SlideShare uma empresa Scribd logo
Ó loura dos olhos tristes
Que me não quis escutar...
Quero só saber se existes
Para ver se te hei de amar.
Há grandes sombras na horta
Quando a amiga lá vai ter...
Ser feliz é o que importa,
Não importa como o ser!
O moinho de café
Mói grãos e faz deles pó.
O pó que a minh'alma é
Moeu quem me deixa só.
Dizem que não és aquela
Que te julgavam aqui.
Mas se és alguém e és bela
Que mais quererão de ti?
Tenho um livrinho onde escrevo
Quando me esqueço de ti.
É um livro de capa negra
Onde inda nada escrevi.
Olhos tristes, grandes, pretos,
Que dizeis sem me falar
Que não há filhos nem netos
De eu não querer amar.
Meu coração a bater
Parece estar-me a lembrar
Que, se um dia te esquecer,
Será por ele parar.
Quantas vezes a memória
Para fingir que inda é gente,
Nos conta uma grande história
Em que ninguém está presente
Por muito que pense e pense
No que nunca me disseste,
Teu silêncio não convence.
Faltaste quando vieste.
Tome lá, minha menina,
O ramalhete que fiz.
Cada flor é pequenina,
Mas tudo junto é feliz.
Trazes o vestido novo
Como quem sabe o que faz.
Como és bonita entre o povo,
Mesmo ficando para trás!
A tua boca de riso
Parece olhar para a gente
Com um olhar que é preciso
Para saber que se sente.
A laranja que escolheste
Não era a melhor que havia.
Também o amor que me deste
Qualquer outra mo daria.
Se o sino dobra a finados
Há de deixar de dobrar.
Dá-me os teus olhos fitados
E deixa a vida matar!
A vida é pouco aos bocados.
O amor é vida a sonhar.
Olho para ambos os lados
E ninguém me vem falar.
Dei-lhe um beijo ao pé da boca
Por a boca se esquivar.
A idéia talvez foi louca,
O mal foi não acertar.
Compras carapaus ao cento,
Sardinhas ao quarteirão.
Só tenho no pensamento
Que me disseste que não.
Duas horas te esperei.
Duas mais te esperaria.
Se gostas de mim não sei...
Algum dia há de ser dia ...
Tenho um desejo comigo
Que me traz longe de mim.
É saber se isto é contigo
Quando isto não é assim.
Leve vem a onda leve
Que se estende a adormecer,
Breve vem a onda breve
Que nos ensina a esquecer.
Quando a manhã aparece
Dizem que nasce alegria.
Isso era se Ela viesse.
Até de noite era dia.
Nuvem alta, nuvem alta,
Porque é que tão alta vais?
Se tens o amor que me falta,
Desce um pouco, desce mais!
O avental, que à gaveta
Foste buscar, não terá
Algibeira em que me meta
Para estar contigo já?
Quando vieste da festa,
Vinhas cansada e contente.
A minha pergunta é esta.
Foi da festa ou foi da gente?
Teu carinho, que é fingido,
Dá-me o prazer de saber
Que inda não tens esquecido
O que o fingir tem de ser.
A luva que retiraste
Deixou livre a tua mão.
Foi com ela que tocaste,
Sem tocar, meu coração.
Rouxinol que não cantaste,
Galo que não cantarás,
Qual de vós me empresta o canto
Para ver o que ela faz?
Quando chegaste à janela
Todos que estavam na rua
Disseram: olha, é aquela,
Tal é a graça que é tua!
Nuvem que passas no céu,
Dize a quem não perguntou
Se é bom dizer a quem deu:
"O que deste, não to dou."
"Vou trabalhando a peneira
E pensando assim assim.
Eu não nasci para freira.
Gosto que gostem de mim."
Roseiral que não dás rosas
Senão quando as rosas vêm,
Há muitas que são formosas
Sem que o amor lhes vá bem.
Ribeirinho, ribeirinho,
Que vais a correr ao léu
Tu vais a correr sozinho,
Ribeirinho, como eu.
