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ISTO RESULTA
COMO E PORQUÊ
Os Doze Passos e
as Doze Tradições
de Narcóticos Anônimos
ISTO RESULTA
Os Doze Passos e
as Doze Tradições
de Narcóticos Anônimos
ISTO RESULTA
COMO E PORQUÊ
Narcotics Anonymous World Services, Inc.
Chatsworth, CA USA
Os Doze Passos e as Doze Tradições
são reproduzidos com autorização de
AA World Services, Inc.
WWorld Service Office
PO Box 9999
Van Nuys, CA 91409 USA
T 818.773.9999
F 818.700.0700
Website: www.na.org
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World Service Office-EUROPE
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World Service Office-IRAN
Tehran, Iran
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Copyright© 1998 by
Narcotics Anonymous World Services, Inc.
Todos os direitos reservados
Softcover first published 2011.
14 13 3
Printed in Brazil
Narcotics Anonymous e The NA Way
são marcas registradas de
Narcotics Anonymous World Services, Incorporated.
ISBN 978-1-55776-869-8 Portuguese 2/11
WSO Catalog Item No. PO-1143
Tradução de literatura aprovada pela
Irmandade de NA.
12 passos aa
Índice
Introdução 1
Os Doze Passos 3
Primeiro Passo 5
Segundo Passo 17
Terceiro Passo 27
Quarto Passo 37
Quinto Passo 50
Sexto Passo 60
Sétimo Passo 70
Oitavo Passo 77
Nono Passo 85
Décimo Passo 97
Décimo-Primeiro Passo 106
Décimo-Segundo Passo 114
As Doze Tradições 125
Primeira Tradição 127
Segunda Tradição 136
Terceira Tradição 146
Quarta Tradição 153
Quinta Tradição 161
Sexta Tradição 169
Sétima Tradição 177
Oitava Tradição 188
Nona Tradição 192
Décima Tradição 199
Décima-Primeira Tradição 206
Décima-Segunda Tradição 212
Índice Remissivo 220
1
Introdução
Bem-vindo! O livro que tens nas mãos trata
dos Doze Passos e das Doze Tradições de Narcóticos
Anônimos. É verdade que, seja sob a forma escrita
ou oral, nada do que se diga sobre algo tão pessoal
ou individual como a recuperação poderá agradar a
toda a gente. Este livro não pretende ser nem um
estudo exaustivo dos passos e das tradições de NA,
nem a palavra final sobre qualquer aspecto da
recuperação ou da unidade de NA. Pretende antes
ajudar-te a encontrares a tua própria interpretação
dos princípios contidos nos nossos passos e
tradições. Esperamos que ao longo destas páginas
encontres crescimento pessoal, compreensão e
empatia. Rezamos para que avances para um novo
estado de entendimento da tua recuperação e do
lugar valioso que ocupas como membro de
Narcóticos Anônimos.
Cada membro de NA contribuiu de certa
forma para este livro. Quer sejas recém-chegado ou
alguém já com algum tempo, a tua experiência, o teu
apoio e, acima de tudo, a tua presença nas salas onde
adictos se reúnem para partilhar recuperação, têm
sido as forças motivadoras para que se fizesse este
livro. Embora o processo de se escrever um livro
sobre a experiência de uma irmandade tão diversa
como a nossa tenha sido moroso, vimos como todas
as barreiras e todos os obstáculos se dissolveram à
luz do nosso propósito primordial: transmitir a
mensagem ao adicto que ainda sofre. Esse único
propósito, claro e poderoso, destaca-se na nossa
consciência coletiva como a única coisa que
realmente interessa. Com ele, tudo é possível e os
milagres acontecem.
2 Isto Resulta
Foi a natureza do processo de recuperação
que nos deu o título para este livro. Depois de tudo
dito e feito, houve uma verdade fundamental que
emergiu como o centro do nosso programa: ISTO
RESULTA. As razões por que o nosso programa
resulta, o como e o porquê da recuperação, podem
encontrar-se em muitos sítios: em cada um de nós,
na nossa relação com um Poder Superior, nos nossos
corações e mentes e, finalmente, na sabedoria
coletiva dos nossos membros. O esforço principal no
desenvolvimento deste livro recaiu em tentarmos
capturar a nossa sabedoria coletiva em palavras,
julgamos assim que o título deste livro será o mais
adequado: Isto Resulta - Como e Porquê.
Esperamos que este livro represente
verdadeiramente o valor terapêutico de um adicto a
ajudar outro. Oferecemos este livro como uma
dádiva, de adicto para adicto, na esperança de que o
nosso amor e a nossa preocupação por todo o adicto
que esteja a pôr em prática o nosso modo de vida,
sejam aqui tão evidentes quanto nós os sentimos.
Usa e toma partido deste livro. Partilha-o com os
teus amigos, com o teu padrinho ou madrinha, e com
as pessoas que apadrinhas. Afinal de contas, é
partilhando uns com os outros que encontramos as
nossas próprias respostas, o nosso próprio Poder
Superior, e o nosso próprio caminho em
recuperação.
3
LIVRO UM
Os Doze Passos
O objetivo desta secção do livro é convidar
os nossos membros a empenharem-se numa viagem
de recuperação, e servir como meio para se alcançar
uma compreensão pessoal dos princípios espirituais
contidos nos Doze Passos de Narcóticos Anônimos.
Esta secção do livro explora os princípios espirituais
de cada passo e a forma como os experimentamos
nas nossas vidas. Acreditamos que os passos estão
apresentados de uma forma que abrange a
diversidade da nossa irmandade e reflete o despertar
espiritual descrito no nosso 12° Passo.
12 passos aa
5
Primeiro Passo
"Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que
tínhamos perdido o domínio sobre as nossas vidas."
Cada um de nós, como adicto, já passou pela
dor, pela solidão e pelo desespero da adicção. Antes
de chegarmos à NA, a maioria de nós tentou tudo
aquilo que pôde para controlar o nosso uso de
drogas. Tentámos mudar de droga, julgando que o
nosso problema era uma droga específica. Tentámos
limitar o nosso uso a certos momentos ou a certos
lugares. Até podemos ter chegado ao ponto de jurar
que nunca mais voltaríamos a usar, ou dito a nós
próprios que nunca faríamos as coisas que vimos
outros adictos fazerem, acabando também por fazê-
las. Nada do que tentámos teve algum efeito
duradouro. A nossa adicção ativa continuou a
progredir, levando consigo as nossas melhores
intenções. Sozinhos, com medo daquilo que o futuro
poderia trazer-nos, encontrámos a irmandade de
Narcóticos Anônimos.
A nossa experiência como membros de
Narcóticos Anônimos é a de que a adicção constitui
uma doença progressiva. A sua progressão pode ser
rápida ou lenta, mas é sempre para pior. Enquanto
continuarmos a usar drogas, as nossas vidas nunca
deixarão de piorar. Não é possível descrevermos a
adicção de uma forma que nos agrade a todos.
Contudo, a doença parece afetar-nos das seguintes
maneiras: mentalmente, ficamos obcecados com
ideias de usar; fisicamente, desenvolvemos uma
compulsão para continuar a usar, sem olhar às
consequências; espiritualmente, tornamo-nos
completamente egocêntricos ao longo da nossa
adicção. Para muitos adictos faz sentido ver a
6 Isto Resulta
adicção como uma doença, doença essa que a nossa
experiência diz ser progressiva, incurável, e que
pode ser fatal se não for detida.
Em Narcóticos Anônimos lidamos com
todos os aspectos da nossa adicção e não apenas com
o seu sintoma mais óbvio, o nosso uso incontrolável
de drogas. São numerosos esses aspectos da nossa
doença. A prática deste programa permite a cada um
de nós descobrir as formas como a nossa adicção
afeta as nossas vidas. Mas, sejam quais forem os
efeitos da adicção nas nossas existências individuais,
todos partilhamos algumas características comuns. É
através da prática do Primeiro Passo que vamos lidar
com a obsessão, a compulsão, a negação, e aquilo a
que muitos chamam "vazio espiritual".
A medida que examinamos e reconhecemos
todos estes aspectos da nossa doença, começamos a
compreender melhor a nossa impotência. Muitos de
nós tiveram dificuldade com a ideia de sermos
obsessivos e compulsivos. Só a simples ideia de que
essas palavras se aplicassem a nós fizeram-nos
recuar. No entanto, a obsessão e a compulsão são
elementos da nossa impotência. Precisamos de
compreender e de reconhecer a sua presença nas
nossas vidas para que a nossa admissão de
impotência fique completa. A nossa experiência
mostra-nos que a obsessão é aquele fluxo
inesgotável de pensamentos relacionados com o uso
de drogas: temos medo de ficar sem elas, de
precisarmos de arranjar mais, e por aí fora. Mas não
conseguimos afastar esses pensamentos. Para nós, a
compulsão é o impulso irracional para continuar a
usar drogas, sejam quais forem as consequências.
Não conseguimos parar. A obsessão e a compulsão
são aqui tratadas no aspecto em que se relacionam
com o nosso uso de drogas, pois é através da nossa
adicção a drogas que nos identificamos uns com os
Primeiro Passo 7
outros quando chegamos pela primeira vez ao
programa. À medida que a nossa recuperação
avança, verificamos como estes aspectos da nossa
adicção também se podem manifestar em muitas
outras áreas da nossa vida.
A negação é a parte da nossa doença que
dificulta, chegando até a impossibilitar, o nosso
reconhecimento da realidade. Durante a nossa
adicção, a negação protegia-nos de termos de
encarar a realidade em que se haviam tornado as
nossas vidas. Chegávamos até a dizer que, se nos
fossem dadas certas condições, ainda
conseguiríamos vir a controlar as nossas vidas.
Sempre muito talentosos a defender as nossas ações,
recusávamo-nos a aceitar a responsabilidade dos
danos causados pela nossa adicção. Acreditávamos
que, se nos empenhássemos um pouco mais, se
substituíssemos uma droga por outra, se trocássemos
de amigos, se mudássemos a nossa forma de viver e
as nossas ocupações, as nossas vidas iriam melhorar.
Todas estas racionalizações falharam, umas atrás das
outras, mas nunca as largámos. Negávamos ter
algum problema com drogas, não importa quantas
provas houvesse em contrário. Mentíamos a nós
mesmos, acreditando que poderíamos voltar a usar
de forma controlada. Apesar da destruição causada
pela nossa doença, justificávamos as nossas ações.
A parte espiritual da nossa doença, aquela
que eventualmente só conseguimos reconhecer
através do vazio ou da solidão que sentimos quando
deixámos as drogas, talvez seja para nós um dos
aspectos mais difíceis da adicção. Dado que esta
característica da nossa doença nos atinge tão
profunda e pessoalmente, podemos achar que é
impossível aplicar-lhe um programa de recuperação.
Por isso convém lembrarmo-nos de que ninguém
recupera de um dia para o outro.
8 Isto Resulta
Sempre que começamos a olhar para as
consequências da nossa doença, iremos decerto
constatar que perdemos o domínio sobre as nossas
vidas. Isso está patente em tudo aquilo que nelas há
de errado. Mais uma vez, as nossas experiências são
individuais e poderão variar muito de adicto para
adicto. Para alguns de nós essa falta de domínio é
visível no nosso descontrole emocional ou nos
sentimentos de culpa pelo nosso uso de drogas.
Alguns de nós perderam tudo: as famílias, os
empregos, coisas materiais, assim como o nosso
respeito próprio. Alguns de nós nunca chegaram a
aprender a funcionar como seres humanos. Alguns
de nós passaram por cadeias ou instituições. E
alguns de nós estiveram muito perto da morte. Sejam
quais forem as nossas circunstâncias individuais, as
nossas vidas têm sido dominadas por um
comportamento obsessivo, compulsivo e egoísta. E
o resultado final tem sido uma vida desgovernada.
Talvez tenhamos chegado a NA sem a
capacidade para reconhecer os nossos próprios
problemas. Dado o nosso egocentrismo, fomos
muitas vezes os últimos a compreender que éramos
adictos. Muitos de nós fomos persuadidos por
amigos ou por familiares a começar a ir a reuniões
de NA. Outros receberam um encorajamento ainda
maior dos tribunais. Seja como for, as nossas velhas
ilusões tiveram de ser quebradas. E para
conseguirmos enfrentar a verdade da nossa adicção,
foi preciso substituir a negação pela honestidade.
Muitos de nós ainda se lembram daquele
momento de lucidez quando nos vimos confrontados
com a nossa doença. Todas as mentiras, todas as
máscaras, todas as racionalizações que havíamos
utilizado para justificar as situações criadas pelo
nosso uso de drogas, tinham deixado de funcionar.
Tornou-se mais claro quem nós éramos e aquilo que
Primeiro Passo 9
éramos. Já não conseguíamos evitar a verdade por
mais tempo.
Descobrimos que não conseguimos recuperar
sem a capacidade de sermos honestos. Muitos de nós
chegámos a NA depois de passarmos anos e anos a
praticar a desonestidade. No entanto, podemos
aprender a ser honestos e devemos começar a fazer
um esforço. Aprender a ser honesto constitui um
processo contínuo; a pouco e pouco, conseguimos
tornar-nos mais honestos, à medida que praticamos
os passos e nos mantemos limpos. No Primeiro
Passo começamos a praticar o princípio espiritual da
honestidade ao admitirmos a verdade acerca do
nosso uso de drogas. Logo a seguir admitimos a
verdade acerca das nossas vidas. Enfrentamos a vida
como ela é. e não a forma como as coisas poderiam
ou deveriam ter sido. Não importa de onde vimos,
ou quão bons ou maus julguemos ter sido; quando
finalmente nos viramos para Narcóticos Anônimos e
para os Doze Passos, começamos a sentir um alívio.
Quando começamos a praticar o Primeiro
Passo, é importante que coloquemos a nós próprios
algumas questões fundamentais: Será que consigo
controlar o meu uso de drogas? Estou disposto a
parar de usar? Estou disposto a fazer tudo aquilo que
for necessário para recuperar? Sendo-nos dada a
escolha entre encontrar um novo modo de vida em
NA ou prosseguir na nossa adicção, começamos a
sentir-nos atraídos pela recuperação.
Começamos a largar as reservas, aquilo que nos
impede de nos rendermos ao programa. No início, ao
deixarmos as drogas, a maioria de nós tem de facto
certas reservas. Mesmo assim, precisamos de
encontrar maneiras de lidar com elas. Essas reservas
podem ser muito diferentes: acreditarmos que ainda
poderemos usar uma determinada droga, só porque
nunca tivemos problemas com ela; impormos
10 Isto Resulta
condições à nossa recuperação, tais como
permanecermos limpos apenas enquanto as nossas
expectativas forem atendidas; acreditarmos que
podemos continuar envolvidos com pessoas ligadas
à nossa adicção; acreditarmos que poderemos voltar
a usar depois de algum tempo limpos; ou
decidirmos, consciente ou inconscientemente,
praticar apenas alguns dos passos. Com a ajuda de
outros adictos em recuperação, torna-se possível
encontrar maneiras de ultrapassar as nossas reservas.
A coisa mais importante que precisamos de saber é
que, se mantivermos tais reservas, estaremos a
deixar lugar no nosso programa para uma recaída.
A recuperação começa com a aplicação dos
princípios espirituais contidos nos Doze Passos de
NA em todas as áreas das nossas vidas. Contudo, não
podemos iniciar este processo sem parar de usar
drogas. A abstinência total de qualquer tipo de
drogas é o único modo que nos permite começar a
suplantar a nossa adicção. E a abstinência é só o
início. A nossa única esperança de recuperação
reside numa profunda mudança emocional e
espiritual.
A nossa experiência mostra-nos que, para
alcançar esse precioso dom de recuperação, é
preciso que estejamos dispostos a fazer tudo aquilo
que for necessário. Em recuperação ser-nos-ão
apresentados princípios espirituais, como a rendição,
a honestidade e a aceitação, princípios esses
exigidos para a prática do Primeiro Passo. Se os
praticarmos com sinceridade, eles irão transformar a
nossa forma de ver as coisas e de viver a vida.
Quando começamos a praticar estes
princípios, eles até poderão parecer estranhos e
artificiais. Aliás, poderá ser necessário fazermos um
esforço deliberado para a admissão honesta pedida
pelo Primeiro Passo. Embora estejamos a admitir a
Primeiro Passo 11
nossa adicção, poderemos ainda ter dúvidas quanto
à eficácia deste programa. A aceitação da nossa
adicção ultrapassa a nossa admissão consciente.
Afinal, ganhamos a esperança de recuperação
quando aceitamos a nossa adicção. Começamos a
acreditar, a um nível mais profundo, que também
nós podemos recuperar. Começamos a perder as
nossas dúvidas e a aceitar a nossa doença. Ficamos
abertos à mudança. Rendemo-nos.
À medida que trabalhamos o Primeiro Passo,
descobrimos que afinal rendermo-nos não é bem
aquilo que julgávamos. Se calhar, no passado,
achávamos que a rendição era coisa de gente fraca e
cobarde. Para nós só havia duas escolhas: continuar
a lutar para controlar o nosso uso ou ceder
completamente, deixando as nossas vidas
despedaçarem-se. Travámos como que uma batalha
para controlar o nosso uso e parecia que, se nos
rendêssemos, as drogas sairiam vencedoras. Em
recuperação, descobrimos que rendermo-nos
implica largarmos as nossas reservas em relação à
recuperação e dispormo-nos a tentar um novo modo
de vida. O processo de entrega é tão pessoal que só
nós, enquanto indivíduos, é que saberemos quando o
fizermos. Sublinhamos assim a importância da
entrega, porque é esse processo que nos permite
recuperar. Quando nos rendemos, sentimos por
dentro que já tivemos o suficiente. Estamos fartos de
lutar. Quando compreendemos, finalmente, que essa
luta terminou, sentimos um imenso alívio.
Por mais dura que tenha sido essa luta, só
chegamos ao ponto de nos rendermos quando
compreendemos que sozinhos não conseguiríamos
parar de usar drogas. Fomos capazes de admitir a
nossa impotência perante a nossa adicção.
Entregámo-nos completamente. Apesar de não
sabermos exatamente o que iria acontecer, reunimos
12 Isto Resulta
coragem e admitimos a nossa impotência.
Desistimos da ilusão de conseguir controlar o nosso
uso e abrimos assim as portas à recuperação.
Muitos de nós iniciam o processo de rendição
quando, numa reunião de NA, nos identificamos
pelo nosso nome próprio e pela frase "sou um
adicto". A partir do momento em que admitimos que
somos adictos e que sozinhos não somos capazes de
parar de usar, conseguimos manter-nos limpos,
numa base diária, com a ajuda de outros adictos em
recuperação em Narcóticos Anônimos. O paradoxo
desta admissão torna-se evidente quando
começamos a praticar o Primeiro Passo. Enquanto
nos julgámos capazes de controlar o nosso uso de
drogas, fomos quase que forçados a continuar, mas
assim que admitimos a nossa impotência, nunca
mais precisámos de voltar a usar. Esta liberdade
constitui a dádiva mais importante que poderíamos
receber, pois essa é a salvação das nossas vidas.
Através da nossa experiência coletiva,
descobrimos que juntos conseguimos aquilo que
seria impossível obter sozinhos. É necessário que
procuremos a ajuda de outros adictos em
recuperação. Ao assistirmos regularmente a
reuniões, sentimos um grande conforto quando
ouvimos as experiências daqueles que nos
acompanham neste mesmo caminho. A maioria de
nós descreveu o seu encontro com NA como um
"chegar a casa". Ao sentirmos que somos bem-
vindos e aceites por outros adictos em recuperação,
sentimos também que encontrámos finalmente um
lugar ao qual pertencemos.
Embora saibamos que teremos o apoio das
partilhas que ouvimos nas reuniões, precisamos de
encontrar um padrinho ou madrinha que nos ajude
na nossa recuperação. Ele ou ela poderá então
partilhar conosco a sua experiência com os passos, a
Primeiro Passo 13
começar pelo Primeiro Passo. Escutar essa
experiência e aplicá-la à nossa própria vida é o modo
de usufruir de um dos aspectos mais bonitos e mais
práticos da recuperação: o valor terapêutico da ajuda
de um adicto a outro. Nas nossas reuniões ouvimos
muitas vezes dizer que, "sozinho não consigo, mas
juntos conseguimos". Trabalhar ativamente com um
padrinho ou madrinha irá dar-nos alguma
experiência direta disso. Ao desenvolvermos a nossa
relação com o nosso padrinho ou madrinha,
aprendemos a confiar noutra pessoa; ao seguirmos
as suas sugestões, em vez das nossas próprias ideias,
aprendemos os princípios da boa-vontade e da mente
aberta. O nosso padrinho ou madrinha é a pessoa que
nos ajudará a trabalhar os passos da recuperação.
Falarmos honestamente com o nosso padrinho
ou madrinha acerca do nosso uso de drogas e do
modo como isso afetou as nossas vidas, ajudar-nos-
á a trabalhar minuciosamente o Primeiro Passo.
Precisamos sempre de nos lembrar de onde vimos e
até onde a nossa adicção nos levou. A nossa
libertação da adicção ativa é apenas diária. Em cada
dia, temos de aceitar o facto de que não
conseguiremos ser bem-sucedidos se usarmos
drogas.
O processo de recuperação não é fácil. Exige
muita coragem e persistência para prosseguir na
recuperação, dia após dia. Mas parte do processo de
recuperação está em avançarmos apesar dos
obstáculos que possam surgir. As mudanças
duradouras em recuperação dão-se lentamente.
Teremos, por isso, de voltar vez após vez ao
Primeiro Passo.
Nem mesmo os longos períodos de abstinência
garantem-nos a libertação da dor e dos problemas
que a adicção pode trazer. Os sintomas da nossa
doença podem sempre voltar e podemos descobrir
14 Isto Resulta
que somos impotentes em áreas que nunca
imaginámos. Começamos então a compreender
como tudo aquilo que tanto nos esforçamos por
controlar está, na verdade, completamente fora do
nosso controle. Não importa como a nossa doença
possa apresentar-se, devemos ter em conta a sua
natureza implacável. Ao fazê-lo, desenvolvemos
uma consciência mais completa dessa natureza.
A doença da adicção pode manifestar-se
através de uma grande variedade de obsessões
mentais e de ações compulsivas que em nada se
relacionam com drogas. Podemos dar por nós
obcecados e a ter comportamentos compulsivos com
coisas com as quais nunca havíamos tido problemas
até largarmos as drogas. Mais uma vez podemos
estar a tentar preencher o horrível vazio que
sentimos com algo que se encontra fora de nós.
Sempre que nos encontrarmos a utilizar algo para
tentar modificar o modo como nos sentimos,
precisamos de aplicar os princípios do Primeiro
Passo.
Nunca estamos livres de ver as nossas vidas
tornarem-se desgovernadas, mesmo após anos de
recuperação. Se os problemas se acumularem e os
nossos recursos para lidar com eles diminuírem,
podemos vir a sentir que estamos fora de controle e
em demasiada dor, e que dificilmente
conseguiremos fazer algo de construtivo por nós
próprios. Nesses momentos sentimo-nos
ultrapassados pela vida e essa sensação parece piorar
ainda mais as coisas. Quando as nossas vidas
parecem estar a cair aos pedaços, concentramo-nos
de novo nas bases do programa de NA: mantemo-
nos em contato com o nosso padrinho ou madrinha,
trabalhamos os passos e vamos a reuniões. Voltamos
a render-nos, sabendo que a vitória está em
admitirmos a derrota.
Primeiro Passo 15
A sensação de amor e de aceitação que
encontramos na irmandade de Narcóticos Anônimos
permite-nos começar a recuperar da nossa adicção.
Aprendemos um novo modo de vida. O vazio de que
sofríamos é preenchido através da prática e da
vivência dos Doze Passos. Aprendemos que este
programa simples está a tratar toda a complexidade
da nossa adicção. Encontramos uma solução para o
nosso desespero.
O nosso programa de recuperação tem uma
natureza profundamente espiritual. Os Doze Passos
de Narcóticos Anônimos levar-nos-ão numa viagem
que irá por certo exceder as nossas expectativas.
Praticar e viver os passos conduz-nos a um despertar
espiritual. O Primeiro Passo é o início dessa viagem
espiritual. Para isso, teremos de estar dispostos a
entregar-nos a este programa e aos seus princípios,
pois o nosso futuro depende da nossa boa vontade
para crescer espiritualmente.
Estamos a iniciar um novo modo de vida,
que abre as portas a grandes alegrias e à felicidade.
No entanto, a recuperação não nos livra da dor. A
vida tal como ela é combina momentos de alegria
com momentos de tristeza. Acontecimentos
maravilhosos misturam-se com situações dolorosas.
Vamos, por isso, experimentar uma enorme
variedade de sentimentos relacionados com tudo
aquilo que for acontecendo nas nossas vidas.
Ao olharmos com honestidade para as pessoas
em quem nos tornámos ao longo da nossa adicção,
reconhecemos a impotência e a falta de domínio
sobre as nossas vidas. Mas ao ultrapassarmos as
nossas reservas, aceitamos a nossa adicção,
rendemo-nos e experimentamos então a esperança
que a recuperação oferece. Compreendemos que já
não podemos continuar no caminho em que
estávamos. Estamos prontos para uma mudança e
16 Isto Resulta
dispostos a tentar um outro caminho. Com a nossa
boa-vontade prosseguimos para o Segundo Passo.
17
Segundo Passo
"Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos
poderia devolver-nos à sanidade."
Quando nos rendemos no Primeiro Passo,
ficámos com uma enorme necessidade de acreditar
que podemos recuperar. Essa rendição faz com que
possamos sentir esperança. Ao admitirmos a nossa
impotência, abrimos as nossas mentes a uma ideia
inteiramente nova: a possibilidade de algo superior a
nós próprios ser suficientemente poderoso para
aliviar a nossa obsessão pelo uso de drogas. É
bastante provável que, antes de chegarmos a NA,
muitos de nós nunca tivessem acreditado em poder
algum, salvo na nossa própria força de vontade, e
esta também nos falhou. NA abre-nos as portas a
uma nova concepção. Com esta concepção
ganhamos mais esperança, começamos a
compreender o que significa acreditar que um Poder
Superior a nós mesmos pode devolvermos à
sanidade. A nossa esperança aumenta quando
ouvimos outros adictos em recuperação. Podemos
identificar-nos com o seu passado e, através do seu
exemplo presente, fazer crescer a nossa esperança.
Nas reuniões, escutamos atentamente e adquirimos a
boa-vontade para aplicar nas nossas vidas aquilo que
ouvimos. À medida que começamos a acreditar que
existe esperança para nós, começamos também a
confiar no processo de recuperação.
O nosso Pequeno Livro Branco afirma: "Há
uma coisa que mais do que tudo irá derrotar-nos na
nossa recuperação: trata-se de uma atitude de
indiferença ou de intolerância para com princípios
espirituais. Três destes, que são indispensáveis, são
a honestidade, a mente aberta e a boa-vontade." Mas
18 Isto Resulta
isto não significa que tenhamos de ser infalivelmente
honestos, de mente aberta e com boa-vontade.
Apenas temos de tentar praticar estes princípios o
melhor que pudermos. Quando trabalhamos pela
primeira vez o Segundo Passo, podemos praticar o
princípio da honestidade ao reconhecermos e
partilharmos aquilo em que acreditamos, ou não,
acerca de um Poder Superior a nós próprios.
Desenvolver uma mente aberta exige algum esforço,
mas podemos praticar este princípio ao escutarmos
outros adictos em recuperação partilharem sobre
como vieram a acreditar. Para muitos de nós, a boa-
vontade para tentar algo novo surgiu simplesmente
porque já estávamos cansados dos velhos caminhos.
Pareceu-nos então que, dado que o nosso próprio
poder não era suficiente para nos devolver a nossa
sanidade, talvez algum outro conseguisse, se o
deixássemos.
Muitos de nós sentiam que insanidade era uma
palavra demasiado dura para descrever o nosso
estado. Contudo, se olharmos bem para a nossa
adicção ativa, veremos que o nosso comportamento
foi tudo menos sano. Na maioria das vezes as nossas
percepções nem sequer se baseavam na realidade.
Víamos o mundo que nos rodeava como um meio
hostil. Alguns de nós afastaram-se fisicamente e
tiveram pouco, ou nenhum, contato com outras
pessoas. Alguns de nós atravessaram a vida sem
deixar que nada os tocasse emocionalmente. Mas, de
qualquer forma, acabámos sempre por nos sentir
isolados. Embora houvesse provas em contrário,
ainda sentíamos que estávamos a controlar a
situação. Ignorávamos ou não acreditávamos nas
verdades que nos olhavam nos olhos, e continuámos
a fazer as mesmas coisas, na esperança de que os
resultados fossem diferentes.
Segundo Passo 19
O pior de tudo era que continuávamos a usar
drogas, fossem quais fossem as consequências
negativas. Apesar dos sinais de aviso mostrarem o
descontrole do nosso uso, continuávamos a tentar
justificá-lo. Com bastante frequência, chegávamos
ao ponto de não conseguir olhar para nós próprios.
Quando encaramos a realidade das nossas vidas, não
pode haver dúvidas de que precisamos
desesperadamente de ser devolvidos à sanidade.
Seja qual for a interpretação individual da
palavra "devolver", a maioria de nós concorda que
significa mudarmos para um ponto em que a
adicção, e a insanidade que a acompanha, não
estejam a controlar as nossas vidas. Ser devolvido à
sanidade constitui um processo para toda a vida. Este
processo varia de adicto para adicto, manifestando-
se de modo diferente ao longo das diversas fases da
nossa recuperação, mas todos nós podemos ver
alguns resultados deste processo assim que entramos
em recuperação. De início, ser devolvido à sanidade
significa não mais termos que usar drogas. Vamos a
reuniões em vez de nos isolarmos; falamos com o
nosso padrinho ou madrinha, em vez de ficarmos a
alimentar sentimentos dolorosos; pedimos-lhe ajuda
para trabalhar os passos, o que é uma verdadeira
demonstração de sanidade; começamos a acreditar
que uma força poderosa pode devolver-nos à
sanidade. Por fim, encontramos esperança para nós
mesmos.
"Vir a acreditar" constitui um processo. Para
alguns de nós é simples e poderá conduzir a
resultados imediatos. Muitos de nós chegaram a NA
tão derrotados que estavam dispostos a tentar
qualquer coisa. Procurar a ajuda de um Poder
Superior a nós próprios pode ter sido a melhor ideia
que alguma vez nos sugeriram. Contudo, este
processo de "vir a acreditar" pode também ser difícil,
20 Isto Resulta
doloroso até. Muitos de nós descobriram também
que poderá ajudar fingir que acreditamos, o que não
significa que devamos ser desonestos. O que isto
quer dizer é que, se tivermos dúvidas, praticamos o
programa como se acreditássemos realmente que
podemos ser devolvidos à sanidade.
Não é fácil conseguirmos acreditar num
Poder Superior a nós mesmos. Por isso, ao
praticarmos este passo, torna-se indispensável ter
uma mente aberta. Se olharmos à nossa volta,
podemos encontrar várias razões para acreditar nele.
O nosso acreditar pode ser simplesmente o acreditar
que podemos recuperar de uma vida de adicção
ativa. Ficarmos livres da obsessão para usar drogas
pode constituir a nossa primeira experiência de que
um Poder Superior a nós mesmos atua de facto nas
nossas vidas. Provavelmente pela primeira vez em
muitos anos, a nossa obsessão por drogas já não
controla a nossa existência. Saber que hoje não
precisamos de usar é, só por si, uma poderosa
certeza.
Através deste processo de "vir a acreditar"
começamos então a desenvolver a fé. É, pois, um
processo que se inicia com a esperança, que para
alguns de nós poderá ser um conceito muito vago,
talvez apenas o acharmos que praticar este programa
melhorará as nossas vidas. A medida que as nossas
vidas começam a melhorar, esta esperança
transforma-se em fé. Para muitos de nós a fé pode
ser descrita como o acreditar em algo que é
aparentemente incompreensível. Afinal, quem é que
consegue explicar logicamente a remoção súbita de
uma obsessão pelas drogas? E, no entanto, isso
aconteceu com muitos de nós. Iniciamos o processo
de vir a acreditar num Poder Superior a nós mesmos
ao desenvolvermos a esperança numa vida diferente
e a fé de que é possível recuperar.
Segundo Passo 21
Cada um de nós tem origens diferentes, e
vivemos também experiências diferentes. Por isso é
natural que tenhamos conceitos diferentes de
espiritualidade. Em NA ninguém é obrigado a
acreditar em quaisquer ideias feitas. Cada um de nós
pode acreditar naquilo que desejar. Este programa é
espiritual, mas não é uma religião. Cada um de nós
cultiva, pois, a sua própria crença num Poder
Superior a nós mesmos. Seja qual for a forma como
concebemos este Poder, a ajuda está ao dispor de
todos nós.
No princípio, muitos de nós viram-se para o
grupo, ou para o amor que encontram em Narcóticos
Anônimos, como sendo um Poder Superior. Um
grupo de NA é um forte exemplo desse Poder
Superior a nós mesmos em ação. E por vezes em
desespero que entramos numa sala cheia de adictos
que partilham conosco a sua experiência, força e
esperança. Quando os ouvimos, adquirimos a
certeza de que eles já sentiram o desespero e o
remorso que nós também sofremos. Conforme
observamos outros adictos praticarem um novo
modo de vida sem usar drogas, podemos vir a
acreditar que, também nós, iremos recuperar. Ver
outros adictos manterem-se limpos constitui mais
uma prova evidente da existência de um Poder
Superior a nós mesmos. Reparamos na aceitação que
os adictos em recuperação demonstram uns pelos
outros. Vemos adictos celebrarem tempos de
limpeza achando que é impossível nós alguma vez o
conseguirmos. Talvez haja alguém que nos abrace e
nos diga para voltarmos. E dão-nos números de
telefone e sentimos o poder do grupo; e tudo isso
ajuda-nos a começar a recuperar.
22 Isto Resulta
Muitos de nós utilizam os princípios
espirituais como um poder superior a nós mesmos.
Viemos a acreditar que, ao praticarmos estes
princípios nas nossas vidas, podemos ser devolvidos
à sanidade. Isto para nós faz sentido. Foram, afinal,
muitas as vezes em que tentámos optar por um novo
modo de vida. As nossas intenções eram geralmente
boas, mas a nossa existência, dia após dia, raramente
correspondia a tais intenções. Tentar um novo
caminho, praticando um modo de vida melhor, de
acordo com princípios espirituais, poderá ter efeito
sobre a nossa maneira de pensar.
Não é necessário definir para nós mesmos
todo o conceito de um Poder Superior. Aqueles de
nós com muitos anos de recuperação descobriram
que a concepção de um Poder Superior muda com o
passar do tempo. A nossa crença aumenta, bem
como a nossa fé. Viemos a acreditar num Poder que
pode ajudar-nos muito mais do que pensávamos no
início.
À medida que procuramos entender esse
Poder Superior, podemos falar com o nosso
padrinho ou madrinha, e com outros adictos em
recuperação. Podemos perguntar-lhes qual é a sua
concepção de um Poder Superior e como é que
chegaram a ela. Isso poderá abrir-nos possibilidades
que não tínhamos considerado antes.
Embora seja útil perguntar aos outros quais
são as suas convicções espirituais, devemos lembrar-
nos de que a concepção de um Poder Superior diz
respeito a cada um de nós. Os outros podem ajudar-
nos e nós podemos até adoptar as ideias de alguém
durante algum tempo, ou apenas acreditar que eles
acreditam. Mas eventualmente precisamos de vir a
acreditar por nós próprios. A necessidade de
possuirmos o nosso próprio sentido de
espiritualidade é demasiado vital para a nossa
Segundo Passo 23
recuperação para que descuremos este processo tão
pessoal.
Para nós, parte do processo de "vir a acreditar"
está na aceitação das evidências que temos pela
frente. A nossa adicção fez-nos negar as verdades
que víamos, mas, agora que estamos em
recuperação, já podemos acreditar naquilo que
vemos. No começo, abrimos as nossas mentes,
experimentamos algo novo, acreditando que de
algum modo aquilo que tentamos poderá resultar.
Depois de darmos uns pequenos passos em direção
à fé, de começarmos a confiar, e de vermos os
resultados obtidos, dispomo-nos a dar uns passos
maiores. Constatamos então que já não estamos a
agir apenas como se acreditássemos. A nossa
convicção está agora reforçada com a nossa própria
experiência pessoal, que nem sempre é explicável.
Por vezes descobrimos nas nossas vidas
coincidências extraordinárias, que não têm uma
explicação racional. Não precisamos de explicar ou
de analisar estas ocorrências. Basta-nos aceitar que
acontecem e estar gratos por elas.
Quanto mais tempo nos mantivermos limpos,
mais evidente se tornará este facto: a nossa adicção
vai mais além do que as drogas que usámos. Grande
parte do nosso problema parece centrar-se na
procura de algo que nos faça sentir bem. Dada a
natureza egocêntrica da nossa doença, deixarmos de
confiar no nosso próprio raciocínio constitui uma
tremenda luta. No entanto, as nossas mentes estão a
abrir-se. Ao constatarmos que não temos todas as
respostas, começamos a sentir um pouco de
humildade. Podemos não alcançar todo o significado
de se ser humilde, mas a nossa mente aberta
assegura-nos de que encontrámos e começámos a
pôr em prática essa valiosa qualidade.
24 Isto Resulta
A nossa humildade e a nossa mente aberta
dão-nos a possibilidade de aprender. Deixamos que
os outros partilhem conosco aquilo que resultou com
eles, o que exige humildade, pois somos obrigados a
abandonar o nosso receio de como iremos parecer
perante eles. Algumas das sugestões mais fortes que
podemos receber de outros adictos são: ir a reuniões,
pedir ajuda, rezar, e trabalhar os passos. A nossa
experiência mostrou-nos que acreditar num Poder
Superior leva-nos à recuperação em Narcóticos
Anônimos. As pessoas tendem a viver aquilo em que
acreditam e a nossa fé recém-encontrada leva-nos a
viver o programa. Seja qual for a nossa escolha
pessoal de Poder Superior, viemos a acreditar que
NA resulta. Vivemos, pois, aquilo em que
acreditamos, prosseguindo o nosso caminho de
recuperação e trabalhando os Doze Passos o melhor
que pudermos.
Mesmo já com alguns anos de limpeza, tendo
estado a praticar um programa de recuperação e a
procurar mudar, por vezes podemos atravessar
períodos em que a vida parece não ter sentido.
Podemos sentir-nos alienados e com demasiada dor
para poder ser ignorada. Nesses momentos,
podemos achar que estamos a afastar-nos da
sanidade e não a caminhar em direção a ela;
podemos começar a questionar o nosso
compromisso com a recuperação; podemos tornar-
nos obcecados com pensamentos autodestrutivos;
podemos sentir um impulso para escolher aquilo que
nos parece mais fácil. Estes são os comportamentos
familiares da nossa adicção. Nessas alturas
precisamos de renovar o nosso compromisso para
com a recuperação. Acreditamos que estamos a
viver uma mudança fundamental, embora ainda não
possamos compreender todas as suas implicações
nas nossas vidas. Por muito doloroso que seja, temos
Segundo Passo 25
de mudar. Se acreditarmos que, apesar da dor, existe
crescimento, será mais fácil atravessar estes
períodos difíceis.
Nessas ocasiões, confiar no Segundo Passo
devolve-nos a esperança e lembra-nos de que não
estamos sozinhos. Se as coisas não estiverem bem,
paramos para pensar e procurar as sugestões do
nosso padrinho ou madrinha. Acreditamos que, com
a ajuda de outros adictos em recuperação e de um
Poder Superior a nós mesmos, poderemos ser
devolvidos à sanidade em todas as áreas da nossa
vida. Baseamo-nos em tudo aquilo que aprendemos
nas reuniões e na ajuda que pedimos. Acreditamos
que a vida nem sempre será como nós a queremos e
que, mais importante ainda, nem sempre iremos
compreendê-la. Por vezes, sanidade significa não
agirmos de acordo com os nossos primeiros
impulsos. Começamos a fazer escolhas que nos
ajudam, em vez das que nos magoam. Aquilo que
resultou para nós no princípio ainda se aplica, os
anos de limpeza não importam e, mais uma vez,
voltamos a aplicar-nos nos pontos básicos deste
programa: ir a reuniões, ajudar os outros e trabalhar
os passos. Embora possamos sentir-nos
desesperados, a esperança existe e temos um Poder
Superior a nós mesmos sempre ao nosso dispor.
Juntamente com a esperança que alcançámos com a
prática do Segundo Passo, verificamos que a nossa
maneira de pensar está a sofrer uma mudança
radical. O mundo inteiro parece diferente. Se no
passado não havia motivos para ter esperança,
existem agora todas as razões para esperar uma
mudança drástica nas nossas vidas. Uma mente
aberta permite-nos assimilar ideias novas,
desligando-nos do problema, e caminhar em direção
a uma solução espiritual.
26 Isto Resulta
Esta solução é comprovada pela nossa mente
aberta e também pela nossa boa-vontade em
acreditar num Poder Superior a nós mesmos.
Devemos agora prosseguir para o Terceiro Passo,
que nos permitirá desenvolver uma relação com o
Deus da nossa concepção.
27
Terceiro Passo
"Decidimos entregar a nossa vontade e as nossas vidas
aos cuidados de Deus, na forma em que o concebíamos."
A rendição que efetuamos no Primeiro
Passo, juntamente com a esperança e a fé que
encontramos no Segundo Passo, preparam-nos para
continuar o caminho que nos conduz em direção à
liberdade em Narcóticos Anônimos. No Terceiro
Passo pomos em ação a nossa crença num Poder
Superior, ao tomarmos a decisão de entregar a nossa
vontade e as nossas vidas aos cuidados do Deus da
nossa concepção.
A nossa boa-vontade é essencial ao
trabalharmos o Terceiro Passo, para assim
deixarmos que o Deus da nossa concepção entre nas
nossas vidas. E só com o tempo que desenvolvemos
essa boa-vontade. A boa-vontade que sentimos no
início da nossa recuperação é valiosa, apesar de ter
alguns limites. Embora nessa altura possa parecer a
mais incondicional das boas-vontades, muitos de nós
descobrem que ela vai crescendo à medida que
aprendemos a confiar num Poder Superior a nós
mesmos.
A decisão que tomamos no Terceiro Passo
requer que abandonemos as nossas atitudes de
vontade própria. Esta vontade própria é
caracterizada por uma mente fechada, má vontade,
egocentrismo e um desprezo total pelos outros. A
nossa obsessão egocêntrica e a insanidade que a
acompanha tornaram as nossas vidas desgovernadas;
ao agirmos em vontade própria, ficámos presos num
ciclo vicioso de medo e de dor.
Terceiro Passo 28
Cansados das tentativas infrutíferas para
controlar tudo e todos, não deixávamos que a vida
corresse por si e estávamos sempre à procura de
maneiras de forçar as coisas a serem como nós
queríamos.
Quando encaramos pela primeira vez a
decisão que é preciso tomar neste passo, é natural
que tenhamos perguntas, incertezas e até receios,
quanto ao que nos pedem para fazer. Podemos ter
curiosidade em saber porque é que temos de tomar a
decisão de entregar a nossa vontade e as nossas vidas
aos cuidados do Deus da nossa concepção. Ou
podemos imaginar o que é que irá acontecer conosco
se nos colocarmos sob os cuidados de Deus.
Podemos recear não vir a ser felizes com o que as
nossas vidas possam tornar-se depois de
trabalharmos este passo.
Apesar dos nossos receios ou incertezas,
quando acreditamos que a ação conduz ao
crescimento, estamos aptos a praticar o Terceiro
Passo. Mesmo se, à medida que formos trabalhando
este passo, não soubermos de que modo é que as
nossas vidas irão mudar, podemos aprender a
acreditar que o nosso Poder Superior cuidará de nós
melhor do que nós próprios o faríamos. O Terceiro
Passo é, pois, o nosso compromisso com o nosso
próprio bem-estar emocional, físico e espiritual.
Aquilo que começou no Segundo Passo como
uma crença num Poder Superior, pode tornar-se,
neste Terceiro Passo, numa relação mais completa
com o Deus da nossa concepção. A decisão que
tomamos ao trabalhar este passo, e a relação que daí
advém, prometem transformar profundamente a
nossa existência.
Esta decisão é mais fácil de tomar do que de
viver. Podemos facilmente recair em velhos
comportamentos. Para mudar é necessário
29 Isto Resulta
determinação, tempo e coragem. Como não somos
perfeitos, continuamos muito simplesmente a
reafirmar a nossa decisão com regularidade, fazendo
o melhor que pudermos para viver de acordo com
ela. A entrega completa e incondicional da nossa
vontade e das nossas vidas é um ideal que nos
propomos a realizar. Embora não nos tornemos
perfeitos, acabamos por alcançar uma mudança
profunda ao praticar este passo. Estamos a fazer um
esforço sério para viver de uma forma diferente do
passado. De agora em diante vamos praticar esta
decisão, o que poderá alterar radicalmente o modo
como nos relacionamos com o mundo à nossa volta.
Ao trabalharmos o Terceiro Passo,
começamos a aprender a parar de lutar. Aprendemos
então a entregar e a confiar no Deus da nossa
concepção. Se pararmos para pensar e para pedir
ajuda antes de agir, não mais teremos de seguir a
nossa vontade egocêntrica. A entrega da nossa
vontade e das nossas vidas aos cuidados do nosso
Poder Superior oferece uma solução para os
problemas criados por uma vida baseada em vontade
própria, ressentimento e controle.
Os princípios espirituais que estamos a
praticar vão guiar-nos no Terceiro Passo, assim
como ao longo da nossa recuperação. Os primeiros
três passos estabelecem a base espiritual sólida de
que iremos necessitar para trabalhar os restantes
passos. A nossa rendição inicial é mantida viva
através da prática da fé e da boa-vontade, tão
necessárias para se trabalhar o Terceiro Passo. Por
outras palavras, admitimos a nossa impotência e a
nossa incapacidade para lidar com as nossas vidas.
Viemos a acreditar, e agora precisamos de nos
entregar aos cuidados do Deus da nossa concepção.
Se nos lembrarmos de onde viemos e
acreditarmos que o nosso futuro será agora muito
Terceiro Passo 30
diferente, podemos encontrar a boa-vontade para
trabalhar o Terceiro Passo. Embora não saibamos ao
certo qual será essa "diferença", sabemos que será
certamente melhor do que no nosso passado.
Confiamos na nossa fé e acreditamos que esta
decisão é uma das melhores que alguma vez
tomámos.
Entregar a nossa vontade e as nossas vidas aos
cuidados do Deus da nossa concepção constitui uma
tremenda decisão. É, pois, natural que nos
interroguemos quanto à forma como é suposto pôr
em prática esta decisão. Dado que variam as nossas
convicções num Poder Superior a nós mesmos, não
existe uma maneira exclusiva de pôr a nossa decisão
em prática. Mesmo assim, encontrámos algumas
formas que todos nós podemos utilizar para chegar a
uma compreensão pessoal do Terceiro Passo. Ou
seja: prosseguirmos os nossos esforços para
desenvolver uma relação pessoal com um Deus da
nossa concepção; desistirmos dos nossos esforços
para controlar tudo à nossa volta; deixarmos de
tentar controlar as dificuldades que têm pesado sobre
nós e entregarmo-las aos cuidados de um Poder
Superior. Ou então, outra forma de praticarmos a
nossa decisão do Terceiro Passo é avançarmos na
nossa recuperação trabalhando os restantes passos.
O nosso padrinho ou madrinha irá guiar-nos na
aplicação dos princípios espirituais da recuperação,
mostrando-nos como desviar a nossa atenção do
egoísmo e dirigi-la para uma vida espiritualmente
centrada.
À medida que nos preparamos para tomar esta
decisão, falamos com o nosso padrinho ou madrinha,
vamos a reuniões de passos, e aproveitamos para
partilhar com outros membros de NA. Reunimos
todos os conhecimentos, perspectivas e experiências
que conseguimos destas fontes. Tomamos então a
31 Isto Resulta
nossa própria decisão. Ninguém pode fazê-lo por
nós - vamos ter de decidir isso conscientemente por
nós próprios. Claro que não é uma decisão que seja
tomada só com o intelecto. Na verdade, é uma
escolha feita com o coração, uma decisão baseada
muito mais no sentimento e no desejo, do que num
raciocínio deliberado. Apesar de poder parecer
difícil o caminho que vai da mente ao coração,
trabalharmos este passo com o nosso padrinho ou
madrinha ajudará a que esta decisão se torne uma
parte de nós próprios.
A procura de um Deus da nossa concepção
constitui um dos trabalhos mais importantes que
iremos empreender em recuperação. Temos inteira
liberdade e escolha pessoal para escolher a forma
como entendemos o nosso Poder Superior. Cada um
de nós pode encontrar o seu próprio Poder Superior,
que faz por nós aquilo que nós não conseguimos
fazer sozinhos. E como somos impotentes perante a
nossa adicção, precisamos da ajuda de um Poder
Superior a nós mesmos.
Tal como é ilimitada a nossa liberdade para ter
um Deus da nossa própria concepção, assim também
o é a nossa liberdade para comunicar com o nosso
Poder Superior, da forma que melhor resultar para
nós. Sempre que comunicarmos com o nosso Poder
Superior, seja simplesmente através dos nossos
pensamentos ou em voz alta no fecho de uma
reunião, estamos a rezar. A maioria de nós pede
diariamente orientação ao seu Poder Superior.
A nossa relação com um Poder Superior
fortalece-se sempre que praticamos a fé. A nossa
experiência diz que falar com um Poder Superior a
nós mesmos resulta. Quando estivermos a ter
problemas numa determinada área da nossa vida,
quando nos sentirmos incapazes de permanecer
limpos, o nosso Poder Superior pode ajudar. Basta-
Terceiro Passo 32
nos pedir. Através das nossas orações pedimos a um
Poder Superior a nós mesmos que cuide de nós. Cada
vez que o fizermos fortalecemos a nossa fé e também
a nossa decisão de confiar nesse Poder.
O Terceiro Passo não evita que tenhamos de
agir; apenas nos liberta da excessiva preocupação
com os resultados. Se quisermos algo - um emprego,
um curso, recuperação - temos de nos esforçar para
o conseguir. O nosso Poder Superior cuidará das
necessidades espirituais, mas nós temos de participar
nas nossas próprias vidas. Não podemos
simplesmente cruzar os braços e ficar à espera que
Deus trate de tudo. Somos responsáveis pela nossa
recuperação.
A nossa vida é para ser vivida. Por muito
sinceros que sejam os nossos esforços para "entregar
as coisas", iremos cometer erros, desviar-nos do
caminho e atravessar momentos de dúvida. No
entanto, cada revés é acompanhado de uma nova
oportunidade para renovarmos o nosso compromisso
de viver segundo princípios espirituais. Parte deste
processo de entrega à vontade de Deus está na nossa
própria entrega a princípios espirituais como a
honestidade, a mente aberta, a boa-vontade, a
confiança e a fé. Tentamos compatibilizar as nossas
ações com aquilo que acreditamos que seria o desejo
do nosso Poder Superior para nós. Estaremos então
a lidar com a vida conforme ela se vai desenrolando.
Podemos hesitar em aplicar o Terceiro Passo
em todas as áreas da nossa vida, especialmente em
assuntos que queiramos controlar. A nossa
experiência mostra-nos que temos tendência para
nos agarrar a determinadas áreas. É provável que
tenhamos pensamentos do género, "Eu consigo
controlar bem as minhas finanças.", ou, "Se a minha
relação funciona, porque é que preciso de a entregar
aos cuidados do meu Poder Superior?" Aplicar o
33 Isto Resulta
Terceiro Passo apenas em certas áreas da nossa vida
afeta negativamente o nosso desenvolvimento
espiritual. Já vimos que a nossa recuperação
beneficia quando praticamos o princípio da entrega,
o melhor que pudermos, em todas as áreas das nossas
vidas. Esforcemo-nos, pois, por praticar este passo
minuciosamente.
Começamos assim a vislumbrar resultados
positivos da decisão que tomámos e a notar
mudanças. Embora as circunstâncias das nossas
vidas possam não mudar, a forma como lidamos com
essas circunstâncias muda bastante. Como tomámos
a decisão de permitir que princípios espirituais se
apliquem nas nossas vidas, podemos sentir-nos
aliviados. Aliás, já estamos a ser aliviados de um
fardo que carregámos durante demasiado tempo: a
necessidade de controlar tudo e todos. Começamos
a reagir de modo diferente às situações e às pessoas
que nos rodeiam. À medida que vamos sentindo
mais aceitação, deixamos de lutar contra a vida tal
como ela é. Ao nos esforçarmos por manter e
construir algo, a partir da nossa rendição,
conseguimos viver melhor e gozar cada momento da
vida.
Para alguns de nós a decisão de entregar a
nossa vontade e as nossas vidas aos cuidados do
Deus da nossa concepção constitui um processo, não
algo que acontece de repente. Contudo, ao tomarmos
essa decisão, comprometemo-nos a praticar este
passo nas nossas vidas. Quando nos sentimos
tentados a manipular uma dada situação, lembramo-
nos desta decisão e entregamos. Quando nos
apercebemos de que estamos a tentar controlar algo
ou alguém, paramos e pedimos antes a um Deus
amantíssimo que nos ajude a praticar este passo.
Não é fácil renunciar ao controle, mas com
ajuda podemos fazê-lo. Com a orientação do nosso
Terceiro Passo 34
padrinho ou madrinha, e com uma prática diária,
iremos decerto aprender a afastar os nossos egos do
caminho, permitindo que o nosso Poder Superior
possa entrar nas nossas vidas. Cada vez que
sentirmos receio de uma situação, podemos virar-
nos para este passo e encontrar a forma de
ultrapassar esse receio sem recorrer aos nossos
velhos hábitos.
A recuperação não nos livra de viver situações
dolorosas. Em certos momentos da nossa vida
podemos ter de chorar a morte de alguém querido,
ou ter de lidar com o fim de uma relação. Quando
isso acontece, sentimo-nos magoados e não há
nenhuma dose de consciência espiritual que remova
a nossa dor. No entanto, descobrimos que a presença
de um Poder Superior amantíssimo, que se preocupa
conosco, irá ajudar-nos a atravessar a dor limpos.
Podemos descobrir que somos capazes de sentir a
presença do nosso Poder Superior no grupo, nos
nossos amigos, e ao falarmos com o nosso padrinho
ou madrinha. Ao escutarmos esse Poder começamos
a acreditar e a confiar nele. Podemos então deixar de
questionar porque é que acontecem coisas dolorosas
e a acreditar que atravessar momentos difíceis nas
nossas vidas pode fortalecer a nossa recuperação.
Apesar da nossa dor, ou talvez como reação a ela,
podemos crescer.
A recuperação é um processo de descoberta.
Aprendemos acerca de nós próprios e aprendemos a
lidar com o mundo à nossa volta. Quando somos
sinceros no nosso desejo de permitir que o nosso
Poder Superior cuide de nós, começamos a ganhar
uma sensação de serenidade. Verificamos uma
mudança gradual na nossa maneira de pensar. As
nossas atitudes e ideias tornam-se mais positivas. O
nosso mundo deixa de ser distorcido pela
autopiedade, pela negação e pelo ressentimento.
35 Isto Resulta
Estamos a começar a substituir essas velhas atitudes
pela honestidade, pela fé e pela responsabilidade.
Como resultado disso, começamos a ver o mundo
sob uma luz melhor. As nossas vidas são guiadas por
uma integridade que começa a emergir. Embora
cometamos erros, estamos mais dispostos a assumir
a responsabilidade pelas nossas ações. Aprendemos
que não precisamos de ser perfeitos para viver uma
vida espiritual. Quando trabalhamos o Terceiro
Passo, com uma mente e um coração abertos,
constatamos que os resultados vão muito além das
nossas expectativas.
À medida que vamos experimentando este
novo modo de vida, começamos a compreender o
valor inestimável da recuperação. Aprendemos a
confiar. Sempre que o fazemos, abrimos as portas a
amizades íntimas e desenvolvemos novas relações.
No início só nos concentrávamos em não usar, mas
agora podemos apreciar as muitas coisas que tornam
as nossas vidas tão preciosas. Saboreamos o riso e a
alegria, que há com tanta abundância nas nossas
reuniões. À medida que a recuperação se torna mais
fulcral nas nossas vidas, e que interiorizamos os
princípios incorporados nos passos, a nossa visão do
mundo modifica-se profundamente. E quando
aumenta a nossa consciência, aumentam também o
nosso reconhecimento e a nossa fé no nosso Poder
Superior.
