluna na plataforma wiki interna (fim do 2o semestre/2011)12 . Imagem 8 – Contribuição da aluna ao artigo “Gatekeeping” na Wikipédia (fim do 2o semestre/2011)13 .
  • 50. 50 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 autorais; posteriormente, em contato por e-mail com os autores desta pesquisa, esse editor também se dispôs a colaborar com a atividade, de forma a treinar os alunos na linguagem e nas práticas próprias da Wikipédia, evitando novos atritos com outros usuários e a perda das colaborações dos alunos. Dessa for- ma, o artigo da aluna retornou e persiste atualmente na Wikipédia, com novas contribuições (Ver imagem 9). 15. <http://pt.wikipedia. org/wiki/Gatekeeping>. 16. MORAES JÚNIOR, Enio. O ensino do in- teresse público na for- mação de jornalistas: elementos para a cons- trução de uma pedagogia [Tese de Doutorado]. São Paulo, 2011, p. 316. 17. MAINGUENEAU, Do- minique. Análise de tex- tos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2005, p. 42. 18. BARROS FILHO, Cló- vis; DAL FABBRO, Antô- nio. Jornalismo didático e agenda do leitor. Co- municação & Educação, n. 11, p. 22, jan./abr. 1998. Imagem 9 – Versão atual do artigo “Gatekeeping” na Wikipédia (setembro/2012)15 . CONCLUSÃO: CONTRIBUIÇÕES NA TRANSIÇÃO ENTRE MUNDOS A promoção da cidadania e a preocupação com temas de interesse público são centrais na formação de jornalistas16 . A experiência antes analisada não só pretende trabalhar com a “competência enciclopédica”17 dos alunos, que aprofundam seus saberes e, no processo, contribuem para o conhecimento socialmente acessível, mas também busca trabalhar com as capacidades lin- guísticas dos futuros jornalistas, que precisarão apresentar, descrever e explicar conceitos para seu público, uma preocupação pedagógica própria da prática do “jornalismo didático”18 . Além das habilidades clássicas de pesquisa e organização textual, centrais ao jornalismo – nesse caso, seguindo um estilo mais objetivo e coeso, que aproxima a linguagem enciclopédica de técnicas de texto jornalístico –, a ati- vidade descrita anteriormente já parte de um exercício de apuração criativa semelhante à pauta jornalística, identificando lacunas e temas de interesse que podem abrir espaço para novos tópicos ou contribuições de aprimoramento de verbetes incipientes. Mais do que isso, a contribuição com a Wikipédia evidenciou uma necessidade de abertura à crítica pública, pois a visibilidade dos trabalhos cresceu devido
  • 51. 51 Cruzando espaços • Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti ao grande público e à importância desse veículo. Novas estratégias de escrita também se tornaram necessárias devido ao formato colaborativo da Wikipédia, que permite comentários e edições de outros usuários – nesse ambiente, alunos e professores precisam mostrar a validade de sua contribuição pela fundamen- tação de seus artigos, não podendo escorar-se no prestígio acadêmico. Com isso, ficou ainda mais evidente para os alunos a necessidade de basear suas pesquisas em fontes confiáveis e verificáveis, possibilitando o aprofunda- mento posterior dos leitores interessados19 . Também o uso de hipermídia – uma grande vantagem ilustrativa na plataforma fechada, que permite exemplificação ou análise de objetos midiáticos – demandou restrições para seguir as exigências das políticas internas da Wikipédia com respeito aos direitos autorais. Por fim, as contribuições excluídas mostraram aos alunos a existência de disputas pela definição dos sentidos dos termos, baseados em discursos de autoridade, pelas demandas técnicas ou legais, ou pela legitimidade dos parti- cipantes com mais prática em zelar pelas regras coletivas. Se a credibilidade da Wikipédia já foi reconhecida justamente pelo controle constante da qualidade das contribuições de seus voluntários20 , isso por vezes pode levar a conflitos entre diferentes interpretações dos princípios e regras desse projeto coletivo. Como conclusão, é possível destacar alguns desafios para a continuidade e aprimoramento dessa contribuição acadêmica para a Wikipédia: • Aprimorar o treinamento prévio dos alunos: além do uso técnico do software, atualmente coberto pelos tutoriais dos monitores, é preciso discutir melhor as regras da Wikipédia (como os direitos autorais) e seus princípios e convenções (quais páginas exigem edição, e como ela deve ser feita). • Crítica da simples tradução de verbetes de outros idiomas ou cópia de registros em outras fontes: a apropriação adequada das informações deve ir além da simples reprodução para realmente influir na formação dos jovens estudantes. É necessário apresentar as vantagens da contextuali- zação e reformulação das informações coletadas de forma a atender às demandas próprias de cada público específico, uma habilidade (e um princípio ético) essencial para futuros jornalistas. • Maior objetividade: diminuir a prioridade dada por trabalhos acadêmicos de análise (interpretativa e, por definição, subjetiva e contestável) de objetos, incentivando a descrição de conceitos (por meio de pesquisa e fundamentação em fontes já existentes). No caso descrito anteriormen- te, promove-se mais o papel do jornalista como repórter, que relata e “reporta”21 , e menos o de um “comentarista”22 , que analisa e interpreta fatos a partir de um ponto de vista particular. Além disso, o maior desafio – determinante para a continuidade dessa experiência – exige reverter o incentivo negativo por que passam os novos usuários inexperientes23 , que sofrem com a dificuldade inicial de dominar 19. GOMES, Mayra Ro- drigues. Site wiki em sala de aula: uma experiência com hipertextualidade. Comunicacao & Educa- cao, v. 11, p. 109-118, maio/ago. 2009. Dispo- nível em: <http://www. revistas.univerciencia. org/index.php/comeduc/ article/view/7797/7192>. 20. GILES, Jim. Internet encyclopaedias go head to head (Enciclopédias na internet estão páreo a páreo). Nature, n. 438, p. 900-901, 15 dez. 2005. Disponível em: <http:// www.nature.com/natu- re/journal/v438/n7070/ full/438900a.html>. 21. SODRÉ, Muniz. A narração do fato: notas para uma teoria do acon- tecimento. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 171. 22. CHAPARRO, Ma- nuel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além mar: travessias para uma nova teoria de gêneros jornalís- ticos. São Paulo: Summus, 2008, p.178. 23. D’ANDRÉA, Carlos Frederico de Brito. En- ciclopédias na web 2.0: colaboração e moderação na Wikipédia e Britanni- ca Online. Em Questão (UFRGS), v. 15, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2009. Disponível em: <http:// seer.ufrgs.br/EmQuestao/ article/view/9147/5801>.
  • 52. 52 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 linguagem e regras próprias da Wikipédia. Devido a críticas ou exclusões de suas contribuições, os principiantes podem desistir da colaboração. Experiências anteriores destacam que a maior proximidade institucional com a Wikimedia Foundation24 possibilita uma base melhor para que os alunos tenham maior desenvoltura nessa colaboração25 . A própria Wikipédia descreve-se como “A enciclopédia livre”, mas não custa lembrar que a liberdade de contri- buição e edição encontra limites coletivamente difundidos e decididos sobre quais contribuições são válidas, e como devem ser feitas. Caso as dificuldades iniciais impostas pelas próprias dinâmicas da Wikipédia se tornem uma barreira de transposição difícil, a “enciclopédia livre” poderia acabar tolhendo demasia- damente a própria liberdade dos colaboradores de que depende. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS FILHO, Clóvis; DAL FABBRO, Antônio. Jornalismo didático e agenda do leitor. Comunicação & Educação (USP) n. 11, p. 22, jan./abr. 1998. BLASQUES, Márcia. Colaboração, direito de autor e narrativas da contempo­ ranidade. In: MEDINA, Cremilda (org.). Liberdade de expressão, direito à informação nas sociedades latino-americanas. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2010, p. 107. CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além mar: travessias para uma nova teoria de gêneros jornalísticos. São Paulo: Summus, 2008, p. 178. MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2005, p. 42. MORAES JÚNIOR, Enio. O ensino do interesse público na formação de jornalistas: elementos para a construção de uma pedagogia [Tese de Doutorado]. São Paulo: ECA, 2011, p. 316. SODRÉ, Muniz. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 171. Endereços eletrônicos D’ANDRÉA, Carlos Frederico de Brito. Enciclopédias na web 2.0: colaboração e moderação na Wikipédia e Britannica Online. Em Questão (UFRGS), v. 15, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/EmQuestao/ article/view/9147/5801>. ESTEVES, Bernardo. Cooperação conturbada: quem são e por que brigam os editores da Wikipédia em português. Revista Piauí, n. 70, jul. 2012. Disponível em: 24. <http://wikimediafoun- dation.org/wiki/Home>. 25. JORENTE, Maria José Vicentini. Cultura da Wi- kipédia como política de capacitação compartilha- da em meio digital de socialização do conhe- cimento. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, v. 4, n. 1, 2011. Disponível em: <http://inseer.ibict. br/ancib/index.php/tpbci/ article/viewArticle/53>.
  • 53. 53 Cruzando espaços • Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti <http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-70/questoes-enciclopedicas/cooperacao- conturbada>. GILES, Jim. Internet encyclopaedias go head to head (Enciclopédias na internet estão páreo a páreo). Nature, n. 438, p. 900-901, 15 dez. 2005. Disponível em: <http://www.nature.com/nature/journal/v438/n7070/full/438900a.html>. GOMES, Mayra Rodrigues. Site wiki em sala de aula: uma experiência com hipertextualidade. Comunicação & Educação (USP), v. 11, p. 109-118, maio/ ago. 2009. Disponível em: <http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/ comeduc/article/view/7797/7192>. _______; SOARES, Rosana de Lima; LEITE, Andrea Limberto. Wiki: uma experiência pedagógica. Rumores (USP), v. 1, n. 1, 2o sem. 2007. Disponível em: <http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/rumores/article/ viewFile/6495/5905>. ________; Wikimedia: integração de texto e imagem no ensino de jornalismo Brazilian Journalism Research, v. 7, p. 171-199, 2011. Disponível em: <http://bjr. sbpjor.org.br/bjr/article/view/299/280>. JORENTE,MariaJoséVicentini.CulturadaWikipédiacomopolíticadecapacitação compartilhada em meio digital de socialização do conhecimento. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, v. 4, n. 1, 2011. Disponível em: <http://inseer.ibict.br/ancib/index.php/tpbci/article/viewArticle/53>.
  • 55. artigosinternacionais 55 Redescobrindo o interesse pelas ciências: a chave para uma sociedade tecnológica Carlos Busón Buesa Doutor em Comunicação e Educação em Ambientes Digitais da UNED. Mestre em Comunicação e Educação na Rede, pela UNED. Professor e pesquisador em TICs na UNED. E-mail:cbuson@gmail.com Resumo: Apesar de vivermos em uma sociedade resultante da ciência e da tec- nologia, estamos cada vez mais afastados delas. Neste artigo pretendemos mostrar como uma má aprendizagem de disciplinas científicas produz um crescente desinteresse dos jovens pelo assunto. É fundamental que a sociedade da informação e comunicação promova uma aprendizagem mais adaptada aos tempos atuais, que considere as no- vas formas de aprender a aprender algo essencial em uma sociedade desenvolvida. Palavras-chave: Ciência; educação; tecno- logia; criatividade; motivação. Abstract: Although we live in a society that is result of science and technology, we are increasingly more distant from them. In this paper we argue that an inadequate learning of the scientific disciplines can produce disinterest on the issue amongst young people. It is essential in information and communication society to promote an education in line with these times, an education that considers new ways of learning to learn, which is indispensable in a developed society. Keywords: Science; Education; Technology; Creativity; Motivation. A influência educativa que a execução de um trabalho exerce no aluno pode variar bastante, a depender se ele experimentou o medo de ser castigado, a paixão egoísta ou o desejo de prazer e satisfação. Albert Einstein (1879-1955) Recebido: 27/08/12 Aprovado: 08/10/12 1. Entrevista de Michio Kaku. Por qué los niños no quieren ser científicos [Por que as crianças não querem ser cientistas]. Disponível em: <http:// w w w .y o u t u b e . c o m / watch?v=xroEFYCXrwY>. Acesso em: 6 abr. de 2012.Carlos Busón Buesa O interesse e a motivação são fatores-chave para a aprendizagem humana. Nosso meio nos estimula à descoberta, mas, em muitos casos, o que poderia ser uma experiência bela e estimulante transforma-se em algo desagradável e frustrante. O físico e divulgador Michio Kaku1 afirma que “nascemos cientistas” e, assim mesmo, nos alerta sobre algo inquietante, ao referir-se aos “anos peri- gosos para a ciência”, os quais correspondem curiosamente ao período que inclui o ensino primário e secundário, quando a curiosidade dos jovens é literalmente esmagada
  • 56. 56 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 pelo sistema educacional, que oferece unicamente a transmissão linear das ideias para dar conta dos programas oficiais. Não obstante, essa mesma ideia sobre a educação é compartilhada por mui- tos outros cientistas e educadores, como o prêmio Nobel Sydney Brenner2 ou, para ir ainda mais longe, o próprio Albert Einstein3 . Por que tantos cientistas de renome acreditam que a escola é o maior perigo para a ciência? A resposta talvez seja mais simples do que se acredita: a escola, tal como a compreendemos, acaba com a criatividade e o interesse natural das crianças. Como afirma Robinson4 , a educação afasta muitas pessoas de seus talentos na- turais. Apaga a curiosidade própria dos jovens; uma escola que não responde às perguntas e que persegue a quem o faça. É necessário voltar e resgatar o conceito da pedagogia da pergunta, de Freire e Faundez5 , uma pedagogia que incita a descobrir o desconhecido. ALERTA NA EDUCAÇÃO São numerosas as vozes críticas que nos alertam para o estado da educação atual. Muitos autores nos falam dos pífios resultados obtidos, de meios insufi- cientes, do abandono escolar, de professores malformados e desmotivados etc. Tudo isso, sem dúvida, incide nos resultados acadêmicos e, consequentemente, no desenvolvimento econômico e social de um país. Schank6 afirma que “o que ensinamos não está certo, e a forma como en- sinamos também não”, chegando a dizer que “as escolas de hoje organizam-se em torno das ideias de ontem, das necessidades de ontem e dos recursos de ontem”7 . Continua e reafirma: “as escolas nunca ensinam o que vale na vida. Obrigam o aluno a memorizar, todos no mesmo ritmo, dados que são esquecidos de imediato. As provas avaliam aptidões que não têm a menor importância”. Não poderíamos estar mais de acordo, pois memorizar conteúdos acrescenta pouco à aprendizagem. Entretanto, o que entendemos por utilidade? O que realmente é útil para a vida? Trata-se de questões de difícil resposta. Cada vez mais cresce o número de autores que questionam os conteúdos oferecidos nas aulas: Schank (1995), Torres (2000), Carbonell, (2006), Robin- son (2006, 2011), Prensky (2010), e muitos outros falam de conteúdos “pouco úteis”, baseados em modelos educacionais arcaicos, que nada têm a ver com as novas gerações. Não obstante, isto não é algo novo, em seu momento, Isaac Asimov8 afirmava que nas escolas a educação é algo imposto, e que todos são obrigados a aprender as mesmas coisas, ao mesmo tempo, no mesmo ritmo – desconsiderando que todas as pessoas são diferentes. Em um espaço assim há bem pouca margem para desenvolver a criatividade e o interesse dos alunos. 2. Entrevista de Sydney Brenner, um biólogo da África do Sul, premiado com o Nobel de Medi- cina de 2002: “acredito que no fundo todas as crianças são naturalistas e parecem querer explorar a natureza. Infelizmente vão à escola e a escola acaba com isso...”. Disponível em: <http://www.rtve.es/tve/b/ redes2007/semanal/prg341/ entrevista.htm>. Acesso em 5 dez. 2011. 3. “O ensino deveria ser de natureza tal que o que se oferece fosse recebido como um dom valioso e não como penoso dever” (EINSTEIN, 1980: 76), “Para mim, o pior da escola é utilizar como fundamento o temor, a força e a autorida- de. Tal tratamento destrói os sentimentos sólidos, a sinceridade e a confiança do aluno em si mesmo. Cria um ser submisso” (Ibid., 71). 4. Sir Ken Robinson; ¡A iniciar la revolución del aprendizaje! [Sir Ken Ro- binson: vamos começar a revolução da aprendi- zagem!]. Disponível em: <http://www.ted.com/talks/ sir_ken_robinson_bring_ on_the_revolution.html>. Acesso em: 7 nov. 2010. 5. FREIRE, P; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1985. 6. Entrevista de Roger Shank. ¿Crisis educativa? [Crise educacional?]. Dis- ponível em: <http://www. rtve.es/tve/b/redes2007/ semanal/prg351/entrevista. htm>. Acesso em: 5 dez. 2011. 7. SCHANK apud NORA, Dominique. La Conquista Del Ciberespacio. Ed. An- drés Bello, 1997, p. 46 8. Bill Moyers Rewind: Isaac Asimov (1988). Dis- ponível em: <http://www. pbs.org/moyers/journal/ blog/2008/03/bill_moyers_ rewind_isaac_asimo_1. html>. Acesso em: 6 dez. 2011.
  • 57. 57 Redescobrindo o interesse pelas ciências • Carlos Busón Buesa A SOCIEDADE E A CIÊNCIA Vivemos em um mundo resultante de avanços científicos e técnicos. Em cada gesto nosso, interagimos com a tecnologia criada por nossos ancestrais; cada instrumento que utilizamos em nosso meio cotidiano foi desenvolvido para resolver um problema concreto, tudo, absolutamente tudo de nosso meio tem uma origem tecnológica e, em última instância, científica. A tecnologia está presente em todos os âmbitos humanos. Entretanto, há um profundo desconhecimento de como a tecnologia se desenvolve e qual é sua finalidade. Ao estudar ciências, os alunos adquirem habilidades e destrezas que os capacitam a um melhor desenvolvimento em sua vida cotidiana, para se relacionarem com seu meio e com o mundo natural. As ciências se incorporaram à vida social de tal modo que se transformaram na chave essencial que permite interpretar e compreender a cultura contemporânea.9 Conceitos como o genoma humano, o DNA, os transplantes, as pandemias, a síndrome respiratória aguda grave, a AIDS, o câncer, as mudanças climáticas, o fim da biodiversidade, a contaminação do meio ambiente, as catástrofes naturais etc. estão presentes em nossas conversas diárias, de uma forma ou de outra. Aumentar o interesse pela ciência nos ajudará a entender mais sobre nosso meio e sobre nós mesmos. Carl Sagan10 afirmava que: “(...) vivemos em uma sociedade profundamente dependente da ciência e da tecnologia, e na qual ninguém sabe nada sobre estes assuntos. Isso constitui uma fórmula segura para o desastre (...)”. De qualquer modo, queremos ressaltar que não se trata, de forma nenhu- ma, de transformar os alunos em grandes cientistas, mas de permitir que sai- bam compreender não apenas os mecanismos do mundo em que vivem, como também as implicações de suas atividades sobre o planeta e sobre a vida em comum com nosso semelhantes. A ciência é o processo para descobrir a verdade oculta no que nos rodeia, como afirmam diferentes autores: Kuhn (1971), Popper (1980), Bourdieu (2003) etc. Descobrimos uma maneira eficiente e elegante de compreender o universo, e este método se chama ciência. Como dizia Sagan11 , “apenas quem formula perguntas pode descobrir a verdade”. A dúvida produz a pergunta, que está sempre presente no método científico em busca da verdade. NOVOS DESAFIOS PARA NOVOS TEMPOS Brenner (2006) afirmava que “a essência da ciência é realizá-la, implementá- -la”. E uma das chaves sobre a criatividade é saber onde e como algo pode ser experimentado. Comentamos anteriormente que a chave da ciência e do progresso huma- nos é a curiosidade e também a reflexão crítica. Apenas uma leitura crítica de nosso entorno nos permite, tal como afirma Freire12 , desvelar a realidade, ler o mundo – em uma sociedade que nos educa, muitas vezes, para não pensarmos. 9. AGAZZI, Evandro. El bien, el mal y la ciencia [O bem, o mal e a ciên- cia]. Madrid: Ed. Tecnos, 1992, p. 45. 10. Série de TV Cosmos (1980). 11. SAGAN, Carl. El cere- bro de Broca [O cérebro de Broca]. Barcelona: Ed. Crítica, 2009, p. 424. 12. FREIRE, P. Pedagogía de la indignación [Pe- dagogia da indignação]. Madrid: Ed. Morata, 2001.
  • 58. 58 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Deveríamos retomar as ideias de John Dewey sobre o pensamento reflexo e aprender fazendo, o que requererá, sem dúvida, um deslocamento do que se alcançou até agora. Ao focalizar esta discussão nos ambientes educacionais, em especial no ensino e sua utilidade nas ciências, nos perguntamos se verdadeiramente os alunos adquirem habilidades e destrezas que permitem melhor desenvolvimen- to em sua vida cotidiana, aprendendo a se relacionar com seu meio e com o mundo natural (OCDE, 2010). Todos estes assuntos são tratados de modo mecânico; a educação atual transformou-se, em muitos casos, em algo muito parecido com um restaurante de fast food. Seguindo com a metáfora proposta, nos encontramos em muitos países com uma educação “industrializada”, na qual os pratos são sempre os mesmos em qualquer lugar em que nos encontremos; obriga-se o aluno a con- sumir o que está no menu, queira ele ou não. Um sistema que dá bem pouca margem à criatividade e à curiosidade para explorar “novos pratos e sabores”. Entretanto, o docente deve ser imaginativo e buscar fórmulas para explicar os conceitos de forma criativa. Gardner13 opina que devem ser desenvolvidos materiais atraentes que se prestem à exploração e à síntese, aproveitando as possibilidades da tecnologia. É interessante desenvolver materiais que ponham o gênio da tecnologia e a curiosidade das crianças a serviço de uma compre- ensão mais profunda. Um exemplo disso é o caso finlandês. Segundo Wagner14 , a educação se baseia em confiança, transparência, respeito e em ensinar a pensar ao invés de memorizar. É mais importante aprender a pensar que aprender a repetir. Tudo isso concorda plenamente com as propostas de mudança que diversos autores propõem. O sucesso finlandês deve-se fundamentalmente à participação dos estudantes no processo de aprendizagem. São incorporadas todas aquelas ferramentas educacionais que tornam as aulas mais atraentes, como, por exem- plo, vídeos do YouTube ou desenvolvimento de assuntos através de pesquisa na Wikipédia ou Facebook. A tecnologia utilizada nas casas é levada à sala de aula, como uma continuidade de sua forma de vida, que é aproveitada nos centros e contextos educacionais como estímulo à aprendizagem. Como dissemos anteriormente, o problema não são os conteúdos, mas a forma como são transmitidos. O que acontece atualmente nas aulas é uma transmissão linear do conteúdo, engessada em regras e normas fixas, para dar conta de um currículo estabelecido em uma repartição, onde se decidiu, por lei, como devem ser dadas as aulas. O professor transmite e o aluno retém, ou tenta reter, uma proposição que está claramente destinada ao fracasso e ao esquecimento. Os alunos não são esponjas, são pessoas que devem entender, interiorizar os conceitos, vê-los na mente. A proposta de memorizar para ser aprovado, sem que os conhecimentos sejam retidos, de nada serve para a vida adulta. Nossos alunos aprenderam mais através da internet, televisão, imprensa, rádio etc. que dentro da sala de aula. 13. GARDNER, H. La edu- cación de la mente y el conocimiento de las disciplinas: lo que todos los estudiantes deberían comprender [A educação da mente e o conheci- mento das disciplinas: o que todos os estudantes deveriam compreender]. Barcelona: Ed. Paidós, 2000. 14. WAGNER, Tony (2011). “The Finland Phenome- non; Inside The World’s Most Surprising School System” – a great re- source now available [“O fenômeno finlan- dês: por dentro do mais surpreendente sistema escolar” – um grande recurso agora disponível]. Disponível em: <http:// www.tonywagner.com/ resources/the-finnish- -phenomenon-inside-the- -worlds-most-surprising- -school-system-a-great- -resource-now-available>. Acesso em: 12 fev. 2012.
  • 59. 59 Redescobrindo o interesse pelas ciências • Carlos Busón Buesa Nossa espécie alcançou fórmulas bastante engenhosas de transmissão do conhecimento, somos uma espécie cultural, uma espécie que conta histórias, ao longo de milhares de gerações, quando a única forma de difundir o co- nhecimento era a oral. Histórias que eram contadas noite após noite ao redor do fogo, sob a luz das estrelas. Uma transmissão oral que permitia recordar conceitos, dados, que eram passados de geração para geração. Nossa mente evoluiu com a representação simbólica que abriu a possibi- lidade de recordar histórias, desenvolveram-se novas formas de transmissão, como a escrita, e tudo o que ela nos trouxe: ter acesso ao pensamento alheio no tempo e no espaço. Tudo isto continua presente em nossa cultura, no teatro, no cinema, na televisão e, nos últimos anos, nos video games. Na cultura grega aprendia-se no firmamento, contando fábulas fantásticas e imaginárias sobre o que se via no céu. Era uma forma simples de recordar a situação das estrelas, muito mais fácil e eficaz que memorizar longas listas de siglas e números. O PAPEL DOS EDUCADORES Para capturar a atenção e o interesse dos alunos, é fundamental conceder- -lhes autonomia, ensinar competências e, sem dúvida, transmitir os propósitos da aprendizagem. A autonomia permitirá criar oportunidades para que os alunos possam colocar em prática suas próprias pesquisas, que se ilustrem15 no método científico, com seus acertos e erros, para que errando possam de- tectar e retificar os erros. Recursos esses extremamente valiosos na ciência, e que, sem dúvida, desenvolverá a capacidade de solucionar futuros problemas. A aquisição de competências, chave para a aprendizagem permanente, permite o desenvolvimento pessoal do aluno para sua integração à sociedade. Entender o propósito do que se vai aprender ajuda o cérebro a visualizar conceitos abs- tratos que, sem dúvida, facilitam a compreensão dos objetivos que se querer atingir com a matéria. Tudo isso requererá a presença de alguém fundamental neste processo, o docente, mas não como se entende atualmente. As aulas continuarão sendo uma transferência de informação ao arquétipo bancário definido por Freire (1970), no qual se segue solicitando uma acumulação de conteúdos, sem refletir sobre o que significam. Um sistema que bem pouco tem a ver com o modelo de sociedade no qual vivemos imersos. Necessitamos de um docente que, como o afirma Downes16, possa desempenhar vários papéis que se adaptem às neces- sidades dos alunos. Apoiado em todos os meios tecnológicos ao seu alcance, deve atuar mais como um mediador, um guia do conhecimento que motive, oriente e incite os alunos a novos desafios na busca do saber. Como comenta Robinson17 “o que necessitamos não é uma evolução, mas uma revolução na educação”. A educação precisa ser transformada em algo mais. 15. Aqui nos referimos a “ilustrar” para recorda- mos que a Ilustração foi uma época que estabele- ceu um antes e um depois no progresso da ciência. Seria interessante volver a estimular o espírito da pesquisa nos nossos jovens, com o exemplo da paixão pela busca da verdade que aqueles pioneiros possuíam. 16. DOWNES, Stephen (2010). The Role of the Educator [O papel do educador]. Dispo- nível em:<http://www. huffingtonpost.com/ste- phen-downes/the-role-of- -the-educator_b_790937. html>. Acesso em: 6 dez. 2010. 17. Sir Ken Robinson; ¡A iniciar la revolución del aprendizaje! [Sir Ken Robinson: vamos começar a revolução da aprendi- zagem!]. Disponível em: <http://www.ted.com/ talks/sir_ken_robinson_ bring_on_the_revolution. html>. Acesso em: 7 nov. 2010.
  • 60. 60 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 É preciso mudar o modelo para “aprender a aprender”, isto permitirá aos alunos realizarem uma aprendizagem significativa de forma autônoma. Deve-se incentivar a aquisição de destrezas e procedimentos necessários para que os alunos possam realizar a aprendizagem por si mesmos. Vivemos no século XXI, mas em muitos aspectos continuamos ancorados no século XIX. São muitos os desafios, mas os resultados que poderemos alcançar compensarão quaisquer esforços. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGAZZI, Evandro. El bien, el mal y la ciencia [O bem, o mal e a ciência]. Madrid: Ed. Tecnos, 1992. BOURDIEU, P. El oficio de científico [O ofício do cientista]. Barcelona: Ed. Anagrama, 2003. CARBONELL, J. La aventura de innovar [A aventura de inovar]. Madrid: Ed. Morata, 2006. EINSTEIN, A. Mis ideas y opiniones [Minhas ideias e opiniões]. Barcelona: Ed. Antoni Bosch, 1980. FREIRE, P. Pedagogía de la indignación [Pedagogia da indignação]. Madrid: Ed. Morata, 2001. _______; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1985. GARDNER, H. La educación de la mente y el conocimiento de las disciplinas; lo que todos los estudiantes deberían comprender [A educação da mente e o conhecimento das disciplinas: o que todos os estudantes deveriam compreender]. Barcelona: Ed. Paidós, 2000. KUHN, T. La estructura de las revoluciones científicas [A estrutura das revoluções científicas]. México: Ed Fondo de Cultura Económico, 1971. NORA, Dominique. La Conquista Del Ciberespacio. Ed. Andrés Bello, 1997. OCDE. PISA 2009. Programa para la Evaluación Internacional de los Alumnos – informe español [Programa para a avaliação internacional dos alunos – relatório espanhol]. Madrid: Ed. Secretaría General Técnica, Subdirección General de Información y Publicaciones, 2010. SAGAN, Carl. Cosmos. [Cosmos]. New York: Ed. Ballantine Books, 1985. ____________. El cerebro de Broca [O cérebro de Broca]. Barcelona: Ed. Crítica, 2009. SCHANK, R. C.; CLEARY. Chip. Engines for education [Usinas para a educação]. Londres: Ed. Routledge, 1995.