"Vesti-me toda de novo
E calcei sapato baixo
Para passar entre o povo
E procurar quem não acho."
Tua boca me diz sim,
Teus olhos me dzizem não.
Ai, se gostasses de mim
E sem saber a razão.
Quero lá saber por onde
Andaste todo este dia!
Nunca faz-bem quem se esconde
Mas onde foste, Maria?
O vaso do manjerico
Caiu da janela abaixo.
Vai buscá-lo, que aqui fico
A ver se sem ti te acho.
O cravo que tu me deste
Era de papel rosado.
Mas mais bonito era inda
O amor que me foi negado,
Trazes os sapatos, pretos
Cinzentos de tanto pó.
Feliz é quem tiver netos
De quem tu sejas avó!
Vem de lá do monte verde
A trova que não entendo.
É um som bom que se perde
Enquanto se vai vivendo.
Moreninha, moreninha,
Com olhos pretos a rir.
Sei que nunca serás minha,
Mas quero ver-te sorrir.
Puseste a chaleira ao lume 4
Com um jeito de desdém.
Suma-te o diabo que sume
Primeiro quem te quer bem!
Lá vem o homem da capa
Que ninguém sabe quem é...
Se o lenço os olhos te tapa
Veio os teus olhos por fé.
Loura dos olhos dormentes,
Que são azuis e amarelos,
Se as minhas mãos fossem pentes,
Penteavam-te os cabelos.
O sino dobra a finados.
Faz tanta pena a dobrar!
Não é pelos teus pecados
Que estão vivos a saltar.
Traze-me um copo com água
E a maneira de o trazer.
Quero ter a minha mágoa
Sem mostrar que a estou a ter.
Olha o teu leque esquecido!
Olha o teu cabelo solto!
Maria, toma sentido!
Maria, senão não volto!
Já duas vezes te disse
Que nunca mais te diria
O que te torno a dizer
E fica para outro dia.
Lavadeira a bater roupa
Na pedra que está na água,
Achas minha mágoa pouca?
É muito tudo o que é mágoa.
O teu lenço foi mal posto
Pela pressa que to pôs.
Mais mal posto é o meu desgosto
Do que não há entre nós.
Olhos de veludo falso
E que fitam a entender,
Vós sois o meu cadafalso
A que subo com prazer.
Duas vezes eu tentei
Dizer-te que te queria,
E duas vezes te achei
Só a que falava e ria.
Meu coração é uma barca
Que não sabe navegar.
Guardo o linha na arca
Com um ar de o acarinhar.
Tenho um desejo comigo
Que hoje te venho dizer:
Queria ser teu amigo
Com amizade a valer.
És Maria da Piedade
Pois te chamaram assim.
Sê lá Maria à vontade,
Mas tem piedade de mim.
Tu És Maria da Graça,
Mas a que graça é que vem
Ser essa graça a desgraça
De quem a graça não tem?
Caiu no chão o novelo
E foi-se desenrolando.
Passas a mão no cabelo.
Não sei em que estás pensando
A tua saia, que é curta,
Deixa-te a perna a mostrar:
Meu coração já se furta
A sentir sem eu pensar.
Meu amor é fragateiro.
Eu sou a sua fragata.
Alguns vão atrás do cheiro,
Outros vão só pela arreta.
Vai longe, na serra alta,
A nuvem que nela toca...
Dá-me aquilo que me falta —
Os beijos da tua boca.
HÁ um doido na nossa voz
Ao falarmos, que prendemos:
É o mal-estar entre nós
Que vem de nos percebermos.
Teu vestido porque é teu,
Não é de cetim nem chita.
É de sermos tu e eu
E de tu seres bonita.
Entornaram-me o cabaz
Quando eu vinha pela estrada.
Como ele estava vazio,
Não houve loiça quebrada.
O rosário da vontade,
Rezei-o trocado e a esmo.
Se vens dizer-me a verdade,
Vê lá bem se é isso mesmo.