Se pararmos para refletir sobre as nossas
vidas nesta fase da nossa recuperação, veremos que
experimentámos um enorme crescimento pessoal. E
o alívio que sentimos como resultado da prática dos
primeiros três passos é apenas um vislumbre do
crescimento que podemos experimentar através da
prática dos Doze Passos.
O papel do Terceiro Passo alarga-se nas
nossas vidas à medida que continuamos a trabalhar
Terceiro Passo 36
os restantes passos. O 11o
Passo pede que rezemos
pelo conhecimento da vontade de Deus para nós e
também pelas forças para que a possamos realizar.
O Terceiro Passo inicia este processo; é com ele que
começamos a procurar a vontade de Deus para nós.
A passagem de uma vida egoísta para uma vida
baseada em princípios espirituais exige-nos uma
mudança profunda.
Com a ajuda de um Deus amantíssimo
estamos prontos para prosseguir o nosso caminho.
Este é um programa de doze passos, e não de apenas
três. A decisão que tomámos no Terceiro Passo
talvez constitua a decisão mais significativa que
alguma vez tomaremos nas nossas vidas, mas
precisamos de trabalhar o resto dos passos para que
se mantenha o seu significado. Há mais para fazer.
Descobrimos que o caminho espiritual aberto pelos
Doze Passos é a única forma de recuperar em
Narcóticos Anônimos. Ao pormos em prática o
nosso compromisso de recuperar, trabalhamos o
Quarto Passo.
37
Quarto Passo
"Fizemos um minucioso e destemido
inventário moral de nós mesmos."
Ao trabalharmos os primeiros três passos
criámos uma base sólida para a nossa recuperação.
No entanto, não conseguiremos manter a nossa
adicção ativa sob controle se nada mais construirmos
a partir dessa base. Enquanto trabalhávamos o
Terceiro Passo, muitos de nós ficaram
surpreendidos: "Como é que podemos ter a certeza
de estar a entregar a nossa vontade e as nossas vidas
aos cuidados de Deus?" À resposta é simples:
trabalhando os restantes passos, seguindo para o
Quarto Passo.
A maioria de nós já perguntou, "Mas porque
é que temos de fazer o Quarto Passo?" Afinal, temo-
nos mantido limpos até agora! A resposta volta a ser
simples: alguns de nós ainda são tomados por uma
tendência obsessiva para usar drogas. Outros
descobrem que têm sentimentos que podem ser mais
subtis; uma sensação perturbante de que algo está
errado; uma sensação de perigo iminente;
sentimentos de medo e de raiva sem justificação
aparente. Muitos até podem pensar que estão muito
bem, que não precisam de fazer um Quarto Passo. A
nossa experiência coletiva tem demonstrado que os
adictos em recuperação que não trabalham este
passo crucial podem, mais cedo ou mais tarde,
recair.
Para muitos de nós, a motivação para
trabalhar o Quarto Passo é bastante simples: estamos
a praticar um programa de recuperação e queremos
seguir em frente. Como a nossa doença envolve
muito mais fatores do que apenas o óbvio uso de
38 Isto Resulta
drogas, a recuperação implica também algo mais do
que apenas a permanente abstinência de drogas. A
solução para o nosso problema é constituída por uma
profunda mudança na nossa maneira de pensar e no
nosso comportamento. Precisamos de mudara forma
como vemos o mundo, o papel que nele
desempenhamos, e as nossas atitudes. Acaba por não
ter grande importância saber se a nossa motivação
está no desejo de nos afastarmos da nossa adicção,
ou antes no desejo de caminharmos em direção à
recuperação.
O Quarto Passo constitui um ponto de
viragem no nosso percurso em recuperação. É um
momento de reflexão pessoal. Vai diminuindo a
confusão que tentámos disfarçar com as drogas e as
próprias ilusões que fomos criando. Estamos a
iniciar um caminho que conduz a uma melhor
compreensão de nós próprios, dos nossos
sentimentos, dos nossos medos e ressentimentos,
enfim, dos padrões de comportamento que
constituem as nossas vidas.
Podemos ficar assustados perante a
perspectiva de olhar minuciosamente para nós
próprios. Não nos conhecemos assim tão bem a nós
mesmos. Talvez nem tenhamos a certeza de nos
querermos conhecer. O nosso medo do
desconhecido pode nestes momentos parecer
arrasador, mas se nos lembrarmos da nossa fé e da
confiança que temos no nosso Poder Superior, esse
medo pode ser ultrapassado. Acreditamos que parte
da vontade do que Deus deseja para nós inclui
também trabalhar os passos. Acreditamos que
trabalhar o Quarto Passo terá como resultado final
um contínuo sanar dos nossos espíritos. É por isso
que seguimos em frente.
Os princípios de recuperação que já
começámos a praticar tornam-se vitais para trabalhar
Quarto Passo 39
o Quarto Passo. A honesta aceitação da nossa
adicção, feita no Primeiro Passo, irá ajudar-nos a ser
honestos noutras áreas da nossa vida.
Desenvolvemos também um nível de confiança e de
fé num Poder Superior a nós mesmos, o que fez
acender uma esperança que sentimos aumentar em
cada dia de limpeza. A nossa boa-vontade abriu o
caminho à recuperação, trazendo-nos ainda a
coragem necessária para trabalhar o Quarto Passo
através da vivência desses princípios.
A honestidade é fundamental para este passo.
Devemos acabar com a nossa vida de mentira. Se
pararmos e sossegarmos a mente, será mais fácil
entrar em contato com a verdade. Se nos sentarmos,
dispostos a pôr no papel, sem reservas, aquilo que
sabemos hoje ser a verdade, será mais fácil ainda.
Dizer a verdade constitui um ato de coragem. Com a
nossa fé e confiança no Deus da nossa concepção,
encontraremos as forças necessárias para sermos
minuciosos e destemidos. Com essa nossa coragem,
vamos ser capazes de escrever tudo aquilo que
julgávamos impossível contar.
O que significa "fazer um minucioso e
destemido inventário moral"? O que isto significa é
"avaliar as nossas qualidades e os nossos defeitos",
ou seja, tentarmos chegar ao fundo de quem somos
para que possamos expor as mentiras que
construímos sobre nós próprios. Durante anos
tornámo-nos naquilo em que tínhamos de nos tornar
para conseguir sobreviver à nossa adicção. Depois
de vivermos uma vida inteira na mentira,
começámos mesmo a acreditar nessas mentiras.
Embora já tenhamos encontrado algumas verdades
valiosas no Primeiro Passo, o Quarto Passo separa
ainda mais a fantasia da realidade. Podemos
começar a deixar de ser as pessoas que inventámos,
pois encontrámos a liberdade de ser quem somos.
40 Isto Resulta
Se a palavra "moral" nos incomodar, falar
com o padrinho ou madrinha poderá aliviar o nosso
desconforto. Fazer um inventário moral não
significa condenarmo-nos a nós mesmos. Na
realidade, todo este processo de fazer um inventário
transforma-se num dos maiores atos de amor para
com nós próprios. Basta olharmos para os nossos
instintos, desejos, motivações, tendências e rotinas
compulsivas, que nos mantiveram presos na nossa
adicção. Não importa há quantos anos ou dias
estamos limpos, pois não deixamos de ser humanos
e sujeitos a ter defeitos e fraquezas. Um inventário
permite-nos observar a nossa natureza fundamental,
com os seus defeitos e qualidades. Olhamos, pois,
para as nossas imperfeições, mas também para as
nossas esperanças, os nossos sonhos e aspirações, e
tentamos perceber como é que nos
desencaminhamos. O Quarto Passo é um grande
passo em frente na recuperação.
Alguns de nós poderão querer escrever o
inventário todo de uma vez; outros escrevem um
pouco cada dia. Sempre que nos sentarmos para
escrever, pedimos ao nosso Poder Superior a
coragem e a honestidade tão necessárias para sermos
minuciosos e revelarmos aquilo que procuramos. Na
maioria dos casos ficamos aliviados ao descobrir que
basta começar para vermos como as palavras
parecem fluir naturalmente. E não precisamos de nos
preocupar com aquilo que estamos a escrever; o
nosso Poder Superior não nos revelará mais do que
aquilo com que conseguiremos lidar.
A maioria de nós não tem grande experiência
no tipo de autoavaliação que estamos prestes a fazer.
E por isso que devemos procurar o auxílio do nosso
padrinho ou madrinha, que poderá sugerir um
formato ou uma orientação geral para seguirmos, ou
então alguns tópicos ou assuntos em que nos
Quarto Passo 41
concentremos. O padrinho ou a madrinha poderá não
só guiar-nos no inventário propriamente dito como,
também, encorajar-nos, lembrar-nos de rezar, enfim,
dar-nos todo o apoio emocional ao longo deste
processo. Muitas vezes fortalecemos a relação com
o padrinho ou madrinha ao confiarmos na sua
experiência nesta fase da nossa recuperação.
Uma ação consistente é muitíssimo
importante para o nosso Quarto Passo. Não podemos
dar-nos ao luxo de adiar escrever o nosso inventário.
Depois de começado, precisamos de o levar até ao
fim. Se tivermos tendência para "deixar para mais
tarde", poderá ser boa ideia reservarmos um período
do dia para o escrever. Tal rotina irá tornar o
inventário uma prioridade na nossa vida. Se
pusermos o nosso Quarto Passo de lado assim que o
tivermos iniciado, arriscamo-nos a nunca mais pegar
nele.
No nosso inventário devemos ser meticulosos
e pormenorizados. Teremos, por isso, de examinar
sistematicamente todos os aspectos da nossa vida.
Começamos a ver e a compreender a verdade acerca
de nós próprios, os nossos motivos e os nossos
padrões de comportamento. E importante analisar
mais do que uma dimensão da nossa experiência. O
que é que nos motivou para agir assim? Que
repercussões teve o nosso comportamento na nossa
vida? Como é que afetamos aqueles que nos
rodeavam? De que modo é que magoámos os
outros? Como é que nos sentimos com as nossas
ações? E as reações dos outros? Estes são apenas
alguns dos pontos em que focamos os nossos
inventários, mas sabemos que estas e outras questões
parecidas constituem áreas essenciais que devem ser
examinadas.
42 Isto Resulta
No Quarto Passo é importante que olhemos
com bastante atenção para o medo e a forma como
ele afetou a nossa vida. A nossa experiência diz que
o medo egocêntrico está na base da nossa doença.
Muitos de nós fingiram não ter medo quando, no
fundo, estávamos aterrorizados. O medo leva-nos a
agir irrefletidamente, tentando, ainda assim,
protegermo-nos a nós próprios. Aliás, os nossos
medos muitas vezes paralisaram-nos
completamente. Como temíamos o futuro,
recorríamos a esquemas e a manipulações.
Adoptámos atitudes radicais só para tentar evitar
aquilo que julgávamos ser uma possível perda, um
desastre, uma falta constante daquilo de que
necessitávamos. No passado não tínhamos a menor
fé num Poder Superior que pudesse cuidar de nós.
Tentámos, por isso, controlar a nossa vida e tudo
aquilo à nossa volta. Usámos pessoas, manipulámos,
mentimos, arquitetamos esquemas, planeámos,
roubámos, aldrabámos, e depois mentimos ainda
mais para encobrir os nossos esquemas e
manipulações. Sentíamos inveja, ciúme, profundas e
dolorosas inseguranças. Estávamos sós, íamos
afastando aqueles que se preocupavam conosco e
usávamos mais drogas, tentando disfarçar os nossos
sentimentos. Quanto mais sozinhos nos sentíamos,
mais tentávamos controlar tudo e todos. Sofríamos
quando as coisas não corriam como queríamos, mas
o nosso desejo de poder e de controle era tão forte
que não conseguíamos ver quão inútil era esse nosso
esforço para controlar os acontecimentos. Temos
agora nas nossas vidas uma fé num Deus
amantíssimo, cuja vontade para nós é melhor do que
tudo aquilo que conseguiríamos obter através do
controle e da manipulação. Já não precisamos de ter
receio do que nos possa acontecer.
Quarto Passo 43
Nos nossos inventários também avaliamos
os efeitos emocionais da nossa adicção. Alguns de
nós tornaram-se tão hábeis a cobrir sentimentos com
drogas ou quaisquer outras distrações que só depois
de chegarmos à primeira reunião é que descobrimos
que havíamos perdido o contato com as nossas
próprias emoções. Em recuperação aprendemos a
identificar aquilo que estamos a sentir. É importante
darmos um nome aos nossos sentimentos, pois assim
poderemos começar a lidar com eles. Em vez de
entrarmos em pânico, podemos dizer
especificamente como estamos a sentir-nos.
Abandonamos a nossa forma limitada de identificar
os sentimentos como "bons" ou "maus", com poucas
classificações intermédias.
Convém fazermos uma lista dos nossos
ressentimentos que costumam dificultar-nos a
recuperação. Não podemos obcecar-nos pelo ódio
contra terceiros. Olhamos para as instituições que
nos possam ter afetado: as famílias, as escolas, os
patrões, a religião organizada, a justiça ou as prisões.
Fazemos então uma lista das pessoas, dos lugares,
dos valores sociais, das instituições e das situações
contra os quais sentimos raiva. Examinamos não só
as circunstâncias que envolvem estes ressentimentos
como, também, o papel que desempenhámos neles.
O que é que em nós foi tão ameaçado que nos fez
atravessar um sofrimento emocional tão profundo?
Iremos constatar igualmente que as mesmas áreas
das nossas vidas foram repetidamente afetadas.
Observamos também as relações, em
especial as familiares. Não fazemos isto para culpar
quem quer que seja pela nossa adicção. Sabemos que
estamos a escrever um inventário de nós próprios e
não dos outros. Escrevemos sobre como nos
sentimos em relação à nossa família e a forma como
agimos sobre os nossos sentimentos. Na maioria dos
44 Isto Resulta
casos veremos que os padrões de comportamento
cedo estabelecidos na nossa vida são aqueles que
mantivemos até ao presente. Alguns desses padrões
foram úteis para nós, outros não. Através do
inventário procuramos os padrões que queremos
manter e aqueles que queremos modificar.
E muito importante escrevermos sobre as
nossas relações. Devemos dar especial atenção às
nossas amizades. Se encobrimos as amizades
platónicas para nos concentrarmos apenas nas
relações amorosas, o nosso inventário ficará
incompleto. Muitos de nós chegaram a NA sem
nunca terem tido uma amizade duradoura. Os nossos
conflitos internos foram o verdadeiro motivo para as
discussões que tivemos com os amigos e, portanto,
para a nossa recusa em lidar com as diferenças e
tentar, assim, manter as amizades. Alguns de nós
sentiram que uma relação mais próxima equivalia a
sermos maltratados. Assim, e para evitar que algo
acontecesse, éramos nós próprios a provocar o fim
da relação. Outros recearam de tal modo a
intimidade que nunca revelámos nada de nós. Ou
então talvez tenhamos convencido outros que eram
eles os culpados disto ou daquilo, como forma de
garantirmos a sua lealdade, ou utilizado outras
formas de chantagem emocional. Se os nossos
amigos tivessem outras pessoas nas suas vidas, os
nossos ciúmes e inseguranças tornavam necessário
remover essa "ameaça". O nosso comportamento
variava, desde tornarmos os nossos amigos reféns,
até tomarmos a sua amizade como garantida.
Podemos, aliás, encontrar vários momentos em que
os sacrificámos em troca de relações amorosas.
Iremos provavelmente descobrir conflitos e
comportamentos semelhantes nessas relações
amorosas; encontraremos as mesmas dificuldades
em confiar, a recusa em sermos vulneráveis, e talvez
Quarto Passo 45
o padrão constante de sermos incapazes de assumir
compromissos. A medida que formos escrevendo,
iremos por certo descobrir em cada relação o medo
da intimidade. Ou verificar que nunca
compreendemos a diferença entre intimidade e sexo.
Quer tenhamos fugido de relações íntimas devido ao
medo, ou porque fomos magoados vez após vez,
aquilo que procuramos são os traços comuns,
aqueles que surgem em todas as nossas relações.
Podemos até concluir que as nossas ideias
sobre sexo provocaram problemas nas relações que
mantínhamos. Podemos ter-nos contentado com
sexo quando na verdade o que queríamos era amor.
Também podemos ter utilizado o sexo para
conseguir os nossos objetivos. Podemos ter
acreditado que, através do sexo, poderíamos obter o
compromisso de um parceiro relutante. Convém
perguntarmos a nós próprios se tivemos um
comportamento sexual baseado no egoísmo ou no
amor. O sexo pode ser utilizado para preencher o
vazio espiritual que sentíamos. Alguns de nós
sentem vergonha das nossas práticas sexuais. Depois
de anos a agirmos compulsivamente sobre os nossos
medos e com ideias erradas sobre sexo, queremos
agora ficar em paz com a nossa própria sexualidade.
Este tópico é muito desconfortável para a maioria de
nós. Contudo, se queremos algo diferente daquilo
que temos tido, torna-se necessário iniciar o
processo de mudança. E nada melhor do que
escrevermos sobre isso.
Alguns de nós sofreram abusos. Podemos ter
sido vítimas de incesto ou de violação. Muitos
tiveram uma infância horrível, cheia de privações e
de negligência. Experiências destas podem fazer
com que inflijamos a outras pessoas o mesmo abuso.
Outros de nós podem ter-se prostituído ou vivido
outras formas de degradação, pois sentíamos que
46 Isto Resulta
não merecíamos melhor. Embora doloroso e triste, o
passado não pode ser alterado. No entanto, as ideias
deturpadas que desenvolvemos acerca de nós
próprios e dos outros podem ser mudadas com a
ajuda do nosso Poder Superior. Escrever sobre estas
questões serve para nos libertarmos dos nossos
segredos mais dolorosos e seguirmos em frente na
nossa vida. Não precisamos de ser eternas vítimas do
nosso passado.
Para experimentar a serenidade, precisamos
de alterar os padrões autodestrutivos que têm
prevalecido nas nossas vidas. O Quarto Passo vai
ajudar-nos a identificar esses padrões. Começamos a
descobrir como é que temos sido manipulados pela
vida e como, talvez inconscientemente, planeámos a
nossa própria miséria, ao fazermos escolhas que
conduziram ao desgoverno das nossas existências. A
maioria de nós culpa várias pessoas pelas
consequências que temos sofrido devido à nossa
adicção. Ou seja, não queremos aceitar o impacto
negativo da nossa adicção, pelo qual apenas nós
éramos responsáveis. Alguns de nós cometeram
crimes e depois queixámo-nos das consequências.
Outros foram irresponsáveis no emprego, mas
protestávamos em voz alta quando éramos
responsabilizados. E rapidamente batíamos em
retirada sempre que nos víamos confrontados pela
vida. Os nossos inventários vão ajudar-nos a
identificar a nossa responsabilidade pelas ações
cometidas e a detectar as circunstâncias em que
tentávamos culpar os outros. O folheto "O Quarto
Passo em Narcóticos Anônimos" poderá apontar
outros caminhos a explorar.
Quarto Passo 47
A qualidade da nossa vida depende, em
muito, do resultado das decisões que tomamos.
Enquanto escrevemos o nosso inventário,
procuramos identificar as circunstâncias em que
tomámos decisões que nos magoaram, bem como os
momentos em que as decisões resultaram.
Escrevemos também sobre as ocasiões em que as
nossas vidas pecaram por defeito, ao recusarmos
fazer qualquer escolha. As situações em que fomos
adiando até deixar as oportunidades passar, os
momentos em que abandonámos todas as
responsabilidades, e aqueles em que nos isolámos e
nos recusámos a participar na vida, tudo isto é
matéria para constar do inventário. Quase todos nós
alimentámos esperanças e sonhos em determinada
fase da vida, mas abandonámos tudo para seguir a
nossa adicção. No nosso inventário tentamos ainda
evocar os nossos sonhos perdidos e ver como é que
as nossas escolhas destruíram as hipóteses de esses
sonhos se tornarem realidade. E perguntamos a nós
mesmos quando é que deixámos de acreditar em nós
próprios e também nos outros. Através deste
processo os nossos sonhos perdidos poderão voltar a
acordar.
Procuramos mais fundo só para
descobrirmos o modo como vivíamos em conflito
com os nossos próprios valores morais. Se
achávamos errado roubar, e mesmo assim
roubávamos aquilo que pudéssemos, o que é que
fazíamos para calar a nossa angústia? Se
acreditávamos na monogamia, mas éramos infiéis
nas nossas relações, o que é que fazíamos para
conseguir viver com os nossos princípios
comprometidos? De certeza que usávamos mais
drogas. E para além disso? Observamos a maneira
como nos sentíamos quando virávamos as costas às
nossas convicções mais profundas. Através deste
48 Isto Resulta
processo descobrimos os nossos valores perdidos,
podendo, enfim, começar a reconstruí-los.
No nosso inventário devemos também dar
atenção às nossas qualidades. Como a maioria de nós
está pouco habituada a procurar as suas virtudes,
poderemos ter algumas dificuldades nesta área. Se
examinarmos o nosso comportamento com uma
mente aberta, iremos por certo encontrar situações
em que não desistimos apesar dos obstáculos. Ou
momentos em que demonstrámos preocupação pelos
outros, ou até momentos em que o nosso espírito
levou a melhor sobre a nossa adicção. A medida que
procuramos as qualidades do nosso carácter,
começamos a descobrir o espírito puro e cheio de
amor que permanece no centro do nosso ser.
Começamos a definir os nossos valores.
Aprendemos aquilo que podemos fazer e, mais
importante ainda, o que não podemos fazer, se
quisermos saborear uma vida produtiva e
compensadora. Aquilo que fizemos durante a nossa
adicção ativa não irá resultar agora em recuperação.
O Quarto Passo permite-nos traçar um novo
caminho para a nossa vida.
O Quarto Passo dá-nos uma visão inicial de
tudo aquilo que necessitamos para crescer. Quer seja
o nosso primeiro ou o nosso vigésimo inventário,
estamos sempre a iniciar um processo que nos leva
da confusão à clareza, e que nos conduz do
ressentimento ao perdão, da prisão à liberdade
espiritual. Podemos voltar a repetir este processo vez
após vez. Quando estamos confusos, com raiva, com
problemas que parecem não desaparecer, temos no
inventário uma boa forma de fazer um balanço da
nossa recuperação. Depois de escrevermos alguns
inventários, poderemos constatar que o nosso
primeiro Quarto Passo apenas raspou a superfície. À
medida que diferentes atitudes e comportamentos se
Quarto Passo 49
vão tornando evidentes ao longo da nossa
recuperação, iremos querer renovar o processo de
mudança, voltando a escrever um Quarto Passo.
Os passos são instrumentos que utilizamos e
voltamos a utilizar no nosso caminho espiritual. Ao
longo da nossa recuperação, Deus irá revelar-nos
ainda mais, conforme formos ganhando a
maturidade e a força espiritual para o compreender.
Com o tempo também nos será revelada a natureza
das tarefas que temos de realizar. Ao prosseguirmos
na recuperação, começamos a resolver alguns dos
conflitos básicos que contribuíram para a nossa
adicção. Começa a desaparecer a dor das feridas
antigas, o que nos permite viver o presente com
maior intensidade.
O Quarto Passo permite-nos também
identificar padrões, comportamentos e convicções
que nos mostram a natureza exata das nossas falhas.
Escrevemos um inventário de nós mesmos, que nos
revela aquilo que, com a ajuda de Deus, podemos
modificar. Para prosseguirmos o processo de
mudança continuamos em frente, fazendo as nossas
admissões no Quinto Passo.
50
Quinto Passo
"Admitimos perante Deus, perante nós mesmos
e perante outro ser humano
a natureza exata das nossas falhas."
Agora que terminámos o nosso inventário
escrito, é essencial que o partilhemos
imediatamente. Quanto mais depressa fizermos o
nosso Quinto Passo, mais fortes serão os alicerces da
nossa recuperação. Estes alicerces são construídos
sobre princípios espirituais como a entrega, a
honestidade, a confiança, a fé, a boa-vontade e a
coragem. Cada passo em frente na nossa
recuperação fortalece o nosso compromisso com
estes princípios. Este compromisso com a
recuperação é reafirmado ao fazermos de imediato
um Quinto Passo.
Apesar do nosso desejo de recuperar,
podemos sentir medo nesta fase. O que é muito
natural. Afinal, estamos prestes a confrontar-nos
com a natureza exata das nossas falhas e vamos
admitir, com sinceridade, os nossos segredos a Deus,
a nós próprios e a outro ser humano. Se deixarmos
que os nossos sentimentos de vergonha ou os medos
de mudança e de rejeição impeçam o nosso
progresso, os nossos problemas vão acumular-se. Se
deixarmos de avançar na nossa recuperação, se
deixarmos de empenhar nela todos os esforços,
estaremos a ceder à doença da adicção.
Se quisermos efetuar algumas mudanças
drásticas no nosso modo de vida, deveremos
ultrapassar os nossos medos e fazer o Quinto Passo.
Ganhamos coragem e avançamos. O nosso padrinho
ou madrinha poderá sossegar-nos, lembrando-nos de
que não precisamos de enfrentar sozinhos os nossos
Quinto Passo 51
sentimentos. Trabalhar este passo com o apoio do
nosso padrinho ou madrinha e de um Deus
amantíssimo é uma maneira de pormos em prática a
nossa decisão de deixar que Deus cuide da nossa
vontade e das nossas vidas. Essa decisão, tal como a
maioria das decisões que tomamos, deverá ser
seguida de ação. Se seguirmos a nossa decisão do
Terceiro Passo pondo ação no Quarto e no Quinto
Passo, chegaremos a uma relação mais estreita com
o nosso Poder Superior.
O nosso entendimento dos princípios
espirituais que praticámos nos primeiros passos será
aprofundado através do Quinto Passo.
Experimentamos a honestidade ao fazermos uma
admissão, tal como no Primeiro Passo, mas agora
vamos senti-la a um nível mais profundo. A
admissão que estamos prestes a fazer no Quinto
Passo é de especial importância. Abrimo-nos e
contamos a verdade sobre nós próprios. Ao
ouvirmos essa admissão sair das nossas bocas,
quebramos assim o padrão de negação que
alimentámos durante tanto tempo. Descobrimos
também novos níveis de honestidade. Mais
importante ainda, descobrimos a honestidade para
com nós próprios, ao olharmos de frente os
resultados da nossa adicção e a realidade das nossas
vidas. Os riscos que corremos neste passo aumentam
a nossa confiança em Deus e alimentam a fé e a
esperança que sentimos pela primeira vez no
Segundo Passo. E levamos a nossa boa-vontade um
pouco mais longe ao renovarmos a decisão que
tomámos no Terceiro Passo. Valendo-nos da
coragem que adquirimos no Quarto Passo,
descobrimos que somos mais corajosos do que
alguma vez julgámos possível.
52 Isto Resulta
Esta coragem é demonstrada, não pela nossa
falta de medo, mas, sim, pela ação que tomámos
apesar desse medo. Combinamos um dia para
partilhar o nosso inventário, comparecemos ao
encontro e partilhamos à hora marcada.
A admissão perante nós mesmos também
exige coragem. Precisamos de dar especial atenção
a esta característica do Quinto Passo, pois de outro
modo os benefícios que retiramos deste passo podem
não ter o alcance que poderiam. Aliás, o nosso Texto
Básico diz: "O Passo Cinco não se limita a ser uma
leitura do Passo Quatro." Queremos ter a certeza de
que estamos a reconhecer e a aceitar a natureza exata
das nossas falhas. Se acharmos que isso nos ajuda,
podemos até formalizar esta admissão perante nós
mesmos. O modo como fazemos esta admissão não
é tão importante como a ação propriamente dita.
Ao fazermos este passo ganhamos um novo
entendimento do princípio da humildade.
Provavelmente temos vivido com a impressão de
que éramos, de alguma forma, maiores ou mais
visíveis do que as outras pessoas. Através do Quinto
Passo descobrimos que são poucas as nossas ações
que merecem uma atenção exagerada. A descoberta
de nós próprios faz-nos sentir, talvez pela primeira
vez nas nossas vidas, parte da humanidade.
Ao partilharmos os nossos sentimentos mais
íntimos e os nossos segredos mais bem guardados,
poderemos sentir-nos angustiados. Contudo, muitos
de nós têm levantado os olhos e visto amor
incondicional na expressão da pessoa que ouve o
nosso Quinto Passo. A aceitação que então
experimentamos ajuda-nos a sentir que pertencemos
ao programa.
Quinto Passo 53
A nossa ansiedade poderá aumentar por
sabermos que vamos enfrentar sentimentos há muito
evitados. Mas seguimos em frente, encorajados pelo
nosso padrinho ou madrinha, e aprendemos a confiar
no Deus da nossa concepção. A primeira coisa que
devemos compreender é que o Quinto Passo não
constitui a solução imediata para qualquer situação
dolorosa. Se fizermos este passo na esperança de ver
os nossos sentimentos desaparecerem, é porque
estamos à espera que os passos nos adormeçam, tal
como as drogas o fizeram no passado. Ao revermos
os nossos primeiros Quartos Passos, constatamos
que o seu objetivo é acordar os nossos espíritos e
nunca anestesiar os nossos sentimentos.
Precisaremos de apoio e de compreensão para lidar
com o que sentimos. Para isso, basta escolhermos
uma pessoa compreensiva para escutar as nossas
admissões. Teremos assim todo o apoio de que
precisamos.
Embora não haja qualquer exigência para que
a pessoa que nos ouve seja o nosso padrinho ou
madrinha, é com ele ou ela que a maioria de nós
decide partilhar o seu inventário. Iremos assim
beneficiar de toda a experiência que um outro adicto
tem para partilhar. Afinal, quem melhor para
compreender aquilo que estamos a fazer do que
alguém que já tenha passado pela mesma
experiência? Aqueles adictos com mais experiência
de recuperação já lidaram com as questões que agora
enfrentamos, podendo assim partilhar conosco essa
experiência e as soluções que encontraram através
da prática deste passo. Os laços comuns com o nosso
padrinho ou madrinha irão fortalecer a nossa ligação
ao programa e aumentar o nosso sentido de
pertencer.
A pessoa que ouvir o nosso Quinto Passo
deverá ser alguém que compreenda o processo de
54 Isto Resulta
recuperação em que estamos envolvidos e que esteja
disposta a ajudar-nos. Sabemos que o ouvinte ideal
terá compaixão para honrar os nossos sentimentos,
integridade suficiente para respeitar as nossas
confidências, e o discernimento para nos ajudar a
concentrar na natureza exata das nossas falhas. Uma
vez que estamos a partilhar o nosso inventário, ele
ou ela também nos ajudará a evitar que nos
desviemos e comecemos a culpar os outros pelas
coisas que escrevemos no Quarto Passo.
Embora sabendo que iremos beneficiar
bastante com este passo, podemos mesmo assim
necessitar de um momento para reafirmar a nossa
entrega e a decisão que tomámos no Terceiro Passo.
Podemos, pois, pedir ao nosso Poder Superior que
nos conceda a honestidade, a coragem e a boa-
vontade para trabalharmos este passo. Até
poderemos querer dizer uma oração, para assim
convidarmos Deus a entrar neste processo. Essa
oração poderá ser tudo aquilo que reafirme o nosso
compromisso para com a recuperação. Rezarmos
com a pessoa que vai ouvir o nosso Quinto Passo
poderá constituir uma experiência profundamente
íntima.
Mas não rezamos só por força e coragem.
Muitos de nós pedem também ao seu Poder Superior
que ouça essa admissão. Porque é que é tão
importante fazer a nossa admissão perante Deus?
Porque este é um programa espiritual e todo o nosso
objetivo é um despertar espiritual. É essencial para a
nossa recuperação querermos abrir-nos ao nosso
Poder Superior, revelando o nosso passado e quem
somos. Alguns de nós sentiam antes que não eram
dignos de manter uma relação com Deus. Os nossos
segredos bloqueavam a nossa capacidade de sentir
qualquer aceitação ou amor desse Poder. Quando
revelamos algo sobre nós próprios, aproximamo-nos
Quinto Passo 55
do nosso Poder Superior e experimentamos o amor
incondicional e a aceitação que emergem desse
Poder. A sensação de que o Deus da nossa
concepção nos aceita, não importa o que tenhamos
feito, aumenta a nossa aceitação de nós próprios. A
relação positiva que estamos a construir com o nosso
Poder Superior reflete-se também nas nossas
relações com as outras pessoas.
À medida que partilhamos o nosso inventário,
poderemos surpreender-nos com a intensidade da
relação que estamos a desenvolver com o nosso
padrinho ou madrinha. Se no passado nunca
ninguém nos escutava verdadeiramente, ficaremos
agora admirados por ver que ele ou ela está a fazer-
nos perguntas sobre algum pormenor delicado da
nossa história pessoal, ou a tomar notas enquanto
partilhamos. A nossa autoestima aumenta quando
vamos compreendendo que aquilo que temos para
partilhar merece tanta atenção. Poderemos ver uma
profunda compaixão nos olhos do nosso ouvinte,
sinal de que a dor é compreendida e mais uma
garantia de um Poder Superior a nós mesmos.
Confrontamo-nos com a natureza exata das
nossas falhas. Partilhá-la não será, naturalmente,
algo de confortável. Olhámos para trás e vimos
como a repetição constante dos mesmos padrões de
comportamento nos manteve presos ao mesmo estilo
de vida.
Não observamos apenas o comportamento
superficial; vemos também os defeitos de carácter
que estiveram sempre na base desses nossos
comportamentos. Começamos a compreender que
existe uma diferença entre as nossas ações e a
natureza exata das nossas falhas. Por exemplo,
podemos reparar em várias situações nas quais
mentimos numa tentativa inútil de levar toda a gente
a gostar de nós. Mas casos destes não constituem a
56 Isto Resulta
natureza exata das nossas falhas. A natureza exata
das nossas falhas é a desonestidade e a manipulação
que demonstrávamos cada vez que mentíamos. Se
olharmos para além da desonestidade e da
manipulação, iremos decerto constatar que
receávamos que, se disséssemos a verdade, ninguém
iria gostar de nós.
Enquanto partilhamos o nosso inventário, o
nosso padrinho ou madrinha irá por vezes partilhar
conosco um pouco da sua experiência. Ele ou ela
poderá chorar ou sorrir conosco em reconhecimento
de alguns dos conflitos que estejamos a partilhar.
Até podemos rir juntos ao partilharmos alguns dos
aspectos mais cómicos da nossa adicção, como as
mentiras ridículas que contávamos a nós mesmos
para que pudéssemos continuar a viver da maneira
em que vivíamos. Quando verificarmos que os
nossos sentimentos são semelhantes aos do nosso
padrinho ou madrinha, compreenderemos que
existem outras pessoas iguais a nós. Não somos
senão seres humanos. A nossa auto-obsessão
impedia que o víssemos, por isso nos sentíamos
únicos. De repente percebemos que outros também
têm problemas dolorosos, tão ou mais importantes
do que os nossos. O processo de sarar as feridas pode
dar-se quando detectamos um vislumbre de nós
próprios nos olhos de outra pessoa, o que nos leva a
sentir humildade e a ter esperança de que a
serenidade e a paz que tanto desejamos esteja por
fim ao nosso alcance.
Os nossos sentimentos de alienação
desaparecem quando experimentamos uma ligação
emocional a outro ser humano, deixando que ele en-
tre nesses lugares onde nunca ninguém havia
entrado.
Poderá ser a primeira vez que confiamos
suficientemente em alguém para lhe falar de nós
Quinto Passo 57
próprios, permitindo que nos conheça. Poderá
surpreender-nos a intimidade que se desenvolve en-
tre nós e o nosso padrinho ou madrinha, uma relação
baseada na igualdade e no respeito mútuo e que
poderá durar uma vida inteira.
Depois de fazermos o Quinto Passo,
poderemos sentir-nos um pouco abalados ou até
emocionalmente vulneráveis. Demos um passo
importantíssimo no processo de crescimento e de
recuperação, e que pode ser entendido como uma
"cirurgia do espírito". Abrimos certas feridas,
expusemos as nossas mais bem elaboradas mentiras,
pusemos a descoberto o seu logro, e dissemos a nós
próprios algumas verdades dolorosas. Deixámos cair
as nossas máscaras na presença de outra pessoa.
Poderemos agora sentir um impulso perigoso
para fugir da nossa nova consciência e regressar à
miséria do passado que nos era familiar. Poderemos
sentir-nos tentados a evitar o nosso padrinho ou
madrinha, porque sabe tudo a nosso respeito. É
muito importante resistirmos a estes impulsos.
Precisamos de falar com outros adictos em
recuperação sobre os nossos medos e os nossos
sentimentos, para que possamos ouvir a sua
experiência. Veremos que aquilo por que estamos a
passar não nos acontece só a nós e ficaremos
aliviados quando outros nos disserem que
atravessaram os mesmos conflitos depois de fazerem
o seu Quinto Passo.
A consciência que temos dos nossos padrões
de relacionamento com os outros, bem como o risco
que acabámos de correr ao admiti-lo perante outra
pessoa, constituem um enorme avanço nas nossas
relações. Não só formámos um elo estreito com o
nosso padrinho ou madrinha, como arriscámos ao
confiar nele ou nela, e isso irá ajudar-nos a
desenvolver relações mais próximas com outras
58 Isto Resulta
pessoas. Arriscámos ao confiar os nossos segredos e
sentimentos a uma pessoa, e não fomos rejeitados.
Começamos a sentira liberdade de confiar nos
outros. Não descobrimos apenas que os outros são
dignos de confiança e merecedores da nossa
amizade; descobrimos também que nós próprios
somos merecedores e dignos de confiança. Podemos
ter achado que éramos incapazes de amar ou de ser
amados, que éramos incapazes de alguma vez ter
amigos. Vemos agora que estas certezas não tinham
fundamento. Através do exemplo do nosso padrinho
ou madrinha, aprendemos a constituir amizades e a
interessar-nos pelos outros.
As nossas relações começam a mudar depois
deste passo, incluindo aquela que mantemos com o
Deus da nossa concepção. Ao longo de todo o
processo que envolve o Quinto Passo, virámo-nos
para esse Poder sempre que sentimos medos, e
recebemos a coragem de que precisávamos para
completar este passo. Em resultado disso, a nossa fé
e a nossa crença aumentaram e estamos dispostos a
dar mais de nós para construir uma relação com
Deus. Tal como qualquer outra relação, aquela que
desenvolvemos com o nosso Poder Superior exige
da nossa parte confiança e uma mente aberta.
Quando partilhamos os nossos pensamentos e
sentimentos mais profundos com o nosso Poder
Superior, derrubando as nossas defesas e admitindo
que somos menos que perfeitos, cria-se uma certa
intimidade. Desenvolvemos a certeza de que o nosso
Poder Superior está sempre conosco e a cuidar de
nós.
O processo com que até agora nos comprometemos
tornou-nos conscientes da natureza exata das nossas
falhas. A natureza exata dessas falhas constitui os
nossos defeitos de carácter. Sabemos agora que os
padrões das nossas vidas estavam enraizados na
Quinto Passo 59
desonestidade, no medo, no egoísmo e em muitos
outros defeitos de carácter. Vimos o espectro
completo desses defeitos e estamos dispostos a fazer
algo de novo. Estamos assim prontos para avançar
para o Sexto Passo.
60
Sexto Passo
"Prontificámo-nos inteiramente a deixar que Deus
removesse todos esses defeitos de carácter."
O entendimento da natureza exata das nossas
falhas, que alcançámos no Quinto Passo, embora
valioso, é apenas o início das incríveis mudanças que
têm lugar nas nossas vidas quando avançamos para
o Sexto Passo. A admissão que fizemos da natureza
das nossas falhas, os nossos defeitos de carácter, é
necessária se quisermos prontificar-nos a que eles
sejam removidos. Fortemente abalados com o que
fizemos no passado, poderemos esperar uma
profunda mudança das nossas atitudes ao
trabalharmos o Sexto Passo.
Embora alguns de nós não tenham
compreendido a importância crucial do Sexto e do
Sétimo Passo, eles são essenciais para que haja
mudanças significativas e duradouras nas nossas
vidas. Não basta dizermos, "Sim, estou pronto. Por
favor. Deus, remove os meus defeitos.", e seguirmos
para o Oitavo Passo. Se passarmos por cima do Sexto
e do Sétimo Passo, e formos logo fazer as nossas
reparações, iremos apenas acabar a dever ainda mais
reparações, por repetirmos os mesmos padrões
destrutivos do passado.
O processo contínuo do Sexto Passo é
apenas isso - um processo. Iniciámo-lo ao nos
prontificarmos inteiramente, e ao longo das nossas
vidas iremos empenhar-nos a reforçar a nossa
prontidão. A nossa tarefa é prontificarmo-nos
inteiramente e abrirmos os nossos corações e as
nossas mentes às profundas mudanças internas que
só através da presença de um Deus amantíssimo
podem ser realizadas.
Sexto Passo 61
O Terceiro Passo já nos deu alguma
experiência com aquilo que deveremos fazer agora
no Sexto Passo. Tal como entregámos a nossa
vontade e as nossas vidas aos cuidados de um Poder
Superior a nós mesmos, pois já não tínhamos
domínio sobre as nossas próprias vidas, preparamo-
nos agora para entregar os nossos defeitos de
carácter a um Deus amantíssimo, pois esgotámos as
nossas tentativas de mudar através da nossa própria
força de vontade. Este processo é difícil e muitas
vezes doloroso.
A nossa crescente consciência dos nossos
defeitos causa-nos muitas vezes dor. Todos nós já
ouvimos a expressão "felizes os ignorantes", mas
nós hoje estamos conscientes dos nossos defeitos de
carácter, e essa consciência dói. De repente
começamos a notar o olhar magoado de um amigo
depois de termos tido uma das nossas atitudes menos
agradáveis. Iremos baixar a cabeça, envergonhados,
murmurar uma desculpa, e provavelmente
atormentarmo-nos a nós próprios por termos sido,
mais uma vez, tão insensíveis. Sentimo-nos mal,
sabendo como as nossas ações afetam
negativamente as pessoas nas nossas vidas. Estamos
fartos de ser as pessoas que temos sido, mas este
sentimento leva-nos a mudar e a crescer. Queremos
ser diferentes daquilo que éramos no passado, e em
boa verdade já o somos. Sermos capazes de olhar
para além dos nossos próprios interesses e
preocuparmo-nos com os sentimentos dos outros,
constituem tremendas mudanças, atendendo a que a
nossa devastadora auto-obsessão está no centro da
nossa doença.
62 Isto Resulta
Iremos talvez sentir-nos bastante frustrados
quando nos apercebermos de que os nossos defeitos
se colocam no caminho da nossa recuperação.
Poderemos tentar eliminá-los sozinhos, seja
negando a sua existência, seja escondendo-os das
outras pessoas, achando que, se ninguém souber
deles, as nossas características menos agradáveis
desaparecerão por si. O que deveremos fazer, em vez
de tentar exercer poder e controle sobre os nossos
defeitos, é afastarmo-nos do caminho e deixar que
um Deus amantíssimo atue nas nossas vidas. Uma
parte deste processo tem a ver com tornarmo-nos
responsáveis pelo nosso comportamento.
Quando somos confrontados pelos nossos
defeitos de carácter, seja através da nossa própria
consciência, ou por alguém que tenhamos magoado,
começamos a assumir inteira responsabilidade pelas
nossas ações. Não evitamos a responsabilidade ao
dizer algo como, "Bem, Deus ainda não removeu
esse defeito," ou, "Sou impotente perante os meus
defeitos, e hei de ser sempre assim." Aceitamos a
responsabilidade pelo nosso comportamento, seja
ele bom, mau ou indiferente. Já não temos mais o
nosso uso de drogas ou a nossa ignorância como
desculpa para sermos irresponsáveis.
Quando admitimos honestamente as nossas
falhas, encontramos a humildade. A humildade que
sentimos no Quinto Passo cresce à medida que
voltamos a sentir o nosso lado humano e
compreendemos que nunca seremos perfeitos.
Aceitamo-nos um pouco mais a nós próprios, e
rendemo-nos. A nossa boa-vontade para mudar
aumenta drasticamente. Já experimentámos
mudanças incríveis na nossa natureza emocional e
espiritual, através dos nossos continuados esforços
para viver segundo os princípios contidos nos passos
anteriores. Apesar da nossa falta de familiaridade
Sexto Passo 63
com coisas espirituais, deveremos lembrar-nos de
que, nos primeiros três passos, foram-nos dados os
instrumentos básicos de que precisamos para
enfrentar o caminho da recuperação. Trazemos
dentro de nós a honestidade que foi necessária para
a nossa entrega inicial, a fé e a esperança que
desenvolvemos ao virmos a acreditar num Poder
Superior a nós mesmos, e a confiança e a boa-
vontade exigidas de nós quando tomámos a nossa
decisão de entregar a nossa vontade e as nossas vidas
aos cuidados de Deus. Os nossos corações foram
tocados pela humildade de acreditarmos nesse
Poder.
E sobre este alicerce espiritual que assentamos
os princípios do compromisso e da persistência,
quando trabalhamos o Sexto Passo. Precisamos de
boa-vontade para nos comprometermos a prosseguir
na nossa recuperação, apesar da presença contínua
de defeitos de carácter nas nossas vidas. Não
devemos desistir, mesmo quando julguemos que não
se deu qualquer mudança. Por vezes não
conseguimos ver as nossas próprias mudanças
internas, mas podemos estar seguros de que aquilo
que se passa dentro de nós será evidente para as
outras pessoas. A nossa tarefa é seguirmos em
frente, embora possa parecer que cada passo vai
exigir mais forças do que aquelas que
conseguiremos reunir. Deveremos persistir, por
muito difícil que seja o nosso progresso. Poderemos
fazer uso do espírito resoluto e da tenacidade que nos
ajudaram a manter a nossa adicção ativa, mas desta
vez com o objetivo de sermos firmes e constantes
nos nossos esforços para manter a nossa
recuperação.
Depois de escrevermos o nosso inventário e
de o partilharmos com nós próprios, com o Deus da
nossa concepção e com um outro ser humano,
64 Isto Resulta
consciencializámo-nos dos nossos defeitos de
carácter. Com a ajuda do nosso padrinho ou
madrinha escrevemos uma lista desses defeitos e
concentramo-nos no modo como eles se manifestam
nas nossas vidas. Os nossos defeitos de carácter
constituem traços humanos básicos que foram
exageradamente distorcidos pelo nosso
egocentrismo, provocando assim grande dor em nós
mesmos e naqueles à nossa volta.
Peguemos num defeito como, por exemplo, o
achar que temos sempre razão, e imaginemo-lo no
seu estado normal, sem estar exagerado: é, no fundo,
a confiança em valores próprios. As pessoas fortes e
confiantes possuem princípios e valores formados,
de acordo com os quais regem as suas vidas, e
acreditam profundamente na sua justeza. Essas
pessoas vivem aquilo em que acreditam e, quando
lhes pedem, partilham essas convicções com os
outros de uma forma não crítica. E essencial confiar
naquilo em que acreditamos, se não seríamos
pessoas sem personalidade, vogando ao sabor da
corrente, e provavelmente imaturos nas nossas
relações com o mundo. Mas, quando insistimos para
que os outros vivam segundo os nossos valores, essa
confiança transforma-se numa razão própria que
incomoda. A tentativa de forçarmos essa insistência,
através da manipulação ou do abuso de outras
pessoas, torna este defeito mais desagradável ainda.
Ou peguemos no exemplo do medo. A
ausência de medo perante um ataque pessoal, uma
doença grave, ou um ferimento, seria sinal, não de
serenidade, mas sim de insanidade! Todos nós temos
medos - de estar sozinhos, de não satisfazer as nossas
necessidades físicas, de morrer, entre muitos outros.
Mas quando os nossos medos se tornam
obsessivamente egocêntricos, quando passamos o
tempo todo a proteger-nos daquilo que poderá
Sexto Passo 65
acontecer, deixamos de conseguir lidar eficazmente
com a vida no presente.
À medida que trabalhamos o Sexto Passo, é-
nos exigida uma grande dose de boa-vontade e de
confiança para darmos o gigantesco passo que
separa o medo da coragem. Deveremos ultrapassar
os nossos receios em relação ao que poderemos ser
sem os nossos comportamentos destrutivos.
Precisaremos de confiar no nosso Poder Superior
para que nos remova os nossos defeitos de carácter.
Deveremos estar dispostos a arriscar e a acreditar
que aquilo que está para lá do Sexto Passo é melhor
do que as nossas atuais reservas de medos, de
ressentimentos e de angústia espiritual. Quando a
dor de permanecermos na mesma se tornar maior do
que o nosso medo de mudança, iremos certamente
entregar-nos.
Poderemos querer saber o que é que nos irá
acontecer sem aquilo que julgamos serem talentos de
sobrevivência. Afinal, na nossa adicção ativa o
nosso egocentrismo acabou por nos proteger de
sentimentos de culpa, deixando-nos prosseguir o
nosso uso de drogas sem nos preocuparmos com
aqueles à nossa volta. Graças à nossa negação,
evitámos ver a destruição das nossas vidas. O nosso
egoísmo permitiu que fizéssemos tudo aquilo que
era preciso para continuarmos na nossa insanidade.
Mas nós já não precisamos mais desses "talentos".
Temos agora um conjunto de princípios para
praticar, muito mais adequados ao nosso novo modo
de vida.
Quando escrevemos a nossa lista de defeitos
e vemos como eles têm estado na base dos nossos
problemas, precisamos de ter a mente aberta para ver
como as nossas vidas seriam sem esses defeitos. Se
um dos nossos defeitos de carácter é a
desonestidade, podemos pensar em situações nas
66 Isto Resulta
nossas vidas em que normalmente mentíamos, e
imaginar como nos sentiríamos se, para variar,
disséssemos a verdade. Se nos empenharmos neste
exercício, poderemos sentirmos aliviados com a
possibilidade de uma vida em que não tenhamos de
encobrir as pequenas falsidades com grandes
mentiras, ou de enfrentar todas as complicações
inerentes à desonestidade. Ou, se descobrirmos
defeitos baseados na preguiça e no adiamento,
poderemos imaginar-nos a deixar para trás a nossa
existência marginal e a avançar para uma vida de
ambições realizadas, de novos horizontes e de
possibilidades ilimitadas.
Além das nossas esperanças e dos nossos
sonhos para o futuro, poderemos ver no nosso
padrinho ou madrinha, ou noutras pessoas cujas
recuperações admiremos, mais exemplos concretos
das qualidades por que estamos a lutar. Se
conhecermos membros que demonstrem as
qualidades espirituais que queremos para nós,
poderemos utilizámos como exemplos para nós
próprios. Aquilo que gostaríamos de vir a ser
encontra-se espelhado à nossa volta nos adictos em
recuperação que vivem de acordo com princípios
espirituais. O nosso padrinho ou madrinha, bem
como outros membros, partilham a forma como se
libertaram dos seus defeitos de carácter, e nós temos
fé de que o mesmo possa acontecer também
conosco.
Mesmo assim poderemos atravessar ainda
um período de dor pela perda das nossas ilusões e
velhas maneiras de ser. Às vezes, quando largamos
os velhos talentos de sobrevivência, poderemos
sentir-nos como se estivéssemos a abandonar o
nosso melhor amigo. Precisamos, contudo, de largar
as nossas reservas, desculpas, racionalizações e
ilusões, e seguir em frente na recuperação, com os
Sexto Passo 67
olhos bem abertos. Temos plena consciência de que
não podemos voltar atrás, pois nunca conseguiremos
esquecer o milagre que começou a acontecer
conosco. Graças a trabalharmos os passos, os nossos
espíritos feridos e cansados começaram a sarar.
Parte do processo de nos prontificarmos
inteiramente envolve a prática de um
comportamento construtivo. Dado que agora
compreendemos e reconhecemos os nossos
comportamentos destrutivos, encontraremos a boa-
vontade para os substituir por comportamentos
construtivos. Por exemplo, se por alguma razão nos
sentirmos em dor, não precisamos de nos envolver
num novelo de autopiedade, queixando-nos do mal
que nos aconteceu. Em vez disso, podemos aceitar
as coisas como elas são e procurar encontrar
soluções. Quanto mais vezes agirmos assim, mais
forte se tornará o nosso hábito de pensar
construtivamente. Tornar-se-á natural estudarmos
alternativas, definirmos objetivos e seguirmos em
frente apesar dos obstáculos. Não precisamos de
desperdiçar tempo a amuar ou a queixarmo-nos em
vão de circunstâncias fora do nosso controle.
Poderemos até ficar surpreendidos conosco em
momentos de alegria e de optimismo, o que é
normal, se considerarmos que tais manifestações
serão estranhas à maioria de nós!
Poderá ainda haver ocasiões em que
achemos que se está a exigir demasiado de nós.
Muitos de nós têm exclamado, "Queres dizer que eu
até tenho de dizer a verdade acerca daquilo?", ou "Se
eu ainda pudesse mentir, roubar ou aldrabar, seria
muito mais fácil arranjar aquilo que quero."
Sentimo-nos divididos entre os comportamentos
sem escrúpulos da nossa adicção e os princípios da
recuperação, constituintes do carácter. Enquanto
que, à primeira vista, poderá parecer mais fácil
68 Isto Resulta
manipular os resultados ou evitar as consequências,
sabemos que não aguentaríamos o preço que
teríamos de pagar por isso. A vergonha, o remorso e
a perda de bem-estar espiritual daí resultantes, iriam
exceder largamente tudo aquilo que eventualmente
fôssemos ganhar por comprometermos os nossos
princípios.
Através da defesa dos princípios da
recuperação, procuramos uma vida de paz e de
harmonia. A energia que em tempos dispendemos a
cuidar e a alimentar os nossos defeitos de carácter,
poderá agora servir para alimentar os nossos
objetivos espirituais. Quanto mais atenção
concentrarmos sobre a nossa natureza espiritual,
mais esta se revelará nas nossas vidas.
Não iremos, todavia, alcançar um estado de
perfeição espiritual, por muito diligentes que
sejamos na aplicação do Sexto Passo nas nossas
vidas. Iremos decerto ver os nossos defeitos
manifestarem-se de várias formas. Mesmo depois de
anos de recuperação, poderemos sentir-nos
devastados com o reaparecimento de um velho
defeito que julgávamos já ter sido removido. A nossa
imperfeição torna-nos humildes; e que não haja
confusões - a humildade é o estado ideal para um
adicto se encontrar, pois, faz-nos voltar à terra e
assentar os pés firmemente no caminho espiritual
que estamos a percorrer. Sorrimos para as nossas
ilusões de perfeição, e seguimos em frente. Estamos
no caminho certo, na direção certa, e cada passo que
damos significa progresso.
À medida que trabalhamos este passo
ganhamos mais tolerância para com os defeitos das
pessoas à nossa volta. Quando vemos alguém a atuar
num defeito que também nos influenciou, sentimos
compaixão em vez de julgarmos, pois conhecemos
bem a dor que um tal comportamento provoca. Em
Sexto Passo 69
vez de condenarmos o comportamento de outra
pessoa, olhamos para nós mesmos. Com a nossa
experiência em nos aceitarmos a nós próprios,
podemos estender aos outros compaixão e
tolerância.
Perguntamos a nós mesmos se estamos
inteiramente prontos a deixar que Deus remova
todos os nossos defeitos - todos, sem exceção. Se
houver quaisquer reservas, se sentirmos a
necessidade de nos agarrarmos a um defeito
qualquer, rezamos por boa-vontade. Abrimos os
nossos espíritos ao processo de crescimento que
encontrámos em Narcóticos Anônimos e utilizamos
os recursos da nossa recuperação para fazer o melhor
em cada momento. Embora seja um processo para a
vida inteira, vivemos apenas o dia presente. Demos
um gigantesco passo em frente no processo de
recuperação, mas ele deverá ser seguido por outro
passo, para que seja verdadeiramente duradouro.
Com a prontidão que hoje temos à mão, avançamos
para o Sétimo Passo.
70
Sétimo Passo
"Humildemente rogámos a Ele
que nos livrasse das nossas imperfeições.”
No Quarto Passo pusemos a descoberto os
principais defeitos do nosso carácter. No Quinto
Passo admitimos a sua existência. No Sexto Passo
dispusemo-nos inteiramente a que Deus os
removesse, a fim de que pudéssemos continuar o
nosso crescimento espiritual e na nossa recuperação.
Agora, no Sétimo Passo, rogamos humildemente ao
nosso Poder Superior que remova as nossas
imperfeições. Quando pedimos ao nosso Poder
Superior que remova essas imperfeições, estamos a
pedir que nos liberte de tudo aquilo que limite a
nossa recuperação. Pedimos ajuda, pois sozinhos
não conseguimos.