  • 61. 61 Redescobrindo o interesse pelas ciências • Carlos Busón Buesa ENDEREÇOS ELETRÔNICOS BILL MOYERS REWIND: ISAAC ASIMOV (1988). Disponível em: <http://www. pbs.org/moyers/journal/blog/2008/03/bill_moyers_rewind_isaac_asimo_1. html>. Acesso em: 6 dez. 2011. DOWNES, Stephen (2010). The Role of the Educator [O papel do educador]. Disponível em: <http://www.huffingtonpost.com/stephen-downes/the-role-of- the-educator_b_790937.html>. Acesso em: 6 dez. 2010. ENTREVISTA A MICHIO KAKU. Por que los niños no quieren ser Científicos [Por que as crianças não querem ser cientistas]. Disponível em: <http://www. youtube.com/watch?v=xroEFYCXrwY>. Acesso em: 6 abr. 2012. PUNSET, Eduard (2010). ¡No me molestes, mamá; estoy aprendiendo! [Não me incomode, mamãe! Estou aprendendo!]. Disponível em: <http:// www.eduardpunset.es/7838/general/%C2%A1no-me-molestes-mama-estoy- aprendiendo>. Acesso em: 27 nov. 2010. REDES (2007). Entrevista de Sydney Brenner. Disponível em: <http://www.rtve. es/tve/b/redes2007/semanal/prg341/entrevista.htm>. Acesso em: 5 dez. 2011. REDES (2007). ¿Crisis educativa? Entrevista a Roger Shank [Crise na educação? Entrevista de Roger Shank]. Disponível em: <http://www.rtve.es/tve/b/ redes2007/semanal/prg351/entrevista.htm>. Acesso em: 14 nov. 2010. REDES N. 75 (2010). No me molestes, mamá, estoy aprendiendo. Entrevista a Mark Prensky [Não me incomode, mamãe! Estou aprendendo! Entrevista com Mark Prensky]. Disponível em: <http://www.redesparalaciencia.com/4040/redes/redes- 75-no-me-molestes-mama-estoy-aprendiendo>; <http://www.redesparalaciencia.com/ wp-content/uploads/2010/12/entrev751.pdf>. Acesso em: 4 fev. 2011. REDES N. 87 (2011). El sistema educativo es anacrónico. Entrevista a Ken Robinson [O sistema educacional é anacrônico. Entrevista com Ken Robinson]. Disponível em: <http://www.redesparalaciencia.com/5758/1/el-domingo-redes- 87-el-sistema-educativo-es-anacronico>; <http://www.redesparalaciencia.com/ wp-content/uploads/2011/03/entrev87.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2012. REDES N. 89 (2011). Los secretos de la creatividad. Entrevista a Ken Robinson [Os segredos da criatividade. Entrevista com ken Robinson]. Disponível em: <http:// www.redesparalaciencia.com/4684/redes/redes-89-los-secretos-de-la-creatividad> <http://www.redesparalaciencia.com/wp-content/uploads/2011/03/entrev89. pdf>. Acesso em: 14 mar. 2012. REDES N. 114 (2011). De las inteligencias múltiples a la educación personalizada. Entrevista a Howard Gardner [Das inteligências múltiplas à educação personalizadas. Entrevista com Howard Gardner]. <http://www. redesparalaciencia.com/6491/redes/redes-114-de-las-inteligencias-multiples-a-
  • 62. 62 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 la-educacion-personalizada>; <http://www.redesparalaciencia.com/wp-content/ uploads/2011/12/entrev114.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2012. TED2006 (2006). Sir Ken Robinson: las escuelas matan la creatividad [Sir Ken Robinson: as escolas matam a criatividade]. Disponível em: <http://www.ted. com/talks/ken_robinson_says_schools_kill_creativity.html>. Acesso em: 11 mar. 2012. TED2010 (2010). Sir Ken Robinson: ¡A iniciar la revolución del aprendizaje! [Sir Ken Robinson: vamos começar a revolução da aprendizagem!]. Disponível em: <http://www.ted.com/talks/sir_ken_robinson_bring_on_the_revolution.html>. Acesso em: 7 nov. 2010. WAGNER, Tony (2011). “The Finland Phenomenon: Inside The World’s Most Surprising School System” – a great resource now available [“O fenômeno finlandês: por dentro do mais surpreendente sistema escolar” – um grande recurso agora disponível]. Disponível em: <http://www.tonywagner.com/resources/the- finnish-phenomenon-inside-the-worlds-most-surprising-school-system-a-great- resource-now-available>. Acesso em: 12 fev. 2012.
  • 63. 63 Dos paradigmas interculturais à ação educacional autogerida Martha Lucia Izquierdo Barrera Especialista (Magíster) em Direção do Desenvolvimento Local; doutoranda do Programa de Ciências da Educação, na linha da Comunicação e Pensamento Educativo; diretora do Mestrado em Migrações Internacionais e da Escuela de Ciencias Sociales da Universidad Tecnológica de Pereira em Risaralda, Colômbia. E-mail: maluiz08@utp.edu.co Resumo: Este texto pretende relatar a experiência da graduação, em Etnoedu- cação e Desenvolvimento Comunitário, da Universidad Tecnológica de Pereira, na Colômbia, com as comunidades indígenas Embera Chamí, dos Departamentos de Risaralda e Caldas. Iniciamos com um percurso sócio-histórico e conceitual do surgimento da educação indígena, com a finalidade de contextualizar o leitor no âmbito referido. A segunda parte faz um percurso do contexto institucional – a Facultad de Ciencias de la Educación da Universidad Tecnológica de Pereira e a criação da graduação em Etnoeducação e Desenvolvimento Comunitário. Encerra-se relatando o processo de educação intercul- tural de uma perspectiva educomunicativa (Entre O CONCEBIDO/O VIVIDO: uma relação para qualificar o olhar). Palavras-chave: Educação; educação in- dígena; comunicação; interculturalidade; educomunicação. Abstract: This paper aims to relate the experience of the Undergraduate Course in Etnoeducation and Community Devel- opment of the Technological University of Pereira Colombia with the indigenous com- munity of Embera Chamí in the Risaralda y Caldas Area. We start with a sociohistorical and conceptual discussion, from the emer- gence of indigenous education, in order to contextualize the reader on the issue we re- fer. The second part of the paper discusses the institutional context – the Faculty of Educational Sciences of Technological Uni- versity of Pereira and the creation of the Undergraduate Course in Etnoeducation and Community Development. Finally, we relate the process of intercultural education from the educommunicative, (BETWEEN THE CONCEIVED/LIVED: A relationship to qualify the perspective). Keywords: Education; Indigenous Edu- cation; Communication; Interculturality; Educommunication. EDUCAÇÃO INDÍGENA: REFERÊNCIAS SÓCIO-HISTÓRICAS E CONCEITUAIS Entre os anos de 1900 e 1960, a educação de indígenas era realizada sob a tutela da Igreja ou em escolas oficiais, nas quais era aplicado um currículo que desconhecia a cultura dos grupos étnicos e, na maioria dos casos, impedia que a língua indígena fosse falada. Recebido: 05/11/12 Aprovado: 03/12/12 Foto:LuizAltieri Martha Barrera
  • 64. 64 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Com o convênio firmado entre o Estado colombiano e a Santa Sé, em 1887, e que se estendeu até depois de meados do século XX, propunham-se normas e diretrizes que tornavam a Igreja Católica um elemento essencial na ordem social e um meio de extensão da civilização e da nacionalidade sobre os “selvagens” e os índios andinos, antigos vassalos seus1 . A educação de indígenas, a cargo da Igreja, desenvolveu-se no âmbito das missões, com uma concepção pedagógica originada na pedagogia católica e que se manteve até os anos 1950, época em que foram adotados os planos oficiais. A partir do convênio de 1887, a catequese dos selvagens e a educação da juventude passaram a ser os objetivos principais das missões. Por outro lado, a percepção – representações e considerações ideológicas que se tinha das comunidades indígenas – que se havia iniciado na conquista justificava as diversas ações com objetivos civilizadores. De acordo com tais considerações, os indígenas “encontravam-se em um estado inverossímil de degradação: desco- nheciam o direito à propriedade – base da sociedade –, e seu desconhecimento do matrimônio monogâmico favorecia a promiscuidade sexual com terríveis consequências. Era, portanto, necessário “levar a luz (...) [a] nossos pobres índios [que] vivem tristes, desesperançados (...) [e] não sabem de onde vêm nem para onde vão”2 . Impor a “ideia cristã” a povos politeístas em quase sua totalidade – “o que pressupõe uma aberração do entendimento e uma abjeção da natureza racional” – era um compromisso histórico. Apenas assim “o selva- gem, livre do jugo da natureza (...) respirou o ar da liberdade (...) e conheceu (...) sua pequenez diante de Deus, que agora lhe alienava o corpo da alma”3 . O SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO INDÍGENA Apesar dos antecedentes de um pensamento pedagógico indígena como o de Manuel Quintín Lame, a escola bilíngue, escola própria ou escola indíge- na, surgiu apenas nos anos 1970, na Colômbia e também na América Latina, contrariamente e, em muitos casos, por conta da escola oficial e religiosa que havia sido promovida pelo Estado e pela Igreja4 . As reivindicações indígenas do momento se dirigiam ao reconhecimento de seus direitos em diversos setores e não apenas no plano nacional, mas também internacional. Assim, próximo ao ano de 1971, seis cabildos5 da comunidade Páez, uma das maiores do país (com aproximadamente 120 mil habitantes), formaram o Conselho Regional Indígena do Cauca (CRIC). Tal organização apresentou um programa de lutas que incluía aspectos do ideário de Manuel Quintín Lame, como recuperação das terras em mãos dos latifundiários, consolidação do cabildo indígena, afirmação dos valores culturais dos indígenas. São seguidos posteriormente pelo Conselho Regional Indígena de Tolima (CRIT), formado por indígenas Pijaos e Coyaimas, e pelo Conselho Regional Indígena de Risaralda (CRIR). Começaram a se reunir no ano de 1975, mas 1. JIMENO, Myrian; TRIA- NA ANTORVEZA, Adolfo. Estado y minorías étnicas en Colombia [Estado e minorias étnicas na Colôm- bia]. Bogotá: Cuadernos el jaguar, 1985, p. 31. 2. BUILES, M. A. 1951: 30, apud JIMENO,op. cit, p. 61. 3. JARAMILLO, 1947: 14, apud JIMENO, op. cit. p. 61. 4. AMODIO, Emanuele. (1989) Escuelas como espadas [Escolas como espadas]. In: AMODIO, Emanuele. (Compilador). Educación, escuelas y culturas indígenas de América Latina [Educa- ção, escolas e culturas indígenas da América Latina]. Quito: Edicio- nes Abya-Yala, 1989, p. 5-23; BODNAR, Yolanda. (1992). La constitución y la etnoeducación: ¿Una paradoja? [A constituição e a etnoeducação: um paradoxo?]. Educación y cultura, n. 27, p. 20-23, 1992. (Estado, educa- ción y grupos étnicos.); ARTUNDUAGA, Luis Al- berto. La etnoeducación: una dimensión de trabajo para la educación en comunidades indígenas de Colombia [A etnoe- ducação: uma dimensão de trabalho para a edu- cação em comunidades indígenas da Colômbia]. Revista Iberoamerica- na de educación, n. 13, 1997. (Educación bilin- güe. Biblioteca virtual.) Disponível em: http:// www.campus-oei.org/re- vista/frame_anteriores. htm; AGUIRRE, LICHT, Daniel. ¿Etnoeducación Etnocoacción? [Etnoedu- cação. Etnocoação?]. In: González Bermúdez, Jor- ge. Memorias del primer congreso universitario de Etnoeducación [Memórias do primeiro congresso universitário de etnoedu- cação]. La Guajira: ICFES/ MEN/Universidad, 1988, p. 51-60. 5. Uma espécie de conse- lho comunitário (N.T.).
  • 65. 65 Dosparadigmasinterculturaisàaçãoeducacionalautogerida • MarthaLuciaIzquierdoBarrera só realizaram seu primeiro congresso em torno de 1980 (COLOMBRES, 1977; CRIC, 1978, ICFES, 1985). As diversas organizações indígenas no ano de 1982 formaram a Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC). Concebida como uma grande “maloka” de povos indígenas do país, surgiu como resultado de um entendimento entre as comunidades e os povos indígenas colombianos, reunidos no I Congresso Nacional Indígena (ONIC, 2002). Apesar de que no ideário inicial das organizações indígenas existia uma evidente preocupação com uma educação que defendesse a cultura e a língua, será apenas no final da década de 1970 e meados dos anos 1980 que terão início os programas de educação bilíngue, alguns dos quais controlados por estas organizações, e outros por grupos religiosos (ICFES)6 . O conceito de educação indígena refere-se a um processo de socialização endógeno levado a cabo por parte de um grupo étnico, no qual o objetivo é a revalorização da cultura. Neste contexto, cada povo cria sua própria prática educacional, de acordo com sua situação específica. A CRIAÇÃO DA GRADUAÇÃO EM ETNOEDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO Por sua vez, a Faculdade de Ciências da Educação estava, nos anos 1990, em uma etapa de crise institucional e acadêmica, que exigia a implantação de uma série de transformações quanto aos paradigmas que orientavam sua ação pedagógica e curricular. Ainda assim, era necessário pensar em modelos de formação integral, dados os altos níveis de conflito e intolerância que caracterizavam nosso país nos anos 1990. Além disso, havia desafios propostos pela UNESCO, como a formulação dos saberes necessários para a educação do futuro. Surge, então, a graduação em Etnoeducação e Desenvolvimento Comu- nitário, na Universidade Tecnológica de Pereira (UTP), no contexto da pro- mulgação da nova Constituição Política de 1991, na qual se reconhecia que a Colômbia era um país de diversidades regionais e pluriétnico. Isso levava ao reconhecimento de uma série de esforços de acadêmicos, pesquisadores e líde- res de organizações étnicas, no sentido de atestar a importância de tais grupos étnicos, especialmente indígenas e afrodescendentes, no processo de construção do Estado-Nação na Colômbia. O reconhecimento desta mestiçagem étnica foi um primeiro passo que permitiu tornar mais visíveis os processos de exclusão, a partir de uma pers- pectiva histórica, da qual foram “vítimas” os membros de tais etnias durante os anos da Colônia, sob a hegemonia da Coroa Espanhola, como também ao longo do processo de consolidação do Estado republicano moderno, entre os séculos XIX e XX. 6. ENCUENTRO NACIO- NAL DE EXPERIENCIAS EN EDUCACIÓN INDÍ- GENA. ICFES/ Popayán: Universidad del Cauca, 1985).
  • 66. 66 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Nesse contexto, a educação também devia assumir um papel central para fortalecer os nexos identitários dentro de grupos étnicos – que em sua grande maioria corriam o risco de dissolver-se, como resultado da modernização eco- nômica, da penetração dos meios de comunicação em massa e do deslocamento forçado do campo e das zonas selvagens para a cidade, como consequência do conflito social e da confrontação armada entre exército, guerrilhas e paramili- tares, e que por longos anos afetou a população civil colombiana. Isso implicava também que (ao mesmo tempo que fortalecia a educação própria, o que permite valorizar sua língua, história e tradições como parte de um diálogo de gerações no âmbito da comunidade) fosse necessário abordar temas como o dos direitos humanos – problemática de profunda repercussão que também afetava outros grupos que sofriam perseguição, tais como sindicalistas, estudantes, militares de organizações de esquerda etc. Dessa forma, a etnoeducação era um bom pretexto para se propor o de- safio da transição étnica da nação e de uma sociedade mais tolerante, gerando outros espaços de diálogo e pedagogias para o reconhecimento intercultural. Ao longo destes anos, tem sido necessário enfatizar de maneira complemen- tar vários modelos ou paradigmas de educação intercultural. É claro, como diz Adela Cortina, que a educação das pessoas não pode estar desconectada de seus contextos sociais ou comunitários e de seus projetos pessoais; mas, da mesma forma, uma capacidade de relação dialógica com projeção ética e universal. Como aponta Rosa Marí Ytarte, falar de interculturalidade de uma pers- pectiva pedagógica significa falar de identidade e de cultura no âmbito de sociedades complexas e interdependentes. Implica ir além dos reducionismos na educação e nos estereótipos culturais. O esforço centra-se no estabelecimento de um equilíbrio entre as diferenças culturais e das possibilidades de articula- ção. Já não se trata de uma simples relação centro-periferia, culto-popular ou bárbaro-civilizado – dicotomias das quais deram conta as teorias pós-coloniais. Para nós, da graduação em Etnoeducação e Desenvolvimento Comunitário, é evidente que a aproximação de nossa interculturalidade requer uma análise crítica das estruturas sociais e das mediações culturais, mas também de um alto nível de reflexão – ou subjetividade – sobre a própria história, mas em constante interação com outras formas de ver e entender o mundo. Desse modo, a interculturalidade é assumida a partir de um exercício dialógico e de uma pedagogia comunicativa que integram tanto o reconhecimento da diversidade quanto a adesão a pressupostos comuns baseados na democracia, nos direitos humanos e no desenvolvimento comunitário, cooperativo e solidário. Entendemos a etnocomunicação sob uma perspectiva de mudança cultu- ral, revolucionária, dialógica, dialética, global, interativa, que nunca se acaba, e que adquire seu pleno sentido quando os envolvidos no processo ensinam e aprendem ao mesmo tempo, pois são alternativamente emissores e receptores. A relação pedagógica transforma-se numa situação de aprendizagem comparti- lhada entre os que se comunicam entre si e que, ao fazê-lo, constroem um fato
  • 67. 67 Dosparadigmasinterculturaisàaçãoeducacionalautogerida • MarthaLuciaIzquierdoBarrera educacional, cujo principal objetivo é o desenvolvimento de um pensamento crítico diante da situação do mundo e de suas mensagens. EXPERIÊNCIA DO PROCESSO DE EDUCAÇÃO INTERCULTURAL EM MISTRATÓ E RIOSUCIO: BALANÇO E NOVOS DESAFIOS Entre o concebido/o vivido: uma relação para qualificar o olhar. O contexto formal: A população Embera Chamí encontra-se localizada nos departamentos de Risaralda e Caldas, dois departamentos da zona cafeeira e mineira da Colômbia. Estes povoados têm como base de sua organização social a parentela, compos- ta pelo pai, a mãe, os filhos do casal e suas respectivas famílias. O chefe da família é a autoridade do grupo. Politicamente, sustentam-se no cabildo, o poder das autoridades tradicionais com o Jaibaná, que desempenha uma função de grande importância no manejo da vida mágico-religiosa. A cosmovisão destas comunidades bem pode ser expressa nos termos utilizados por uma mulher Embera, citada por Vasco Uribe em seu texto Los Embera-Chamí en guerra contra los cangrejos [Os Embera-Chamí em guerra com os caranguejos]: Na cosmovisão Embera, pensa-se que há três mundos: o de cima (bajía), onde estão Karagabí (a lua e pai de Jinopotabar) e Ba (o trovão); o dos huanos, que é a terra (egoró), onde vivem os Embera; e o de baixo (aremuco ou chiapera), ao qual chega-se pela água e que é onde vivem os Dojura, Tuturica, Jinopotabar e os antepassados, e onde se originam os Jaibaná (sábios tradicionais). Jinopota- bar une todos os mundos e pode passar de um para o outro com seu trabalho, porque é cure, sábio, Jaibaná. Este mundo tem também três partes, três ordens: a do monte; a da terra, onde vivem os Embera nas margens dos rios; a da água; três componentes que se equivalem e relacionam com os três anteriores. Assim, seus termos extremos, monte e rio, são as vias de comunicação com o mundo de cima e o de baixo, respectivamente. Por isso, Jinopotabar vai ao monte quando quer ir à lua, que navega pelo céu em sua canoa, e ao rio quando quer alcançar o mundo de baixo... O equilíbrio entre estes mundos e as ordens que estão en- tre eles geram a vida cotidiana Chamí. O que pertence ao mundo de cima deve descer e o que pertence ao de baixo deve subir, ascensão que representa um sair do meio da terra. A água é um elemento de mediação entre os dois mundos, já que se unem o movimento de cair e sair, daqui nasce também a importância dos rios e a localização das comunidades Chamí perto deles. Conta-se que rio acima, na nascente da água, está a selva com toda sua força, com lugares perigosos e temidos, e rio abaixo fica o lugar dos homens onde é possível viver7 . Tal contexto, caracterizado por tensões, como exclusão/inclusão, homoge- neidade/heterogeneidade, distribuição desigual da riqueza, foi levado ao âmbito educacional, afetando, na maioria dos casos, o desempenho e a permanência das crianças Embera no sistema educacional. 7. URIBE, Vasco. Los Em- bera-Chami em guerra contra los cangrejos (Os Embera-Chami em guer- ra com os caranguejos), 1990.
  • 68. 68 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Estas tensões nos levaram, na graduação em Etnoeducação e Desenvol- vimento Comunitário, a nos propor e enfrentar o desafio de trabalhar dire- tamente com as comunidades indígenas e de afrodescendentes, gerando uma série de perguntas: Como enfrentar criativamente tais tensões? Como alcançar uma educação inclusiva nesse panorama heterogêneo multifacetado e cheio de contrastes? Como conseguir passar do slogan às estratégias e metas concretas? De que tipo de educação estas pessoas necessitam? Quem são os sujeitos da aprendizagem etnoeducativa? Deveríamos perguntar também: Quem são os sujeitos do conhecimento etnoeducativo ou intercultural? Para além da titulação profissional – que, sem dúvida, pode auxiliar nossos estudantes na ascensão profissional –, é claro que nossa contribuição deve se centrar em ajudar a criar uma relação de respeito e reconhecimento a partir de cada cosmovisão, dos saberes próprios e do próprio projeto de vida; deve inclusive produzir maior reconhecimento ou participação na gestão e execução de políticas públicas firmadas entre os diferentes âmbitos de sua vida social ou comunitária. Aparentemente, o esquema da relação ensino-aprendizagem é bastante simples, mas exige uma grande disposição para interagir entre educandos e educadores, em aspectos como: • Reconhecimento – mediante a pesquisa – da oralidade, da história pró- pria, dos mitos que ainda se mantêm entre os idosos e os jovens. • Projetos de vida que fortaleçam a identidade própria, mitiguem a migra- ção campo-cidade, produzam projetos de vida centrados em elementos como segurança alimentar, em processo educacionais e culturais que permitam aos jovens, em plena época de globalização, se reconhecerem e reconhecerem outros modos de vida e identidade individual ou coletiva. • Estratégias educomunicativas entre estudante/docente/estudante. • Compreender como viver e entender a interculturalidade. Não se deve esquecer que, de toda forma, trata-se de um exercício de formação de educadores, o que pressupõe um grau de complexidade na capacidade de desenvolver olhares de primeiro grau (áreas de conhecimento, problemáticas políticas e sociais contemporâneas, história própria etc.), segundo grau (âmbito das relações de educação e comunicação com outros jovens e futuros estudantes) e terceiro grau (seu próprio nível de reflexão e compreensão, como diria Morin). Dessa forma, procuramos que a aposta na educação intercultural crie um espaço dinâmico, lúdico, reflexivo e construtivo, que permita articular uma reflexão particular do local sobre o global, e sobre noções como sociedade, identidade, cultura, democracia e direitos humanos. Estávamos conscientes de que diretrizes estabelecidas pelo Ministério de Educação Nacional – referente à estrutura curricular e autonomia escolar – não nos distanciavam de nosso próprio propósito, mas nos ofereciam uma orientação
  • 69. 69 Dosparadigmasinterculturaisàaçãoeducacionalautogerida • MarthaLuciaIzquierdoBarrera para sustentar nossa proposta, segundo o que foi exposto no texto “Estándares para la Excelencia en la Educación” [Modelos para a excelência na educação]. A partir de tais parâmetros, foi possível estabelecer uma estratégia meto- dológica flexível, permitindo uma construção coletiva entre docente/estudante/ comunidade, com o intercâmbio de processos de aprendizagem e construção de conhecimento. Este esboço, a partir de perguntas orientadoras e recursos pedagógicos já mencionados, nos introduziram no que chamamos “cenário de aprendizagem”, baseado em um eixo comunicativo de intercâmbio de relatos entre professores indígenas/estudantes indígenas/professores mestiços, dos quais emergia um novo relato. Os relatos surgidos eram produzidos levando em conta o Projeto de Vida e as mudanças culturais no seu lugar de origem; esta construção metodológica pode ser sintetizada no seguinte esquema: Cenário de aprendizagem. O cenário de aprendizagem aqui exposto nos permitiu, além de tudo, estimular habilidades lecto-escritoras e oral-auditivas, relacionadas sempre com os assuntos a serem tratados, relacionados, por sua vez, a eixos geradores, per- guntas problematizadoras e âmbitos conceituais. A proposta de resolução de um problema concreto nos situa no horizonte das condições de um aprendizado significativo – na medida em que se motiva a atitude significativa de aprendizagem por parte dos estudantes – relaciona- do à estrutura cognitiva daquele que aprende de maneira não “arbitrária” e “substantiva”, permitindo a interação com o novo conhecimento como “ideias de ancoragem”. O horizonte de aprendizagem significativa proposto por Ausubel distingue três tipos – o de representações, o de conceitos e o de proposições – e está de acordo com a metodologia proposta, que é: interrelacionar um primeiro relato a partir dos conhecimentos prévios dos estudantes, um segundo relato
  • 70. 70 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 que encontre assimilação de um conceito com a prática vivida e um relato emergente no qual sejam combinados conhecimentos prévios, assimilação do novo relato, para fazer um relato emergente significativo. Como foi possível evidenciar nos parágrafos anteriores, tais relações triá- dicas, tanto na metodologia quanto na perspectiva teórica, nos ofereceram a possibilidade de estabelecer a proposta para colocar em prática uma estratégia de ensino-aprendizagem, do trabalhar fazendo, aprender fazendo e ensinar produzindo, para conferir significado à relação do concebido/vivido como possibilidade de qualificar o olhar. VIVENDO OS CENÁRIOS DE APRENDIZAGEM: UM ENFOQUE PEDAGÓGICO-COMUNICATIVO Sobre as bases do esboço proposto pela graduação, partiu-se de dois ques- tionamentos: O que queremos fixar na memória dos estudantes? Como vamos conseguir isso? Para tanto, seriam utilizados recursos pedagógicos da compa- ração, associação e da ilustração analógica. Tais recursos teriam a intenção de fazer descer o discurso abstrato para torná-lo comunicável aos estudantes e, para isso, era indispensável afinar nossas próprias competências comunicativas, como: • escuta ativa; • simplicidade na formulação das mensagens; • estrutura clara nos aspectos verbais; • precisão e brevidade nos aspectos verbais; • coerência entre expressões verbais e não verbais. Tudo isso sempre conectado à interculturalidade como conceito que tem sido o lugar de chegada e partida de distintos atores docentes que formam a equipe de trabalho da graduação de Etnoeducação e Desenvolvimento Comunitário.
  • 71. 71 Dosparadigmasinterculturaisàaçãoeducacionalautogerida • MarthaLuciaIzquierdoBarrera Sem ser um conceito compartilhado, na medida em que coexistem diferentes pontos de vista e experiências, consolidou-se uma prática de escuta que viabiliza o outro como correlator da experiência compartilhada. Ao diferenciar-se do fazer na sala de aula tradicional, no caso dos docentes de etnoeducação, existe a predisposição para uma escuta cultural que dimensiona os pequenos detalhes e os interstícios do que é comunicado. Não se parte da escuta equiparada à recepção de uma mensagem, em consonância com o universo das subjetividades de quem recebe, mas da escuta como um exercício pleno de comunicação, no qual a disposição de quem o faz permite o paulatino surgimento de códigos comuns que efetivamente conferem ao outro um estatuto de correlator. É-se correlator na medida em que os dispositivos pertencentes à funciona- lidade hegemônica (status, poder, influência, distinção) não são aqueles privile- giados no encontro. O docente não se assume como representante funcional da institucionalidade educacional, pelo contrário, faz um esforço intencional para liberar-se parcialmente dos dispositivos, permitindo ao outro ator (estudante) seu surgimento no correlato. Quando se reconhece a existência de saberes mediadores do encontro dentro e fora da sala de aula, os mesmos tornam-se um meio para estimular o surgimento de uma escuta cultural comum. Neste âmbito, docente e estudantes participam na redução das prevenções e temores ligados aos dispositivos he- gemônicos. O correlato que surge ganha um valor que desloca a centralidade do aspecto temático, para chamar pelos elementos cognitivos ligados à cultura. Emergem as diferentes formas de aprendizagem, as diversas pautas para a explicação do mundo, as sinergias que na cultura conferem uma qualidade desencadeadora para cada ator. E é precisamente tal qualidade desencadeado- ra a que fala timidamente, a que ainda não visualizamos de modo manifesto. A prática de escuta cultural enfrenta diversos obstáculos. No caso da gra- duação, são os mesmos atores do programa seus primeiros elementos de ten- são. O estudante não chega às salas de aula universitárias preparado para ser ouvido, pois sua experiência no aparelho educacional é de sujeição e invisibili- zação sob a homogeneidade. Igual dentro da alma mater, compara-se a outros estudan- tes, sem compreender com clareza por que não recebe no cotidiano uma soma de tensões autoritárias. Ao não esperar ser ouvido, também não realiza o interesse pela escuta, o que aumenta de modo progressivo a tensão entre um docente interessado na escuta e um estudante A interculturalidade... de onde partir.
  • 72. 72 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 que aguarda a indicação e a bancarização como práticas próprias do cenário da educação. Outro obstáculo advém da própria estrutura universitária de nosso contexto, que não está pensada para a interação com o outro. Tal estrutura assume-se como um dispositivo técnico que oferece uma preparação básica para um fazer social, sem reclamar-se um papel adicional. Portanto, a forma de planejamento cria rotas que privilegiam a temática, sem dar importância ao significado do encontro educacional. Isso pressiona docentes e estudantes a desempenharem papéis mínimos, formais, que terminam sendo ruídos, ausências e silêncios, que não favorecem uma escuta cultural. Na graduação, estamos em constante construção de um olhar intercultural através do qual possamos: viver com outros e conosco; de nós para os outros; ver no outro um nós; poder com os outros; fazer conosco e pensar do lugar do outro. Construir a partir dos diferentes campos disciplinares que alimentam as diversas dimensões de ser um nós-outros. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAM, Matias. Problemas y perspectivas de la educación bilingüe en el Ecuador [Problemas e perspectivas da educação bilíngue no Equador] In: DE LA TORRE, Luís. Pueblos indígenas y educación [Povos indígenas e educação]. Ecuador: Ediciones Abya-Yala, 1987, p. 5-37. AGUIRRE, LICHT, Daniel. ¿Etnoeducación Etnocoacción? [Etnoeducação. Etnocoação?]. In: González Bermúdez, Jorge. Memorias del primer congreso universitario de Etnoeducación [Memórias do primeiro congresso universitário de etnoeducação]. La Guajira: ICFES/ MEN/Universidad, 1988, p. 51-60. AMODIO, Emanuele. (1989) Escuelas como espadas [Escolas como espadas]. In: AMODIO, Emanuele. (Compilador). Educación, escuelas y culturas indígenas de América Latina [Educação, escolas e culturas indígenas da América Latina]. Quito: Ediciones Abya-Yala, 1989, p. 5-23. ARTUNDUAGA, Luis Alberto. La etnoeducación: una dimensión de trabajo para la educación en comunidades indígenas de Colombia [A etnoeducação: uma dimensão de trabalho para a educação em comunidades indígenas da Colômbia]. Revista Iberoamericana de educación, n. 13, 1997. (Educación bilingüe. Biblioteca virtual.) Disponível em: <http://www.campus-oei.org/revista/frame_anteriores. htm>. BARNACH-CALBÓ, Ernesto. La nueva educación indígena en Iberoamérica [A nova educação indígena na América Ibérica]. Revista Iberoamericana de Educación, n. 13, 1997. (Educación bilingüe. Biblioteca virtual.) Disponível em: <http://www.campus-oei.org/revista/frame_anteriores.htm>.