Castanhetas, castanholas —
Tudo é barulho a estalar.
As que ao negar são mais tolas
São mais espertas ao dar.
O manjerico e a bandeira
Que há no cravo de papel —
Tudo isso enche a noite inteira,
Ó boca de sangue e mel.
Tem A filha da caseira
Rosas na caixa que tem.
Toda ela é uma rosa inteira
Mas não a cheira ninguém.
A moça que há na estalagem
Ri porque gosta de rir.
Não sei o que é da viagem
Por esta moça existir.
Lenço preto de orla branca
Ataste-o mal a valer
À roda desse pescoço
Que tem que se lhe dizer.
Aquela loura de preto
Com uma flor branca ao peito,
É o retrato completo
De como alguém é perfeito.
A tua janela é alta,
A tua casa branquinha.
Nada lhe sobra ou lhe falta
Senão morares sozinha.
Vem cá dizer-me que sim.
Ou vem dizer-me que não.
Porque sempre vens assim
P'ra ao pé do meu coração,.
Cortaste com a tesoura
O pano de lado a lado.
Porque é que todo teu gesto
Tem a feição de engraçado?
Ai, os pratos de arroz doce
Com as linhas de canela!
Ai a mão branca que os trouxe!
Ai essa mão ser a dela!
Frescura do que é regado,
Por onde a água inda verte...
Quero dizer-te um bocado
Do que não ouso dizer-te.
Ó pastora, ó pastorinha,
Que tens ovelhas e riso,
Teu riso ecoa no vale
E nada mais é preciso.
A abanar o fogareiro
Ela corou do calor.
Ah, quem a fará corar
De um outro modo melhor!
Manjerico que te deram,
Amor que te querem dar...
Recebeste o manjerico.
O amor fica a esperar.
Dona Rosa, Dona Rosa.
De que roseira é que vem,
Que não tem senão espinhos
Para quem só lhe quer bem?
O laço que tens no peito
Parece dado a fingir.
Se calhar já estava feito
Como o teu modo de rir.
Dona Rosa, Dona Rosa,
Quando eras inda botão
Disseram-te alguma cousa 4
De a flor não ter coração?

Mais conteúdo relacionado

PPTX
Quadras de amor
PPTX
Quadras ao gosto popular de Fernando Pessoa, Ativ. 3 e 4 , Apresentação Prof....
PPTX
Quadras ao gosto popular autor Fernando pessoa, apresentação Prof. Antônia d...
PPTX
Quadras ao gosto popular atividades 7 e 8 Fernando Pessoa, Apresentação Anton...
PPS
A última viagem de taxí
PPS
Taxi curitibano
PPS
Taxi curitibano
PPS
A ultima viagem_de_taxi
Quadras de amor
Quadras ao gosto popular de Fernando Pessoa, Ativ. 3 e 4 , Apresentação Prof....
Quadras ao gosto popular autor Fernando pessoa, apresentação Prof. Antônia d...
Quadras ao gosto popular atividades 7 e 8 Fernando Pessoa, Apresentação Anton...
A última viagem de taxí
Taxi curitibano
Taxi curitibano
A ultima viagem_de_taxi

Mais procurados (18)

PPT
O Texto LiteráRio
PPS
Aúltimaviagemdetaxi
PPS
PPT
Funções da linguagem.pptx
PPSX
A última viagem taxi
PPSX
A última viagem de táxi
PPS
Amigo Virtual By Gi Manteli
PPS
A última viagem de taxi
PDF
Epopéia do meu amor
PDF
Coletânea de Poemas
PPT
Lindas
PPT
Music With Loans
PPTX
PPTX
DESEJO DE UM BOM FINAL DE SEMANA
PPS
Anna Maya
PPS
Amigo virtual
PPS
A última viagem de taxi
PPS
A Ultima Viagem De Taxi
O Texto LiteráRio
Aúltimaviagemdetaxi
Funções da linguagem.pptx
A última viagem taxi
A última viagem de táxi
Amigo Virtual By Gi Manteli
A última viagem de taxi
Epopéia do meu amor
Coletânea de Poemas
Lindas
Music With Loans
DESEJO DE UM BOM FINAL DE SEMANA
Anna Maya
Amigo virtual
A última viagem de taxi
A Ultima Viagem De Taxi
Anúncio

Semelhante a Q uadras ao gosto popular Fernando Pessoa, Ativ. 3 e 4 Apresentaçao Prof. Antonia de Fátima Codonhoo2 (20)

PPTX
Quadras ao gosto popular de Fernando Pessoa Ativ. 5 e 6 , Apresentação Prof. ...