Através da prática dos passos anteriores,
vemos que é necessário tornarmo-nos humildes se
quisermos viver uma vida limpa e seguir um
caminho espiritual. Uma atitude de humildade não é
o mesmo que ser humilhado, nem significa uma
negação das nossas boas qualidades. Pelo contrário,
uma atitude de humildade significa que temos uma
visão realista de nós próprios e do nosso lugar no
mundo. No Sétimo Passo, humildade significa
compreendermos o nosso papel na nossa própria
recuperação, prezando as nossas limitações e tendo
fé num Poder Superior a nós mesmos, Para praticar
o Sétimo Passo, temos de sair do caminho para que
Deus possa fazer o seu trabalho. Pedir
humildemente a remoção das nossas imperfeições
significa que damos a esse Poder amantíssimo
liberdade total para atuar nas nossas vidas,
acreditando que a sabedoria de Deus excede
Sétimo Passo 71
largamente a nossa.
Embora estejamos agora na posse de um
certo grau de humildade, muitos de nós podemos
estar um pouco confusos com a palavra
"humildemente". Podemos ter dado como garantido
que Deus iria remover as nossas imperfeições assim
que lhe pedíssemos. Aqueles de nós com essa atitude
podem ter ficado surpreendidos quando o nosso
Poder Superior não acedeu logo ao nosso pedido.
Por outro lado, alguns de nós tentaram como que
mendigar a Deus para que removesse as nossas
imperfeições, achando que isso constituiria uma
demonstração de humildade.
Esforçámo-nos tanto por praticar
corretamente este passo. Estávamos fartos das
nossas imperfeições, exaustos de tentar controlá-las,
e queríamos um pouco de descanso. Por muito
estranho que pareça, é precisamente esta a atitude
que esperamos conseguir demonstrar no Sétimo
Passo, a atitude de humildade. Admitimos a derrota,
reconhecemos as nossas limitações, e pedimos a
ajuda do Deus da nossa concepção.
Pedir ao nosso Poder Superior que remova as
nossas imperfeições requer uma entrega de uma
natureza mais profunda do que a nossa entrega
inicial. Essa entrega, nascida de um absoluto
desespero perante a nossa impotência e a nossa
incapacidade de controlarmos as nossas próprias
vidas, é transportada para um estado inteiramente
novo no Sétimo Passo. Neste novo nível de entrega,
não só aceitamos a nossa adicção como, também, as
imperfeições ligadas a ela. A aceitação da nossa
adicção constituiu o primeiro passo no sentido de
nos aceitarmos a nós mesmos. Conhecemos um
pouco de nós próprios devido ao nosso trabalho com
os passos anteriores, e as nossas ilusões de sermos
únicos foram ultrapassadas neste processo. Sabemos
72 Isto Resulta
que não somos nem mais nem menos importantes do
que os outros. Compreendermos que não somos
únicos é uma boa indicação de humildade.
A paciência constitui um ingrediente
essencial para se praticar este passo. Podemos ter
dificuldade com a noção de paciência, pois a nossa
adicção acostumou-nos à gratificação imediata. Mas
já temos vindo a praticar os princípios que nos
permitem ser pacientes. Precisamos simplesmente
de alargar a nossa decisão do Terceiro Passo, de
confiar ao Deus da nossa concepção a nossa vontade
e as nossas vidas. Se no Terceiro Passo apenas
confiávamos nesse Poder até um certo ponto, será
agora altura de aumentarmos a nossa confiança.
Dado que as nossas expectativas podem ser
limitadas, muitos de nós nem conseguem imaginar
aquilo que o nosso Poder Superior nos reserva. Se
for este o nosso caso, temos de confiar e ter fé. Tal
como nos passos anteriores, temos simplesmente de
acreditar que a vontade de Deus para nós é boa. A
nossa fé dá-nos razão para esperarmos o melhor.
Ao praticarmos este passo, deixamos de
intelectualizar o processo de recuperação. A nossa
preocupação não está em determinarmos exatamente
como ou quando as nossas imperfeições irão ser
removidas. Não é tarefa nossa analisar este passo.
Ele constitui uma escolha espiritual, escolha essa
que vai além de qualquer reação emocional ou ato
consciente da vontade. Pretender contorná-lo iria
apenas deixar-nos com uma elevada consciência dos
nossos defeitos de carácter e nenhuma esperança de
nos vermos aliviados dessas imperfeições. A dor daí
resultante poderia tornar-se insuportável.
Sétimo Passo 73
Olhámos para os nossos defeitos de carácter,
para todo o nosso sistema de crenças enganadoras, e
para os nossos padrões doentes de comportamento.
Vimos que precisamos de mudar, mas podemos não
estar conscientes de que temos vindo a mudar desde
que chegámos pela primeira vez a Narcóticos
Anônimos à procura de ajuda. Entrámos na nossa
primeira reunião com um vazio espiritual. Havia
sido bloqueado um raio essencial de luz e tínhamos
perdido a capacidade de amar, de rir e de sentir.
Durante muito tempo as pessoas tiveram dificuldade
em ver o ser humano por detrás do nosso olhar vago.
Desde a nossa primeira reunião que sentimos o amor
e a aceitação de outros membros de NA.
Começamos a regressar à vida. Aquilo que estamos
a experimentar é um despertar do espírito -
exatamente aquilo a que soa. Este despertar já há
algum tempo que se tornou evidente para aqueles à
nossa volta, mas a mudança é agora tão óbvia que
também nós conseguimos vê-la.
Uma das mudanças que vemos está no nosso
relacionamento com o Deus da nossa concepção.
Antes talvez sentíssemos que Deus estava afastado e
não tinha muito a ver conosco a um nível pessoal.
Podemos ter tido dificuldades em compreender o
facto de que cada um de nós pode ter um Deus da
nossa concepção sempre à nossa disposição. Durante
algum tempo pode ter parecido artificial rezar, mas
agora podemos sentir que estamos a ser escutados e
amados quando rezamos.
O desenvolvimento de uma relação com o
Deus da nossa concepção contribuirá grandemente
para aumentar o nosso à-vontade quando pedimos
para que as nossas imperfeições sejam removidas. O
trabalho que fizemos nos passos anteriores
aprofundou essa relação. Pedimos ao nosso Poder
74 Isto Resulta
Superior honestidade, mente aberta e boa-vontade, e
foi-nos dada a capacidade para desenvolvermos
esses atributos tão vitais para a nossa recuperação.
De cada vez que não correspondermos a uma
das qualidades que tentamos obter, ou quando
tivermos dificuldade em praticar princípios
espirituais, viramo-nos para o Deus da nossa
concepção. Neste passo pedimos a um Deus
amantíssimo que remova a nossa impaciência, a
nossa intolerância, a nossa desonestidade, ou
qualquer outra imperfeição que esteja no caminho.
Descobrimos que o nosso Poder Superior
providencia-nos sempre aquilo de que necessitamos.
Como resultado disso, a nossa fé aumenta. Quando
pedimos ao nosso Poder Superior que remova as
nossas imperfeições, podemos vê-las a serem
retiradas aos poucos. Outros defeitos poderão
simplesmente ser afastados do caminho durante
algum tempo para que possamos avançar na
recuperação. Podemos até alcançar a libertação total
de termos de atuar nesses defeitos. O importante é
que viemos a acreditar que apenas o Deus da nossa
concepção tem o poder para remover as nossas
imperfeições. Podemos mesmo pedir ao nosso Poder
Superior, em boa fé, que remova as nossas
imperfeições, sabendo que isso só acontecerá
quando Deus quiser. Esta fé pode transcender as
nossas próprias ideias sobre aquilo que precisamos e
que pensamos que devemos ter.
Não importa quão seguros nos sintamos na
nossa relação com o Deus da nossa concepção,
precisamos do nosso padrinho ou madrinha para nos
guiar através do Sétimo Passo. Ele ou ela ajuda-nos
a compreender a humildade e a encontrar uma forma
de comunicar com o nosso Poder Superior com que
nos sintamos confortáveis.
Sétimo Passo 75
Precisamos de nos lembrar de que estamos a
rezar a um Poder Superior a nós mesmos. Pedimos
humildemente, sabendo que somos impotentes.
Alguns de nós, quando pedimos ao nosso Poder
Superior que nos ajude, iremos recitar uma oração
formal que demonstre humildade. Alguns de nós
irão rezar de uma maneira mais informal, com a
mesma humildade, mas utilizando palavras próprias.
Qualquer comunicação com o nosso Poder Superior
constitui uma oração. Seja qual for o modo que
escolhemos para comunicar com o Deus da nossa
concepção, começamos a sentir um certo bem-estar
à medida que rezamos. Sabemos que algo está a
cuidar de nós.
Com este conhecimento vem a liberdade.
Embora não seja de todo uma cura, a prática do
Sétimo Passo dá-nos a liberdade de escolher.
Sabemos que se vivermos de acordo com os
princípios espirituais da recuperação, não mais
precisaremos de nos cansar a tentar controlar
situações e resultados. Confiamos as nossas vidas ao
Deus da nossa concepção. Podemos ainda ter medo
de vez em quando, mas não precisamos de reagir ao
medo de maneiras destrutivas. Temos a liberdade de
escolher, agindo construtivamente ou, quando for
apropriado, nada fazendo. Acreditar que algo está a
cuidar de nós é o resultado de desenvolvermos uma
relação com um Poder Superior a nós mesmos.
Estamos no processo de desenvolver um contato
consciente com um Poder Superior. Tentaremos
melhorar esse contato ao longo das nossas vidas.
Estamos conscientes do Deus da nossa concepção e
sentimos a presença desse Poder.
O processo do Sétimo Passo traz-nos uma
paz de espírito que nunca julgámos ser possível.
Sentimos que aquilo que está presente ao longo da
nossa busca de crescimento espiritual é a nossa
76 Isto Resulta
capacidade de sentir o amor do nosso Poder Superior
por nós. Conseguimos distinguir uma visão de total
libertação das nossas imperfeições. Não importa que
não consigamos alcançar um estado de perfeição ou
de completa humildade na nossa vida. A capacidade
de contemplar esta maravilhosa visão e de meditar
sobre ela é, por si só, um dom raro e inestimável.
Estamos a ser transformados. Não só ouvimos
falar do milagre da recuperação, como estamos
também a tornar-nos exemplos vivos daquilo que o
poder do programa de NA consegue realizar. A vida
espiritual deixou de ser uma teoria de que ouvimos
falar nas reuniões - está agora a tornar-se numa
realidade palpável. Podemos testemunhar um
milagre olhando simplesmente para o espelho. De
adictos sem esperança e espiritualmente
inconscientes, o Deus da nossa concepção
transformou-nos em adictos em recuperação,
espiritualmente conscientes e desejosos de viver.
Embora tenhamos chegado a este ponto, os danos
que causámos em virtude das nossas imperfeições
precisam agora de ser lidados. O desejo de uma
recuperação e liberdade contínuas leva-nos ao
Oitavo Passo e a começarmos a reparar os danos que
causámos.
77
Oitavo Passo
"Fizemos uma relação de todas as pessoas
que tínhamos prejudicado e dispusemo-nos
a reparar os danos a elas causados."
Nos passos anteriores começámos a fazer as
pazes com o nosso Poder Superior e com nós
próprios. No Oitavo Passo iniciamos o processo de
fazer as pazes com os outros.
Quando agimos sobre os nossos defeitos de
carácter, fizemos mal a nós próprios e àqueles à
nossa volta. No Sétimo Passo pedimos ao nosso
Poder Superior que removesse as nossas
imperfeições. Contudo, a fim de alcançarmos a
verdadeira libertação dos nossos defeitos,
precisamos de aceitar a responsabilidade por eles.
Precisamos de fazer tudo aquilo que pudermos para
reparar o mal que causámos. No Oitavo Passo
começamos a retificar os nossos erros. Começamos
a aceitar a responsabilidade pelas nossas ações ao
fazermos uma lista de todas as pessoas que
prejudicámos e ao nos dispormos a fazer reparações
a todas elas.
Apesar de os nossos esforços para fazermos
reparações poderem representar uma diferença nas
vidas daqueles que prejudicámos, o maior impacto
deste processo é nas nossas vidas. O nosso objetivo
é o de começar a "limpar" todos os danos que
causámos, para que possamos prosseguir no nosso
despertar espiritual. Quando tivermos já começado o
processo de fazer reparações, iremos certamente
surpreender-nos com o nível de liberdade que
sentimos.
78 Isto Resulta
Estamos envolvidos num processo que se destina a
libertar-nos do nosso passado, para que possamos
ser capazes de viver plenamente o presente. Muitos
de nós são assombrados pelas memórias do mal que
causámos aos outros. Essas memórias podem surgir
sem aviso. A nossa vergonha e o nosso remorso
pelas nossas ações passadas são tão profundos que
essas lembranças podem fazer com que os
sentimentos de culpa se tornem insuportáveis.
Queremos ver-nos livres dessa culpa. Começamos
por fazer uma lista das pessoas que prejudicámos.
Podemos ficar assustados só de pensarmos na
nossa lista. Podemos achar que fizemos tantos
estragos que nunca iremos conseguir repará-los, ou
podemos recear encarar as pessoas que
prejudicámos. Vemo-nos a pensar em como as
nossas reparações irão ser recebidas. Nas nossas
melhores projeções, essas pessoas irão
provavelmente desculpar-nos de tudo. Nas nossas
piores expectativas poderemos pensar que haverá
quem se recuse a aceitaras nossas reparações,
preferindo antes uma vingança. A maioria de nós
possui uma imaginação relativamente viva, mas esta
não será a altura para fazer antecipações. Deveremos
evitar fazer projeções, sejam positivas ou negativas,
sobre como se passarão as nossas reparações.
Estamos no Oitavo Passo, e não no Nono. Neste
momento a nossa única preocupação é fazermos uma
lista e dispormo-nos a fazer reparações.
A prática dos passos anteriores preparou-nos
para a boa-vontade de que necessitamos para iniciar
o Oitavo Passo. Avaliámos com honestidade a
natureza exata das nossas falhas e examinámos o
modo como as nossas ações afetaram outras pessoas.
Não foi fácil admitirmos as nossas falhas. Tivemos
de acreditar num Poder que nos fornecesse a
coragem e nos amasse através da dor que emerge ao
Oitavo Passo 79
olharmos para os resultados da nossa adicção. A
mesma honestidade e a mesma coragem a que
apelámos quando escrevemos o nosso inventário e o
partilhamos, são agora igualmente importantes para
fazermos a nossa lista de reparações. Temos vindo a
praticar estes princípios e já estamos bastante
familiarizados com eles.
Fazermos uma lista e tornarmo-nos dispostos
poderá ser difícil se não ultrapassarmos os nossos
ressentimentos. A maioria de nós deve reparações a,
pelo menos, uma pessoa que também nos tenha
prejudicado. Talvez não tenhamos ainda perdoado
totalmente essa pessoa, e podemos sentir-nos
relutantes em colocar o seu nome na nossa lista. Mas
temos de o fazer. Somos responsáveis pelas nossas
ações. Fazemos reparações porque as devemos.
Temos de deixar para trás os nossos ressentimentos
e concentrarmo-nos no papel que tivemos nos
conflitos das nossas vidas. Não conseguiremos
melhorar e ser capazes de viver a vida espiritual que
procuramos se ainda estivermos controlados pela
auto-obsessão. Largamos as nossas expectativas e
deixamos de culpar os outros pelas nossas ações.
Temos de deixar de pensar que temos sido vítimas.
No Oitavo Passo não estamos apenas preocupados
com a aceitação da responsabilidade por aquilo que
fizemos aos outros.
Se ainda sentirmos raiva de algumas das
pessoas do nosso passado, precisaremos de praticar
o princípio espiritual do perdão. A nossa capacidade
de perdoar advém da nossa capacidade de nos
aceitarmos e de nos compadecermos com nós
próprios. Contudo, se tivermos dificuldades,
podemos pedir ajuda ao nosso Poder Superior.
Rogamos por tudo aquilo que for necessário para nos
tornarmos dispostos a perdoar. Começámos a
aceitar-nos a nós próprios tal como somos.
80 Isto Resulta
Começamos agora a aceitar os outros tais como eles
são.
Podemos querer rever o nosso Quarto Passo
ao fazermos uma lista de todas as pessoas, e de todos
os lugares e instituições, aos quais devemos
reparações. Se tivermos feito um Quarto Passo
minucioso, este deverá mostrar claramente, não só o
nosso papel nos conflitos das nossas vidas, como
também a forma como prejudicámos os outros ao
atuarmos nos nossos defeitos de carácter.
Procuramos as pessoas que magoámos com a nossa
desonestidade, as pessoas a quem roubámos ou
mentimos, as pessoas que estavam do outro lado dos
nossos erros. Tomamos também nota de como
prejudicámos a sociedade como um todo e
acrescentamos isso à nossa lista. Podemos ter
abusado da comunidade, exibido um
comportamento ofensivo em público, ou recusado
colaborar para o bem-estar geral.
Embora possamos encontrar grande parte da
nossa lista de reparações ao relermos o nosso Quarto
Passo, o Oitavo Passo não é simplesmente uma
repetição do nosso inventário. Estamos agora à
procura de pessoas, de lugares e de instituições que
prejudicámos, e não apenas dos tipos de danos que
causámos. Não nos limitámos a mentir; mentimos a
alguém. Não nos limitámos a roubar; roubámos a
várias pessoas.
Aquilo que escrevemos no nosso Quarto
Passo não constitui a única fonte de apoio para
compilarmos a nossa lista de reparações. O nosso
padrinho ou madrinha também pode ajudar-nos.
Quando partilhámos o nosso inventário, ele ou ela
ajudou-nos a ver a natureza exata das nossas falhas.
A perspectiva do nosso padrinho ou madrinha
mostrou-nos como magoámos pessoas ao atuarmos
nos nossos defeitos de carácter. Esta mesma
Oitavo Passo 81
perspectiva irá agora ajudar-nos a determinar quem
é que de facto faz parte da nossa lista de reparações.
Muitos de nós tivemos também dificuldade em ver
como nos prejudicámos a nós próprios, e podemos
ter ficado surpreendidos quando o nosso padrinho ou
madrinha sugeriu que acrescentássemos o nosso
próprio nome à lista. Muitos de nós foram a
extremos ao assumirem responsabilidades. Alguns
de nós têm a tendência de negar qualquer
responsabilidade, enquanto que outros aguentam as
culpas por qualquer situação. Ao falarmos com o
nosso padrinho ou madrinha, e com outros adictos,
as nossas percepções erradas começam a
desaparecer e encontramos a clareza de que
precisamos para praticar o Oitavo Passo. Com a
ajuda que recebemos começamos a desenvolver uma
visão realista de onde é que realmente começava e
terminava a nossa responsabilidade.
Antes de começarmos a elaborara nossa lista,
é importante compreendermos o que significa a
palavra "prejudicar" no contexto do Oitavo Passo.
Podemos tender a pensar nela apenas em termos de
sofrimento físico. Existem, contudo, muitas formas
diferentes de prejudicar: causar angústia mental,
danos ou perdas materiais, infligir ferimentos
emocionais duradouros, trair a confiança, e por aí
adiante. Embora possamos dizer, "Mas eu nunca
quis magoar ninguém!", não é isso o que está em
causa. Somos responsáveis pelos danos que
causámos, fossem quais fossem as nossas intenções.
Sempre que magoámos alguém, por qualquer forma,
devido a algo que fizemos, essas pessoas eram
prejudicadas. A fim de melhor compreendermos
como prejudicámos as pessoas, poderemos querer
colocar-nos no lugar delas. Se conseguirmos
imaginar o que terá sido ser-se vítima dos nossos
descuidos e da nossa falta de consideração por
82 Isto Resulta
aqueles à nossa volta, não deveremos ter qualquer
dificuldade em acrescentar os nomes dessas pessoas
à nossa lista.
Para além de compreendermos o que significa
prejudicar, precisamos também de compreender o
que significa "fazer reparações". Este passo não diz
que nos dispusemos a pedir desculpas, embora isso
possa fazer parte das nossas reparações. A maioria
das pessoas que magoámos já nos terá ouvido pedir
desculpa milhares de vezes. Na verdade, estamos é a
dispor-nos a fazer todos os possíveis para reparar o
mal que fizemos, principalmente modificando o
nosso comportamento.
Pode ter havido ocasiões em que os danos que
causámos foram tão graves que a situação não pode
ser reparada. Isto tornar-se-á mais evidente quando
olhamos para as nossas relações com aqueles que
nos acompanharam ao longo de bastante tempo.
Durante esses anos, as nossas famílias, e os nossos
companheiros e amigos, viveram situações
dolorosas umas atrás das outras. Embora não
possamos modificar o passado, a nossa experiência
tem-nos mostrado que ainda precisamos de olhar
para aquilo que fizemos e reconhecer os danos que
causámos. Apesar da impossibilidade de modificar
aquilo que aconteceu, podemos começar a fazer
reparações ao não repetirmos o mesmo
comportamento.
Aceitar os danos que causámos,
arrependermo-nos verdadeiramente e dispormo-nos
a fazer o que for necessário para mudar, constitui um
processo doloroso. Mas não precisamos de recear a
nossa dor crescente, pois o nosso reconhecimento
destas verdades ajuda-nos a continuar o nosso
despertar espiritual. A simples aceitação dos danos
causados aumenta a nossa humildade.
Arrependermo-nos sinceramente constitui uma
Oitavo Passo 83
indicação clara de que o nosso egocentrismo
diminuiu. Ao nos dispormos a fazer o que for
necessário para mudar, a nossa inspiração é
renovada.
Parte da nossa prontidão surge simplesmente
ao escrevermos a nossa lista de reparações. Teremos
oportunidade de encarar os danos que causámos.
Alguns de nós, depois de escrevermos o nome de
uma pessoa a quem devemos reparações e o que
fizemos para a prejudicar, acrescentámos planos de
como tencionávamos fazer reparações. Se
planearmos como iremos fazer as reparações,
poderemos aumentar a nossa disposição, à medida
que vemos que possuímos o potencial para reparar o
mal que causámos.
Queremos dispor-nos a fazer as reparações
devidas e fazemos aquilo que for preciso para isso.
Se começarmos a entrar em diálogos conosco
próprios, ou a tentar avaliar o nível exato de boa-
vontade de que precisamos, podemos pôr de lado
estes pensamentos pouco produtivos e tomar uma
decisão consciente de rezar por boa-vontade.
Podemos ainda estar um pouco hesitantes, mas
fazemos o nosso melhor. E a nossa recuperação que
está em jogo. Se quisermos prosseguir na nossa
recuperação, temos de fazer reparações.
Pedimos a um Deus amantíssimo que nos
ajude a encontrar a boa-vontade para fazermos as
nossas reparações. Rezarmos por boa-vontade
aproxima-nos um pouco mais do Deus da nossa
concepção. No Sétimo Passo avançámos na nossa
relação pessoal com o nosso Poder Superior ao
rogarmos pela libertação das nossas imperfeições.
Agora confiamos nesse Poder para nos dar aquilo de
que precisaremos para praticar o Oitavo Passo. O
nosso compromisso para com a recuperação inclui
estarmos dispostos a fazer tudo aquilo que temos de
84 Isto Resulta
fazer.
Há um Poder Superior a atuar nas nossas
vidas, preparando-nos para estarmos ao serviço dos
outros. As mudanças trazidas por esse Poder estão
patentes na mudança das nossas atitudes e ações.
Estamos a desenvolver a capacidade de escolher
princípios espirituais em vez de defeitos de carácter,
e a recuperação em vez da adicção. Temos uma
perspectiva nova da vida e sabemos que somos
responsáveis por aquilo que fazemos. Não mais
sentimos um remorso constante pelos danos que
causámos no passado. Compreendermos apenas
quanto prejudicámos os outros, lamentarmos
sinceramente a dor que causámos, e dispormo-nos a
deixar que essas pessoas saibam do nosso desejo de
fazer reparações, constituem ações-chave para nos
libertarmos do nosso passado. Embora ainda
tenhamos de fazer as pazes com os outros, já
percorremos um longo caminho em direção a fazer
as pazes com nós próprios. Com a nossa nova
perspectiva, a nossa confiança no Deus da nossa
concepção e a nossa boa-vontade, avançamos para o
Nono Passo.
85
Nono Passo
"Fizemos reparações diretas dos danos causados
a tais pessoas, salvo quando fazê-las
significasse prejudicar essas pessoas ou outras.”
Agora que estamos dispostos a fazer
reparações a todas as pessoas que prejudicámos,
pomos em ação essa vontade ao praticarmos o Nono
Passo. Estamos envolvidos num processo que nos
leva da consciência dos nossos erros e dos conflitos
que eles provocaram, a uma libertação crescente
desses conflitos, em direção à serenidade que
procuramos. Este processo obrigou-nos a
examinarmos as nossas vidas, a identificarmos os
nossos defeitos de carácter e a tornarmo-nos
conscientes de como prejudicámos os outros quando
agimos sobre esses defeitos. Agora precisamos de
fazer aquilo que pudermos para reparar os danos que
causámos.
Temos a nossa lista, feita no Oitavo Passo, e
sabemos aquilo que temos de fazer. Apesar disso,
saber e fazer são duas coisas diferentes. Podemos ter
um plano perfeito para fazer as nossas reparações,
mas quando o momento chegar podemos sentir-nos
esmagados pelo medo e incapazes de seguir em
frente. Podemos também recear a forma como as
nossas reparações serão recebidas, ou achar que
alguém poderá querer vingar-se. Por outro lado,
podemos estar a alimentar uma esperança secreta de
sermos desculpabilizados das nossas
responsabilidades. Não podemos basear a nossa boa-
vontade na esperança de não termos de fazer
restituições. Tudo é possível quando fizermos as
nossas reparações, desde sermos totalmente
responsabilizados até sermos completamente
86 Isto Resulta
desculpados. Devemos ter a boa-vontade de ir em
frente, sejam quais forem as consequências. Uma
vez mais, com a ajuda do nosso Poder Superior,
precisamos apenas de ultrapassar o nosso medo e
seguir em frente.
Devemos ser corajosos quando praticamos
este passo. Embora a ideia de fazer reparações nos
assuste, viramo-nos para o Deus da nossa concepção
na busca de força, tal como sempre temos feito. O
nosso Poder Superior está conosco quando fazemos
cada uma das nossas reparações. Confiamos na
presença desse Poder, mesmo apesar do nosso medo
de ir falar com as pessoas que prejudicámos.
Podemos hesitar, temendo que as outras
pessoas não nos aceitem tão prontamente como os
nossos companheiros de NA o fizeram. Contudo,
descobrimos que os adictos em recuperação não têm
o monopólio da bondade e do perdão. Há outras
pessoas que também são capazes de nos aceitar
como somos e de compreender os nossos problemas.
Mas, quer queiram ou não aceitar-nos, devemos
prosseguir com as nossas reparações. O risco que
corremos será certamente recompensado com o
aumento de liberdade pessoal.
Os princípios espirituais da honestidade e da
humildade, que aprendemos nos passos anteriores,
são inestimáveis para nós no Nono Passo. Nunca
seríamos capazes de, com um espírito da humildade,
nos aproximar das pessoas a quem devemos
reparações, se não tivéssemos praticado antes estes
princípios. A avaliação honesta que presidiu ao
nosso inventário e com que fizemos as nossas
admissões, o esvaziamento do ego provocado pelo
Sexto e pelo Sétimo Passo, bem como a perspectiva
realista da forma como prejudicámos os outros, tudo
isso contribuiu para aumentar a nossa humildade e
nos dar o ímpeto necessário para praticar o Nono
Nono Passo 87
Passo. O nosso caminho levou-nos a aceitar
humildemente aquilo que fomos e aquilo em que nos
estamos a tornar, resultando num desejo sincero de
fazer reparações a todos aqueles que prejudicámos.
Este desejo de fazer reparações deverá
constituir o motivo principal para praticarmos o
Nono Passo. Não fazemos reparações só porque o
nosso programa de recuperação o sugere. Para
termos a certeza de que os nossos motivos se
baseiam em princípios espirituais, poderá ser útil,
antes de fazermos cada uma das nossas reparações,
reafirmar a nossa decisão de entregar a nossa
vontade aos cuidados do Deus da nossa concepção.
Um Poder Superior a nós próprios irá assim orientar-
nos.
Não devemos estará espera de uma
"palmadinha nas costas", ou de elogios, por
vivermos segundo os princípios de recuperação. As
pessoas poderão reagir de diferentes formas às
nossas reparações, apreciando ou não aquilo que
estamos a fazer. As relações que temos com essas
pessoas poderão melhorar, ou não. Poderão
agradecer-nos, ou poderão dizer-nos, "Já era tempo
de fazeres isso". Não devemos ter quaisquer
expectativas de como serão as nossas reparações:
deixemos os resultados ao Deus da nossa concepção.
É muito importante que nas nossas reparações
façamos o nosso melhor. Contudo, o nosso papel
termina aí. Não podemos esperar que as nossas
reparações curem, como que por magia, os
sentimentos magoados de alguém a quem
prejudicámos. Podemos pedir humildemente por
perdão, mas, se ele não nos for dado, deixamos ir
essa expectativa, sabendo que fizemos o nosso
melhor. Quando fazemos reparações, perguntamos a
nós próprios se estamos a fazê-las por estarmos
verdadeiramente sentidos e por termos um desejo
88 Isto Resulta
genuíno de fazer reparações por aquilo que fizemos.
Se a nossa resposta for "sim", podemos estar seguros
de que estamos a fazer as nossas reparações no
verdadeiro espírito de humildade e amor.
Centrados na nossa humildade, devemos
pedir, sempre que possível, a ajuda do nosso
padrinho ou madrinha para as reparações difíceis,
discutindo cada uma delas antes de as fazermos.
Contamos ao nosso padrinho ou madrinha o motivo
pelo qual queremos fazer as reparações, aquilo que
tencionamos dizer, e o que pretendemos oferecer
para corrigir a situação. Aquilo que pretendemos
oferecer como reparação deverá ser adequado ao
dano que causamos. Por exemplo, se pedimos
dinheiro emprestado a alguém e nunca o pagámos,
não nos limitamos a pedir desculpa - devolvemos o
dinheiro. Falamos diretamente com a pessoa que
prejudicámos e fazemos a reparação exata daquilo
que fizemos errado.
Quando fazemos reparações a alguém contra
quem tenhamos um ressentimento, é imperativa uma
atitude de humildade. Não queremos ir ter com
alguém com a intenção de fazer reparações, e acabar
aos gritos, numa discussão sobre quem terá sido
mais prejudicado. Embora tenhamos de certeza
reparações a fazer a pessoas que também nos
prejudicaram, devemos colocar de lado os nossos
sentimentos magoados. A nossa responsabilidade é
fazer reparações por aquilo que nós fizemos, e não
forçar os outros a admitirem como eles nos
prejudicaram a nós.
A nossa experiência diz-nos que as
reparações constituem um processo de duas etapas.
Não só fazemos reparações à pessoa a quem
prejudicámos, como também as acompanhamos de
uma séria mudança do nosso comportamento.
Primeiro, reparamos as nossas cercas; depois,
Nono Passo 89
reparamos os nossos caminhos. Por exemplo, alguns
de nós, num acesso de raiva, podem ter destruído
coisas alheias. Quando fazemos as nossas
reparações, não só pedimos desculpa e substituímos
ou reparamos o que estragámos, como damos
também seguimento a isso com uma reparação das
nossas atitudes. Reparamos o nosso comportamento
através de um esforço diário para não exprimirmos
mais a nossa raiva através da destruição de coisas
materiais.
A mudança dos nossos modos de vida
constitui um processo para a vida, e é talvez a
reparação mais significativa que podemos fazer.
Houve pessoas que, devido a nós, sofreram durante
anos, tal como as nossas famílias ou outros que nos
foram próximos. As reparações desta natureza não
podem ser feitas com um pedido de desculpa em
cinco minutos, por muito sincero que seja. Embora
uma admissão de erro, ou uma desculpa, possa
constituir o ponto de partida, precisamos de
prosseguir, fazendo um esforço diário concertado
para parar de magoar aqueles que amamos. Se
negligenciámos as nossas famílias, começamos a
passar tempo com elas. Se fomos descuidados,
esquecendo sempre as datas de aniversários,
passamos a pensar nessas coisas, lembrando esses
acontecimentos importantes. Se demonstrámos falta
de consideração, por estarmos sempre embrenhados
naquilo que queríamos e precisávamos, começamos
agora a ser sensíveis às necessidades dos outros.
Claro que podemos já não ter uma relação
próxima com algumas das pessoas que
prejudicámos. Por exemplo, se estivermos
divorciados de uma mulher de quem temos filhos,
podemos dever-lhe uma pensão de alimentos.
Reparações dessas não exigem que recomecemos
uma relação emocional com a nossa antiga
90 Isto Resulta
companheira. Podemos simplesmente acordar num
plano que satisfaça as nossas obrigações para com os
nossos filhos, lembrando-nos de que elas não são
apenas financeiras.
Dado que a ação que tomamos neste passo
pode ter um profundo impacto noutras pessoas, não
queremos começar alegremente a fazer as nossas
reparações sem primeiro as discutirmos em
pormenor com o nosso padrinho ou madrinha.
Alguns de nós sentiram-se compelidos a fazer as
reparações por impulso, apenas para aliviar a nossa
própria consciência; contudo, acabámos geralmente
por piorar as coisas. Suponhamos que no nosso
Quarto Passo escrevemos sobre pessoas a quem
ressentimos secretamente durante anos. Sem que
elas o soubessem, ridicularizámo-las, julgámo-las e
condenámo-las, ou difamámos de outras formas o
seu carácter perante outros. O facto de toda essa
destruição de carácter ter tido lugar nas costas dessas
pessoas, será razão para irmos agora ter com elas e
confessarmos o que fizemos? Claro que não! O
Nono Passo não se destina a aliviarmos a nossa
consciência à custa dos outros. O nosso padrinho ou
madrinha irá ajudar-nos a encontrar uma forma de
fazermos as nossas reparações sem provocarmos
danos adicionais.
Embora pareça óbvio que não faríamos
reparações diretas numa situação em que
prejudicássemos outros, podemos descobrir que
temos dúvidas quanto às reparações "diretas" a fazer
a quem já faleceu, não é localizável, ou vive a
milhares de quilómetros de distância. Existem
muitas maneiras de fazer reparações diretas sem ser
pessoalmente. Se alguém a quem devemos
reparações já faleceu, poderemos escrever uma carta
dizendo tudo aquilo que diríamos se a pessoa ainda
fosse viva, lendo-a depois ao nosso padrinho ou
Nono Passo 91
madrinha. Poderemos querer fazer reparações a
alguém que vive a milhares de quilómetros de
distância, mas a maioria de nós não tem os meios
para fazer uma viagem tão grande, unicamente com
esse objetivo. Em situações destas, um telefonema
ou uma carta poderão servir o mesmo objetivo que
as reparações feitas pessoalmente. As pessoas que
não conseguirmos localizar deverão permanecer na
nossa lista. Poderá mais tarde surgir uma
oportunidade de fazer reparações, talvez até passado
uns anos. Entretanto, deveremos manter a boa-
vontade de fazer essas reparações caso haja uma
oportunidade. Claro que nunca devemos evitar fazer
reparações pessoalmente só porque temos medo de
encarar a pessoa que prejudicámos. Esforçamo-nos
por encontrar as pessoas que prejudicámos e fazer as
melhores reparações ao nosso alcance.
A escolha da melhor forma de fazer
reparações requer um estudo cuidado. Com tempo,
deveremos procurar na nossa consciência aquilo que
esteja certo. Alguns de nós têm de encarar situações
que não podem ser corrigidas. As nossas ações
podem ter deixado cicatrizes físicas ou emocionais
permanentes, ou provocado até a morte de alguém.
Devemos procurar aprender a viver com isso.
Vivemos com indescritíveis remorsos, sem
sabermos o que é que poderíamos alguma vez fazer
como reparação. É aqui que não temos outra escolha
senão confiar no nosso Poder Superior. Podemos
sentir dificuldade em perdoar a nós próprios, mas
podemos pedir o perdão de um Deus amantíssimo.
Sentamo-nos sossegados na presença do nosso
Poder Superior e pedimos orientação para aquilo que
possamos fazer. Muitos de nós encontraram resposta
na ajuda a outros adictos, ou em outras formas de
servir. Não existem respostas fáceis para problemas
como estes. Fazemos simplesmente o melhor que
92 Isto Resulta
podemos, confiando na orientação do nosso
padrinho ou madrinha, e do Deus da nossa
concepção.
Para muitos de nós, a destruição do passado
inclui coisas relativamente pequenas, como
notificações do tribunal por violações de trânsito,
enquanto outros cometeram crimes com
consequências muito sérias. Podemos sentir-nos
num dilema em relação a tais questões. Se nos
entregarmos às autoridades podemos ir parar à
prisão, mas, se não o fizermos, podemos viver no
medo de sermos apanhados e ir parar à cadeia de
qualquer maneira. Com a ajuda do nosso padrinho
ou madrinha, e do Deus da nossa concepção,
estamos dispostos a fazer aquilo que for preciso a
fim de manter a nossa recuperação. Poderá ser muito
útil consultarmos também um advogado acerca
destes problemas, pois teremos de confiar em
conselhos de profissionais antes de fazermos tais
reparações.
Há reparações financeiras particularmente
difíceis que podem requerer também conselhos
profissionais. Muitos de nós acumularam dívidas a
um ritmo alarmante. Podemos ter dívidas que
estejam muito além das nossas possibilidades de as
pagar num futuro próximo, algumas podendo até
ultrapassar aquilo que poderemos concebivelmente
ganhar nos próximos anos. Alguns de nós raramente
pagavam a renda, as contas da casa ou do telefone.
Talvez tenhamos achado que seria mais fácil
mudarmo-nos para outro sítio do que enfrentarmos
as nossas obrigações financeiras.
Tal como fazemos com todas as nossas
reparações, discutimos primeiro as nossas
reparações financeiras com o nosso padrinho ou
madrinha. Alguns de nós começaram a sustentar as
famílias desde o início da recuperação; elas
Nono Passo 93
dependem de nós para casa e alimentação.
Costumamos chegar à conclusão de que precisamos
de orçamentar cuidadosamente o nosso dinheiro a
fim de darmos conta de todas as despesas correntes,
ao mesmo tempo que pagamos o máximo que
pudermos das nossas dívidas antigas. Podemos
resolver tais situações contatando os nossos
credores, explicando a nossa situação e
manifestando o desejo de liquidar as nossas dívidas.
Acordamos num plano razoável para o pagamento
das nossas dívidas e cumprimo-lo. Este é um
exemplo de como fazer reparações constitui um
processo e não algo que se faça "de uma vez por
todas". Pagar uma dívida durante anos e anos exige
de nós grande disciplina, sacrifício pessoal e
compromisso, mas ao seguirmos esse caminho
recuperamos o nosso respeito próprio.
A maioria de nós descobre que são
extremamente desconfortáveis as reparações a fazer
pelos danos emocionais que causámos em relações
intimas. Tal como escrevemos no nosso Quarto
Passo, compreendemos que não só roubámos a nós
próprios a oportunidade de relações com sentido,
como causámos também profunda mágoa emocional
nos nossos companheiros. Os nossos receios de
intimidade ou de compromisso podem ter-nos
levado a usar, a ser infiéis, ou a abandonar as pessoas
que nos amavam. Geralmente não estávamos
disponíveis para as pessoas que nos amavam.
Enquanto que há ocasiões em que precisamos de ir
ter com essas pessoas para fazermos reparações, há
outras ocasiões em que será melhor deixá-las em
paz, a fim de não reabrirmos velhas feridas.
Reconhecer esta diferença requer uma honestidade
total da nossa parte e uma comunicação aberta com
o nosso padrinho ou madrinha. Quer façamos ou não
reparações diretas às pessoas que prejudicámos em
94 Isto Resulta
relações, precisamos definitivamente de mudar a
forma como hoje nos comportamos nesta área. Se
antes fugíamos da intimidade, precisamos de nos
sentar e de aprender a comunicar com os nossos
companheiros. Devemos ter mais consideração, e
tornarmo-nos mais sensíveis e atentos às
necessidades dos outros.
Por vezes a única forma de fazermos
reparações é mudarmos as nossas atitudes. Tal como
vimos no Oitavo Passo, podemos dever reparações à
nossa comunidade ou à sociedade em geral. Embora
isso possa parecer um conceito abstrato, deveremos
fazer reparações concretas ao modificarmos o nosso
comportamento. Se prejudicámos a sociedade,
começamos a fazer reparações tornando-nos
membros produtivos da sociedade. Damos o nosso
contributo e procuramos formas de dar, e não de
receber.
A nossa recuperação é também uma forma
de fazermos reparações a nós próprios. Durante a
nossa adicção ativa tratámo-nos a nós mesmos de
um modo horrível. A culpa e a vergonha que
sentíamos de cada vez que prejudicávamos alguém
levaram-nos uma grande parte do nosso respeito
próprio. A nossa adicção humilhou-nos de mil
formas diferentes. Agora, em recuperação,
aprendemos a tratar-nos a nós mesmos de maneiras
que demonstram o nosso respeito próprio.
Os resultados mais importantes do Nono
Passo vão ser encontrados dentro de nós. Este passo
ensina-nos imenso sobre a humildade, o amor, a
generosidade e o perdão. Começamos a recuperar da
nossa adicção e a não viver mais com tantos
remorsos. Crescemos espiritualmente e descobrimos
que estamos na verdade a ganhar um novo nível de
liberdade nas nossas vidas. O nosso passado é
apenas isso - o passado. Pusemo-lo para trás de nós
Nono Passo 95
para que ele deixe de pairar sobre os nossos
pensamentos, à espera de uma oportunidade para
assombrar o nosso presente.
Um dos dons mais maravilhosos que nos é
dado pelo Nono Passo é vermos que estamos a
tornar-nos seres humanos melhores.
Compreendemos o quanto temos mudado pois não
estamos mais a repetir as coisas que nos levam agora
a efetuar reparações. Podemos não ter
compreendido, até agora, quanto havíamos mudado
na nossa recuperação. O processo de recuperação
prova que estamos a tornar-nos pessoas
verdadeiramente diferentes. O longo pesadelo da
nossa adicção está finalmente a desvanecer-se na luz
da alvorada da nossa recuperação.
A nossa humildade aumenta quando
encaramos as pessoas que prejudicámos. O impacto
de vermos quão profundamente as nossas ações
afetaram os outros, tira-nos da nossa auto-obsessão.
Começamos a compreender que os outros têm
sentimentos reais e que podemos magoá-los se
formos descuidados.
À medida que trabalhamos este passo
aprendemos a ter consideração pelos outros, e é isso
o que praticamos hoje nas nossas vidas. Torna-se
natural para nós pensarmos antes de falar ou de agir,
tendo em mente que aquilo que dizemos ou fazemos
irá afetar os nossos amigos, as nossas famílias e os
nossos companheiros de NA. Tratamos os outros
com amor e simpatia, levando conosco um profundo
e duradouro respeito pelos seus sentimentos.
Dada a humildade e a generosidade tão
necessárias às nossas reparações, poderemos
surpreender-nos com a forma como o Nono Passo
aumenta a nossa autoestima. Um dos aspectos mais
paradoxais da nossa recuperação é que, ao
pensarmos menos em nós próprios, aprendemos a
96 Isto Resulta
amar-nos mais. Talvez não esperássemos que a
nossa viagem espiritual conduzisse a uma nova
apreciação de nós próprios, mas a verdade é que isso
acontece. Através do amor que estendemos aos
outros, compreendemos o nosso próprio valor.
Aprendemos que as nossas contribuições fazem uma
diferença, não só em NA, mas no mundo à nossa
volta.
Como resultado de praticarmos o Nono
Passo, estamos livres para viver o presente, capazes
de gozar cada momento e de sentir a gratidão
resultante da recuperação. As memórias do passado
já não nos prendem, e surgem assim novas
possibilidades. Estamos livres de ir por caminhos
nunca antes pensados. Estamos livres de sonhar e de
procurar realizar os nossos sonhos. As nossas vidas
estendem-se à nossa frente como um horizonte sem
limites. Poderemos tropeçar de quando em vez, mas
o Décimo Passo dá-nos a oportunidade de nos
levantarmos e de seguirmos em frente. O nosso
Poder Superior convidou-nos a viver, e nós
aceitámos o convite com gratidão.
97
Décimo Passo
"Continuámos a fazer um inventário pessoal
e quando estávamos errados admitimo-lo prontamente."
A recuperação em NA é sobre aprender a
viver. Ao incorporarmos nas nossas vidas os
princípios espirituais que aprendemos nos primeiros
nove passos, tornou-se possível viver em harmonia
conosco e com os outros. A auto avaliação, a
confrontação com aquilo que descobrimos dentro de
nós próprios, e o reconhecimento dos nossos erros,
constituem elementos fundamentais para vivermos
as nossas vidas numa base espiritual. Ao praticarmos
o Décimo Passo tornamo-nos mais conscientes das
nossas emoções, do nosso estado psicológico e da
nossa condição espiritual. Sentimo-nos, assim,
constantemente recompensados com uma
perspectiva renovada.
Alguns de nós olharam para trás, para o
Quarto Passo, e interrogaram-se sobre a necessidade
de se fazer um Décimo Passo. Podemos achar que,
nos passos anteriores, já corrigimos todas as nossas
falhas passadas. Dado que não temos qualquer
intenção de repetir esses erros, porque é que
havemos de continuar com esta implacável
autoavaliação? O Décimo Passo parece, para alguns
de nós, uma tarefa cansativa de concluir, um
exercício doloroso que bem poderíamos evitar. Mas
temos de continuar a crescer e é exatamente isso o
que o Décimo Passo nos ajuda a fazer. Embora
voltemos vez após vez aos passos anteriores, o
Décimo Passo aumenta o nosso crescimento
espiritual de uma forma diferente, criando uma
consciência daquilo que se passa hoje nas nossas
vidas.
98 Isto Resulta
Nunca é demais salientar a importância de
nos mantermos em contato com os nossos
pensamentos, as nossas atitudes, os nossos
sentimentos e comportamentos. Em cada dia que
passa a vida apresenta-nos novos desafios. A nossa
recuperação depende da nossa boa-vontade para
enfrentar esses desafios. A nossa experiência diz-nos
que alguns membros recaem, mesmo após longos
períodos de abstinência, porque se tornaram
complacentes na recuperação, deixando que os seus
sentimentos crescessem e recusando-se a reconhecer
os seus erros. Aos poucos, essas pequenas dores,
essas meias-verdades e esses rancores "justificados",
transformam-se em desapontamentos profundos, em
sérias desilusões, em ressentimentos elaborados.
Não podemos deixar que essas ameaças
comprometam a nossa recuperação. Temos de lidar
com situações dessas assim que elas surgem.
No Décimo Passo praticamos todos os
princípios que aprendemos nos passos anteriores e
aplicamo-los consistentemente nas nossas vidas.
Começar o dia a reafirmar a nossa decisão de viver
de acordo com a vontade do nosso Poder Superior
tem ajudado muitos de nós a manter-nos focados em
ideais ao longo do dia. Mesmo assim iremos cometer
erros que nos são muito familiares. Podemos atribuir
praticamente cada erro a um defeito de carácter que
identificámos no Sexto Passo. Pedir humildemente
ao Deus da nossa concepção que remova as nossas
imperfeições é tão necessário agora como era no
Sétimo Passo.
No Décimo Passo fazemos tudo isto
regularmente. Cada dia fazemos o nosso inventário,
procuramos aqueles momentos em que não
correspondemos aos nossos ideais espirituais, e
renovamos os nossos esforços para viver uma vida
centrada em princípios. Por exemplo, quando somos
Décimo Passo 99
confrontados com a tendência de agir
compulsivamente, ignorando as consequências das
nossas ações, precisamos de nos concentrar em
princípios espirituais, tomar uma atitude
prontamente, e prosseguir em frente na nossa
recuperação.
Embora possa, a princípio, ser difícil ganhar o
hábito de praticar este passo, devemos persistir. À
medida que vamos conseguindo olhar para nós
próprios ao longo do dia, podemos pôr algum tempo
de lado para nos autoavaliarmos. Seguimos em
frente, tentando sempre tornarmo-nos cada vez mais
conscientes de nós mesmos. Precisamos de
desenvolver a autodisciplina. Quanto mais nos
esforçarmos por isso, mais veremos que praticar o
Décimo Passo tornar-se-á tão natural quanto
respirar.
Não que devamos ser duros com nós
mesmos, pegando em todos os motivos e procurando
problemas onde eles não existem. Precisamos de
acompanhar a voz da nossa consciência e ouvir o que
ela tem para nos dizer. Quando tivermos a sensação
incómoda de que algo não está bem, devemos olhar
para isso. Se os nossos sentimentos de culpa ou de
raiva não desaparecerem, podemos fazer algo por
isso. Sabemos quando algo nos incomoda - talvez
não seja logo, mas geralmente também não é muito
depois. Assim que nos tornamos conscientes de que
estamos a sentir-nos mal, procuramos a causa e
lidamos com ela assim que possível.
Se, por um lado, procuramos manter uma
consciência contínua ao longo do dia, será também
útil sentarmo-nos calmamente no fim do dia e
refletir sobre aquilo que aconteceu e a forma como
reagimos. Por vezes, o nosso padrinho ou madrinha
irá sugerir que escrevamos o nosso Décimo Passo.
Podemos também utilizar o nosso folheto "Viver o
100 Isto Resulta
Programa". Neste passo fazemos nós próprios o
mesmo tipo de perguntas que fizemos no Quarto
Passo. A única diferença é que a ênfase é colocada
no hoje. Olhamos para o nosso comportamento
presente e perguntamos a nós próprios se estamos a
viver de acordo com os nossos valores. Fui honesto
hoje? Estou a manter a integridade pessoal nas
minhas relações com os outros? Estou a crescer, ou
estou a cair nas velhas atitudes? Concentramo-nos,
assim, no quadro geral do nosso dia.
A fim de examinarmos o nosso dia - ou, afinal,
a nossa vida, na sua totalidade precisamos da
humildade que adquirimos nos passos anteriores.
Aprendemos bastante acerca de nós próprios: a
forma como reagimos à vida no passado e como
queremos reagir à vida hoje. É necessário bastante
consciência para reconhecermos humildemente o
nosso papel nas nossas próprias vidas.
Por vezes, quando as nossas intenções nos
parecerem boas, poderemos ter dificuldade em saber
quando estamos errados. Por exemplo, num dado
momento da nossa recuperação, podemos participar
numa reunião de serviço de um grupo firmemente
convencidos de que sabemos aquilo que o grupo
deverá fazer. Estudámos todas as alternativas;
partilhámos energicamente os nossos pontos de vista
na reunião. Estamos tão convencidos da nossa
opinião que não conseguimos reconhecer a nossa
presunção. Não temos olhos para os danos que
estamos a causar nos outros por não respeitarmos as
suas ideias tanto quanto as nossas.
Décimo Passo 101
Outras vezes agimos de forma contrária aos
nossos valores, mas, no entanto, queremos que os
outros sigam os nossos padrões. Por exemplo,
podemos ficar perplexos quando ouvimos outros a
mexericar sobre alguém; a seguir a isso, podemos
agir arrogantemente - até nos vermos a fazer
exatamente a mesma coisa. Outra situação que pode
acontecer é quando nos tornamos demasiado
críticos. Por exemplo, podemos ter uma tendência
para ter expectativas muito altas em relação aos
outros e querer que toda a gente à nossa volta seja
infalivelmente honesta. Contudo, temos à mão uma
série de desculpas para que esse padrão não se
aplique a nós! Se nos encontrarmos numa
ambiguidade assim, podemos usar os princípios do
Décimo Passo para nos darem uma outra luz.
Pode haver outras ocasiões nas nossas vidas
em que nos encontramos numa situação que parece
exigir um compromisso para com as nossas crenças
e para com os nossos valores pessoais. Por exemplo,
se tivéssemos sido contratados por uma empresa e
descobríssemos que o nosso patrão esperava que nos
dedicássemos a práticas comerciais duvidosas,
teríamos razão para nos sentir confusos quanto às
escolhas então ao nosso dispor. Decidir o que fazer
perante um dilema tão difícil constituiria uma
decisão dura para qualquer um de nós. Podemos
sentir-nos tentados a fazer um juízo rápido ou
esperar que o nosso padrinho ou madrinha dê uma
resposta fácil; descobrimos, contudo, que ninguém
pode resolver um tal dilema por nós. Embora o nosso
padrinho ou madrinha possa dar-nos orientação,
devemos ser nós mesmos a aplicar os princípios do
programa e chegar à nossa própria decisão. Somos
nós, afinal, quem tem de viver com a nossa
consciência. Para que nos sintamos bem, somos nós
que temos de decidir aquilo que é, e aquilo que não
102 Isto Resulta
é, moralmente aceitável nas nossas vidas.
Pode tornar-se muito confuso determinar
quando errámos, especialmente quando estamos
imersos num conflito. Quando as nossas emoções
estão exaltadas, podemos não ser capazes de olhar
honestamente para nós mesmos. Conseguimos ver
apenas as nossas necessidades e os nossos desejos
imediatos. Nessas ocasiões, o nosso padrinho ou
madrinha poderá sugerir que façamos um inventário
pessoal de uma área específica das nossas vidas, para
que possamos ver o nosso papel nela. Se os nossos
amigos repararem que estamos a agir sobre um
defeito de carácter, poderão sugerir que falemos
nisso ao nosso padrinho ou madrinha. Termos uma
mente aberta às sugestões do nosso padrinho ou
madrinha, e dos nossos amigos de NA; prestarmos
atenção àquilo que a nossa consciência nos diz;
passarmos algum tempo sossegados com o Deus da
nossa concepção - tudo isto poderá conduzir-nos a
uma maior clareza.
Uma vez cientes de que errámos - quer seja
cinco minutos, cinco horas ou cinco dias depois do
sucedido - precisamos de admitir o nosso erro logo
que possível e reparar qualquer dano que possamos
ter causado. Tal como no Nono Passo, descobrimos
que o processo de admitir os nossos erros e de
modificar o nosso comportamento traz-nos uma
enorme liberdade.
Claro que devemos ter o mesmo cuidado ao
corrigirmos o nosso comportamento presente como
quando fizemos reparações no Nono Passo. Por
exemplo, se descobrirmos que estávamos errados
quando nos sentávamos numa reunião a julgar
alguém que estava a partilhar, certamente que não
precisamos de ir dizer a essa pessoa aquilo que
pensámos. Em vez disso, podemos fazer um esforço
para sermos mais tolerantes.
Décimo Passo 103
Devemos lembrar-nos de que o Décimo Passo
não constitui um exercício parcial, para anotarmos
apenas aquilo que fizemos de errado. Devemos
resistir a qualquer impulso para nos obcecarmos com
este passo, na procura impiedosa de todo e qualquer
defeito no nosso carácter. O objetivo do Décimo
Passo é que estejamos dispostos a prestar atenção
aos nossos pensamentos, comportamentos e valores,
e depois trabalharmos naquilo que precisamos de
modificar. Deveremos reconhecer que, muitas
vezes, os nossos motivos são válidos e fazemos as
coisas bem. Os defeitos e as qualidades de carácter
não são mutuamente exclusivos, e em cada dia
iremos decerto encontrar exemplos de ambos.
À medida que trabalhamos este passo,
desenvolvemos objetivos orientados para a nossa
recuperação. Quando vemos que temos tido medo de
avançar em determinada área das nossas vidas,
podemos resolver correr alguns riscos, indo buscar
coragem ao nosso Poder Superior. Quando vemos
que temos sido egoístas, podemos esforçar-nos por
ser mais generosos no futuro. Quando
compreendemos hoje que não demos o nosso melhor
em determinada área da nossa vida, não temos de nos
deixar subjugar por sentimentos de terror e de medo
de falhar. Em vez disso, podemos estar gratos pela
nossa consciência de nós próprios e começar a sentir
alguma esperança. Sabemos que, ao aplicarmos o
nosso programa de recuperação nas nossas
imperfeições, iremos mudar e crescer.
Começamos a formar uma ideia mais realista
de nós próprios, como resultado de trabalharmos o
Décimo Passo. Muitos de nós têm reparado na
liberdade que sentimos ao admitirmos os nossos
erros e largarmos as expectativas irrealistas de nós
mesmos. Se antes íamos de um extremo ao outro,
desde nos sentirmos melhor do que toda a gente, até
104 Isto Resulta
acharmos que não tínhamos qualquer valor,
encontramos agora um ponto de equilíbrio onde a
verdadeira autoestima pode florescer. À medida que
descobrimos neste passo as nossas qualidades,
durante tanto tempo ignoradas, sentimos um renovar
de esperança. Vemo-nos como realmente somos,
aceitando as nossas virtudes assim como os nossos
defeitos, sabendo que podemos mudar com a ajuda
dum Poder Superior. Estamos a tornar-nos naquilo
que sempre deveríamos ter sido: seres humanos
completos.