  • 73. 73 Dosparadigmasinterculturaisàaçãoeducacionalautogerida • MarthaLuciaIzquierdoBarrera BODNAR, Yolanda. (1992). La constitución y la etnoeducación: ¿Una paradoja? [A constituição e a etnoeducação: um paradoxo?]. Educación y cultura, n. 27, p. 20-23, 1992. (Estado, educación y grupos étnicos.) BOLAÑOS,Graciela.(1999)Proyectoeducativocomunitario[Projetoeducacional comunitário] – PEC. C’ayuce, n. 3. Popayán: CRIC, 1999, p. 15-20. _______. Miembro del CRIC. Entrevista telefônica, Junio 23, 2002. CASTILLO CARDENAS, Gonzalo. Liberation theology from bellow; The life and thought of Manuel Quintín Lame [Teologia da libertação e além: a vida e o pensamento de Manuel Quintín Lame]. New York: Orbits Books/Maryknoll, 1987, 200 pp. CASTRILLÓN ARBOLEDA, Diego. El Indio Quintín Lame [O índio Quintin Lame]. Bogotá: Tercer Mundo, 1973, 263 pp. COLOMBRE, Adolfo. Hacia la autogestión indígena [Rumo à autogestão indígena] (documentos). Quito: Ediciones del Sol, 1977, 294 pp. CONSTITUCIÓN POLÍTICA DE COLOMBIA, 1991. DECRETO 74, de 1898. DECRETO 088, de 1976. DECRETO 1142, de 1978. DECRETO 1860. Reglamentario de la ley 115, de 1994. DECRETO 804, de 1995. DÍAZ-COUDER, Ernesto. Diversidad Cultural y Educación en IberoAmérica. [Diversidade cultural e educação na América Ibérica]. Revista Iberoamericana de Educación. Educación, Lenguas, Culturas, n. 17, Mayo-Agosto 1998. (Versión Virtual.) Disponível em: <http://www.campus-oei.org/revista/frame_anteriores. htm>. ENCUENTRO NACIONAL DE EXPERIENCIAS EN EDUCACIÓN INDÍGENA. ICFES/ Popayán: Universidad del Cauca, 1986, 220 pp. JIMENO, Myrian; TRIANA ANTORVEZA, Adolfo. Estado y minorías étnicas en Colombia [Estado e minorias étnicas na Colômbia]. Bogotá: Cuadernos el jaguar, 1985, 343 pp. HOUGHTON, Juan. ¿A dónde apunta la educación en los pueblos indígenas? [Para onde vai a educação nos povoados indígenas?]. In: TRILLOS, Maria (COMPILADORA). Educación endógena frente a educación formal. [Educação endógena diante da educação formal]. Bogotá: Universidad de los Andes/ CCELA, 1988, p. 51-67. LEBOT, Ivon. Educación e ideología en Colombia [Educação e ideologia na Colômbia]. Bogotá: La Carreta, 1979, 345 pp.
  • 74. 74 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 LEY 89, de 1890. LEY GENERAL DE EDUCACIÓN [Lei Geral da educação]. Ley 115, de 1994. LINEAMIENTOS GENERALES DE EDUCACIÓN INDÍGENA [Diretrizes Gerais da Educação Indígena]. Bogotá: MEN, 1987, 87 pp. LOPEZ, Gerardo; VELAZCO, Sergio. Aportaciones indias a la educación. [Contribuições dos índios para a educação]. México: Ediciones El Caballito, 1986, 157 pp. LÓPEZ, Luis Enrique; KÜPER, Wolfgang. La educación intercultural bilingüe en América Latina: balance y perspectivas. [A educação intercultural indígena na América Latina]. Revista iberoamericana, n. 20, Mayo/Agosto 1999 (OEI: 50 años de cooperación). Disponível em: <http://www.campus-oei.org/revista>. ROMERO, L. Fernando. Limites y singnificaciones pedagógicas [Limites e significados pedagógicos]. In: Para leer la ley General de Educación [Para ler a lei geral de educação]. Bogotá: Ediciones Susaeta, 1994, p. 19-55. _______. La educación indígena en Colombia. 1970-2000 [A educação indígena na Colômbia. 1970-2000]. Diálogos educativos, n. 3. Universidad Tecnológica de Pereira. Pereira, p. 81-90, 2002. _______ et al. La educación bilingüe [A educação bilíngue]. La Piragua. Revista Latinoamérica de educación y política. Valparaíso, Chile, p. 49- 50, 1991.
  • 75. gestãodacomunicação 75 Cedeca Interlagos: Fotografia e educomunicação para o desenvolvimento humano André Bueno Fotógrafo, educador e especialista em Gestão da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. E-mail: andre@andrebueno.com.br Resumo: Propõe-se, dentro dos estudos de comunicação, qualificar o impacto das atividades realizadas pelo ponto de cultura e Centro de Defesa da Criança e Adolescente – Cedeca Interlagos – junto de seu público, bem como analisar especial- mente os efeitos dos projetos de oficinas fotográficas desenvolvidos na entidade e em outras, coordenados pelo autor des- te artigo. Como material relevante para nossos estudos, recuperamos, através de entrevistas, a visão de alguns participantes das atividades realizadas entre o período 2007 e 2012. Sustentado por diversos olhares, mas sendo costurado a partir da ótica de um fotógrafo e gestor da comu- nicação, este trabalho tem por finalidade discutir, num plano geral, a fotografia e a Educomunicação para o desenvolvimento humano. Palavras-chave: Cedeca Interlagos; Defesa da Criança e do Adolescente; fotografia; imagem; intervenção urbana. Abstract: The proposal of this paper is, within the scope of Communication Stud- ies, to examine the impact of the activities developed by the CEDECA Interlagos (Cultural center for Children and Teenagers support) on their target public, as well as to analyse the result of the projects and photography workshops developed in the center , coordinated by the author of this paper. As a relevant material for our re- search, we use the interviews conducted with the participants of the workshops be- tween 2007 and 2012, analyzing their point of view. This paper is based on diverse perspectives, but it is mainly constructed according to a vision of a photographer and communication manager, and has as an objective to discuss the Photography and the Educommunication for the human development. Keywords: CEDECA Interlagos; Children and teenagers support; photography; im- age; urban intervention. APRESENTAÇÃO O presente artigo, resultado de um trabalho de pesquisa qualitativa cujo tema é “Fotografia e Edu- comunicação para o desenvolvimento humano”, tem como proposta estimular a discussão sobre os estudos de comunicação no Centro de Defesa da Criança e Recebido: 10/09/2012 Aprovado: 05/11/2012André Bueno Foto:ElisangelaDuarte.
  • 76. 76 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Adolescente – Cedeca1 Interlagos, tentando entender os efeitos dos projetos “Oficinas de fotografia e educação” – realizados ali (2009) e em outras insti- tuições de Paraisópolis e Grajaú (2007-2012) – sobre seu o público, em suas formas de expressão, compreensão da sociedade, na construção de suas imagens de mundo e em seu desenvolvimento humano. Também buscamos compreender a visão de participantes engajados em outras atividades culturais (grafite, hip-hop, artes plásticas etc.) realizadas pelo Cedeca, no que se refere às contribuições que estas trouxeram para suas vidas e também quanto às interpretações sobre o que a instituição representa para estes jovens, buscando entender o impacto das atividades da organização na comunidade. No decorrer deste trabalho, a fotografia é tratada como elemento capaz de transformar a realidade e os sujeitos. Como fundamento teórico, buscou-se, além da compreensão sobre o mundo da fotografia, referenciado por pesquisado- res deste campo, desenvolver uma pes- quisa a partir da perspectiva das ciências da comunicação, nos permitindo uma compreensão menos ingênua do cenário midiático que vivenciamos atualmente. Dentro deste contexto, enfatizaram-se as possibilidades fotográficas como meio de comunicação para o conhecimento. A FOTOGRAFIA COMO ELEMENTO TRANSFORMADOR DA REALIDADE E DO SUJEITO Buscamos colaborar para a reflexão em torno da fotografia e de outras linguagens visuais, acreditando terem potencial para a comunicação interpessoal e servirem como “fonte de conhecimento, descobertas, atenção e memória”2 . Elas são também favoráveis para nos expressarmos, são estimuladoras para o diálogo entre adultos, crianças, fotógrafos, comunicadores, organizações e, ainda, por que não dizer, para a comunicação com o poder público. O universo de produção das imagens tem potencial para contribuir com o desenvolvimento humano e com a percepção e fortalecimento de identidades. Nosso objetivo não se restringe aos estudos sobre processos estritamente produtivos ou questões estéticas. Buscamos contribuir para o entendimento do universo das imagens e do sistema de sua produção, na medida em que favorecem o desenvolvimento humano, mediados pela interposição de um con- junto de signos (fotos, ficções e outras narrativas poéticas) que possibilitam a transformação de realidades e dos sujeitos que nela estejam inseridos. Nós escolhemos a fotografia como linguagem visual de referência para a reflexão, por seu importante papel na sociedade e capacidade de estabelecer 1. O Cedeca Interlagos é uma ONG de pequeno porte, fundada em 1999, e pertencente à Associa- ção Nacional do Centros de Defesa da Criança e Adolescente (ANCED). De origem e âmbito regional municipal (SP), o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente atua apostando contra toda desesperança e ci- nismo do senso comum, no potencial da infância e da juventude, buscan- do dignidade humana a partir da defesa dos direitos da criança, do adolescente e do jovem, construindo experiências de resistência no meio das inúmeras favelas e loteamentos clandestinos das regiões da Capela do Socorro, Grajaú e Pare- lheiros, na Zona Sul de São Paulo. Seu estatuto se coloca no papel de: defesa dos direitos da criança e do adolescente; atendimento a crianças e adolescentes em situ- ação de vulnerabilidade; promover a proteção ju- rídico-social, na lógica de proteção integral, na ótica de políticas públicas com construção e participação popular, além de atuar na área da assistência social e também ser ponto de cultura. 2. COSTA, Maria Cristina Castilho. Educação, ima- gem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005, p. 82. Evento do Dia do Grafite, organizado pelo Cedeca Interlagos, em 2009. Foto:AndréBueno.
  • 77. 77 Cedeca Interlagos • André Bueno relações entre os sujeitos e o mundo. No entanto, não descartamos que existam outras linguagens como o cinema, as artes plásticas e outras produções visuais favoráveis à análise neste mesmo sentido. Mas a fotografia tem se mostrado uma linguagem inteligente, na medida em que vem estimulando o conhecimento e o olhar crítico sobre a realidade, através de composições que nos fazem pensar, que nos intrigam e nos enquadram dentro do que foi registrado. Em outras palavras, segundo Roland Barthes, a fotografia “é subversiva, não quando ater- roriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa”3 . Entendemos que a linguagem fotográfica, dentre outras linguagens visuais, é capaz de ex- pandir nossa consciência para além da capacidade que temos de perceber e interpretar cotidiana- mente, sem a utilização dos meios culturais. A ação de aprender a olhar para o mundo se dá pelo constante exercício de compô-lo e recompô-lo. O modo como cada pessoa se interes- sará em acessá-lo trata-se essencialmente de uma escolha, uma espécie de alternativa que, quando amadurecida, pode possibilitar a origem de um novo estilo de vida, uma nova comunicação. Os conflitos existentes na realidade nem sempre precisam ou podem ser enfrentados diretamente. As imagens, linguagens e processos de produções culturais podem ser os mediadores entre sujeito e cotidiano. Este trabalho reflete sobre a possibilidade de aplicação da fotografia como um meio de comunicação favorável para a emancipação, e também sobre o es- tímulo do olhar e a aquisição de conhecimento, incluindo ainda suas possíveis aplicações na contemporaneidade que digam respeito a uma educação dialógica. Acreditamos que a discussão em torno da fotografia, em sua relação com a educação, contribuirá para a formação de sujeitos e gestores que cultivem imagens de mundo menos ingênuas. Um estímulo para esse processo se dá a partir do momento em que uma “fotografia educomunicativa” for inserida na sociedade e nas instituições de ensino através de uma ótica humana, cultural, emancipadora e igualitária. Nesse sentido, segundo Costa, em seu trabalho Educação, imagem e mídias: (...) a opção por uma educação que valoriza a educação pela e para a imagem não se faz em nome de uma ação pedagógica menos disciplinada ou mais espon- taneísta, mas em busca de um entendimento mais efetivo do mundo e de uma comunicação mais abrangente e inclusiva. (...) Houve um tempo no qual a imagem era um mero adereço na educação, na divulgação e na produção literária, porém hoje os mais diversos campos do saber, da produção e da comunicação humana se apoiam na linguagem visual e na representação imagética (...)4 . 3. BARTHES, R. A câmara clara. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1984, p. 62. 4. COSTA, op. cit., p. 35 e 36. Retrato de Thiago Moraes (Tigone) e sua pintura. Foto:AndréBueno.
  • 78. 78 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Levando em consideração o atual universo midiático, tecnológico e o impac- to das mídias no cotidiano, no campo da educação, bem como sua influência direta na vida dos jovens, além da pluralidade existente quanto aos modos de “produção, circulação e recepção do conhecimento e da informação”5 , o campo da Educomunicação nos sugere novas formas de ensino-aprendizagem e possíveis caminhos para uma educação dialógica e participativa. A linguagem fotográfica foi escolhida propositadamente como meio de comunicação e referência de expressão visual, tendo os projetos de fotografia e educação como uma das várias alternativas educativas para o acesso a outras realidades sociais que favoreçam o desenvolvimento humano e estimulem olha- res críticos e discussões em torno das possibilidades de defesa de direitos das crianças e dos adolescentes nos centros de defesa (Cedeca's). A PESQUISA Contribuíram para esta pesquisa participantes dos projetos de “Oficinas de fotografia e educação”, coordenados e assessorados pelo autor deste trabalho, no período de 2007 a 2012, intitulados: projeto fotográfico “Um Olhar”6 (2007 a 2009); projeto “Retratos, um Click para a Educação”7 (2010), e projeto “D’Olho”8 (2011). Além de alguns jovens que participaram de outras atividades culturais desenvolvidas pelo Cedeca Interlagos, entre o período de 2001 e 2012, sendo que alguns deles foram convidados a trabalhar no Centro de Defesa e se tor- naram educadores. Os três projetos de “Oficinas de fotografia e educação” utilizaram a foto- grafia como linguagem para o conhecimento, aplicada ao cotidiano e ao campo da educação. Os projetos foram desenvolvidos em uma escola pública da cidade de São Paulo e em organizações do terceiro setor, voltadas às comunidades de Paraisópolis e no Grajaú, na Zona Sul de São Paulo. Seus objetivos foram trabalhar a fotografia – em oficinas e saídas fotográfi- cas – junto do público adolescente, utilizando-a como um meio de comunicação favorável para a educação, a pesquisa, a crítica e a expressão artística, inician- do jovens na área da fotografia, incentivando o exercício de olhares críticos, a participação popular e a produção cultural coletiva de cunho documental. O intuito inicial desta pesquisa com públicos diferentes, os jovens parti- cipantes das atividades oferecidas pelo Cedeca e aqueles especificamente das oficinas de Fotografia, partiu de duas hipóteses: 1) verificar, com os partici- pantes das oficinas fotográficas realizadas no Cedeca e em outras instituições, o quanto a fotografia e as vivências trocadas durante as oficinas influíram em suas formas de expressão, de olhar e também na formação de suas imagens de mundo; 2) verificar, com jovens participantes de atividades culturais realizadas pelo Cedeca, o impacto destas atividades e o quanto estas atingiram os objetivos a que a organização se propõe. 5. SIMÕES, 2011. 6. <http://www.umolhar. org/>. 7. Vídeo e publicação com fotos do projeto. Disponí- vel em: <http://www.vimeo. com/19507696>; <http:// www.flickr.com/photos/re- tratosumclickparaeducacao/ sets/72157625203676762/>. 8. Vídeo sobre o pro- jeto “D’Olho”. Disponí- vel em: <http://vimeo. com/33716710> e blog <http://projetodeolho. blogspot.com.br/>.
  • 79. 79 Cedeca Interlagos • André Bueno O universo da amostra foi composto de 31 pessoas entrevistadas, sendo que vinte delas correspondem ao público das “Oficinas de fotografia e educação” e onze participaram de outras atividades culturais desenvolvidas pelo Cedeca, como oficinas de grafite, estêncil, vídeo, eventos de hip-hop, debates e outras. A pesquisa qualitativa foi desenvolvida a partir de duas perspectivas dife- rentes para cada grupo amostral, e com dois focos distintos, utilizando ques- tionários como roteiro de entrevista semiestruturada, composto de questões diferenciadas para o público participante das atividades do Cedeca, e outro para os participantes dos projetos de “Oficinas de fotografia e educação”. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas. SOBRE O IMPACTO DA FOTOGRAFIA E VIVÊNCIAS DURANTE AS OFICINAS FOTOGRÁFICAS Os jovens entrevistados, em sua maioria com nível médio de instrução e faixa etária entre 19 e 21 anos, chegando a até 30 anos, apontaram de maneira quase consensual a questão da mudança do olhar e o desenvolvimento de uma visão crítica sobre o mundo como os fatores que mais aprenderam durante as oficinas fotográficas. Porém, aspectos como conquistar um olhar que valoriza a região onde vivem, o ganho de autoconfiança e o desenvolvimento do apren- dizado técnico também foram apresentados como fatores importantes: A oficina nos ajudou a nos descobrir, a ver o mundo de outra forma e analisar mais as coisas. A fotografia me possibilitou a descobrir a mim mesma e o que eu quero realmente. O curso de fotografia mudou nossa perspectiva de vida (Elaine Braga). Dentre os vinte entrevistados, somente um relatou que atualmente não percebe a influência quanto à forma de ver o mundo, tempos depois de ter participado das oficinas. Os demais afirmaram que ainda hoje notam mudan- ças nesse sentido, ao observarem o cotidiano em geral, e ainda disseram ter passado a notar mais detalhes no dia a dia, além de perceberem que agora enquadram o mundo em cenas, imagens, fotos, luzes e sombras. Observamos uma coincidência nos relatos feitos pelo público das atividades do Cedeca Interlagos, e aqueles vindos das oficinas de fotografia: ambos relataram ter desenvolvido uma visão crítica sobre o mundo e ter conseguido despertar um olhar que valoriza a região onde vivem. Praticamente todos os par- ticipantes (dezenove deles) afir- maram sentir uma influência positiva em suas formas de ex- pressão, a partir das oficinas de fotografia. Reforçando essa ideia, Foto:SuellenQuerino(2007).
  • 80. 80 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 grande parte deles diz ter passado a expressar melhor seus sentimentos, a se comunicar com outras pessoas de forma mais eficiente, a adotar a fotografia como meio de expressão artística e, curiosamente, uma parte significativa dos entrevistados relata ter uma influência sobre sua forma de expressão escrita, além da fotográfica. Há um consenso quanto a assumir que o aprendizado vivenciado durante as atividades envolvendo fotografia foi positivo, a ponto de todos os entrevistados afirmarem que aconselhariam outras pessoas a participarem da mesma experiência. Dentre os entrevistados, oito deles sugeriram que esse tipo de trabalho continuasse voltado ao público adolescente, outros oito disseram que ele deveria ser realizado para um público sem restrição etária, e os demais apontaram a necessidade de se desenvolver um projeto com crianças. O trabalho desenvolvido com fotografia foi interpretado pela maior parte dos participantes como um caminho para a construção de vivências e para o desenvolvimento individual. A possibilidade de conhecer novas pessoas e novos lugares, ser uma opção favorável para a distração e relaxamento, promover o desenvolvimento humano, a partir do desenvolvimento de um senso crítico e do contato com a realidade, contribuir para o amadurecimento do olhar e para a construção de um ponto de vista sobre o mundo. Além da oportunidade de contar histórias e construir vivências a partir de imagens, contribuir para a formação do caráter, oferecer um novo meio de comunicação e fomentar o desenvolvimento de outras linguagens, como a escrita, por exemplo, foram apontados como fatores importantes para o desenvolvimento humano. Depois de terem participado das oficinas fotográficas, praticamente todos os entrevistados começaram a perceber mudanças em sua maneira de ver e enquadrar o mundo. Além disso, passaram a conseguir descrever seus olhares antes e depois da experiência da fotografia. Diante disso, assumimos que é impossível descrevermos um olhar que não seja o nosso, pois estaremos amarrados sempre a uma perspectiva, a um olhar capaz de distorcer outro olhar. Nossa saída é, talvez, atribuir nossa visão limitada sobre os diversos olhares apresentados na perspectiva de “antes e depois da fotografia”, baseando-nos nos diálogos e depoimentos apresentados pelos entrevistados no decorrer deste projeto, resultando em uma espécie de sobreposição ou mistura de olhares do pesquisador e pesquisado. Desse modo, podemos indicar algumas características associadas aos olhares anteriores à fotografia e aqueles posteriores, classificando-os e atribuindo-lhes sentidos apoiados em depoimento de vários entrevistados. Assim, notamos olhares fechados, inexistentes, vazios, preconceituosos, quadrados, olhares em preto e branco, olhares turvos, ou mesmo uma visão sem olhar. Quanto aos olhares depois da prática da fotografia, transformaram-se em olhares panorâmicos, questionadores, nítidos, novos, criativos, distintos, coloridos, ampliados e mais críticos. Segundo alguns dos entrevistados: O mundo era em preto e branco, sem cores, sem sombra, sem contrastes, via o que todos viam e o que a mídia queria que fosse visto. Depois da fotografia,
  • 81. 81 Cedeca Interlagos • André Bueno o meu senso crítico se tornou mais afiado, o mundo ganhou novas formas e cores. Tudo passou a ter um significado que se encaixava como uma peça de quebra-cabeça. A fotografia foi superimportante para ter um novo olhar sobre o cotidiano (Thiago Carneiro). Após o período de realização das oficinas fotográficas, considerando apenas os vinte entrevistados da amostra, oito deles seguem dando os primeiros passos para a profissionalização na área da fotografia, sendo que alguns já realizaram trabalhos remunerados, obtiveram apoio da Secretaria de Cultura para o desenvolvimento de projetos fotográficos, estão atuando como educadores ou fazendo algum curso de aperfeiçoamento. Outros dez entrevistados disseram continuar fotografando no dia a dia, como hobby, registrando suas famílias, e até produzindo ensaios pessoais, como trabalho de cunho documental e artístico. Um único jovem que relatou não mais praticá-la, Danilo Sousa, afirma: “não tiro mais fotos e nem atuo em nenhum trabalho como esse, mas a experiência que tive com a fotografia jamais esquecerei”. Portanto, para além da pretensão fotográfica direcionada ao profissional, pode-se notar que, mais relevante do que isso, foi a importância dada às vivências e novas imagens de mundo construídas. Uma discussão sob a ótica de uma possível profissionalização de jovens e adultos no campo da fotografia pode ser uma segunda e complexa discussão a ser realizada. SOBRE O IMPACTO DAS ATIVIDADES DO CEDECA INTERLAGOS JUNTO A SEU PÚBLICO A maior parte dos entrevistados havia estabelecido o primeiro contato com o Centro de Defesa a partir de eventos realizados em espaços públicos, principalmente durante intervenções urbanas de grafite e rap realizadas na rua. Durante as entrevistas, foi apontada também a influência que alguns artistas e educadores locais exerceram por meio do convite para participação nas atividades, dentre eles Jerry Batista, Helder Oliveira, Pato Cacá e Wellington Neri (Tim). Dos onze entrevistados, oito afirmaram que haviam conhecido o Cedeca a partir de alguma atividade relacionada ao grafite e a eventos de intervenções urbanas. Na sua maioria integraram mais de uma atividade promovida pela organização, geralmente de hip-hop, exposições de arte, manifestações sobre direitos das crianças e dos adolescentes, eventos esportivos, oficinas fotográficas e outras. Para a maioria dos entrevista- dos, aspectos como ser reconhecidoEscultura e pintura de Mauro Sérgio. Foto:AndréBueno.
  • 82. 82 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 artisticamente, a realização de trabalhos em grupo, formar laços de amizade e as vivências pessoais trocadas foram considerados primordiais para que gostassem das atividades. Dentre as contribuições mais importantes que os entrevistados indicaram levar para suas vidas, temos especialmente o desenvolvimento de um espírito coletivo e de um olhar crítico. No mesmo sentido, também disseram ter aprendido a valorizar e respeitar o próximo e o bairro onde vivem, bem como relataram um despertar maior de consciência sobre seus direitos e deveres. Um dos períodos mais marcantes na história da organização, como nos relata Wellington Neri, o Tim, foi aquele em que a instituição entregou ao Estado as medidas socioeducativas, através de um ato interventivo em frente ao Parque do Ibirapuera. Neste momento a organização passou a encarar a “intervenção urbana” como uma prática mais frequente, indo ao encontro de outros jovens em seu convívio social no ambiente da rua. Segundo Tim: Me marcou a época em que entregamos as medidas socioeducativas ao governo através de um ato em frente ao Parque do Ibirapuera, no qual construímos uma cela em que ficamos 48 horas presos. Acho que aquele momento foi um momento forte em que o Cedeca começou a perceber que intervenção urbana com arte repercute e funciona. Até então nós só fazíamos oficinas de break, grafite e outras, mas depois disso passamos a fazer várias intervenções (Wellington Neri). Percebe-se um interesse muito forte dos jovens participantes das atividades do Cedeca em realizar mudanças na sociedade por meio da arte e da cultura, da intervenção urbana, que é geralmente estimulada ou sugerida pela própria instituição. Nessa mesma direção, observamos que a organização também exerceu grande influência sobre os entrevistados quanto a suas formas de expressão. Eles relatam ter desenvolvido, a partir das vivências propostas pelo Cedeca, um maior senso de liberdade de expressão, principalmente através de linguagens visuais como o grafite, o rap e outras formas de intervenção. A maioria dos entrevistados identifica o Cedeca Interlagos como um ponto de cultura e como um espaço aberto para o jovem, sendo uma organização sempre disposta a dialogar e apoiar o protagonismo juvenil. Mas parte significativa dos entrevistados também apontou para o aspecto de que o Cedeca não é mais o mesmo e que atualmente a organização não tem feito intervenções com atividades realizadas na rua e outras atividades em geral que favoreçam a expressão. Uma pequena parte dos entrevistados também reclamou do fato de nos últimos tempos terem encontrado a organização com as portas fechadas, sugerindo que estas estejam abertas, e que se passe a colocar em prática o estúdio de produção existente. Desenho de Gelson Salvador Those (reprodução).
  • 83. 83 Cedeca Interlagos • André Bueno CONSIDERAÇÕES FINAIS Baseado nas pesquisas e análises de dados levantados a partir das entre- vistas, foi possível observar que todas as atividades foram realizadas com êxito e bem-aceitas pelo público. Este relatou ter um despertar de olhares críticos e a adoção de outras formas de ver, compreender, se expressar, interagir e até se inserir no mundo, mediado principalmente pelas linguagens fotográficas, do grafite e do rap, a partir do contato com a fotografia e com o Centro de Defesa. Afirmamos isso nos apoiando em inúmeros depoimentos consistentes, pro- vindos de dezenas de diálogos com tipos de público diferentes, participantes de atividades até certo ponto distintas, mas que se aproximam num único sentido, fizeram uso da fotografia, da arte e da educação para o desenvolvimento hu- mano e para a defesa de direitos das crianças e adolescentes. Foi possível observar a importância do trabalho realizado pelo Cedeca Interlagos na região em que atua, baseado nos depoimentos que repetidamen- te apontaram a organização como maior referência em cultura e em espaço aberto para o jovem. O Centro de Defesa tem conseguido despertar nestes adolescentes, além das noções de direitos e deveres, o sentido de “coletivo”. Desse modo, percebe- -se que, ao longo de sua história, a organização ganhou credibilidade junto a seu público, que se mostrou disponível e interessado em participar e colaborar com novos projetos. Suas ações junto ao público, estabelecidas primeiramente a partir de rela- ções culturais na rua, têm contribuído para o surgimento de inúmeros jovens artistas na região. Notou-se que a visibilidade do Centro de Defesa, bem como o impacto de suas atividades partiram principalmente de eventos realizados nas comunidades, tornando-o referência para outros centros de defesa e orga- nizações locais. Mas a sua falta de atuação na rua nos últimos tempos sugere que a organização terá de realizar um novo planejamento, com a criação de estratégias para que potencialize as ações existentes e outras novas na área de defesa de direitos. Os projetos de “Oficinas de fotografia e educação” estão sendo realizados há algum tempo, de forma que é possível observar que os impactos foram positivos e ainda prevalecem, mesmo passado algum tempo. Os entrevistados destacam como aprendizado mais importante e que extrapola os conhecimentos técnicos adquiridos durante os encontros, a questão do desenvolvimento do olhar e formação de uma visão crítica sobre o mundo. Demonstra-se, assim, a eficácia de projetos fotográficos, educativos e de comunicação que extrapolem os objetivos técnicos instrumentais e priorizem as relações humanas, estimulando o olhar sobre a sociedade. Para além de uma iniciação técnica na fotografia, os participantes passaram a experimentar e enquadrar seu cotidiano de modo mais lúdico, detalhado e fotográfico. Com base nos depoimentos levantados, seus olhares se ressignifica- ram e suas visões se expandiram em vários aspectos com relação à fotografia
  • 84. 84 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 e à sociedade. A partir dos diálogos estabelecidos no decorrer desta pesquisa, foi possível verificar que os participantes, além de se comunicarem por fotos e perceberem seu cotidiano mediado por instrumentos fotográficos, passaram também a reconstruir as imagens de si próprios. Contudo, o desenvolvimento de projetos fotográficos como estes que apresentamos pode, além de sugerir um possível caminho profissional, estimular o desenvolvimento de cidadãos com olhares menos ingênuos e mais conscientes de seus direitos e deveres. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACCEGA, Maria Aparecida. Educomunicação: comunicação/educação e a construção de nova variável histórica. In: COSTA, Maria Cristina Castilho; CITELLI, Adilson Odair (org.). Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011. BARTHES, R. A câmara clara. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1984. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: LIMA, Luiz Costa (org.). Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. CITELLI, A. Comunicação e educação: a linguagem em movimento. São Paulo: Editora Senac, 2000. COSTA, Maria Cristina Castilho. Educação, imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005. _______. Ficção comunicação e mídias. São Paulo: Editora SENAC, 2002. ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Estudos culturais; uma produção. In: DA SILVA, Tomaz Tadeu (org.). O que é, afinal, estudos culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 1999. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1992 _______. Conscientização: teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Moraes, 1980. _______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970. GADOTTI, Moacir. Educar para a sustentabilidade. 1. ed. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008. HALL, Stuart (Liv Sovik, org.). Da diáspora. Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte/Brasília: UFMG/Unesco, 2003. KOSSOY, B. Realidades e ficções na trama fotográfica. 4. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. _______. Fotografia e história. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
  • 85. 85 Cedeca Interlagos • André Bueno MACHADO, A. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. 3. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Globalização comunicacional e transformação cultural. In: Dênis de MORAES (org.). Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2003. _______. Dos meios às mediações. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001. _______. Herendo el futuro. Pensar la educacion desde la comunicacion. Revista Nómadas. n. 5. Departamento de Investigaciones – Universidad Central: Santafé de Bogotá, 1996. MATTERLART, Armand; MATTELART, Michèle. História das teorias da comunicação. São Paulo: Loyola, 1998. SCHAFF, A. A linguagem e conhecimento. Coimbra: Almedina, 1974. SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação. In: CITELLI, A.; COSTA, Maria Cristina Castilho (org). Educomunicação: um campo de mediações. São Paulo: Paulinas, 2011. ______. Planejamento de projetos de gestão comunicativa. In: BACCEGA, Maria Aparecida; COSTA, Maria Cristina. Gestão da comunicação, projetos de intervenção. São Paulo: Paulinas, 2009. _______. Caminhos da Gestão comunicativa como prática da educomunicação. In: BACCEGA. Maria Aparecida; COSTA, Maria Cristina. Gestão da comunicação: epistemologia e pesquisa teórica. São Paulo: Paulinas, 2009. _______. Teorias da comunicação e filosofia da educação: fundamentos epistemológicos da Educomunicação. São Paulo: Documento para a aula do Concurso de Titular da ECA USP, 2009. SONTAG, S. Sobre fotografia. 5. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. Referências sitiográficas UOL. O fotógrafo cego. Disponível em: <http://photos.uol.com.br/materias/ ver/51144>. Acesso em: maio 2012. Site do filme Cidade de Deus. Disponível em: <http://cidadededeus.globo. com/>. Acesso em: abr. 2012.