PPTX
Fernando pessoa Quadras ao gosto popular Apresesntação prof Antõnia de Ff
PPT
Almeida garret -_poemas
PPS
Farrapos de poesia e som com f.pessoa
PDF
O livro-d-ele
PPS
Quadras Fernando Pessoa
PDF
Obra literária Lira dos vinte anos.pdf
PDF
Alvares de azevedo lira dos vinte anos
PDF
20120803 caderno poemas_ciclo_3
PDF
Lira dos vinte anos álvares de azevedo
PPTX
Entre flores e claustros as poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro
PPS
Biblioteca poesia ag
PPS
Biblioteca poesia ag
PPS
Biblioteca poesia ag
PPT
Biblioteca poesia
PPTX
Almeida Garrett
DOCX
Modas encante
PPTX
Rosa lobat - ana branco e marta
Quadras ao gosto popular de Fernando Pessoa Ativ. 5 e 6 , Apresentação Prof. ...
Fernando pessoa Quadras ao gosto popular Apresesntação prof Antõnia de Ff
Almeida garret -_poemas
Farrapos de poesia e som com f.pessoa
O livro-d-ele
Quadras Fernando Pessoa
Obra literária Lira dos vinte anos.pdf
Alvares de azevedo lira dos vinte anos
20120803 caderno poemas_ciclo_3
Lira dos vinte anos álvares de azevedo
Entre flores e claustros as poéticas de Florbela Espanca e Rosalía de Castro
Biblioteca poesia ag
Biblioteca poesia ag
Biblioteca poesia ag
Biblioteca poesia
Almeida Garrett
Modas encante
Rosa lobat - ana branco e marta
Anúncio

Último (20)

PDF
01-slide-especialidade-mensageira-de-deus.pdf
PPTX
AULA 01 - INTRODUÇÃO AO ATENDIMENTO HUMANIZADO.pptx
PDF
Reino Monera - Biologiaensinomediofun.pdf
PDF
E-BOOK-Inovacao-em-Ciencia-e-Tecnologia-de-Alimentos.pdf
PPTX
AULA METodologia MODIFIC PART 1 MSC.pptx
PPSX
4. A Cultura da Catedral - HistóriaCArtes .ppsx
PDF
HABILIDADES POR BIMESTRES HABILIDADES POR BIMESTRES HABILIDADES POR BIMESTRES...
PDF
morfologia5.pdfllllllllllllllllllllllllllll
PPT
Caderno de Boas Práticas dos Professores Alfabetizadores.ppt
PPTX
2. A Cultura do Salão - o fim das trevas.pptx
PPT
1ª Telefonia Fixa Padrao Novo Jailton 2012_22.ppt
PPT
YY2015MM3DD6HH12MM42SS3-Organiza__o do Estado ILP.ppt
DOCX
PLANEJAMENTO QUINZENAL - 18.08.2025 à 29.08.2025 - 2ºANO - PROFESSORA PATRÍCI...