Embora todos nós precisemos do amor e da
atenção dos outros, podemos deixar de depender das
pessoas para nos darem aquilo que só podemos
encontrar dentro de nós. Podemos deixar de fazer
exigências descabidas aos outros e começar a dar de
nós nas relações. As nossas relações de amor, as
nossas amizades e as nossas interações com
familiares, colegas e conhecidos, estão a sofrer uma
mudança surpreendente. Estamos livres de gozar a
companhia de outra pessoa, pois já não estamos
obcecados conosco próprios. Vemos finalmente que
todos os artifícios que utilizámos para manter as
pessoas à distância são, pelo menos, desnecessários
e, na maior parte das vezes, são a causa subjacente
da dor que sofremos nas nossas relações.
O facto de termos relações mais saudáveis é
apenas uma indicação de como a qualidade das
nossas vidas melhorou drasticamente, mas reflete,
por outro lado, as mudanças impalpáveis, mas muito
reais, que tiveram lugar dentro de nós. Toda a nossa
perspectiva mudou. Preocupações como o "querer
parecer bem", ou a acumulação de riquezas
materiais, perdem a sua importância quando
comparadas com os valores espirituais que nos são
hoje queridos. Ao aceitarmos o desafio da
introspecção que nos pede o Décimo Passo,
Décimo Passo 105
descobrimos que a nossa recuperação e a nossa
relação com o Deus da nossa concepção ganham
valor sobre tudo o resto.
À medida que se apazigua o caos interior em
que vivemos durante tanto tempo, começamos a
experimentar longos períodos de serenidade. Nessas
alturas sentimos a presença poderosa de um Deus
amantíssimo nas nossas vidas. Estamos cada vez
mais conscientes desse Poder e estamos prontos a
explorar novos caminhos para manter e melhorar o
nosso contato com esse Poder. Ao procurarmos
direção e sentido para as nossas vidas, prosseguimos
para o 11o
Passo.
106
Décimo-Primeiro Passo
"Procurámos, através da prece e da meditação, melhorar o nosso contato
consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas
pelo conhecimento da Sua vontade em relação a nós
e pelas forças para realizar essa vontade."
Ao longo da nossa recuperação, uma das
coisas que sobressai como resultado de trabalharmos
os passos é o facto de conseguirmos construir uma
relação com o Deus da nossa concepção. Os nossos
esforços iniciais resultaram na decisão que tomámos
no Terceiro Passo. Continuámos a trabalhar os
passos seguintes, cada um deles destinado a remover
quaisquer obstáculos que pudessem existir entre o
nosso Poder Superior e nós próprios. Em resultado
disso, estamos agora abertos a receber, diretamente
nas nossas vidas, o amor e a orientação do nosso
Poder Superior.
Para muitos de nós, as características da
nossa doença e aquilo que fizemos na nossa adicção
ativa separam-nos do nosso Poder Superior. A nossa
auto-obsessão tornou difícil à maioria de nós
acreditar até num Poder Superior a nós mesmos,
quanto mais conseguir um contato consciente com
esse Poder. Não víamos qualquer propósito ou
sentido nas nossas vidas. Nada conseguia começar a
encher o vazio que sentíamos. Parecia que não
partilhávamos nada em comum com os outros.
Sentíamo-nos sós num vasto universo, acreditando
que não havia nada mais além daquilo que a nossa
visão limitada permitia que víssemos.
Décimo-Primeiro Passo 107
Contudo, quando começamos a recuperar,
vemos que diminui a nossa obsessão por nós
próprios e que aumenta a nossa consciência da
presença de um Poder Superior. Começámos a ver
que não estamos sós, nem nunca estivemos. Através
da prática dos passos anteriores, alcançámos já um
contato consciente com o Deus da nossa concepção.
A nossa separação e o nosso isolamento terminaram
no 11o
Passo procuramos melhorar o nosso contato
consciente com o Deus da nossa concepção através
da oração e da meditação.
Muitos de nós têm dificuldade em
compreender, no 11° Passo, o significado da
expressão "rogando pelas forças". A primeira vista,
isto parece estar em contradição com o ponto mais
básico do nosso programa de recuperação: a nossa
admissão de impotência. Mas se voltarmos a olhar
para o Primeiro Passo, veremos que ele diz que
somos impotentes perante a nossa adicção, e não que
não nos será dado o poder de realizar a vontade do
Deus da nossa concepção. Partimos, de facto, de
uma situação de impotência no Primeiro Passo;
éramos impotentes perante a nossa adicção e
incapazes de realizar qualquer vontade além da
nossa. Isso não significa que no 11o
Passo ganhemos
poder sobre a nossa adicção. Neste passo rezamos
por um determinado tipo de poder: o poder e as
forças para realizar a vontade de Deus.
Já não recuamos perante o crescimento
espiritual, pois tornou-se tão essencial à manutenção
da paz de espírito que encontrámos. No princípio da
nossa recuperação talvez trabalhássemos os passos
porque estávamos em dor e com medo de recair se
não o fizéssemos. Mas hoje somos menos motivados
pela dor e pelo medo, e levados mais pelo desejo de
prosseguir na recuperação.
108 Isto Resulta
Esta disposição para recuperar revela que
nos rendemos completamente. Chegámos a um
estado onde acreditamos, na verdade, que a vontade
de um Poder Superior a nós mesmos é melhor do que
a nossa vontade própria. Tornou-se hábito
perguntarmos a nós próprios aquilo que o nosso
Poder Superior desejará para as nossas vidas, em vez
de tentarmos manipular as situações para que os
resultados sejam de acordo com as nossas ideias
daquilo que será melhor. Já não vemos mais a
vontade de Deus para nós como algo que temos de
suportar. Pelo contrário, esforçamo-nos por alinhar
a nossa vontade com a do nosso Poder Superior,
acreditando que ao fazê-lo obteremos mais
felicidade e paz de espírito. E isto o que significa a
rendição: acreditarmos sinceramente que, como
seres humanos, podemos errar, e decidirmos,
também com sinceridade, confiar num Poder
Superior a nós mesmos. A rendição, o obstáculo à
progressão da nossa adicção, tornou-se o alicerce da
nossa recuperação.
Contudo, não podemos recuperar
unicamente através da rendição. Sobre ela devemos
construir ação, tal como fizemos nos passos
anteriores. No Décimo Passo começámos a praticar
a disciplina exigida para se viver espiritualmente no
dia-a-dia. Continuamos a praticar este princípio no
11o
Passo, ao persistirmos nos nossos esforços para
tomar ação em cada dia. Colocamos a oração e a
meditação no topo da nossa lista de prioridades.
Decidimos tornar a oração e a meditação parte da
nossa rotina diária, tal como comer e dormir, e
depois pomos em prática a autodisciplina necessária
para concretizarmos a nossa decisão.
Para trabalharmos este passo precisamos
também de aumentar a coragem que desenvolvemos
nos passos anteriores. Embora a coragem que
Décimo-Primeiro Passo 109
demonstrámos quando nos autoexaminamos
destemida e minuciosamente tenha sido muito mais
do que tudo aquilo que alguma vez experimentámos,
precisamos agora de desenvolver uma forma de
coragem marcadamente diferente. Precisamos de
coragem para viver de acordo com princípios
espirituais, mesmo que tenhamos medo dos
resultados. Apesar do nosso receio, fazemos aquilo
que for necessário e vamos buscar coragem à fonte
inesgotável que descobrimos ao recorrer ao contato
com um Poder Superior a nós mesmos.
Com toda esta discussão de Deus, podemos
começar a sentir-nos outra vez desconfortáveis,
interrogando-nos talvez sobre se será agora que se
revelará a "armadilha religiosa" que esperávamos.
Poderemos suspeitar que o nosso padrinho ou
madrinha irá informar-nos agora de que deveremos
rezar ou meditar de uma determinada forma. Antes
que nos deixemos levar por estes medos, fazemos
bem em nos lembrar de um dos princípios básicos da
recuperação em Narcóticos Anônimos: a nossa
liberdade absoluta e incondicional de acreditar em
qualquer Poder Superior da nossa escolha e, claro, o
nosso direito de comunicar com o nosso Poder Supe-
rior da maneira que melhor convier às nossas crenças
individuais. Embora alguns de nós pratiquem uma
religião tradicional, é raro ouvirmos falar de crenças
religiosas específicas nas nossas reuniões.
Respeitamos o direito dos nossos membros de
formarem as suas próprias crenças espirituais e
tendemos a olhar com desagrado para tudo aquilo
que possa diluir a mensagem espiritual de
recuperação.
Nesta atmosfera encorajadora, a maioria de nós
consegue ultrapassar com relativa facilidade as
nossas ideias preconcebidas acerca da maneira
"correta" de rezar ou de meditar. É diferente sermos
110 Isto Resulta
nós próprios a descobrir. Talvez tenhamos apenas
uma compreensão básica do que é a oração e a
meditação, sendo a oração os momentos em que
falamos com um Poder Superior e a meditação os
momentos em que escutamos as respostas de um
Poder Superior. Talvez não estejamos cientes das
muitas opções que se nos abrem. Procurá-las e
explorar a sua utilidade para nós pode tornar-se
desconfortável e moroso. Só através de uma mente
aberta e da ação é que poderemos descobrir aquilo
que nos convém como indivíduos. Podemos
experimentar toda uma série de práticas até
encontrarmos algo que não pareça estranho ou
forçado. Se acharmos que tudo parece estranho,
agarramo-nos então a uma forma de oração e de
meditação até que deixem de parecer artificiais.
Muitos de nós adoptaram uma atitude eclética, indo
buscar a uma variedade de fontes e combinando
aquelas que nos dão mais conforto e esclarecimento.
Estamos num caminho espiritual que nos
conduz a um maior entendimento do nosso Poder
Superior. Muitos de nós têm referido a imensa
alegria que descobrem ao longo do caminho. Iremos
certamente ter a ajuda dos nossos companheiros de
NA, ou talvez até de outros que estão também num
caminho espiritual. Se procurarmos esses indivíduos
e pedirmos a sua orientação, poderão ajudar-nos a
encontrar as nossas próprias respostas. Contudo,
partilhar a experiência de outra pessoa não nos livra
de termos de procurar a nossa própria. Outros
poderão ser capazes de nos mostrar o caminho que
encontraram, partilhando conosco a alegria e o
discernimento que ele lhes trouxe. Poderemos,
todavia, ver que os nossos caminhos espirituais estão
a tomar uma direção diferente, e ter de ajustar os
nossos métodos de acordo com essa direção. Por
fim, é em momentos de contato pessoal com o nosso
Décimo-Primeiro Passo 111
Poder Superior que acabamos por descobrir aquilo
que está certo para nós. A experiência partilhada por
outras pessoas é apenas isso – experiência -, e não
respostas definitivas aos mistérios da vida.
A nossa concepção de um Poder Superior
cresce e muda através da oração e da meditação.
Vemos que é demasiado limitativo definir o nosso
Poder Superior de uma forma em que a nossa
concepção se torne inflexível e imutável. Poderá
fazer-se um paralelismo interessante se nos
lembrarmos dos tempos em que, sem pensar,
dividíamos as pessoas em categorias e depois não
queríamos saber delas. Privávamo-nos de uma
oportunidade de conhecer os outros a um nível mais
profundo. Se tratarmos o nosso Poder Superior como
algo que tem de ser definido, isso poderia impedir-
nos de prosseguir no crescimento espiritual, se
eventualmente chegássemos a uma definição
absoluta do conceito.
Para além da mente aberta tão necessária à
prática do 11o
Passo, é essencial que procuremos
ativamente o conhecimento da vontade de Deus para
nós e as forças para a realizar. Esse conhecimento é
aquilo que procuramos quando rezamos, quer as
nossas orações sejam apelos desesperados ou
pedidos calmos de orientação. Seja qual for o nosso
estado de espírito quando pedimos ajuda, podemos
estar certos de que os nossos esforços consistentes
para procurar o conhecimento da vontade do nosso
Poder Superior para nós serão recompensados.
Deveremos lembrar-nos de que o 11o
Passo
dos Doze Passos de Narcóticos Anônimos. É no
caminho aberto por estes passos que se inicia a nossa
jornada futura, pede-nos para rezarmos apenas pelo
conhecimento da vontade de Deus e pelas forças
para a realizar. Tal como abrimos as nossas mentes
e evitámos restringir a nossa compreensão do nosso
112 Isto Resulta
Poder Superior, evitamos também colocar
limitações naquilo que possa constituir para nós a
vontade de Deus. Embora possa ser grande a
tentação para rezar por um determinado resultado,
devemos resistir ao impulso de o fazer, se quisermos
experimentar as recompensas do 11° Passo. Rezar
por soluções específicas para problemas específicos
não é a resposta.
Por exemplo, em determinada altura das
nossas vidas podemos sentir-nos infelizes, mas não
saber exatamente o motivo dessa tristeza. Depois de
rezarmos durante alguns minutos, procurando uma
solução específica para a nossa tristeza, podemos ter
de repente a ideia de que todos os nossos problemas
são provocados pelo nosso trabalho maçador e pelo
nosso patrão exigente. Poderemos ir até extremos
para nos convencermos de que a nossa ideia teve
inspiração divina. Nós, como adictos, estamos
sujeitos a agarrar-nos a esses pensamentos
ocasionais e a segui-los, deixando impulsivamente
os nossos empregos. Este exemplo poderá parecer
exagerado, mas pretende mostrar que, se rezarmos
apenas pelo conhecimento da vontade de Deus para
nós e pelas forças para a realizar, poderemos evitar
a nossa antiga tendência de permitir que caprichos
fugazes ou superstições ditem o curso das nossas
vidas. O conhecimento da vontade do nosso Poder
Superior não costuma surgir num momentâneo raio
ofuscante, mas constitui antes um despertar gradual
trazido pela prática contínua da oração e da
meditação.
Décimo-Primeiro Passo 113
A prática do 11o
Passo envolve uma disciplina
diária de oração e de meditação. Esta disciplina
reforça o nosso compromisso para com a
recuperação, vivendo um novo modo de vida e
prosseguindo no desenvolvimento da nossa relação
com o nosso Poder Superior. Através desta prática
diária começamos a vislumbrar a liberdade sem
limites que está ao nosso alcance através do amor de
Deus. Descobrimos que ao seguirmos tal disciplina
começamos também a acreditar firmemente no
nosso próprio direito à felicidade e à paz de espírito.
Vemos que podemos sentir-nos satisfeitos,
quer tenhamos ou não sucesso material nas nossas
vidas. Podemos sentir-nos felizes e realizados com
ou sem dinheiro, com ou sem um companheiro ou
uma companheira, com ou sem a aprovação dos
outros. Começamos a ver que a vontade de Deus
para nós é a capacidade de vivermos com dignidade,
de nos amarmos a nós próprios e aos outros, de
rirmos, e de encontrarmos alegria e beleza à nossa
volta. Os nossos desejos mais sentidos e os nossos
sonhos estão a tornar-se realidade. Esses dons
inestimáveis já não estão mais fora do nosso alcance.
Eles são, de facto, a própria essência da vontade de
Deus para nós.
Na nossa gratidão, fazemos mais do que
pedirmos apenas as forças para viver segundo o
plano de Deus para as nossas vidas. Começamos a
procurar formas de poder servir, de constituir uma
diferença na vida de um outro adicto, de transmitir a
mensagem de recuperação. O nosso despertar
espiritual abriu-nos para a satisfação espiritual, o
amor incondicional e a liberdade pessoal. Sabendo
que só podemos manter este precioso dom se o
partilharmos com outros, prosseguimos para o 12o
Passo.
114
Décimo-Segundo Passo
"Tendo experimentado um despertar espiritual
graças a estes passos, procurámos
transmitir esta mensagem a outros adictos e praticar
estes princípios em todas as nossas atividades."
Num certo sentido, o 12o
Passo engloba
todos os passos. Devemos utilizar aquilo que
aprendemos nos onze passos anteriores quando
transmitimos a mensagem e praticamos os princípios
de recuperação em todas as nossas atividades.
Individual e coletivamente, cada passo contribui
para a extraordinária transformação a que chamamos
despertar espiritual.
Muitos de nós têm-se interrogado acerca de
como surgirá este despertar espiritual. Acontece de
repente, ou antes devagar, durante um longo período
de tempo? Embora as experiências desse despertar
espiritual possam ser bastante variadas, todos nós
concordamos em que ele é o resultado de se trabalhar
os passos.
O nosso despertar tem sido progressivo,
começando no Primeiro Passo com uma centelha de
consciência. Antes de admitirmos a verdade acerca
da nossa adicção, conhecíamos apenas as trevas da
negação. Mas quando nos rendemos, reconhecendo
que sozinhos não conseguíamos deter a nossa
adicção ou realizar um melhor modo de vida, houve
um raio de luz que rompeu através da escuridão,
dando início a um despertar espiritual.
Embora seja variada a experiência de cada
indivíduo com um despertar espiritual, há algumas
experiências que são tão comuns ao ponto de serem
quase universais. A humildade é um desses fatores
comuns. Começamos a sentir humildade quando
Décimo-Primeiro Passo 115
abrimos as nossas mentes à possibilidade de
existência de um Poder Superior a nós mesmos. Para
alguns de nós esta experiência foi tão espantosa que
sentimos quase que um abanão físico ao sabermos
que não estávamos sozinhos no nosso esforço para
recuperar. O Segundo Passo permitiu-nos o nosso
primeiro vislumbre de esperança. Essa esperança
teve um efeito imediato e poderoso no nosso espírito
desesperado, dando-nos um motivo para seguir em
frente.
O nosso desejo de algo diferente impeliu-nos
para um nível mais profundo de rendição. No
Terceiro Passo entregámos mais. Não só admitimos
que não conseguíamos controlar a nossa adicção,
como reconhecemos também que a nossa vontade e
as nossas vidas seriam melhor deixadas aos cuidados
do nosso Poder Superior. Por mais estranho que
pareça, foi a esta admissão que fomos buscar a nossa
maior força. À medida que trabalhámos o Terceiro
Passo, começámos a compreender que poderíamos ir
buscar ao nosso Poder Superior os recursos
ilimitados necessários ao nosso crescimento
espiritual.
Isso incluía a coragem de que sabíamos vir a
necessitar quando fizéssemos o Quarto Passo.
Muitos de nós temíamos o processo de autoavaliação
exigido por este passo, apesar dos nossos
companheiros de NA nos assegurarem
pacientemente de que esse processo iria
recompensar-nos espiritualmente. Embora
tivéssemos medo, seguimos em frente, acreditando
de algum modo na experiência de outros adictos em
recuperação. Uma vez completado o nosso
inventário, já não precisávamos mais que nos
convencessem. Nós próprios sentimos o crescimento
espiritual ao longo desse processo. Os nossos
espíritos foram fortalecidos pela integridade que se
116 Isto Resulta
formava dentro de nós. O aparecimento de valores
tão essenciais ao nosso carácter foi apenas um dos
resultados positivos que encontrámos no Quarto
Passo.
Ao contrário da admissão que fizemos no
Primeiro Passo, nascida do desespero, a admissão que
fizemos no Quinto Passo foi voluntária. Esta
revelação total e profunda, feita sem reservas,
resultou num enorme avanço na nossa capacidade de
nos aceitarmos a nós próprios e de confiarmos nos
outros. A aceitação do nosso padrinho ou madrinha,
e o amor incondicional do nosso Poder Superior,
fizeram com que nos julgássemos a nós próprios
com menos dureza. Desenvolvemos um pouco mais
de humildade ao tomarmos consciência da natureza
exata das nossas falhas. Começámos a compreender
que a humildade e o ódio próprio são geralmente
incompatíveis, não podendo coexistir.
Com a nossa consciência da natureza exata das
nossas falhas - os nossos defeitos de carácter - e a
humildade inerente a essa tomada de consciência, o
nosso desejo de mudança aumentou dramaticamente
quando trabalhámos o Sexto Passo. Embora
possamos ter-nos sentido apreensivos quanto a
entregar os nossos defeitos de carácter,
ultrapassámos os nossos receios ao contarmos com a
confiança e a fé, que viemos a desenvolver, num
Deus amantíssimo. Confiança e fé, dois elementos
importantes de um despertar espiritual, tornaram
possível que nos dispuséssemos inteiramente a
deixar que um Poder Superior agisse nas nossas
vidas.
Quando pedimos conscientemente ao Deus
da nossa concepção que nos ajudasse no Sétimo
Passo, deu-se um importante avanço no despertar do
nosso espírito. Aquele pedido constitui uma prova
palpável de quanto havíamos mudado
Décimo-Primeiro Passo 117
espiritualmente. Foi nessa altura que muitos de nós
começaram a sentir a enorme diferença que um
Poder Superior pode fazer nas nossas vidas. Dado
que fora algo que havíamos pedido, e nos vimos
assim libertados de ter de atuar sobre as nossas
imperfeições, começámos finalmente a compreender
aquilo que o milagre da recuperação tem para nos
dar.
Levados pela promessa de uma continuação
de liberdade nas nossas vidas, prosseguimos para o
Oitavo Passo, tornando-nos cientes daquilo que
havíamos feito a outros na nossa adicção ativa. Mais
uma vez vimos como a preparação espiritual dos
passos anteriores nos deu forças para aguentar a dor
e o remorso de fazer uma lista daqueles que
prejudicámos. A nossa boa-vontade para fazer
reparações a todos eles afastou-nos ainda mais das
garras da auto-obsessão. A nossa busca de
recuperação já não estava mais concentrada naquilo
que conseguíssemos para nós próprios. Vimos além
dos limites das nossas vidas, e os nossos esforços de
recuperação começaram a ser mais generosos.
Desenvolvemos a capacidade de sentir empatia
pelos outros.
Uma vez envolvidos no processo de fazer
reparações no Nono Passo, pudemos ver como isso
contribuiu para o nosso crescimento espiritual. A
nossa humildade foi fortalecida pelo nosso recém- -
encontrado reconhecimento dos sentimentos dos
outros. A nossa autoestima cresceu juntamente com
a nossa capacidade aumentada de perdoar, tanto a
nós próprios como aos outros. Fomos capazes de dar
de nós próprios. Mais do que tudo, ganhámos
liberdade - liberdade para viver no presente e para
sentir que pertencíamos ao mundo.
A disciplina que praticámos no Décimo
Passo assegurou que continuássemos a respirar nova
118 Isto Resulta
vida nos nossos espíritos despertos. Praticámos um
apego continuado aos nossos novos valores,
fortalecendo assim a sua importância nas nossas
vidas. Vimos que, ao nos concentrarmos
primordialmente no nosso desenvolvimento
espiritual, outros aspectos das nossas vidas iriam
progredir naturalmente, tal como era suposto
fazerem.
Ao concentrarmos a nossa atenção no nosso
desenvolvimento espiritual, chegámos ao 11o
Passo.
Nós já nos havíamos tornado crescentemente
conscientes de uma poderosa presença operando nas
nossas vidas: um Poder que podia restaurar a nossa
sanidade e remover as nossas imperfeições. Ao
reconhecermos o amor demonstrado por tais ações,
começámos a compreender melhor a natureza
amantíssima do nosso Poder Superior. O vazio
espiritual que sentimos no início da nossa
recuperação tem vindo a transformar-se em gratidão,
em amor incondicional e num desejo de servir Deus
e os outros. Experimentámos, sem sombra de
dúvida, um despertar espiritual.
A fim de cultivarmos este despertar,
achamos essencial exprimir a nossa gratidão e
praticar os princípios de recuperação em todas as
áreas das nossas vidas. No entanto, isto não é algo
que façamos apenas para assegurar a continuação da
nossa própria recuperação. Narcóticos Anônimos
não é um programa egoísta. De facto, o espírito do
12° Passo baseia-se no princípio do serviço
abnegado. A defesa deste princípio nos nossos
esforços para transmitir a mensagem é de
importância crucial, tanto para o nosso próprio
estado espiritual como para aqueles a quem estamos
a tentar transmitir a mensagem.
O 12o
Passo tem um aspecto paradoxal, pois
quanto mais ajudarmos os outros, mais nos
Décimo-Primeiro Passo 119
ajudamos a nós próprios. Por exemplo, se estamos
preocupados e a nossa fé está a oscilar, há poucas
coisas que tenham um efeito encorajador tão
imediato em nós como o ajudar o recém-chegado.
Um pequeno ato de generosidade pode fazer
maravilhas: a nossa auto-obsessão diminui e
acabamos com uma melhor perspectiva sobre aquilo
que antes parecia ser um problema inultrapassável.
Cada vez que dizemos a alguém que Narcóticos
Anônimos resulta, reforçamos a nossa crença no
programa.
Ao servirmos em Narcóticos Anônimos,
muitos de nós escolhemos dar de volta ao programa
da mesma forma que fomos ajudados quando
chegámos. Alguns de nós, cujo primeiro contato
com NA foi através de uma linha telefónica,
descobriram ser gratificante trabalhar numa linha
telefónica. Outros foram atraídos pelo serviço de
Hospitais e Instituições, porque a primeira vez que
ouviram a mensagem de NA foi numa prisão ou
hospital. Qualquer que seja a forma de serviço em
que decidamos envolver-nos, fazemo-lo tendo em
mente o nosso propósito primordial de transmitir a
mensagem.
Precisamos agora de perguntar a nós mesmos:
Qual é na verdade "a mensagem" que estamos a
tentar transmitir? É a de que nunca mais precisamos
de voltar a usar drogas? É a de que, através da
recuperação, deixamos de ser prováveis candidatos
a prisões, a instituições, ou a uma morte precoce? É
a de esperança de que um adicto, qualquer adicto,
pode recuperar da doença da adicção? Bem, é tudo
isto e mais ainda. A mensagem que transmitimos é a
de que, através da prática dos princípios contidos nos
Doze Passos, tivemos um despertar espiritual.
Aquilo que isto significa para cada um de nós será a
mensagem que transmitimos àqueles que procuram
120 Isto Resulta
recuperação.
As formas de transmitir a mensagem são tão
variadas quantos os nossos membros. Existem,
contudo, algumas orientações básicas que nós, como
irmandade, descobrimos serem úteis. Primeiro, e
acima de tudo, partilhamos a nossa experiência,
força e esperança. Isto significa que partilhamos a
nossa experiência, não as teorias que temos ouvido
de outras fontes. Isto significa também que
partilhamos a nossa própria experiência, e não a de
outra pessoa. Não é tarefa nossa dizer a alguém que
queira recuperar onde é que ela deve trabalhar, com
quem é que ela deve viver, como é que ela deve
educar os seus filhos, ou qualquer outra coisa fora do
campo da nossa experiência com recuperação.
Alguém que estejamos a tentar ajudar pode ter
problemas nestas áreas; iremos ajudá-la melhor, não
através de tentarmos gerir a sua vida, mas
partilhando a nossa própria experiência nessas áreas.
O desenvolvimento de um estilo pessoal de
transmitir a mensagem baseia-se numa simples
exigência: devemos ser nós próprios a transmiti-la.
Cada um de nós tem uma personalidade especial e
única que irá decerto atrair muita gente. Alguns de
nós têm um brilhante sentido de humor que pode
alcançar alguém em desespero. Alguns de nós são
especialmente ternos e compassivos, capazes de
chegar a um adicto que raramente tenha sido objeto
de afeto. Alguns de nós têm um talento incrível para
dizer a verdade, claramente, a um adicto que esteja,
literalmente, a morrer por ouvi-la. Alguns de nós
constituem um recurso valioso em qualquer comité
de serviço, enquanto que outros são melhores a
trabalhar pessoalmente com um adicto que ainda
sofre. Sejam quais forem as características da nossa
personalidade, podemos estar certos de que, quando
tentamos sinceramente transmitir a mensagem,
Décimo-Primeiro Passo 121
iremos chegar ao adicto que procura recuperação.
Existem, contudo, limites àquilo que podemos
fazer para ajudar outro adicto. Não podemos obrigar
ninguém a parar de usar. Não podemos "dar" a outra
pessoa os resultados de trabalhar os passos, nem
podemos crescer por ela. Não podemos remover,
como que por magia, a solidão ou a dor de alguém.
Não só somos impotentes perante a nossa própria
adicção, como também somos impotentes perante a
dos outros. Podemos apenas transmitir a mensagem;
não podemos determinar quem irá recebê-la.
Não é da nossa conta decidir quem está ou não
pronto para ouvir a mensagem de recuperação.
Muitos de nós formaram um juízo semelhante acerca
do desejo de recuperar de um adicto, e erraram.
Recaídas consecutivas não significam
necessariamente uma falta de interesse por
recuperação; por outro lado, não há tão pouco
certezas absolutas de que o "recém-chegado
modelo" vá conseguir. É nossa responsabilidade e
nosso privilégio partilhar incondicionalmente a
mensagem de recuperação com quem expresse o
desejo de a ouvir.
O princípio do amor incondicional está
expresso na nossa atitude. Qualquer pessoa que peça
ajuda tem direito à nossa compaixão, à nossa atenção
e à nossa aceitação incondicional. Qualquer adicto,
seja qual for o seu tempo limpo, deverá poder
partilhar a sua dor numa atmosfera livre de
julgamentos. A maioria de nós descobriu que somos
capazes de sentir grande empatia por aqueles que
sofrem da nossa doença, precisamente porque é a
nossa doença. A nossa empatia não é abstrata, nem
o é a nossa compreensão. É, antes, o fruto de uma
experiência partilhada. Quando nos saudamos é com
o reconhecimento reservado aos sobreviventes da
mesma catástrofe quase fatal. Esta experiência
122 Isto Resulta
partilhada, mais do que qualquer outra coisa,
contribui para a atmosfera de amor incondicional nas
nossas reuniões.
Ajudar os outros é talvez a mais elevada
aspiração da alma humana, e algo que nos foi
conferido como resultado de um Poder Superior a
trabalhar nas nossas vidas. Faríamos bem em nos
lembrar de pedir ao Deus da nossa concepção que
continue a trabalhar através de nós nos nossos
esforços para transmitir a mensagem. Ao
praticarmos diligentemente os princípios de
recuperação, asseguramos que a ligação entre nós e
o nosso Poder Superior se mantenha aberta e que o
nosso serviço a outros esteja firmemente enraizado
na espiritualidade.
A espiritualidade torna-se para nós um modo
de vida, à medida que vivemos segundo os
princípios de recuperação. O exemplo de uma vida
vivida de acordo com estes princípios é
potencialmente a mensagem mais poderosa que
podemos transmitir. Não precisamos de esperar até
estarmos "no" Segundo Passo para praticarmos o
princípio da mente aberta. A coragem e a
honestidade têm um lugar nas nossas vidas, mesmo
quando não estamos a escrever um inventário. A
humildade é sempre um estado desejável, quer
estejamos a pedir ao Deus da nossa concepção que
remova as nossas imperfeições, a tratar de assuntos
com um colega de trabalho, ou a falar com um
amigo.
O objetivo por que lutamos é praticar os
princípios de recuperação em todas as nossas
atividades. Tanto dentro como fora das reuniões,
seja quem for que esteja envolvido, não importa
quão difícil possa parecer, fazemos dos princípios de
recuperação os guias segundo os quais vivemos. É
apenas através da prática destes princípios no nosso
Décimo-Primeiro Passo 123
dia-a-dia que podemos esperar alcançar o
crescimento espiritual necessário para manter a
nossa doença sob controle, um dia de cada vez.
Embora este possa parecer um objetivo grandioso,
descobrimos que ele é atingível. A nossa gratidão
pelo dom da recuperação torna-se a força subjacente
a tudo aquilo que fazemos, motivando-nos e abrindo
o seu caminho através das nossas vidas e das vidas
daqueles à nossa volta
Mesmo em silêncio, a voz da nossa gratidão
não deixa de ser ouvida. Ela ganha maior clareza à
medida que trilhamos o caminho da recuperação,
dando generosamente àqueles que vamos
encontrando. Aventuramo-nos em frente no nosso
percurso espiritual, as nossas vidas enriquecidas, os
nossos espíritos despertos, e os nossos horizontes
sempre a alargarem-se. O espírito puro que está
dentro de cada um de nós, a centelha de vida que foi
quase apagada pela nossa doença, foi renovado
através da prática dos Doze passos de Narcóticos
Anônimos. É no caminho aberto por estes passos que
se inicia a nossa jornada futura.
124 Isto Resulta
125
LIVRO DOIS
As Doze Tradições
A secção das tradições de Isto Resulta -
Como e Porquê constitui um recurso tanto para os
grupos de NA como para o membro individual. O
livro procura explorar os princípios espirituais
contidos nas tradições, empenhar os membros no
espírito - e não na lei - das tradições, e providenciar
uma base para se pensar e discutir as tradições. Esta
secção do livro não pretende ir ao encontro de todas
as necessidades de todos os grupos ou de todos os
membros; pretende, tão-só, ser um livro que irá gerar
discussão e permitir uma interpretação local da
aplicação prática dos princípios contidos nas
tradições.
12 passos aa
127
Primeira Tradição
"O nosso bem-estar comum deve estar em primeiro lugar;
a recuperação individual depende da unidade de NA."
Narcóticos Anônimos é mais do que a
primeira reunião a que vamos, ou do que as outras
reuniões de NA da nossa área. Fazemos parte de um
todo muito maior. Há adictos por toda a cidade, e em
todo o mundo, a aplicarem os princípios de
Narcóticos Anônimos na sua recuperação pessoal.
Tal como, no início da recuperação, aprendemos que
precisamos uns dos outros para nos mantermos
limpos, viemos a acreditar que todos nós, todos os
grupos e todas as reuniões de NA, somos
interdependentes. Somos iguais enquanto membros
de NA e todos partilhamos o interesse em manter a
unidade subjacente ao nosso bem-estar comum. A
unidade é o espírito que une milhares de membros
por todo o mundo numa irmandade espiritual que
tem o poder de mudar vidas.
Uma forma de colocar o nosso bem-estar
comum em primeiro lugar é dizermos que cada um
de nós é igualmente responsável pelo bem-estar de
NA. Na nossa recuperação descobrimos que viver
sem drogas torna-se muito difícil sem o apoio de
outros membros. A nossa recuperação individual
depende das reuniões que se realizam regularmente,
dos outros adictos que nelas participam e dos nossos
padrinhos ou madrinhas, que partilham conosco
como se mantêm limpos. Mesmo os membros que
não podem ir a reuniões dependem do apoio de
outros adictos, mantendo o contato por telefone ou
carta, ou ainda através dos grupos de membros em
isolamento. Tal como cada membro individual conta
com o apoio da irmandade para a sua sobrevivência,
128 Isto Resulta
também a sobrevivência de NA depende dos seus
próprios membros.
A nossa Primeira Tradição encoraja não só
os nossos membros como, também, os nossos
grupos, a colocarem o nosso bem-estar comum em
primeiro lugar. Os grupos, na sua maioria,
administram sozinhos quase todos os seus assuntos.
Ao lidarem com as suas rotinas semanais, os grupos
autónomos de NA poderão perder a noção do
contexto mais global, onde cada grupo é como que
um tijolo na construção do edifício de Narcóticos
Anônimos. Sem esse edifício não haveria NA. A
importância da nossa unidade encoraja os nossos
grupos a olharem para além dos seus pequenos
mundos, para as necessidades comuns da irmandade
mundial de NA, colocando o bem-estar do todo
acima do seu.
A relação descrita na Primeira Tradição é
recíproca. Os grupos trabalham juntos num espírito
de colaboração, para assegurar a sobrevivência de
Narcóticos Anônimos. Por sua vez, esses grupos
recebem força e apoio de todos os outros grupos e de
todos os nossos serviços. A força do nosso
compromisso comum com NA gera a unidade que
nos mantém juntos, apesar de tudo aquilo que
poderia dividir-nos. O bem-estar comum de NA
depende do crescimento contínuo e do bem-estar da
irmandade em todos os cantos do mundo.
O nosso compromisso conjunto para com a
recuperação e para com o nosso bem-estar comum
dá-nos um interesse pessoal pela unidade de NA.
Nas reuniões encontramos um novo local ao qual
pertencemos, encontramos novos amigos e a
esperança de uma vida melhor. Entre nós e o grupo
cresce um sentimento de interesse e de preocupação.
Aprendemos a tratar os outros com bondade e com
respeito, e a fazer aquilo que pudermos para nos
Primeira Tradição 129
apoiarmos uns aos outros e ao nosso grupo. Por
vezes basta a nossa presença para que nos sintamos
confortados; noutras ocasiões, um telefonema ou
uma carta, com umas simples palavras amigas, pode
fazer a maior diferença. As nossas relações com
outros adictos constituem uma fonte de força na
nossa recuperação pessoal. Aprendemos a contar
com as reuniões e a confiar uns nos outros para esse
apoio. A unidade que vemos nas nossas reuniões é
uma expressão, não só da nossa confiança mútua
como, também, da nossa confiança nos princípios
espirituais e num Poder Superior.
A unidade de NA começa com o nosso
reconhecimento do valor terapêutico da ajuda de um
adicto a outro. Ajudamo-nos uns aos outros de
formas diferentes. Por vezes é numa base individual,
tal como na relação entre padrinhos e afilhados, ou
então através da participação na abertura de novas
reuniões que tornem NA acessível a mais adictos.
Muitos grupos são formados quando membros de
um grupo já estabelecido decidem começar uma
outra reunião. A partilha da responsabilidade
aumenta o nosso bem-estar comum e cria a unidade
entre os membros de NA que trabalham juntos. Os
grupos florescem com o apoio amantíssimo de
adictos a ajudarem adictos. Fortalecemos a nossa
unidade através da participação na recuperação uns
dos outros.
A unidade descrita na nossa Primeira
Tradição não é a mesma coisa que uniformidade. Os
nossos membros são adictos oriundos dos meios
mais díspares, que trazem consigo uma variedade de
ideias e de talentos. Esta diversidade enriquece a
irmandade e dá origem a novas formas criativas de
se chegar aos adictos que precisam da nossa ajuda.
O nosso propósito - transmitir a mensagem ao adicto
que ainda sofre - permite que todos possam servir.
130 Isto Resulta
Quando nos unimos no apoio a este propósito, as
nossas diferenças não precisam mais de nos desviar
do nosso bem-estar comum. Trabalharmos juntos
para o nosso bem-estar mútuo constitui uma fonte
significativa da unidade em Narcóticos Anônimos.
Embora pensemos na unidade como um
sentimento ou uma circunstância, ela não se limita a
"acontecer". A unidade subjacente ao nosso bem-
estar comum exige um empenho pessoal e uma ação
responsável. Por exemplo, quando aceitamos a
responsabilidade pessoal de apoiar o nosso grupo-
base, estamos a promover a unidade de NA e a
fortalecer o bem-estar comum de toda a irmandade.
O nosso compromisso para com a unidade fortalece
os nossos grupos, permitindo-nos transmitir uma
mensagem de esperança. As reuniões florescem
nesta atmosfera de esperança. A irmandade cresce e
o nosso bem-estar aumenta em resultado dos nossos
esforços conjuntos.
A comunicação contribui grandemente para
a construção e o fortalecimento do nosso bem-estar
comum. Com uma atitude de mente aberta,
procuramos compreender as ideias que sejam
diferentes das nossas. Os relatórios podem dizer-nos
muito sobre o que se passa noutros grupos ou noutras
áreas, mas o nosso bem-estar comum depende de
algo mais do que apenas informação. A verdadeira
comunicação envolve um esforço da nossa parte
para "ouvir" à medida que lemos ou escutamos os
relatórios, procurando compreender melhor as
necessidades e os problemas tanto do nosso próprio
grupo como também dos outros grupos, de onde quer
que sejam. Se encorajarmos cada membro a falar
abertamente do coração, aumentaremos a nossa
capacidade de trabalhar juntos. Os relatórios
regulares, uma discussão profunda e um ouvido
atento, conduzem-nos a um nível de entendimento
Primeira Tradição 131
que nos ajuda a encontrar soluções criativas que nos
beneficiem a todos.
As decisões de hoje podem afetar os membros
de amanhã. Quando pensamos em soluções para os
nossos problemas correntes, não será difícil
considerar as necessidades do nosso grupo, da nossa
área, da nossa região, ou mesmo da irmandade a
nível mundial. Mas é também importante que nas
nossas discussões nos lembremos dos "membros
invisíveis", aqueles que ainda estão para chegar.
Quando trabalhamos para assegurar a vitalidade de
NA, não estamos apenas a trabalhar para nós, mas
também para aqueles que ainda hão de juntar-se a
nós.
A unidade que apoia o nosso bem-estar
comum é criada, não só através do nosso trabalho
conjunto como, também, através das nossas
brincadeiras juntos. As amizades que
desenvolvemos fora das reuniões fortalecem a
unidade de NA. As atividades da irmandade
constituem oportunidades para convivermos uns
com os outros e para nos divertirmos. As
convenções, os jantares, as festas, permitem que
celebremos a nossa recuperação e que nos
relacionemos socialmente. Os piqueniques, as
atividades ao ar livre, os aniversários, também
podem, por exemplo, constituir oportunidades para
as nossas famílias participarem. Fortalecemos o
nosso sentido de comunidade quando aquilo que
partilhamos vai além dos limites das reuniões.
Desenvolvemos relações mais fortes conforme nos
envolvemos mais uns com os outros. O interesse e a
compreensão que nascem destas relações constituem
malhas fortes no tecido da unidade de NA.
132 Isto Resulta
A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS
Nos Doze Passos de NA aprendemos a
aplicar princípios para melhorar as nossas vidas.
Movidos pelo milagre da recuperação pessoal,
viramo-nos para fora de nós a fim de partilharmos
esse milagre com os outros. É esta a essência do
serviço em NA. Ao apoiarmos a nossa unidade,
começamos por aplicar princípios que orientem o
nosso próprio comportamento. Os grupos orientam-
se segundo os mesmos princípios, o que gera um
sentido de unidade que fortalece a nossa capacidade
de darmos a mão a outros, aumentando o nosso bem-
estar comum. Alguns dos princípios que parecem
particularmente importantes para a unidade incluem
a entrega e a aceitação, o compromisso, a
generosidade, o amor e o anonimato. Ao praticamos
estes princípios vamos encontrando outros que
também fortalecem a unidade.
A entrega e a aceitação abrem as portas à
unidade. À medida que cresce a nossa confiança
num Poder Superior, torna-se mais fácil
prescindirmos dos nossos desejos pessoais e
pararmos de lutar apenas por aquilo que queremos.
Com uma atitude de entrega torna-se mais fácil,
também, trabalhar em conjunto num grupo. A
Primeira Tradição apresenta um quadro de adictos a
trabalharem juntos, em todo o mundo, no apoio à
recuperação uns dos outros. Tentamos lembrar-nos
deste objetivo em todas as nossas ações, como
indivíduos ou como grupos. Se virmos que os nossos
desejos pessoais, ou os objetivos do nosso grupo,
entram em conflito com esse ideal, a unidade pede
que os ponhamos de lado e aceitemos a orientação
que melhor desenvolva o maior bem-estar de
Narcóticos Anônimos. É unicamente através da
decisão de fazermos parte desse todo que poderemos
apoiar a unidade tão essencial à nossa sobrevivência
Primeira Tradição 133
pessoal.
O compromisso constitui outro ingrediente
essencial à unidade. O nosso compromisso pessoal
para com o nosso propósito comum é um dos laços
que nos une. Quando sabemos que pertencemos a
NA, e quando nos comprometemos a ficar, tornamo-
nos parte de um todo maior. O nosso sentido de
pertença está estreitamente ligado ao nosso grau de
compromisso com a recuperação em NA. Como
grupos, a força combinada desse compromisso
constitui uma poderosa energia para servir os outros,
tornando-nos capazes de transmitir a mensagem de
esperança que irá apoiar-nos a todos na nossa
recuperação.
O compromisso é uma decisão apoiada pela
nossa crença em NA como um modo de vida. A
presença regular em reuniões é uma das formas de
vivermos essa crença. Darmos as boas-vindas aos
recém-chegados, ou darmos o nosso número de
telefone a alguém que precise de ajuda, também
reflete a nossa decisão. Apadrinhar alguém, partilhar
em reuniões, colocar as cadeiras antes de uma
reunião - são formas de expressarmos o nosso
compromisso. Cada membro encontra um nível de
serviço que se adapte bem a um programa de
recuperação equilibrado.
A generosidade é outro elemento
indispensável à unidade. Os princípios que
aprendemos nos passos ajudam-nos a largar o nosso
egoísmo e a servir com amor as necessidades dos
outros. Para mantermos os nossos grupos saudáveis,
colocamos as suas necessidades acima dos nossos
desejos pessoais. O mesmo princípio aplica-se aos
assuntos do grupo. Ao pormos de lado aquilo que
possamos querer enquanto grupo, pensamos nas
necessidades da irmandade e procuramos formas de
apoiar o nosso bem-estar comum. A nossa
134 Isto Resulta
capacidade de sobreviver como irmandade, e de dar
a mão aos outros, depende da nossa unidade.
O amor constitui um princípio que é
expresso, na prática, através da nossa boa-vontade
uns para com os outros. Contribuímos para a unidade
nas nossas reuniões quando temos cuidado com a
maneira como falamos e como nos tratamos uns aos
outros. Tentamos partilhar a nossa experiência, força
e esperança de uma forma que demonstre que a
recuperação pode ser encontrada em Narcóticos
Anônimos. Uma atmosfera de amor e de
preocupação pelos outros, nas nossas reuniões,
ajuda-nos a sentirmo-nos confortáveis e seguros. O
amor que assim atrai os recém-chegados fortalece-
nos a todos, alimentando o nosso sentido de unidade
e de bem-estar comum.
O anonimato, o alicerce espiritual das nossas
tradições, também apoia a unidade em NA. Quando
aplicamos o anonimato à Primeira Tradição,
passamos por cima das diferenças que poderiam
separar-nos. No contexto da unidade, o anonimato
significa que a mensagem de recuperação é para todo
o adicto que a queira. Aprendemos a colocar de lado
os nossos preconceitos e a concentrar-nos na nossa
identidade comum como adictos que somos. Cada
um de nós tem o mesmo direito e igual
responsabilidade pelo bem-estar de Narcóticos
Anônimos.
Tal como o anonimato é o alicerce espiritual das
nossas tradições, a unidade de que se fala na
Primeira Tradição constitui o alicerce prático sobre
o qual podemos edificar grupos fortes e bem-
sucedidos. Cada uma das tradições seguintes ergue-
se sobre a força da união da nossa irmandade,
recordando a importância vital do bem-estar comum
para cada membro individual e para cada grupo.
Com a unidade como nosso alicerce prático,
Primeira Tradição 135
descobrimos que o nosso relacionamento uns com os
outros é mais importante do que qualquer questão
que possa surgir para nos dividir. A nossa
necessidade de nos apoiarmos uns aos outros é mais
importante do que qualquer problema ou desacordo
que possa existir. A importância fundamental do
nosso bem-estar comum fortalece o nosso
entendimento de todas as outras tradições. Para
muitas questões bastará determinar o modo como a
ação pretendida irá afetar a unidade da irmandade:
irá dividir-nos, ou irá unir-nos ainda mais?
A unidade é o espírito que junta membros
por todo o mundo numa irmandade espiritual que
tem o poder de mudar vidas. Ao esforçarmo-nos por
ver mais além do que as nossas ideias individuais e
os interesses do nosso próprio grupo, começamos a
compreender que o bem-estar comum de NA deverá
vir em primeiro lugar. Através da nossa confiança
num Poder Superior amantíssimo, encontramos a
força para juntos trabalhar pelo nosso objetivo
comum de recuperar da adicção. Na unidade que
nasce da confiança, estamos prontos para trabalhar
em conjunto pelo nosso bem-estar comum.
136
Segunda Tradição
"Ao nosso propósito comum preside apenas uma autoridade
- um Deus amantíssimo que se manifesta
na nossa consciência coletiva.
Os nossos líderes são apenas servidores de confiança;
não têm poderes para governar."
A Segunda Tradição assenta no alicerce
prático da Primeira Tradição. Começamos com a
unidade baseada e fortalecida no nosso
compromisso para com a recuperação em Narcóticos
Anônimos. O nosso compromisso reflete-se no
serviço, do qual nasce o nosso bem-estar comum:
apoiar uma reunião, partilhar com outros membros,
apadrinhar alguém, qualquer uma das formas de dar
a mão a outros adictos. Também enquanto grupo o
nosso propósito é servir, transmitir a mensagem.
Todo o nosso serviço em NA está relacionado com
este propósito. Contudo, sem uma direção, os nossos
serviços ficariam desprovidos de consistência.
Procuramos a orientação de um Poder Superior para
nos guiar no serviço aos outros.
O serviço pessoal surge da aplicação de
princípios. O ideal é que ele se baseie numa relação
com o mesmo Poder Superior que nos guia na nossa
recuperação pessoal. Esse Poder Superior também
guia os vários elementos da nossa irmandade. A
nossa orientação no serviço vem de um Deus da
nossa concepção, quer sirvamos enquanto
indivíduos, enquanto grupos, ou enquanto comités
ou comissões de serviço. Sempre que nos juntamos,
procuramos a presença e a orientação desse Poder
Superior amantíssimo. Essa orientação guia-nos
através de todas as nossas ações.
Segunda Tradição 137
Toda a gente tem opiniões acerca de como
servir melhor. Quando cada um de nós propõe um
plano diferente para uma determinada ação, como é
que chegamos a uma decisão? Quem é que tem a
última palavra nas nossas discussões? A última
palavra, na nossa opinião, deverá pertencer a um
Deus amantíssimo, a fonte da nossa unidade - o
mesmo Poder Superior que orienta a nossa
recuperação pessoal.
Se quisermos receber a orientação de uma
autoridade suprema, precisaremos de encontrar
formas de a escutarmos juntos. O processo que
utilizamos é o da consciência de grupo. O seu
sucesso depende da nossa boa-vontade, enquanto
indivíduos, para procurarmos a nível pessoal a
orientação de um Poder Superior. Trazemos então
essa boa-vontade para o seio do grupo.
Há algo que acontece quando praticamos os
passos e aprendemos a aplicar princípios espirituais
nas nossas vidas: desenvolvemos uma consciência
do nosso comportamento individual e dos seus
efeitos em nós próprios e nos outros, consciência
essa que reflete a nossa relação com um Poder
Superior. É o reflexo da orientação que recebemos
do Deus da nossa concepção e do nosso
compromisso de seguirmos essa orientação. Sempre
que nos juntamos nos nossos grupos dá-se um
processo semelhante.- desenvolve-se uma
consciência coletiva que reflete a relação entre os
nossos membros e um Poder Superior amantíssimo.
Quando consultada regularmente, essa consciência
coletiva orienta-nos no cumprimento do nosso
propósito primordial, ao mesmo tempo que preserva
a nossa unidade e o nosso bem-estar comum.
A consciência de grupo pode ser vista nos
mesmos termos que a consciência pessoal. Ela
reflete uma consciência, coletiva, de princípios
138 Isto Resulta
espirituais, um entendimento dos mesmos, bem
como uma rendição a eles. A consciência de grupo
ganha forma e é revelada quando os seus membros
se sentam para falar das suas necessidades pessoais,
das necessidades desse grupo e das necessidades de
NA no seu todo. Cada membro, quando partilha com
o grupo, apoia-se na sua relação com um Poder
Superior. À medida que os membros se ouvem uns
aos outros com atenção, e consultam o seu Deus
amantíssimo, algo acontece: as soluções para os
problemas começam a surgir, soluções essas que
levam em consideração as necessidades de todas as
partes envolvidas. Ao desenvolver-se uma
consciência de grupo, começa a emergir claramente
um consenso. Com base nisso, um grupo poderá
decidir-se então por uma votação, como meio de
tomar as suas resoluções. No entanto, em
circunstâncias ideais, o grupo prossegue na sua
discussão até se chegar a um entendimento unânime.
A solução resultante poderá ser tão óbvia que
dispensará uma votação.
A consciência de grupo não é fixa ou rígida.
Sabemos que a consciência individual se altera, à
medida que a relação do indivíduo com um Poder
Superior cresce e se fortalece. Da mesma forma, a
consciência de um grupo desenvolve-se conforme os
seus membros amadurecem na recuperação, ou
quando chegam novos membros e a situação do
grupo se modifica.
A consciência de grupo constitui um
processo que pode funcionar de várias maneiras,
consoante as circunstâncias. Não é razoável que
esperemos que a solução para as necessidades de um
dado grupo hoje seja adequada para todos os grupos;
essa solução pode, de facto, nem sequer se aplicar ao
mesmo grupo numa ocasião posterior. Os princípios
que envolvem a consciência de grupo são sempre os
Segunda Tradição 139
mesmos, mas os momentos e as situações através
dos quais a nossa consciência nos guia estão
constantemente em mudança, exigindo, por isso, que
ela nos dite coisas diferentes em situações
diferentes. É importante que continuemos a cultivar
a nossa consciência de grupo, procurando a
orientação de um Poder Superior amantíssimo,
sempre que nos surja uma questão.
A entrega a uma consciência de grupo
significa que permitimos que a nossa irmandade seja
moldada por um Poder Superior amantíssimo.
Somos por vezes tentados a controlar os assuntos
diários do nosso grupo, do nosso comité de serviço,
ou da nossa comissão, na presunção de que o nosso
enorme interesse pelo bem-estar da irmandade
nunca permitiria que nos desviássemos do caminho.
No entanto, à medida que a nossa confiança
aumenta, compreendemos que o grupo é dirigido por
um Poder Superior amantíssimo. A nossa fé nesse
Poder Superior é demonstrada pela nossa boa-
vontade em seguir a direção definida na nossa
consciência de grupo, acreditando que tudo irá
correr bem.
Qualquer grupo, comissão ou comité pode
ficar paralisado devido a desacordos, ou ser
desviado por problemas aparentemente
inultrapassáveis. Nessas situações é importante que
nos concentremos, não nos nossos próprios
problemas, mas sim, nos princípios do programa e
nas soluções por eles apontadas. Um acordo é
alcançado quando nos afastamos do caminho e
deixamos que um Poder Superior amantíssimo nos
guie.
Só somos capazes de escutar a orientação de
um Poder Superior quando procuramos ouvi-la. A
consciência de grupo é expressa com maior clareza
quando todos os seus membros são considerados
140 Isto Resulta
iguais, pois um Poder Superior exprime-se através
de todos nós, independentemente do tempo limpo ou
da experiência. A consciência de grupo existe
sempre; nós é que nem sempre estamos dispostos a
ouvi-la, ou mesmo a permitir que ela se exprima.
Ouvir uma consciência de grupo pode exigir tempo
e paciência. Uma abordagem flexível convida um
Poder Superior amantíssimo a guiar o nosso
processo de consciência de grupo.
Na nossa recuperação pessoal, os nossos
pensamentos e ações mudam à medida que
crescemos espiritualmente e nos mantemos limpos.
Não melhoramos de um dia para o outro, e o nosso
crescimento é, por vezes, ocasional e irregular. Este
mesmo padrão de crescimento e de amadurecimento
ocorre também na nossa irmandade. Conforme os
nossos grupos crescem e se desenvolvem, os nossos
recursos também mudam, bem como as nossas
necessidades. Os grupos podem substituir os seus
servidores de confiança, alterar o seu formato de
reunião, mudar de local, conforme os seus recursos
e as suas necessidades; os comités de serviço podem
expandir as suas subcomissões, alargar-se para
novas áreas, ou unir os seus esforços aos de outras
subcomissões. Por vezes, estas mudanças poderão
não se assemelhar a progresso; tal como a nossa
recuperação pessoal nem sempre se desenvolve de
forma ordenada, também a nossa irmandade nem
sempre se desenvolve como esperávamos. Quando
os grupos e comités atravessam este processo de
crescimento, a sua consciência coletiva também
pode desenvolver-se. As mudanças na consciência
de grupo não deverão constituir motivo de alarme,
pois fazem parte do processo de crescimento.
Quando um grupo ou comité procura a
orientação de um Poder Superior amantíssimo,
poderá designar alguns dos seus membros para
Segunda Tradição 141
ajudarem a implementar essa orientação. Quando
pedimos aos membros para servir, não é porque os
consideremos, por algum motivo, melhores do que
os restantes. A liderança em NA constitui um serviço
e não uma classe à parte. É por isso que chamamos
aos nossos líderes "servidores de confiança".
Quando escolhemos um membro para nos
servir em determinado cargo, exercemos uma
confiança mútua; confiamos na consciência que
influenciou a nossa escolha, pois ela reflete a nossa
relação coletiva com um Poder Superior
amantíssimo, e estendemos essa confiança aos
membros que escolhemos para servir. Temos
igualmente fé em que eles irão aplicar princípios nas
suas ações, procurar e partilhar as mais
pormenorizadas informações disponíveis, e
trabalhar para aumentar o bem-estar comum da
irmandade. A relação entre os servidores de
confiança e o grupo é recíproca: os membros são
escolhidos para servir, com base na dedicação e na
lealdade, e aqueles que os escolhem são
responsáveis por apoiar esses seus servidores.