  • 86. 86 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Referências videográficas CIDADE DE DEUS. Direção Fernando Meirelles, Kátia Lund. Roteiro Paulo Lins (romance), Bráulio Mantovani (roteiro). Duração 130 min. Brasil, Rio de Janeiro. Globo Filmes e O 2 Filmes, Brasil, 2002. JANELA DA ALMA. Direção João Jardin, Walter Carvalho. Roteiro João Jardim, Walter Carvalho (Gênero documentário). Duração 73 min. Copacabana Filmes, Brasil, 2002.
  • 87. entrevista 87 Pais, adolescentes, internet e escola: uma relação delicada Cláudia Nonato Jornalista, doutoranda em Ciências da Comunicação na ECA/USP e editora executiva da revista Comunicação & Educação. E-mail: claudia.nonato@usp.br Resumo: Tatiana Jereissati e Juliano Cap- pi, coordenadores do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br), entidade que pertence ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), comentam os resultados de duas pesquisas realizadas recentemente: a TIC Educação 2011, sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas escolas brasileiras, e a TIC Kids Online Brasil, realizada pela primeira vez em 2012, com adolescentes de 9 a 16 anos, usuários de internet, e também com seus pais, com o propósito de medir as oportunidades e riscos relacionados ao uso da internet. Palavras-chave: Pesquisa; TIC; educação; adolescentes; internet. Abstract: Tatiana Jereissati and Juliano Cappi, coordinators of the Center for Study on Information and Communication Tech- nologies (CETIC.br), entity that belongs to the Executive Committee of Internet in Brazil (CGI), comment on some results of two researches developed recently: the ICT Education 2012, about the use of informa- tion and communication technologies by Brazilian schools, and the ICT Kids Online Brazil, developed for the first time in 2012, with teenagers between 9 and 16 years, internet users, and also with their parents, in order to measure the opportunities and dangers related to the internet access. Keywords: Research; Education; ICTs; Teenagers; Internet. Para o professor, o uso efetivo do computador e internet em atividades com os alunos ainda permanece como um desafio a ser vencido. Os pais, por sua vez, consideram que os filhos fazem um uso seguro da internet, mas gostariam de ter mais informações sobre o tema na escola. Estas são algumas das conclusões de duas pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br) e divulgadas pelo Comitê Gestor da Internet. Trata-se da TIC Educação 2011, sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas escolas brasileiras, e a TIC Kids Online Brasil, realizada pela primeira vez em 2012, com adolescentes de 9 a 16 anos, usuários de internet, e também com os pais, com o propósito de medir as oportunidades e os riscos relacionados ao uso da rede. Recebido: 02/11/2012 Aprovado: 30/11/2012
  • 88. 88 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Na entrevista a seguir, Tatiana Jereissati e Juliano Cappi, coordenadores do CETIC.br, explicam como foram feitas as pesquisas e comentam alguns resultados. C&E: Como surgem os temas a serem desenvolvidos e pesquisados pelo CETIC.br? De onde vêm essas demandas? Juliano Cappi: A demanda da criação de uma área de estudos sobre tecnologias da informação e comu- nicação no Brasil vem do Comitê Gestor, que por sua vez cria um NIC, e dentro do NIC é criada uma área para produzir dados sobre o uso da internet, do com- putador, e de outras tecnologias e em diversas áreas. Dentro disso tudo, o Centro de Estudos em Informação e Comunicação (CETIC.br) começou fazendo duas pesquisas, por solicitação do Comitê Gestor, que foi a pesquisa de domicílios e a de internet e, ao longo dos anos, essas áreas de estudo foram se ampliando. Esse estudo sobre o uso da internet pelas crianças é uma das pesquisas que surgiram; a maior parte é solicitada pelo Comitê Ges- tor, mas, às vezes, alguns setores da sociedade encaminham essas solicitações diretamente ao CETIC, que vai aprovar isso no Comitê Gestor da Internet. De uma forma ou de outra, o CGI está relacionado à decisão do que vai ser feito, de qual pesquisa vamos realizar ou não. C&E: A pesquisa TIC Educação 2011 já está na sua terceira edição. O que vocês podem destacar sobre os resultados? J.C.: Essa pesquisa trouxe fatos importantes, pois oferece um retrato muito claro e objetivo dos desafios das TICs, da incorporação por professores, diretores, dentro das atividades escolares, num nível nacional. Para sumarizar, podemos separar os desafios em duas grandes áreas. A primeira, que eu acho a mais central nesse momento, é a de infraestrutura. Apesar de quase a totalidade das escolas públicas e privadas no Brasil terem acesso ao computador e à internet, quando olhamos a qualidade dessa infraestrutura, observamos que está muito longe de ter essa questão resolvida, para que o uso possa avançar na educação. Apesar de existirem outros fatores, se você não tem a infraestrutura dis- ponível, o uso é limitado. Todas as outras funções, também importantes, aca- bam indo por terra, porque, se você não oferece condições de trabalho para o professor, não adianta pensar nas outras questões. E o que acontece é que temos um número de computadores muito pequeno nas escolas, em média vinte computadores em funcionamento e, segundo dados do INEP1 , do censo escolar, para uma média de 500 alunos por escola. Esses computadores estão disponibilizados num laboratório de informática, e o professor tem que levar uma sala inteira para a sala de informática. Ele fica com medo de dar algum problema no computador, não ter um suporte ali, na hora, para resolver, e não conseguir fazer a atividade. 1. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu- cacionais Anísio Teixeira, autarquia federal vin- culada ao Ministério da Educação (MEC).
  • 89. 89 Pais, adolescentes, internet e escola: uma relação delicada • Cláudia Nonato Você não tem um computador por criança, que precisa dividir os computa- dores. Além disso, a qualidade do acesso à internet também está muito aquém da necessidade do professor, para realizar uma atividade básica como ver um filme na internet, em que o professor precise ter uma conexão que permita àqueles vinte computares oferecerem um acesso adequado. C&E – E qual seria o outro fator de destaque? J.C.: Temos uma questão geracional importante, os professores nas escolas têm em média quinze anos de trabalho. Se olharmos para trás, quinze anos, chegaremos próximo à data que começa a internet comercial no Brasil, em 1995, quando ainda poucos tinham acesso. Os professores que hoje estão dan- do aula, de forma geral, são professores que foram preparados para dar aula sem uma perspectiva de ter uma tecnologia, que está colocando em discussão a relação do professor e do aluno, do professor e dos pais, do professor e da administração da escola. Então, não é trivial. O professor está acostumado a realizar as suas atividades sem ter esse suporte, sem a discussão de qual é o papel do professor, de que a Educação está se transformando nesse país e que, além disso, tem uma tecnologia que está capitalizando essa mudança em algum nível, porque muda muito mesmo a forma como as pessoas se relacionam. Temos no Brasil, e isso é depoimento de uma das especialistas no nosso grupo, um número muito pequeno de universidades de Educação que trabalham a questão de uso das TICs nas escolas. E até hoje, ainda assim, os professores que estão entrando no mercado vão ter que aprender isso ali, no dia a dia, porque o aluno já está usando. Perguntamos na pesquisa qual é a proporção de alunos que utiliza a internet para realizar as atividades escolares e chegamos a 90% dos alunos nas escolas públicas. Já é uma realidade, então o professor vai ter que se adaptar. Enfim, tem toda a parte de estrutura, treinamento, tem uma discussão sobre a condição do professor em relação a salário. Os intelectuais de educação não gostam muito de tocar nesse ponto, mas eu acho uma questão importante, porque o piso salarial do professor é de R$ 1.200,00 reais. E observamos na pesquisa que a maior parte dos professores tem dois turnos; uma parte trabalha mais de 40 horas por semana, e ainda tem uma proporção grande de profes- sores que trabalha em mais de uma função: são professores e coordenadores pedagógicos, diretores. Como é que esse profissional vai ter tempo para pensar, como é que vai reestruturar o dia a dia das atividades dele, em função dessas novas tecnologias que vão surgindo? É uma situação bem complicada. C&E: E quanto à pesquisa TIC Kids Online? Por que realizar uma pesquisa com crianças e adolescentes usuários da internet? Tatiana Jereissati: A pesquisa TIC Domicílios acontece desde 2005, sendo realizada pelo Comitê Gestor. E o foco dessa pesquisa é a população de 10 Foto:LuizAltieri
  • 90. 90 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 anos ou mais. Então surgiu uma demanda por realizar pesquisa com um pú- blico mais jovem, a TIC Crianças, cuja população está entre 5 e 9 anos, faixa etária que não é coberta pela TIC Domicílios. Em 2009 realizamos a primeira versão da TIC Crianças, para começar a entender como essa população utiliza os computadores, a internet, de forma geral. Alguns indicadores simples, básicos, mas importantes. Até porque realizar uma pesquisa, aplicar um questionário quantitativo com crianças de 5 anos é um grande desafio. Então começamos a fazer esse trabalho de adaptação do questionário das TIC Domicílios para esse público mais jovem. Em 2010 realizamos mais uma versão dessa pesquisa, e começamos a inse- rir algumas questões relativas ao uso seguro da internet. Em 2012 resolvemos adotar integralmente essa pesquisa, que se chama “You Kids Online”, que foi realizada, em 2010, em 25 países da Europa, com uma metodologia desenvolvida e coordenada pela London School Economics. Em 2011 estivemos lá (Londres) na reunião da divulgação dos resultados, apresentamos também resultados da TIC Crianças, que foi bastante interessante, porque não é tão comum ter pesquisa com esse público tão jovem. Mudamos um pouco a faixa etária da nossa pesquisa TIC Crianças, que começa a abranger um público de 5 a 8 anos, não mais de 5 a 9 anos, e fizemos a Kids Online, de 9 a 16 anos. A diferença da Kids Online, é que abrange os usuários da in- ternet. Ou seja, para resolver aquele questionário, aquele respondente precisa ser usuário da internet. E consideramos usuário de internet como sendo aquele que usou internet nos três meses anteriores ào momento da pesquisa. Porque as pesquisas são muito específicas sobre os usos, e o enfoque é exatamente esse, são as oportunidades on-line e também os riscos, pois ambos andam juntos; a internet oferece oportunidades, mas também riscos, então a ideia é justamente medir esses aspectos, que é uma questão muito relevante na Europa. E foi assim que surgiu a pesquisa lá. C&E: Os critérios e a metodologia utilizados na pesquisa brasileira foram os mesmos da Europa? Quais foram os desafios encontrados nessa adaptação para a nossa realidade? T.J.: De modo geral, sim, com algumas diferenças. Um grande desafio, que também foi enfrentado na Europa, foi adaptar o questionário, por causa da tradução. Fizemos uma primeira versão da tradução do questionário, e ela não pôde ser uma tradução literal; tivemos que adaptar aquele conceito ao nosso contexto, à nossa realidade. Outro desafio foi a extensão do questionário, que era comprido, extenso, demorava muito. E acompanhamos de perto os pré-testes, que foi numa segunda etapa muito difícil, pois era preciso conseguir manter a atenção da criança por algum tempo. Fizemos a tradução integral e aplicamos integralmente o questionário. E depois, outra diferença da pesquisa na Europa, é que teremos a possibilidade de aplicar essa pesquisa anualmente. Com isso, podemos fazer alguns recortes, selecionar temas e, de repente, no ano seguinte, selecionar outros temas de relevância, como, por exemplo, o tema de consumo, que foi bastante levantado.
  • 91. 91 Pais, adolescentes, internet e escola: uma relação delicada • Cláudia Nonato Então a ideia é de que no ano que vem a gente comece a investigar e tenha um módulo sobre isso. O entrevistador chegava ao domicílio que foi sorteado, entrevistava o pai necessariamente e também a criança ou adolescente. Tem outro questionário que é de autopreenchimento: a criança/adolescente preenche sozinho aquele questionário, porque são questões mais sensíveis; para garantir a privacidade, para que ele se sinta mais à vontade. Para isso, o pré- -teste foi bastante valioso: as crianças se cansavam, às vezes tinham preguiça de ler, pediam ajuda do entrevistador, enfim, pensamos em como adaptar esse questionário para que ele fosse cumprido de forma simples no Brasil. Em termos da metodologia estatística, nós tivemos uma pequena diferen- ça, pois a nossa pesquisa foi totalmente probabilística, o que é diferente da metodologia aplicada na Europa. C&E: E, em relação aos resultados, o que vocês destacariam, comparando-os com os dados europeus? T.J.: Eu acho que a questão central que nós avaliamos aqui talvez tenha sido a percepção dos pais em relação ao uso seguro. Quer dizer, foi um dado bastante surpreendente, 71% dos pais acreditam que os filhos usam a internet com segurança. Isso revela como eles entendem o que é o uso seguro, e isso também foi revelado nos testes cognitivos. Acho que essa é uma diferença que podemos destacar, porque na Europa essa é uma questão muito discutida e relevante, e aqui a gente percebe que é muito incipiente, há pouca preocupação dos pais em relação a isso e, de repente, pouca discussão. Em termos de atividades, os padrões são bem semelhantes. Acho que há uma diferença que não pode ser ignorada, que são os dados de posses e de uso. De posse de forma geral, que são muito mais baixos aqui no Brasil. É difícil falar de Europa, porque são 25 países, mas, em geral, as posses aqui são muito mais baixas, e isso vai ter um impacto nas frequências. A média das residências europeias é de 75% dos domicílios com internet. O Brasil tem 38%. Quer dizer, não conseguimos deixar essa questão de lado, e um indicador que isso impacta é o local de acesso, que chama muito a atenção dos pesquisadores europeus, a lan house. Quer dizer, o domicílio é muito relevante aqui, mas tem outros locais de acesso que são utilizados. Outro dado que se destacou, com relação aos europeus, foi com respeito à proporção de usuários de rede sociais, pois a nossa proporção é mais alta que a média europeia, o que é muito particular do Brasil. Os brasileiros estão muito presentes, desde o Orkut, agora Facebook e outras, enfim, essa é uma questão interessante para continuarmos estudando e até inserirmos novas perguntas, para entender como é que esses jovens uti- lizam as redes sociais. C&E: Uma das maiores surpresas foi com relação à privacidade: 77% dos usuários afirmaram ter conversado com estranhos na internet, sendo que 23% encontraram pessoalmente essa pessoa. A pesquisa mostra que os pais não sabem o que ocorre em casa, não estão preparados para enfrentar esses riscos? T.J.: A pesquisa mostra que os pais se julgam preparados. Temos um indi- cador que mostra que a maioria dos pais julga que o filho é capaz de enfrentar
  • 92. 92 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 situações de risco, e que também o próprio pai é capaz de ajudar o filho em alguma situação de constrangimento. Os pais dizem ser pouco provável que os filhos encontrem alguma situação de risco, de chateação na internet, e também muito improvável que ele tenha enfrentado alguma situação no último ano. O pai tem uma percepção muito baixa do risco e se julga capaz de contornar essa situação. C&E: É grande o número de pais usuários de internet? J.C.: Essa é uma questão interessante, porque uma média de 70% dos pais declara que sabe orientar os filhos, ajudar os filhos a usar, ou sabe o suficiente para usar. Mas se você observar que só metade dos pais usa internet, ficamos nos perguntando, ao olhar os dados, se de fato esses pais sabem o que estão dizendo. Recentemente, numa entrevista, uma jornalista me perguntou se a internet está substituindo o pai e o professor, porque a criança vai tirar as dúvidas na internet. Eu respondi que não tenho indicador para saber se está ou não está, mas se está eu fico preocupado, porque o pai e o professor são fundamentais na construção da identidade, da educação da criança, ajudando-a a usar a internet de uma forma segura. Eu olho esse indicador de 50% e vejo um copo meio vazio; se a maioria dos pais está tranquila com relação à internet, mas só metade a utilizou, então eu acho que, de fato, está faltando discussão, conversa entre pais e filhos. E é interessante perceber a percepção dos filhos, cuja maioria afirma que sabe mais que os pais. C&E: A pesquisa aponta que os pais consideram a escola como o local adequado para obter informações sobre o uso seguro da internet, mas 50% buscam essas informações na televisão e nos jornais. Como a escola poderia desempenhar esse papel? T.J.: 28% declararam buscar informações na escola, enquanto 61% gostariam de obter informações sobre o uso da internet na escola. Acho que deveriam estimular esse tipo de discussão. Se a escola fizer isso em sala de aula, até com os próprios alunos, já será muito importante. Que eles percebam essa questão, que discutam sobre isso. A cartilha é uma ótima ferramenta para isso, mas o mais importante é que o tema seja levado para casa, que as crianças discutam bastante entre si; não é só o ensinamento dos pais ou professores para a criança, mas os pares se ajudam muito no uso da internet. O mais importante é que as pessoas dis- cutam sobre esse tema, que essa discussão seja levada para a escola, para a sala de aula, juntamente com os professores, os pais. Recentemente me perguntaram também de quem deve ser esse papel, e acho que tem quer ser um papel compartilhado, pois as funções desses atores são muito diversas. Quando os pais falam que vão buscar informação na gran- de mídia, na televisão, revista, rádio, jornal, isso também mostra que de fato
  • 93. 93 Pais, adolescentes, internet e escola: uma relação delicada • Cláudia Nonato eles não têm condição de discutir o assunto com o filho. Porque na Europa a agenda é importante, está circulando, mas aqui no Brasil é incipiente, a gente está começando a discutir. É uma oportunidade que a gente tem de adiantar essa agenda, porque a internet vai avançar muito nos próximos anos. Eu tenho a expectativa de que nos próximos anos o Brasil entre numa realidade de país digital que seja de país europeu, e aí esses problemas, essa visão vai se aproxi- mar das pessoas. Esses dois indicadores são importantes, porque vão apontar para dois aspectos importantes, primeiro sobre o pai, que espera que a escola possa ajudá-lo nesse processo e, segundo, sobre a busca de informação onde não há informação. J.C.: Nós estávamos em um evento da ONU de discussão de indicadores de TIC, e o pessoal que faz a pesquisa na Coreia estava comentando – vale destacar que 99% usam internet e 99% usam todos os dias, e que lá eles têm acesso de fibra ótica nas casas – que lá eles têm uma política chamada Shut Down Police, que determina que os servidores de jogos on-line têm de ser desligados da meia-noite às seis da manhã. E isso é superpolêmico, está geran- do uma discussão lá, mas é porque a internet está gerando questões de saúde pública, pois as crianças estão o tempo todo plugadas; é uma política um tanto quanto desesperada. O risco está tanto no conteúdo quando no vício. E nós temos um indicador sobre isso, há crianças que afirmam não conseguir largar a internet, se sentem mal, deixam de comer. Então a escola é importante, pre- cisa “abraçar” essa questão. C&E: Este fato que você acabou de contar, sobre a Coreia, envolve controle. E qual é a opinião de vocês sobre isso? Deve haver uma restrição, um controle mais efetivo sobre o uso, principalmente das crianças? J.C.: Nós temos aqui no CGI um decálogo de princípios. E tem alguns princípios que defendemos aqui, para o bom desenvolvimento da internet, e que vão contra esse tipo de política: inimputabilidade, neutralidade, tudo o que tiver de interferência e que não for do usuário, não é de acordo. C&E: O controle deve vir de onde? De casa? J.C.: Exatamente, o pai que deve controlar. É fácil nós discutirmos, olhar- mos para o problema do vizinho, mas não sabemos qual é o nível de problema que eles estão enfrentando. Deram acesso à internet para todo mundo, você entra no Metrô, em Seul, e todos estão usando internet e celular. Defendemos o princípio de neutralidade, que qualquer interferência deve começar na pon- ta, no usuário, mas também não ouso criticar uma política de saúde pública. C&E: Essa pesquisa TIC Kids Online será anual a partir de agora? Quais serão os próximos temas a serem abordados? T.J.: Essa foi a primeira aplicação, o piloto da pesquisa, então tentamos nos aproximar ao máximo do que foi feito na Europa, até para fins de comparabi- lidade. Mas, a partir da próxima onda, teremos um pouco de liberdade para flexibilizar um pouco os módulos, e passaremos a investigar algumas questões
  • 94. 94 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 que, de repente, não tiveram espaço no questionário da Europa, como a ques- tão do consumo, que foi bastante discutida por especialistas do nosso grupo e que precisa ser investigada. Claro que é um grande desafio investigar isso, mas a ideia é que consigamos sempre replicar algumas perguntas. É importante ter uma base de comparação anual, mas também inserir alguns módulos novos para investigar novas ques- tões que também são importantes. Estamos lançando uma publicação impressa com os dados e alguns artigos, de especialistas, para analisar outras questões mais teóricas. Junto com essa pesquisa a gente deve lançar os resultados da TIC Crianças, de 2012, que ainda não foram divulgados e que contempla a população de 5 a 8 anos. ENDEREÇOS ELETRÔNICOS TICS ON-LINE 2012. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação no Brasil. Disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/ kidsonline/index.htm>. TIC EDUCAÇÃO 2011. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas escolas brasileiras. Disponível em: <http://op.ceptro.br/cgi- bin/cetic/tic-educacao-2011.pdf>.
  • 95. crítica 95 1. Artigo resultante do cruzamento de duas pesquisas, ambas sob orientação de Dra. Maria Aparecida Baccega: BU- DAG, Fernanda Elouise. Comunicação, recepção e consumo: suas inter-re- lações em Rebelde-RBD. Dissertação (Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo) – Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM, 2008; RIBEIRO, Lucas Máximo. Rebeldes. Pesquisa de iniciação científica (Pro- grama de Pós-graduação em Comunicação e Práti- cas de Consumo) – Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM, 2011. Recebido: 11/09/2012 Aprovado: 30/10/2012 Rebelde(s): consumo e valores nas telenovelas brasileira e mexicana1 Maria Aparecida Baccega Livre-docente em Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Docente, pesquisadora e orientadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (SP). Pesquisadora do Centro de Pesquisa de Telenovela (USP), do Centro de Pesquisa Comunicação e Trabalho (USP) e do OBITEL (Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva). E-mail: mabga@usp.br Fernanda Elouise Budag Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP). Graduada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Docente da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM) e da Faculdade IBTA. E-mail: fernanda.budag@gmail.com Lucas Máximo Ribeiro Graduando em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP). Auxiliar de pesquisa do Programa de Suporte à Pós-graduação de Instituições de Ensino Particulares (PROSUP). E-mail: lucasmaximo@gmail.com Resumo: Partindo de duas pesquisas que se debruçaram sobre produtos midiáticos afins – Rebelde (veiculada no Brasil entre 2006-2007) e Rebeldes (2011) –, lançamos mão de seus discursos e buscamos traçar conexões sobre questões relacionadas a consumo, a temáticas centrais em pauta em ambas as telenovelas e a valores prezados por seus respectivos sujeitos receptores. Palavras-chave: Comunicação; consumo, telenovela; discurso; recepção. Abstract: From two researches that exam- ine the same media product – Rebelde (aired in Brazil between 2006-2007) and Rebeldes (2011-present), we investigate their discourses and try to outline connec- tions about issues related to consumption, to central topics concerning the two pro- grams and to values appreciated by their reception subjects. Keywords: communication; consumption; telenovela; discourse; reception. INTRODUÇÃO Enxergamos a telenovela como grande observatório do cenário sociocultural de uma época, das práticas em voga, dos valores em evidência e dos temas em destaque e em discussão na sociedade. Esse fenômeno acontece em especial no
  • 96. 96 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Brasil, quando levamos em conta que a televisão é a principal fonte de informa- ção e lazer para uma parcela de brasileiros menos privilegiada monetariamente, das classes D e E – sem acesso a TV a cabo, teatro, cinema, revistas, viagens e demais experiências que enriquecem visões de mundo, repertórios e mesmo a bagagem de conhecimentos gerais. Nesse contexto, a telenovela figura como importante referência de estilos de vida, gostos e padrões estéticos, bem como de identificação e/ou aspiração de consumo. E, quando pensamos na tão acla- mada “nova classe C” – sujeitos que subiram na pirâmide social nos últimos anos em virtude da profunda mudança na economia brasileira, que culminou em elevação de renda –, estamos falando de pessoas que, até há apenas menos de uma década, viviam com o básico do básico e hoje possuem recursos extras que lhes permitem ter luxos e fazer extravagâncias. Ou seja, essa porção da população se junta à classe média que, pela primeira vez na história do país, representa mais da metade da população: 170 milhões de consumidores. Con- sumidores/cidadãos. Em referência direta a Canclini, “podemos atuar como consumidores nos situando somente em um dos processos de interação – o que o mercado regula – e também podemos exercer como cidadãos uma reflexão e uma experimentação mais ampla que leve em conta as múltiplas potenciali- dades dos objetos [...]”2 . Desse novo cenário econômico-social brasileiro emerge o desejo – e, por que não, a necessidade – de atualização do universo de investigação em tor- no da telenovela Rebelde (mexicana, veiculada no Brasil entre 2006 e 2007), a partir de cruzamentos com sua versão mais recente, ainda em transmissão – a brasileira Rebeldes, no ar, pela Rede Record, em 2011. Destacamos que, em contraste com toda a paisagem econômica e social que viemos apontando, ambas as telenovelas possuem como palco principal de suas histórias uma escola de nome Elite Way, voltada à alta classe social, aos ricos e famosos. Porém, ambas as escolas retratadas, em contrapartida, possuem sistemas de bolsas de estudo que possibilitam aceitar alunos de menor renda. Interessa-nos aproximar e distanciar as telenovelas – a matriz mexicana e a versão brasileira – na tentativa de identificação de questões relacionadas ao consumo e, no que concerne ao discurso, aos valores e temas recorrentes em cada uma delas. REBELDE: O ORIGINAL MEXICANO Rebelde, produção da mexicana Televisa, trabalhou com estereótipos e assuntos d e interesse universal a ponto de arrebatar públicos em mais de 70 países – e de culturas, em Divulgação. Rebelde produzido pela mexicana Televisa. 2. CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multi- culturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. p. 71.
  • 97. 97 Rebelde(s) • Maria A. Baccega, Fernanda E. Budag e Lucas M. Ribeiro alguns casos, extremamente diversas, como México, Chile, Colômbia, Estados Unidos, Peru, Venezuela, Espanha, Angola, República Dominicana, Israel, Canadá, Rússia, Índia, Inglaterra e Japão. Os valores na trama Iniciamos com a apresentação e análise dos principais valores que reco- nhecemos no discurso – imagético e oral – de Rebelde, a partir de recorrências temáticas. Assistindo aos DVDs das três temporadas da telenovela, identificamos, sobretudo, quatro valores principais que permeiam toda a trama, quais sejam: amizade, amor, família e rebeldia. Vejamos algumas representações desses valores. A) Amizade Exemplificamos a expressão do valor Amizade com o discurso que encerra o capítulo final da terceira temporada – comprovando que se trata de um tema ao qual a telenovela deseja dar importância. Oralizada em retrospectiva, na voz de sete dos principais alunos do Colégio – isto é, integrantes do núcleo central da trama –, a mensagem é a seguinte: Não sei se o Colégio era exatamente como me lembro. Ou se os professores eram tão bons ou tão ruins como ficaram na minha memória. O que eu sei é que o mais importante que eu aprendi naqueles dias foi o valor da amizade. Os amigos sempre presentes, para o bem ou para o mal. Nos melhores e nos piores momentos. São deles [sic] que eu me lembro com maior nitidez. E o amor? O primeiro amor. Amores, amigos, não importa como ou onde estejam, sempre os levo comigo. E eu sei que vou com eles. Porque naquilo que somos hoje, está presente o que fomos. A vocês, meus amigos do coração, não me canso de agradecer, sempre. Porque naquela época em que caminhávamos no mundo de coração aberto, conseguimos fazer do mundo um lugar melhor para se viver. Como percebemos, a temática da amizade perpassa boa parte desse discur- so. Percebemos a presença da “formação discursiva”3 no trecho final dessa fala, quando o sujeito fala na posição de ex-aluno do Colégio – “naquilo que somos hoje está presente o que fomos”. Se outra fosse sua posição, a fala obedeceria a uma formação discursiva diferente. B) Rebeldia A respeito de “rebeldia”, trazemos o discurso do professor Madariaga – personagem do núcleo central da trama, bastante querido dos alunos, que fica ausente durante a trama para reaparecer no final: [Vocês, alunos] mostraram uma união, como grupo, incrível. Me surpreende- ram. E mais uma vez enfrentaram tudo para defender a um de vocês. A uma de vocês, nesse caso. [...] O melhor de tudo... o melhor de tudo, gente, é que, por trás dessa rebeldia de vocês, mostraram ter valores muito fortes. Muito fortes. Eu sei que no dia de amanhã essa força vai fazer com que possam mudar muitas 3. Ou seja, o conjunto de regras que regulam os discursos, de acordo com posições ocupadas e com contextos históricos determinados (MAINGUE- NEAU, Dominique. Ter- mos-chave da análise do discurso. Belo horizonte: Ed. UFMG, 1998. p. 68).