PDF
Historia da Gastronomia Mundial por Daianna Marques dos Santos
PPTX
QuestõesENEMVESTIBULARPARAESTUDOSEAPRENDIZADO.pptx
PPTX
Slides Lição 8, Betel, Jesus e a Mulher Adúltera, 3Tr25.pptx
PPTX
Ocupação e transformação dos territórios.pptx
PPTX
BIÓTICOS E ABIOTICOS CADEIA ALIMENTAR.pptx
PPTX
1. A Cultura do Palco - muitos palcos, um espetáculo.pptx
PDF
Pecados desdenhados por muita gente (islamismo)
01-slide-especialidade-mensageira-de-deus.pdf
AULA 01 - INTRODUÇÃO AO ATENDIMENTO HUMANIZADO.pptx
Reino Monera - Biologiaensinomediofun.pdf
E-BOOK-Inovacao-em-Ciencia-e-Tecnologia-de-Alimentos.pdf
AULA METodologia MODIFIC PART 1 MSC.pptx
4. A Cultura da Catedral - HistóriaCArtes .ppsx
HABILIDADES POR BIMESTRES HABILIDADES POR BIMESTRES HABILIDADES POR BIMESTRES...
morfologia5.pdfllllllllllllllllllllllllllll
Caderno de Boas Práticas dos Professores Alfabetizadores.ppt
2. A Cultura do Salão - o fim das trevas.pptx
1ª Telefonia Fixa Padrao Novo Jailton 2012_22.ppt
YY2015MM3DD6HH12MM42SS3-Organiza__o do Estado ILP.ppt
PLANEJAMENTO QUINZENAL - 18.08.2025 à 29.08.2025 - 2ºANO - PROFESSORA PATRÍCI...
Historia da Gastronomia Mundial por Daianna Marques dos Santos
QuestõesENEMVESTIBULARPARAESTUDOSEAPRENDIZADO.pptx
Slides Lição 8, Betel, Jesus e a Mulher Adúltera, 3Tr25.pptx
Ocupação e transformação dos territórios.pptx
BIÓTICOS E ABIOTICOS CADEIA ALIMENTAR.pptx
1. A Cultura do Palco - muitos palcos, um espetáculo.pptx
Pecados desdenhados por muita gente (islamismo)

Q uadras ao gosto popular Fernando Pessoa, Ativ. 3 e 4 Apresentaçao Prof. Antonia de Fátima Codonhoo2

  • 1. Ó loura dos olhos tristes Que me não quis escutar... Quero só saber se existes Para ver se te hei de amar. Há grandes sombras na horta Quando a amiga lá vai ter... Ser feliz é o que importa, Não importa como o ser!
  • 2. O moinho de café Mói grãos e faz deles pó. O pó que a minh'alma é Moeu quem me deixa só. Dizem que não és aquela Que te julgavam aqui. Mas se és alguém e és bela Que mais quererão de ti?
  • 3. Tenho um livrinho onde escrevo Quando me esqueço de ti. É um livro de capa negra Onde inda nada escrevi. Olhos tristes, grandes, pretos, Que dizeis sem me falar Que não há filhos nem netos De eu não querer amar.
  • 4. Meu coração a bater Parece estar-me a lembrar Que, se um dia te esquecer, Será por ele parar. Quantas vezes a memória Para fingir que inda é gente, Nos conta uma grande história Em que ninguém está presente
  • 5. Por muito que pense e pense No que nunca me disseste, Teu silêncio não convence. Faltaste quando vieste. Tome lá, minha menina, O ramalhete que fiz. Cada flor é pequenina, Mas tudo junto é feliz.
  • 6. Trazes o vestido novo Como quem sabe o que faz. Como és bonita entre o povo, Mesmo ficando para trás! A tua boca de riso Parece olhar para a gente Com um olhar que é preciso Para saber que se sente.
  • 7. A laranja que escolheste Não era a melhor que havia. Também o amor que me deste Qualquer outra mo daria. Se o sino dobra a finados Há de deixar de dobrar. Dá-me os teus olhos fitados E deixa a vida matar!
  • 8. A vida é pouco aos bocados. O amor é vida a sonhar. Olho para ambos os lados E ninguém me vem falar. Dei-lhe um beijo ao pé da boca Por a boca se esquivar. A idéia talvez foi louca, O mal foi não acertar.
