As artesãs paraenses que fabricam cestos e mandalas a partir de uma técnica ancestral pararam de aceitar novas encomendas: a demanda cresceu cinco vezes às vésperas da COP30, a conferência da Organização das Nações Unidas sobre mudanças climáticas que acontecerá em novembro em Belém.
Até janeiro deste ano, a Turiarte (Cooperativa de Turismo e Artesanato da Floresta), sediada em Santarém (PA), produzia 200 itens por mês —hoje, alcança a capacidade máxima, com 1.000 peças. Os produtos vão para clientes como a empresa de cosméticos Natura e a organização internacional WWF (World Wide Fund for Nature).
"Em um mês, a gente vendia uns R$ 6.000. Agora, aumentou para R$ 10 mil, R$ 12 mil", afirma Natália Dias, presidente da Turiarte. "Vamos enviar mil peças só para a WWF nos Estados Unidos. As empresas com essa pegada de sustentabilidade têm procurado a gente."
Segundo ela, as companhias buscam comprar as peças para distribuir como brindes durante o evento na capital do Pará. Os pedidos mais numerosos chegam a ser parcelados, com entregas divididas em dois momentos, algo inédito.
A cooperativa funciona apenas com encomendas e planeja capacitar novas artesãs para dar conta da produção para a COP30. "A demanda está sendo muito grande e, como é um trabalho manual, leva bastante tempo", afirma Dias.
Fundada em 2015, a Turiarte tem 180 cooperados de 12 comunidades paraenses. O artesanato responde por 75% da renda da cooperativa e o restante vem do turismo de base comunitária. A reserva extrativista Tapajós-Arapiuns, uma unidade de conservação federal no oeste do Pará, concentra a maior parte da produção.
A matéria-prima das peças é a palha do tucumanzeiro, uma palmeira nativa da amazônia. A técnica do trançado é transmitida entre gerações e mantém viva a conexão com a floresta.
"A tradição vem de tempos antigos, eu aprendi com a minha mãe e ela aprendeu com a mãe dela", diz a artesã Ivaneide de Oliveira, cooperada da Turiarte e moradora da comunidade de Urucureá.
Neide, como prefere ser chamada, criou as três filhas com a renda do artesanato e educou as meninas a pedirem a benção ao tucumanzeiro, uma forma de agradecer à árvore pelo sustento. As filhas, hoje adultas, já conhecem a técnica ancestral.
"A gente não deixa perder a nossa cultura, vamos levando isso para a frente", diz. "A cooperativa trabalha o empoderamento feminino, para as mulheres terem mais independência dos maridos e ganharem o seu próprio dinheiro."
Dias, nascida na comunidade Vila Brasil, dá sequência ao legado da mãe, que também era cooperada da Turiarte. "É muito mais do que só artesanato para nós, é a nossa história de vida, nossa riqueza, nossa cultura. A gente precisa valorizar cada vez mais isso", afirma.
No passado, a venda do artesanato dependia de atravessadores, que pagavam um valor considerado baixo pelas peças. Ela diz que a criação da cooperativa melhorou o pagamento às artesãs.
A pigmentação das peças, antes feita com uma resina artificial, hoje é baseada em plantas como jenipapo, açafrão, urucum e crajiru. "A mulher faz todo o manejo e o tingimento natural. Tudo isso está ao nosso redor, a gente não precisa desmatar, tudo é tirado em harmonia com a natureza", afirma Dias.
As mudanças climáticas, porém, impõem dificuldades. Nos períodos de estiagem, a palha do tucumanzeiro fica farelenta, o que inviabiliza a tecelagem. No inverno amazônico, marcado por mais chuvas, as fibras têm chance de mofar.
A seca extrema de 2024 causou prejuízos. Com o nível baixo dos rios, o transporte das peças ficou comprometido.
"A gente está pensando em criar o Fundo Semente para a compra de estoque de artesanato, ter um capital, para quando tiver novamente seca a gente não ficar nesse aperreio", diz a presidente da Turiarte. A ideia é captar ao menos R$ 30 mil para aumentar a resiliência à estiagem.
Hoje, 80% da produção da cooperativa vai para comerciantes, que então revendem as peças. "Nosso sonho é atender o consumidor final, porque gera mais lucro. Mas, por enquanto, estamos atendendo os lojistas e passamos por um processo de precificação para entender melhor isso", afirma Dias.
A Turiarte estuda ainda criar uma loja online e almeja a exportação. "Se não tiver a comercialização, a gente acaba perdendo a nossa cultura", diz a presidente.
O repórter viajou a convite do Sistema OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras)
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