Quando nos pedem para servir, compre-
endemos que somos responsáveis perante um Poder
Superior amantíssimo que se manifesta na
consciência de grupo. Reconhecemos esta
responsabilidade quando encaramos o serviço com
uma atitude de generosidade e de amor. Os
princípios incorporados nas tradições aplicam-se a
todas as nossas ações. Podemos virar-nos para a
nossa consciência individual, bem como para a
consciência coletiva, ao procurarmos orientação
para tudo o que seja preciso fazer para cumprir as
nossas responsabilidades.
Esta ligação à consciência de grupo é
fortalecida quando, como servidores de confiança,
mantemos um fluxo contínuo de informação honesta
142 Isto Resulta
e aberta. E fortalece-se ainda mais quando
procuramos servir, em vez de governar. Ajudamos a
formação da consciência do nosso grupo ou comité,
através da orientação de um Poder Superior, ao
mantermos um fluxo de informação completa e
imparcial. As ideias e a orientação do grupo serão
então transmitidas quando representarmos essa
consciência.
Os nossos servidores de confiança lideram-
nos melhor através do seu exemplo pessoal. O ideal
será basearmos a sua escolha nos princípios da
recuperação que vemos serem praticados nas suas
vidas. Encorajamos os nossos servidores de
confiança a manterem-se abertos a novas ideias, a
tomarem conhecimento de todos os aspectos do
serviço em NA, e a prosseguirem na sua recuperação
pessoal. Todos estes atributos são essenciais à sua
capacidade de nos servirem bem.
A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS
No início deste capítulo referimos que o
serviço surge da prática de princípios. Ao
aplicarmos esses princípios, aprendemos a procurar
orientação. Falamos com o nosso padrinho ou
madrinha, partilhamos com os nossos amigos de
NA, e escutamos a orientação de um Poder Superior.
Alguns dos princípios que parecem ser importantes
na Segunda Tradição incluem a entrega, a fé, a
humildade, a mente aberta, a integridade e o
anonimato.
Começamos por nos render, numa entrega à
nossa autoridade final, o Deus da nossa concepção,
com o qual desenvolvemos uma relação pessoal;
entregamo-nos à orientação desse Poder Superior,
tal como é revelada na nossa consciência de grupo.
Renovamos o nosso compromisso para com o bem-
estar comum de NA, ao colocarmos as necessidades
Segunda Tradição 143
da irmandade acima dos nossos próprios desejos.
Ter fé significa pôr em ação a nossa
confiança num Poder Superior amantíssimo. A
aplicação deste princípio espiritual permite que nos
entreguemos à consciência de grupo com esperança
em vez de medo, e recorda-nos constantemente que
a nossa orientação provém de um Poder Superior a
nós mesmos. A fé exige coragem. Por vezes, e apesar
da nossa ansiedade, demonstramos ativamente a
nossa fé. Ela é fortalecida através da experiência de
vermos um Poder Superior amantíssimo em ação na
nossa irmandade.
A humildade é, na prática, a avaliação
honesta das nossas forças e fraquezas, necessária à
nossa boa-vontade para nos rendermos. A humildade
preparamos para colocarmos de lado as nossas
vontades pessoais, de modo a podermos servir
eficazmente a nossa irmandade. Primeiro que tudo,
olhamos para a humildade para nos lembrarmos de
que não somos, só por nós, capazes de orientar os
assuntos de Narcóticos Anônimos. Somos então
lembrados da nossa fonte de força: um Poder
Superior amantíssimo.
Ao praticarmos a humildade nos nossos
esforços para servir, damos lugar a uma mente
aberta. Lembramo-nos de que, tal como
necessitamos da experiência de outros adictos para
recuperar, também precisamos das suas orientações
e das suas ideias para servir. Aprendemos a cultivar
ativamente a nossa faculdade de ouvir, usando os
nossos ouvidos, mais do que as nossas bocas, nas
nossas conversas com outros. Quando temos uma
mente aberta, ouvimos e aceitamos as soluções
apresentadas pelos outros na formação de uma
consciência de grupo. A aplicação deste princípio
ensina-nos a pôr de lado os nossos preconceitos a
fim de trabalhar com os outros. Ao praticarmos uma
144 Isto Resulta
mente aberta, alimentamos uma atitude de boa-
vontade para com os outros e prontificamo-nos a
servir, tendo em mente o nosso bem-estar comum.
Só com uma mente aberta é que poderemos
reconhecer a orientação de um Poder Superior
amantíssimo.
A integridade é a aplicação consistente de
princípios espirituais, sejam quais forem as
circunstâncias. Os líderes que demonstrarem esta
qualidade inspirarão a nossa confiança. Serviremos
melhor quando manifestarmos um respeito honesto
pela confiança que os outros depositaram em nós. A
lealdade e a dedicação a essa confiança refletem a
integridade pessoal dos nossos servidores. Quando
escolhemos membros para nos servirem,
procuramos geralmente a integridade como sinal de
que eles serão merecedores de confiança.
O princípio espiritual do anonimato recorda-
nos de que somos todos iguais em Narcóticos
Anônimos. Não há nenhum membro ou grupo que
tenha o monopólio sobre o conhecimento da vontade
de um Poder Superior. Praticamos o anonimato ao
darmos o nosso amor, a nossa atenção e o nosso
respeito a todos, sejam quais forem os nossos
sentimentos pessoais em relação a outros indivíduos.
Todo o membro tem um papel no desenvolvimento
da consciência de grupo. Somos todos iguais perante
a expressão de um contato consciente com um Poder
Superior da nossa concepção.
A Segunda Tradição orienta-nos nas nossas
relações com os outros. Um Poder Superior
amantíssimo constitui a fonte de direção para NA no
seu todo. Este Poder Superior é também a fonte dos
princípios que aplicamos quando fazemos serviço.
Podemos utilizar esses princípios quando
procuramos uma orientação, seja como indivíduos,
ou como grupos, comités ou comissões de serviço.
Segunda Tradição 145
O serviço destina-se àqueles que servimos.
O nosso melhor talento a servir está na capacidade
de chegarmos a outros adictos, de nos identificarmos
com eles e de lhes darmos as boas-vindas, de
recebermos o adicto que vem à sua primeira reunião
e de assegurarmos que o recém-chegado continue a
voltar. Qualquer um de nós é capaz de fazer isto.
Com a direção de um Poder Superior amantíssimo
tornamo-nos mais capazes de ajudar os outros.
O serviço à Irmandade de Narcóticos
Anônimos tem as suas próprias recompensas.
Quando praticamos princípios espirituais no nosso
dia-a-dia, desenvolve-se uma relação mais forte com
o nosso Poder Superior. A nossa relação com o nosso
grupo e com a irmandade fortalece-se também. O
serviço em NA constitui uma experiência de
aprendizagem que nos permite crescer. Começamos
a olhar para além dos nossos interesses, colocando
de lado a nossa perspectiva egocêntrica da vida, a
fim de melhor servirmos o todo. Beneficiamos
espiritualmente através do nosso serviço generoso.
146
Terceira Tradição
"O único requisito para se ser membro
é um desejo de parar de usar."
Narcóticos Anônimos possibilita a
recuperação a adictos em todo o mundo.
Concentramo-nos na doença da adicção e não numa
droga específica. A nossa mensagem é
suficientemente abrangente para atrair adictos de
qualquer classe social ou nacionalidade. Quando
novos membros chegam às reuniões, o nosso único
interesse concentra-se no seu desejo de se libertarem
da adicção ativa, e na forma como poderemos ajudá-
los.
A Terceira Tradição ajuda NA a
proporcionar a recuperação a um grande número de
adictos, livrando-nos, ao mesmo tempo, de termos
de julgar os novos membros. Elimina a necessidade
de haver comités para os receber ou de se preencher
formulários de inscrição. Não nos são pedidas
quaisquer avaliações das aptidões para recuperar,
seja de quem for. Dado que o único requisito para se
ser membro é um desejo de parar de usar, nós,
enquanto membros, não temos motivos para nos
julgarmos uns aos outros.
O desejo não é algo que se possa medir. Vive
no coração de cada membro individual. Dado que
não podemos julgar o único requisito para se ser
membro, somos encorajados a abrir completamente
as portas das nossas reuniões a qualquer adicto que
deseje juntar-se a nós. Pedem-nos que estendamos
aos outros o interesse e a preocupação que nos
ajudaram a sentirmo-nos parte da irmandade. Ao
encorajar-nos a dar as boas-vindas aos outros, a
Terceira Tradição ajuda NA a crescer.
Terceira Tradição 147
Ser-se membro constitui uma decisão pessoal
de cada indivíduo. Cada adicto deve ter a liberdade
de tomar essa decisão e de reafirmar o seu
compromisso para com a recuperação. Podemos
ajudar os outros a sentirem-se à vontade nos nossos
grupos ao lhes darmos as boas-vindas, ao
partilharmos com eles antes ou depois das reuniões,
e ao trocarmos números de telefone. Tentamos
certificar-nos de que qualquer adicto que venha às
nossas reuniões não é mandado embora. Tentamos
sempre escolher, dentro do possível, o local de
melhor acesso para as nossas reuniões, e poderemos
também escolher um formato mais atrativo. Mas,
mais do que tudo, encorajamos todo o adicto a
continuar a voltar.
O desejo de um membro não está
necessariamente ligado a uma qualquer
circunstância externa. O que é que faz com que um
adicto se mantenha limpo, enquanto que outro volta
a usar? Nenhum de nós pode dizer quem é que vai
recuperar e quem é que vai recair. Não existem
garantias, relacionadas com o tipo de drogas usadas
ou o percurso de uso. Não podemos vaticinar mais
hipóteses de sucesso para adictos de uma
determinada idade, ou para aqueles que tenham
usado durante um certo número de anos, ou para
mulheres em relação a homens, ou para qualquer
outro caso. Tal como não somos capazes de medir o
desejo de uma pessoa de se manter limpa, tão pouco
estamos preparados para decidir quem deverá
tornar-se membro. Somos livres de dar as boas-
vindas, em vez de julgar.
Assim, em vez de julgarmos, procuramos
formas de ajudar. A nossa tarefa é a de agitar a
chama do desejo, e não a de abafá-la. Qualquer
adicto que entre numa reunião, mesmo que esteja a
usar, demonstra um grau de boa-vontade que deverá
148 Isto Resulta
ser considerado. Embora deva manter-se uma ênfase
sobre a importância da abstinência total, os adictos
que ainda estejam a usar são bem-vindos nas nossas
reuniões, sendo especialmente encorajados a
continuarem a voltar. Muitos adictos em
recuperação não têm acesso a reuniões regulares, por
estarem detidos em cadeias, por viverem longe, por
incapacidade física, ou por motivos profissionais.
Estes adictos são membros de pleno direito desde
que tenham o desejo de parar de usar, e merecem a
mesma consideração e o mesmo apoio que qualquer
outro membro.
São várias as razões que nos levam à nossa
primeira reunião. Os nossos motivos para vir a NA
não são aquilo que mais interessa. O desejo de parar
de usar pode não estar claramente identificado; pode
não passar de uma vontade dissimulada de que a dor
seja aliviada. Mas esse anseio leva-nos, muitas
vezes, a procurar soluções que de outro modo
poderíamos nem sequer considerar. A experiência de
ouvir outros adictos partilharem sobre recuperação
irá geralmente inflamar o desejo de parar de usar. Há
adictos que vêm a uma reunião, ouvem a mensagem
e regressam à vida de uso. Aqueles que voltam às
reuniões depois de uma recaída costumam dizer que
o seu desejo de parar de usar nasceu da dor dessa
recaída. São muitos os motivos que nos trazem a
NA, mas acabamos por ficar quando encontramos e
mantemos o desejo de parar de usar.
O grupo não é o juiz desse desejo. Não
podemos medir ou arbitrar a boa-vontade. A boa-
vontade de qualquer adicto para vir a uma reunião
deverá constituir indicação suficiente do seu desejo.
Um adicto poderá demorar algum tempo a encontrar
o desejo que o manterá em Narcóticos Anônimos. A
ninguém deverá ser negada uma oportunidade de se
manter o tempo suficiente para desenvolver esse
Terceira Tradição 149
desejo, que poderemos alimentar através da nossa
aceitação e do nosso afeto.
A redação da Terceira Tradição reflete o
amplo conceito do nosso Primeiro Passo. Encontra-
se escrita de uma forma suficientemente simples
para incluir adictos de todos os países e culturas,
sejam quais forem as drogas que tenham usado.
Antes de encontrarem a recuperação em NA, muitos
adictos não veem o álcool como um problema.
Outros abusam de receitas médicas, pensando que
não há mal nas drogas "legais". Dada a forma como
esta tradição está escrita, podemos atrair e dar as
boas-vindas a adictos que julguem que não usaram
as drogas "certas" para se qualificarem como
membros de NA. Cada adicto deverá decidir por si
se NA é ou não a resposta para o seu problema. Nós
não podemos tomar essa decisão pelos outros.
Embora a Terceira Tradição esteja escrita de
forma simples, sabemos que, quando ela fala de "um
desejo de parar de usar", trata-se de usar drogas.
Compreendemos que NA é um programa de
recuperação para toxicodependentes. Embora a
palavra "adicção" tome um significado mais amplo
à medida que prosseguimos na recuperação, é
importante lembrarmo-nos de que o motivo inicial
que nos trouxe a NA foi o nosso problema com
drogas. Se quisermos que os novos membros sintam
que pertencem a NA, eles precisam de ouvir algo
com que possam identificar-se. Eles encontram essa
identificação nesta irmandade de adictos em
recuperação, chamada Narcóticos Anônimos.
Muitos de nós sabem que são adictos quando vão à
sua primeira reunião. Não se trata de algo que
tenhamos de decidir: trata-se somente de uma
realidade. Ser-se membro, contudo, implica mais do
que o ser adicto - significa tomarmos uma decisão.
Se nos identificarmos com o que ouvimos em NA e
150 Isto Resulta
nos relacionarmos com as pessoas que encontramos,
iremos querer aquilo que NA tem para oferecer.
Enquanto tivermos um desejo de parar de usar,
seremos livres de tomar a decisão de nos juntarmos
a Narcóticos Anônimos. Depois, e uma vez tomada
essa decisão, precisamos de continuar,
comprometendo-nos com os princípios de NA.
Estaremos, assim, a seguir honestamente o caminho
da recuperação.
A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS
A Terceira Tradição encoraja-nos a não nos
julgarmos uns aos outros, guiando-nos no serviço
em direção a uma atitude de ajuda, de aceitação e de
amor incondicional. Tal como vimos nas tradições
anteriores, o nosso percurso em serviço surge da
aplicação de princípios. Alguns dos princípios que
apoiam esta tradição são a tolerância, a compaixão,
o anonimato e a humildade.
A tolerância recorda-nos de que não é nossa
tarefa julgar seja quem for. A doença da adicção não
exclui ninguém. Assim, também NA não pode
excluir nenhum adicto que deseje parar de usar.
Aprendemos a ser tolerantes para com adictos que
venham de meios diferentes dos nossos, lembrando-
nos de que não somos melhores do qualquer outro
adicto numa reunião.
A adicção é uma doença implacável.
Sabemos que os adictos que não encontram a
recuperação não poderão esperar muito mais do que
as prisões, os hospitais ou a morte. Recusarmos a
entrada a qualquer adicto, mesmo aquele que venha
apenas por curiosidade, poderá significar uma
sentença de morte para ele. Aprendemos a praticara
tolerância para com os adictos que não se pareçam
conosco, que não pensem como nós, ou que não
partilhem da mesma forma que nós. Ensinamos
Terceira Tradição 151
através do exemplo. Se pressionarmos novos
membros a falarem ou a agirem como nós,
poderemos estar a mandá-los de volta para as ruas,
negando-lhes certamente o direito de recuperarem e
de aprenderem à sua maneira.
A compaixão traduz-se na bondade que
pomos nos nossos esforços ao servir os outros.
Através da compaixão manifestada nas nossas ações,
aprendemos a apoiar outros membros em quaisquer
dificuldades que possam estar a atravessar.
Costumamos ser rápidos demais a julgar a qualidade
da recuperação dos outros, ou a sua boa-vontade. A
Terceira Tradição pede-nos que coloquemos de lado
a nossa mania de ter sempre razão. Dado que não nos
é possível medir o único requisito para se ser
membro, tão pouco temos o direito de julgar o desejo
dos outros. A nossa atitude deverá ser de aceitação e
de amor para com todos os adictos, sejam quais
forem os problemas que possam estar a viver. A
aplicação generosa da compaixão é mais terapêutica
para o adicto que sofre, do que a aplicação gratuita
do julgamento.
A humildade recorda-nos de que não somos
divinos. Não podemos profetizar a prontidão, seja de
quem for, para ouvir a mensagem. Tentamos
lembrar-nos dos nossos próprios medos e da nossa
confusão quando da nossa primeira reunião.
Precisamos da ajuda e do encorajamento uns dos
outros, e não de crítica ou de rejeição. A nossa
consciência das nossas próprias imperfeições,
exercitada através da humildade, ajuda-nos a
recordar isso. A autoaceitação, que costuma
acompanhar a humildade, torna-nos relutantes em
julgar duramente os outros.
O anonimato é o princípio que apoia a
abertura dos nossos grupos, dando-nos também a
liberdade de receber todos como iguais. NA não tem
152 Isto Resulta
classes de membros, nem membros de segunda. O
denominador comum em NA é a doença da adicção.
Estamos todos igualmente sujeitos à sua devastação.
Por isso partilhamos o mesmo direito de recuperar.
A prática do anonimato assegura a
integridade da Terceira Tradição. Dentro do espírito
do anonimato, lembramo-nos de que nenhum
membro individual, ou nenhum grupo, é mais
importante do que a mensagem que transmitimos. O
único requisito para se ser membro ajuda-nos a
assegurar que nenhum adicto precise de morrer sem
ter tido uma oportunidade de recuperar. Celebramos
a nossa igualdade e a liberdade que partilhamos, ao
acolhermos qualquer adicto que tenha o desejo de
parar de usar.
A Terceira Tradição significa liberdade para
os membros de NA, colocando o único requisito para
se ser membro no coração de cada membro
individual. Não precisamos de decidir por mais
ninguém, ou de dispender tempo e energia a decidir
quem fica ou quem deveremos ajudar. Em vez disso,
somos livres de ajudar todo aquele que entre numa
reunião desejando libertar-se da adicção, quando da
nossa primeira reunião.
153
Quarta Tradição
"Cada grupo deverá ser absolutamente autónomo,
salvo em assuntos que digam respeito a outros grupos
ou a NA no seu todo."
Os grupos de NA têm uma grande margem
de liberdade, fá vimos, na Terceira Tradição, que os
grupos estão isentos de ter de examinar os seus
membros ou de lhes colocar quaisquer exigências.
Os grupos de NA são livres de oferecer recuperação
a qualquer adicto. A Quarta Tradição aumenta essa
liberdade, permitindo que a rica variedade das
nossas diferentes experiências nos ajude a servir.
A liberdade poderá entusiasmar-nos. Muitos
de nós têm pouca experiência com qualquer tipo de
liberdade. As nossas vidas de uso costumavam
assemelhar-se mais a uma escravidão. Quando pela
primeira vez sentimos a liberdade da recuperação,
podemos achá-la esmagadora. Através da prática dos
passos, aprendemos que a liberdade vem com a
responsabilidade. Em recuperação tornamo-nos
responsáveis por nós próprios. À medida que
aceitamos essa responsabilidade, vemos como a
Quarta Tradição nos encoraja a agir
responsavelmente enquanto grupos e enquanto
irmandade.
Os grupos de NA são veículos para a
mensagem de recuperação. O carácter de um grupo
forma-se na força do compromisso pessoal que os
seus membros assumem uns com os outros. À
medida que o carácter desse grupo cresce e se
desenvolve, encontrará formas de realizar aquilo que
mais nenhum grupo dessa área esteja a fazer. Os
membros de cada grupo arranjam um formato de
reunião que reflita a personalidade particular desse
154 Isto Resulta
grupo.
A autonomia dos grupos dá-lhes a liberdade
criativa para encontrarem formas individuais de
transmitir a mensagem. NA é constituída por uma
variedade de adictos, unidos pela força do seu
compromisso mútuo para com a recuperação.
Falamos muitas línguas diferentes e vivemos em
variadas culturas; determinado tipo de reunião
poderá não ser atrativo para todo o adicto que chega
a Narcóticos Anônimos. A fim de chegarmos a todos
aqueles que possam necessitar da nossa ajuda, e a
apoiarmos a recuperação de todos os membros, os
grupos têm a liberdade de variar o seu formato,
assim como outras características das reuniões. Cada
grupo tem, em suma, a liberdade de seguir o nosso
propósito primordial da forma que achar que melhor
poderá resultar.
Cada grupo tem um espaço a preencher,
tanto na irmandade como um todo, como na
comunidade local de NA. A nossa capacidade de
chegar, enquanto irmandade, aos adictos que ainda
estão a usar encontra-se ligada à nossa boa-vontade
para lhes proporcionar reuniões que sejam acessíveis
e atrativas. Graças à liberdade criativa que a
autonomia permite, somos encorajados a procurar
um papel particular que sirva as necessidades tanto
da comunidade de NA como do nosso próprio grupo.
Somos livres de fazer de cada grupo o melhor que
ele possa ser. A vitalidade de Narcóticos Anônimos
é aumentada pela boa-vontade de cada grupo para
encontrar o seu espaço e preenchê-lo.
A liberdade criativa desafia os grupos a
serem fortes e responsáveis. Os membros poderão
apoiar muitas reuniões com a sua presença, mas a
maioria assume o compromisso de apoiar um grupo
em particular. Tal como cada membro individual
cresce na sua recuperação quando se responsabiliza
Quarta Tradição 155
pela sua própria vida, também um grupo cresce e
fortalece-se quando os seus membros se
responsabilizam coletivamente por manter as
reuniões a funcionar. Cada grupo reflete essa
responsabilidade e o compromisso dos seus
membros.
Uma das formas mais comuns de os grupos
expressarem a sua autonomia é através da escolha do
formato de reunião. A maioria das comunidades de
NA oferece uma variedade de tipos de reunião,
desde as de partilha até às de passos, passando pelas
reuniões de tópico, assim como outros formatos ou
combinações de formatos que vão ao encontro das
necessidades dos membros locais. Algumas reuniões
serão abertas ao público, enquanto que outras serão
apenas para adictos. As comunidades maiores
poderão ter diferentes tipos de reunião, consoante o
dia. Alguns adictos escutarão melhor a mensagem de
recuperação em determinado tipo de reunião,
enquanto que outros poderão preferir um formato
diferente. Uma comunidade de NA que ofereça uma
variedade de reuniões terá mais oportunidades de
chegar a um maior número de adictos. Com um
espírito de colaboração, tentamos respeitar a
autonomia dos outros grupos ao lhes permitirmos a
liberdade de transmitirem a mensagem da forma que
melhor lhes convier.
E neste espírito da autonomia que se
realizam reuniões diferentes, para agradar a grupos
de membros com as mesmas necessidades. Ao nos
livrar de termos de julgar, a Terceira Tradição visa
ajudar cada adicto, esteja onde estiver, a sentir-se
confortável em NA. Não importa a forma como um
grupo estruture as suas reuniões; todos os grupos de
NA são encorajados a concentrarem as suas reuniões
na recuperação da doença da adicção. Sempre que
um grupo, nas suas reuniões, respeitar as Doze
156 Isto Resulta
Tradições e aderir aos Doze Passos de NA, ela
poderá ser considerada uma reunião de Narcóticos
Anônimos.
É por vezes difícil sabermos o que poderá
afetar NA como um todo. A Quarta Tradição
permite-nos equilibrar a liberdade de autonomia
com a nossa responsabilidade de preservar a unidade
de NA. Somos desafiados, na Quarta Tradição, a
aplicar a autonomia de forma a fortalecer o
crescimento e a vitalidade de NA. A autonomia
encoraja os grupos a tornarem-se fortes e vivos, mas
também lhes recorda que são uma parte vital de um
todo maior: a Irmandade de Narcóticos Anônimos.
Cada vez que tomamos decisões nos nossos grupos
temos em mente o nosso bem-estar comum.
Dado que os grupos não estão, na sua maioria,
diretamente ligados uns aos outros, poderemos ser
levados a pensar que aquilo que possa acontecer nas
nossas reuniões não terá qualquer efeito em mais
ninguém. Quando considerarmos quem possa ser
afetado pelo nosso grupo, teremos de olhar para os
outros grupos, para o adicto que ainda não nos
conhece, para o recém-chegado, e para a zona em
que realizamos as nossas reuniões. Teremos, sim,
um efeito sobre outros grupos, ou sobre NA como
um todo, se não formos reconhecíveis como uma
reunião de NA. Poderá ajudar recordarmo-nos
daquilo que precisámos de ouvir quando éramos
recém-chegados: a esperança de recuperação da
adicção a drogas. Os adictos que chegam a NA
costumam prestar mais atenção às diferenças, na
esperança de encontrarem motivos para não se
enquadrarem. Não é difícil alienar-se um adicto. É
importante que pensemos na mensagem que
transmitimos ao recém-chegado nas nossas reuniões.
Se ponderarmos sobre o nosso propósito primordial,
poderemos ajudar a assegurar que continuem a
Quarta Tradição 157
existir reuniões para os adictos que ainda estão para
chegar.
É importante que consideremos também a
forma como somos vistos pela sociedade. Quando
começaram a surgir as primeiras reuniões de NA, em
muitos sítios era ilegal que adictos se reunissem,
fossem quais fossem as circunstâncias. Mesmo onde
as reuniões sejam legais, as pessoas costumam ficar
inquietas perante grupos de adictos. Até que NA
estabeleça uma boa reputação junto do público,
poderemos ter dificuldades em encontrar locais de
reunião. Se o nosso comportamento como membros
de NA continuar a ser destrutivo e egoísta,
continuaremos a ter dificuldade em nos reunirmos
abertamente. Estaremos a proteger a nossa reputação
como irmandade quando tratarmos os nossos locais
de reunião com respeito, mantendo-os limpos e em
bom estado. Deveremos ter cuidado para nos
comportarmos como bons vizinhos, agindo com
respeito. Mesmo uma coisa simples como a escolha
do nome de um grupo pode refletir-se em NA como
um todo. Se a reputação pública de Narcóticos
Anônimos estiver de alguma forma prejudicada,
poderão morrer adictos em consequência disso.
A autonomia não retira aos grupos a sua
obrigação de respeitar e de aplicar os princípios
espirituais contidos nas tradições. Uma cuidadosa
consideração do respeito do grupo pela Quarta
Tradição toma geralmente a forma de um inventário
do grupo, ajudando os seus membros a avaliarem o
seu sucesso na transmissão da mensagem e a
alcançar os adictos da sua zona. Os grupos podem,
ao mesmo tempo, examinar o seu papel na
contribuição para a unidade de NA como um todo.
A Quarta Tradição afasta-nos do egocentrismo, ao
nos dar a liberdade de agir responsavelmente como
grupos.
158 Isto Resulta
A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS
A Quarta Tradição ajuda os grupos a
alcançarem um equilíbrio entre a independência e a
responsabilidade, refletindo a liberdade do membro
individual em recuperação e a responsabilidade que
suporta essa liberdade. A par de uma atitude de
mente aberta, de unidade e de anonimato, aqueles
princípios, quando aplicados aos assuntos do nosso
grupo, ajudam a proteger NA como um todo.
Enquanto que a autonomia nos dá certas
liberdades, ela implica também responsabilidade
pelas nossas ações e pelo contínuo bem-estar de NA.
Como grupos, praticamos a nossa responsabilidade
para com a irmandade ao fazermos um inventário do
nosso comportamento e da forma como realizamos
as reuniões. O nosso grupo exercita a sua autonomia
de um modo responsável quando, antes de agir, tem
o cuidado de considerar o bem-estar comum da
irmandade como um todo.
Uma mente aberta é essencial se quisermos
que a autonomia ajude NA a crescer. Com uma
mente aberta somos mais receptivos a novas formas
de alcançar os adictos. Aprendemos a encontrar e a
preencher o nosso espaço na comunidade de NA.
Encorajamos cada membro a contribuir com ideias.
Uma mente aberta ajuda-nos a recordar que cada
grupo é parte de um todo maior. O reconhecimento
disso leva-nos a querer olhar ainda mais para ideias
novas. A nossa diversidade só pode enriquecer-nos.
Devemos, por isso, estar abertos a essa sua riqueza.
Cientes de que fazemos parte de um todo maior,
levamos em conta a unidade ao pensarmos em
aplicar a Quarta Tradição. Qualquer decisão que
tomemos enquanto grupo autónomo deverá basear-
se primeiramente no nosso bem-estar comum.
Embora sejamos autónomos, podemos apoiar outros
grupos, seja participando nas suas reuniões ou
Quarta Tradição 159
através de outras formas de ajuda. As reuniões de
NA florescem quando os grupos olham para além
das suas necessidades imediatas, oferecendo-se para
se ajudarem uns aos outros.
O amor é o princípio que nos orienta para
que vejamos NA como um todo crescer, unindo a
nossa responsabilidade como grupos autónomos. As
decisões autónomas do nosso grupo, baseadas no
nosso amor por NA, irão fortalecer os nossos
esforços para servir os outros. O amor encoraja-nos
a dar a mão a outros membros e a outros grupos,
encontrando formas de colaborar com eles na
transmissão da mensagem de recuperação.
O anonimato, aplicado à Quarta Tradição,
recorda-nos que cada grupo tem um lugar igual
dentro da irmandade de NA. Os grupos maiores não
são mais importantes do que os mais pequenos; os
grupos mais antigos não são "melhores" do que os
mais recentes. Embora qualquer grupo tenha a
liberdade de aplicar princípios da forma que melhor
lhe convier, esses mesmos princípios tornam cada
grupo um parceiro igual em recuperação. Cada
grupo tem a mesma responsabilidade no trabalho e
na reputação de NA.
A autonomia em NA dá aos grupos a
liberdade de agirem por si próprios no
estabelecimento de uma atmosfera de recuperação,
no serviço aos seus membros, e no cumprimento do
nosso propósito primordial. A responsabilidade que
equilibra a nossa autonomia reflete os princípios
expressos nas primeiras três tradições. Em primeiro
lugar, devemos preservar a unidade da Irmandade de
NA; em seguida, procuramos a orientação de um
Poder Superior amantíssimo, realizando, depois,
reuniões onde é bem-vindo quem tenha um desejo
de parar de usar.
É essencial para o crescimento de Narcóticos
160 Isto Resulta
Anônimos a existência de grupos vivos e saudáveis.
Os grupos constituem um local onde podemos
oferecer o nosso serviço mais fundamental: um
adicto a transmitir a outro uma mensagem de
recuperação. Sem a autonomia dos nossos grupos,
seríamos incapazes de cumprir o nosso propósito
primordial.
161
Quinta Tradição
"Cada grupo é animado de um único propósito primordial:
o de transmitir a mensagem ao adicto que ainda sofre."
O nosso propósito primordial constitui o
ponto essencial do nosso serviço. Com a orientação
de um Poder Superior amantíssimo, e claramente
centrados neste propósito, os grupos de NA tornam-
se um canal para o poder reparador da recuperação.
Narcóticos Anônimos existe para ajudar adictos a
libertarem-se da adicção ativa. Se fôssemos abraçar
outras ideias ou perseguir outros objetivos, iríamos
diminuir a nossa concentração e diluir as nossas
energias. A Quinta Tradição pede-nos que
pratiquemos a integridade ao mantermos o nosso
propósito em primeiro lugar.
A Quinta Tradição ajuda os nossos grupos a
cumprirem a razão fundamental para a sua
existência: transmitir a mensagem ao adicto que
ainda sofre. Tal como aprendemos na Quarta
Tradição, os grupos de NA são livres de encontrar
novos e diferentes formatos de reunião. Essa
liberdade é importante, pois protege e encoraja a
diversidade, permitindo que cheguemos aos adictos
de muitas maneiras. É dentro desta autonomia que
cada grupo desenvolve o seu próprio carácter. Mas
não é o carácter do grupo que constitui o seu
propósito, tal como a mensagem que transmitimos
não é a personalidade do nosso grupo. Ela é, sim, a
mensagem de Narcóticos Anônimos - os princípios
da recuperação.
Qual é a mensagem que nos pedem para
transmitir? Os grupos transmitem a mensagem de
NA, uma mensagem de esperança e de libertação da
adicção ativa, e que pode ser dita de várias formas.
162 Isto Resulta
Por vezes basta partilharmos que, se não usarmos
qualquer droga, não iremos ficar "pedrados". Outros
partilham que encontram na recuperação vidas
produtivas que os satisfazem. A mensagem que
partilhamos é, por vezes, a de que podemos manter-
mos limpos apesar de a vida poder ser dolorosa. O
despertar espiritual que experimentamos quando
praticamos os passos constitui também a nossa
mensagem. Quando sentimos a mensagem de
recuperação, o nosso sofrimento começa a
desaparecer, seja qual for a sua causa. Podemos
viver sem drogas e construir vidas novas. É essa a
nossa mensagem: a de que um adicto, qualquer
adicto, pode parar de usar drogas, perder o desejo de
usá-las, e encontrar um novo modo de vida.
A concentração do grupo na transmissão da
mensagem é tão importante para a sobrevivência de
NA que dizemos que é o nosso propósito primordial.
Isto significa que constitui a tarefa mais importante
que fazemos e que deverá ter primazia sobre tudo o
resto. Constitui também a referência fundamental
pela qual os grupos podem examinar os seus motivos
e as suas ações.
Existem muitas formas pelas quais os grupos
podem promover o nosso propósito primordial. De
uma maneira geral, os membros do grupo começam
por criar, nas suas reuniões, uma atmosfera de
recuperação, que inclui dar as boas-vindas a todos os
adictos presentes. As reuniões regulares e pontuais
transmitem uma mensagem de recuperação. As
reuniões com um formato eficaz mantêm vivo o
propósito primordial e encorajam os membros a
participarem de uma forma que reflita a recuperação.
Quinta Tradição 163
Lideramos através do exemplo, partilhando a nossa
experiência em vez de andarmos a dar conselhos. Os
membros do grupo ajudam a promover o nosso
propósito quando assumem a responsabilidade
pessoal por manter a reunião orientada para a
recuperação. Todas as nossas ações transmitem uma
mensagem e a Quinta Tradição lembra-nos de fazer
dela uma mensagem de recuperação.
Há muitas influências que nos distraem e que
podem desviar-nos do nosso propósito primordial.
Por exemplo, os nossos grupos podem sentir-se
tentados a utilizar o tempo de reunião para discutir
os seus assuntos ou finanças, ou para falar sobre
algum assunto controverso. Como membros
individuais, podemos acabar a conversar com os
nossos amigos, ignorando algum adicto que possa
estar a sofrer e a precisar do nosso encorajamento.
De cada vez que a nossa concentração é desviada do
nosso propósito primordial, quem fica a perder é o
adicto em busca de recuperação.
Há outras influências ainda que podem
desviar o nosso grupo do seu propósito primordial.
Com o dinheiro contribuído pelos membros, os
nossos grupos pagam a renda dos seus locais de
reunião, compram literatura e outros artigos,
realizam atividades e apoiam os serviços de NA.
Tudo isto pode ajudar a promover o nosso propósito
primordial, mas também pode desviar-nos dele. Há
grupos que tentam exceder-se em relação a outros,
alugando magníficos locais de reunião, oferecendo
refrescos extravagantes, comprando quantidades
enormes de literatura e realizando atividades
complicadas. Ao agirmos assim estaremos a desviar-
nos do nosso propósito primordial e a concentrar-nos
no dinheiro, na propriedade e no prestígio.
Deveremos esforçar-nos por estabelecer uma
reputação de transmitir a mensagem - nem mais,
164 Isto Resulta
nem menos. O dinheiro, a literatura, o local de
reunião, são todos instrumentos que poderão ajudar-
nos a transmitir a mensagem, mas que deverão
servir-nos e não dominar-nos.
Os grupos podem providenciar muitos
serviços destinados a transmitir a mensagem. O
nosso principal serviço é a reunião de NA, onde
adictos partilham a sua recuperação diretamente uns
com os outros. Outros serviços, tais como o
atendimento telefónico, o trabalho de informação
pública e os painéis de H&I, também ajudam a
transmitir a mensagem. Em áreas rurais e em
comunidades novas de NA, os grupos são por vezes
a única fonte de tais serviços. No entanto, a maioria
dos grupos sente que é difícil manterem-se
concentrados nas suas reuniões de recuperação e, ao
mesmo tempo, levar a cabo outros serviços. É por
esta razão que os grupos costumam atribuir a
responsabilidade por tais serviços aos seus comités
de área, guardando assim o seu tempo e as suas
energias para transmitira mensagem diretamente ao
adicto que ainda sofre.
Dada a importância de se transmitir a
mensagem, muitos grupos fazem periodicamente o
seu inventário, a fim de assegurar que a sua
prioridade continue a ser o nosso propósito
primordial. As Doze Tradições poderão ser
utilizadas como orientação para esse inventário.
Alguns grupos usam perguntas específicas, tais
como: Em que medida estamos a transmitir bem a
mensagem de recuperação? Existem adictos aos
quais o nosso grupo não está a chegar? Como é que
podemos tornar as nossas reuniões mais acessíveis?
O que é que podemos fazer para que os novos
membros se sintam mais à vontade? O ambiente de
recuperação terá enfraquecido? Será que uma
mudança no nosso formato de reunião iria fortalecer
Quinta Tradição 165
esse ambiente?
Se considerarmos as necessidades mais
amplas da comunidade de NA, poderemos levar a
cabo outras mudanças. Por exemplo, se numa cidade
não houver reuniões de passos, um grupo poderá
considerar a realização desse tipo de reuniões.
Existem muitas formas de transmitir a mensagem e
de ir ao encontro das necessidades tanto do grupo
como da comunidade de NA.
Há um poder que se manifesta através deste
programa. Entramos em contato com esse poder
quando, como indivíduos, praticamos os Doze
Passos, transmitindo a mensagem a outros adictos.
Quando são os grupos a transmitir a mensagem, o
impacto do 12° Passo é grandemente multiplicado.
Mais impressionante ainda do que o número de
adictos em recuperação, é a unidade do nosso
propósito e o ambiente de recuperação que
encontramos nas reuniões - uma força espiritual. É
difícil negar a evidência de um tal poder no grupo.
Trata-se de um poder ao qual podemos recorrer nos
períodos entre as reuniões, a fim de nos mantermos
limpos.
A Quinta Tradição faz incidir a prioridade do
grupo sobre a transmissão da mensagem. Os
membros podem fazer muita coisa para promover o
nosso propósito primordial. Por exemplo,
demonstramos o nosso interesse e a nossa boa-
vontade em ajudar ao nos revezarmos a dar as boas-
vindas à entrada de uma reunião, ao prepararmos
listas de telefones para distribuir, ao oferecermos aos
recém-chegados folhetos de literatura. Quando os
membros se juntam como um grupo para levarem a
cabo a tarefa de transmitir a mensagem, estão a
proporcionar um quadro atraente do que é viver a
recuperação.
166 Isto Resulta
Há muitas reuniões que são organizadas de
forma a transmitir a mensagem aos membros mais
recentes, que por vezes precisam de um maior
encorajamento para ficar, de mais respostas às suas
perguntas, de mais do nosso amor e carinho. Mas
eles não são os únicos a precisar da mensagem de
recuperação. O adicto que ainda sofre, aquele com
quem partilhamos a nossa esperança, pode ser
qualquer um de nós, não importa qual o nosso tempo
limpo. A Quinta Tradição não se limita a ajudar os
recém-chegados. A mensagem de recuperação é para
todos nós.
A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS
A Quinta Tradição complementa o 12°
Passo: pede aos grupos que transmitam a mensagem
a adictos. Os passos pedem-nos que, como
indivíduos, apliquemos princípios em todas as
nossas atividades. Isto é também importante nas
nossas ações enquanto grupos. Alguns dos
princípios que aplicamos para nos ajudarem a
respeitar a Quinta Tradição incluem a integridade, a
responsabilidade, a unidade e o anonimato.
A integridade, ou fidelidade aos princípios
incorporados nas Doze Tradições, é demonstrada
quando grupos transmitem a mensagem de
recuperação de NA. Muitos dos nossos membros
têm muito para dar em várias áreas, mas a nossa
irmandade tem a sua mensagem especial própria: a
libertação da adicção ativa através da prática dos
Doze Passos de NA e do apoio de uma irmandade de
adictos em recuperação. Os grupos demonstram isto
quando proporcionam um apoio vigoroso e
consciente a adictos que procuram praticar o
programa de NA. Quando os grupos cultivam
conscientemente este tipo de integridade, as suas
reuniões fortalecem o nosso propósito primordial.
Quinta Tradição 167
A Quinta Tradição atribui aos nossos grupos
uma grande responsabilidade: a de manterem o
propósito primordial da nossa irmandade. Cada
grupo é responsável por se tornar o mais eficaz
veículo de transmissão da mensagem de NA que
puder ser. Se deixarmos que os nossos grupos
percam de vista o nosso propósito primordial, há
adictos que poderão ver-se privados de uma
oportunidade de ouvir a nossa mensagem de
esperança. Cada membro é responsável por ajudar o
grupo a manter-se concentrado no nosso propósito
primordial.
A unidade é uma das nossas maiores forças
na transmissão da mensagem. É a unidade do nosso
propósito que nos mantém concentrados nessa
transmissão. Como grupos, trabalhamos juntos para
assegurar não só a nossa própria recuperação pessoal
como, também, a recuperação de todo o membro de
NA. A evidência de muitos adictos que se mantêm
limpos e buscam o nosso bem comum é, por si só,
suficientemente persuasiva. Nós não recuperamos
sozinhos.
No anonimato, as nossas diferenças pessoais
são insignificantes comparadas com o nosso
propósito primordial. Quando nos juntamos como
grupo, a nossa primeira tarefa é transmitir a
mensagem; tudo o resto deverá ser posto de lado. Os
grupos podem praticar a Quinta Tradição ao
recordarem aos seus membros que é a mensagem de
recuperação, e não cada personalidade individual,
aquilo que está em primeiro lugar em Narcóticos
Anônimos.
Narcóticos Anônimos é uma irmandade com
reuniões em todo o mundo. O nosso propósito pri-
mordial é um elo comum que nos une. A Quinta
168 Isto Resulta
Tradição define o propósito de Narcóticos
Anônimos, propósito esse que também ajuda a
assegurar a nossa sobrevivência como irmandade. A
Quinta Tradição pede-nos que sirvamos outros
adictos ao transmitirmos a mensagem de que a
recuperação é possível em Narcóticos Anônimos. A
concentração neste propósito protege a integridade
da nossa irmandade.
169
Sexta Tradição
"Um grupo de NA nunca deverá
apoiar, financiar ou ceder o nome de NA
a qualquer empreendimento afim ou alheio à Irmandade,
para que os problemas de dinheiro, propriedade ou prestígio
não nos afastem do nosso propósito primordial."
Embora cada grupo tenha apenas um
propósito primordial, existem muitas formas de
cumprir esse propósito. Os nossos grupos vão por
vezes a grandes extremos para transmitir a
mensagem. Realizamos o nosso propósito
primordial como indivíduos, como grupos, e através
da nossa estrutura de serviço. Ao transmitirem a
mensagem, os grupos tomam contato com outras
organizações na sua área. Boas relações públicas
podem ajudar os nossos grupos a melhor cumprirem
o seu propósito primordial, mas a colaboração com
outras organizações pode também originar conflitos,
desviando os nossos grupos da transmissão da
mensagem. A Sexta Tradição modera o nosso zelo
em transmitir a mensagem, estabelecendo limites às
nossas relações com os outros.
O que nos define é o propósito primordial da
nossa irmandade. Somos uma sociedade de adictos
que partilham com outros a esperança de
recuperação em Narcóticos Anônimos. Quando a
identidade de NA se torna demasiado ligada à
identidade de uma outra organização, a clareza do
nosso propósito primordial é confundida, perdendo
alguma da sua força.
A Sexta Tradição avisa-nos de três coisas que podem
obscurecer a distinção entre Narcóticos Anônimos e
outros empreendimentos: o apoio, o financiamento,
e a cedência do nosso nome. Um apoio é uma
170 Isto Resulta
declaração pública de assistência a uma outra
organização. Quando se financia uma outra
organização, está a aumentar-se ainda mais o apoio
ao objetivo dessa organização. A cedência do nosso
nome a um empreendimento afim ou alheio - ao
permitir, por exemplo, que um centro de tratamento
de adicção se chame "Centro Médico de NA" -
constitui o apoio derradeiro, perante o público,
ligando permanentemente o nosso propósito
primordial ao de outros.
Ao estabelecer limites, a Sexta Tradição
ajuda os nossos grupos a evitarem alguns dos
problemas que costumam surgir entre organizações.
Se apoiarmos uma organização que mais tarde venha
a conhecer dificuldades, a nossa reputação sofrerá
juntamente com ela. Se incentivarmos uma empresa
alheia com que alguns possam não concordar, há
adictos em busca de recuperação que poderão sentir-
se desencorajados a vir às nossas reuniões. Se
declararmos o nosso apoio a uma outra organização,
o público, o adicto que ainda sofre, e até mesmo os
nossos próprios membros, poderão confundir o
propósito dessa organização com o nosso. Se
financiarmos um empreendimento afim ou alheio
estaremos a desviar fundos que poderiam ser
utilizados no nosso próprio propósito primordial; se
mais tarde retirarmos esses fundos, outros problemas
poderão então surgir. Se financiarmos ou cedermos
o nosso nome a uma organização em detrimento de
outra, poderemos ser arrastados para um conflito en-
tre elas. Ao ajudarmos os nossos grupos a evitarem
tais problemas, a Sexta Tradição permite que
dediquemos todas as nossas energias a transmitir
uma mensagem clara de NA a adictos em busca de
recuperação.
É no mundo que temos de viver. Não é
possível estarmos completamente separados,
Sexta Tradição 171
fugindo ao contato com organizações externas. Não
só é impossível, como tão-pouco seria uma boa
ideia. A colaboração com outros é saudável para
Narcóticos Anônimos. Os contatos entre os nossos
grupos e o público irão ajudar outros a melhor
compreenderem NA. Ajudarão a aumentar a boa-
vontade da comunidade para com NA. Levarão
médicos, professores, a polícia, amigos e parentes, a
recomendarem NA a adictos que queiram recuperar.
Ajudam-nos a transmitir a mensagem a adictos que
não possam deslocar-se a reuniões regulares. Ao
deixarmos que outros nos conheçam e saibam aquilo
que temos para dar, iremos aumentar as
oportunidades para que adictos em busca de
recuperação possam escutar a nossa mensagem.
Os grupos de NA costumam cultivar boas
relações com os centros de tratamento da sua área.
Fazem saber que as suas reuniões estão sempre
abertas a adictos desses centros e dão-lhes as boas-
vindas quando eles aparecem. Existe uma diferença,
contudo, entre colaboração e apoio. Quando o
propósito primordial de um grupo fica obscurecido
devido à sua relação com uma outra organização ou
instituição, será altura de o grupo dar um passo atrás
e examinar essa relação. Por exemplo, quando um
grupo ou uma área realiza uma festa, deverá
oferecer-se um desconto nos bilhetes aos doentes de
outras instituições? Por que não estender esses
descontos a todos os recém-chegados? Deveremos
colocar este tipo de questões sempre que a relação
do nosso grupo com um empreendimento afim ou
alheio se torne tão próxima ao ponto de o nosso
grupo parecer estar ligado a essa outra organização.
Estas perguntas ajudam-nos a assegurar que a nossa
colaboração com um empreendimento alheio não se
torne, inadvertidamente, num apoio a esse mesmo
empreendimento.
172 Isto Resulta
Existem muitos empreendimentos, afins e
alheios, dedicados ao estudo da adicção e ao auxílio
à recuperação. Tal como NA, cada um tem o seu
propósito primordial, que se reflete na sua literatura
e na sua mensagem. Embora esses propósitos
possam ser semelhantes ao nosso, não serão o
mesmo, pois essas organizações são independentes
de nós. Nas nossas reuniões utilizamos literatura de
NA e os partilhadores são membros de NA, tudo
com o objetivo de cumprirmos o propósito
primordial de NA. Um grupo de NA que utilize
literatura ou partilhadores de uma outra organização
estará a apoiar o propósito primordial dessa
organização, não o nosso.
Apesar de haver alguns grupos de NA que se
reúnem nas suas próprias instalações, isso não se
passa com a grande maioria. Aqueles que alugam o
espaço de reunião a outras organizações precisam de
ter um cuidado especial para nunca apoiarem,
financiarem ou cederem o nome de NA às
organizações às quais alugamos salas. Por exemplo,
estará o grupo a pagar substancialmente mais, para
se reunir em determinadas instalações, do que aquilo
que pagaria num outro local? Isto poderá levar a
pensar-se que o grupo apoia a instituição onde se
reúne? O grupo transmitirá melhor a mensagem de
NA ao se reunir nessas instalações, ou estará antes a
financiar um empreendimento alheio através da
"renda" que paga? Quando dedicamos as nossas
energias e os nossos fundos à transmissão da
mensagem de NA, libertamo-nos de distrações ou de
confusões que possam haver com o objetivo
primordial de outras organizações.
É importante recordarmos que nós, enquanto
membros e grupos de NA, somos responsáveis por
seguir as nossas Doze Tradições. As instituições
onde nos reunimos não têm essa responsabilidade;
Sexta Tradição 173
nem a têm outras organizações. Se formos levados a
pensar que uma organização ou instituição alheia
está a comprometer as nossas tradições, deveremos
discutir as suas ações com ela. Embora não
possamos exigir que ela modifique o seu
comportamento, uma aproximação cuidada e uma
discussão aberta geralmente conduzem a soluções
que satisfarão as partes envolvidas.
As reuniões de um grupo constituem um
fórum no qual os membros individuais podem
partilhar a sua recuperação uns com os outros. A
mensagem que transmitimos nas nossas reuniões
poderá aumentar os nossos esforços para realizar o
nosso propósito primordial, ou então desviar-nos
dele. Cada um de nós pode ter um papel na
concretização da Sexta Tradição, colocando-nos a
seguinte pergunta:" O que é que eu faço para
clarificar as relações de NA com outras
organizações?" Muitos de nós utilizam uma
variedade de recursos, nos nossos programas
pessoais de recuperação e no nosso crescimento
espiritual. Nem todos, contudo, se relacionam
diretamente com o propósito primordial de NA. Será
que estaremos a implicar um apoio a um
empreendimento afim ou alheio quando partilhamos
numa reunião de NA acerca das coisas positivas que
encontrámos noutros lados? Estaremos a desviar
outros membros na reunião da mensagem de
recuperação em NA, ou a dar aos novos membros a
ideia errada acerca do programa de Narcóticos
Anônimos? Ninguém poderá responder a estas
perguntas por nós. Mas ao respondermos a elas,
poderemos, cada um de nós, ajudar a libertar o nosso
grupo de problemas que poderiam desviar-nos do
nosso propósito primordial.
174 Isto Resulta
A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS
A aplicação de princípios espirituais
constitui a base da nossa liberdade. Quando
aderimos aos princípios da recuperação, estamos
livres para transmitir a mensagem e nos
relacionarmos com outros, sabendo que não iremos
comprometer o nosso propósito. Alguns dos
princípios que nos ajudam a respeitar a Sexta
Tradição incluem a humildade, a integridade, a fé, a
harmonia e o anonimato.
A humildade recorda-nos o papel de NA na
sociedade. Temos um programa que providenciou
uma enorme ajuda a muitos adictos em busca de
recuperação. Não temos, contudo, mais nenhum
propósito na sociedade para além de transmitir a
mensagem de NA, nem pretendemos que Narcóticos
Anônimos tenha mais alguma coisa para oferecer a
não ser a liberdade da adicção ativa. Poderá ser
tentador pensar-se em outras coisas positivas que
poderíamos fazer, no mundo e uns pelos outros, se
estendêssemos o nosso propósito, ou nos aliássemos
estreitamente com uma larga gama de
empreendimentos afins ou alheios. Esses sonhos
grandiosos apenas servem para nos desviar do nosso
propósito primordial. A transmissão da nossa
mensagem ao adicto que ainda sofre é suficiente para
nós.
A transmissão de uma mensagem clara de
recuperação em NA reflete integridade. A nossa
mensagem é delineada nos nossos Doze Passos e
Doze Tradições, e enunciada com maior pormenor
na literatura de NA. Dado que a nossa mensagem
constitui também a nossa identidade, temos o
cuidado de não a confundir com as ideias ou a
literatura de outras organizações.
Demonstramos fé quando não trocamos o
nosso apoio, os nossos fundos ou o nosso nome pela
Sexta Tradição 175
colaboração com outros. É verdade que pessoas fora
de NA poderão ajudar-nos a transmitir a nossa
mensagem a adictos que precisem de nós. Mas a
nossa fé reside na eficácia da nossa mensagem e no
Poder Superior que guia a nossa recuperação, e não
nos empreendimentos afins ou alheios com que nos
relacionamos. Se uma relação com outra
organização comprometer a nossa dedicação a
transmitir a mensagem de recuperação, não
precisamos de ter medo de largar essa relação. A
nossa força reside no poder do programa de NA -
este, afinal, resulta!
O princípio da harmonia é, ao mesmo tempo,
assumido e apoiado pela Sexta Tradição. Sempre
que podem, os nossos grupos procuram colaborar o
mais possível com outras entidades fora da
irmandade. Os nossos contatos com outros são
simples e diretos quando lhes fazemos saber, desde
o início, até onde pode ir a nossa colaboração com
eles. Ao respeitarmos os limites que a Sexta
Tradição coloca nas relações dos nossos grupos com
outras organizações, desenvolvemos a harmonia nas
nossas relações.
A nossa identidade enquanto irmandade é
baseada no anonimato e no serviço abnegado,
transmitindo a mensagem de um adicto para outro.
As relações que mantemos com organizações alheias
não se baseiam na personalidade dos nossos líderes;
os nossos próprios grupos são responsáveis pela sua
colaboração com outras organizações, fortalecendo
esses contatos e tornando-os mais eficazes.
Além disso, o anonimato ajuda-nos a evitar
que confundamos o nosso propósito nos nossos
contatos com outras organizações. As nossas
relações com empresas externas existem para nos
ajudar a cumprir o nosso propósito primordial, e não
apenas para construir a nossa reputação ou prestígio.
176 Isto Resulta
Quando respeitamos o espírito do anonimato, não
procuramos nada mais senão transmitir a mensagem
de recuperação ao adicto que ainda sofre.
Dentro dos limites estabelecidos pela Sexta
Tradição, é enorme a nossa liberdade de transmitir a
mensagem de recuperação e de ajudar outros
adictos. Temos limites precisos traçados pela nossa
identidade como Narcóticos Anônimos. Quando
temos o cuidado de respeitar esses limites, as nossas
relações com o exterior aumentam a nossa
capacidade de transmitir a mensagem ao adicto que
ainda sofre, em vez de nos desviarem do nosso
propósito primordial.
177
Sétima Tradição
"Todo o grupo de NA deverá ser absolutamente
autossuficiente, declinando quaisquer doações de fora.”
A Sétima Tradição torna mais clara ainda a
política de relações públicas dos nossos grupos. A
Sexta Tradição avisou-nos contra o financiamento
de outras organizações, para que problemas de
dinheiro, de propriedade ou de prestígio não nos
desviem do nosso propósito primordial. A Sétima
Tradição encoraja-nos a recusar fundos de outras
organizações, pela mesma razão: para manter o
nosso grupo concentrado no seu propósito
primordial. Ao pagarmos as nossas próprias
despesas, ficamos livres para transmitir a nossa
própria mensagem.
Encorajamos todo o grupo de NA a ser
absolutamente autossuficiente. Reconhecemos
também que há muitas reuniões de NA que não
começam assim. Algumas reuniões são iniciadas por
um ou dois membros de NA que querem ajudar a
transmitir a mensagem a outros adictos. E frequente
esses membros pagarem a renda do seu próprio
bolso e adquirem também literatura para essas
reuniões. Por vezes são ajudados por grupos de NA
já existentes, ou pelo comité de área mais próximo.
De qualquer das maneiras, poderá levar algum
tempo antes que uma reunião nova consiga caminhar
sozinha.
Outras reuniões - por exemplo em instituições
- são começadas por profissionais, que não são
membros, que tomaram conhecimento do programa
de Narcóticos Anônimos. Ao quererem proporcionar
aos seus clientes o acesso àquilo que NA tem para
dar, esses profissionais marcam uma hora, arranjam
178 Isto Resulta
uma sala, adquirem alguma literatura, dão um
panfleto sobre "O Grupo" aos adictos que se
juntaram, e ajudam-nos a iniciar uma reunião.