  • 9. Compras carapaus ao cento, Sardinhas ao quarteirão. Só tenho no pensamento Que me disseste que não. Duas horas te esperei. Duas mais te esperaria. Se gostas de mim não sei... Algum dia há de ser dia ...
  • 10. Tenho um desejo comigo Que me traz longe de mim. É saber se isto é contigo Quando isto não é assim. Leve vem a onda leve Que se estende a adormecer, Breve vem a onda breve Que nos ensina a esquecer.
  • 11. Quando a manhã aparece Dizem que nasce alegria. Isso era se Ela viesse. Até de noite era dia. Nuvem alta, nuvem alta, Porque é que tão alta vais? Se tens o amor que me falta, Desce um pouco, desce mais!
  • 12. O avental, que à gaveta Foste buscar, não terá Algibeira em que me meta Para estar contigo já? Quando vieste da festa, Vinhas cansada e contente. A minha pergunta é esta. Foi da festa ou foi da gente?
  • 13. Teu carinho, que é fingido, Dá-me o prazer de saber Que inda não tens esquecido O que o fingir tem de ser. A luva que retiraste Deixou livre a tua mão. Foi com ela que tocaste, Sem tocar, meu coração.
  • 14. Rouxinol que não cantaste, Galo que não cantarás, Qual de vós me empresta o canto Para ver o que ela faz? Quando chegaste à janela Todos que estavam na rua Disseram: olha, é aquela, Tal é a graça que é tua!
  • 15. Nuvem que passas no céu, Dize a quem não perguntou Se é bom dizer a quem deu: "O que deste, não to dou." "Vou trabalhando a peneira E pensando assim assim. Eu não nasci para freira. Gosto que gostem de mim."
  • 16. Roseiral que não dás rosas Senão quando as rosas vêm, Há muitas que são formosas Sem que o amor lhes vá bem. Ribeirinho, ribeirinho, Que vais a correr ao léu Tu vais a correr sozinho, Ribeirinho, como eu.
  • 17. "Vesti-me toda de novo E calcei sapato baixo Para passar entre o povo E procurar quem não acho." Tua boca me diz sim, Teus olhos me dzizem não. Ai, se gostasses de mim E sem saber a razão.
  • 18. Quero lá saber por onde Andaste todo este dia! Nunca faz-bem quem se esconde Mas onde foste, Maria? O vaso do manjerico Caiu da janela abaixo. Vai buscá-lo, que aqui fico A ver se sem ti te acho.
  • 19. O cravo que tu me deste Era de papel rosado. Mas mais bonito era inda O amor que me foi negado, Trazes os sapatos, pretos Cinzentos de tanto pó. Feliz é quem tiver netos De quem tu sejas avó!
  • 20. Vem de lá do monte verde A trova que não entendo. É um som bom que se perde Enquanto se vai vivendo. Moreninha, moreninha, Com olhos pretos a rir. Sei que nunca serás minha, Mas quero ver-te sorrir.
  • 21. Puseste a chaleira ao lume 4 Com um jeito de desdém. Suma-te o diabo que sume Primeiro quem te quer bem! Lá vem o homem da capa Que ninguém sabe quem é... Se o lenço os olhos te tapa Veio os teus olhos por fé.
  • 22. Loura dos olhos dormentes, Que são azuis e amarelos, Se as minhas mãos fossem pentes, Penteavam-te os cabelos. O sino dobra a finados. Faz tanta pena a dobrar! Não é pelos teus pecados Que estão vivos a saltar.
  • 23. Traze-me um copo com água E a maneira de o trazer. Quero ter a minha mágoa Sem mostrar que a estou a ter. Olha o teu leque esquecido! Olha o teu cabelo solto! Maria, toma sentido! Maria, senão não volto!
  • 24. Já duas vezes te disse Que nunca mais te diria O que te torno a dizer E fica para outro dia. Lavadeira a bater roupa Na pedra que está na água, Achas minha mágoa pouca? É muito tudo o que é mágoa.