  • 98. 98 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 coisas. E ainda que cresçam (acreditem, vai acontecer). Não percam isso, gente. De verdade. Não percam essa rebeldia, mas sempre com razão e com o coração. O personagem aparece como um ponto positivo da telenovela, pois – não somente nesse episódio, mas em outros – profere falas dirigidas a situações de mudança. A telenovela defende a necessidade de os jovens terem uma postura pró-ativa, o que é visto de forma positiva. Contudo, analisando esta cena conjuntamente com as demais cenas de Rebelde, percebemos que a trama sustenta a “rebeldia” em relação a causas que se restringem à esfera escolar ou à esfera pessoal dos jovens – não se aprofundando, portanto, na macroestrutura social. Geralmente, conforme se desenrolam as histórias no transcorrer da telenovela, percebe-se que as causas da “rebeldia” – de nível micro – são as injustiças que ocorrem com um ou outro colega. Na situação anterior, a injustiça era com relação à expulsão de uma aluna grávida. A partir de resultados de pesquisa de campo, concluímos que tanto Rebelde quanto seus receptores operaram uma ressignificação do conceito de rebeldia, ao retirarem a carga de revolta que o adjetivo “rebelde” possui em sua origem. A rebeldia, que até então remetia à tentativa de mudança da macroestrutura e à ida de encontro à autoridade constituída, na busca de modificação profunda dos valores da sociedade, passa a ser uma revolta que se esgota na microestru- tura – no âmbito da família e da escola. C) Amor Já sobre o conceito de “amor”, percebemos na telenovela duas posturas que se complementam: a primeira é de luta para manter um relacionamento, e a segunda é de hipervalorização do amor. Um discurso de Roberta – personagem que faz parte do núcleo central, indisciplinada e teimosa, e que é a represen- tante maior da “rebeldia” propagada pela obra – sintetiza este posicionamento diante do amor: Bom, estamos aqui para festejar algo pelo qual vocês têm lutado com todas as forças. Estamos aqui para celebrar o amor! (suspiro). Lupita e Nico se apaixona- ram... e esperaram... fizeram mil coisas pra ficarem juntos e nós sabemos disso. E, na verdade, eu acho que ver que nada e nem ninguém pode separá-los foi o melhor que pôde acontecer no Colégio, neste ano que estivemos juntos (suspi- ro). Por isso eu, que sou uma rebelde, e que hoje tenho a honra e a sorte de representar os rebeldes do mundo (pausa)... quero pedir para lembrarmos algo muito importante e que a maioria dos adultos já se esqueceu. Que o amor é o mais importante e o mais forte que existe no mundo. E por isso estamos aqui! [...] Bom, pois, agora, sim, diante das leis da natureza, da liberdade e do amor, nós todos os declaramos marido e mulher! O que os amigos unem, nada e nin- guém pode separar. Roberta na ocasião ocupa a posição de “mestre de cerimônias” em uma ce- lebração, sem valor legal ou religioso, que os amigos preparam para o casamento
  • 99. 99 Rebelde(s) • Maria A. Baccega, Fernanda E. Budag e Lucas M. Ribeiro de Nico e Lupita. Observando os não ditos – ou implícitos –, podemos notar, principalmente pelo trecho “fizeram mil coisas pra ficarem juntos”, que o casal passou por situações que colocaram à prova o seu amor – possivelmente, de pessoas que tramaram situações para colocar um contra o outro ou separá- -los. Expressões e palavras como “única coisa que salva”, “única coisa que fica”, “celebrar”, “festejar”, “o mais importante” e “o mais forte” são todas indicativas da posição de celebração do amor, que Rebelde veicula. D) Família Como na maioria das telenovelas – e no cotidiano real, sua matéria-fonte –, em Rebelde a família assume papel importante. Mesmo sendo retratada, por vezes, como origem de sofrimentos, na trama ela também assume o papel de fonte de felicidade. Vejamos, então, um discurso típico de cada um dos casos. Sobre o primeiro (sofrimento), em uma fala da personagem Roberta, notamos seu desapontamento com relação à família: O mundo não é nada como falam. Essa casinha de boneca com uma família que demonstra tudo que se quer. Isso só existe nas brincadeiras. Na vida real, a família é um grupo de desconhecidos, que só pensam em sobreviver. Quando não é possível mais acreditar nos próprios pais, o que sobra? Tudo uma grande mentira. E eu não quero ser parte disso. Agora eu vou fazer tudo o que eu quiser. Vou fazer tudo o que me disseram pra não fazer. Já sobre a segunda abordagem (felicidade), temos um discurso de Franco Colucci, um personagem positivo que, apesar de não estar ligado diretamente ao Elite Way School, insere-se no núcleo central de Rebelde: “Eu quero dizer que quem está agradecido sou eu. Eu era um homem só, na minha solidão. Eu quero dizer que devo agradecer à vida porque graças a vocês a minha vida se converteu em luz e alegria de viver. Obrigado”. O contexto da enunciação é o momento que antecipa o casamento de Franco – empresário do ramo da moda, muito rico, pai da aluna Mia – com Alma Rey (mãe de Roberta). Nesta fala, Franco agradece Alma, Mía (sua filha), Roberta (filha de Alma) e Josy (amiga de Roberta e Mía que foi adotada pelo casal) por iluminarem sua vida. Dessa forma, no que se refere à família, constatamos a presença da polissemia (multiplicidade de sentidos): “família” gerando sentidos positivos e negativos. O consumo: sentidos Pensando na inter-relação entre discurso de valores e práticas de consumo, buscamos notar a emergência dos sentidos criados e/ou reproduzidos nos dis- cursos pronunciados pelos receptores de Rebelde, abordados em nossa pesquisa4 , tendo em vista que “os dizeres não são [...] apenas mensagens a serem decodi- ficadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz [...]”5 . 4. Pesquisa de campo de abordagem multime- todológica empreendida junto a jovens receptores de Rebelde, por meio de abordagens no show de RBD, questionários quanti-qualitativos, grupo focal e entrevistas em profundidade. 5. ORLANDI, Eni Pucci- nelli. Análise de discurso; princípios e procedimen- tos. Campinas: Pontes, 2007. p. 30.
  • 100. 100 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Para esta etapa, após estudarmos procedimentos possíveis de análise, opta- mos pela proposta de Fiorin6 , segundo o qual a formação discursiva “[...] é um conjunto de temas e de figuras que materializa uma dada visão de mundo”7 , onde “tema é o elemento semântico que designa um elemento não presente no mundo natural, mas que exerce o papel de categoria ordenadora dos fatos observáveis”8 ; e figura, por sua vez, “[...] é o elemento semântico que remete a um elemento do mundo natural [...]”9 . Assim, nosso procedimento de análise consistiu-se em desconstruir os discursos dos receptores de Rebelde, dos quais nos aproximamos com o intuito de identificar temas e figuras para, então, registrarmos aqui os sentidos emergidos. Selecionamos, para trabalhar neste pequeno espaço, uma questão que parece resumir o diálogo que os receptores mantêm com esta telenovela e o grupo musical a ela vinculado. Na tentativa de percebermos como os receptores de Rebelde-RBD racionalizam e verbalizam o afeto que sentem por estes ídolos e pelos produtos midiáticos por eles protagonizados, questionamos sobre “o que tem a novela Rebelde que dá vontade aos receptores de comprar os produtos?”. Encontramos então o afeto tematizado em quatro âmbitos: visual, con- teudístico, material e emocional. O tema no âmbito visual é figurativizado pelos seguintes elementos: a beleza e o “jeito” dos atores/músicos; o quarto das personagens da telenovela; e as roupas, uniformes e acessórios por eles usados. No âmbito conteudístico, o tema aparece figurativizado como “é uma novela que ensina muito”. O âmbito material, por sua vez – referindo-se, mais diretamente, à posse de bens materiais (produtos) –, é figurativizado em sen- tenças como esta: “é legal ter os produtos para mostrar para os outros”. Já no âmbito emocional, o tema aparece figurativizado nos enunciados que seguem: “é para ter a coleção de tudo deles para vê-los todos os dias, toda hora e todo o momento”, “parece que eles são viciantes”, “porque eles mexem com a nossa cabeça”, “nos atrai por ser parecido com a gente”. REBELDES: VERSÃO BRASILEIRA Conforme adiantamos na introdução, damos continuidade a este estudo por meio do processo de exploração de outro universo, distinto, mas complementar: o mundo ficcional de Rebeldes, pro- dução nacional da Rede Record – cuja veiculação, iniciou-se em 21 de março de 2011. Inspirada diretamente na ver- são mexicana de que tratávamos há pouco – daí nosso interesse em aproximá- -las –, seu enredo assemelha-se bastante ao de sua antecessora, mantendo os A versão brasileira, produzida pela Rede Record. Divulgação. 6. FIORIN, José Luiz. O regime de 1964: discurso e ideologia. São Paulo: Atual, 1988; Id. Lingua- gem e ideologia. São Paulo: Ática, 2005. 7. Id. Linguagem e ideo- logia, cit., p. 32. 8. Ibid., p. 24. 9. Ibid., p. 24.
  • 101. 101 Rebelde(s) • Maria A. Baccega, Fernanda E. Budag e Lucas M. Ribeiro nomes de alguns personagens, a identificação da escola e a formação dos casais. No entanto, a telenovela nacional traz uma edição mais dinâmica e diálogos mais rápidos entre as personagens – e, por mais que haja também uma banda composta de alguns estudantes do colégio, esta recebe um nome diferente da anterior, batizada agora de Rebeldes – o mesmo nome da telenovela (diferindo da dupla Rebelde-RBD no México). Os valores na trama Assim como procedemos com o produto midiático anterior, em Rebeldes procuramos identificar os valores abordados na trama de forma mais recorren- te, seja em discursos e representações orais ou imagéticos. A maior parte dos temas coincide com os da versão mexicana, justamente porque seu enredo – de sucesso anterior – foi praticamente mantido. A) Família Como ocorria no original mexicano, a questão familiar é também retrata- da com bastante frequência na produção brasileira, principalmente devido ao fato de os estudantes do colégio viverem em sistema de semi-internato – o que potencializa a saudade que sentem de seus familiares. Os pais dos personagens são, em sua grande maioria, profissionais bem-sucedidos e ocupados demais no trabalho, o que acarreta em falta de tempo para ver seus filhos. A personagem Alice, por exemplo, deixa claro em um discurso seu descontentamento com o fato de nunca ver seu pai e tampouco contar com sua colaboração: “Do que adianta ser a garota mais popular do colégio e não ter o apoio do meu pai nunca?”. Embora a telenovela apresente o relacionamento conflitante entre pais e filhos, a busca de consenso entre as duas partes está sempre presente. B) Rebeldia Quanto à rebeldia, o discurso de alguns alunos num protesto coletivo contra o diretor revela o significado que esse valor/tema tem para a telenovela. Pedro: “Ser rebelde é ser você mesmo e não respeitar as regras só porque elas são regras”. Roberta: “Ser rebelde é pensar com a sua própria cabeça”. Alice: “Ser rebelde é fazer aquilo que você acredita”. Thomas: “Ser rebelde não é só ser ‘do contra’, ser rebelde é fazer o que acha certo”. Carla: “Ser rebelde é não aceitar imposição”. Diego: “Ser rebelde é questionar”. E, na continuidade dessa mesma cena, o professor Vicente traz o seguinte discurso: “Vocês se lembram do que eu disse sobre ser rebelde? Que ser rebelde é não aceitar imposição, é não aceitar o que vem de fora e sim entender e fazer? Porque o movimento vem de dentro, vem do entendimento”. O discurso é, pois, apoiado e legitimado por uma autoridade competente, um professor.
  • 102. 102 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 É possível identificar, em seu discurso, a defesa da “rebeldia” como apelo para que cada aluno tenha conhecimento de si próprio – para, então, compreender o que acontece ao redor e, somente assim, tomar atitudes com justiça e ética. C) Amor Novamente, o amor é mais um dos valores presentes na telenovela, sendo argumento que induz a desfechos ao longo de Rebeldes. (...) Existe um nome específico para a mistura de coisas diferentes: criatividade. Ser criativo é pegar duas coisas que aparentemente não tem nada a ver e combi- nar numa coisa nova. Igual para igual: mais do mesmo. Diferente com diferente, alguém sabe? É o novo, original, criativo. A mistura de coisas diferentes gera o novo. Pega duas pessoas iguaizinhas, que pensam do mesmo jeito, que gostam das mesmas coisas, pode parecer confortável e legal no começo, mas depois... começa a enjoar, isso não cresce, não desenvolve, é mais do mesmo. Agora pega duas pessoas apaixonadas! Que não têm nada a ver! Nada! Absolutamente nada a ver uma com a outra! (...) O que pode surgir? (...) Pode surgir algo novo, troca de valores, crescimento, aprendizado. A citação foi tirada do discurso do professor Vicente sobre o amor. Pode- mos perceber, claramente, que a fala é coerente com o relacionamento amoroso vivenciado pelos casais que fazem parte do núcleo central da telenovela, uma vez que todos apresentam alguma – grande ou sutil – diferença em relação ao seu parceiro. Alice, por exemplo, é menina rica e popular, enquanto Pedro, seu namorado, é de família humilde e estuda como bolsista no Elite Way. D) Dinheiro O valor do dinheiro é uma constante em Rebeldes – sendo a questão mo- netária frequentemente figurativizada. A personagem Alice, por exemplo, sabe usar isso a seu favor. Para confortar a bolsista Vitória, após descumprirem as regras do colégio, Alice diz “relaxa que não vai acontecer nada, porque pelo que eu vi a família do Tomás tem grana e a minha também (...) e grana nesse colégio tão formal e sério significa benefícios”. Vitória, por sua vez, sonha em se casar com um homem rico e fica bastante feliz ao conseguir a bolsa no Elite Way College: “Imagina eu naquele colégio, cheio de meninos ricos”. O consumo: práticas Na esfera do consumo – primeiramente, em relação ao universo da pro- dução, ou seja, da oferta de bens de consumo relacionados à trama – identi- ficamos um nicho muito bem explorado em torno de Rebeldes. Obviamente, os produtores tinham como referência o sucesso que a versão mexicana da telenovela alcançou entre seus receptores/consumidores, vislumbrando com tranquilidade, portanto, as mesmas – ou maiores – oportunidades no Brasil.
  • 103. 103 Rebelde(s) • Maria A. Baccega, Fernanda E. Budag e Lucas M. Ribeiro Dados obtidos projetavam o lançamento, pela Record Entretenimento, de 47 categorias diferentes de produtos licenciados com a marca da trama, com foco principal em materiais escolares e CDs10 . Entre os itens mais desejados entre os receptores/consumidores, ao lado de pôsteres, revistas e CDs, está uma linha inteira de esmaltes da marca Impa- la inspirada na telenovela – trazendo cores vibrantes que seguem a moda do chamado color blocking. Outra grande aposta dos produtores é o livro Rebeldes – A obra oficial, que, tal qual a publicação similar de sua antecessora, apresen- ta imagens, entrevistas com os atores e perfis dos personagens. Brinquedos, bicicletas, chicletes, pulseiras e demais acessórios também entram na lista de produtos à disposição no mercado. Porém, o que mais chama a atenção em se tratando de consumo em Rebel- des, agora a respeito dos consumidores propriamente ditos – que, na era digital, agregam a função simultânea de produtores de informação –, é a introdução de uma nova prática de consumo de telenovela: o compartilhamento dos gostos e temáticas pelas redes sociais. Estas possibilitam a visibilidade tão desejada – e, por que não, até mesmo exigida – na contemporaneidade e permitem a forma- ção de redes, comunidades, agrupamentos que compartilham interesses afins. “A Web 2.0 tem repercussões sociais importantes, que potencializam processos de trabalho coletivo, de troca afetiva, de produção e circulação de informações, de construção social de conhecimento apoiada pela informática”11 . No caso de Rebeldes, destacamos, especificamente, a interação por meio da rede social Twitter. Uma evidência dessa (re)produção de conteúdo e de mani- festação de afeto por parte dos fãs da telenovela é que as chamadas hashtags12 relacionadas a Rebeldes vêm figurando, por diversas ocasiões, entre os chamados Trending Topics13 (TTs) da rede social. Entre as hashtags mais significativas em termos de quantidade de menções, encontramos “Pedro e Alice” (um casal da trama), “Pelice” (termo que junta sílabas dos nomes do casal supracitado), “Vicente Antonio” (personagem), “EuAmoRebeldes” e “Depois da chuva” (uma música da banda). Esses são reflexos dos novos padrões de consumo da telenovela: temos um produto cultural-midiático legitimamente nacional moldando-se a um novo cenário, permeado por tecnologias digitais que, ao mesmo tempo que se alimentam da telenovela, também a renovam e a fomentam. REFLEXÕES FINAIS Conforme assinalamos no início, até mesmo como justificativa para os pre- sentes relatos e reflexões, vivemos hoje, no Brasil, num cenário socioeconômico e tecnológico já bastante diferente e distante dos anos de 2006-2007, período de transmissão da Rebelde mexicana. Portanto, a partir da aproximação desta com a Rebeldes brasileira, acredita- mos ter lançado luz sobre permanências e rupturas em torno de tematizações 10. NA TELINHA. Re- cord lançará linha de produtos de “Rebelde”. Disponível em: <http:// natelinha.uol.com.br/no- ticias/2011/03/16/154442. php>. Acesso em: 16 mar. 2011. 11. PRIMO, Alex. O as- pecto relacional das interações na Web 2.0. In: XXIX CONGRESSO BRA- SILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. Brasília, Anais, 2006. p. 2. 12. Termo utilizado para denominar um tópico que se deseja fazer ser indexado pelo Twitter, acrescentando-se o sím- bolo “#” à sua frente. 13. Trending Topis são os assuntos mais citados em determinado momento, a partir de levantamento feito automaticamente pelo Twitter.
  • 104. 104 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 diversas e, principalmente, enxergamos como grande contribuição do estudo a reflexão sobre a emergência de novas práticas de recepção e consumo de telenovela. Segundo apontamos no tópico imediatamente anterior, essas práticas hoje são, em muito, agenciadas pelas redes sociais, que colocam em evidência os comentários dos receptores sobre as produções midiáticas que consomem – e reproduzem. Se, em 2006-2007, tais práticas estavam engatinhando – na época, com o pioneiro Orkut –, hoje se encontram consolidadas, sujeitas a índices de mensuração e utilizadas, da parte dos produtores, como mídias de fato – ou desdobramento do mainstream. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 2005. _______. O regime de 1964: discurso e ideologia. São Paulo: Atual, 1988. MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chave da análise do discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2007. PRIMO, Alex. O aspecto relacional das interações na Web 2.0. In: XXIX CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2006, Brasília. Anais, 2006. Referências eletrônicas NA TELINHA. Record lançará linha de produtos de “Rebelde”. Disponível em: <http://natelinha.uol.com.br/noticias/2011/03/16/154442.php>. Acesso em: 16 mar. 2011. REBELDE – primeira temporada da novela. EMI Music, 2006. 3 DVD (780 min.), son., color. REBELDE – segunda temporada da novela. EMI Music, 2006. 3 DVD (780 min.), son., color. REBELDE – terceira temporada da novela. EMI Music, 2007. 3 DVD (780 min.), son., color.
  • 105. depoimento 105 Circo e sociabilidade em São Paulo Walter de Sousa Junior Pós-doutorando em Ciências da Comunicação na ECA/USP e pesquisador do OBCOM – Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura da Universidade de São Paulo. E-mail: waltersousajr@hotmail.com Resumo: Janete Souza Oliveira cresceu ouvindo dos pais as histórias do Circo Pio- lin, instalado na Praça Marechal Deodoro, em São Paulo, desde 1943. E percebeu o quanto isso foi determinante para que ela, empregada doméstica, e ele, motorista, pudessem ter uma sociabilidade fora das longas jornadas de trabalho a que se de- dicavam em casas de famílias abastadas da região de Higienópolis. Neste depoimento, esta “quase socióloga”, como se define, que abandonou o curso da Escola Livre de Sociologia e Política para morar na África, onde passou oito anos de sua vida, filha de dona Gersira e do senhor Joaquim Adão, lembra a importância do circo e das comédias na vida social das classes menos privilegiadas da capital paulista. Palavras-chave: Circo; sociabilidade; humor; Piolin; Higienópolis. Abstract: Janete Souza Oliveira grew up listening to her parents’ stories of Piolin Circus, located at Marechal Deodoro Square in São Paulo since 1943. And she realized how crucial it was for her parents, who were maid and driver, to have a social life outside the long working hours they dedicated in homes of wealthy families from Higienópolis. In this testimony, Janete, “almost a sociologist,” as she de- fines herself, who abandoned the course of Free School of Sociology and Politics to live in Africa, where she spent eight years, the daughter of Mrs. Gersira and Mr. Joaquim Adão remembers the importance of the circus and of the comedy in the social life of the less privileged classes from São Paulo. Keywords: Circus; sociability; humor; Piolin; Higienópolis. Nas décadas de 1930, 1940, 1950, minha mãe era babá em São Paulo. Ela me contava que as empregadas domésticas, nos finais de semana, se reuniam na Praça Villaboim e na Praça Buenos Aires, em Higienópolis, para combinar onde iriam e o que fariam no final de semana, qual seria o seu lazer. Geral- mente, assistiam aos filmes de Mazzaropi, Oscarito, Grande Otelo, ou iam aos circos. Os cinemas eram sempre os do centro da cidade, Comodoro, Marabá. Ela falava que tinha a sessão de gala e a sessão mais popular, que era a que elas frequentavam. Mas o circo era a opção mais corriqueira. Porque era barato e porque era onde elas podiam se expressar... O circo tem essa magia, você pode expressar o seu sentimento. Você grita, chora, ri, participa junto com a cena. Então isso, para ela, era uma válvula de escape. Minha mãe falava que era um mundo “mágico e de sonhos”.
  • 106. 106 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Bom, normalmente elas moravam no trabalho. E não tinham uma casa para ir aos finais de semana, pois os familiares moravam no interior. Ela tra- balhava aqui em São Paulo, na rua Bahia, em casa de família. Era babá, e os familiares dela moravam no interior. Depois, quando veio um irmão para cá, ele alugou uma casa no Bixiga, onde as irmãs se reuniam com as primas. Todas trabalhavam sempre como empregadas domésticas. Circo Piolin instalado na av. Gen. Olímpio da Silveira, na zona Oeste de São Paulo, que recebeu em suas sessões a população de empregados das casas de família de Higienópolis, nas décadas de 1940 e 1950. Fonte:AcervodoCentrodeMemóriadoCirco. O divertido, minha mãe contava, eram os grupos que iam para o circo para assistir àquela magia toda acontecer. E ela falava muito do Piolin. E o Piolin era, para ela, o maior humorista! Ela falava dele já rindo. Eu perguntava: “Por que a senhora está rindo?”. “Ah, é porque estou me lembrando das palhaçadas dele”, respondia. Foi assim que eu tive contato com o Piolin, através dos casos contados pela minha mãe. As famílias, naquela época, eram bem tradicionais e tinham todas, em suas casas, motorista, cozinheira, copeira, babá, passadeira. As lavadeiras geralmente vinham dos bairros da periferia, pegavam as roupas e depois entregavam. A minha mãe conheceu o meu pai, ele era motorista de uma família na rua Piauí, e ela babá e morava na rua Bahia. O bairro de Higienópolis tinha esse contraste. Os nomes das ruas eram os de estados do Nordeste e as famílias eram riquíssimas... Naquela época os senhores do café mantinham lá as suas mansões. Eles tinham suas fazendas de café e geralmente traziam seus funcionários dessas fazendas. Foi o caso da minha mãe. Ela foi trazida por essa família aos 8 anos de idade, da região de Bauru. Ela perdeu os pais, e eram sete irmãos, que
  • 107. 107 Circo e sociabilidade em São Paulo • Walter de Sousa Junior foram divididos pelas famílias tradicionais da região. Ela veio com a família Guimarães para trabalhar como babá. Era uma criança cuidando de outras crianças. Eles foram pessoas muito sensíveis, que eu respeito demais. Eu nasci no meio dessa família, porque minha mãe passou de babá para cozinheira e, depois, governanta. Ela trabalhou durante quarenta anos com eles. E depois disso continuava dando “assessoria” para essa família. Digo assessoria porque ela cozinhava muito bem, e era sempre chamada quando havia banquetes e festas. Ela casou com meu pai, e eles continuaram trabalhando com essa família, só que daí ele foi trabalhar numa das firmas, passando de motorista particular para motorista de diretoria. Moramos uma época em Guarulhos. Meu pai tinha um caminhãozinho e vínhamos todo dia para São Paulo. Isso ficou bem marcado na minha memória; eu estava com 6, 7 anos. Com 8 anos nós mudamos definitivamente para São Paulo e fomos morar na casa dos Guimarães. Eles fizeram uma casa nos fundos, aí já no Jardim América. Fiquei até os 14 anos morando com essa família, mas eu não trabalhava. Fiquei no colégio interno, dos 8 até os 12 anos. Eu voltava nos finais de semana e, assim, foi a minha vida até o começo da minha ado- lescência. Aí depois o meu pai comprou um imóvel em São Paulo, na Lapa. Isso em 1975. Na época as pessoas casavam cedo. A minha mãe não, casou já com 37 anos. Quando eu nasci ela já estava com 40, e o meu pai estava com uns 44. Morávamos perto da linha de trem, na Lapa de baixo. Piolin na peça “Que rei sou eu?”, de Olindo Dias Corleto, encenada na década de 1940. O ponto alto do espetáculo ficava para a segunda parte: a encenação de comédias em que o palhaço fazia o papel principal. Fonte:AcervodoCentrodeMemóriadoCirco. CIRCO, LUGAR DE NAMORAR Saíram muitos casamentos no circo. O da minha mãe foi um. Porque era um lugar aberto; pois na época vigorava outro tipo de educação. Não podia pegar na mão, essas coisas. E o circo deixava tudo mais descontraído. Acho que
  • 108. 108 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 isso favorecia os encontros. Elas não tinham uma casa, não tinham um lugar para poder apresentar os namorados. O circo favoreceu então vários casamentos entre essas pessoas que saíam juntas. E o ambiente do circo, que era um ambiente alegre, favorecia as pessoas a quebrarem um pouco a barreira da timidez, aquela coisa toda. Meus pais ficaram casados por 32 anos, até 1989, quando meu pai faleceu. Ele era uma pessoa muito divertida, gostava de contar piada, estava sempre sorrindo, sempre reunindo a família. Acho que porque eles não tiveram a família perto, então queriam sempre estar com a família reunida. Eles me levavam muito ao circo – Orlando Orfei, Vostok, Garcia, Circo de Madrid, que lembro de ser armado na Penha. O último foi o Circo de Cuba, na Avenida Politécnica. No Glicério vi o Parque Xangai, que era um parque de diversões que também tinha sua lona, o seu picadeiro. Os africanos chamam de “griot”. Minha mãe fazia questão de contar as histórias do circo, repetir, falar. Acho isso bonito no pessoal da outra geração. Eles saíam de lá e continuavam sonhando. Chegavam em casa sonhando. Ela dizia que o circo fazia sonhar. Apesar de os patrões serem maravilhosos, a vida era dura, porque não estavam junto com os parentes... Então acho que ela se desligava e sonhava. E esse sonho ela passou para nós. Digo nós, porque a minha casa, apesar de eu ser filha única, estava sempre cheia de parentes. Nós falávamos que era a casa do migrante. A pessoa vinha para São Paulo e ficava na minha casa. Mesmo quando morávamos no emprego da minha mãe, eles também vinham. E ficavam lá! Muitas tias minhas passaram por lá. Todas como arrumadeira, copeira ou cozinheira. Elas estudavam à noite. Minha mãe se formou no primário com 50 anos. Pegou o diploma toda orgulhosa. Ia fazer Madureza, mas depois desistiu. O meu pai era autodidata, lia muito. Foi motorista e teve uma época em que fazia carreto. Foi também motorista de táxi, trabalhando nos finais de semana. Mas sempre foi fiel às duas famílias. Mudava só os nomes das empresas, mas ele continuava com as famílias. Meu pai era uma pessoa que admiro muito, porque era autodidata, era curioso, queria saber as coisas; ele passou um pouco disso para mim. Com o bom humor dele... Tive um palhaço dentro de casa! Para ele não tinha dia ruim. O dia poderia ter sido o pior de todos, mas ele sempre tirava uma piada... O nosso palhaço. A família também o considerava dessa forma. Eles foram muito solidários. Na nossa casa, apesar de termos televisão, conversávamos muito. Uma coisa que se perdeu um pouco agora: sentar à mesa para conversar. E os familiares que vinham do interior para São Paulo ficavam em casa e entravam no ritmo. Ficavam sempre muito otimistas. MAGIA E MISTÉRIO Um espaço mágico e, por ser itinerante, que trazia um que de mistério. Essa é uma interpretação minha. Pelos relatos dos parentes do interior, quando
  • 109. 109 Circo e sociabilidade em São Paulo • Walter de Sousa Junior chegava um circo na cidade, todo mundo ficava contente de ir, mas sempre com um pé atrás. Isso porque sempre alguém da cidade ia junto com o circo. Ele tinha essa coisa de mistério, que alimenta até hoje a fama de encantar. Encantava de uma forma que parecia o mágico da flauta. Encantava crianças, jovens donzelas, também reprimidas em suas cidadezinhas, e que viam aquela liberdade que as encantava muito e acabavam levando-as a acompanhar o circo. Falavam que o circo em cidade pequena servia para roubar criança, uma crença que surgiu com os ciganos. Mas eles saíam porque queriam desbravar; aquele mundinho ali deles era pouco. Minha mãe contava que no interior nenhuma criança ia desacompanhada ao circo, porque ficava com medo das mágicas que faziam desaparecer... Eu cursei até o terceiro ano de Sociologia e Política, mas não me formei. O coração falou mais alto e me casei. Formei-me no colegial. Quando comecei a namorar, ainda nem tinha terminado o colegial. A faculdade, que eu amava, ainda penso em terminar. Gostava muito da área de pesquisa, antropologia, e aí fiz três anos, mas me casei e tive de acompanhar meu esposo; saí do Brasil. Morei na África por oito anos, em Guiné Bissau e no Senegal. Foi uma experiência que, se eu tivesse terminado o curso... Fiz o curso na Escola de Sociologia e Política, na FESP, na turma de 1981 a 1984. Viajei antes de terminar, depois tranquei, voltei e fiz mais um ano. Foi “picadinho”, e eu poderia ter terminado. Tinha até tema para fazer trabalho de conclusão. Mas não terminei. Sou uma quase socióloga, portanto. ÁFRICA: FUNÇÃO SOCIAL DO HUMOR Teve uma passagem interessante vivida em África. Eram grupos nômades, que ião passando nas casas de tempos em tempos, geralmente depois de um “fanado”, que é a circuncisão, masculina ou feminina. Eles ião fazer palhaçadas nas portas das casas. Você saía para ver, e eles pediam alguma coisa após a apresentação. A primeira vez que foram a minha casa, eu não sabia o que aquele gru- po estava fazendo lá, tocando instrumentos e com os rostos pintados. Eles se As comédias de Piolin atraíam o grande público ao seu circo. Entre 1925 e 1961 ele encenou por volta de 450 peças, a maior parte delas comédias de picadeiro. Fonte:AcervodoCentrodeMemóriadoCirco.
  • 110. 110 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 paramentavam com peles de animais, e ficavam fazendo a sua apresentação. Vi e fechei a porta. Mas não era para fechar a porta. Era para dar alguma coisa para eles. Dali a pouco bateram na minha porta. São grupos formados por jovens, na faixa dos 25, 30 anos. Os que tocam os instrumentos são os mais velhos, sempre com o rosto pintado. O Congurão é uma das representações. Parece um orixá. Eles usam muito guizo, palha. Lembra o orixá Obaluaê. Sempre com o rosto coberto de palha. Ele vinha à frente e era o que dançava mais. Mas tinha os outros, que faziam piruetas. Esses grupos atuavam não só em Guiné, mas no Senegal também, em vários grupos étnicos, com dialetos diferentes. Sempre há, portanto, um grupo com o papel de alegrar. PIOLIN, PALHAÇO DOS INTELECTUAIS E DO GRANDE PÚBLICO Parte dos pesquisadores reconhece Abelardo Pinto Piolin (1887-1973) como o palhaço que encantou os intelectuais da Semana de 22, entre eles Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Anita Malfati, que frequentaram o Circo Alcebíades, instalado no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, na década de 1920. Antonio de Alcântara Machado, em diversos artigos publicados à época, viu no personagem excêntrico a essência de um teatro genuinamente brasileiro, isento de influências estrangeiras. Mas, passada a euforia modernista, Piolin continuou sua trajetória circense por muitos anos. Depois de uma temporada no Teatro Boa Vista, no centro paulistano, ao lado do cômico de origem italiana Tom Bill, montou um circo próprio, com seu nome, estreando em 1933. Circulou pelos bairros operários da cidade até 1943, quando se fixou na Praça Marechal Deodoro, zona oeste. Dali, em 1949, se mudou para a avenida General Olímpio da Silveira, onde permaneceu até 1961, quando foi despejado pela prefeitura, pois o terreno era público. Nessa longa temporada, atraiu um público fiel e disposto a acompanhar suas diatribes no picadeiro. Pouco antes de morrer, em 1972, teve seu circo montado debaixo do vão do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP), numa homenagem ao cinquentenário da Semana de 22. O Arquivo Miroel Silveira, da ECA/USP, que guarda os processos de censura da antiga Divisão de Diversões Públicas de São Paulo, registra 450 peças, na grande maioria comédias, encenadas por Piolin, sendo 80 delas assinadas pelo palhaço como autor.