Depois de alguma exposição aos princípios
subjacentes ao programa de NA, esses adictos em
recuperação começam a tomar responsabilidade
pelas suas próprias reuniões.
A forma como uma reunião começa não é
tão importante quanto a forma como ela cresce. A
nossa experiência diz-nos que, uma vez
estabelecida, uma reunião ganha força. Começa por
atrair um grupo de adictos que a frequentam com
alguma regularidade. Estes partilham as suas
experiências uns com os outros e ajudam-se a
melhor compreender os princípios da recuperação de
NA. Por esta altura, a reunião torna-se mais do que
um acontecimento; um grupo de NA nasceu da
reunião. Com a evolução de um grupo e com os seus
membros comprometidos a ajudarem-se uns aos
outros, o grupo como um todo está pronto a assumir
a responsabilidade total pelas suas obrigações.
Muitos de nós pensam na Sétima Tradição
como a tradição do dinheiro. Embora tenhamos
vindo a associar esta tradição de autossuficiência
com as contribuições que fazemos nas reuniões, o
espírito da Sétima Tradição vai muito mais longe do
que isso. Tudo aquilo de que um grupo precisa para
cumprir o seu propósito primordial deverá ser
providenciado pelo próprio grupo.
A questão então é: o que é que um grupo
precisa? Primeiro, e acima de tudo, precisa de uma
mensagem para transmitir - e isso ele já tem. No
decurso da sua evolução, o grupo atraiu membros
que provaram, uns aos outros, que um adicto,
qualquer adicto, pode parar de usar drogas, perder o
desejo de usar, e encontrar um novo modo de vida.
Sem essa mensagem, o grupo não tem razão de
Sétima Tradição 179
existir; com ela, um grupo de NA de pouco mais
precisa.
Para além disso, as necessidades do grupo são
simples. Os grupos precisam de alugar o espaço de
reunião onde os seus membros podem juntar-se e
onde os recém-chegados podem encontrá-los. A
maioria dos grupos acha importante adquirir
literatura de NA para distribuir nas suas reuniões. As
despesas ligadas a estas coisas podem ser
substanciais, mas a maioria dos grupos consegue
pagá-las através de uma coleta.
Depois de pagarem as suas despesas básicas,
a maioria dos grupos contribui para as comissões e
os comités de NA que os servem. Linhas telefónicas,
listas de reuniões, literatura de NA, painéis de H&I
e apresentações de informação pública, são coisas
que beneficiam o grupo. É por isso que as
contribuições para o serviço fazem tanto parte da
obrigação de autossuficiência de um grupo quanto o
pagamento da renda da sala de reunião. Tal como os
grupos, também os comités e as comissões de
serviço de NA recusam contribuições de fontes
alheias à irmandade. Ao contrário dos grupos,
contudo, os nossos comités e comissões de serviço
não são, eles próprios, absolutamente
autossuficientes. Foram criados para ajudar os
grupos a cumprirem o seu propósito primordial com
maior eficácia, e dependem das contribuições dos
grupos para o dinheiro necessário às suas tarefas.
A fim de cumprir o seu propósito, o grupo
precisa também de algumas coisas que não custam
um centavo. Um grupo precisa de alguém para abrir
a sua sala de reuniões, colocar as cadeiras e preparar
a mesa da literatura. Em alguns grupos há uma
pessoa que se oferece para preparar café ou
refrescos, ajudando a estabelecer um ambiente
agradável para o recém-chegado. Mais importante
180 Isto Resulta
do que tudo, um grupo precisa de um compromisso
consistente dos seus membros de aparecerem e de
participarem nas suas reuniões. A estabilidade do
grupo baseia-se nesse compromisso; sem ele,
nenhum grupo poderá sobreviver por muito tempo.
É ao compromisso dos seus membros que o grupo
vai também buscar a sua capacidade de transmitir a
nossa mensagem de recuperação. O serviço e a
frequência ativa são duas contribuições vitais para a
autossuficiência do grupo, contribuições essas que
não custam dinheiro algum.
Dado que as necessidades de um grupo são
simples, a decisão de um grupo se tornar
absolutamente autossuficiente não costuma exigir
grandes quantidades de dinheiro, de tempo ou de
outros recursos dos seus membros. Se um grupo
estiver a ter problemas com a sua subsistência,
poderá a si próprio as seguintes questões: Qual é o
nosso propósito primordial e como é que nós o
cumprimos? De que é que o nosso grupo necessita
para realizar o seu propósito primordial? Será que
confundimos os nossos desejos com as nossas
necessidades? Quando o sentido das necessidades de
um grupo deixar de ser razoável, a simplicidade da
Quinta Tradição pode ajudar a colocar essas
necessidades na sua devida perspectiva.
Mas, e se um grupo continuar a não ser capaz
de pagar o seu próprio caminho, mesmo depois de
examinar o seu entendimento da Quinta Tradição? A
Sétima Tradição diz aos nossos grupos que eles não
deverão procurar contribuições de fora - mas porque
não? O que é que nos impede de procurar dinheiro
fora da Irmandade de NA?
Primeiro, o grupo irá querer considerar a sua
identidade no seio da irmandade de Narcóticos
Anônimos. A recuperação em NA, por
variadíssimos motivos, é muito diferente do nosso
Sétima Tradição 181
uso. Quando usávamos, muitos de nós tirávamos
aquilo que pudéssemos de quem pudéssemos, as
vezes que pudéssemos. A decisão do nosso grupo de
se tornar absolutamente autossuficiente, recusando
contribuições de fora, reflete a nova atitude perante
a vida dos nossos membros em recuperação. Em vez
de tirarmos dos outros aquilo que queremos ou
precisamos, somos nós próprios a pagar o nosso
caminho.
O grupo irá também querer examinar a sua
identidade como grupo. Quando estávamos a usar, a
maioria de nós só se preocupava conosco próprios,
sem nunca pensar nos outros. Um grupo de NA, pelo
contrário, está fundado no compromisso dos seus
membros uns com os outros. Muitos de nós tentaram
encontrar um caminho sozinhos, mas sem sucesso.
Descobrimos que precisamos uns dos outros para
sobreviver e crescer. O grupo de NA é ao mesmo
tempo a expressão e a realização dessa necessidade
que temos do apoio uns dos outros. Um grupo de
NA, ao recusar contribuições de fora, está a reforçar
a solidariedade dos seus membros assim como a
base da sua recuperação.
"Está bem," poderemos dizer, "o nosso
grupo comprometeu-se a tornar-se totalmente
autossuficiente. Mas, e se o dinheiro da coleta con-
tinua a não ser suficiente para as nossas
necessidades? E se vendêssemos algumas camisolas
ou bijuterias para fazer algum dinheiro, ou
organizássemos uma festa e pedíssemos doações à
entrada? A energia que os nossos membros poriam
nessas atividades poderia transformar-se no dinheiro
de que precisamos para pagar as nossas contas."
A primeira vista, não parece haver qualquer
contradição entre a Sétima Tradição e este tipo de
atividades de angariação de fundos. No entanto,
antes de se lançar nessas atividades, o grupo poderá
querer colocar outras questões. Primeiro, claro, está
182 Isto Resulta
a questão das necessidades. Por que razão é que o
grupo procura esses fundos? Podemos também
perguntar se tais atividades, destinadas a recolher
fundos para ajudar o nosso grupo a transmitir a
mensagem, não acabarão por nos desviar deste
objetivo. As atividades de angariação de fundos
costumam levar algum tempo a serem organizadas,
tempo que poderia ser melhor aproveitado no
cumprimento mais direto do nosso propósito
primordial. Se as atividades de angariação de fundos
forem bem-sucedidas, fazendo mais dinheiro do que
aquele de que o grupo necessita para cumprir as suas
obrigações, poderá surgir uma controvérsia sobre o
controle desse dinheiro, mais uma vez distraindo o
grupo do seu propósito primordial. Um grupo poderá
também querer considerar se o ambiente criado pela
venda de bens e de serviços nas suas reuniões não
poderá prejudicar o ambiente livre e aberto melhor
conducente à recuperação.
De um modo geral, os nossos grupos
descobriram que o caminho mais simples e direto
para a autossuficiência total é através das
contribuições voluntárias dos seus próprios
membros. Por este motivo desencorajamos os
grupos a realizarem atividades de angariação de
fundos. Se um grupo não conseguir providenciar as
suas próprias necessidades através das contribuições
dos seus membros, talvez os membros do grupo
queiram considerar aumentarem as suas
contribuições individuais.
Mas, ao mesmo tempo que dizemos isto,
precisamos também de recordar a Terceira Tradição
da nossa irmandade, que afirma que a única
exigência para se ser membro é um desejo de parar
de usar. A nossa qualidade de membros, quer
falemos dos membros de NA como um todo, ou dos
membros de um grupo, não depende da quantidade
Sétima Tradição 183
de dinheiro que damos; não nos é, de facto, exigido
qualquer dinheiro para que nos consideremos
membros de NA.
Se um grupo tiver examinado bem as suas
despesas, reduzindo-as ao estritamente necessário
para cumprir o seu propósito primordial, e se mesmo
assim não tiver ainda dinheiro suficiente para pagar
o seu caminho, os seus membros deverão colocar
algumas questões a que apenas eles poderão res-
ponder, individualmente: Em que é que eu estou a
beneficiar deste grupo? Será que a minha
recuperação pessoal depende da sua sobrevivência?
Será que posso dar mais do que já dei e mesmo assim
cumprir as minhas responsabilidades financeiras?
Ao mesmo tempo que consideramos as
nossas contribuições pessoais para o grupo,
deveremos lembrar-nos de que a Sétima Tradição
fala do grupo como sendo autossuficiente, e não de
um ou dois membros do grupo, com mais posses,
pagando todas as suas despesas ou fazendo todo o
trabalho. Mais adiante, nos capítulos sobre a Nona e
a Décima Tradição, iremos olhar para a rotatividade
da liderança como meio de evitar que um grupo, uma
comissão de serviço, ou um comité, se torne uma
mera extensão da personalidade de um ou dois
membros. Da mesma maneira, a Sétima Tradição
encoraja o grupo de NA como um todo a apoiar-se a
si próprio, evitando a dependência financeira num
membro ou noutro. Cada um de nós fará bem em
contribuir para as obrigações de autossuficiência do
grupo, sem torná-lo demasiado dependente das
nossas contribuições individuais.
As nossas decisões individuais e os
compromissos para com o grupo são, afinal,
inteiramente da nossa responsabilidade, pois somos
nós que temos de viver com elas. No entanto,
algumas frases do nosso Pequeno Livro Branco,
184 Isto Resulta
escritas em relação aos Doze Passos, parecem
aplicar-se igualmente ao respeito pela Sétima
Tradição - na verdade, a todas as tradições: "Se
queres o que nós temos para oferecer e estás disposto
a fazer um esforço para obtê-lo... estes são os
princípios que tornaram a nossa recuperação
possível." Se queremos o que o nosso grupo tem para
nos oferecer individualmente, e se o grupo quiser
colher os benefícios associados à autossuficiência,
iremos praticar os princípios que tornam essas coisas
possíveis.
A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS
As nossas Doze Tradições descrevem a
experiência que irá ajudar os nossos grupos a
manterem-se fortes, vivos e livres. Subjacentes ao
carácter específico das nossas tradições, existem,
todavia, dezenas de princípios espirituais, qualquer
um dos quais poderia ser aplicado a quase todas as
tradições. É neste campo alargado de princípios que
as tradições têm crescido. Quanto mais cultivarmos
esse campo, mais forte será o nosso entendimento e
a aplicação de cada uma das tradições propriamente
ditas. Alguns dos princípios que irão fortalecer a
nossa apreciação da Sétima Tradição são a gratidão,
a responsabilidade, a fé, a integridade, o anonimato
e a liberdade.
A gratidão de que falamos em relação à
Sétima Tradição é como o sentido coletivo de
orientação de que fala a Segunda Tradição - é a
gratidão do grupo de NA enquanto grupo. Quando
os membros de NA se juntam para partilhar a
recuperação, geram entre si um sentido de gratidão.
Sentem-se gratos pela existência do grupo e querem
que ele continue a existir para eles e para os
membros que hão de vir. O compromisso coletivo do
grupo, de ser autossuficiente, reflete a sua própria
Sétima Tradição 185
gratidão.
A decisão do grupo de se tornar
absolutamente autossuficiente, recusando
contribuições de fora, reflete o sentido de
responsabilidade que o grupo tem por si próprio. Em
recuperação, deixamos de ter a ilusão de que o resto
do mundo é responsável por cuidar de nós; em vez
disso, orgulhamo-nos por cuidar de nós próprios.
Individualmente, demonstramos a nossa recém-
encontrada maturidade ao aceitarmos o peso das
nossas dificuldades; coletivamente, demonstramos a
nossa maturidade aceitando a responsabilidade pelo
nosso grupo, sem procurar ou aceitar contribuições
de fora.
O peso da responsabilidade, contudo, poderá
parecer insuportável sem uma apreciação da
simplicidade das necessidades do grupo. O
compromisso de nos tomarmos autossuficientes não
se destina a recolhermos enormes somas de dinheiro
a fim de concretizarmos complicados programas.
Pelo contrário, o grupo determina que irá reunir os
poucos recursos básicos de que necessita para
realizar o seu simples propósito primordial: o de
transmitir a mensagem ao adicto que ainda sofre. O
ideal de simplicidade, quando aplicado à Sétima
Tradição, ajuda os nossos grupos a evitarem os
conflitos acesos que costumam surgir pelo controle
de grandes recursos. Questões de dinheiro, de
propriedade e de prestígio não precisam de desviar
os nossos grupos do seu propósito primordial,
quando a simplicidade desse propósito e das nossas
necessidades for tida em consideração.
Quando se quer entender os princípios
subjacentes à Sétima Tradição, a simplicidade
prática deve ser vista juntamente com a nossa fé num
Poder Superior. Enquanto pedirmos orientação a
esse Poder, as nossas necessidades serão satisfeitas.
186 Isto Resulta
Assim, também a decisão de recusar contribuições
de fora, com as necessidades do grupo a serem
satisfeitas através dos próprios recursos do grupo,
está firmemente baseada na fé. Enquanto o nosso
grupo se mantiver dedicado a cumprir o seu
propósito primordial, as suas necessidades serão
satisfeitas.
Enquanto membros de um grupo de NA,
comprometemo-nos a apoiar mutuamente a nossa
recuperação. O compromisso do nosso grupo de se
manter absolutamente autossuficiente reflete a
integridade do grupo, a fidelidade à sua identidade
essencial. Apoiamo-nos uns aos outros em
recuperação e, juntos, cumprimos as nossas
responsabilidades coletivas como membros de um
grupo autossuficiente.
O anonimato que praticamos ao aceitarmos
as nossas responsabilidades no nosso grupo reflete a
nossa integridade. O anonimato da Sétima Tradição
significa mais do que apenas a contribuição
anónima, sem intenções de reconhecimento, embora
também envolva isso, obviamente. O anonimato no
contexto da Sétima Tradição significa também que
todas as contribuições dos membros de um grupo
são importantes. O dinheiro que é colocado no saco,
o tempo que é gasto a preparar a sala de reunião, a
energia posta em receber os recém-chegados - tudo
isto são responsabilidades do grupo e constituem
contribuições igualmente importantes para a
autossuficiência do grupo de NA.
O nosso anonimato, a nossa integridade, a
nossa fé, o nosso sentido da simplicidade, a nossa
aceitação da responsabilidade, a nossa gratidão -
todas estas coisas, juntas, equivalem a liberdade. Ao
encorajar o nosso grupo a pagar o seu próprio
caminho, a Sétima Tradição dá-lhe a liberdade de
partilhar a sua recuperação como entender, sem estar
Sétima Tradição 187
obrigado por contribuições de fora, e ainda a
liberdade que advém da força interior que se
desenvolve através da aplicação de princípios
espirituais. Ao tomar a decisão de se tornar
absolutamente autossuficiente, o nosso grupo de NA
assegura que terá sempre os recursos necessários
para sobreviver e continuar a cumprir o seu
propósito primordial.
188
Oitava Tradição
"Narcóticos Anônimos deverá manter-se sempre
não profissional, mas os nossos centros de serviço
podem contratar trabalhadores especializados."
Narcóticos Anônimos proporciona uma
abordagem não- profissional à doença da adicção.
Nós não temos hospitais, nem centros de tratamento,
nem clínicas ambulatórias, nenhuma das instituições
associadas a uma empresa profissional. Não
diagnosticamos o estado de ninguém, nem
acompanhamos o progresso dos nossos doentes - na
verdade, não temos doentes, apenas membros. Os
nossos grupos não providenciam serviços
profissionais terapêuticos, médicos, legais ou
psiquiátricos. Somos apenas uma irmandade de
adictos em recuperação que se reúnem regularmente
para se ajudarem mutuamente a manterem-se
limpos.
Ao discutirmos a Sexta Tradição,
considerámos a suficiência da nossa mensagem: os
grupos de Narcóticos Anônimos não precisam de se
apoiar em empreendimentos alheios para melhor
proporcionarem a recuperação da adicção. Do
mesmo modo, a Oitava Tradição lembra-nos de que
os nossos membros não necessitam de credenciais
profissionais para serem eficazes a transmitir a
mensagem de NA. A alma do método de
recuperação de NA é um adicto a ajudar outro. Não
temos conselheiros certificados de NA; basta-nos as
nossas variadas experiências na recuperação da
adicção a drogas. A exposição direta que cada um de
nós tem à recuperação da adicção é mais do que
suficiente para nos qualificar para transmitirmos a
mensagem a outros adictos. Os nossos membros não
Oitava Tradição 189
recebem qualquer salário pelos seus Décimos-
Segundos Passos, nem os nossos grupos exigem
quaisquer joias ou quotas por transmitirem a
mensagem de NA. É isto o que significa dizermos
que Narcóticos Anônimos deverá manter-se sempre
não profissional.
O que não quer dizer que um membro de
Narcóticos Anônimos não possa trabalhar como
terapeuta profissional ou algo do género. Significa
apenas que, numa reunião de NA, a vocação de um
membro é irrelevante. O valor terapêutico na
mensagem que partilhamos uns com os outros reside
na nossa experiência pessoal em recuperação, e não
nas nossas credenciais, no nosso treino, ou no nosso
estatuto profissional.
Nós não vendemos recuperação; partilhamo-
la livremente com outros, num espírito de amor e
gratidão. Os grupos, as comissões de serviço, os
comités de Narcóticos Anônimos, poderão, contudo,
precisar de ajuda profissional a fim de cumprirem as
suas responsabilidades. A Oitava Tradição faz uma
distinção entre "vender a nossa recuperação" e pagar
a pessoas para nos ajudarem nas nossas tarefas de
serviço. Se um dos nossos comités precisar de
assistência profissional numa dessas tarefas, não
haverá problema, por exemplo, em contratar a ajuda
de um advogado ou de um contabilista. Se
precisarmos de empregar alguém para nos ajudar
numa base regular - um "trabalhador especializado"
- poderemos pagar-lhe em troca dos serviços que nos
providencia. Os trabalhadores especializados que
também sejam membros de NA não estão a vender a
sua recuperação. Estão simplesmente a providenciar
um apoio profissional que de outra maneira teriam
de ser não-adictos a providenciar.
190 Isto Resulta
A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS
A Oitava Tradição é uma das mais simples
e diretas das nossas Doze Tradições. Assim também
os princípios subjacentes à Oitava Tradição são
práticos: humildade, prudência, anonimato e
integridade.
Um grupo de NA pratica humildade quando
não pretende ser nem mais nem menos do que aquilo
que é. Não pretendemos ser profissionais ou peritos
em alguma coisa. Não somos médicos, psiquiatras
ou terapeutas; somos adictos em recuperação. Tudo
aquilo que temos para dar é a nossa experiência
coletiva a deixar as drogas e a aprender a viver
limpos. O valor do nosso programa advém da
identificação e da confiança que existem entre um
adicto e outro.
Praticamos ainda a humildade quando
reconhecemos que, por vezes, necessitamos de
profissionais que nos ajudem a levar a cabo os
nossos serviços. Colocamos grande ênfase no valor
terapêutico de um adicto a ajudar outro, indo por
vezes ao ponto de sentirmos relutância em contratar
ajuda profissional quando precisamos dela. Mas
alguns serviços de NA exigem demasiado tempo ou
experiência para que os nossos membros os realizem
numa base estritamente voluntária. Não devemos
deixar que o nosso orgulho impeça a nossa
irmandade de contratar a ajuda de que necessita para
o apoio aos seus serviços.
Tal como não deveremos, também, contratar
trabalhadores especializados para as tarefas que nós
próprios possamos levar a cabo. Deveremos
exercitar a prudência ao empregar assistência
profissional para os nossos serviços. A maioria das
responsabilidades de serviço em NA não exige uma
qualificação especial, ou longos e consistentes
compromissos de tempo. Os nossos membros são
Oitava Tradição 191
perfeitamente capazes de realizar tais
responsabilidades numa base voluntária. Ao
exercitarmos a prudência, poderemos distinguir
entre aquelas tarefas que exijam o apoio de
trabalhadores especializados, e aquelas que
podemos levar a cabo voluntariamente.
A Oitava Tradição lembra aos nossos grupos
o valor do anonimato. Um profissional é alguém
com certa formação, geralmente reconhecido pelas
credenciais que lhe foram dadas por uma instituição
especializada. Um grupo de NA não possui tais
peritos reconhecidos. Todos os membros do grupo
são peritos na sua própria recuperação, plenamente
qualificados para partilharem essa recuperação com
um outro adicto.
Por fim, a Oitava Tradição apoia a
integridade do grupo de NA ao ajudá-lo a preservar
aquilo que é mais importante na sua identidade
fundamental. O que é que Narcóticos Anônimos é,
afinal, senão uma irmandade de adictos que
partilham livremente entre si a mensagem simples da
sua própria existência? A Oitava Tradição constitui
um compromisso firme e permanente, da parte de
cada grupo de NA, de preservar o carácter do nosso
programa que é, na verdade, de valor primordial. Ao
concordarmos que Narcóticos Anônimos deverá
manter-se sempre não profissional, estamos a
reafirmar a nossa certeza de que o valor terapêutico
de um adicto a ajudar outro não tem igual! É esta a
essência do nosso programa; enquanto esse coração
bater com força, a nossa irmandade e a nossa
recuperação manter-se-ão vivas.
192
Nona Tradição
"NA nunca deverá organizar-se como tal,
mas podemos criar comités ou comissões de serviço
diretamente responsáveis perante aqueles
a quem prestam serviços."
No nosso Pequeno Livro Branco lemos que,
"NA é uma irmandade ou associação não-lucrativa
de homens e mulheres para quem as drogas se
tornaram num problema muito grave." NA, como
tal, é simplesmente isto - uma irmandade que utiliza
uma abordagem não profissional, de adicto para
adicto, à doença da adicção. Somos uma irmandade,
não uma organização de influências, ou um serviço
médico, ou uma cadeia de centros de tratamento.
Somos não profissionais. Não temos regras, ou
quotas, ou corpos gerentes, e temos apenas um
requisito para se ser membro: um desejo de parar de
usar. O nosso propósito primordial é, muito
simplesmente, transmitir a mensagem. Estes são
alguns dos critérios tradicionais pelos quais os
nossos grupos podem orientar-se, e a nossa
autoridade suprema e orientadora é um Poder
Superior tal como se expressa na consciência dos
nossos membros. NA, como tal, é justamente isso,
assim como nós a entendemos. Os nossos grupos
funcionam assim tão bem porque mantêm as coisas
simples, para que nada se coloque no caminho e nos
impeça de transmitir a mensagem o mais simples e
diretamente possível, de um adicto para outro.
Não obstante, e apesar do seu ênfase em
mantermos as coisas simples, a Nona Tradição não é
uma desculpa para um trabalho desorganizado; pelo
contrário, ela reconhece que a nossa irmandade
exige, de facto, um certo grau de organização a fim
Nona Tradição 193
de cumprir o seu propósito primordial. Em vez de
recomendar que os próprios grupos de NA se
organizem, a Nona Tradição sugere que eles
constituam comissões e comités separados para
servirem as suas necessidades. Assim como não
somos profissionais, mas podemos contratar
profissionais para nos ajudarem, não somos tão
pouco uma organização, mas podemos constituir
comissões ou comités para nos servirem. Isto vai
assegurar que NA, como tal, mantenha a sua
abordagem, direta e simples, à recuperação, e que
possamos, ao mesmo tempo, ter a capacidade de
levar a cabo tarefas de serviço que exijam um certo
nível de organização.
Muito bem. Podemos, então, criar comissões
ou comités de serviço. Precisamos agora de
perguntar a nós próprios: porque é que havemos de
querer criar tais coisas? Que necessidades é que
essas comissões ou comités irão preencher? Para se
responder a esta pergunta, temos de ver como um
grupo de NA se desenvolve, tal como fizemos
quando abordámos a Sétima Tradição.
No início, o primeiro grupo de NA de uma
área só precisa de reunir os seus membros para que
eles se ajudem uns aos outros a manter-se limpos e a
transmitir a sua mensagem a outros adictos. À
medida que o grupo cresce, começa a tratar de uma
série de assuntos relacionados com as suas reuniões,
tentando assegurar que a mensagem seja transmitida
o melhor possível. Para manter as suas reuniões
concentradas na recuperação, o grupo costuma
realizar as suas reuniões de serviço separadamente,
mantendo NA, como tal, o mais simples possível.
À medida que o grupo cresce, dá geralmente
origem a novos grupos. A fim de manter alguma da
unidade e da camaradagem que existiam quando
havia apenas um grupo na área, estes grupos elegem
194 Isto Resulta
representantes que se reúnem periodicamente. Estes
representantes partilham informação uns com os
outros acerca do funcionamento dos seus grupos, e
ajudam-se mutuamente na busca de soluções para
problemas que um ou outro grupo possa ter. De tem-
pos em tempos, poderão até organizar uma reunião
conjunta de recuperação ou uma atividade social que
reúna toda a comunidade de NA.
Mais cedo ou mais tarde, os grupos
compreendem o potencial que têm nesse comité de
representantes. Através deste comité, os grupos
podem associar as suas orientações e os seus
recursos para que cada um deles possa funcionar
mais eficazmente e todos, juntos, possam melhor
transmitir a mensagem. Os grupos poderão pedir ao
seu comité que compre fornecimentos de literatura,
facilitando a compra por cada grupo de livros e de
folhetos de NA. Os grupos poderão pedir ao seu
comité que elabore uma lista, para distribuição, das
reuniões existentes na área, facilitando a procura de
reuniões. Os grupos poderão pedir que se organizem
programas de informação pública, de hospitais e
instituições, da linha telefónica, possibilitando a
adictos que ainda sofram, e que de outro modo talvez
não ouvissem falar de NA, saberem da existência da
irmandade, aumentando também o conhecimento
pelo público de Narcóticos Anônimos. O importante
é que o desenvolvimento destes serviços se baseie
justamente nas necessidades dos grupos. Criamos
essas comissões e comités para nos servirem no
cumprimento dessas necessidades.
Os grupos começam por definir ás suas
necessidades; depois, criam as comissões e comités
que irão servi-los. Uma vez criados, como é que
asseguramos que as nossas comissões e comités irão
permanecer diretamente responsáveis perante
aqueles a quem prestam serviços? Conseguimos isto,
Nona Tradição 195
primeiro e acima de tudo, através de uma
comunicação consistente. Através dos seus
representantes, os grupos comunicam com as suas
comissões e os comités que as servem. Os grupos
providenciam uma informação regular acerca da sua
situação e das suas atividades. Comunicam as suas
preocupações, as suas necessidades, as suas ideias, e
os seus desejos. Esta informação ajudará as nossas
comissões e os nossos comités a melhor
compreenderem e servirem as necessidades dos
grupos.
A comunicação é uma via de dois sentidos. Os
grupos partilham informação e orientação com as
comissões e os comités que os servem. Essas
comissões e esses comités, por sua vez, informam de
volta aos grupos perante os quais são responsáveis,
descrevendo as suas operações, as suas discussões, e
os seus planos. As comissões e os comités de serviço
responsáveis consultam os grupos em assuntos que
os afetam diretamente e procuram orientação dos
grupos em assuntos que não estejam já
contemplados por diretrizes existentes. Ao
mantermos uma comunicação nos dois sentidos,
entre os grupos de NA e as comissões e comités que
os servem, estamos a criar uma atmosfera de
responsabilidade que serve bem a nossa irmandade e
o seu propósito primordial.
A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS
Dado que a Nona Tradição permite aos grupos
estabelecerem uma estrutura de serviço - tarefa nada
simples - muitos de nós pensam na Nona Tradição
como sendo muito complexa. Na realidade, os
princípios espirituais subjacentes a esta tradição são
bem simples. A Nona Tradição concentra-se,
primeiro, não na relação entre grupos e comités de
serviço, mas em NA, como tal. Somos uma
196 Isto Resulta
irmandade de adictos em recuperação que se ajudam
a manter-se limpos, nada mais.
Sempre que possível, o serviço organizado
deverá ser mantido distinto dos grupos, para que
estes possam permanecer livres de cumprirem com
simplicidade o nosso propósito primordial, de adicto
para adicto. Organizamos comissões e comités numa
base exclusivamente de necessidade, utilizando as
orientações mais simples possíveis. Organizamo-los
unicamente para nos servirem, e não com o intuito
de estabelecer uma complexa burocracia de gestão.
A Nona Tradição está longe de ser complicada; de
facto, toda ela fala de simplicidade.
Da mesma forma, a Nona Tradição fala de
anonimato. Quando a Nona Tradição exorta NA a
nunca se organizar como tal, está a dizer-nos que não
deveremos criar uma hierarquia governante, uma
burocracia vertical que se imponha sobre os nossos
grupos e membros. Tal como referimos na Segunda
Tradição, os nossos líderes não são governantes, mas
sim servidores que vão buscar as suas diretivas à
consciência coletiva daqueles a quem servem.
Aquilo que define NA como tal é o nosso propósito
primordial, e não as personalidades dos nossos
servidores de confiança. A fim de reforçar o
anonimato da Nona Tradição, os nossos grupos,
comissões de serviço e comités praticam vários
sistemas de liderança rotativa para que nunca haja
uma só personalidade a dominar.
Um outro princípio implícito na Nona
Tradição é o princípio da humildade. Cada grupo,
por si só, está de certo modo limitado na sua
capacidade de cumprir o seu propósito primordial;
tem um número limitado de membros, e uma
quantidade limitada de tempo e de dinheiro, para
transmitir a mensagem sozinho. Contudo, quando
um certo número de grupos juntam os seus recursos
Nona Tradição 197
na formação de uma comissão ou comité de serviço,
estão a aumentar a sua capacidade de cumprir o seu
propósito primordial. Juntos, tornam-se capazes de
fazer aquilo que sozinhos não conseguiriam.
O princípio da humildade aplica-se também
aos comités e comissões de que fala a nossa Nona
Tradição. Esses comités e comissões são
estabelecidos unicamente para servir, e não para
governar. São diretamente responsáveis perante os
grupos e estão sempre sujeitos à orientação explícita
dos grupos. Embora as nossas comissões e comités
de serviço possam fazer muito para ajudar os nossos
grupos a cumprirem o seu propósito primordial, é
dentro dos grupos que NA, como tal, se evidencia, e
não nos comités e comissões que os servem.
A prudência é, na Nona Tradição, um dos
princípios orientadores da relação entre os grupos e
os comités e as comissões que os servem. Os grupos
são responsáveis por considerarem cuidadosamente
as suas necessidades, planeando com prudência an-
tes de criarem comissões e comités. Nada
complicará mais a simplicidade de NA, como tal, do
que uma estrutura desnecessariamente elaborada de
comissões, comités e subcomitês.
A responsabilidade dos grupos não termina
com o estabelecimento de uma comissão ou comité
para cumprir as suas necessidades de serviço; de
facto, isso é só o princípio. Enquanto o comité
permanecer ativo, os grupos deverão estar ao
corrente dos seus assuntos. Os grupos deverão
providenciar também ao comité uma orientação
constante. As nossas comissões e comités não
poderão ser responsabilizados perante os grupos que
servem se os grupos não tiverem um papel
responsável nas suas relações de serviço.
Por fim, a Nona Tradição fala de fidelidade.
Os grupos de Narcóticos Anônimos reúnem-se,
198 Isto Resulta
juntando os seus recursos para criar comissões e
comités de serviço destinados a ajudarem a melhor
cumprirem o seu propósito primordial. Essas
comissões e esses comités não são chamados para
governarem Narcóticos Anônimos; são chamados,
sim, para executarem fielmente a confiança que lhes
foi depositada pelos grupos que servem. Com um
mínimo de organização, os nossos comités e
comissões de serviço realizam tarefas em nome dos
grupos, libertando os nossos grupos para que eles
possam fazer aquilo que fazem melhor, simples e
diretamente: transmitir a mensagem. A nossa
fidelidade à Nona Tradição vai assegurar que a
atmosfera simples e espontânea de recuperação,
partilhada de um adicto para outro no grupo de NA,
nunca seja organizada, legislada ou extinta.
199
Décima Tradição
"Narcóticos Anônimos não tem opinião sobre questões alheias;
o nome de NA nunca deverá assim
aparecer em controvérsias públicas."
Narcóticos Anônimos é uma associação de
adictos em recuperação que se ajudam mutuamente
a manterem-se limpos através da aplicação de certos
princípios espirituais simples. O nosso propósito pri-
mordial, enquanto grupo e enquanto irmandade, é
oferecer essa ajuda a qualquer adicto em busca de
recuperação. À parte isso, NA não tem quaisquer
opiniões. Ao recusar tomar posição em outros
assuntos, evitamos envolver-nos em controvérsias
públicas que poderiam afastar-nos do nosso
propósito primordial. É esta a mensagem da nossa
Décima Tradição.
Para a maioria de nós, poderá provavelmente
parecer óbvio que Narcóticos Anônimos, enquanto
irmandade, não tenha opinião acerca das questões
prementes do mundo actual. A maioria dessas
questões tem pouco a ver com a adicção ou com a
recuperação. Mas existe um grande número de
questões relacionadas com a adicção sobre as quais
outros poderão achar que uma associação mundial
de adictos deverá tomar posição. "Qual é a opinião
de NA", perguntam-nos por vezes, "sobre centros de
tratamento, sobre outras irmandades de doze passos,
sobre a legalização das drogas, sobre as doenças
relacionadas com a adicção, e tudo o resto?" A nossa
resposta, de acordo com a Décima Tradição, é a de
que os nossos grupos e a nossa irmandade não
tomam posição, a favor ou contra, sobre qualquer
questão exceto o programa de NA propriamente
dito. Mantemos a nossa neutralidade nessas questões
200 Isto Resulta
para que possamos concentrar-nos naquilo que
fazemos melhor: partilhar a recuperação de um
adicto para outro.
Contudo, mesmo ao explicarmos o nosso
próprio programa ao público, podemos ver-nos a
pisar terrenos controversos. As opiniões de NA
sobre a abstinência total, sobre a possibilidade de se
recuperar sem um internamento a longo prazo, sobre
o conceito de doença da adicção, até mesmo as
nossas opiniões gerais sobre espiritualidade, não
encontram uma aceitação universal. Há pessoas que
lidam com adicção e recuperação que podem encarar
estas questões de uma forma muito diferente da
nossa. Podemos, contudo, ter o cuidado de explicar
o nosso programa por forma a não provocar
deliberadamente controvérsia. "Não sugerimos que
todos tenham de adoptar as nossas posições, nem nos
opomos àqueles com opiniões diferentes",
poderemos dizer. "Queremos apenas dar-vos a
conhecer o que é o programa de Narcóticos
Anônimos." Enquanto nos concentrarmos, como
grupo e como irmandade, na nossa experiência de
recuperação, em vez de nas nossas opiniões sobre
como NA funciona ou não, permaneceremos o mais
afastado possível da controvérsia pública.
A Décima Tradição impede NA, como
irmandade, de emitir opiniões sobre questões
alheias. Não coloca, no entanto, quaisquer restrições
sobre o membro individual. Em Narcóticos
Anônimos acreditamos firmemente na liberdade
pessoal. Adictos que tenham um desejo de parar de
usar podem tornar-se membros de NA, bastando que
o digam. Não temos joia ou quotas, não há
juramentos para assinar, não há promessas a fazer.
Embora seja um programa espiritual, encorajamos
os nossos membros a desenvolverem a sua própria
concepção de um Poder Superior. Mesmo os nossos
Décima Tradição 201
líderes são apenas servidores de confiança, sem
poderes para dizerem aos membros individuais o que
fazer, pensar ou dizer. Os membros de NA são
encorajados a desenvolverem as suas próprias
opiniões e a expressarem essas opiniões do modo
que julgarem conveniente.
A única precaução que a Décima Tradição
coloca aos membros individuais de NA é a de que,
quando falamos em público, deveremos pensar bem
naquilo que iremos dizer antes de o dizermos. Em
certas situações, tudo aquilo que um membro de NA
disser será tomado como sendo a opinião de NA,
mesmo quando a situação não tiver nada que ver
com Narcóticos Anônimos e o membro esclarecer
que os pontos de vista que expressar serão
estritamente pessoais. Não é nossa culpa se os outros
interpretarem mal aquilo que nós afirmarmos como
indivíduos; contudo, isso não irá tornar menos sérias
as complicações resultantes de tais más
interpretações. Poderemos evitar tais complicações
antes de elas surgirem, simplesmente se pensarmos
com cuidado antes de falar em público.
Então, e se falarmos num encontro de
recuperação? A Décima Tradição impede-nos,
enquanto adictos em recuperação, de falar em
reuniões de NA sobre os desafios que enfrentamos?
Não, não impede. Embora um dado problema possa
constituir uma questão alheia, o seu efeito na nossa
recuperação não o é; tudo aquilo que afete a vida de
um adicto em recuperação é material para se
partilhar. Se um problema que tivermos influenciar
a nossa capacidade de nos mantermos limpos e de
crescermos espiritualmente, não será uma questão
alheia. Há muitas coisas que conseguem
desequilibrar-nos e desafiar a nossa recuperação. Por
vezes discutimos esses desafios uns com os outros,
nas nossas reuniões, procurando aliviar as nossas
202 Isto Resulta
dificuldades pessoais, partilhando-as com os nossos
companheiros, membros de NA. Pedimos a outros
que partilhem como aplicaram os princípios do
programa em circunstâncias semelhantes,
restabelecendo o seu equilíbrio e fortalecendo a sua
recuperação. Não precisamos da autorização de
ninguém para falar dessas coisas nas nossas
reuniões.
Mas, apesar disto tudo, sabemos que as
opiniões pessoais controversas podem desviar as
nossas reuniões do seu propósito primordial. Se tudo
é tema de recuperação, mas nós quisermos ajudar as
nossas reuniões a manterem-se concentradas em
recuperação, como é que decidimos aquilo que se
deverá partilhar? Podemos colocar-nos as seguintes
questões: Estarei a partilhar a minha experiência, ou
estarei a expressar uma opinião? Como indivíduo,
estarei a viver o problema, ou antes a procurar uma
solução? Quando partilho, é para unir o grupo, ou é
para dividi-lo? Será que torno claro que aquilo que
digo, digo-o em meu nome, e não em nome de
Narcóticos Anônimos? Enquanto nos mantivermos
concentrados no nosso bem-estar comum e no nosso
propósito primordial, evitaremos o tipo de
controvérsia que nos desvia da recuperação.
A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS
Entre os princípios que os nossos grupos e a
nossa irmandade aplicam ao praticarem a Décima
Tradição, está, em primeiro lugar, o princípio da
unidade. Apesar da diversidade de opiniões
individuais entre os nossos membros, Narcóticos
Anônimos, como irmandade, está unida em não ter
qualquer opinião acerca de quaisquer questões,
aparte do seu próprio programa.
Enquanto irmandade, concordamos em
tomar posição unicamente sobre aqueles ideais que
Décima Tradição 203
nos têm unido, os nossos princípios de recuperação,
e não sobre as muitas opiniões pessoais que possam
dividir-nos.
A Décima Tradição é um exercício de
responsabilidade. Como grupos e como irmandade,
somos responsáveis por transmitir a nossa
mensagem ao adicto que ainda sofre. Somos
responsáveis por criar um ambiente no qual adictos
em recuperação possam partilhar livremente uns
com os outros. Para que isto se faça com eficácia,
devemos manter-nos o mais libertos possível das
distrações provocadas pela controvérsia pública,
dado que vários aspectos do próprio programa de
Narcóticos Anônimos - tal como a nossa opinião
acerca da abstinência total - poderão levantar alguma
discussão em alguns sectores do público. Contudo,
podemos evitar em absoluto quaisquer controvérsias
que possam surgir quando grupos ou a própria
irmandade tomem posição sobre questões que
estejam inteiramente fora do âmbito do nosso
programa.
Os membros individuais de NA exercem
responsavelmente a Décima Tradição ao
preservarem pessoalmente a neutralidade de NA
sempre e onde quer que falem. Publicamente,
diferenciamos as nossas opiniões pessoais das de
NA, evitando expressar quaisquer opiniões pessoais
em todas as circunstâncias em que aquela diferença
possa não ser tida em conta. Em reuniões, os
membros de NA esclarecem que aquilo que
partilhamos é a nossa própria experiência, e não a
posição de Narcóticos Anônimos, dando o menos
possível lugar a más interpretações. A forma como
falamos enquanto membros de NA costuma afetar o
modo como outros veem NA; daí que, como
membros responsáveis, devamos falar com cuidado,
preservando a neutralidade que é tão importante para
204 Isto Resulta
o bem-estar de todos nós.
A fim de cumprirmos a Décima Tradição, os
nossos grupos, comissões de serviço e comités,
deverão exercitar a prudência nos seus contatos
públicos. Os elementos da nossa irmandade estão
sempre em contato com outras pessoas na sociedade.
Os grupos mantêm contatos com as instituições onde
se reúnem e aquelas nas suas áreas; as subcomissões
de H&I, com as administrações das instituições; os
servidores de informação pública, com profissionais
de saúde, organizações de caridade, organizações
governamentais e a comunicação social.
Em todos os nossos contatos com a
sociedade, deveremos ter o cuidado de não expressar
quaisquer opiniões sobre assuntos que estejam fora
do âmbito do nosso programa. Essa prudência irá
proteger a nossa credibilidade perante o olhar do
público na única questão que interessa
verdadeiramente a Narcóticos Anônimos: o nosso
programa de recuperação da adicção.
Ao praticarmos a Décima Tradição,
demonstramos a nossa crença no valor do
anonimato. Todos nós temos as nossas opiniões.
Mas, quando falamos como grupos e como
irmandade, não tomamos posição sobre as opiniões
individuais. Aquilo que temos para partilhar com o
público é a mensagem da nossa irmandade, e não as
nossas opiniões pessoais.
A Décima Tradição é, acima de tudo, prática.
A única questão sobre a qual a nossa irmandade está
disposta a arriscar a sua reputação é o próprio
programa de NA. Subjacente ao carácter prático da
Décima Tradição, poderemos, contudo, encontrar
um princípio espiritual fundamental; o da
humildade. Narcóticos Anônimos não reivindica ter
resposta para todos os problemas do mundo. Nós
nem sequer dizemos ter necessariamente a única
Décima Tradição 205
resposta à adicção. Quando partilhamos em público,
como grupo ou como irmandade, partilhamos apenas
a nossa mensagem. Falamos daquilo que fazemos,
não apoiando nem nos opondo àquilo que outros
façam. Nós somos aquilo que somos, e nada mais:
uma associação de adictos em recuperação,
partilhando a sua recuperação uns com os outros, e
oferecendo o mesmo ao adicto que ainda sofre.
Falamos do nosso programa com simplicidade,
sabendo que a nossa eficácia irá atrair mais boa-
vontade do que qualquer promoção. O nosso
programa resultou para nós e está à disposição de
outros interessados em recuperar. Se pudermos ser
úteis a servir outros, estaremos prontos a ajudar.
206
Décima-Primeira Tradição
"As nossas relações com o público baseiam-se
na atração em vez de na promoção;
na imprensa, na rádio e na televisão
cabe-nos sempre preservar o anonimato pessoal."
A 11a
Tradição é a base da política de relações
públicas de NA. Mas ela é apenas uma das seis
tradições que abordam vários aspectos das nossas
relações com o público. A Terceira e a Quinta
Tradição falam do propósito primordial e do
objetivo último dos nossos esforços de relações
públicas. A Sexta e a Sétima Tradição descrevem a
natureza das nossas relações com outras
organizações, e a Décima Tradição pormenoriza a
nossa política relativa às opiniões públicas em
questões alheias ao nosso programa de recuperação.
As nossas tradições estão, claramente, tão
preocupadas com as relações públicas, como com as
nossas relações internas.
A maioria dos grupos de NA tem algum tipo
de contato com o público nos seus assuntos do dia-
a-dia. Mas as relações públicas de que fala a 11a
Tradição são mais intencionais do que os encontros
de rotina do nosso grupo com pessoas fora da
irmandade. A existência de uma "política" de
relações públicas implica a importância de um
"programa" de relações públicas que leve a cabo o
propósito primordial da nossa irmandade. O trabalho
de informação pública, quando bem feito, não
constitui uma promoção; procura, sim, tornar NA
atraente àqueles que precisam de nós. Enquanto
grupos de NA, comissões e comités de serviço,
cultivamos, deliberada e energicamente, boas
relações públicas, não como um resultado acidental
Décima-Primeira Tradição 207
da nossa atividade normal, mas como uma forma de
melhor transmitirmos a nossa mensagem a adictos.
Narcóticos Anônimos não é uma sociedade secreta;
a 11a
Tradição fala do anonimato pessoal, não do
anonimato da irmandade. Quanto melhor formos
conhecidos do público, mais possibilidades haverá
de adictos em busca de recuperação - ou de os seus
amigos, familiares, ou colegas - pensarem em nós e
saberem onde nos encontrar quando decidirem
procurar ajuda. Uma forma de fazermos parte do
programa de relações públicas de NA é envolvermo-
nos no subcomitê local de Informação Pública.
A 11a
Tradição diz-nos para, quando
realizamos atividades de relações públicas, falarmos
simples e diretamente daquilo que Narcóticos
Anônimos é, e daquilo que nós fazemos. Não
devemos fazer descrições exageradas de NA. Os
nossos esforços de relações públicas deverão ser tão
convidativos e não- -promocionais quanto o nosso
próprio programa, dizendo aos adictos e à sociedade
em geral: "Se quiserem o que nós temos para
oferecer, é isto o que nós somos e é assim que
funcionamos. Se pudermos ser úteis, digam-nos."
Certas organizações utilizam celebridades
como seus porta-vozes, esperando assim aumentar a
credibilidade da organização, ligando-a ao estatuto
da celebridade. Isso pode não ter mal para essas
organizações. Mas a 11a
Tradição diz-nos
claramente que, nos esforços de relações públicas,
nunca deveremos agir assim - nem com
celebridades, nem com quaisquer outros membros.
Se a nossa irmandade utilizasse um membro célebre
num anúncio público sobre NA e essa celebridade
recaísse ou sofresse uma qualquer outra perda de
prestígio, que bem é que isso faria à nossa
irmandade? O mesmo se aplica a qualquer membro
individual colocado aos olhos do público a
208 Isto Resulta
representar NA. A credibilidade da mensagem de
NA pode ser grandemente afetada pelos
mensageiros de NA. Perante o público - incluindo a
imprensa, a rádio, a televisão, e todos os outros
meios de comunicação social - precisamos sempre
de manter o anonimato pessoal.
O mesmo se aplica a outros tipos de trabalho
de informação pública. O anonimato público ajuda-
dos a manter as nossas relações públicas
concentradas na mensagem de NA, e não nos
trabalhadores de I.P. envolvidos. Nunca fazemos
sozinhos o trabalho de I.P, pois uma equipa - até
mesmo só duas pessoas - consegue mostrar melhor
NA como irmandade perante o público, ao passo que
um indivíduo sozinho poderá fazer recair as atenções
sobre si próprio. Uma equipa tenderá a refrear as
personalidades dos seus membros, melhor
assegurando que NA, e não o adicto individual, seja
aquilo que apresentamos ao público. A verdade de
que "um adicto sozinho está em má companhia"
aplica-se também aos nossos esforços de relações
públicas, tanto como à nossa recuperação pessoal.
Na maioria das circunstâncias, contudo, o anonimato
pessoal é uma decisão puramente pessoal. Por muito
bem que tenhamos guardado o segredo da nossa
adicção, a maioria daqueles próximos de nós tinham
provavelmente conhecimento de que estávamos com
problemas quando usávamos. Hoje, poderá ser útil
falar-lhes da nossa recuperação e de como fazemos
parte de Narcóticos Anônimos.
Outras circunstâncias poderão também justificar a
revelação do facto de sermos membros de NA.
Décima-Primeira Tradição 209
Quando um amigo nos conta as dificuldades que
outra pessoa está a ter com a adicção, poderemos
querer que esse amigo tenha conhecimento de
Narcóticos Anônimos e o que NA fez por nós.
Quando um colega de trabalho tem um problema
com drogas, talvez queiramos partilhar a nossa
experiência com essa pessoa. Nenhum de nós quer
contar a toda a gente, indiscriminadamente, os
horríveis pormenores da nossa adicção, nem revelar
a todas as pessoas que conhecemos o facto de
pertencermos a NA. Todavia, quando acharmos que
podemos ser úteis a alguém, talvez seja apropriado
partilharmos um pouco a nossa história e a
recuperação que encontrámos em Narcóticos
Anônimos.
Todos os nossos membros têm um papel nas
nossas relações com o público, quer estejam ou não
envolvidos em trabalho de informação pública.
Quando adictos individuais demonstram a
recuperação a resultar nas suas vidas, eles tornam-se
a nossa mais forte atração, um testamento vivo da
eficácia de NA. Aqueles que nos conheciam antes, e
nos veem agora, irão dizer a outros que NA resulta.
Quanto mais longe for levada a mensagem, mais
possibilidades haverá de adictos em busca de
recuperação serem atraídos para o apoio amigo da
nossa irmandade.
Assim também deveremos lembrar-nos de
que, onde quer que vamos, representamos sempre
NA, em maior ou menor grau. Se formos vistos a
agir erradamente enquanto exibimos um símbolo
proeminente de NA na nossa camisola, estaremos a
transmitir perante o público uma mensagem
evidentemente pouco atraente da nossa irmandade.
Aquilo que dizemos e fazemos reflete-se na nossa
recuperação em NA e na irmandade de NA.
Enquanto membros responsáveis de NA, queremos
210 Isto Resulta
que esse reflexo seja uma fonte de atração em vez de
uma fonte de embaraço.
A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS
A 11a
Tradição é uma expressão da nossa fé
na eficácia do nosso programa. Enquanto
irmandade, o nosso propósito primordial é o de
transmitir a mensagem de recuperação ao adicto que
ainda sofre. A fim de cumprirmos esse propósito
primordial, não precisamos de uma política
promocional de relações públicas. Para conseguirmos
a boa vontade do público e atrair adictos para as
nossas reuniões, tudo aquilo que precisamos de fazer
é descrever, com clareza e simplicidade, o programa
de Narcóticos Anônimos. Rara edificarmos as
nossas relações com o público, não precisamos nem
de fanfarra, nem de reivindicações exageradas, nem
do apoio de celebridades. Temos fé de que a eficácia
da nossa irmandade, uma vez conhecida, falará por
si própria. O princípio do serviço, crucial para a
aplicação da nossa 11a
Tradição, não é um princípio
passivo. Para servirmos o melhor possível o adicto
que ainda sofre, devemos procurar transmitir
energicamente a nossa mensagem nas nossas
cidades, vilas e aldeias. A nossa política de relações
públicas baseia-se naturalmente na atração, e não na
promoção. Mas para atrairmos ao nosso programa o
adicto que ainda sofre, devemos dar passos
vigorosos no sentido de darmos a conhecer o nosso
programa o mais possível. Quanto melhores e mais
vastas forem as nossas relações públicas, melhor
poderemos servir.
No início deste capítulo falámos dos
aspectos mais práticos do anonimato público. Mas,
como veremos no capítulo seguinte, o anonimato é
muitíssimo mais do que apenas uma consideração
prática para se ter em conta quando levamos a cabo
Décima-Primeira Tradição 211
o nosso programa de relações públicas. Cada um de
nós tem a sua própria vida, as suas próprias palavras,
e a sua própria história, tudo contribuindo com
dimensão e cor, para a mensagem da nossa
irmandade. Mas a mensagem que transmitimos à
sociedade não é a mensagem de como somos
óptimos como indivíduos. O propósito primordial
dos nossos esforços de relações públicas é
contarmos a história de Narcóticos Anônimos e
falarmos daquilo que o nosso programa tem para
oferecer ao adicto que ainda sofre. A nossa prática
de anonimato público baseia-se no alicerce espiritual
de todas as nossas tradições, lembrando-nos sempre
de colocar os princípios acima das personalidades.
212
Décima-Segunda Tradição
"O anonimato é o alicerce espiritual
de todas as nossas tradições,
lembrando-nos sempre a necessidade de
colocar os princípios acima das personalidades."
Na recuperação pessoal procuramos substituir
a vontade própria pela orientação de um Poder Supe-
rior nos nossos assuntos pessoais. Da mesma forma,
as tradições descrevem uma irmandade que obtém a
sua orientação coletiva de princípios espirituais, e
não de personalidades individuais. Esse tipo de
generosidade é o que na 12a
Tradição significa a
palavra "anonimato", e é o alicerce espiritual sobre
o qual se edifica Narcóticos Anônimos. A 12a
Tradição reúne todas as tradições numa só,
resumindo e reforçando a mensagem das onze
anteriores.
O anonimato é essencial para a preservação
da estabilidade da nossa irmandade, tornando a
recuperação pessoal possível. A recuperação é algo
delicado. Desenvolve-se melhor num ambiente
estável e apoiado. Cada um de nós, e cada um dos
nossos grupos, tem um papel na manutenção dessa
estabilidade. A nossa unidade é tão preciosa que,
dada uma escolha entre realizarmos os nossos
próprios desejos e preservarmos o bem-estar comum
da nossa irmandade, colocamos os melhores
interesses de NA em primeiro lugar. Fazemos isso,
não só devido ao nosso próprio interesse abnegado
como, também, devido ao nosso sentido de
responsabilidade para com os nossos companheiros
adictos. O princípio da unidade de NA vem antes da
realização dos nossos desejos pessoais.
Décima-Segunda Tradição 213
O anonimato constitui o princípio primordial
subjacente à nossa tradição de membros. Embora
tenhamos todos as nossas diferenças pessoais, o
único requisito para se ser membro de NA é aquilo
que temos em comum: um desejo de parar de usar.
Este simples princípio une as diversas
personalidades daqueles que sofrem da nossa
doença, numa irmandade comum de recuperação.
O princípio do anonimato está no centro
daquilo que a nossa irmandade entende por
consciência de grupo. As ideias de cada membro in-
dividual de um grupo têm a sua importância, mas o
grupo vai buscar a sua orientação a uma consciência
coletiva de todos os seus membros. Antes do grupo
tomar uma decisão, os seus membros consultam o
seu Poder Superior, procurando a direção espiritual
no assunto que tenham em mãos. As suas vozes
individuais juntam-se humildemente no desenvolver
de um sentido coletivo da vontade de Deus para o
grupo, e dessa união ergue-se uma orientação forte e
comum para nos guiar a todos. Chamamos a isso a
consciência de grupo. O mesmo princípio aplica-se
ao conceito de liderança em NA. Embora membros
individuais sirvam como líderes de NA, estes atuam
apenas como nossos servidores, levando a cabo as
suas tarefas de acordo com a consciência do grupo.
Os princípios do serviço generoso e da orientação
coletiva estão acima das personalidades dos nossos
servidores de confiança.
Tal como o princípio do anonimato orienta a
evolução da consciência coletiva de um grupo,
aplica-se também à autonomia do grupo. Cada grupo
de NA é, claro, inteiramente livre de cumprir o seu
propósito primordial como melhor entender,
desenvolvendo a sua maneira própria de fazer as
coisas e a sua própria personalidade. A nossa
irmandade coloca uma só restrição a esta quase total
214 Isto Resulta
liberdade: o grupo não pode exercer a sua
personalidade à custa de grupos vizinhos, ou de NA
como um todo. O bem-estar de cada grupo de NA
depende, até certo ponto, do bem-estar de todos os
grupos de NA. Os nossos grupos não procuram
sobrepor-se uns aos outros; pelo contrário, unem-se
e colaboram no sentido do bem maior da irmandade
como um todo. O princípio do anonimato vem juntar
os nossos grupos autónomos, na busca do seu bem-
estar comum.