  • 25. O teu lenço foi mal posto Pela pressa que to pôs. Mais mal posto é o meu desgosto Do que não há entre nós. Olhos de veludo falso E que fitam a entender, Vós sois o meu cadafalso A que subo com prazer.
  • 26. Duas vezes eu tentei Dizer-te que te queria, E duas vezes te achei Só a que falava e ria. Meu coração é uma barca Que não sabe navegar. Guardo o linha na arca Com um ar de o acarinhar.
  • 27. Tenho um desejo comigo Que hoje te venho dizer: Queria ser teu amigo Com amizade a valer. És Maria da Piedade Pois te chamaram assim. Sê lá Maria à vontade, Mas tem piedade de mim.
  • 28. Tu És Maria da Graça, Mas a que graça é que vem Ser essa graça a desgraça De quem a graça não tem? Caiu no chão o novelo E foi-se desenrolando. Passas a mão no cabelo. Não sei em que estás pensando
  • 29. A tua saia, que é curta, Deixa-te a perna a mostrar: Meu coração já se furta A sentir sem eu pensar. Meu amor é fragateiro. Eu sou a sua fragata. Alguns vão atrás do cheiro, Outros vão só pela arreta.
  • 30. Vai longe, na serra alta, A nuvem que nela toca... Dá-me aquilo que me falta — Os beijos da tua boca. HÁ um doido na nossa voz Ao falarmos, que prendemos: É o mal-estar entre nós Que vem de nos percebermos.
  • 31. Teu vestido porque é teu, Não é de cetim nem chita. É de sermos tu e eu E de tu seres bonita. Entornaram-me o cabaz Quando eu vinha pela estrada. Como ele estava vazio, Não houve loiça quebrada.
  • 32. O rosário da vontade, Rezei-o trocado e a esmo. Se vens dizer-me a verdade, Vê lá bem se é isso mesmo. Castanhetas, castanholas — Tudo é barulho a estalar. As que ao negar são mais tolas São mais espertas ao dar.
  • 33. O manjerico e a bandeira Que há no cravo de papel — Tudo isso enche a noite inteira, Ó boca de sangue e mel. Tem A filha da caseira Rosas na caixa que tem. Toda ela é uma rosa inteira Mas não a cheira ninguém.
  • 34. A moça que há na estalagem Ri porque gosta de rir. Não sei o que é da viagem Por esta moça existir. Lenço preto de orla branca Ataste-o mal a valer À roda desse pescoço Que tem que se lhe dizer.
  • 35. Aquela loura de preto Com uma flor branca ao peito, É o retrato completo De como alguém é perfeito. A tua janela é alta, A tua casa branquinha. Nada lhe sobra ou lhe falta Senão morares sozinha.
  • 36. Vem cá dizer-me que sim. Ou vem dizer-me que não. Porque sempre vens assim P'ra ao pé do meu coração,. Cortaste com a tesoura O pano de lado a lado. Porque é que todo teu gesto Tem a feição de engraçado?
  • 37. Ai, os pratos de arroz doce Com as linhas de canela! Ai a mão branca que os trouxe! Ai essa mão ser a dela! Frescura do que é regado, Por onde a água inda verte... Quero dizer-te um bocado Do que não ouso dizer-te.
  • 38. Ó pastora, ó pastorinha, Que tens ovelhas e riso, Teu riso ecoa no vale E nada mais é preciso. A abanar o fogareiro Ela corou do calor. Ah, quem a fará corar De um outro modo melhor!
  • 39. Manjerico que te deram, Amor que te querem dar... Recebeste o manjerico. O amor fica a esperar. Dona Rosa, Dona Rosa. De que roseira é que vem, Que não tem senão espinhos Para quem só lhe quer bem?
  • 40. O laço que tens no peito Parece dado a fingir. Se calhar já estava feito Como o teu modo de rir. Dona Rosa, Dona Rosa, Quando eras inda botão Disseram-te alguma cousa 4 De a flor não ter coração?