  • 111. experiência 111 Produção coletiva de webnovelas: um estudo sobre metodologias dialógicas e participativas1 Maria Isabel Rodrigues Orofino Professora do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo PPGCOM/ ESPM SP E-mail: iorofino@espm.br Resumo: Este texto relata uma experiência de Comunicação e Educação que resultou na produção e veiculação, no YouTube, de cinco webnovels realizadas por crianças de classe popular moradoras de uma comu- nidade na periferia urbana da cidade de São Paulo. Com esta iniciativa, buscamos verificar a hipótese teórico-metodológica da mídia-educação enquanto metodologia colaborativa na prática escolar transforma- dora. Questionam-se as denúncias que reduzem as tecnologias a um fenômeno meramente de mercado. Defende-se o uso das tecnologias digitais com as crianças como uma questão de direito à inclusão digital, de criatividade e de produção cultu- ral coletia. Apresentamos uma reflexão de caráter metodológico sobre uma pesquisa participante feita com trinta crianças em uma escola pública. Palavras-chave: Mídia; educação; crianças; webnovelas; mídia-educação. Abstract: This paper reports an experi- ence of Communication and Education that resulted in the production and broadcasting on Youtube of five web series by children from a poor community in the periphery of São Paulo. With this work, we aim to verify the theoretical-method- ological hypothesis of media education as a collaborative methodology in the transformative educational practice. We question the complaints that re- duce the technologies to a mere mar- ket phenomenon. We defend the use of digital technologies with the children as a question of digital inclusion, of creativity and collective cultural produc- tion rights. We present a methodological reflection about a participant research conducted with 30 children from a public school. Keywords: Media; education; children; webseries; media education. CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO, EXPERIÊNCIA E REFLEXÃO TEÓRICA PROPOSTA O trabalho que apresentamos neste artigo refere-se a uma pesquisa que se encontra em desenvolvimento (work in progress). A mesma teve início no ano de 2010, a partir de nossa participação em um grupo vinculado ao Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, em um projeto Recebido: 12/04/2012 Aprovado: 29/07/2012 1. Artigo apresentado no encontro da ALAIC – Associação Latino-Ame- ricana de Investigadores em Comunicação Social, no GT Comunicação e Educação, de 9 a 11 de maio de 2012.
  • 112. 112 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 que toma como objeto as relações entre comunicação e consumo com base na telenovela. O grupo definiu interesses particulares para explorar tais relações. O nosso recorte em particular tomou como foco as crianças enquanto sujeitos da observação. Portanto, partimos de uma pesquisa de recepção de telenovela para conjuntamente realizarmos uma iniciativa de mídia-educação. Assim, fizemos uma pesquisa de recepção de telenovela por parte do pú- blico infantil. Trabalhamos com um grupo de 36 crianças, estudantes de uma escola pública na cidade de São Paulo, em um de seus bairros populares, pelo período de um semestre letivo. Nossa permanência na escola, para a realização da pesquisa de recepção, desencadeou uma série de atividades e vínculos com a direção e os professores. Foram realizadas: (i) palestras de formação com o corpo docente; (ii) diálogos sobre políticas de comunicação para a escola (junto à direção); (iii) diálogos sobre produção criativa junto ao grupo de comunicação da escola; (iv) diálogos com as POIE (Professor Orientador de Informática na Educação), em conjunto com o trabalho em sala de aula com a professora regente da 4a série. O pesquisador de comunicação que estiver em relação de pesquisa com a escola pode e deve cooperar com as mediações escolares. Estas mediações es- colares, de que fala Guillermo Orozco-Gomez, de fato, já acontecem na escola. Porém, a presença do comunicador na escola qualifica esta discussão de manei- ra diferenciada; pois, uma vez que se trata da presença de um especialista no tema, o mesmo pode oferecer uma série de contribuições a este debate junto às escolas. Assim, as contribuições que o comunicador oferece à educação são amplas, variadas e reservam múltiplas possibilidades. Neste paper vamos buscar demonstrar os resultados de um trabalho que nos encoraja a levar adiante nossa defesa de que a mídia-educação pode e deve ser pensada enquanto uma metodologia. Isto é, enquanto uma nova forma de educar. Portanto, temos o entendimento de que a mídia-educação não é mais uma disciplina a competir com tantas outras por um espaço na grade curricular. A mídia-educação é uma metodologia, uma nova forma de educar, pois ela toca todas as disciplinas. Todos os professores, de fato, são educomunicadores. Nas páginas seguintes vamos apresentar algumas contribuições parciais à compreensão das possibilidades de termos na mídia-educação uma metodologia de trabalho na educação transformadora, pois, com ela, de fato, alcançamos uma forma de mediação escolar que permite ativar a reflexividade na produção de conhecimento com as crianças e os jovens por meio de múltiplas plataformas e formas de intervenção. PERGUNTAS CENTRAIS OU A ETERNA CURIOSIDADE EPISTEMOLÓGICA O problema motivador da pesquisa se estruturou em três lugares de ob- servação: o consumo e os usos das novas tecnologias digitais por crianças de
  • 113. 113 Produção coletiva de webnovelas • Maria Isabel Rodrigues Orofino classes populares; a recepção de telenovela e a transmedialidade por parte das crianças; e a possibilidade da observação participante no espaço escolar por parte do comunicador. Com isso, defendemos um olhar sobre a mídia-educação que é transdiciplinar e multimetodológico, um lugar necessariamente convergente, integrador e, portanto, transformador, não apenas inovador. Sob o ponto de vista da teoria, também trabalhamos de modo transdisci- plinar. Contamos com os aportes dos estudos de comunicação e da pesquisa de recepção; dos estudos que enfatizam o receptor ativo e, mais do que isso, o prossumidor: que se trata de uma categoria emergente, e por isso mesmo uma categoria aberta às críticas. Mas defendemos que há aí um novo lugar de observação que merece toda a nossa atenção. Este receptor ativo não apenas expressa variadas competências culturais e subjetivas diante do texto midiático, como também sabe manusear as tecnologias com agilidade e destreza. E, na medida em que lê, também responde, produz novas textualidades, sobretudo com as novas plataformas digitais e redes sociais. Para problematizar tais questões buscamos uma série de contribuições te- óricas no âmbito de uma teoria crítica da cultura. Para uma teoria da cultura propriamente, tomamos o trabalho de Raymond Williams, um estudioso das formas culturais. Como destacamos anteriormente2 , muitos autores defendem a ideia de que a cultura precisa ser compreendida menos enquanto oposições binárias e muito mais pela ideia de teia de complexidades, de trama. Dentre os autores que buscam problematizar a cultura a partir de uma perspectiva de trama ou teia de complexidades, está a obra de Raymond Williams. Nela está a sua grande contribuição com os escritos que fez sobre a indústria cultural e como esta articula o popular e o erudito, em uma diversidade de dimensões ou níveis que operam efetivas mudanças culturais. Segundo Martín-Barbero, Williams é o autor da imagem metodológica mais aberta e precisa que temos até hoje: aquela que respeita a emergência do popular como cultura a partir das práticas, e para defini-las ele cria uma tipologia das formações culturais em três níveis: (1) o dominante; (2) o residual e (3) o emergente. Juntamente com o trabalho de Raymond Williams, sempre nos in- teressaram também os teóricos dos estudos culturais da Escola de Birmingham (Hall, Morley e, de certa forma, Silverstone). Lançamos um olhar atento também ao trabalho dos autores latino- -americanos no campo da comunicação, cultura e mediações. Sobretudo o de Jesús Martín-Barbero e Guillermo Orozco Gomes. Na obra de Jesús Martín- -Barbero, como destacamos anteriormente3 , encontramos o recente debate em torno de uma perspectiva das mediações na América Latina – sobretudo a partir da contribuição oferecida pela obra de Jesús Martín-Barbero – que propõe um modelo compreensivo integrador entre os processos de produção, do produto e da audiência. Um avanço importante proposto pelos autores latino-americanos é justa- mente o de tentar superar esta fragmentação a partir de uma compreensão 2. OROFINO, Maria Isa- bel. Mediações na pro- dução de teleficção: um estudo sobre o Auto da Compadecida. Porto Ale- gre: EdiPUC-RS, 2006. 3. OROFINO, Maria Isa- bel. Mídia e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez, 2005.
  • 114. 114 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 da comunicação enquanto processo sócio-histórico, problematizado a partir da cultura, propondo um novo deslocamento, qual seja: o da recepção às mediações. E então buscamos aportes teóricos ainda no âmbito da mídia-educação. Neste caso há também um longo percurso já trilhado na América Latina, mas a nossa ênfase foi na localização de estudos que valorizem a participação das crianças na produção de contranarrativas de libertação. Isso significa pensar a mídia-educação como metodologia para a educação libertadora, o que nos leva a Paulo Freire e todos os autores vinculados a uma pedagogia dialógica, problematizadora e emancipadora. Defende-se que a educação é, em primeiro lugar, um ato político, uma questão de direito. E a partir daí pensa-se, então, em tudo o mais que lhe compete, como: o desenvolvimento da autonomia, da criatividade, da participação, da cooperação, da consciência, da inteligência, da sensibilidade. Detivemo-nos também em identificar as contribuições oferecidas pelo traba- lho do grupo vinculado à ECA-USP nos estudos da Comunicação e Educação, que aqui merece destaque: Maria Aparecida Baccega, Ismar de Oliveira Soares, Adilson Citelli, Maria Immacolata Lopes, Roseli Figaro, entre outros. Destaca- mos também nosso interesse pelo trabalho de David Buckingham, Ellen Seiter e Sonia Livingstone, para uma reflexão sobre mídia e infância. OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE OU O DESAFIO DA PESQUISA DE CAMPO Sair a campo exige do pesquisador a pré-disposição de se distanciar do seu lugar, de sua zona de conforto das salas da universidade, laboratórios e escritórios e, para enfrentar o tempo, o espaço, o clima, das intempéries, do trânsito, do desconhecido, do estranho, do Outro. A pesquisa de campo, de caráter etnográfico, é, como identificou a Profa. Rute Cardoso, uma aventura. Nosso campo fica nas bordas da grande cidade, nas extremidades das margens de uma das maiores megalópoles do planeta: a cidade de São Paulo, com uma população em torno de 20 milhões de ha- bitantes. A comunidade do Morro Grande, próximo à Freguesia do Ó, onde trabalhamos, é desenhada por vielas estreitas de barro cru, com casas – quase todas – sem pinturas nas paredes. Casas modestas, sem muros, com cercas de arames frouxos. A escola é bonita, nova, com apenas quatro anos de atividade. Em grande medida ouvimos denúncias com relação à escola pública. Nossa impressão foi muito positiva nesse sentido. A escola que visitamos tinha uma excelente ins- talação, uma excelente equipe (do porteiro ao diretor). Uma equipe solidária, cooperativa, consciente, responsável. Foram tantas as vezes que me deparei com relatos de denúncia com relação à escola, o abandono da gestão pública, a falta de recursos, a desmotivação dos professores.
  • 115. 115 Produção coletiva de webnovelas • Maria Isabel Rodrigues Orofino Nossa etnografia se estendeu pelo período de um semestre letivo. Em ter- mos metodológicos buscamos um diálogo com o trabalho de Carlos Rodrigues Brandão, Michel Thiollent e Antunes. A pesquisa participante e a pesquisa-ação são, para a prática da Educomunicação e da Mídia-Educação, uma metodolo- gia fundamental. Nossa etnografia do espaço escolar esteve articulada a uma metodologia da pesquisa participante, o que nos permitiu um vínculo explícito com a política escolar de ação cultural e ação midiática naquela escola. Os vínculos se explicitaram por meio de consultorias junto à direção com relação às políticas de comunicação da escola, com uma intervenção na constituição de momentos de diálogo e palestras com os professores sobre a presença da mídia na vida de todos nós (educadores, profissionais e educandos) e, também, com a realização do trabalho de produção de webnovelas com a turma da 4a série. Nesta última etapa utilizamos uma série de técnicas de pesquisa, como a produção de redações a partir de temas geradores identificados pelas próprias crianças, a elaboração de storyboards, a redação de roteiros, a decupagem dos roteiros, a produção propriamente, a gravação, a edição, a apresentação na escola, a veiculação, a distribuição e a recepção desse trabalho pelas crianças que participaram da iniciativa. AS WEBNOVELAS PRODUZIDAS Nossa permanência em campo possibilitou a realização de uma experi- ência de mídia-educação com a produção de cinco episódios de webnovelas. Este trabalho foi uma contrapartida oferecida à escola que nos recebeu pelo período de um semestre para uma pesquisa mais ampla – como destacamos na abertura deste texto – sobre as relações entre comunicação, telenovela, consumo e tecnologias. O trabalho na escola incluiu a elaboração de palestras para o corpo do- cente sobre diferentes enfoques a respeito da mídia no conjunto das teorias da comunicação e educação e novas possibilidades de crítica e usos sociais dos meios. Foi realizada de uma atividade de mídia-educação (experiência piloto) com a mesma turma da pesquisa como atividade inter e transdiciplinar, com foco direcionado aos temas geradores definidos pela própria turma com a qual estávamos trabalhando. A realização das webnovelas partiu da iniciativa da professora Roberta Duarte, responsável pela 4a série com a qual estávamos trabalhando. A profes- sora partiu de temas geradores, e as crianças criaram redações sobre as seguintes questões: (i) deficiência física; (ii) intolerância; (iii) superação (iv) amizade e (v) amor. O trabalho envolveu a redação das histórias e posteriormente todas as etapas de produção dos vídeos com criação dos storyboards, para que as crian- ças pudessem realizar o trânsito da forma escrita para a linguagem visual.
  • 116. 116 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Posteriormente, os roteiros foram criados. E na sequência, a decupagem de produção para definição das locações, figurino, maquiagem, atuação, assistência de direção e assistência de câmera. As gravações foram todas realizadas com uma pequena câmera digital em um sábado, durante todo o dia, nas depen- dências da própria escola. O mais interessante a observar foram as referências à telenovela que está- vamos estudando naquele momento4 , em vários aspectos das narrativas constru- ídas pelas crianças. Elas redigiram as redações justamente quando a telenovela estava no ar. Cabe destacar que estas menções não eram reproduções, mas sim recriações que nos permitem compreender como ocorrem os processos de ressignificação. Na webnovela sobre o cotidiano de portadores de necessidades especiais há uma narrativa de um cadeirante que supera a sua doença a partir do mo- mento em que sua mãe o visita no hospital. Isto nos permite perceber como funciona a ressignificação da telenovela no imaginário das crianças com as quais trabalhamos, sendo vista como uma narrativa de superação, o que difere da telenovela veiculada. Outra webnovela sobre o amor romântico fez referências à cidade de Paris, justamente quando os personagens da telenovela Viver a vida – Luciana e Miguel – estavam passando a lua de mel nesta cidade. E em uma outra webnovela, sobre o amor entre namorados, as crianças roteirizaram o final da história com um grande casamento, fazendo uma citação explícita ao fato de que “quase toda” telenovela termina com esse tipo de cena. A realização das webnovelas nos permitiu entender não só as questões de ressignificação do conteúdo da teleficção no imaginário, como a competência cultural da criança com relação a este gênero em particular e sua tradução na cultura brasileira. SOBRE AS ETAPAS DE PRODUÇÃO DOS VÍDEOS O vídeo é uma linguagem híbrida em texto, imagem e som. Seu aspecto articulado em três códigos o torna particular, e este aspecto confere à pedagogia do audiovisual um lugar privilegiado para o desenvolvimento cognitivo e criativo. Atualmente o vídeo e a TV atravessam grandes transformações para uma nova fase no seu desenvolvimento material. Estamos hoje experienciando as novas possibilidades desencadeadas pela WebTV, o que muda radicalmente tanto os modos de difusão quanto de produção de linguagens. A velha TV possuía uma trajetória histórica com início a partir do uso e aplicação de tec- nologias mecânicas; um segundo momento foi marcado pelo desenvolvimento do sistema eletrônico/analógico e, hoje, os sistemas digitais passam a mudar significativamente as estruturas de produção, difusão e recepção das mensagens audiovisuais. Os sistemas digitais são definidos por Barker5 como: 4. Viver a vida – Rede Globo, 2010.
  • 117. 117 Produção coletiva de webnovelas • Maria Isabel Rodrigues Orofino Aqueles que permitem que a informação seja organizada eletronicamente em bytes, em pequenas unidades discretas de informação, que podem ser comprimidas durante a transmissão e descomprimidas na chegada. Isto permite que uma quan- tidade bem maior de informação possa se deslocar por qualquer conduto dado, seja ele o cabo, satélite ou sinais terrestres (isto também abre zonas do espectro de uso não utilizadas previamente) e em grande velocidade sobre longas distâncias. Na realidade, o impacto das novas tecnologias em geral e dos sistemas digitais em particular pode ser resumido em termos de velocidade, volume e distância. O que quer dizer maior informação em maior velocidade em longas distâncias6 . Com os usos sociais das tecnologias digitais surgem novos apelos estéticos ligados à convergência tecnológica e às possibilidades de fusão de formas cul- turais em hipertextos. Neste contexto, as possibilidades criativas com as novas mídias são muito amplas, muito diversificadas. Nossa metodologia de mídia-educação obedeceu às seguintes etapas de trabalho com a participação das crianças: em primeiro lugar buscamos um di- álogo muito próximo e, com a participação da professora Roberta, foi possível fazer a identificação de temas geradores que atendessem às demandas reflexivas das crianças naquele momento. Os temas que emergiram foram: a questão da deficiência física; intolerância; superação; amizade e amor. Após serem identificados os temas, foram escolhidos os grupos de trabalho. A primeira etapa, de redação criativa, já aconteceu em grupos. Quando as crian- ças produziram as suas redações coletivas, as mesmas foram lidas e comentadas pela professora. Na sequência as crianças participaram de um debate sobre a presença da mídia na vida de todos nós. Algumas palestras sobre comunicação e cultura aconteceram, identificando inclusive formas culturais, formatos indus- triais e gêneros narrativos. As crianças passaram a participar então de oficinas de produção. Estas oficinas incluíram atividades como: a criação de storyboards (histórias em quadrinho). Esta etapa é muito interessante porque deflagra um lugar privilegiado de trânsito da linguagem verbal para a visual. Após o trabalho e a leitura final, com os textos verbais (as redações), par- timos para a elaboração de história em quadrinhos. Com os stotyboards prontos, a etapa seguinte foi a de roteirização. Neste momento surgiu a possibilidade de realização de um amplo debate sobre técnica e tecnologia com as crianças. Um debate sobre consumo e usos sociais das tecnologias digitais encontrou também aqui uma ótima oportunidade. Outra etapa de trabalho foi a realização da produção técnica, que exigiu não só providências com a câmera e o microfone, mas também atuação/interpretação, direção geral e de arte, cenografia, trilha sonora, figurino e maquiagem. Na etapa de produção consolidou-se a metodologia colaborativa, com as diferentes identificações, por parte das crianças, das múltiplas funções da produção coletiva. Com isso alcançou-se um alto grau de participação e colaboração. 5. BARKER, Chris. Tele- vison, Globalization and Cultural Identities. Bu- ckingham/Philadelphia, Penn: Open University Press, 1999. 6. BARKER, op. cit., p. 48.
  • 118. 118 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 As crianças optaram por desempenhar diferentes funções no processo de produção, que foram desde assistência de direção, escolha por desempenhar o papel de ator, atriz, figurante, até maquiagem e figurino (funções estas muito disputadas pelas meninas). No dia da gravação cada criança exerceu sua função, e os demais colaboravam ora como figurantes, ora como apoio técnico, ou, ainda, como assistentes de produção do filme da outra equipe. A edição continua acarretando um afunilamento, por isso é preciso experimentar outras iniciativas que contem cada vez mais com o conhecimento de edição das próprias crianças. A apresentação do trabalho aconteceu na escola, na festa de formatura da turma e final de ano. Posteriormente foram copiadas em CD e postadas no YouTube. ALGUNS RESULTADOS ALCANÇADOS Este trabalho nos permitiu alcançar alguns resultados importantes para a pesquisa no campo da comunicação e educação. Vamos destacar alguns deles, compreendendo que são resultados parciais e que modestamente nos podem apontar novos caminhos para a prática da educação transformadora. Em primeiro lugar, verificamos que a aliança entre duas metodologias valiosas, como o estudo de recepção e a mídia-educação, são etapas complementares e que se articulam. Os estudos de recepção nos possibilitam compreender o universo cultural e midiático das crianças. Além dissso, permitem que o educador note qual é o repertório cultural dos estudantes: a que assistem, como assistem, o que apreciam, o que recusam e como o fazem. Este estudo nos fez perceber também qual o papel da criança enquanto agente social com competências próprias, que constrói táticas nos usos e apropriações que faz dos meios de comunicação e que, também, apresenta competências na produção de novas narrativas com o uso da linguagem audiovisual. Foi possível também construir novas referências que contribuam para a superação de uma visão da tecnologia como algo unicamente atrelado ao mercado e aos interesses do consumismo. Verificamos que no Brasil, em particular, ainda há, por um lado, uma política neoliberal cuja ênfase nos usos das tecnologias no espaço escolar parece se justificar muito mais pelos interesses obscuros dos grandes volumes de vendas de equipamentos e seus altos percentuais em comissões, do que propriamente pelo desenvolvimento de novas metodologias que fortaleçam as práticas dos educadores e dos estudantes, bem como suas demandas e formas de narrar e de construir visibilidade para seus discursos. Assim, defendemos que continua importante investirmos muito mais na formação dos educadores para que transitem com maior liberdade criativa pelo universo dos estudos de comunicação e da mídia. É fundamental estabelecer este diálogo entre o campo da comunicação, com suas práticas e processos,
  • 119. 119 Produção coletiva de webnovelas • Maria Isabel Rodrigues Orofino e o campo da educação, enquanto um lugar da produção criativa e de ação cultural libertadora. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARKER, Chris. Televison, Globalization and Cultural Identities. Buckingham/ Philadelphia, Penn: Open University Press, 1999. BRANDÃO, Carlos Rodrigues et al. Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1983. _______. Repensando a pesquisa-participante. São Paulo: Brasiliense, 1985. BUCKINGHAM, David. After the death of childhood: growing up in the age of electronic media. Cambridge: Polity, 2000. _______. Media Education: literacy, learning and contemporary culture. Cambridge: Polity, 2003. CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 1993. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. _______. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José Eustáquio. Autonomia da escola: princípios e propostas. São Paulo: Instituto Paulo Freire/Cortez, 1997 (Série Escola Cidadã). _______ et. al. Pedagogia: diálogo e conflito. São Paulo: Cortez, 1985. GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1998. GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989. _______. As consequências da modernidade. São Paulo. Unesp, 1991. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 1987 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000. OROFINO, Maria Isabel. Mídia e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez, 2005. _______. Mediações na produção de teleficção: um estudo sobre o Auto da Compadecida. Porto Alegre: EdiPUC-RS, 2006. OROZCO, Guillermo. Mediações escolares e familiares na recepção televisiva. Revista Brasileira de Comunicação, São Paulo, Intercom, 1991.
  • 120. 120 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 _______. Cultura y Television: de las comunidades de referencia a la produccion de sentido en el processo de la recepcion. México: Universidade Iberoamericana 1992. THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo, Cortez, 1985. WILLIAMS, Raymond. Television, technology and cultural form. New York: Schocken Books, 1975.
  • 121. poesia 121 O poema do mau agouro Adilson Citelli Professor titular do Departamento de Comunicações e Artes da ECA/USP, onde ministra cursos de graduação e pós-graduação. Orienta dissertações e teses nas áreas de Comunicação e Linguagem, com ênfase nas subáreas Comunicação/Educação, Comunicação/Linguagem. É coeditor da revista Comunicação & Educação, bem como pesquisador 1 C do CNPq.1 A revista oferece aos seus leitores o texto completo de “O corvo”, escrito por Edgard Allan Poe. O poeta, contista, editor, crítico literário, Edgard Allan Poe, nasceu em Boston, no dia 19 de janeiro de 1809, e morreu em Baltimo- re, em 7 de outubro de 1849. Ao lado de obras-primas da ficção policial, do mistério e do macabro, publicou, em janeiro de 1845, após quase dez anos de reescritas, aquele que é considerado um dos mais importantes poemas de todos os tempos, “The Raven” [O corvo]. Nele é representada a misteriosa figura de um corvo, que encarna o inevitável caráter da morte. O texto, contudo, expande outras áreas de significação, promovendo diálogos com a tradição do ultrarromantismo e do sofrimento com a perda da mulher amada. A tradução que escolhemos foi feita pelo poeta português Fernando Pessoa. O Corvo Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste, Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais, E já quase adormecia, ouvi o que parecia O som de alguém que batia levemente a meus umbrais. “Uma visita”, eu me disse, “está batendo a meus umbrais. É só isto, e nada mais.” Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro, E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais. Como eu queria a madrugada, toda a noite aos livros dada Para esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais Essa cujo nome sabem as hostes celestiais, Mas sem nome aqui jamais! Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais! Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo, 1. É autor de inúmeros artigos e livros, dentre os quais se destacam: Linguagem e Persuasão (Ática, 1994); Comuni- cação e Educação: a linguagem em movimento (Senac, 2000); Palavras, meios de comunicação e educação (Cortez, 2006).
  • 122. 122 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 “É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais; Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais. É só isto, e nada mais”. E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante, “Senhor”, eu disse, “ou senhora, decerto me desculpais; Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo, Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais, Que mal ouvi...” E abri largos, franqueando-os, meus umbrais. Noite, noite e nada mais. A treva enorme fitando, fiquei perdido receando, Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais. Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita, E a única palavra dita foi um nome cheio de ais Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais. Isso só e nada mais. Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo, Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais. “Por certo”, disse eu, “aquela bulha é na minha janela. Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.” Meu coração se distraía pesquisando estes sinais. “É o vento, e nada mais.” Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça, Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais. Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento, Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais, Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais, Foi, pousou, e nada mais. E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura Com o solene decoro de seus ares rituais. “Tens o aspecto tosquiado”, disse eu, “mas de nobre e ousado Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais! Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.” Disse o corvo, “Nunca mais”.
  • 123. 123 O poema do mau agouro • Adilson Citelli Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro, Inda que pouco sentido tivessem palavras tais. Mas deve ser concedido que ninguém terá havido Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais, Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais, Com o nome “Nunca mais”. Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto, Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais. Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento Perdido, murmurei lento, “Amigo, sonhos – mortais Todos – todos já se foram. Amanhã também te vais”. Disse o corvo, “Nunca mais”. A alma súbito movida por frase tão bem cabida, “Por certo”, disse eu, “são estas vozes usuais, Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais, E o bordão de desesperança de seu canto cheio de ais Era este “Nunca mais”. Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura, Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais; E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira Que queria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais, Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais, Com aquele “Nunca mais”. Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo À ave que na minha alma cravava os olhos fatais, Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais, Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais, Reclinar-se-á nunca mais! Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais. “Maldito!”, a mim disse, “deu-te Deus, por anjos concedeu-te O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais, O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!”.
  • 124. 124 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Disse o corvo, “Nunca mais”. “Profeta”, disse eu, “profeta – ou demônio ou ave preta! Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais, A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo, A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais! Disse o corvo, “Nunca mais”. “Profeta”, disse eu, “profeta – ou demônio ou ave preta! Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais. Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais, Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!” Disse o corvo, “Nunca mais”. “Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!”, eu disse. “Parte! Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais! Não deixes pena que ateste a mentira que disseste! Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais! Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!” Disse o corvo, “Nunca mais”. E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais. Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha, E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais, Libertar-se-á... nunca mais!
  • 125. 125 resenhas 1. Informações no site: <escolarhttp://www. unesco.org/new/en/ communication-and- -information/resources/ publications-and-com- munication-materials/ publications/full-list/ media-and-informa- tion-literacy-curricu- lum-for-teachers/>. Reinventando a educação para reinventar a mídia Ismar de Oliveira Soares Professor titular da ECA/USP, supervisor do curso a distância “Mídias na Educação”, do MEC, no Estado de São Paulo, e coordenador da licenciatura em Educomunicação da ECA/USP. E-mail: ismarolive@yahoo.com Resumo: O artigo faz uma análise de três obras que privilegiam – cada uma sob uma perspectiva distinta – a mídia educação: Educomunicação: imagens do professor na mídia, coordenado por Adilson Citelli; Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes, de Muniz Sodré, e Idade mídia, de Alexandre Sayad. O tema, presente entre os trabalhos apresentados no IV Encontro Brasileiro de Educomuni- cação, em 2012, também está em um ma- nual que foi recentemente disponibilizado pela Unesco. São livros atuais, que não podem faltar na bibliografia de disciplinas voltadas à reflexão epistemológica e ao planejamento da ação prática no campo da Educomunicação. Palavras-chave: Mídia-educação; Educomu- nicação; educação; mídia; escola. Abstract: This paper analyses three works that discuss – each one under a different perspective – the Media Education: Educo- municação: imagens do professor na mídia, organized by Adilson Citelli; Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes, by Muniz Sodré, and Idade Mídia, by Alexandre Sayad. The subject, pres- ent among the works presented in the IV Brazilian Educommunication Encounter, in 2012, is also included in a manual recently created by UNESCO. They are contemporary works, which cannot be missing in the bibliography of courses that make epistemological reflections and that discuss the planning of practical action in educommunication. Keywords: Media Education; educommu- nication; media; school. O movimento mundial em torno da Media Education (formação para uma convivência adequada em relação aos sistemas e meios de comunicação) sempre teve o propósito de levar o conhecimento sobre a mídia ao mundo da educação formal. A Unesco acaba de disponibilizar um manual denominado Media and Information Literacy Curriculum for Teachers1 , sistematizando experiências de formação de audiências ativas e socializando roteiros a serem trabalhados em sala de aula, para orientar os alunos sobre como interagir com a infor- mação disponibilizada nas redes e como fazer uso da produção midiática. O tema esteve presente no IV Encontro Brasileiro de Educomunicação, celebrado em São Paulo, entre 25 e 27 de outubro de 2012, não apenas entre
  • 126. 126 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 os 80 papers apresentados ao longo de todo o evento, mas também nos lança- mentos ocorridos no último dia do evento. Três lançamentos privilegiaram o tema, destacando – cada um sob uma perspectiva distinta – aspetos complementares da questão: Educomunicação: imagens do professor na mídia, coordenado por Adilson Citelli, que se volta para o olhar da mídia sobre um dos polos do processo educativo, o educador; Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes, de Muniz Sodré, que se propõe analisar os desafios colocados à educação pelos vários tipos de saberes, com destaque para o papel das tecnologias midiáticas e, finalmente, Idade mídia, de Alexandre Sayad, que narra uma experiência de reinvenção da mídia no contexto do ensino escolar formal. A MÍDIA, ENSINANDO SOBRE A EDUCAÇÃO O livro Educomunicação: imagens do professor na mídia reúne artigos que discutem a maneira como a imagem do professor é construída pela mídia; no caso, ao traduzir em representações estereotipadas o papel social do docente, cria referências que levam a uma padronização dos aspectos físicos, emocionais, afetivos que caracterizam a conduta da categoria. Ao assim proceder, os meios de comunicação cumprem uma das funções a eles socialmente atribuída: a de nomear e categorizar, dando valor ao que descreve. Segundo o coordenador da obra, Adilson Odair Citelli, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP, as imagens e a representação dos professores presentes na mídia apresentam-se, efeti- vamente, como figura genérica, ganhando contornos discursivos modelares, cuja difusão pública registra uma vasta genealogia: indo da caricatura, passando pela constatação do desprestígio, da pura acusação de incompetência e inapetência profissional, até chegar às versões apocalípticas do fim de uma espécie que poderíamos chamar de homus docentis (p. 14-15). É o que uma análise empírica do comportamento dos diferentes veículos de comunicação alcançou identificar. Para tanto, os autores visitaram a produção veiculada nos diferentes espaços midiáticos, representados pelo rádio (“A imagem do professor no rádio: aproximações, representações e miragens reconstituídas”, de Ana Luisa Zaniboni Gomes); pela revista (“Discurso da qualidade na educação e invisibilidade do professor”, de Helena Corazza); pelo jornal impresso (“Aula do crime: o discurso jornalístico e a imagem do professor”, de Michel Carva- lho da Silva); pela televisão (“Nas telas da TV: a representação do professor na “Turma 1901”, de Elisangela Rodrigues da Costa); pelo cinema (“Pro dia nascer feliz: imagens da educação brasileira”, de Maria do Carmo Souza de Almeida);
  • 127. 127 Reinventando a educação para reinventar a mídia • Ismar de Oliveira Soares pela propaganda comercial (“O professor na propaganda comercial: roteiros e marcas”, de Eliana Nagamini); pela propaganda institucional (“Ambiente escolar e a publicidade governamental”, de Rogério Pelizzari de Andrade) e pela web (“Estigma ou emancipação: da imagem do professor na web à formação para a docência”, de Sandra Pereira Falcão). A EDUCAÇÃO REPENSANDO-SE FRENTE AO MUNDO DA MÍDIA O livro de Muniz Sodré, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, realiza uma análise sócio-histórica, partindo do lugar social onde nos situamos – o Hemisfério Sul –, colonizado em passado recente e vivendo, no momento, um forte processo de neodescolonização diante de um enfraque- cido neoeurocentrismo. Muniz propõe que a educação se repense, superando os paradigmas que a constituíram como um serviço a um projeto de sociedade absolutamente em crise. Prefaciando o livro, Leonardo Boff informa que a obra de Muniz, ao analisar as várias correntes da pedagogia e da educação, desde a paideia gre- ga até o mercado mundial da educação, de faceta utilitarista, identifica no capitalismo-informacional-cognitivista o fundamento para o discurso responsável pelo aparato educa- cional contemporâneo, cuja base é a acumulação do capital. Esta é a razão pela qual a nova meta civilizatória para a educação mundial – e para a brasileira, igualmente – visa à formação de quadros que prestem “serviços simbólico-analíticos”, quadros dotados de alta capacidade de inventar, identificar problemas e de resolvê-los. É nesse sentido, por exemplo, que Boff entende que o livro desmascara os mecanismos de poder econômico e político que se escondem atrás de expressões que estão na boca de todos, como “sociedade do conhecimento ou da informação”. A perspectiva defendida por Muniz, em busca da mudança, é o resgate das utopias representadas pelos nomes de intelectuais que, ao longo de nossa recente história, pensaram uma educação adequada às nossas virtualidades, e não exatamente aos modelos que nos são impostos do exterior, especialmente da Europa, como é o caso de Joaquim Nabuco, Anísio Teixeira e, particularmente, de Paulo Freire. Lembra igualmente Darcy Ribeiro, que falava com entusiasmo da “reinvenção do Brasil” a partir da riqueza da mestiçagem entre todos os representantes dos sessenta povos que vieram ao nosso país. A proposta de Muniz é a de que “reinventemos a educação” para que a reinvenção do Brasil seja obra coletiva.