O princípio do anonimato molda o nosso
propósito primordial. Embora a ambição individual
e os objetivos pessoais possam motivar o nosso
desenvolvimento como seres humanos, a nossa
irmandade é guiada pelo seu propósito coletivo:
transmitir a nossa mensagem ao adicto que ainda
sofre. Quando chegamos a Narcóticos Anônimos,
deixamos os nossos interesses pessoais à porta.
Procuramos ajudar os outros em vez de unicamente
nós próprios. Este princípio abnegado, e não a
ambição pessoal, é o que define o propósito
primordial dos nossos grupos.
O anonimato orienta as interações da nossa
irmandade dentro da sociedade. Não somos uma
organização secreta; ficamos contentes por ver o
nosso nome tornar-se melhor conhecido em cada ano
que passa. Contudo, não trocamos esse nome pelo
apoio de organizações que possam eventualmente
ajudarmos no nosso propósito primordial. Não
tentamos, tão pouco, obter influência junto do
público afirmando o prestígio do nome da nossa
irmandade. Se estivermos a cumprir o nosso
propósito primordial, a sociedade verá a nossa
utilidade. Não teremos necessidade de procurar o
apoio de outros. Aquilo que disserem os amigos da
nossa irmandade constituirá recomendação
suficiente.
Décima-Segunda Tradição 215
O anonimato é um dos princípios
orientadores da forma como os nossos grupos
praticam a Sétima Tradição. Acreditamos no valor
da generosidade desinteressada por si só. É por isso
que escolhemos ser ajudados anonimamente pelos
nossos membros. Encorajamos também cada grupo
como um todo a tornar-se absolutamente
autossuficiente, não dependendo de apenas um ou
dois dos seus membros individuais. O princípio da
ajuda desinteressada, sem se estar à espera de
distinções ou de recompensas pessoais, vai a par
com o princípio da responsabilidade coletiva.
Juntos, asseguram tanto a solidariedade espiritual
como a estabilidade financeira dos nossos grupos.
Este mesmo princípio do anonimato
desinteressado constitui o alicerce espiritual da
nossa Oitava Tradição. Em Narcóticos Anônimos
não temos profissionais do 12° Passo. Utilizamos
antes a linguagem simples da empatia a fim de
partilharmos livremente uns com os outros a
experiência espiritual a que chamamos recuperação.
Uma experiência espiritual não pode ser comprada
ou vendida; só pode ser dada. Quanto mais
livremente partilharmos essa experiência, mais
iremos fortalecer a empatia que nos mantém juntos.
Esta tradição lembra-nos de colocar o princípio da
dádiva, anónima e desinteressada, acima de
quaisquer desejos pessoais que possamos ter de
reconhecimento ou recompensa.
Em Narcóticos Anônimos aplicamos o
princípio do anonimato na forma como estruturamos
a nossa organização de serviço. A nossa irmandade
não tem qualquer hierarquia de autoridade. Criamos
comissões e comités unicamente para nos servirem,
não para governarem. Os vários elementos da nossa
estrutura de serviço são guiados pelo propósito pri-
mordial e pela consciência coletiva da nossa
216 Isto Resulta
irmandade, e são diretamente responsáveis pelo
serviço que fazem em nosso nome. Aqueles que
servem nas nossas várias comissões e comités
deverão fazê-lo não para acumularem poder,
propriedade ou prestígio para si próprios, mas sim
para servirem generosamente a irmandade que
tornou a sua recuperação possível.
Quase todos os nossos grupos, comissões de
serviço e comités, rodam membros diferentes pelos
cargos de serviço, raramente pedindo a um indivíduo
que sirva em determinado lugar de responsabilidade
por mais do que um ou dois mandatos consecutivos.
A prática da rotatividade sublinha a crença da nossa
irmandade no valor do anonimato em serviço. O
serviço de NA não é fundamentalmente um esforço
pessoal; é, pelo contrário, a responsabilidade
coletiva da nossa irmandade como um todo. Isto não
significa que não damos valor ao cuidado, à
experiência, e ao esclarecimento que cada indivíduo
possa colocar nas suas tarefas de serviço. Contudo,
colocamos o princípio do anonimato no serviço
acima das personalidades individuais dos nossos
servidores de confiança. A responsabilidade
coletiva, e não a autoridade pessoal, é a força
orientadora dos serviços de NA.
O princípio do anonimato dá forma à voz
pública da nossa irmandade. Cada um dos nossos
muitos membros tem opiniões pessoais sobre uma
grande variedade de assuntos. A mensagem pública
que a nossa irmandade transmite é, contudo, a
mesma da nossa experiência coletiva na recuperação
da adicção. Como grupos e como irmandade, não
temos quaisquer opiniões sobre aquilo que não seja
o próprio programa de NA. Nas nossas relações com
a sociedade expressamos apenas os princípios do
nosso programa, e não as opiniões pessoais dos
nossos membros sobre outras questões.
Décima-Segunda Tradição 217
O anonimato não se aplica apenas às nossas
apresentações públicas, sendo também o princípio
subjacente a toda a política de relações públicas da
nossa irmandade. Nos nossos contatos públicos,
baseamos a credibilidade do nosso programa na
eficácia de NA, e não na reputação pessoal de
qualquer membro individual. Procuramos atrair
adictos e obter a boa vontade do público em virtude
apenas daquilo que temos para oferecer, e não
através de qualquer promoção grandiosa. Não há
nenhuma descrição exagerada de NA que possa
substituir o valor simples e provado da nossa
mensagem, como base da nossa política de relações
públicas.
O anonimato, ou "ausência de nome", da
Décima Tradição serve uma série de funções
práticas na nossa irmandade, cada uma das quais
com largas implicações espirituais. Ao nos
lembrarem de que "o que é dito nesta reunião fica
nesta reunião", os formatos das nossas reuniões
ajudam a fomentar uma atmosfera na qual nenhum
de nós precisa de recear a revelação pública daquilo
que partilhamos na intimidade dos nossos grupos.
Lembram-nos também de que o mais importante nas
partilhas que se fazem nas nossas reuniões é a
mensagem, e não o mensageiro.
O anonimato da 12a
Tradição significa
também que, em última análise, as nossas diferenças
pessoais não constituem qualquer diferença: em NA,
em recuperação, somos todos iguais. É verdade que
todos nós chegamos a Narcóticos Anônimos com as
nossas próprias histórias pessoais, padrões de uso,
experiências sociais e de educação, talentos e
imperfeições. Mas para o objetivo da nossa própria
recuperação, a nossa identidade profissional não tem
qualquer relação na nossa capacidade de nos
preocuparmos uns com os outros em NA. Uma
218 Isto Resulta
licenciatura universitária, uma herança, o
analfabetismo, a pobreza - estas circunstâncias, que
afetam tão profundamente tantas outras áreas das
nossas vidas, não irão ajudar ou impedir as nossas
oportunidades de recuperar. Tal como não irão tão-
-pouco ajudar ou impedir os nossos esforços de
transmitir a mensagem de um adicto para outro.
Nós somos iguais enquanto membros de
NA. Somos todos, afinal, "partes" anónimas da
irmandade de NA, em vez de singularmente
"separados". O anonimato de que fala a nossa 12a
Tradição significa que nós, que sofremos durante
tanto tempo da doença isoladora da adicção,
finalmente "pertencemos".
O anonimato é, verdadeiramente, o alicerce
espiritual de todas as nossas tradições. Sem ele, a
unidade da qual depende a recuperação pessoal ver-
se-ia dissolvida numa confusão de personalidades
em conflito. Com ele, os nossos grupos ficam na
posse de um corpo de princípios orientadores, as
nossas Doze Tradições, que os ajudam a unir as
forças pessoais dos seus membros numa irmandade
que apoia e alimenta a recuperação de todos nós.
Rezamos para que Narcóticos Anônimos
nunca se torne uma coleção cinzenta e inexpressiva
de adictos sem personalidade. Gostamos da cor, da
compaixão, da iniciativa, da vivacidade impetuosa
que advém das personalidades diversas dos nossos
membros. A nossa diversidade é, de facto, a nossa
força. Descobrimos que quanto mais fortes forem os
nossos membros individuais, mais fortemente unida
se tornará a nossa irmandade. Este é um grande
paradoxo da recuperação em NA: ao nos juntarmos
num compromisso para o bem maior de Narcóticos
Anônimos, o nosso próprio bem-estar é aumentado
sem limites. Ao rendermos a vontade própria,
colocando humildemente qualquer poder individual
Décima-Segunda Tradição 219
que possamos ter ao serviço do todo, encontramos
um poder inacreditável, não só superior ao nosso,
como superior também à soma de todas as suas
partes. Ao servirmos generosamente as necessidades
dos outros - anonimamente - vemos que as nossas
próprias necessidades são por sua vez servidas, de
uma forma melhor do que poderíamos alguma vez
imaginar. Ao nos juntarmos anonimamente numa
irmandade, com outros adictos em recuperação,
colocando o bem-estar do grupo à frente do nosso, o
nosso próprio crescimento espiritual é aumentado
desmedidamente, e não diminuído. E isto o que a 12a
Tradição quer dizer quando fala do anonimato como
sendo o alicerce espiritual de todas as nossas
tradições. Enquanto colocarmos os princípios
espirituais em primeiro lugar, as nossas
personalidades individuais poderão crescer e
florescer como nunca antes, assegurando que a nossa
irmandade continue também a florescer, forte e livre.
O nosso bem-estar comum depende da nossa
unidade. A única esperança que temos de manter
essa unidade, no meio da enorme diversidade que
encontramos em Narcóticos Anônimos, é através da
aplicação de certos princípios comuns: aqueles que
se encontram nas Doze Tradições. Enquanto
colocarmos a prática desses princípios comuns
acima do exercício das nossas personalidades
individuais, tudo irá correr bem.
220
Índice Remissivo
aceitação 11, 15-16,71-72, 132-133
adicção 5-6,42-43,149
alegria 35,114
amor 58, 136, 161
anonimato pessoal 207-209
apadrinhamento 13, 30-31,40-1,53,55,56,58,74,
80-81,88
apoios exteriores 169-170, 214-215
atmosfera de recuperação 164-165
atração 147, 167-168, 184,206-207,217
autoaceitação 48,55
auto-obsessão 41-42,52,61,79, 100, 104, 105
autonomia 128, 153-160, 163, 213-214
autosuficiência 177-187,215
bem-estar comum 127-135, 156, 181,212,213-214
boas-vindas 147
boa-vontade 10-11, 17-18,27,30,37-38,60,68,83-84
comités, comissões de serviço 179, 194, 216
compaixão 68-69, 151
compromisso 24-25,33-34,35,50, 128-129, 130,
133, 136, 150, 181
compulsão 6-7
comunicação 130-132, 138,142, 195
confiança 28,53,57,141
confiança, servidores de 141
confidencialidade 217
consciência 137
contato consciente 108
controvérsia pública 200
coragem 14, 39, 40, 51-52, 78-79, 86. 109-110
decisão 149-150
defeitos 55-56, 59, 60, 61,63-64, 65-66, 99
desejo 146, 147, 148-152
221 Isto Resulta
desgoverno 8, 14-15
Deus 31,54-55, 58, 73, 83-84, 91-92, 110-111
dinheiro, propriedade, prestígio 169
disciplina 60,100,114
diversidade 129-130,218-219
doença 5-8, 14-15, 107
egocentrismo 8,41-42,52,61,64, 105
empreendimentos afins 171-172
empreendimentos alheios 214-215
encorajamento 147-149
equilíbrio 100, 104, 105, 158
especiais, interesses 157-158
especializados, trabalhadores 189-190, 215-216
esperança 20,25,104-105
espiritual, despertar 73, 114-115, 116-121
fé 19-20,31-32,42,64-65,72,73-74, 144, 174-176,
186, 210
fidelidade 166, 198
fundos, angariação de 181-183
generosidade 96, 105, 121, 133-134, 139
gratidão 96, 114-115,184-185
grupo, consciência de 139-143,213
grupo, inventário do 156-157, 164, 165-168
grupo, necessidades do 178-179, 180
grupo, personalidade do 153, 163, 164-166, 176
harmonia 175
honestidade 9, 17-18,39,51,57,78,86-87, 103
humildade 23, 52, 56, 62, 68, 70-72, 82-83, 86-88,
95-96, 101, 142-143, 153-154, 174,
190, 197, 204-205
igualdade 140,218
imperfeições 70
impotência 5, 13-14, 108, 123
incondicional, amor 52, 114-115, 123
insanidade 18-19
integridade 144,166,174,186-187, 191
interdependência 127
Índice remissivo 222
intimidade 43-45,93-94
inventário 37-49, 98, 99-100, 101
irmandade 13,55,61-62, 128-129, 132-133
liberdade 58,75-76,77,84,95,96, 114-115, 154,
153-156, 161-162, 163, 177, 187
líderes 141,213
meditação 109-110,111
medos 28, 38, 42, 50, 57, 78, 85-86
membro, qualidade de 128-129,146-152,
179-180,213
membro, requisito de 146-152, 183,213
mensagem, transmitir a 120,165-168
mensagem de NA 163-164
mente aberta 17-18,23, 112, 140, 144, 158
moral, valor 39-40, 49, 102-103
NA como tal 192
não profissional 188-190, 215
necessidades comuns 15 5
negação 7,8,101-102
obsessão 6-7
opiniões 138
opiniões pessoais 200-201,203-204, 216-217
oração 31,54,73,75, 108, 109-110, 111, 112-113
paciência 72
partilhar 53-54, 111-112, 129, 132, 145
perdão 79-80,86
perseverança 14,34,41,50,63,93
Poder Superior 21-22,34, 107, 138-139
Poder Superior a nós mesmos 17,21
promoção 206-207, 217
propósito primordial 138, 146, 155, 156-157, 161,
161-168, 176, 177, 180,
199,214,216
prudência 190-191, 197-198, 204
públicas, relações 157, 169, 170-173, 176,200,201,
203-204, 206, 214-215, 216-217
223 Isto Resulta
qualidades 39,48,66, 104, 105
questões alheias 199-200, 201 -202, 216-217
recaída 99
recém-chegados, membros mais antigos 165
relações 43-45,55,57,58,89,93-94, 104-105
remorso 61,77-78,92
rendição 9, 10, 11-12,29,33,61,66,71-72, 109,
132-133, 139, 144
reparações 82,85,89-95,102-103
reservas 10
respeito próprio 94-95
responsabilidade 32,62,77,81-82, 127-128,
141-142, 155, 1 56-157, 158-160,
161, 161-162, 166-168, 180-181,
183, 185, 198, 202,203-204,
209-210, 216
ressentimentos 43,79
reunião, formato de 155
sanidade 19,23
serenidade 33, 35, 106, 114
serviço 92,94, 114-115, 121, 132, 138, 145,
150,210, 213, 216
serviço, cargos de 179-180
simplicidade 180, 185-186, 196
Terceiro Passo, decisão do 27-36
tolerância 68, 150
última, autoridade 138, 141-142, 145
unidade 127-135, 138, 161, 167-168,202-203,
213-214, 216,217-219
uniformidade 129-130
vontade de Deus 32,36, 108, 109, 113
vontade própria 27-28
Índice remissivo 224
Narcotics Anonymous
Narcóticos Anônimos

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12 passos aa

  • 1. ISTO RESULTA COMO E PORQUÊ Os Doze Passos e as Doze Tradições de Narcóticos Anônimos
  • 2. ISTO RESULTA Os Doze Passos e as Doze Tradições de Narcóticos Anônimos
  • 3. ISTO RESULTA COMO E PORQUÊ Narcotics Anonymous World Services, Inc. Chatsworth, CA USA
  • 4. Os Doze Passos e as Doze Tradições são reproduzidos com autorização de AA World Services, Inc. WWorld Service Office PO Box 9999 Van Nuys, CA 91409 USA T 818.773.9999 F 818.700.0700 Website: www.na.org World Service Office-CANADA Mississauga, Ontario World Service Office-EUROPE Brussels, Belgium T +32/2/646 6012 World Service Office-IRAN Tehran, Iran www.na-iran.org Copyright© 1998 by Narcotics Anonymous World Services, Inc. Todos os direitos reservados Softcover first published 2011. 14 13 3 Printed in Brazil Narcotics Anonymous e The NA Way são marcas registradas de Narcotics Anonymous World Services, Incorporated. ISBN 978-1-55776-869-8 Portuguese 2/11 WSO Catalog Item No. PO-1143 Tradução de literatura aprovada pela Irmandade de NA.
  • 6. Índice Introdução 1 Os Doze Passos 3 Primeiro Passo 5 Segundo Passo 17 Terceiro Passo 27 Quarto Passo 37 Quinto Passo 50 Sexto Passo 60 Sétimo Passo 70 Oitavo Passo 77 Nono Passo 85 Décimo Passo 97 Décimo-Primeiro Passo 106 Décimo-Segundo Passo 114
  • 7. As Doze Tradições 125 Primeira Tradição 127 Segunda Tradição 136 Terceira Tradição 146 Quarta Tradição 153 Quinta Tradição 161 Sexta Tradição 169 Sétima Tradição 177 Oitava Tradição 188 Nona Tradição 192 Décima Tradição 199 Décima-Primeira Tradição 206 Décima-Segunda Tradição 212 Índice Remissivo 220
  • 8. 1 Introdução Bem-vindo! O livro que tens nas mãos trata dos Doze Passos e das Doze Tradições de Narcóticos Anônimos. É verdade que, seja sob a forma escrita ou oral, nada do que se diga sobre algo tão pessoal ou individual como a recuperação poderá agradar a toda a gente. Este livro não pretende ser nem um estudo exaustivo dos passos e das tradições de NA, nem a palavra final sobre qualquer aspecto da recuperação ou da unidade de NA. Pretende antes ajudar-te a encontrares a tua própria interpretação dos princípios contidos nos nossos passos e tradições. Esperamos que ao longo destas páginas encontres crescimento pessoal, compreensão e empatia. Rezamos para que avances para um novo estado de entendimento da tua recuperação e do lugar valioso que ocupas como membro de Narcóticos Anônimos. Cada membro de NA contribuiu de certa forma para este livro. Quer sejas recém-chegado ou alguém já com algum tempo, a tua experiência, o teu apoio e, acima de tudo, a tua presença nas salas onde adictos se reúnem para partilhar recuperação, têm sido as forças motivadoras para que se fizesse este livro. Embora o processo de se escrever um livro sobre a experiência de uma irmandade tão diversa como a nossa tenha sido moroso, vimos como todas as barreiras e todos os obstáculos se dissolveram à luz do nosso propósito primordial: transmitir a mensagem ao adicto que ainda sofre. Esse único propósito, claro e poderoso, destaca-se na nossa consciência coletiva como a única coisa que realmente interessa. Com ele, tudo é possível e os milagres acontecem.
  • 9. 2 Isto Resulta Foi a natureza do processo de recuperação que nos deu o título para este livro. Depois de tudo dito e feito, houve uma verdade fundamental que emergiu como o centro do nosso programa: ISTO RESULTA. As razões por que o nosso programa resulta, o como e o porquê da recuperação, podem encontrar-se em muitos sítios: em cada um de nós, na nossa relação com um Poder Superior, nos nossos corações e mentes e, finalmente, na sabedoria coletiva dos nossos membros. O esforço principal no desenvolvimento deste livro recaiu em tentarmos capturar a nossa sabedoria coletiva em palavras, julgamos assim que o título deste livro será o mais adequado: Isto Resulta - Como e Porquê. Esperamos que este livro represente verdadeiramente o valor terapêutico de um adicto a ajudar outro. Oferecemos este livro como uma dádiva, de adicto para adicto, na esperança de que o nosso amor e a nossa preocupação por todo o adicto que esteja a pôr em prática o nosso modo de vida, sejam aqui tão evidentes quanto nós os sentimos. Usa e toma partido deste livro. Partilha-o com os teus amigos, com o teu padrinho ou madrinha, e com as pessoas que apadrinhas. Afinal de contas, é partilhando uns com os outros que encontramos as nossas próprias respostas, o nosso próprio Poder Superior, e o nosso próprio caminho em recuperação.
  • 10. 3 LIVRO UM Os Doze Passos O objetivo desta secção do livro é convidar os nossos membros a empenharem-se numa viagem de recuperação, e servir como meio para se alcançar uma compreensão pessoal dos princípios espirituais contidos nos Doze Passos de Narcóticos Anônimos. Esta secção do livro explora os princípios espirituais de cada passo e a forma como os experimentamos nas nossas vidas. Acreditamos que os passos estão apresentados de uma forma que abrange a diversidade da nossa irmandade e reflete o despertar espiritual descrito no nosso 12° Passo.
  • 12. 5 Primeiro Passo "Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que tínhamos perdido o domínio sobre as nossas vidas." Cada um de nós, como adicto, já passou pela dor, pela solidão e pelo desespero da adicção. Antes de chegarmos à NA, a maioria de nós tentou tudo aquilo que pôde para controlar o nosso uso de drogas. Tentámos mudar de droga, julgando que o nosso problema era uma droga específica. Tentámos limitar o nosso uso a certos momentos ou a certos lugares. Até podemos ter chegado ao ponto de jurar que nunca mais voltaríamos a usar, ou dito a nós próprios que nunca faríamos as coisas que vimos outros adictos fazerem, acabando também por fazê- las. Nada do que tentámos teve algum efeito duradouro. A nossa adicção ativa continuou a progredir, levando consigo as nossas melhores intenções. Sozinhos, com medo daquilo que o futuro poderia trazer-nos, encontrámos a irmandade de Narcóticos Anônimos. A nossa experiência como membros de Narcóticos Anônimos é a de que a adicção constitui uma doença progressiva. A sua progressão pode ser rápida ou lenta, mas é sempre para pior. Enquanto continuarmos a usar drogas, as nossas vidas nunca deixarão de piorar. Não é possível descrevermos a adicção de uma forma que nos agrade a todos. Contudo, a doença parece afetar-nos das seguintes maneiras: mentalmente, ficamos obcecados com ideias de usar; fisicamente, desenvolvemos uma compulsão para continuar a usar, sem olhar às consequências; espiritualmente, tornamo-nos completamente egocêntricos ao longo da nossa adicção. Para muitos adictos faz sentido ver a
  • 13. 6 Isto Resulta adicção como uma doença, doença essa que a nossa experiência diz ser progressiva, incurável, e que pode ser fatal se não for detida. Em Narcóticos Anônimos lidamos com todos os aspectos da nossa adicção e não apenas com o seu sintoma mais óbvio, o nosso uso incontrolável de drogas. São numerosos esses aspectos da nossa doença. A prática deste programa permite a cada um de nós descobrir as formas como a nossa adicção afeta as nossas vidas. Mas, sejam quais forem os efeitos da adicção nas nossas existências individuais, todos partilhamos algumas características comuns. É através da prática do Primeiro Passo que vamos lidar com a obsessão, a compulsão, a negação, e aquilo a que muitos chamam "vazio espiritual". A medida que examinamos e reconhecemos todos estes aspectos da nossa doença, começamos a compreender melhor a nossa impotência. Muitos de nós tiveram dificuldade com a ideia de sermos obsessivos e compulsivos. Só a simples ideia de que essas palavras se aplicassem a nós fizeram-nos recuar. No entanto, a obsessão e a compulsão são elementos da nossa impotência. Precisamos de compreender e de reconhecer a sua presença nas nossas vidas para que a nossa admissão de impotência fique completa. A nossa experiência mostra-nos que a obsessão é aquele fluxo inesgotável de pensamentos relacionados com o uso de drogas: temos medo de ficar sem elas, de precisarmos de arranjar mais, e por aí fora. Mas não conseguimos afastar esses pensamentos. Para nós, a compulsão é o impulso irracional para continuar a usar drogas, sejam quais forem as consequências. Não conseguimos parar. A obsessão e a compulsão são aqui tratadas no aspecto em que se relacionam com o nosso uso de drogas, pois é através da nossa adicção a drogas que nos identificamos uns com os
  • 14. Primeiro Passo 7 outros quando chegamos pela primeira vez ao programa. À medida que a nossa recuperação avança, verificamos como estes aspectos da nossa adicção também se podem manifestar em muitas outras áreas da nossa vida. A negação é a parte da nossa doença que dificulta, chegando até a impossibilitar, o nosso reconhecimento da realidade. Durante a nossa adicção, a negação protegia-nos de termos de encarar a realidade em que se haviam tornado as nossas vidas. Chegávamos até a dizer que, se nos fossem dadas certas condições, ainda conseguiríamos vir a controlar as nossas vidas. Sempre muito talentosos a defender as nossas ações, recusávamo-nos a aceitar a responsabilidade dos danos causados pela nossa adicção. Acreditávamos que, se nos empenhássemos um pouco mais, se substituíssemos uma droga por outra, se trocássemos de amigos, se mudássemos a nossa forma de viver e as nossas ocupações, as nossas vidas iriam melhorar. Todas estas racionalizações falharam, umas atrás das outras, mas nunca as largámos. Negávamos ter algum problema com drogas, não importa quantas provas houvesse em contrário. Mentíamos a nós mesmos, acreditando que poderíamos voltar a usar de forma controlada. Apesar da destruição causada pela nossa doença, justificávamos as nossas ações. A parte espiritual da nossa doença, aquela que eventualmente só conseguimos reconhecer através do vazio ou da solidão que sentimos quando deixámos as drogas, talvez seja para nós um dos aspectos mais difíceis da adicção. Dado que esta característica da nossa doença nos atinge tão profunda e pessoalmente, podemos achar que é impossível aplicar-lhe um programa de recuperação. Por isso convém lembrarmo-nos de que ninguém recupera de um dia para o outro.
  • 15. 8 Isto Resulta Sempre que começamos a olhar para as consequências da nossa doença, iremos decerto constatar que perdemos o domínio sobre as nossas vidas. Isso está patente em tudo aquilo que nelas há de errado. Mais uma vez, as nossas experiências são individuais e poderão variar muito de adicto para adicto. Para alguns de nós essa falta de domínio é visível no nosso descontrole emocional ou nos sentimentos de culpa pelo nosso uso de drogas. Alguns de nós perderam tudo: as famílias, os empregos, coisas materiais, assim como o nosso respeito próprio. Alguns de nós nunca chegaram a aprender a funcionar como seres humanos. Alguns de nós passaram por cadeias ou instituições. E alguns de nós estiveram muito perto da morte. Sejam quais forem as nossas circunstâncias individuais, as nossas vidas têm sido dominadas por um comportamento obsessivo, compulsivo e egoísta. E o resultado final tem sido uma vida desgovernada. Talvez tenhamos chegado a NA sem a capacidade para reconhecer os nossos próprios problemas. Dado o nosso egocentrismo, fomos muitas vezes os últimos a compreender que éramos adictos. Muitos de nós fomos persuadidos por amigos ou por familiares a começar a ir a reuniões de NA. Outros receberam um encorajamento ainda maior dos tribunais. Seja como for, as nossas velhas ilusões tiveram de ser quebradas. E para conseguirmos enfrentar a verdade da nossa adicção, foi preciso substituir a negação pela honestidade. Muitos de nós ainda se lembram daquele momento de lucidez quando nos vimos confrontados com a nossa doença. Todas as mentiras, todas as máscaras, todas as racionalizações que havíamos utilizado para justificar as situações criadas pelo nosso uso de drogas, tinham deixado de funcionar. Tornou-se mais claro quem nós éramos e aquilo que
  • 16. Primeiro Passo 9 éramos. Já não conseguíamos evitar a verdade por mais tempo. Descobrimos que não conseguimos recuperar sem a capacidade de sermos honestos. Muitos de nós chegámos a NA depois de passarmos anos e anos a praticar a desonestidade. No entanto, podemos aprender a ser honestos e devemos começar a fazer um esforço. Aprender a ser honesto constitui um processo contínuo; a pouco e pouco, conseguimos tornar-nos mais honestos, à medida que praticamos os passos e nos mantemos limpos. No Primeiro Passo começamos a praticar o princípio espiritual da honestidade ao admitirmos a verdade acerca do nosso uso de drogas. Logo a seguir admitimos a verdade acerca das nossas vidas. Enfrentamos a vida como ela é. e não a forma como as coisas poderiam ou deveriam ter sido. Não importa de onde vimos, ou quão bons ou maus julguemos ter sido; quando finalmente nos viramos para Narcóticos Anônimos e para os Doze Passos, começamos a sentir um alívio. Quando começamos a praticar o Primeiro Passo, é importante que coloquemos a nós próprios algumas questões fundamentais: Será que consigo controlar o meu uso de drogas? Estou disposto a parar de usar? Estou disposto a fazer tudo aquilo que for necessário para recuperar? Sendo-nos dada a escolha entre encontrar um novo modo de vida em NA ou prosseguir na nossa adicção, começamos a sentir-nos atraídos pela recuperação. Começamos a largar as reservas, aquilo que nos impede de nos rendermos ao programa. No início, ao deixarmos as drogas, a maioria de nós tem de facto certas reservas. Mesmo assim, precisamos de encontrar maneiras de lidar com elas. Essas reservas podem ser muito diferentes: acreditarmos que ainda poderemos usar uma determinada droga, só porque nunca tivemos problemas com ela; impormos
  • 17. 10 Isto Resulta condições à nossa recuperação, tais como permanecermos limpos apenas enquanto as nossas expectativas forem atendidas; acreditarmos que podemos continuar envolvidos com pessoas ligadas à nossa adicção; acreditarmos que poderemos voltar a usar depois de algum tempo limpos; ou decidirmos, consciente ou inconscientemente, praticar apenas alguns dos passos. Com a ajuda de outros adictos em recuperação, torna-se possível encontrar maneiras de ultrapassar as nossas reservas. A coisa mais importante que precisamos de saber é que, se mantivermos tais reservas, estaremos a deixar lugar no nosso programa para uma recaída. A recuperação começa com a aplicação dos princípios espirituais contidos nos Doze Passos de NA em todas as áreas das nossas vidas. Contudo, não podemos iniciar este processo sem parar de usar drogas. A abstinência total de qualquer tipo de drogas é o único modo que nos permite começar a suplantar a nossa adicção. E a abstinência é só o início. A nossa única esperança de recuperação reside numa profunda mudança emocional e espiritual. A nossa experiência mostra-nos que, para alcançar esse precioso dom de recuperação, é preciso que estejamos dispostos a fazer tudo aquilo que for necessário. Em recuperação ser-nos-ão apresentados princípios espirituais, como a rendição, a honestidade e a aceitação, princípios esses exigidos para a prática do Primeiro Passo. Se os praticarmos com sinceridade, eles irão transformar a nossa forma de ver as coisas e de viver a vida. Quando começamos a praticar estes princípios, eles até poderão parecer estranhos e artificiais. Aliás, poderá ser necessário fazermos um esforço deliberado para a admissão honesta pedida pelo Primeiro Passo. Embora estejamos a admitir a
  • 18. Primeiro Passo 11 nossa adicção, poderemos ainda ter dúvidas quanto à eficácia deste programa. A aceitação da nossa adicção ultrapassa a nossa admissão consciente. Afinal, ganhamos a esperança de recuperação quando aceitamos a nossa adicção. Começamos a acreditar, a um nível mais profundo, que também nós podemos recuperar. Começamos a perder as nossas dúvidas e a aceitar a nossa doença. Ficamos abertos à mudança. Rendemo-nos. À medida que trabalhamos o Primeiro Passo, descobrimos que afinal rendermo-nos não é bem aquilo que julgávamos. Se calhar, no passado, achávamos que a rendição era coisa de gente fraca e cobarde. Para nós só havia duas escolhas: continuar a lutar para controlar o nosso uso ou ceder completamente, deixando as nossas vidas despedaçarem-se. Travámos como que uma batalha para controlar o nosso uso e parecia que, se nos rendêssemos, as drogas sairiam vencedoras. Em recuperação, descobrimos que rendermo-nos implica largarmos as nossas reservas em relação à recuperação e dispormo-nos a tentar um novo modo de vida. O processo de entrega é tão pessoal que só nós, enquanto indivíduos, é que saberemos quando o fizermos. Sublinhamos assim a importância da entrega, porque é esse processo que nos permite recuperar. Quando nos rendemos, sentimos por dentro que já tivemos o suficiente. Estamos fartos de lutar. Quando compreendemos, finalmente, que essa luta terminou, sentimos um imenso alívio. Por mais dura que tenha sido essa luta, só chegamos ao ponto de nos rendermos quando compreendemos que sozinhos não conseguiríamos parar de usar drogas. Fomos capazes de admitir a nossa impotência perante a nossa adicção. Entregámo-nos completamente. Apesar de não sabermos exatamente o que iria acontecer, reunimos
  • 19. 12 Isto Resulta coragem e admitimos a nossa impotência. Desistimos da ilusão de conseguir controlar o nosso uso e abrimos assim as portas à recuperação. Muitos de nós iniciam o processo de rendição quando, numa reunião de NA, nos identificamos pelo nosso nome próprio e pela frase "sou um adicto". A partir do momento em que admitimos que somos adictos e que sozinhos não somos capazes de parar de usar, conseguimos manter-nos limpos, numa base diária, com a ajuda de outros adictos em recuperação em Narcóticos Anônimos. O paradoxo desta admissão torna-se evidente quando começamos a praticar o Primeiro Passo. Enquanto nos julgámos capazes de controlar o nosso uso de drogas, fomos quase que forçados a continuar, mas assim que admitimos a nossa impotência, nunca mais precisámos de voltar a usar. Esta liberdade constitui a dádiva mais importante que poderíamos receber, pois essa é a salvação das nossas vidas. Através da nossa experiência coletiva, descobrimos que juntos conseguimos aquilo que seria impossível obter sozinhos. É necessário que procuremos a ajuda de outros adictos em recuperação. Ao assistirmos regularmente a reuniões, sentimos um grande conforto quando ouvimos as experiências daqueles que nos acompanham neste mesmo caminho. A maioria de nós descreveu o seu encontro com NA como um "chegar a casa". Ao sentirmos que somos bem- vindos e aceites por outros adictos em recuperação, sentimos também que encontrámos finalmente um lugar ao qual pertencemos. Embora saibamos que teremos o apoio das partilhas que ouvimos nas reuniões, precisamos de encontrar um padrinho ou madrinha que nos ajude na nossa recuperação. Ele ou ela poderá então partilhar conosco a sua experiência com os passos, a
  • 20. Primeiro Passo 13 começar pelo Primeiro Passo. Escutar essa experiência e aplicá-la à nossa própria vida é o modo de usufruir de um dos aspectos mais bonitos e mais práticos da recuperação: o valor terapêutico da ajuda de um adicto a outro. Nas nossas reuniões ouvimos muitas vezes dizer que, "sozinho não consigo, mas juntos conseguimos". Trabalhar ativamente com um padrinho ou madrinha irá dar-nos alguma experiência direta disso. Ao desenvolvermos a nossa relação com o nosso padrinho ou madrinha, aprendemos a confiar noutra pessoa; ao seguirmos as suas sugestões, em vez das nossas próprias ideias, aprendemos os princípios da boa-vontade e da mente aberta. O nosso padrinho ou madrinha é a pessoa que nos ajudará a trabalhar os passos da recuperação. Falarmos honestamente com o nosso padrinho ou madrinha acerca do nosso uso de drogas e do modo como isso afetou as nossas vidas, ajudar-nos- á a trabalhar minuciosamente o Primeiro Passo. Precisamos sempre de nos lembrar de onde vimos e até onde a nossa adicção nos levou. A nossa libertação da adicção ativa é apenas diária. Em cada dia, temos de aceitar o facto de que não conseguiremos ser bem-sucedidos se usarmos drogas. O processo de recuperação não é fácil. Exige muita coragem e persistência para prosseguir na recuperação, dia após dia. Mas parte do processo de recuperação está em avançarmos apesar dos obstáculos que possam surgir. As mudanças duradouras em recuperação dão-se lentamente. Teremos, por isso, de voltar vez após vez ao Primeiro Passo. Nem mesmo os longos períodos de abstinência garantem-nos a libertação da dor e dos problemas que a adicção pode trazer. Os sintomas da nossa doença podem sempre voltar e podemos descobrir
  • 21. 14 Isto Resulta que somos impotentes em áreas que nunca imaginámos. Começamos então a compreender como tudo aquilo que tanto nos esforçamos por controlar está, na verdade, completamente fora do nosso controle. Não importa como a nossa doença possa apresentar-se, devemos ter em conta a sua natureza implacável. Ao fazê-lo, desenvolvemos uma consciência mais completa dessa natureza. A doença da adicção pode manifestar-se através de uma grande variedade de obsessões mentais e de ações compulsivas que em nada se relacionam com drogas. Podemos dar por nós obcecados e a ter comportamentos compulsivos com coisas com as quais nunca havíamos tido problemas até largarmos as drogas. Mais uma vez podemos estar a tentar preencher o horrível vazio que sentimos com algo que se encontra fora de nós. Sempre que nos encontrarmos a utilizar algo para tentar modificar o modo como nos sentimos, precisamos de aplicar os princípios do Primeiro Passo. Nunca estamos livres de ver as nossas vidas tornarem-se desgovernadas, mesmo após anos de recuperação. Se os problemas se acumularem e os nossos recursos para lidar com eles diminuírem, podemos vir a sentir que estamos fora de controle e em demasiada dor, e que dificilmente conseguiremos fazer algo de construtivo por nós próprios. Nesses momentos sentimo-nos ultrapassados pela vida e essa sensação parece piorar ainda mais as coisas. Quando as nossas vidas parecem estar a cair aos pedaços, concentramo-nos de novo nas bases do programa de NA: mantemo- nos em contato com o nosso padrinho ou madrinha, trabalhamos os passos e vamos a reuniões. Voltamos a render-nos, sabendo que a vitória está em admitirmos a derrota.
  • 22. Primeiro Passo 15 A sensação de amor e de aceitação que encontramos na irmandade de Narcóticos Anônimos permite-nos começar a recuperar da nossa adicção. Aprendemos um novo modo de vida. O vazio de que sofríamos é preenchido através da prática e da vivência dos Doze Passos. Aprendemos que este programa simples está a tratar toda a complexidade da nossa adicção. Encontramos uma solução para o nosso desespero. O nosso programa de recuperação tem uma natureza profundamente espiritual. Os Doze Passos de Narcóticos Anônimos levar-nos-ão numa viagem que irá por certo exceder as nossas expectativas. Praticar e viver os passos conduz-nos a um despertar espiritual. O Primeiro Passo é o início dessa viagem espiritual. Para isso, teremos de estar dispostos a entregar-nos a este programa e aos seus princípios, pois o nosso futuro depende da nossa boa vontade para crescer espiritualmente. Estamos a iniciar um novo modo de vida, que abre as portas a grandes alegrias e à felicidade. No entanto, a recuperação não nos livra da dor. A vida tal como ela é combina momentos de alegria com momentos de tristeza. Acontecimentos maravilhosos misturam-se com situações dolorosas. Vamos, por isso, experimentar uma enorme variedade de sentimentos relacionados com tudo aquilo que for acontecendo nas nossas vidas. Ao olharmos com honestidade para as pessoas em quem nos tornámos ao longo da nossa adicção, reconhecemos a impotência e a falta de domínio sobre as nossas vidas. Mas ao ultrapassarmos as nossas reservas, aceitamos a nossa adicção, rendemo-nos e experimentamos então a esperança que a recuperação oferece. Compreendemos que já não podemos continuar no caminho em que estávamos. Estamos prontos para uma mudança e
  • 23. 16 Isto Resulta dispostos a tentar um outro caminho. Com a nossa boa-vontade prosseguimos para o Segundo Passo.
  • 24. 17 Segundo Passo "Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade." Quando nos rendemos no Primeiro Passo, ficámos com uma enorme necessidade de acreditar que podemos recuperar. Essa rendição faz com que possamos sentir esperança. Ao admitirmos a nossa impotência, abrimos as nossas mentes a uma ideia inteiramente nova: a possibilidade de algo superior a nós próprios ser suficientemente poderoso para aliviar a nossa obsessão pelo uso de drogas. É bastante provável que, antes de chegarmos a NA, muitos de nós nunca tivessem acreditado em poder algum, salvo na nossa própria força de vontade, e esta também nos falhou. NA abre-nos as portas a uma nova concepção. Com esta concepção ganhamos mais esperança, começamos a compreender o que significa acreditar que um Poder Superior a nós mesmos pode devolvermos à sanidade. A nossa esperança aumenta quando ouvimos outros adictos em recuperação. Podemos identificar-nos com o seu passado e, através do seu exemplo presente, fazer crescer a nossa esperança. Nas reuniões, escutamos atentamente e adquirimos a boa-vontade para aplicar nas nossas vidas aquilo que ouvimos. À medida que começamos a acreditar que existe esperança para nós, começamos também a confiar no processo de recuperação. O nosso Pequeno Livro Branco afirma: "Há uma coisa que mais do que tudo irá derrotar-nos na nossa recuperação: trata-se de uma atitude de indiferença ou de intolerância para com princípios espirituais. Três destes, que são indispensáveis, são a honestidade, a mente aberta e a boa-vontade." Mas
  • 25. 18 Isto Resulta isto não significa que tenhamos de ser infalivelmente honestos, de mente aberta e com boa-vontade. Apenas temos de tentar praticar estes princípios o melhor que pudermos. Quando trabalhamos pela primeira vez o Segundo Passo, podemos praticar o princípio da honestidade ao reconhecermos e partilharmos aquilo em que acreditamos, ou não, acerca de um Poder Superior a nós próprios. Desenvolver uma mente aberta exige algum esforço, mas podemos praticar este princípio ao escutarmos outros adictos em recuperação partilharem sobre como vieram a acreditar. Para muitos de nós, a boa- vontade para tentar algo novo surgiu simplesmente porque já estávamos cansados dos velhos caminhos. Pareceu-nos então que, dado que o nosso próprio poder não era suficiente para nos devolver a nossa sanidade, talvez algum outro conseguisse, se o deixássemos. Muitos de nós sentiam que insanidade era uma palavra demasiado dura para descrever o nosso estado. Contudo, se olharmos bem para a nossa adicção ativa, veremos que o nosso comportamento foi tudo menos sano. Na maioria das vezes as nossas percepções nem sequer se baseavam na realidade. Víamos o mundo que nos rodeava como um meio hostil. Alguns de nós afastaram-se fisicamente e tiveram pouco, ou nenhum, contato com outras pessoas. Alguns de nós atravessaram a vida sem deixar que nada os tocasse emocionalmente. Mas, de qualquer forma, acabámos sempre por nos sentir isolados. Embora houvesse provas em contrário, ainda sentíamos que estávamos a controlar a situação. Ignorávamos ou não acreditávamos nas verdades que nos olhavam nos olhos, e continuámos a fazer as mesmas coisas, na esperança de que os resultados fossem diferentes.
  • 26. Segundo Passo 19 O pior de tudo era que continuávamos a usar drogas, fossem quais fossem as consequências negativas. Apesar dos sinais de aviso mostrarem o descontrole do nosso uso, continuávamos a tentar justificá-lo. Com bastante frequência, chegávamos ao ponto de não conseguir olhar para nós próprios. Quando encaramos a realidade das nossas vidas, não pode haver dúvidas de que precisamos desesperadamente de ser devolvidos à sanidade. Seja qual for a interpretação individual da palavra "devolver", a maioria de nós concorda que significa mudarmos para um ponto em que a adicção, e a insanidade que a acompanha, não estejam a controlar as nossas vidas. Ser devolvido à sanidade constitui um processo para toda a vida. Este processo varia de adicto para adicto, manifestando- se de modo diferente ao longo das diversas fases da nossa recuperação, mas todos nós podemos ver alguns resultados deste processo assim que entramos em recuperação. De início, ser devolvido à sanidade significa não mais termos que usar drogas. Vamos a reuniões em vez de nos isolarmos; falamos com o nosso padrinho ou madrinha, em vez de ficarmos a alimentar sentimentos dolorosos; pedimos-lhe ajuda para trabalhar os passos, o que é uma verdadeira demonstração de sanidade; começamos a acreditar que uma força poderosa pode devolver-nos à sanidade. Por fim, encontramos esperança para nós mesmos. "Vir a acreditar" constitui um processo. Para alguns de nós é simples e poderá conduzir a resultados imediatos. Muitos de nós chegaram a NA tão derrotados que estavam dispostos a tentar qualquer coisa. Procurar a ajuda de um Poder Superior a nós próprios pode ter sido a melhor ideia que alguma vez nos sugeriram. Contudo, este processo de "vir a acreditar" pode também ser difícil,
  • 27. 20 Isto Resulta doloroso até. Muitos de nós descobriram também que poderá ajudar fingir que acreditamos, o que não significa que devamos ser desonestos. O que isto quer dizer é que, se tivermos dúvidas, praticamos o programa como se acreditássemos realmente que podemos ser devolvidos à sanidade. Não é fácil conseguirmos acreditar num Poder Superior a nós mesmos. Por isso, ao praticarmos este passo, torna-se indispensável ter uma mente aberta. Se olharmos à nossa volta, podemos encontrar várias razões para acreditar nele. O nosso acreditar pode ser simplesmente o acreditar que podemos recuperar de uma vida de adicção ativa. Ficarmos livres da obsessão para usar drogas pode constituir a nossa primeira experiência de que um Poder Superior a nós mesmos atua de facto nas nossas vidas. Provavelmente pela primeira vez em muitos anos, a nossa obsessão por drogas já não controla a nossa existência. Saber que hoje não precisamos de usar é, só por si, uma poderosa certeza. Através deste processo de "vir a acreditar" começamos então a desenvolver a fé. É, pois, um processo que se inicia com a esperança, que para alguns de nós poderá ser um conceito muito vago, talvez apenas o acharmos que praticar este programa melhorará as nossas vidas. A medida que as nossas vidas começam a melhorar, esta esperança transforma-se em fé. Para muitos de nós a fé pode ser descrita como o acreditar em algo que é aparentemente incompreensível. Afinal, quem é que consegue explicar logicamente a remoção súbita de uma obsessão pelas drogas? E, no entanto, isso aconteceu com muitos de nós. Iniciamos o processo de vir a acreditar num Poder Superior a nós mesmos ao desenvolvermos a esperança numa vida diferente e a fé de que é possível recuperar.
  • 28. Segundo Passo 21 Cada um de nós tem origens diferentes, e vivemos também experiências diferentes. Por isso é natural que tenhamos conceitos diferentes de espiritualidade. Em NA ninguém é obrigado a acreditar em quaisquer ideias feitas. Cada um de nós pode acreditar naquilo que desejar. Este programa é espiritual, mas não é uma religião. Cada um de nós cultiva, pois, a sua própria crença num Poder Superior a nós mesmos. Seja qual for a forma como concebemos este Poder, a ajuda está ao dispor de todos nós. No princípio, muitos de nós viram-se para o grupo, ou para o amor que encontram em Narcóticos Anônimos, como sendo um Poder Superior. Um grupo de NA é um forte exemplo desse Poder Superior a nós mesmos em ação. E por vezes em desespero que entramos numa sala cheia de adictos que partilham conosco a sua experiência, força e esperança. Quando os ouvimos, adquirimos a certeza de que eles já sentiram o desespero e o remorso que nós também sofremos. Conforme observamos outros adictos praticarem um novo modo de vida sem usar drogas, podemos vir a acreditar que, também nós, iremos recuperar. Ver outros adictos manterem-se limpos constitui mais uma prova evidente da existência de um Poder Superior a nós mesmos. Reparamos na aceitação que os adictos em recuperação demonstram uns pelos outros. Vemos adictos celebrarem tempos de limpeza achando que é impossível nós alguma vez o conseguirmos. Talvez haja alguém que nos abrace e nos diga para voltarmos. E dão-nos números de telefone e sentimos o poder do grupo; e tudo isso ajuda-nos a começar a recuperar.
  • 29. 22 Isto Resulta Muitos de nós utilizam os princípios espirituais como um poder superior a nós mesmos. Viemos a acreditar que, ao praticarmos estes princípios nas nossas vidas, podemos ser devolvidos à sanidade. Isto para nós faz sentido. Foram, afinal, muitas as vezes em que tentámos optar por um novo modo de vida. As nossas intenções eram geralmente boas, mas a nossa existência, dia após dia, raramente correspondia a tais intenções. Tentar um novo caminho, praticando um modo de vida melhor, de acordo com princípios espirituais, poderá ter efeito sobre a nossa maneira de pensar. Não é necessário definir para nós mesmos todo o conceito de um Poder Superior. Aqueles de nós com muitos anos de recuperação descobriram que a concepção de um Poder Superior muda com o passar do tempo. A nossa crença aumenta, bem como a nossa fé. Viemos a acreditar num Poder que pode ajudar-nos muito mais do que pensávamos no início. À medida que procuramos entender esse Poder Superior, podemos falar com o nosso padrinho ou madrinha, e com outros adictos em recuperação. Podemos perguntar-lhes qual é a sua concepção de um Poder Superior e como é que chegaram a ela. Isso poderá abrir-nos possibilidades que não tínhamos considerado antes. Embora seja útil perguntar aos outros quais são as suas convicções espirituais, devemos lembrar- nos de que a concepção de um Poder Superior diz respeito a cada um de nós. Os outros podem ajudar- nos e nós podemos até adoptar as ideias de alguém durante algum tempo, ou apenas acreditar que eles acreditam. Mas eventualmente precisamos de vir a acreditar por nós próprios. A necessidade de possuirmos o nosso próprio sentido de espiritualidade é demasiado vital para a nossa
  • 30. Segundo Passo 23 recuperação para que descuremos este processo tão pessoal. Para nós, parte do processo de "vir a acreditar" está na aceitação das evidências que temos pela frente. A nossa adicção fez-nos negar as verdades que víamos, mas, agora que estamos em recuperação, já podemos acreditar naquilo que vemos. No começo, abrimos as nossas mentes, experimentamos algo novo, acreditando que de algum modo aquilo que tentamos poderá resultar. Depois de darmos uns pequenos passos em direção à fé, de começarmos a confiar, e de vermos os resultados obtidos, dispomo-nos a dar uns passos maiores. Constatamos então que já não estamos a agir apenas como se acreditássemos. A nossa convicção está agora reforçada com a nossa própria experiência pessoal, que nem sempre é explicável. Por vezes descobrimos nas nossas vidas coincidências extraordinárias, que não têm uma explicação racional. Não precisamos de explicar ou de analisar estas ocorrências. Basta-nos aceitar que acontecem e estar gratos por elas. Quanto mais tempo nos mantivermos limpos, mais evidente se tornará este facto: a nossa adicção vai mais além do que as drogas que usámos. Grande parte do nosso problema parece centrar-se na procura de algo que nos faça sentir bem. Dada a natureza egocêntrica da nossa doença, deixarmos de confiar no nosso próprio raciocínio constitui uma tremenda luta. No entanto, as nossas mentes estão a abrir-se. Ao constatarmos que não temos todas as respostas, começamos a sentir um pouco de humildade. Podemos não alcançar todo o significado de se ser humilde, mas a nossa mente aberta assegura-nos de que encontrámos e começámos a pôr em prática essa valiosa qualidade.
  • 31. 24 Isto Resulta A nossa humildade e a nossa mente aberta dão-nos a possibilidade de aprender. Deixamos que os outros partilhem conosco aquilo que resultou com eles, o que exige humildade, pois somos obrigados a abandonar o nosso receio de como iremos parecer perante eles. Algumas das sugestões mais fortes que podemos receber de outros adictos são: ir a reuniões, pedir ajuda, rezar, e trabalhar os passos. A nossa experiência mostrou-nos que acreditar num Poder Superior leva-nos à recuperação em Narcóticos Anônimos. As pessoas tendem a viver aquilo em que acreditam e a nossa fé recém-encontrada leva-nos a viver o programa. Seja qual for a nossa escolha pessoal de Poder Superior, viemos a acreditar que NA resulta. Vivemos, pois, aquilo em que acreditamos, prosseguindo o nosso caminho de recuperação e trabalhando os Doze Passos o melhor que pudermos. Mesmo já com alguns anos de limpeza, tendo estado a praticar um programa de recuperação e a procurar mudar, por vezes podemos atravessar períodos em que a vida parece não ter sentido. Podemos sentir-nos alienados e com demasiada dor para poder ser ignorada. Nesses momentos, podemos achar que estamos a afastar-nos da sanidade e não a caminhar em direção a ela; podemos começar a questionar o nosso compromisso com a recuperação; podemos tornar- nos obcecados com pensamentos autodestrutivos; podemos sentir um impulso para escolher aquilo que nos parece mais fácil. Estes são os comportamentos familiares da nossa adicção. Nessas alturas precisamos de renovar o nosso compromisso para com a recuperação. Acreditamos que estamos a viver uma mudança fundamental, embora ainda não possamos compreender todas as suas implicações nas nossas vidas. Por muito doloroso que seja, temos
  • 32. Segundo Passo 25 de mudar. Se acreditarmos que, apesar da dor, existe crescimento, será mais fácil atravessar estes períodos difíceis. Nessas ocasiões, confiar no Segundo Passo devolve-nos a esperança e lembra-nos de que não estamos sozinhos. Se as coisas não estiverem bem, paramos para pensar e procurar as sugestões do nosso padrinho ou madrinha. Acreditamos que, com a ajuda de outros adictos em recuperação e de um Poder Superior a nós mesmos, poderemos ser devolvidos à sanidade em todas as áreas da nossa vida. Baseamo-nos em tudo aquilo que aprendemos nas reuniões e na ajuda que pedimos. Acreditamos que a vida nem sempre será como nós a queremos e que, mais importante ainda, nem sempre iremos compreendê-la. Por vezes, sanidade significa não agirmos de acordo com os nossos primeiros impulsos. Começamos a fazer escolhas que nos ajudam, em vez das que nos magoam. Aquilo que resultou para nós no princípio ainda se aplica, os anos de limpeza não importam e, mais uma vez, voltamos a aplicar-nos nos pontos básicos deste programa: ir a reuniões, ajudar os outros e trabalhar os passos. Embora possamos sentir-nos desesperados, a esperança existe e temos um Poder Superior a nós mesmos sempre ao nosso dispor. Juntamente com a esperança que alcançámos com a prática do Segundo Passo, verificamos que a nossa maneira de pensar está a sofrer uma mudança radical. O mundo inteiro parece diferente. Se no passado não havia motivos para ter esperança, existem agora todas as razões para esperar uma mudança drástica nas nossas vidas. Uma mente aberta permite-nos assimilar ideias novas, desligando-nos do problema, e caminhar em direção a uma solução espiritual.
  • 33. 26 Isto Resulta Esta solução é comprovada pela nossa mente aberta e também pela nossa boa-vontade em acreditar num Poder Superior a nós mesmos. Devemos agora prosseguir para o Terceiro Passo, que nos permitirá desenvolver uma relação com o Deus da nossa concepção.
  • 34. 27 Terceiro Passo "Decidimos entregar a nossa vontade e as nossas vidas aos cuidados de Deus, na forma em que o concebíamos." A rendição que efetuamos no Primeiro Passo, juntamente com a esperança e a fé que encontramos no Segundo Passo, preparam-nos para continuar o caminho que nos conduz em direção à liberdade em Narcóticos Anônimos. No Terceiro Passo pomos em ação a nossa crença num Poder Superior, ao tomarmos a decisão de entregar a nossa vontade e as nossas vidas aos cuidados do Deus da nossa concepção. A nossa boa-vontade é essencial ao trabalharmos o Terceiro Passo, para assim deixarmos que o Deus da nossa concepção entre nas nossas vidas. E só com o tempo que desenvolvemos essa boa-vontade. A boa-vontade que sentimos no início da nossa recuperação é valiosa, apesar de ter alguns limites. Embora nessa altura possa parecer a mais incondicional das boas-vontades, muitos de nós descobrem que ela vai crescendo à medida que aprendemos a confiar num Poder Superior a nós mesmos. A decisão que tomamos no Terceiro Passo requer que abandonemos as nossas atitudes de vontade própria. Esta vontade própria é caracterizada por uma mente fechada, má vontade, egocentrismo e um desprezo total pelos outros. A nossa obsessão egocêntrica e a insanidade que a acompanha tornaram as nossas vidas desgovernadas; ao agirmos em vontade própria, ficámos presos num ciclo vicioso de medo e de dor.
