Descrição de chapéu guerra comercial

Empresários veem tática de 'coerção tarifária' de Trump em acordos com Japão, Indonésia e Tailândia

Estratégia de tarifas elevadas para obter acordos funcionou em outros países, mas situação no Brasil é incógnita, avaliam setores

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Brasília

A tática que o presidente dos EUA, Donald Trump, tem aplicado a outros países passou a ser chamada pelo empresariado brasileiro de "coerção tarifária". Na avaliação de setores que acompanham a guerra comercial, o republicano impõe uma sobretaxa alta, sem lógica econômica, para depois fechar acordos que, de outra forma, nunca seriam alcançados.

A dúvida, na visão de empresários, é saber se essa estratégia dos Estados Unidos vai se repetir com o Brasil, onde o assunto está contaminado por camadas políticas e ideológicas, alheias às relações comerciais ameaçadas por uma sobretaxa geral de 50%.

Acordos bilaterais firmados nos últimos dias pelos EUA deixam claro que governo americano tem recorrido à ameaça de tarifas unilaterais elevadas como forma de pressionar países a firmar acordos em condições assimétricas, além de uma forte imposição de normas regulatórias americanas.

Um homem está sentado à mesa, assinando um documento. Ele usa um terno escuro e uma gravata vermelha. Ao fundo, há bandeiras dos Estados Unidos e outros símbolos presidenciais. Algumas pessoas estão aplaudindo.
Presidente dos EUA, Donald Trump, tem recorrido à ameaça de tarifas unilaterais elevadas como forma de pressionar países a firmar acordos em condições mais favoráveis a seu país - Kent Nishimura 23.jul.2025/REUTERS

Essa abordagem ficou evidente em três negociações recentes acertadas com Indonésia, Japão e Tailândia, onde a ameaça de tarifas punitivas a partir de 1º de agosto levou aqueles países a cederem rapidamente e assinarem acordos com os EUA.

O caso mais ilustrativo é o da Indonésia. Após receber o aviso de que suas exportações sofreriam uma tarifa adicional de 19%, o governo indonésio assumiu compromissos sensíveis para evitar a penalização. Nesta semana, em nome do "comércio recíproco", concordou em eliminar 99% das tarifas sobre produtos agrícolas e industriais dos americanos.

Paralelamente, a Indonésia passou a aceitar diretamente os certificados técnicos e sanitários emitidos por autoridades americanas, como se fossem válidos internamente. Ficou acertada, ainda, a autorização para exportação irrestrita de minerais críticos aos EUA.

O pacote feito às pressas, costurado sob intensa pressão tarifária, também incluiu a expectativa de assinatura de contratos bilaterais da ordem de US$ 22 bilhões em setores como aviação, alimentos e energia.

"Este modelo sinaliza uma nova estratégia comercial dos EUA: combinar tarifas punitivas com exigências regulatórias profundas para pressionar parceiros a celebrar acordos assimétricos e acelerados", afirma o escritório Barral Parente Pinheiro Advogados, que tem estudado as movimentações e elaborado relatórios sobre o assunto.

O Japão seguiu pela mesma trilha. Sob risco de sofrer aumento tarifário para 25% nas exportações de veículos, fechou um acordo com os EUA no qual se compromete a abrir seu mercado para produtos americanos, incluindo arroz, carne e automóveis.

Como parte do entendimento, os EUA reduziram sua tarifa sobre automóveis japoneses de 25% para 15%. Em contrapartida, o Japão também anunciou um pacote de investimentos de até US$ 550 bilhões nos Estados Unidos, por meio de bancos estatais e fundos públicos, em áreas como semicondutores, inteligência artificial e indústria farmacêutica.

A Tailândia foi alvo de ameaça de uma tarifa de 36%, caso não chegasse a um entendimento com os EUA antes de agosto. O governo tailandês acabou cedendo e aceitou compromissos como abertura de mercado para produtos americanos, além de apoio aos seus padrões regulatórios e revisão de práticas comerciais consideradas injustas por Washington, como as práticas de transbordo de mercadorias nos portos do país.

As tratativas americanas com Coreia do Sul e Malásia também seguiram esse caminho. Em todos os casos, os EUA utilizaram o mesmo roteiro: envio de cartas notificando tarifas unilaterais, curto prazo para negociação e exigências regulatórias e comerciais profundas em troca de alívio tarifário.

No Brasil, porém, esse pacote também incluiu tentativas de pressionar decisões do Supremo Tribunal Federal envolvendo o processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), reflexo das mobilizações feitas por seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL).

O setor privado brasileiro tem se mobilizado para negociar com empresas dos EUA. Os sinais dados até agora pelos EUA, no entanto, são de ignorar esses apelos de negociação e levar a situação ao extremo. Faltando somente oito dias para o início da aplicação das tarifas, os canais de negociações entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil seguem fechados.

Na quarta-feira (23), Donald Trump disse que as taxas impostas pelo seu governo não ficarão abaixo de 15%, em uma indicação a poucos dias do prazo de 1º de agosto de que o piso para as sobretaxas será maior.

"Teremos uma tarifa direta e simples de algo entre 15% e 50%", disse Trump em uma cúpula de inteligência artificial realizada em Washington. "Alguns, temos 50%, porque não temos nos dado muito bem com esses países."

O Brasil, no entanto, foi o único país a receber a tarifa de 50% no tarifaço mais recente do presidente americano, que atribuiu a cobrança ao que chamou de "caça às bruxas" promovida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

"É fundamental que o setor produtivo brasileiro atue com rapidez, coesão e tecnicidade para evitar conclusões precipitadas e para assegurar que os interesses estratégicos do país não sejam atropelados por prazos políticos e pressões comerciais", diz o advogado Welber Barral.

"Vários setores privados estão mobilizados, buscando seus parceiros por lá. Já o governo brasileiro, que acionou o Tesouro americano e o Departamento de Comércio, ouviu que a situação é com a Casa Branca, ou seja, não é só uma questão econômica."

Dirigentes de associações do setor e executivos de fabricantes ouvidos pela Folha afirmam que as preocupações com os possíveis impactos do tarifaço se devem a vários fatores, entre eles a possibilidade de o Brasil adotar a reciprocidade, o que prejudicaria as empresas dos dois lados da mesa de negociação.

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