  • 128. 128 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 “A educação reinventada” – conclui Boff – “nos deve ajudar na descoloni- zação e na superação do pensamento único, aprendendo com as diversidades culturais e tirando proveito das redes sociais. Deste esforço poderão nascer entre nós os primeiros brotos de outro paradigma de civilização que terá como centralidade a vida, a Humanidade e a Terra que alguns também chamam de civilização biocentrada”. Entendemos que a Educomunicação está sintonizada com esta perspectiva. REINVENTANDO A MÍDIA Ao longo das últimas décadas, multiplicaram-se, pelo Brasil, experi- ências de construção de projetos em que professores e alunos tomaram a mídia como objeto de análise e de experimentação. Trata-se de propostas de reflexão/ação identificadas como práticas de mídia-educação. Presentes em organizações do Terceiro Setor, as propostas de análise do comportamento da mídia passam, paulatinamente, do embate ideológico (a condenação do que se entende como programação de baixa qualidade) para o esforço de apropriação de suas linguagens no espaço escolar (a produção de mídia pelos próprios alunos). É o que defen- de a Educomunicação, quando propõe que, para bem analisar a mídia (a produção de terceiros), há que se exercitar a produção, sob paradigmas que privilegiem o fazer comunicativo como uma ação coletiva e solidária, seguindo-se a avaliação sobre a qualidade do processo e do produto, de forma a criar parâmetros de avaliação aplicáveis a outras circunstâncias e a outros produtos. Fora do ambiente mais aberto e permeável das ONGs, é no espaço mais complexo da educação formal, numa escola destinada à classe média alta – o Colégio Bandeirantes, na capital paulista –, que vamos encontrar a experiência relatada por Alexandre Sayad, em seu livro Idade mídia. A brecha tem sido a prática de pedagogia de projetos, adotada pela es- cola, reconhecendo a Educomunicação como um instrumento válido de ação junto a uma juventude aberta à inovação, para além do que dela se espera no competitivo mundo das provas vestibulares. No livro, o leitor vai encontrar o debate sobre a natureza da prática de educação “para” e “com” a mídia. Em algum momento, o autor é explícito: diz aquilo que o projeto não é (nem um curso profissionalizante de comu- nicação; nem mesmo um curso sobre leitura crítica da mídia); em outro momento, afirma o que a experiência pretende ser (a “reinvenção” da prática educativa). Explica Sayad:
  • 129. 129 Reinventando a educação para reinventar a mídia • Ismar de Oliveira Soares Reinvenção é a palavra de ordem do Idade Mídia; esse talvez seja o principal elemento que explique a continuidade do projeto – importante para mantê-lo em compasso com o mundo e os jovens estudantes. O conceito preserva uma ambição ativa: a de revirar permanentemente os paradigmas tradicionais da educação. Em outras palavras, o desejo permanente de deixar a educação pronta para lidar com todos os desafios impostos para uma sociedade cada vez mais veloz. O projeto mostra, por outro lado, a figura do novo profissional da inter- face, atuando no novo mercado que emerge dos caminhos cruzados entre a educação e a comunicação. Temos aqui o perfil do profissional que algumas universidades (entre as quais a USP) esperam formar. Uma notícia nada mal, em tempos de crises de identidade profissional e de empregabilidade! Estamos falando, pois, do educomunicador, identificado como um traba- lhador muito procurado, ainda que nem sempre facilmente identificável. Aqui está ele: um operário criativo, reconhecido pelas surpreendentes ações geradas a partir da riqueza contida nas diferentes formas de expressão comunicativa, e que consegue promover, junto às novas gerações, o crescimento comunitário. Em outras palavras, o livro vem comprovar que a Educomunicação, efetiva quando aplicada aos espaços próprios da educação não formal, pode transformar- -se, de igual maneira, numa aliada no espaço da educação formal, através de uma bem arquitetada pedagogia de projetos. Por outro lado, a leitura dos capítulos do livro permite ao observador perceber que o tratamento educomunicativo, presente na relação entre mídia e educação, favorece especialmente o desenvolvimento qualitativo dos alunos em três grandes esferas: na esfera da política (a socialização do poder de se comunicar); na esfera da ética (a vivência e disseminação de princípios como o da sustentabilidade e o da responsabilidade social, em relação a toda a co- munidade humana) e na esfera da estética (a valorização das diferentes formas de apreciação da arte e do belo e – mais no âmago da questão – da própria produção da arte e do belo). Inteligência e sensibilidade se unem a uma de- terminada forma de conceber e, especialmente, de expressar o mundo. Se, no passado, o ponto de vista hegemônico de se olhar o binômio mídia e educação era predominantemente instrumentalista, experiências como as narradas por Sayad permitem descobrir uma perspectiva dialética no processo mediado pelo educomunicador, levando o aluno a descobrir que, mais impor- tante que saber o que pode a mídia fazer por ele ou contra ele, é saber o que ele e sua comunidade podem fazer, juntos, com os recursos disponibilizadas pela era da informação e da comunicação. À pergunta que muitos se fazem: Afinal, existe o educomunicador? O livro de Sayad dá a resposta: sim! Desde que seja um profissional inconformado com a naturalização dos modelos verticalistas de comunicação e de educação, e um ativista da criatividade na busca de novas razões culturais, políticas e éticas, para uma ação que beneficie os excluídos dos processos de produção simbólica e midiática.
  • 130. 130 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 EPISTEMOLOGIA DA EDUCOMUNICAÇÃO Os livros de Adilson Odair Citelli, Muniz Sodré e Alexandre Sayad não podem faltar na bibliografia de disciplinas voltadas à reflexão epistemológica e ao planejamento da ação prática no campo da Educomunicação. É o que propomos que passe a vigorar, a partir deste momento, nas disciplinas de li- cenciatura em Educomunicação da própria ECA/USP. Sugerimos que os livros sejam apropriados na sequência apresentada por esta resenha, permitindo que novas referências sejam incorporadas ao estudo dos fundamentos da educomunicação, bem como aos exercícios em torno de sua ética e de sua prática em suas diferentes áreas e espaços de atuação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITELLI, Adilson (org.). Educomunicação: imagens do professor na mídia. São Paulo: Paulinas, 2012. SAYAD, Alexandre. Idade mídia. São Paulo: Editora Alef/Editora Jatobá, 2011. SODRÉ, Muniz. Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes. Petrópolis: Vozes, 2012.
  • 131. 131 1. LOPES, Maria Immaco- lata Vassallo de; GÓMEZ, Guillermo Orozco (org.). Obitel 2012. Transna- cionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos. Por- to Alegre: Sulina, 2012. Disponível em: <www. obitel.net>. Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva em países ibero-americanos Maria Cristina Palma Mungioli Professora doutora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Centro de Estudos de Telenovela (CETVN) e do Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (OBITEL). Coordenadora do GP de Ficção Seriada da Intercom. E-mail: crismungioli@usp.br Issaaf Karhawi Mestranda em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Centro de Estudos de Telenovela (CETVN) e do Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva (OBITEL). Bolsista do CNPq. E-mail: issaaf@usp.br Resumo: A resenha apresenta alguns aspectos do Anuário Obitel 2012 – Trans- nacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos, obra resultante de pesquisas desenvolvidas em onze países sobre a produção, exibição e circula- çãodeprogramasdeficção.Nopresentetex- to, destacam-se dois dos assuntos tratados no anuário: a transnacionalização da ficção televisiva como marca de um atual quadro de trocas e fluxos no âmbito ibero-americano e a transmidiação da ficção televisiva, sobretudo nas redes sociais. Palavras-chave: Ficção televisiva; Obitel; transnacionalização; transmidiação. Abstract: This review presents the main points of the Obitel Yearbook 2012 – Transnationalization of television fiction in Ibero-American countries (Transnacio- nalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos) which shows the results of eleven countries researches about pro- duction, exhibition and circulation of their national television fiction. As the topic of the year, Obitel Yearbook 2012 observes transnationalization in television fiction as an important fact of the contemporary scenery of flows and exchanges within the Obitel scope. Keywords: Television fiction; Obitel; trans- nationalization; transmedia. APRESENTAÇÃO O Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva (Obitel), em seu sexto anuário – Transnacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos1 –, apre- senta um panorama da ficção produzida nos onze países integrantes do projeto (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, México,
  • 132. 132 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 2. Ibid. 3. 1o Passione (telenovela, Brasil); 2o Fina estam- pa (telenovela, Brasil); 3o Insensato coração (telenovela, Brasil); 4o A corazón abierto (série, Colômbia); 5o Ti-ti-ti (te- lenovela, Brasil); 6o Morde & assopra (telenovela, Brasil); 7o El Joe la leyen- da (telenovela, Colômbia); 8o Tres milagros (teleno- vela, Colômbia); 9o Los 80; más que uma moda (série, Chile); 10o Cordel encantado (telenovela, Brasil). Capa do Obitel 2012. Portugal, Uruguai e Venezuela). Coordenado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Guillermo Orozco Gómez, desde 2005, o Obitel tem concentrado esforços na análise de, pelo menos, seis dimensões da ficção televisiva nos pa- íses que o integram: produção, exibição, consumo, comercialização, propostas temáticas e a recepção transmidiática. Além de, anualmente, eleger um tema ao qual dedica especial atenção; em 2012, a rede de pesquisadores analisou a transnacionalização da ficção televisiva. Ao longo de 2011, cada um dos onze países acompanhou sistematicamente os programas de ficção de televisão aberta e, com base nos resultados desse monitoramento, elaborou um capítulo para compor o Anuário Obitel 2012. No capítulo “Síntese comparativa dos países Obitel em 2011”, os coorde- nadores do observatório dedicaram-se a analisar os dados de todos os países e compará-los, a fim de traçar um panorama geral do quadro de produção, circulação e consumo da ficção televisiva entre os países ibero-americanos do Obitel. A OFERTA DE FICÇÃO TELEVISIVA NOS PAÍSES IBERO-AMERICANOS Em meio a dados de número de estreias do ano, horários de exibição, número de capítulos/episódios, índices e perfil de audiência, o capítulo “Sín- tese comparativa dos países”, do Obitel 2011, apresenta dados representativos em relação aos formatos das ficções. O Brasil e o México, por exemplo, foram os países que mais produziram telenovelas no âmbito Obitel no último triênio, com um total de 42 títulos cada, dado que evidencia não apenas a grande capacidade produtiva dos países, mas também a predileção entre os latino-americanos pelos formatos de longa serialidade como a tele- novela. Por sua vez, a Espanha tem sido, nos últimos três anos, a maior produtora de séries e minisséries, confirmando “(...) uma particulari- dade do país, que, à diferença dos países latino-americanos, investe e se especializa fortemente em formatos de curta serialidade”2 . Com base nos índices de au- diência das dez ficções mais vistas de cada país, o Obitel apresenta as 110 ficções televisivas mais vistas no ano. Entre os dez primeiros títu- los3 , seis são ficções brasileiras, três colombianas e uma chilena. Em relação aos formatos, observa-se
  • 133. 133 Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva • Maria C. Mungioli e Issaaf Karhawi que oito são telenovelas e dois, séries. As três primeiras posições do ranking são ocupadas por telenovelas brasileiras: Passione, Fina estampa, Insensato coração, resultado dos altos índices de audiência conquistados pela telenovela em nosso país, mesmo quando posta ao lado de outros países ibero-americanos que tam- bém se caracterizam pela produção e consumo de telenovelas. TRANSMIDIAÇÃO DA FICÇÃO TELEVISIVA: A CONVERSA DOS FÃS Antes de se dedicar ao tema do ano, a transnacionalização, o Obitel discute a transmidiação como ponto essencial na compreensão do atual panorama da ficção televisiva. Para Lopes et al.4 “o conjunto das mídias digitais vem conso- lidando processos e fenômenos de uma nova cultura de mídia, que estimula a interação dos produtos midiáticos e a convergência de conteúdos”, fenômeno que proporciona transformações tanto na maneira de ver como na de fazer ficção. No polo da produção, transformações podem ser percebidas, em menor ou maior escala, pela ocorrência de reestruturações nas narrativas que buscam atender às novas necessidades de consumo dos telespectadores envolvidos cada vez mais por novas plataformas. Os autores afirmam que “(...) a maioria das produções está levando suas narrativas para outras telas, principalmente para as do computador e do telefone celular, ambas em simbiose com a internet”5 o que exige renovações tanto na estrutura da narrativa (produção) quanto em sua circulação, distribuição e consumo. Partindo da lógica proposta por Martín-Barbero, “o questionamento das novas tecnologias de comunicação nos obriga, assim, a analisar os diferentes registros desde os quais elas estão remodelando as identidades culturais”6 (É nessa importância do registro da “nova cara” da ficção televisiva que os países do âmbito Obitel debruçaram-se sobre a questão da recepção transmidiática da ficção televisiva). Compreender esse fenômeno exige não apenas um olhar lançado sobre o receptor, o internauta, o telespectador, mas também sobre o produtor trans- midiático. É nesse sentido que os estudos do Obitel se concentram tanto no que os fãs de ficções televisivas produzem na internet, como também no que os produtores de ficção, as emissoras de televisão, estão disponibilizando para seu espectador. De acordo com Lopes e Orozco7 nas pesquisas de 2011 nota-se “[...] o investimento dos produtores para incorporar em seu relacionamento com a audiência as práticas dos fãs na internet e nas redes sociais [...] como forma de conseguir engajamento da audiência com suas produções”. Pensando no polo da produção (sites oficiais das ficções) entre os países do Obitel, de um lado estão Chile, Portugal e Uruguai, com uma baixa oferta transmidiática das dez ficções mais vistas em 2011. Em um plano intermediário, estão México, Colômbia, Equador e Venezuela, em patamares de crescimento da interação entre os espectadores e a oferta dos produtores. Como bons exem- plos de grande oferta transmidiática por parte da produção das ficções, estão Espanha, Brasil, Estados Unidos e Argentina, “países que registram a maior 4. Lopes et al. Obitel 2010. Convergências e transmidiaçãoda ficção televisiva. São Paulo: Globo, 2010, p. 166. 5. LOPES; OROZCO, op. cit., p. 49. 6. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de car- t ó g r a f o: tr ave s sia s latino-americanas da comunicação e cultura. São Paulo: Loyola 2004, p. 184. 7. LOPES; OROZCO, op. cit., p. 57.
  • 134. 134 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 intensidade de interações entre fãs e produtores, que se realizam através das ofertas do emissor e das práticas da audiência”8 . O que define o processo de transmidiação da ficção televisiva de um determinado país não é um esquema fechado daquilo que deve ou não ser oferecido aos espectadores em um site de ficção, mas sim a relação que as emissoras de televisão estabelecem com seus fãs no ambiente virtual. Ou seja, o quanto o consumidor é cortejado. Nas palavras de Jenkins10|11 ), “se o paradigma da revolução digital presumia que as novas mídias substituiriam as antigas, o emergente paradigma da convergência presume que novas e antigas mídias irão interagir de formas cada vez mais complexas”. Portanto, os países que ofertam uma grande variedade de conteúdo transmidiático são aqueles em que os canais vêm tentando adequar-se mais rapidamente ao novo cenário de assistência de ficção não só nos países ibero-americanos, mas no mundo. Outro aspecto importante do tópico de recepção transmidiática recai sobre a análise dos CGU12 dos internautas. O estudo busca compreender o que o fã produz na internet a partir das ficções televisivas, e não apenas o que lhe é oferecido pelo produtor. Dessa forma, destaca-se o que o telespectador fabri- ca, ou seja, o que ele absorve e o que faz com as horas que passa assistindo a programas televisivos, nesse caso, na internet. Para acompanhar as conversas dos fãs sobre as ficções na internet, oito países monitoraram redes sociais como o Facebook, enquanto três outros busca- ram CGU nos sites oficiais das ficções. A coleta reuniu mais de 68 mil CGU. Em uma categorização temática, a conversa dos fãs privilegiou a trama, os personagens, os atores, os roteiristas e produtores das ficções. Sob o ponto de vista das funções da linguagem de Jakobson, a função referencial e a emotiva são as mais proeminentes nos CGU dos espectadores ibero-americanos de fic- ção; a primeira, nas conversações sobre o capítulo do dia, horário de exibição, expectativas em relação ao enredo; a segunda, nas expressões de sentimentos despertados pela trama e na partilha de vivências do dia a dia. Assim, os dados trazidos pelo Anuário Obitel 2012 mostram,, no que tange à recepção transmidiática, além de uma possibilidade metodológica para esse tipo de estudo ainda emergente, o lugar que a audiência televisiva tem ocupado nessa nova dinâmica midiática. Para Lopes e Orozco, sem dúvida, há demonstrações da emergência de novos hábitos característicos de uma audiência participativa geradora de conteúdos [...] que toma em suas mãos a tarefa de criar espaços transmidiáticos para manifestação, debate e registro de sua experiência de fruição das ficções televisivas12 TRANSNACIONALIZAÇÃO NO ÂMBITO OBITEL: CAMINHOS DA FICÇÃO TELEVISIVA O último tópico de análise do capítulo “Síntese comparativa dos países Obitel em 2011” apresenta o tema do ano adotado para o anuário 2012: a transnacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos. 8. LOPES; OROZCO, op. cit., p. 58. 9. JENKINS, Henry. Cul- tura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009. 10. JENKINS, op. cit.,p.33. 11. Conteúdo gerado pelo usuário, que nas análises refere-se à unidade de discurso das redes sociais (o post, ou postagem), seja ele composto apenas por textos, seja constituí- do de fotos, imagens ou vídeos. 12. LOPES, Maria Immaco- lata Vassallo de; GÓMEZ, Guillermo Orozco (org.). Obitel 2012. Transna- cionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos. Por- to Alegre: Sulina, 2012, p. 73.
  • 135. 135 Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva • Maria C. Mungioli e Issaaf Karhawi Objetivamente, a escolha do tema almeja fazer um mapeamento dos fluxos transnacionais entre os países do âmbito Obitel. Pergunta-se: Quais são as atuais tendências de trocas na produção e distribuição da ficção? Para os questionamentos acerca da transnacionalização, as discussões se baseiam nos estudos de Chalaby13 . O autor “(...) descreve a nova ordem dos meios de comunicação transnacional como resultado de uma redesignação dos espaços, práticas, fluxos e produtos midiáticos”, ainda “(...) reconhece a emer- gência de uma nova ordem, com novas instituições midiáticas a nível regional, e o aumento do fluxo de populações, que tem feito aumentar o número e a visibilidade de audiências transnacionais”14 . A transnacionalização é caracterizada como um dos períodos de desenvol- vimento mundial das mídias proposto por Chalaby15 . Após a internacionalização e a globalização, a atual transnacionalização é definida por um cenário em que as relações entre o que é local, nacional, regional e global são reestruturadas pelas complexas redes de corporações midiáticas, produtos e audiências. Assim, temos que [...] o transnacional permite reconhecer uma nova configuração, na qual jogado- res emergentes interromperam a ideia de uma totalidade global midiática [...]. A emergência de um panorama de mídias mais “interdependente e assimétrico”16 é resultado do surgimento de instituições de mídia com impacto regional que permitiu questionar a ideia imperante de um sistema de relação unidirecional centro-periferia [...]17 Levando-se em consideração os integrantes do Obitel, observa-se com clareza que enquanto uma parcela dos países – entre eles Brasil, México, Argentina, Colômbia, Espanha e Estados Unidos – é eminentemente exportadora, uma outra parcela, composta por Portugal, Chile, Uruguai, Venezuela e Equador, está essencialmente dirigida para seu mercado interno. Por ora, “essas diferenças [...] trazem elementos para explicar como estão sendo gestados os processos de transnacionalização [...], quais são as relações de poder que são impostas a partir das indústrias fortes e que tipo de estratégias adotam as indústrias emergentes para fortalecer seus mercados”18 . O Brasil, por exemplo, tem uma produção de ficção 100% nacional entre os títulos mais vistos no ano (todos da Globo), o que o caracteriza como um caso especial no âmbito Obitel. Com um forte mercado interno de ficção nacional, o Brasil é reconhecido por suas narrativas que, apesar de inovarem, mantêm-se fiéis ao gosto nacional. Movimento que Wolton atribuiria à “(...) forte identidade cultural” do Brasil, país “(...) onde existe um mercado interior, [no qual se] percebem os riscos de dominação pelo estrangeiro e a ela opõem uma identidade e um voluntarismo nacionais”19 . Parcerias em coproduções e fluxos comerciais entre um país e outro são determinados, principalmente, por fronteiras físicas que propiciam ou dificultam as trocas, além de fatores linguísticos e proximidade cultural que “(...) esta- belecem um marco para relações e dinâmicas particulares entre países de um determinado âmbito, como no caso de Brasil e Portugal e de todos os países hispânicos”20 . Também determinam esses processos, os grandes exportadores 13. CHALABY, J. From internationalization to transnationalization. Glo- bal Media and Commu- nication, v. 1, 1, p. 28-33, April 2005. 14. LOPES; OROZCO, op. cit., p. 73 e 74. 15. CHALABY, op. cit. 16. STRAUBHAAR, J.D. Beyond Media Impe- rialism: Asymmetrical Interdependence and CulturalProximity, Critical Studies in Mass Com- munication, 1991. 17. LOPES, Maria Immaco- lata Vassallo de; GÓMEZ, Guillermo Orozco (org.). Obitel 2012. Transna- cionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos. Por- to Alegre: Sulina, 2012, p. 74. 18. LOPES; OROZCO, op. cit., p. 76. 19. WOLTON, Dominique. Elogio do grande pú- blico. São Paulo: Ática, 2006, p. 156. 20. LOPES; OROZCO, op. cit., p. 85.
  • 136. 136 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 da área, como a própria Rede Globo (Brasil), a Televisa (México) e os norte- -americanos Disney, Nickelodeon, MTV, HBO. Ao longo do Anuário Obitel, outras questões servem de fio condutor à análise do cenário transnacional entre os países: Como se formam e se transformam os conteúdos da ficção televisiva nesse processo? Como essas trocas e fluxos medeiam e geram narrativas cultural e esteticamente novas? Aos países do Obitel, coube não apenas respondê-las, mas cumprir a valiosa missão de regis- trar o momento histórico, econômico e cultural das mudanças nas televisões ibero-americanas. Por se tratar de um anuário, os dados e análises do Obitel 2012 devem ser lidos como parte de um discurso que engendra anteriormente: devemos entrar em uma correia de discursos anteriores que versam sobre pesquisas e procedimentos metodológicos discutidos ano a ano. Ainda, e mais substancial- mente, a completude do anuário deve muito aos capítulos nacionais de cada país integrante do Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva, algo que não pudemos discutir devido aos limites deste artigo. Na leitura da obra, é possível observar, em cada um dos onze países, os caminhos da ficção televisiva analisados sob o olhar de seus pesquisadores e de sua cultura em termos de ficção televisiva. Além disso, deve-se destacar que a publicação do Anuário Obitel, desde 2007, permite, ao estudioso da ficção e da televisão no espaço ibero-americano, o cotejamento de dados e informações valiosos para as pesquisas no campo da Comunicação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHALABY, J. From internationalization to transnationalization. Global Media and Communication, v. 1, 1, p. 28-33, April 2005. DE CERTEAU. Michel. Fazer com: usos e táticas. In: A invenção do cotidiano. V. 1. (Artes de fazer). Petrópolis/RJ: Vozes, 2007. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009. LOPES, Maria Immacolata Vassallo de; GÓMEZ, Guillermo Orozco (org.). Obitel 2012. Transnacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos. Porto Alegre: Sulina, 2012. _______; MUNGIOLI, Maria Cristina Palma; BREDARIOLI, Claudia Maria Moraes; FREIRE, Denise de Oliveira; ALVES, Clarice Greco. Brasil – Novos modos de fazer e de ver ficção televisiva. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de; GÓMEZ, Guillermo Orozco (org.). Obitel 2010. Convergências e transmidiação da ficção televisiva. São Paulo: Globo, 2010. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da comunicação e da cultura. São Paulo: Loyola, 2004. STRAUBHAAR, J.D. Beyond Media Imperialism: Asymmetrical Interdependence and CulturalProximity, Critical Studies in Mass Communication, 1991. WOLTON, Dominique. Elogio do grande público. São Paulo: Ática, 2006.
  • 137. 137 Meia-Noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite: o cinema, as artes e a sedução da Modernidade. Maria Ignês Carlos Magno Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Professora do mestrado em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. E-mail: unsigster@gmail.com Resumo: A autora faz uma análise do filme Meia-noite em Paris (Midnight in Paris), co- média dramática cujo roteiro e direção foram conduzidos por Wood Allen, em 2011, que retoma o realismo mágico de outros filmes e mostra em sua obra um pouco sobre uma das épocas históricas que marcaram muitas gerações pela força dos movimentos artísti- cos e revolucionários: o início do século XX em Paris. A sedução que a cidade, suas luzes e sua modernidade exerceram e continuam a exercer sobre intelectuais e artistas de várias partes do mundo. Palavras-chave: Hora aberta; cinema; anos 1920; Paris; vanguardas modernistas. Abstract: The author analyses the movie Midnight in Paris, a comedy written and directed by Woody Allen in 2011, which re- turns to the magical realism from his other movies and shows part of historical times that have determined many generations with the power of artistic and revolutionary movements: the early 20th century in Paris. The seduction that the city, its lights and its modernity have exerted and continue exerting over academicians and artists around the world. Keywords: Open hour; Cinema; 20’s; Paris; Modernist vanguards. As horas abertas são quatro: meio-dia, meia-noite, anoitecer e amanhecer. São as horas em que se morre, em que se piora, em que os feitiços agem fortemente, em que as pragas e as súplicas ganham expansões maiores. Horas sem defesa [...]. Na ambivalência natural, meio-noite e meio-dia prestam-se às rogativas benéficas, mas constituem exceção. (Luis da Câmara Cascudo).
  • 138. 138 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 No florescimento do Segundo Império, as lojas não fecham antes das dez horas da noite. Era a grande época do noctambulismo. “O ser humano” – escreve Delvau no capítulo de As Horas Parisienses, dedicado à segunda hora depois da meia-noite – “pode de tempos em tempos repousar; pontos de parada e estações lhe são franqueadas; não tem, contudo, o direito de dormir”. (Walter Benjamin) Introdução Muito foi dito e escrito sobre o filme Meia-Noite em Paris (2012), de Woody Allen. Não apenas a crítica especializada se ocupou de análises e interpretações sobre o filme, mas todos aqueles que aprenderam a gostar de cinema, e tam- bém os que não estão muito preocupados se as personagens são sempre o alter ego do diretor; se ele estava inspirado ou não. Ou, ainda, se conta sempre a mesma história. Não importa, porque o que interessa é assistir a um filme que tem uma história bem contada. E isso Allen sabe fazer. Por último, se o diretor retoma nesse filme o realis- mo mágico de outros filmes, ótimo, porque podemos, como a personagem Gil, pegar carona na hora aberta da meia-noite em Paris e conhecer um pouco sobre uma das épocas histó- ricas que marcaram muitas gerações pela força dos movimentos artísticos e revolucionários: o início do século XX. Particularmente Paris e a sedu- ção que a cidade, suas luzes e sua modernidade exerceram e continuam a exercer sobre intelectuais e artistas de várias partes do mundo. DA HISTÓRIA DO FILME ÀS HISTÓRIAS DOS MOVIMENTOS ARTÍSTICOS DO INÍCIO DO SÉCULO XX Meia-Noite em Paris conta a história de Gil Pender, um roteirista de Hollywood apaixonado pelos grandes escritores norte-americanos e que queria, como eles, escrever um grande romance. Gil Pender vai a Paris ao lado de sua noiva e dos pais dela. Os pais de Inez vão fechar um grande negócio na cidade. Estar em Reprodução de cartaz de divulgação do filme.
