Eduardo Prado Coelho - In Público


A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Gu-
terres. Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não
servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi
Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates. O problema está em nós. Nós como povo.


Nós como matéria-prima de um país. Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a mo-
eda sempre valorizada, tanto ou mais o que o euro. Um país onde ficar rico da noite para o dia
é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos
demais.

Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em
outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE
TIRA UM SÓ JORNAL,

DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.

Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus em-
pregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis,
canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos... e para eles
mesmos.


Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um
descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar
menos impostos.


Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um hábito. Onde os directores das empre-
sas não valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas
atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos.


Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros.


Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é muito chato ter que
ler) e não há consciência nem memória política, histórica nem económica. Onde os nossos po-
líticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar
os pobres, arreliar a classe média e beneficiar a alguns.


Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser com-
pradas, sem se fazer qualquer exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma
mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pes-
soa que está sentada finge que dorme para não dar-lhe o lugar. Um país no qual a prioridade
de passagem é para o carro e não para o peão. Um país onde fazemos muitas coisas erradas,
mas estamos sempre a criticar os nossos governantes. Quanto mais analiso os defeitos de
Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem cor-
rompi um guarda de trânsito para não ser multado. Quanto mais digo o quanto o Cavaco é cul-
pado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um clien-
te que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.


Como matéria-prima de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os
homens e as mulheres que nosso país precisa.

Esses defeitos, essa CHICO-ESPERTERTICE PORTUGUESA congénita , essa desonestidade
em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos escandalosos na
política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates,
é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS
POR NÓS. Nascidos aqui, não em outra parte...

Fico triste. Porque, ainda que Sócrates fosse embora hoje mesmo, o próximo que o suceder
terá que continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos
nós mesmos. E não poderá fazer nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa
fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os
vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não
serviu Cavaco, e nem serve Sócrates, nem servirá o que vier. Qual é a alternativa?

Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do ter-
ror? Aqui faz falta outra coisa.

E enquanto essa outra coisa não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo,
ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente
estancados....igualmente abusados!

É muito bom ser português. Mas quando essa Portugalidade autóctone começa a ser um em-
pecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda..

Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um Messias.

Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer.
Está muito claro... Somos nós que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em
tudo o que anda a nos acontecer: desculpamos a mediocridade de programas de televisão ne-
fastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez. Ago-
ra, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo,
senão para exigir-lhe (sim, exigir-lhe) que melhore seu comportamento e que não se faça de
mouco,

de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO QUE O ENCON-
TRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO.


AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO EM OUTRO LADO.


E você, o que pensa?.... MEDITE!

EDUARDO PRADO COELHO

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  • 1. Eduardo Prado Coelho - In Público A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Gu- terres. Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates. O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria-prima de um país. Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a mo- eda sempre valorizada, tanto ou mais o que o euro. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO. Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus em- pregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos... e para eles mesmos. Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos. Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um hábito. Onde os directores das empre- sas não valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos. Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros. Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é muito chato ter que ler) e não há consciência nem memória política, histórica nem económica. Onde os nossos po- líticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar a alguns. Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser com- pradas, sem se fazer qualquer exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pes- soa que está sentada finge que dorme para não dar-lhe o lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão. Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes. Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem cor- rompi um guarda de trânsito para não ser multado. Quanto mais digo o quanto o Cavaco é cul-
  • 2. pado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um clien- te que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta. Como matéria-prima de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que nosso país precisa. Esses defeitos, essa CHICO-ESPERTERTICE PORTUGUESA congénita , essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não em outra parte... Fico triste. Porque, ainda que Sócrates fosse embora hoje mesmo, o próximo que o suceder terá que continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, e nem serve Sócrates, nem servirá o que vier. Qual é a alternativa? Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do ter- ror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa outra coisa não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados....igualmente abusados! É muito bom ser português. Mas quando essa Portugalidade autóctone começa a ser um em- pecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda.. Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um Messias. Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer. Está muito claro... Somos nós que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a nos acontecer: desculpamos a mediocridade de programas de televisão ne- fastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez. Ago- ra, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe (sim, exigir-lhe) que melhore seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO QUE O ENCON- TRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO EM OUTRO LADO. E você, o que pensa?.... MEDITE! EDUARDO PRADO COELHO