  • 139. 139 Meia-Noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite • Maria Ignês Carlos Magno Paris faz com que Gil volte a questionar sua vida e desejar realizar o sonho de se tornar um escritor renomado. Ao perambular pelas ruas parisienses ten- tando encontrar o caminho de volta para o hotel, na hora aberta da meia-noite Gil entra em um carro que o leva para uma festa na Paris do início do século XX. Na festa organizada pelo poeta, dramaturgo, cineasta Jean Cocteau, Gil começa viver um duplo sonho: o de conviver com seus ídolos e ter a chance de se tornar um escritor. E as primeiras perguntas podem ser feitas: Por que Paris e não qualquer outra cidade da Europa? Por que Paris foi a cidade que todos os expoentes da intelectualidade na época escolheram para visitar, viver, produzir, estudar ou entender o porquê do fascínio daquela cidade? Para começar a responder a essas perguntas, podemos retomar um dos últimos passeios de Gil na Paris dos anos vinte: o jantar com Adriana no res- taurante Maxim’s e, depois, o Cabaré Moulin Rouge, que é quando se encon- tram e conversam com Henri de Toulouse-Lautrec e, em seguida, com Paul Gauguin e Edgar Degas. Como uma de nossas propostas é a de recuperar os movimentos artísticos dos anos 1920, creio que podemos começar pelo final, porque esses pintores, juntamente com outros que não aparecem no filme, não só participaram da atmosfera daqueles anos como deram as bases de outros movimentos do sécu- lo XX. E, como esses artistas pertenceram aos movimentos conhecidos como neoimpressionismo e expressionismo, a sugestão é a de iniciar os estudos pelo impressionismo. Embora saibamos que nenhum movimento artístico é homogêneo, é in- teressante perceber as características norteadoras, as ramificações ou os des- dobramentos que caracterizam cada um deles. É o caso do neoimpressionismo e do expressionismo, que tiveram suas bases na proposta impressionista. Em Paris (1905), o neoimpressionismo e, em Dresden (1905), o expressionismo. Paul Cèzanne, Vincent Van Gogh, Paul Gauguin, Henri Matisse e Henri de Toulouse-Lautrec, entre outros, sem abandonar os pressupostos impressionistas, mas na tentativa de alargar os horizontes daquela proposta, investiram não só no estudo da luz e da cor através de estudos científicos, como assumiram uma pintura que tinha como uma de suas características as distorções das formas que expressavam o mundo hostil. A arte entendida como a arte do instinto, uma pintura dramática em que os sentimentos humanos eram ressaltados mesmo que a figura humana fosse deformada. Especialmente o expressionismo deve ser estudado em sua tota- lidade, já que aparece com força em dois momentos da história: 1905 e 1930. Iniciar os estudos por esses movimentos nos interessa porque em 1905, também no Salão de Outono de Paris, surge um movimento que é considerado o primeiro grupo da vanguarda europeia: o fauvismo, de Fauve (feras). Nome ironicamente cunhado por um crítico de arte, esse movimento, embora com vida curta (1905/1908), teve como representantes: André Duran e Georges Braque, de quem Pablo Picasso sofre uma grande influência. Já que todas as personagens que aparecem no filme ou fizeram parte direta da vanguarda, ou
  • 140. 140 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 transitaram e conviveram com os ideários e propostas desse movimento, que foi um dos mais importantes do século XX, ele merece um estudo aprofundado. PARIS E AS VANGUARDAS DOS ANOS 1920 A vanguarda pode ser entendida como uma multiplicidade de tendências artísticas e culturais preocupadas com uma visão e interpretação da realidade. Pode ser considerada como uma grande síntese artística da Europa do início do século XX, seja como reação ao desenvolvimento tecnológico e científico e aos progressos da Revolução Industrial, seja como reação às assimetrias sociais e projetos ideológicos e políticos que levaram a um conflito em escala planetária, a Primeira Guerra Mundial, ou mesmo como síntese de correntes artísticas que proclamavam a liberdade e a criação de um novo estilo de arte. Nessa perspectiva, a pesquisa dos demais movimentos que afloraram nesse período pode ser continuada, bem como ampliada para além das características próprias dos movimentos: as relações que mantinham entre si e com os acon- tecimentos históricos daqueles anos. Um deles: a Primeira Guerra (1914-1918). Considerando a simultaneidade dos movimentos e, ao mesmo tempo, a di- dática, uma linearidade será mantida para efeitos de pesquisa e entendimento. Nessa perspectiva, o cubismo (1907-1914) e o futurismo italiano (1909-1916) são os próximos movimentos do período a serem estudados. O cubismo, com o céle- bre quadro de Picasso “Les Demoiselles d'Ávignon”, marca a crise do fauvismo. Para os cubistas, um quadro é uma estrutura autônoma, que não representa a realidade, mas é uma realidade própria. Inspirado nas artes africanas, na racionalidade e no “princípio de realização” de Cèzanne, terá como uma de suas características a geometrização das formas, na expressão visual da luz e da sombra, rompendo com a ideia de que a arte é uma imitação da natureza. Além de Braque e Picassso, outros artistas ligados a esse movimento foram: Guillaume Apollinaire, Max Jacob, Francis Picabia, Fernand Lèger e Marchel Duchamp. Entre 1914 e 1918 muitos jovens são enviados para a frente dos campos de batalha. Em 1909 Felippo de Tomanaso Marinetti lança o 1o Manifesto Futu- rista. Esse movimento conclama o fim da arte passada em rumo ao futuro e mostra suas implicações políticas. Ao todo foram quatro manifestos. Depois do 1o Manifesto em 1909, em 1910, é lançado o Manifesto da Pintura, em 1912, o Manifesto da Escultura e, em 1914, surge um livro onde se expressa que deve ser feita uma limpeza radical em todos os gostos mofados, a fim de mostrar o vórtice da vida moderna: a vida do aço, da febre, do orgulho e da velocidade. Em 1916, um dos líderes do futurismo italiano, Umberto Boccione, morre, ví- tima de ferimentos da guerra, e o movimento começa a entrar em decadência. Embora os dadaístas não tenham feito parte da história do filme nem transitado pela casa de Gertrude Stein, com exceção de Man Ray e Francis Picabia, o movimento dadaísta, que nasceu em plena guerra, em 1915, em
  • 141. 141 Meia-Noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite • Maria Ignês Carlos Magno Zurique, teve um significado tão forte quanto a guerra. Com base na filosofia anarquista e no niilismo, negava todas as tradições sociais e artísticas da época, pregava o slogan de Bakunin: “a destruição também é um ato de criação”, tinha por objetivo o choque e o escândalo. Mas não só, os dadaístas reuniam-se no Cabaret Voltaire e pretendiam criar uma arte internacional com apresentações de música, poesia, exposições de arte. Em 1917 lançam: Cabaret Voltaire, Galeria Dadá e a Revista Dadá. Seus criadores e principais representantes foram: Tristan Tzara, Hans Harp, Hugo Ball, Hans Richter, Michel Duchamp. Francis Picabia, que transitou do cubismo ao dadaísmo, acabou fazendo uma ponte entre o dadaísmo europeu e norte-americano. Vale a pena conhecer tanto a produção desses artistas como aprofundar as linhas gerais aqui expostas. Principalmente porque as propostas dadaístas serviram de inspiração para o movimento surrealista, em 1924. O Manifesto Surrealista, de André Breton, marca historicamente o surgimento do movimento. Nele se propunha, entre outras propostas, a restauração dos sentimentos humanos. As incertezas políticas do pós-guerra colaboraram para o surgimento de uma arte crítica. Breton reuniu em torno de si artistas ligados a uma filosofia de pensamento e ação, em que a liberdade era valorizada. Tinham como proposta um forte apelo às imagens na descrição de aspectos do subconsciente. O caráter antirracionalista do movimento vai na direção contrária das tendências construtivistas e do projeto de retorno à ordem surgidos após a Primeira Guerra. Em 1925 eles lançam a Revista Revolucion Surrealiste, afinam a arte com a política e anunciam a adesão do movimento ao comunismo. Nem todos os participantes do grupo aderem a essa ligação. Divulgação.
  • 142. 142 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 O movimento mobiliza quase todas as tendências artísticas como a pintura, a literatura, a fotografia, as artes gráficas e o cinema. Alguns dos representantes foram: André Breton, Louis Aragon, Georges Bataille, Max Jacob, entre outros, que se destacaram na literatura; René Magritte, Max Ernest, André Masson e Salvador Dalí, na pintura. Man Ray e Dora Maar, na fotografia, e Luís Buñuel, no cinema. Outro aspecto que interessa saber é a sua difusão tanto na Europa como nos Estados Unidos e América Latina. Particularmente no Brasil, vale estudar a produção de Ismael Nery, Cícero Dias e Jorge de Lima. A VANGUARDISTA GERTRUDE STEIN, A LIVRARIA SHAKESPEARE & CIA E A “GERAÇÃO PERDIDA” NA FICÇÃO DE WOOD ALLEN Gertrude Stein era poeta e escritora vanguardista. Norte-americana de origem, vivia em Paris cuidando do valioso acervo da família. Sua casa na Rue de Fleurus, n. 27, descrita no livro autobiográfico de sua companheira Alice Bebette Toklas, era exatamente como aparece no filme de Allen: um minúsculo pavilhão de dois andares com quatro pecinhas, cozinha e banheiro, e um vasto ateliê anexo. Sua casa era um ponto de encontro de toda uma geração de poetas, escritores, pintores, que ela denominou “geração perdida”. Mentora de jovens escritores e artistas, congregava ao seu redor um círculo de artistas formado por Pablo Picasso, Henri Matisse, Georges Braque, André Darain, Juan Gris, Guillame Apollinaire, Francis Picabia, Ezra Pound, Ernest Hemingway, James Joyce, apenas para citar alguns dos nomes que compõem a história do filme e personagens com quem Gil convive e dialoga sempre que entra na hora aberta da meia-noite em Paris. Além deles, na Paris da ficção de Allen, outros escritores e artistas marcaram presença, como o casal de escritores Zelda e Scott Fitzgerald, o poeta Thomas S. Eliot, Josephine Baker, a famosa atriz, cantora e dançarina americana conhecida como “Vênus Negra”, e Cole Porter, músico. Aliás, é Cole Porter quem estava tocando piano na festa para onde Gil Pender foi levado no início do filme. Cantava a música que simbolizou o período em que morou em Paris: Let’s do it. Nessa jornada de Woody Allen sobre a cidade de Paris nos anos loucos, outro ícone do período é trazido no filme: a lendária Livraria Shakespeare & Cia, fundada em 1919 pela livreira Silvia Beach. Na época localizada na Rive Gauche, onde se reuniam Hamingway, Ezra Pound, James Joyce, Ford Madox Ford, o casal Fitzgerald, Man Ray e a própria Gertrude Stein. A importância dessa livraria, além do fato de ser ponto de encontro dessa geração vanguardista, está também no fato de a livreira Silvia Beach ter editado o livro Ulisses, de James Joyce, em 1922, que na época fora recusado por todos os editores de Paris. Hoje um dos clássicos da literatura universal. E essa pode ser outra parte da pesquisa: a literatura vanguardista produzida no período.
  • 143. 143 Meia-Noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite • Maria Ignês Carlos Magno Penso que, se bem conduzidas, essas pesquisas e discussões serão de grande valor e prazer para essa nova geração altamente linkada e com todas as informações disponíveis, mas um pouco carente da leitura de um belo conto, de uma poesia lida em voz alta, ou em silêncio mesmo, de histórias de outras gerações. Se prestada a devida atenção, os professores poderão se surpreender ao verem como, mesmo nos dias atuais, uma boa história pode deixar uma plateia em silêncio. Allen soube contar em imagens e textos uma boa história como essa Meia-noite da Paris-sedução, das luzes, das vanguardas modernistas, da efervescência da cidade-luz dos anos 1920. Pensando bem, cabem duas perguntas para finalizar essa proposta de trabalho: James Joyce era difícil para uma geração acostumada com a leitura linear. Será para essa? Ou, se ainda for difícil, por que não a leitura de Charles Baudelaire para conhecermos a outra Paris descrita em seus poemas e prosas? Ficha técnica Título: Meia-noite em Paris. (Midnight in Paris) Roteiro e direção: Wood Allen Gênero: comédia dramática Fotografia: Darius Khondji Trilha sonora: Stephane Wrembel Duração: 95 min. Ano: 2011. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 47. DA CÂMARA CASCUDO, Luis. Coisas que o povo diz. São Paulo: Global, 2009, p. 49, 50. Meia-noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite
  • 144. Educomunicação Imagens do professor na mídia Adilson Citelli (org.) 168 págs. | Cód.: 521710 | ISBN: 9788535632194 Como as mídias propagam as imagens dos professores Educomunicação Construindo uma nova área de conhecimento Adilson Odair Citelli e Maria Cristina Castilho Costa (orgs.) 256 págs.| Cód.: 518239 | ISBN: 9788535627466 Educomunicação O conceito, o profissional, a aplicação Contribuições para a reforma do Ensino Médio Ismar de Oliveira Soares 104 págs. | Cód.: 518298 | ISBN: 9788535627527 Muito alEm de uma lousa e pedacos de giz À venda na Rede Paulinas de Livrarias Se preferir, ligue 0800 7010081 ou acesse www.paulinas.org.br Leia também os outros livros da coleção Educomunicação Quem dera os problemas dos professores fossem somente os apresentados aos alunos em sala de aula. Os professores do Ensino Básico enfrentam muitas outras dificuldades. Salários muito baixos, materiais de péssima qualidade, precariedade nos equipamentos e estruturas da sala de aula, jornadas exaustivas, entre outras complicações. Problemas que realmente precisam de solução. Mas será que as mídias mostram a realidade desses professores? Pensando nessa questão, oito pesquisadores, entre mestrandos e doutorandos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), se reuniram, sob a orientação do professor dr. Adilson Citelli, para debater o tema. Os autores utilizaram um método crítico-analítico para mostrar como a televisão, o rádio, o jornal, o cinema e até mesmo a publicidade apresentam os professores, com ou sem referências da realidade dessa categoria no Brasil.
  • 145. 145 atividadesemsaladeaula Atividades com Comunicação & Educação Ano XVIII – n. 1 Ruth Ribas Itacarambi Doutora pela Faculdade de Educação da USP. Educadora aposentada do IME-USP. Pesquisadora e professora da FOC – Faculdades Osvaldo Cruz. Membro da Equipe SiteEducacional. E-mail: ruthri@uol.com.br La influencia educativa que ejerce sobre el alumno la ejecución de un trabajo puede ser muy distinta, según provenga del miedo al castigo, la pasión egoísta o el deseo de placer y satisfacción (Albert Einstein – 1879-1955). Os temas tratados nesta revista, por serem sociais, têm natureza diferente das áreas convencionais da escola tradicional. Tratam de situações que estão sendo vividas pela sociedade nas diferentes comunidades e, nessas, o espaço dos jovens, sejam esses alunos, professores e/ou trabalhadores das corporações. A temática proveniente de diferentes espaços sociais apresenta questões que interrogam sobre a vida humana, sobre a realidade que está sendo construí- da, e que necessitam de transformações macrossociais e, também, de atitudes pessoais, exigindo ensino e aprendizagem de conteúdos relativos a novas ideias – “novo iluminismo”. Suas implicações organizativas e curriculares são um desafio para a escola e para os ambientes corporativos ainda organizados em torno das disciplinas clássicas. Não se trata de trazer novas disciplinas para a escola, mas de organizar o conhecimento sobre temas transversais e buscar um marco interpretativo comum. Nesta perspectiva destacam-se os artigos que proporcionam uma reflexão sobre o papel das tecnologias na ação pedagógica – como no texto de Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti: “Cruzando espaços: proposta de contri- buição para a Wikipédia”. Nele os autores apresentam a criação de um sítio da ferramenta wiki para que os alunos de jornalismo componham seus trabalhos semestrais em ambiente hipertextual. Para os autores, a plataforma wiki permi- te a inserção e edição colaborativa de conteúdos, criando facilmente páginas hipermídias e links, usando um software livre adotado também pela Wikipédia.
  • 146. 146 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Na mesma direção de trabalho colaborativo, mas no ambiente corpora- tivo, tem-se o texto de Josias Ricardo Hack, Fernando Ramos e Arnaldo Santos: “Digital Storytelling e formação corporativa: possibilidades para a aprendizagem de adultos”. Este apresenta como o uso de histórias pessoais digitais pode contribuir com os processos de aprendizagem colaborativa em treinamentos corporativos. Já para a escola básica tem-se o artigo de Maria Isabel Rodrigues Orofino: “Produção coletiva de webnovelas: um estudo sobre metodologias dialógicas e participativa”, que relata uma experiência de produção e veiculação no YouTube de cinco webnovelas realizadas por crianças de classe popular, moradoras de uma comunidade na periferia urbana da cidade de São Paulo. Para a autora, esta iniciativa busca verificar a hipótese teórico-metodológica da mídia-educação enquanto metodologia colaborativa na prática escolar transformadora. O paralelo entre o conhecimento científico presente nas ciências e na ficção cientifica é objeto de reflexão nos artigos de Carlos Busón Buesa: “Re- descobrindo o interesse pelas ciências, a chave para uma sociedade tecnológica”, com a pergunta: Por que os jovens não querem ser cientistas, e Carlos Alberto Machado: “Ficção científica: utopia ou distopia? Felicidade, angústia e prazer na pós-modernidade”, em que conceitos como felicidade e liberdade são colo- cados à prova e a ficção científica é usada como exemplo, mostrando o vício tecnológico e a desnaturalização da sociedade. Na perspectiva de refletir sobre experiências culturais, selecionamos o artigo de Martha Lucia Izquierdo Barrera, “Dos paradigmas interculturais à ação educacional autogerida”, que conta a experiência com as comunidades indígenas do curso de Licenciatura em Etnoeducação e Desenvolvimento Co- munitário da Universidad Tecnológica de Pereira, na Colômbia, e que apresenta a Educomunicação em um contexto de mudança cultural, dialógica, interativa e que, segundo a autora, nunca se acaba. PRIMEIRA ATIVIDADE Tecnologias, escola e empresa: ação colaborativa A atividade está organizada em três vertentes: a primeira relacionada aos cursos de graduação, em particular, os que são voltados para as ciências humanas, como os cursos de Comunicação e Jornalismo e História, que têm como apoio o artigo: “Cruzando espaços: proposta de contribuição para a Wikipédia”. Para o mundo corporativo e a capacitação em serviço é indicado o artigo: “Digital Storytelling e formação corporativa: possibilidades para a aprendizagem de adultos”. E para a escola básica (Ensino Fundamental e Médio), tem-se o artigo: “Produção coletiva de webnovelas: um estudo sobre metodologias dialógicas e participativas”, com o uso do YouTube junto a crianças de escolas públicas. A atividade tem a seguinte sequência didática:
  • 147. 147 Atividades com Comunicação & Educação • Ruth Ribas Itacarambi Para os cursos de graduação: 1. Propor a leitura individual do artigo: “Cruzando espaços: proposta de contribuição para a Wikipédia”, para responder as seguintes indagações: • Quais os conceitos centrais apontados pelas autoras para identificar uma teoria do sujeito enquanto ser de linguagem? • Por que o sítio wiki foi escolhido para o desenvolvimento de trabalho em sala de aula? • Como alunos do curso de Jornalismo construíram páginas na plataforma wiki? 2. Fazer uma síntese das considerações no grupo. 3. Solicitar que, em grupos, os jovens consultem as páginas da Wikipédia citadas e façam uma leitura crítica dos conteúdos quanto à linguagem utilizada e o referencial teórico. 4. Verificar a possibilidade de se criarem, na sua instituição, páginas utilizan- do a plataforma wiki, considerando as dificuldades apontadas no artigo. 5. Quais são os desafios apontados no artigo com relação à continuidade e aprimoramento da contribuição acadêmica para a Wikipédia? Para a capacitação no mundo corporativo: 1. Propor a leitura do texto: “Digital Storytelling e formação corpora- tiva: possibilidades para a aprendizagem de adultos”, registrando o significado dado pelos autores para os termos: • Digital Storytelling; • formação corporativa; • histórias digitais; • concepção sócio-histórica; • narração com tecnologias digitais. 2. Fazer a síntese das considerações retomando no texto a noção de narração com tecnologias digitais que, segundo os autores, facilita a convergência de estratégias diferenciadas de aprendizagem e poderá promover: • o envolvimento dos aprendizes; • a reflexão para o aprendizado profundo; • a aprendizagem baseada em projetos; • a integração efetiva da tecnologia na instrução. Discutir em grupo estes quatro itens, tendo como referencial o artigo.
  • 148. 148 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 3. Os autores argumentam que, nas experiências com os adultos, desen- volveu-se um conceito muito específico de ensino e aprendizagem – o processo de investigação mental e não recepção passiva de conteúdos difundidos. Apresentam algumas técnicas desenvolvidas por diferentes civilizações para a capacitação de adultos, como o método do caso dos chineses, o diálogo socrático dos gregos e as técnicas de confrontação dos romanos. • fazer o registro das características de cada uma delas; • verificar se existem características semelhantes nas capacitações profis- sionais atuais. 4. Encerrar a atividade com a leitura das conclusões do artigo e pesquisar as técnicas de capacitação corporativas no Brasil. Sugere-se começar pela Telecom. Para a escola básica: 1. Fazer a leitura coletiva do artigo: “Produção coletiva de webnovelas: um estudo sobre metodologias dialógicas e participativas”, com o uso do YouTube, junto a crianças de escolas públicas, e registrar os termos desconhecidos pelos alunos, em português ou em inglês. • Solicitar que eles consultem individualmente os dicionários impressos ou da web e que registrem um significado mais apropriado para o texto, justificando. 2. Propor que os alunos façam no YouTube uma leitura sobre os temas ge- radores apontados no texto: a questão da deficiência física; intolerância; superação; amizade e amor. (Atenção: acompanhar a leitura ou selecionar alguns endereços eletrônicos e sugerir aos alunos.) 3. Retomar com os alunos a leitura da metodologia utilizada no artigo pela autora, discutindo os seguintes pontos: • a etapa de produção da metodologia colaborativa; • as diferentes funções no processo de produção; • se, no momento da gravação, cada criança exercia suas funções; • edição das próprias crianças; • a apresentação do trabalho para a comunidade escolar. 4. Verificar a possibilidade de produção de vídeos para o YouTube, na ins- tituição, e levantar com os alunos os temas de interesse. Para subsidiar o trabalho, retomar as considerações finais da autora no texto.
  • 149. 149 Atividades com Comunicação & Educação • Ruth Ribas Itacarambi SEGUNDA ATIVIDADE Ciência e ficção científica: ética O tema desta atividade tem como referencia dois artigos que tratam do co- nhecimento científico a partir de diferentes pontos de vista, em que a ética esta presente com tratamentos próprios. São eles: “Redescobrindo o interesse pelas ciências, a chave para uma sociedade tecnológica”, com uma discussão específica sobre a importância do conhecimento científico na sociedade tecnológica e o papel da educação; “Ficção científica: utopia ou distopia? Felicidade, angústia e prazer na pós-modernidade”, que apresenta um estudo sobre ficção científi- ca, tendo como paralelo os problemas existenciais do mundo contemporâneo. A atividade é destinada, de preferência, aos alunos da Escola Básica e seus professores, e está organizada na seguinte sequência didática: 1. Leitura pessoal do professor do artigo “Redescobrindo o interesse pelas ciências, a chave para uma sociedade tecnológica”, com destaque para os seguintes tópicos: • É necessário resgatar o conceito da pedagogia da pergunta, uma peda- gogia que incite a descobrir o desconhecido. • As escolas não ensinam o que conta na vida. Levam-se os alunos a me- morizarem informações que eles esquecem em seguida. • O docente deve ser imaginativo e buscar formas de explicar os conceitos de forma criativa. • A ciência é o processo para descobrir as verdades ocultas que nos rodeiam. Nossos alunos têm visto mais informações científicas nos meios de comu- nicação: internet, TV, rádio etc. do que na escola. 2. Fazer a reflexão sobre sua prática em sala de aula à luz destes tópicos. 3. Refletir sobre a afirmação retirada do artigo de Carl Sagan1 (1980) que afirmava: “(...) vivimos en una sociedad profundamente dependiente de la ciencia y la tecnología y en la que nadie sabe nada de estos temas. Ello constituye una fórmula segura para el desastre”. 4. Propor aos alunos que, em grupo, discutam e registrem o que entendem por conhecimento científico e qual a importância desse conhecimento na sociedade tecnológica. 5. Fazer a síntese das discussões na sala de aula, retomando o artigo como apoio para a mediação pedagógica. 6. Solicitar que os alunos leiam o artigo: “Ficção científica: utopia ou dis- topia? Felicidade, angústia e prazer na pós-modernidade”, assinalando os termos desconhecidos. 1. Série de TV Cosmos (1980).
  • 150. 150 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 • Solicitar que individualmente consultem os dicionários impressos ou da web e registrem o significado mais apropriado para o texto, justificando. 7. Analisar com os alunos as seguintes afirmações dos autores no texto sobre ficção científica (FC): • A solidariedade espontânea é abandonada e substituída por uma solidão encontrada na tecnologia eletrônica e no consumismo exacerbado e individual. • No mundo real, a noção de futuro, tão cara à FC moderna, parece ter desaparecido. • O filme de FC Matrix2 acentua isso, porque combina utopia com distopia, nossa realidade é apresentada como uma realidade virtual, criada por um computador, de maneira que nos restringimos a baterias humanas para a Matriz. • Maturana acrescenta: “a tragédia dos adolescentes é que começam a viver um mundo que nega os valores que lhes foram ensinados”3 . 8. Propor que assistam ao filme Matrix e leiam ou assistam o filme sobre o livro de George Orwell “1984”, façam o registro da problemática abor- dada em cada um e, em seguida, leiam as considerações dos autores e verificando se concordam com a opinião dos mesmos. 9. Encerrar a atividade discutindo a questão posta no artigo: “Somos livres?”. A liberdade “ameaça mais sombria [porém] atormentava o coração dos filósofos: que as pessoas pudessem simplesmente não querer ser livres e rejeitassem a perspectiva da libertação pelas dificuldades que o exercício da liberdade pode acarretar”4 . TERCEIRA ATIVIDADE Etnoeducação e Educomunicação A questão a ser abordada nesta atividade é a discussão sobre Etnoeducação e a Educomunicação, nas comunidades indígenas da Colômbia, apresentada no artigo de Martha Lucia Izquierdo Barrera como “aposta na educação intercultural crie um espaço dinâmico, lúdico, reflexivo e construtivo, que permita articular uma reflexão particular do local sobre o global, e sobre noções como sociedade, identidade, cultura, democracia e direitos humanos”. A atividade tem como público-alvo os alunos de graduação em ciências humanas e de licenciaturas em geral. Esta organizada na seguinte sequência didática: 1. Propor a leitura individual do artigo destacando os seguintes conteúdos: 2. Matrix (1999), de Andy Wachowski e Larry Wachowski. 3. MATURANA, H. Emo- ções e linguagem na educação e na políti- ca. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002, p. 33. 4. BAUMAN, Z. Moderni- dade líquida. Rio de Ja- neiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 25.
  • 151. 151 Atividades com Comunicação & Educação • Ruth Ribas Itacarambi • A história da educação indígena na Colômbia e sua forma de organização. • A criação da licenciatura em Etnoeducação. • O processo de ensino e aprendizagem e as tensões entre exclusão e in- clusão, homogeneidade e heterogeneidade, além da distribuição desigual da riqueza que afeta a permanência na escola. • O significado de Etnoeducação e Educomunicação. 2. Fazer a síntese no grupo, tendo com referência as perguntas da autora: Por que criar um curso de Licenciatura em Etnoeducação? Como ob- ter uma educação inclusiva neste panorama heterogêneo, tão o cheio de contrastes? Quem são os sujeitos do conhecimento etnoeducativo? Como organizar o processo de ensino-aprendizagem para os diferentes grupos apontados? 3. Solicitar que em grupo pesquisem, em artigos nas bibliotecas de sua instituição e na internet, experiências semelhantes no Brasil, e que es- crevam um pequeno texto sobre as características delas. 4. Encerrar analisando as propostas do grupo de Etnomatemática, criado pelo Prof. Ubiratan D’Ambrosio, nos site: • <http:/www.ppgecm.ufpa.br/pt.wikipedia.org/wiki/Ubiratan_D’Ambrosio>. • Ubiratan D’Ambrosio – Entrevista – III Congresso Int – YouTube. http:// www.youtube.com/watch?v=wesPNCLCopM Sobre Etnociências consultar: • <http://www.uva.br/pdfs/graduacao/ccbs/revistabiologia/05-08/artigos/ populacoes_tradicionais.htm>. E ainda a entrevista de Paulo Freire e Ubiratan D’Ambrosio no vídeo: • <www.youtube.com/watch?v=tKkkGY1co7s>.
  • 152. • A publicação é semestral: janeiro/junho; julho/dezembro. • Os artigos têm fluxo contínuo, podendo, portanto, ser recebidos a qualquer momento. A resposta é enviada logo após a apreciação do Conselho Editorial. • A revista não é temática. A pauta é feita de acordo com o número de colaborações recebidas. Havendo necessidade de pautar um tema específico, solicita-se a colaboração de um especialista. • Os artigos devem ser originais. • Os títulos devem ser curtos, e a intertitulação é necessária. • Os textos apresentados em congressos, simpósios e seminários são aceitos, com a condição de estarem estruturados em forma de artigos, serem inéditos e estarem de acordo com as normas de publicação. • Os artigos devem ser encaminhados com a indicação da seção da revista para a qual são mais adequados. Para os artigos internacionais, os textos podem estar escritos em inglês, espanhol, italiano ou francês (todos serão tradu- zidos para o português). • Cada artigo deverá ter no máximo 20 mil e no mínimo 14 mil caracteres, com espaço, e apresentar as referências bibliográficas completas apenas e exclusivamente nas notas de rodapé, listando ao final somente a referência biblio- gráfica. Quaisquer outros comentários devem estar incorporados ao texto. Os títulos de obras estrangeiras devem vir acompanhados da tradução em português, colocada entre parênteses. • Os artigos devem trazer resumo e abstract (inseridos no início do texto) com no máximo 10 linhas e 5 palavras- -chave, em português e inglês, e no caso de artigo em língua estrangeira, na língua original e em português. Devem ser digitados em times new roman, corpo 12, entrelinhas com espaço 1,5 e seguir as normas da ABNT (no caso de texto em língua estrangeira, as referências devem estar completas para que sejam reestruturadas pelo editor de acordo com a ABNT). • Os artigos preferencialmente devem estar impressos e ser enviados pelo correio, acompanhados de arquivos eletrônicos em CD-ROM. Devem trazer as seguintes informações: título do artigo e nome do autor, além de seus dados pessoais (incluindo e-mail). • Os trabalhos serão examinados através do sistema blind review, em que os autores não são identificados pelo con- selho editorial em nenhuma fase da apreciação. Para tanto, em folha à parte, o(s) autor(es) deverá(ão) apresentar as seguintes informações: a) título do trabalho; b) nome completo; c) titulação acadêmica máxima; d) instituição onde trabalha(m) e a atividade que exerce(m); e) endereço completo para correspondência; f) telefone e e-mail para contato; g) apontar (caso necessário) a origem do trabalho, a vinculação a outros projetos, a obtenção de auxílio para a realização do projeto e quaisquer outros dados relativos à produção do material. Ilustrações • As fotografias devem ser nítidas, no tamanho máximo de 9 x 14 cm, e apresentadas em formato digital padrão JPEG em 300 dpi, ou em papel brilhante, em preto e branco. • As figuras devem ser apresentadas no tamanho máximo de 20 x 30 cm, em formato digital padrão JPEG em 300 dpi, ou em papel, em preto e branco. • Quadros e tabelas devem ser acompanhados de título que permita compreender o significado dos dados reunidos. Assinalar, no texto, pela ordem, o local de inclusão. • Para reimpressão de fotografias, figuras, quadros e tabelas extraídos de outros textos, deve ser indicada a fonte de referência e anexada a autorização da fonte e do autor. • Todas as imagens devem vir acompanhadas de legenda e em arquivos separados do texto. Endereço: Revista Comunicação & Educação – CCA-ECA-USP  Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, sala 12, térreo. CEP 05508-900 – Cidade Universitária – São Paulo/SP Fone/fax: (+5511) 3091-4063 e-mail: comueduc@edu.usp.br | site: www.eca.usp.br/comueduc Informações e critérios para publicação na REVISTA COMUNICAÇÃO & EDUCAÇÃO