  • 35. Terceiro Passo 28 Cansados das tentativas infrutíferas para controlar tudo e todos, não deixávamos que a vida corresse por si e estávamos sempre à procura de maneiras de forçar as coisas a serem como nós queríamos. Quando encaramos pela primeira vez a decisão que é preciso tomar neste passo, é natural que tenhamos perguntas, incertezas e até receios, quanto ao que nos pedem para fazer. Podemos ter curiosidade em saber porque é que temos de tomar a decisão de entregar a nossa vontade e as nossas vidas aos cuidados do Deus da nossa concepção. Ou podemos imaginar o que é que irá acontecer conosco se nos colocarmos sob os cuidados de Deus. Podemos recear não vir a ser felizes com o que as nossas vidas possam tornar-se depois de trabalharmos este passo. Apesar dos nossos receios ou incertezas, quando acreditamos que a ação conduz ao crescimento, estamos aptos a praticar o Terceiro Passo. Mesmo se, à medida que formos trabalhando este passo, não soubermos de que modo é que as nossas vidas irão mudar, podemos aprender a acreditar que o nosso Poder Superior cuidará de nós melhor do que nós próprios o faríamos. O Terceiro Passo é, pois, o nosso compromisso com o nosso próprio bem-estar emocional, físico e espiritual. Aquilo que começou no Segundo Passo como uma crença num Poder Superior, pode tornar-se, neste Terceiro Passo, numa relação mais completa com o Deus da nossa concepção. A decisão que tomamos ao trabalhar este passo, e a relação que daí advém, prometem transformar profundamente a nossa existência. Esta decisão é mais fácil de tomar do que de viver. Podemos facilmente recair em velhos comportamentos. Para mudar é necessário
  • 36. 29 Isto Resulta determinação, tempo e coragem. Como não somos perfeitos, continuamos muito simplesmente a reafirmar a nossa decisão com regularidade, fazendo o melhor que pudermos para viver de acordo com ela. A entrega completa e incondicional da nossa vontade e das nossas vidas é um ideal que nos propomos a realizar. Embora não nos tornemos perfeitos, acabamos por alcançar uma mudança profunda ao praticar este passo. Estamos a fazer um esforço sério para viver de uma forma diferente do passado. De agora em diante vamos praticar esta decisão, o que poderá alterar radicalmente o modo como nos relacionamos com o mundo à nossa volta. Ao trabalharmos o Terceiro Passo, começamos a aprender a parar de lutar. Aprendemos então a entregar e a confiar no Deus da nossa concepção. Se pararmos para pensar e para pedir ajuda antes de agir, não mais teremos de seguir a nossa vontade egocêntrica. A entrega da nossa vontade e das nossas vidas aos cuidados do nosso Poder Superior oferece uma solução para os problemas criados por uma vida baseada em vontade própria, ressentimento e controle. Os princípios espirituais que estamos a praticar vão guiar-nos no Terceiro Passo, assim como ao longo da nossa recuperação. Os primeiros três passos estabelecem a base espiritual sólida de que iremos necessitar para trabalhar os restantes passos. A nossa rendição inicial é mantida viva através da prática da fé e da boa-vontade, tão necessárias para se trabalhar o Terceiro Passo. Por outras palavras, admitimos a nossa impotência e a nossa incapacidade para lidar com as nossas vidas. Viemos a acreditar, e agora precisamos de nos entregar aos cuidados do Deus da nossa concepção. Se nos lembrarmos de onde viemos e acreditarmos que o nosso futuro será agora muito
  • 37. Terceiro Passo 30 diferente, podemos encontrar a boa-vontade para trabalhar o Terceiro Passo. Embora não saibamos ao certo qual será essa "diferença", sabemos que será certamente melhor do que no nosso passado. Confiamos na nossa fé e acreditamos que esta decisão é uma das melhores que alguma vez tomámos. Entregar a nossa vontade e as nossas vidas aos cuidados do Deus da nossa concepção constitui uma tremenda decisão. É, pois, natural que nos interroguemos quanto à forma como é suposto pôr em prática esta decisão. Dado que variam as nossas convicções num Poder Superior a nós mesmos, não existe uma maneira exclusiva de pôr a nossa decisão em prática. Mesmo assim, encontrámos algumas formas que todos nós podemos utilizar para chegar a uma compreensão pessoal do Terceiro Passo. Ou seja: prosseguirmos os nossos esforços para desenvolver uma relação pessoal com um Deus da nossa concepção; desistirmos dos nossos esforços para controlar tudo à nossa volta; deixarmos de tentar controlar as dificuldades que têm pesado sobre nós e entregarmo-las aos cuidados de um Poder Superior. Ou então, outra forma de praticarmos a nossa decisão do Terceiro Passo é avançarmos na nossa recuperação trabalhando os restantes passos. O nosso padrinho ou madrinha irá guiar-nos na aplicação dos princípios espirituais da recuperação, mostrando-nos como desviar a nossa atenção do egoísmo e dirigi-la para uma vida espiritualmente centrada. À medida que nos preparamos para tomar esta decisão, falamos com o nosso padrinho ou madrinha, vamos a reuniões de passos, e aproveitamos para partilhar com outros membros de NA. Reunimos todos os conhecimentos, perspectivas e experiências que conseguimos destas fontes. Tomamos então a
  • 38. 31 Isto Resulta nossa própria decisão. Ninguém pode fazê-lo por nós - vamos ter de decidir isso conscientemente por nós próprios. Claro que não é uma decisão que seja tomada só com o intelecto. Na verdade, é uma escolha feita com o coração, uma decisão baseada muito mais no sentimento e no desejo, do que num raciocínio deliberado. Apesar de poder parecer difícil o caminho que vai da mente ao coração, trabalharmos este passo com o nosso padrinho ou madrinha ajudará a que esta decisão se torne uma parte de nós próprios. A procura de um Deus da nossa concepção constitui um dos trabalhos mais importantes que iremos empreender em recuperação. Temos inteira liberdade e escolha pessoal para escolher a forma como entendemos o nosso Poder Superior. Cada um de nós pode encontrar o seu próprio Poder Superior, que faz por nós aquilo que nós não conseguimos fazer sozinhos. E como somos impotentes perante a nossa adicção, precisamos da ajuda de um Poder Superior a nós mesmos. Tal como é ilimitada a nossa liberdade para ter um Deus da nossa própria concepção, assim também o é a nossa liberdade para comunicar com o nosso Poder Superior, da forma que melhor resultar para nós. Sempre que comunicarmos com o nosso Poder Superior, seja simplesmente através dos nossos pensamentos ou em voz alta no fecho de uma reunião, estamos a rezar. A maioria de nós pede diariamente orientação ao seu Poder Superior. A nossa relação com um Poder Superior fortalece-se sempre que praticamos a fé. A nossa experiência diz que falar com um Poder Superior a nós mesmos resulta. Quando estivermos a ter problemas numa determinada área da nossa vida, quando nos sentirmos incapazes de permanecer limpos, o nosso Poder Superior pode ajudar. Basta-
  • 39. Terceiro Passo 32 nos pedir. Através das nossas orações pedimos a um Poder Superior a nós mesmos que cuide de nós. Cada vez que o fizermos fortalecemos a nossa fé e também a nossa decisão de confiar nesse Poder. O Terceiro Passo não evita que tenhamos de agir; apenas nos liberta da excessiva preocupação com os resultados. Se quisermos algo - um emprego, um curso, recuperação - temos de nos esforçar para o conseguir. O nosso Poder Superior cuidará das necessidades espirituais, mas nós temos de participar nas nossas próprias vidas. Não podemos simplesmente cruzar os braços e ficar à espera que Deus trate de tudo. Somos responsáveis pela nossa recuperação. A nossa vida é para ser vivida. Por muito sinceros que sejam os nossos esforços para "entregar as coisas", iremos cometer erros, desviar-nos do caminho e atravessar momentos de dúvida. No entanto, cada revés é acompanhado de uma nova oportunidade para renovarmos o nosso compromisso de viver segundo princípios espirituais. Parte deste processo de entrega à vontade de Deus está na nossa própria entrega a princípios espirituais como a honestidade, a mente aberta, a boa-vontade, a confiança e a fé. Tentamos compatibilizar as nossas ações com aquilo que acreditamos que seria o desejo do nosso Poder Superior para nós. Estaremos então a lidar com a vida conforme ela se vai desenrolando. Podemos hesitar em aplicar o Terceiro Passo em todas as áreas da nossa vida, especialmente em assuntos que queiramos controlar. A nossa experiência mostra-nos que temos tendência para nos agarrar a determinadas áreas. É provável que tenhamos pensamentos do género, "Eu consigo controlar bem as minhas finanças.", ou, "Se a minha relação funciona, porque é que preciso de a entregar aos cuidados do meu Poder Superior?" Aplicar o
  • 40. 33 Isto Resulta Terceiro Passo apenas em certas áreas da nossa vida afeta negativamente o nosso desenvolvimento espiritual. Já vimos que a nossa recuperação beneficia quando praticamos o princípio da entrega, o melhor que pudermos, em todas as áreas das nossas vidas. Esforcemo-nos, pois, por praticar este passo minuciosamente. Começamos assim a vislumbrar resultados positivos da decisão que tomámos e a notar mudanças. Embora as circunstâncias das nossas vidas possam não mudar, a forma como lidamos com essas circunstâncias muda bastante. Como tomámos a decisão de permitir que princípios espirituais se apliquem nas nossas vidas, podemos sentir-nos aliviados. Aliás, já estamos a ser aliviados de um fardo que carregámos durante demasiado tempo: a necessidade de controlar tudo e todos. Começamos a reagir de modo diferente às situações e às pessoas que nos rodeiam. À medida que vamos sentindo mais aceitação, deixamos de lutar contra a vida tal como ela é. Ao nos esforçarmos por manter e construir algo, a partir da nossa rendição, conseguimos viver melhor e gozar cada momento da vida. Para alguns de nós a decisão de entregar a nossa vontade e as nossas vidas aos cuidados do Deus da nossa concepção constitui um processo, não algo que acontece de repente. Contudo, ao tomarmos essa decisão, comprometemo-nos a praticar este passo nas nossas vidas. Quando nos sentimos tentados a manipular uma dada situação, lembramo- nos desta decisão e entregamos. Quando nos apercebemos de que estamos a tentar controlar algo ou alguém, paramos e pedimos antes a um Deus amantíssimo que nos ajude a praticar este passo. Não é fácil renunciar ao controle, mas com ajuda podemos fazê-lo. Com a orientação do nosso
  • 41. Terceiro Passo 34 padrinho ou madrinha, e com uma prática diária, iremos decerto aprender a afastar os nossos egos do caminho, permitindo que o nosso Poder Superior possa entrar nas nossas vidas. Cada vez que sentirmos receio de uma situação, podemos virar- nos para este passo e encontrar a forma de ultrapassar esse receio sem recorrer aos nossos velhos hábitos. A recuperação não nos livra de viver situações dolorosas. Em certos momentos da nossa vida podemos ter de chorar a morte de alguém querido, ou ter de lidar com o fim de uma relação. Quando isso acontece, sentimo-nos magoados e não há nenhuma dose de consciência espiritual que remova a nossa dor. No entanto, descobrimos que a presença de um Poder Superior amantíssimo, que se preocupa conosco, irá ajudar-nos a atravessar a dor limpos. Podemos descobrir que somos capazes de sentir a presença do nosso Poder Superior no grupo, nos nossos amigos, e ao falarmos com o nosso padrinho ou madrinha. Ao escutarmos esse Poder começamos a acreditar e a confiar nele. Podemos então deixar de questionar porque é que acontecem coisas dolorosas e a acreditar que atravessar momentos difíceis nas nossas vidas pode fortalecer a nossa recuperação. Apesar da nossa dor, ou talvez como reação a ela, podemos crescer. A recuperação é um processo de descoberta. Aprendemos acerca de nós próprios e aprendemos a lidar com o mundo à nossa volta. Quando somos sinceros no nosso desejo de permitir que o nosso Poder Superior cuide de nós, começamos a ganhar uma sensação de serenidade. Verificamos uma mudança gradual na nossa maneira de pensar. As nossas atitudes e ideias tornam-se mais positivas. O nosso mundo deixa de ser distorcido pela autopiedade, pela negação e pelo ressentimento.
  • 42. 35 Isto Resulta Estamos a começar a substituir essas velhas atitudes pela honestidade, pela fé e pela responsabilidade. Como resultado disso, começamos a ver o mundo sob uma luz melhor. As nossas vidas são guiadas por uma integridade que começa a emergir. Embora cometamos erros, estamos mais dispostos a assumir a responsabilidade pelas nossas ações. Aprendemos que não precisamos de ser perfeitos para viver uma vida espiritual. Quando trabalhamos o Terceiro Passo, com uma mente e um coração abertos, constatamos que os resultados vão muito além das nossas expectativas. À medida que vamos experimentando este novo modo de vida, começamos a compreender o valor inestimável da recuperação. Aprendemos a confiar. Sempre que o fazemos, abrimos as portas a amizades íntimas e desenvolvemos novas relações. No início só nos concentrávamos em não usar, mas agora podemos apreciar as muitas coisas que tornam as nossas vidas tão preciosas. Saboreamos o riso e a alegria, que há com tanta abundância nas nossas reuniões. À medida que a recuperação se torna mais fulcral nas nossas vidas, e que interiorizamos os princípios incorporados nos passos, a nossa visão do mundo modifica-se profundamente. E quando aumenta a nossa consciência, aumentam também o nosso reconhecimento e a nossa fé no nosso Poder Superior. Se pararmos para refletir sobre as nossas vidas nesta fase da nossa recuperação, veremos que experimentámos um enorme crescimento pessoal. E o alívio que sentimos como resultado da prática dos primeiros três passos é apenas um vislumbre do crescimento que podemos experimentar através da prática dos Doze Passos. O papel do Terceiro Passo alarga-se nas nossas vidas à medida que continuamos a trabalhar
  • 43. Terceiro Passo 36 os restantes passos. O 11o Passo pede que rezemos pelo conhecimento da vontade de Deus para nós e também pelas forças para que a possamos realizar. O Terceiro Passo inicia este processo; é com ele que começamos a procurar a vontade de Deus para nós. A passagem de uma vida egoísta para uma vida baseada em princípios espirituais exige-nos uma mudança profunda. Com a ajuda de um Deus amantíssimo estamos prontos para prosseguir o nosso caminho. Este é um programa de doze passos, e não de apenas três. A decisão que tomámos no Terceiro Passo talvez constitua a decisão mais significativa que alguma vez tomaremos nas nossas vidas, mas precisamos de trabalhar o resto dos passos para que se mantenha o seu significado. Há mais para fazer. Descobrimos que o caminho espiritual aberto pelos Doze Passos é a única forma de recuperar em Narcóticos Anônimos. Ao pormos em prática o nosso compromisso de recuperar, trabalhamos o Quarto Passo.
  • 44. 37 Quarto Passo "Fizemos um minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos." Ao trabalharmos os primeiros três passos criámos uma base sólida para a nossa recuperação. No entanto, não conseguiremos manter a nossa adicção ativa sob controle se nada mais construirmos a partir dessa base. Enquanto trabalhávamos o Terceiro Passo, muitos de nós ficaram surpreendidos: "Como é que podemos ter a certeza de estar a entregar a nossa vontade e as nossas vidas aos cuidados de Deus?" À resposta é simples: trabalhando os restantes passos, seguindo para o Quarto Passo. A maioria de nós já perguntou, "Mas porque é que temos de fazer o Quarto Passo?" Afinal, temo- nos mantido limpos até agora! A resposta volta a ser simples: alguns de nós ainda são tomados por uma tendência obsessiva para usar drogas. Outros descobrem que têm sentimentos que podem ser mais subtis; uma sensação perturbante de que algo está errado; uma sensação de perigo iminente; sentimentos de medo e de raiva sem justificação aparente. Muitos até podem pensar que estão muito bem, que não precisam de fazer um Quarto Passo. A nossa experiência coletiva tem demonstrado que os adictos em recuperação que não trabalham este passo crucial podem, mais cedo ou mais tarde, recair. Para muitos de nós, a motivação para trabalhar o Quarto Passo é bastante simples: estamos a praticar um programa de recuperação e queremos seguir em frente. Como a nossa doença envolve muito mais fatores do que apenas o óbvio uso de
  • 45. 38 Isto Resulta drogas, a recuperação implica também algo mais do que apenas a permanente abstinência de drogas. A solução para o nosso problema é constituída por uma profunda mudança na nossa maneira de pensar e no nosso comportamento. Precisamos de mudara forma como vemos o mundo, o papel que nele desempenhamos, e as nossas atitudes. Acaba por não ter grande importância saber se a nossa motivação está no desejo de nos afastarmos da nossa adicção, ou antes no desejo de caminharmos em direção à recuperação. O Quarto Passo constitui um ponto de viragem no nosso percurso em recuperação. É um momento de reflexão pessoal. Vai diminuindo a confusão que tentámos disfarçar com as drogas e as próprias ilusões que fomos criando. Estamos a iniciar um caminho que conduz a uma melhor compreensão de nós próprios, dos nossos sentimentos, dos nossos medos e ressentimentos, enfim, dos padrões de comportamento que constituem as nossas vidas. Podemos ficar assustados perante a perspectiva de olhar minuciosamente para nós próprios. Não nos conhecemos assim tão bem a nós mesmos. Talvez nem tenhamos a certeza de nos querermos conhecer. O nosso medo do desconhecido pode nestes momentos parecer arrasador, mas se nos lembrarmos da nossa fé e da confiança que temos no nosso Poder Superior, esse medo pode ser ultrapassado. Acreditamos que parte da vontade do que Deus deseja para nós inclui também trabalhar os passos. Acreditamos que trabalhar o Quarto Passo terá como resultado final um contínuo sanar dos nossos espíritos. É por isso que seguimos em frente. Os princípios de recuperação que já começámos a praticar tornam-se vitais para trabalhar
  • 46. Quarto Passo 39 o Quarto Passo. A honesta aceitação da nossa adicção, feita no Primeiro Passo, irá ajudar-nos a ser honestos noutras áreas da nossa vida. Desenvolvemos também um nível de confiança e de fé num Poder Superior a nós mesmos, o que fez acender uma esperança que sentimos aumentar em cada dia de limpeza. A nossa boa-vontade abriu o caminho à recuperação, trazendo-nos ainda a coragem necessária para trabalhar o Quarto Passo através da vivência desses princípios. A honestidade é fundamental para este passo. Devemos acabar com a nossa vida de mentira. Se pararmos e sossegarmos a mente, será mais fácil entrar em contato com a verdade. Se nos sentarmos, dispostos a pôr no papel, sem reservas, aquilo que sabemos hoje ser a verdade, será mais fácil ainda. Dizer a verdade constitui um ato de coragem. Com a nossa fé e confiança no Deus da nossa concepção, encontraremos as forças necessárias para sermos minuciosos e destemidos. Com essa nossa coragem, vamos ser capazes de escrever tudo aquilo que julgávamos impossível contar. O que significa "fazer um minucioso e destemido inventário moral"? O que isto significa é "avaliar as nossas qualidades e os nossos defeitos", ou seja, tentarmos chegar ao fundo de quem somos para que possamos expor as mentiras que construímos sobre nós próprios. Durante anos tornámo-nos naquilo em que tínhamos de nos tornar para conseguir sobreviver à nossa adicção. Depois de vivermos uma vida inteira na mentira, começámos mesmo a acreditar nessas mentiras. Embora já tenhamos encontrado algumas verdades valiosas no Primeiro Passo, o Quarto Passo separa ainda mais a fantasia da realidade. Podemos começar a deixar de ser as pessoas que inventámos, pois encontrámos a liberdade de ser quem somos.
  • 47. 40 Isto Resulta Se a palavra "moral" nos incomodar, falar com o padrinho ou madrinha poderá aliviar o nosso desconforto. Fazer um inventário moral não significa condenarmo-nos a nós mesmos. Na realidade, todo este processo de fazer um inventário transforma-se num dos maiores atos de amor para com nós próprios. Basta olharmos para os nossos instintos, desejos, motivações, tendências e rotinas compulsivas, que nos mantiveram presos na nossa adicção. Não importa há quantos anos ou dias estamos limpos, pois não deixamos de ser humanos e sujeitos a ter defeitos e fraquezas. Um inventário permite-nos observar a nossa natureza fundamental, com os seus defeitos e qualidades. Olhamos, pois, para as nossas imperfeições, mas também para as nossas esperanças, os nossos sonhos e aspirações, e tentamos perceber como é que nos desencaminhamos. O Quarto Passo é um grande passo em frente na recuperação. Alguns de nós poderão querer escrever o inventário todo de uma vez; outros escrevem um pouco cada dia. Sempre que nos sentarmos para escrever, pedimos ao nosso Poder Superior a coragem e a honestidade tão necessárias para sermos minuciosos e revelarmos aquilo que procuramos. Na maioria dos casos ficamos aliviados ao descobrir que basta começar para vermos como as palavras parecem fluir naturalmente. E não precisamos de nos preocupar com aquilo que estamos a escrever; o nosso Poder Superior não nos revelará mais do que aquilo com que conseguiremos lidar. A maioria de nós não tem grande experiência no tipo de autoavaliação que estamos prestes a fazer. E por isso que devemos procurar o auxílio do nosso padrinho ou madrinha, que poderá sugerir um formato ou uma orientação geral para seguirmos, ou então alguns tópicos ou assuntos em que nos
  • 48. Quarto Passo 41 concentremos. O padrinho ou a madrinha poderá não só guiar-nos no inventário propriamente dito como, também, encorajar-nos, lembrar-nos de rezar, enfim, dar-nos todo o apoio emocional ao longo deste processo. Muitas vezes fortalecemos a relação com o padrinho ou madrinha ao confiarmos na sua experiência nesta fase da nossa recuperação. Uma ação consistente é muitíssimo importante para o nosso Quarto Passo. Não podemos dar-nos ao luxo de adiar escrever o nosso inventário. Depois de começado, precisamos de o levar até ao fim. Se tivermos tendência para "deixar para mais tarde", poderá ser boa ideia reservarmos um período do dia para o escrever. Tal rotina irá tornar o inventário uma prioridade na nossa vida. Se pusermos o nosso Quarto Passo de lado assim que o tivermos iniciado, arriscamo-nos a nunca mais pegar nele. No nosso inventário devemos ser meticulosos e pormenorizados. Teremos, por isso, de examinar sistematicamente todos os aspectos da nossa vida. Começamos a ver e a compreender a verdade acerca de nós próprios, os nossos motivos e os nossos padrões de comportamento. E importante analisar mais do que uma dimensão da nossa experiência. O que é que nos motivou para agir assim? Que repercussões teve o nosso comportamento na nossa vida? Como é que afetamos aqueles que nos rodeavam? De que modo é que magoámos os outros? Como é que nos sentimos com as nossas ações? E as reações dos outros? Estes são apenas alguns dos pontos em que focamos os nossos inventários, mas sabemos que estas e outras questões parecidas constituem áreas essenciais que devem ser examinadas.
  • 49. 42 Isto Resulta No Quarto Passo é importante que olhemos com bastante atenção para o medo e a forma como ele afetou a nossa vida. A nossa experiência diz que o medo egocêntrico está na base da nossa doença. Muitos de nós fingiram não ter medo quando, no fundo, estávamos aterrorizados. O medo leva-nos a agir irrefletidamente, tentando, ainda assim, protegermo-nos a nós próprios. Aliás, os nossos medos muitas vezes paralisaram-nos completamente. Como temíamos o futuro, recorríamos a esquemas e a manipulações. Adoptámos atitudes radicais só para tentar evitar aquilo que julgávamos ser uma possível perda, um desastre, uma falta constante daquilo de que necessitávamos. No passado não tínhamos a menor fé num Poder Superior que pudesse cuidar de nós. Tentámos, por isso, controlar a nossa vida e tudo aquilo à nossa volta. Usámos pessoas, manipulámos, mentimos, arquitetamos esquemas, planeámos, roubámos, aldrabámos, e depois mentimos ainda mais para encobrir os nossos esquemas e manipulações. Sentíamos inveja, ciúme, profundas e dolorosas inseguranças. Estávamos sós, íamos afastando aqueles que se preocupavam conosco e usávamos mais drogas, tentando disfarçar os nossos sentimentos. Quanto mais sozinhos nos sentíamos, mais tentávamos controlar tudo e todos. Sofríamos quando as coisas não corriam como queríamos, mas o nosso desejo de poder e de controle era tão forte que não conseguíamos ver quão inútil era esse nosso esforço para controlar os acontecimentos. Temos agora nas nossas vidas uma fé num Deus amantíssimo, cuja vontade para nós é melhor do que tudo aquilo que conseguiríamos obter através do controle e da manipulação. Já não precisamos de ter receio do que nos possa acontecer.
  • 50. Quarto Passo 43 Nos nossos inventários também avaliamos os efeitos emocionais da nossa adicção. Alguns de nós tornaram-se tão hábeis a cobrir sentimentos com drogas ou quaisquer outras distrações que só depois de chegarmos à primeira reunião é que descobrimos que havíamos perdido o contato com as nossas próprias emoções. Em recuperação aprendemos a identificar aquilo que estamos a sentir. É importante darmos um nome aos nossos sentimentos, pois assim poderemos começar a lidar com eles. Em vez de entrarmos em pânico, podemos dizer especificamente como estamos a sentir-nos. Abandonamos a nossa forma limitada de identificar os sentimentos como "bons" ou "maus", com poucas classificações intermédias. Convém fazermos uma lista dos nossos ressentimentos que costumam dificultar-nos a recuperação. Não podemos obcecar-nos pelo ódio contra terceiros. Olhamos para as instituições que nos possam ter afetado: as famílias, as escolas, os patrões, a religião organizada, a justiça ou as prisões. Fazemos então uma lista das pessoas, dos lugares, dos valores sociais, das instituições e das situações contra os quais sentimos raiva. Examinamos não só as circunstâncias que envolvem estes ressentimentos como, também, o papel que desempenhámos neles. O que é que em nós foi tão ameaçado que nos fez atravessar um sofrimento emocional tão profundo? Iremos constatar igualmente que as mesmas áreas das nossas vidas foram repetidamente afetadas. Observamos também as relações, em especial as familiares. Não fazemos isto para culpar quem quer que seja pela nossa adicção. Sabemos que estamos a escrever um inventário de nós próprios e não dos outros. Escrevemos sobre como nos sentimos em relação à nossa família e a forma como agimos sobre os nossos sentimentos. Na maioria dos
  • 51. 44 Isto Resulta casos veremos que os padrões de comportamento cedo estabelecidos na nossa vida são aqueles que mantivemos até ao presente. Alguns desses padrões foram úteis para nós, outros não. Através do inventário procuramos os padrões que queremos manter e aqueles que queremos modificar. E muito importante escrevermos sobre as nossas relações. Devemos dar especial atenção às nossas amizades. Se encobrimos as amizades platónicas para nos concentrarmos apenas nas relações amorosas, o nosso inventário ficará incompleto. Muitos de nós chegaram a NA sem nunca terem tido uma amizade duradoura. Os nossos conflitos internos foram o verdadeiro motivo para as discussões que tivemos com os amigos e, portanto, para a nossa recusa em lidar com as diferenças e tentar, assim, manter as amizades. Alguns de nós sentiram que uma relação mais próxima equivalia a sermos maltratados. Assim, e para evitar que algo acontecesse, éramos nós próprios a provocar o fim da relação. Outros recearam de tal modo a intimidade que nunca revelámos nada de nós. Ou então talvez tenhamos convencido outros que eram eles os culpados disto ou daquilo, como forma de garantirmos a sua lealdade, ou utilizado outras formas de chantagem emocional. Se os nossos amigos tivessem outras pessoas nas suas vidas, os nossos ciúmes e inseguranças tornavam necessário remover essa "ameaça". O nosso comportamento variava, desde tornarmos os nossos amigos reféns, até tomarmos a sua amizade como garantida. Podemos, aliás, encontrar vários momentos em que os sacrificámos em troca de relações amorosas. Iremos provavelmente descobrir conflitos e comportamentos semelhantes nessas relações amorosas; encontraremos as mesmas dificuldades em confiar, a recusa em sermos vulneráveis, e talvez
  • 52. Quarto Passo 45 o padrão constante de sermos incapazes de assumir compromissos. A medida que formos escrevendo, iremos por certo descobrir em cada relação o medo da intimidade. Ou verificar que nunca compreendemos a diferença entre intimidade e sexo. Quer tenhamos fugido de relações íntimas devido ao medo, ou porque fomos magoados vez após vez, aquilo que procuramos são os traços comuns, aqueles que surgem em todas as nossas relações. Podemos até concluir que as nossas ideias sobre sexo provocaram problemas nas relações que mantínhamos. Podemos ter-nos contentado com sexo quando na verdade o que queríamos era amor. Também podemos ter utilizado o sexo para conseguir os nossos objetivos. Podemos ter acreditado que, através do sexo, poderíamos obter o compromisso de um parceiro relutante. Convém perguntarmos a nós próprios se tivemos um comportamento sexual baseado no egoísmo ou no amor. O sexo pode ser utilizado para preencher o vazio espiritual que sentíamos. Alguns de nós sentem vergonha das nossas práticas sexuais. Depois de anos a agirmos compulsivamente sobre os nossos medos e com ideias erradas sobre sexo, queremos agora ficar em paz com a nossa própria sexualidade. Este tópico é muito desconfortável para a maioria de nós. Contudo, se queremos algo diferente daquilo que temos tido, torna-se necessário iniciar o processo de mudança. E nada melhor do que escrevermos sobre isso. Alguns de nós sofreram abusos. Podemos ter sido vítimas de incesto ou de violação. Muitos tiveram uma infância horrível, cheia de privações e de negligência. Experiências destas podem fazer com que inflijamos a outras pessoas o mesmo abuso. Outros de nós podem ter-se prostituído ou vivido outras formas de degradação, pois sentíamos que
  • 53. 46 Isto Resulta não merecíamos melhor. Embora doloroso e triste, o passado não pode ser alterado. No entanto, as ideias deturpadas que desenvolvemos acerca de nós próprios e dos outros podem ser mudadas com a ajuda do nosso Poder Superior. Escrever sobre estas questões serve para nos libertarmos dos nossos segredos mais dolorosos e seguirmos em frente na nossa vida. Não precisamos de ser eternas vítimas do nosso passado. Para experimentar a serenidade, precisamos de alterar os padrões autodestrutivos que têm prevalecido nas nossas vidas. O Quarto Passo vai ajudar-nos a identificar esses padrões. Começamos a descobrir como é que temos sido manipulados pela vida e como, talvez inconscientemente, planeámos a nossa própria miséria, ao fazermos escolhas que conduziram ao desgoverno das nossas existências. A maioria de nós culpa várias pessoas pelas consequências que temos sofrido devido à nossa adicção. Ou seja, não queremos aceitar o impacto negativo da nossa adicção, pelo qual apenas nós éramos responsáveis. Alguns de nós cometeram crimes e depois queixámo-nos das consequências. Outros foram irresponsáveis no emprego, mas protestávamos em voz alta quando éramos responsabilizados. E rapidamente batíamos em retirada sempre que nos víamos confrontados pela vida. Os nossos inventários vão ajudar-nos a identificar a nossa responsabilidade pelas ações cometidas e a detectar as circunstâncias em que tentávamos culpar os outros. O folheto "O Quarto Passo em Narcóticos Anônimos" poderá apontar outros caminhos a explorar.
  • 54. Quarto Passo 47 A qualidade da nossa vida depende, em muito, do resultado das decisões que tomamos. Enquanto escrevemos o nosso inventário, procuramos identificar as circunstâncias em que tomámos decisões que nos magoaram, bem como os momentos em que as decisões resultaram. Escrevemos também sobre as ocasiões em que as nossas vidas pecaram por defeito, ao recusarmos fazer qualquer escolha. As situações em que fomos adiando até deixar as oportunidades passar, os momentos em que abandonámos todas as responsabilidades, e aqueles em que nos isolámos e nos recusámos a participar na vida, tudo isto é matéria para constar do inventário. Quase todos nós alimentámos esperanças e sonhos em determinada fase da vida, mas abandonámos tudo para seguir a nossa adicção. No nosso inventário tentamos ainda evocar os nossos sonhos perdidos e ver como é que as nossas escolhas destruíram as hipóteses de esses sonhos se tornarem realidade. E perguntamos a nós mesmos quando é que deixámos de acreditar em nós próprios e também nos outros. Através deste processo os nossos sonhos perdidos poderão voltar a acordar. Procuramos mais fundo só para descobrirmos o modo como vivíamos em conflito com os nossos próprios valores morais. Se achávamos errado roubar, e mesmo assim roubávamos aquilo que pudéssemos, o que é que fazíamos para calar a nossa angústia? Se acreditávamos na monogamia, mas éramos infiéis nas nossas relações, o que é que fazíamos para conseguir viver com os nossos princípios comprometidos? De certeza que usávamos mais drogas. E para além disso? Observamos a maneira como nos sentíamos quando virávamos as costas às nossas convicções mais profundas. Através deste
  • 55. 48 Isto Resulta processo descobrimos os nossos valores perdidos, podendo, enfim, começar a reconstruí-los. No nosso inventário devemos também dar atenção às nossas qualidades. Como a maioria de nós está pouco habituada a procurar as suas virtudes, poderemos ter algumas dificuldades nesta área. Se examinarmos o nosso comportamento com uma mente aberta, iremos por certo encontrar situações em que não desistimos apesar dos obstáculos. Ou momentos em que demonstrámos preocupação pelos outros, ou até momentos em que o nosso espírito levou a melhor sobre a nossa adicção. A medida que procuramos as qualidades do nosso carácter, começamos a descobrir o espírito puro e cheio de amor que permanece no centro do nosso ser. Começamos a definir os nossos valores. Aprendemos aquilo que podemos fazer e, mais importante ainda, o que não podemos fazer, se quisermos saborear uma vida produtiva e compensadora. Aquilo que fizemos durante a nossa adicção ativa não irá resultar agora em recuperação. O Quarto Passo permite-nos traçar um novo caminho para a nossa vida. O Quarto Passo dá-nos uma visão inicial de tudo aquilo que necessitamos para crescer. Quer seja o nosso primeiro ou o nosso vigésimo inventário, estamos sempre a iniciar um processo que nos leva da confusão à clareza, e que nos conduz do ressentimento ao perdão, da prisão à liberdade espiritual. Podemos voltar a repetir este processo vez após vez. Quando estamos confusos, com raiva, com problemas que parecem não desaparecer, temos no inventário uma boa forma de fazer um balanço da nossa recuperação. Depois de escrevermos alguns inventários, poderemos constatar que o nosso primeiro Quarto Passo apenas raspou a superfície. À medida que diferentes atitudes e comportamentos se
  • 56. Quarto Passo 49 vão tornando evidentes ao longo da nossa recuperação, iremos querer renovar o processo de mudança, voltando a escrever um Quarto Passo. Os passos são instrumentos que utilizamos e voltamos a utilizar no nosso caminho espiritual. Ao longo da nossa recuperação, Deus irá revelar-nos ainda mais, conforme formos ganhando a maturidade e a força espiritual para o compreender. Com o tempo também nos será revelada a natureza das tarefas que temos de realizar. Ao prosseguirmos na recuperação, começamos a resolver alguns dos conflitos básicos que contribuíram para a nossa adicção. Começa a desaparecer a dor das feridas antigas, o que nos permite viver o presente com maior intensidade. O Quarto Passo permite-nos também identificar padrões, comportamentos e convicções que nos mostram a natureza exata das nossas falhas. Escrevemos um inventário de nós mesmos, que nos revela aquilo que, com a ajuda de Deus, podemos modificar. Para prosseguirmos o processo de mudança continuamos em frente, fazendo as nossas admissões no Quinto Passo.
  • 57. 50 Quinto Passo "Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano a natureza exata das nossas falhas." Agora que terminámos o nosso inventário escrito, é essencial que o partilhemos imediatamente. Quanto mais depressa fizermos o nosso Quinto Passo, mais fortes serão os alicerces da nossa recuperação. Estes alicerces são construídos sobre princípios espirituais como a entrega, a honestidade, a confiança, a fé, a boa-vontade e a coragem. Cada passo em frente na nossa recuperação fortalece o nosso compromisso com estes princípios. Este compromisso com a recuperação é reafirmado ao fazermos de imediato um Quinto Passo. Apesar do nosso desejo de recuperar, podemos sentir medo nesta fase. O que é muito natural. Afinal, estamos prestes a confrontar-nos com a natureza exata das nossas falhas e vamos admitir, com sinceridade, os nossos segredos a Deus, a nós próprios e a outro ser humano. Se deixarmos que os nossos sentimentos de vergonha ou os medos de mudança e de rejeição impeçam o nosso progresso, os nossos problemas vão acumular-se. Se deixarmos de avançar na nossa recuperação, se deixarmos de empenhar nela todos os esforços, estaremos a ceder à doença da adicção. Se quisermos efetuar algumas mudanças drásticas no nosso modo de vida, deveremos ultrapassar os nossos medos e fazer o Quinto Passo. Ganhamos coragem e avançamos. O nosso padrinho ou madrinha poderá sossegar-nos, lembrando-nos de que não precisamos de enfrentar sozinhos os nossos
  • 58. Quinto Passo 51 sentimentos. Trabalhar este passo com o apoio do nosso padrinho ou madrinha e de um Deus amantíssimo é uma maneira de pormos em prática a nossa decisão de deixar que Deus cuide da nossa vontade e das nossas vidas. Essa decisão, tal como a maioria das decisões que tomamos, deverá ser seguida de ação. Se seguirmos a nossa decisão do Terceiro Passo pondo ação no Quarto e no Quinto Passo, chegaremos a uma relação mais estreita com o nosso Poder Superior. O nosso entendimento dos princípios espirituais que praticámos nos primeiros passos será aprofundado através do Quinto Passo. Experimentamos a honestidade ao fazermos uma admissão, tal como no Primeiro Passo, mas agora vamos senti-la a um nível mais profundo. A admissão que estamos prestes a fazer no Quinto Passo é de especial importância. Abrimo-nos e contamos a verdade sobre nós próprios. Ao ouvirmos essa admissão sair das nossas bocas, quebramos assim o padrão de negação que alimentámos durante tanto tempo. Descobrimos também novos níveis de honestidade. Mais importante ainda, descobrimos a honestidade para com nós próprios, ao olharmos de frente os resultados da nossa adicção e a realidade das nossas vidas. Os riscos que corremos neste passo aumentam a nossa confiança em Deus e alimentam a fé e a esperança que sentimos pela primeira vez no Segundo Passo. E levamos a nossa boa-vontade um pouco mais longe ao renovarmos a decisão que tomámos no Terceiro Passo. Valendo-nos da coragem que adquirimos no Quarto Passo, descobrimos que somos mais corajosos do que alguma vez julgámos possível.
  • 59. 52 Isto Resulta Esta coragem é demonstrada, não pela nossa falta de medo, mas, sim, pela ação que tomámos apesar desse medo. Combinamos um dia para partilhar o nosso inventário, comparecemos ao encontro e partilhamos à hora marcada. A admissão perante nós mesmos também exige coragem. Precisamos de dar especial atenção a esta característica do Quinto Passo, pois de outro modo os benefícios que retiramos deste passo podem não ter o alcance que poderiam. Aliás, o nosso Texto Básico diz: "O Passo Cinco não se limita a ser uma leitura do Passo Quatro." Queremos ter a certeza de que estamos a reconhecer e a aceitar a natureza exata das nossas falhas. Se acharmos que isso nos ajuda, podemos até formalizar esta admissão perante nós mesmos. O modo como fazemos esta admissão não é tão importante como a ação propriamente dita. Ao fazermos este passo ganhamos um novo entendimento do princípio da humildade. Provavelmente temos vivido com a impressão de que éramos, de alguma forma, maiores ou mais visíveis do que as outras pessoas. Através do Quinto Passo descobrimos que são poucas as nossas ações que merecem uma atenção exagerada. A descoberta de nós próprios faz-nos sentir, talvez pela primeira vez nas nossas vidas, parte da humanidade. Ao partilharmos os nossos sentimentos mais íntimos e os nossos segredos mais bem guardados, poderemos sentir-nos angustiados. Contudo, muitos de nós têm levantado os olhos e visto amor incondicional na expressão da pessoa que ouve o nosso Quinto Passo. A aceitação que então experimentamos ajuda-nos a sentir que pertencemos ao programa.
  • 60. Quinto Passo 53 A nossa ansiedade poderá aumentar por sabermos que vamos enfrentar sentimentos há muito evitados. Mas seguimos em frente, encorajados pelo nosso padrinho ou madrinha, e aprendemos a confiar no Deus da nossa concepção. A primeira coisa que devemos compreender é que o Quinto Passo não constitui a solução imediata para qualquer situação dolorosa. Se fizermos este passo na esperança de ver os nossos sentimentos desaparecerem, é porque estamos à espera que os passos nos adormeçam, tal como as drogas o fizeram no passado. Ao revermos os nossos primeiros Quartos Passos, constatamos que o seu objetivo é acordar os nossos espíritos e nunca anestesiar os nossos sentimentos. Precisaremos de apoio e de compreensão para lidar com o que sentimos. Para isso, basta escolhermos uma pessoa compreensiva para escutar as nossas admissões. Teremos assim todo o apoio de que precisamos. Embora não haja qualquer exigência para que a pessoa que nos ouve seja o nosso padrinho ou madrinha, é com ele ou ela que a maioria de nós decide partilhar o seu inventário. Iremos assim beneficiar de toda a experiência que um outro adicto tem para partilhar. Afinal, quem melhor para compreender aquilo que estamos a fazer do que alguém que já tenha passado pela mesma experiência? Aqueles adictos com mais experiência de recuperação já lidaram com as questões que agora enfrentamos, podendo assim partilhar conosco essa experiência e as soluções que encontraram através da prática deste passo. Os laços comuns com o nosso padrinho ou madrinha irão fortalecer a nossa ligação ao programa e aumentar o nosso sentido de pertencer. A pessoa que ouvir o nosso Quinto Passo deverá ser alguém que compreenda o processo de
  • 61. 54 Isto Resulta recuperação em que estamos envolvidos e que esteja disposta a ajudar-nos. Sabemos que o ouvinte ideal terá compaixão para honrar os nossos sentimentos, integridade suficiente para respeitar as nossas confidências, e o discernimento para nos ajudar a concentrar na natureza exata das nossas falhas. Uma vez que estamos a partilhar o nosso inventário, ele ou ela também nos ajudará a evitar que nos desviemos e comecemos a culpar os outros pelas coisas que escrevemos no Quarto Passo. Embora sabendo que iremos beneficiar bastante com este passo, podemos mesmo assim necessitar de um momento para reafirmar a nossa entrega e a decisão que tomámos no Terceiro Passo. Podemos, pois, pedir ao nosso Poder Superior que nos conceda a honestidade, a coragem e a boa- vontade para trabalharmos este passo. Até poderemos querer dizer uma oração, para assim convidarmos Deus a entrar neste processo. Essa oração poderá ser tudo aquilo que reafirme o nosso compromisso para com a recuperação. Rezarmos com a pessoa que vai ouvir o nosso Quinto Passo poderá constituir uma experiência profundamente íntima. Mas não rezamos só por força e coragem. Muitos de nós pedem também ao seu Poder Superior que ouça essa admissão. Porque é que é tão importante fazer a nossa admissão perante Deus? Porque este é um programa espiritual e todo o nosso objetivo é um despertar espiritual. É essencial para a nossa recuperação querermos abrir-nos ao nosso Poder Superior, revelando o nosso passado e quem somos. Alguns de nós sentiam antes que não eram dignos de manter uma relação com Deus. Os nossos segredos bloqueavam a nossa capacidade de sentir qualquer aceitação ou amor desse Poder. Quando revelamos algo sobre nós próprios, aproximamo-nos
  • 62. Quinto Passo 55 do nosso Poder Superior e experimentamos o amor incondicional e a aceitação que emergem desse Poder. A sensação de que o Deus da nossa concepção nos aceita, não importa o que tenhamos feito, aumenta a nossa aceitação de nós próprios. A relação positiva que estamos a construir com o nosso Poder Superior reflete-se também nas nossas relações com as outras pessoas. À medida que partilhamos o nosso inventário, poderemos surpreender-nos com a intensidade da relação que estamos a desenvolver com o nosso padrinho ou madrinha. Se no passado nunca ninguém nos escutava verdadeiramente, ficaremos agora admirados por ver que ele ou ela está a fazer- nos perguntas sobre algum pormenor delicado da nossa história pessoal, ou a tomar notas enquanto partilhamos. A nossa autoestima aumenta quando vamos compreendendo que aquilo que temos para partilhar merece tanta atenção. Poderemos ver uma profunda compaixão nos olhos do nosso ouvinte, sinal de que a dor é compreendida e mais uma garantia de um Poder Superior a nós mesmos. Confrontamo-nos com a natureza exata das nossas falhas. Partilhá-la não será, naturalmente, algo de confortável. Olhámos para trás e vimos como a repetição constante dos mesmos padrões de comportamento nos manteve presos ao mesmo estilo de vida. Não observamos apenas o comportamento superficial; vemos também os defeitos de carácter que estiveram sempre na base desses nossos comportamentos. Começamos a compreender que existe uma diferença entre as nossas ações e a natureza exata das nossas falhas. Por exemplo, podemos reparar em várias situações nas quais mentimos numa tentativa inútil de levar toda a gente a gostar de nós. Mas casos destes não constituem a
  • 63. 56 Isto Resulta natureza exata das nossas falhas. A natureza exata das nossas falhas é a desonestidade e a manipulação que demonstrávamos cada vez que mentíamos. Se olharmos para além da desonestidade e da manipulação, iremos decerto constatar que receávamos que, se disséssemos a verdade, ninguém iria gostar de nós. Enquanto partilhamos o nosso inventário, o nosso padrinho ou madrinha irá por vezes partilhar conosco um pouco da sua experiência. Ele ou ela poderá chorar ou sorrir conosco em reconhecimento de alguns dos conflitos que estejamos a partilhar. Até podemos rir juntos ao partilharmos alguns dos aspectos mais cómicos da nossa adicção, como as mentiras ridículas que contávamos a nós mesmos para que pudéssemos continuar a viver da maneira em que vivíamos. Quando verificarmos que os nossos sentimentos são semelhantes aos do nosso padrinho ou madrinha, compreenderemos que existem outras pessoas iguais a nós. Não somos senão seres humanos. A nossa auto-obsessão impedia que o víssemos, por isso nos sentíamos únicos. De repente percebemos que outros também têm problemas dolorosos, tão ou mais importantes do que os nossos. O processo de sarar as feridas pode dar-se quando detectamos um vislumbre de nós próprios nos olhos de outra pessoa, o que nos leva a sentir humildade e a ter esperança de que a serenidade e a paz que tanto desejamos esteja por fim ao nosso alcance. Os nossos sentimentos de alienação desaparecem quando experimentamos uma ligação emocional a outro ser humano, deixando que ele en- tre nesses lugares onde nunca ninguém havia entrado. Poderá ser a primeira vez que confiamos suficientemente em alguém para lhe falar de nós
  • 64. Quinto Passo 57 próprios, permitindo que nos conheça. Poderá surpreender-nos a intimidade que se desenvolve en- tre nós e o nosso padrinho ou madrinha, uma relação baseada na igualdade e no respeito mútuo e que poderá durar uma vida inteira. Depois de fazermos o Quinto Passo, poderemos sentir-nos um pouco abalados ou até emocionalmente vulneráveis. Demos um passo importantíssimo no processo de crescimento e de recuperação, e que pode ser entendido como uma "cirurgia do espírito". Abrimos certas feridas, expusemos as nossas mais bem elaboradas mentiras, pusemos a descoberto o seu logro, e dissemos a nós próprios algumas verdades dolorosas. Deixámos cair as nossas máscaras na presença de outra pessoa. Poderemos agora sentir um impulso perigoso para fugir da nossa nova consciência e regressar à miséria do passado que nos era familiar. Poderemos sentir-nos tentados a evitar o nosso padrinho ou madrinha, porque sabe tudo a nosso respeito. É muito importante resistirmos a estes impulsos. Precisamos de falar com outros adictos em recuperação sobre os nossos medos e os nossos sentimentos, para que possamos ouvir a sua experiência. Veremos que aquilo por que estamos a passar não nos acontece só a nós e ficaremos aliviados quando outros nos disserem que atravessaram os mesmos conflitos depois de fazerem o seu Quinto Passo. A consciência que temos dos nossos padrões de relacionamento com os outros, bem como o risco que acabámos de correr ao admiti-lo perante outra pessoa, constituem um enorme avanço nas nossas relações. Não só formámos um elo estreito com o nosso padrinho ou madrinha, como arriscámos ao confiar nele ou nela, e isso irá ajudar-nos a desenvolver relações mais próximas com outras
  • 65. 58 Isto Resulta pessoas. Arriscámos ao confiar os nossos segredos e sentimentos a uma pessoa, e não fomos rejeitados. Começamos a sentira liberdade de confiar nos outros. Não descobrimos apenas que os outros são dignos de confiança e merecedores da nossa amizade; descobrimos também que nós próprios somos merecedores e dignos de confiança. Podemos ter achado que éramos incapazes de amar ou de ser amados, que éramos incapazes de alguma vez ter amigos. Vemos agora que estas certezas não tinham fundamento. Através do exemplo do nosso padrinho ou madrinha, aprendemos a constituir amizades e a interessar-nos pelos outros. As nossas relações começam a mudar depois deste passo, incluindo aquela que mantemos com o Deus da nossa concepção. Ao longo de todo o processo que envolve o Quinto Passo, virámo-nos para esse Poder sempre que sentimos medos, e recebemos a coragem de que precisávamos para completar este passo. Em resultado disso, a nossa fé e a nossa crença aumentaram e estamos dispostos a dar mais de nós para construir uma relação com Deus. Tal como qualquer outra relação, aquela que desenvolvemos com o nosso Poder Superior exige da nossa parte confiança e uma mente aberta. Quando partilhamos os nossos pensamentos e sentimentos mais profundos com o nosso Poder Superior, derrubando as nossas defesas e admitindo que somos menos que perfeitos, cria-se uma certa intimidade. Desenvolvemos a certeza de que o nosso Poder Superior está sempre conosco e a cuidar de nós. O processo com que até agora nos comprometemos tornou-nos conscientes da natureza exata das nossas falhas. A natureza exata dessas falhas constitui os nossos defeitos de carácter. Sabemos agora que os padrões das nossas vidas estavam enraizados na
  • 66. Quinto Passo 59 desonestidade, no medo, no egoísmo e em muitos outros defeitos de carácter. Vimos o espectro completo desses defeitos e estamos dispostos a fazer algo de novo. Estamos assim prontos para avançar para o Sexto Passo.
  • 67. 60 Sexto Passo "Prontificámo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de carácter." O entendimento da natureza exata das nossas falhas, que alcançámos no Quinto Passo, embora valioso, é apenas o início das incríveis mudanças que têm lugar nas nossas vidas quando avançamos para o Sexto Passo. A admissão que fizemos da natureza das nossas falhas, os nossos defeitos de carácter, é necessária se quisermos prontificar-nos a que eles sejam removidos. Fortemente abalados com o que fizemos no passado, poderemos esperar uma profunda mudança das nossas atitudes ao trabalharmos o Sexto Passo. Embora alguns de nós não tenham compreendido a importância crucial do Sexto e do Sétimo Passo, eles são essenciais para que haja mudanças significativas e duradouras nas nossas vidas. Não basta dizermos, "Sim, estou pronto. Por favor. Deus, remove os meus defeitos.", e seguirmos para o Oitavo Passo. Se passarmos por cima do Sexto e do Sétimo Passo, e formos logo fazer as nossas reparações, iremos apenas acabar a dever ainda mais reparações, por repetirmos os mesmos padrões destrutivos do passado. O processo contínuo do Sexto Passo é apenas isso - um processo. Iniciámo-lo ao nos prontificarmos inteiramente, e ao longo das nossas vidas iremos empenhar-nos a reforçar a nossa prontidão. A nossa tarefa é prontificarmo-nos inteiramente e abrirmos os nossos corações e as nossas mentes às profundas mudanças internas que só através da presença de um Deus amantíssimo podem ser realizadas.
  • 68. Sexto Passo 61 O Terceiro Passo já nos deu alguma experiência com aquilo que deveremos fazer agora no Sexto Passo. Tal como entregámos a nossa vontade e as nossas vidas aos cuidados de um Poder Superior a nós mesmos, pois já não tínhamos domínio sobre as nossas próprias vidas, preparamo- nos agora para entregar os nossos defeitos de carácter a um Deus amantíssimo, pois esgotámos as nossas tentativas de mudar através da nossa própria força de vontade. Este processo é difícil e muitas vezes doloroso. A nossa crescente consciência dos nossos defeitos causa-nos muitas vezes dor. Todos nós já ouvimos a expressão "felizes os ignorantes", mas nós hoje estamos conscientes dos nossos defeitos de carácter, e essa consciência dói. De repente começamos a notar o olhar magoado de um amigo depois de termos tido uma das nossas atitudes menos agradáveis. Iremos baixar a cabeça, envergonhados, murmurar uma desculpa, e provavelmente atormentarmo-nos a nós próprios por termos sido, mais uma vez, tão insensíveis. Sentimo-nos mal, sabendo como as nossas ações afetam negativamente as pessoas nas nossas vidas. Estamos fartos de ser as pessoas que temos sido, mas este sentimento leva-nos a mudar e a crescer. Queremos ser diferentes daquilo que éramos no passado, e em boa verdade já o somos. Sermos capazes de olhar para além dos nossos próprios interesses e preocuparmo-nos com os sentimentos dos outros, constituem tremendas mudanças, atendendo a que a nossa devastadora auto-obsessão está no centro da nossa doença.
  • 69. 62 Isto Resulta Iremos talvez sentir-nos bastante frustrados quando nos apercebermos de que os nossos defeitos se colocam no caminho da nossa recuperação. Poderemos tentar eliminá-los sozinhos, seja negando a sua existência, seja escondendo-os das outras pessoas, achando que, se ninguém souber deles, as nossas características menos agradáveis desaparecerão por si. O que deveremos fazer, em vez de tentar exercer poder e controle sobre os nossos defeitos, é afastarmo-nos do caminho e deixar que um Deus amantíssimo atue nas nossas vidas. Uma parte deste processo tem a ver com tornarmo-nos responsáveis pelo nosso comportamento. Quando somos confrontados pelos nossos defeitos de carácter, seja através da nossa própria consciência, ou por alguém que tenhamos magoado, começamos a assumir inteira responsabilidade pelas nossas ações. Não evitamos a responsabilidade ao dizer algo como, "Bem, Deus ainda não removeu esse defeito," ou, "Sou impotente perante os meus defeitos, e hei de ser sempre assim." Aceitamos a responsabilidade pelo nosso comportamento, seja ele bom, mau ou indiferente. Já não temos mais o nosso uso de drogas ou a nossa ignorância como desculpa para sermos irresponsáveis. Quando admitimos honestamente as nossas falhas, encontramos a humildade. A humildade que sentimos no Quinto Passo cresce à medida que voltamos a sentir o nosso lado humano e compreendemos que nunca seremos perfeitos. Aceitamo-nos um pouco mais a nós próprios, e rendemo-nos. A nossa boa-vontade para mudar aumenta drasticamente. Já experimentámos mudanças incríveis na nossa natureza emocional e espiritual, através dos nossos continuados esforços para viver segundo os princípios contidos nos passos anteriores. Apesar da nossa falta de familiaridade
  • 70. Sexto Passo 63 com coisas espirituais, deveremos lembrar-nos de que, nos primeiros três passos, foram-nos dados os instrumentos básicos de que precisamos para enfrentar o caminho da recuperação. Trazemos dentro de nós a honestidade que foi necessária para a nossa entrega inicial, a fé e a esperança que desenvolvemos ao virmos a acreditar num Poder Superior a nós mesmos, e a confiança e a boa- vontade exigidas de nós quando tomámos a nossa decisão de entregar a nossa vontade e as nossas vidas aos cuidados de Deus. Os nossos corações foram tocados pela humildade de acreditarmos nesse Poder. E sobre este alicerce espiritual que assentamos os princípios do compromisso e da persistência, quando trabalhamos o Sexto Passo. Precisamos de boa-vontade para nos comprometermos a prosseguir na nossa recuperação, apesar da presença contínua de defeitos de carácter nas nossas vidas. Não devemos desistir, mesmo quando julguemos que não se deu qualquer mudança. Por vezes não conseguimos ver as nossas próprias mudanças internas, mas podemos estar seguros de que aquilo que se passa dentro de nós será evidente para as outras pessoas. A nossa tarefa é seguirmos em frente, embora possa parecer que cada passo vai exigir mais forças do que aquelas que conseguiremos reunir. Deveremos persistir, por muito difícil que seja o nosso progresso. Poderemos fazer uso do espírito resoluto e da tenacidade que nos ajudaram a manter a nossa adicção ativa, mas desta vez com o objetivo de sermos firmes e constantes nos nossos esforços para manter a nossa recuperação. Depois de escrevermos o nosso inventário e de o partilharmos com nós próprios, com o Deus da nossa concepção e com um outro ser humano,
  • 71. 64 Isto Resulta consciencializámo-nos dos nossos defeitos de carácter. Com a ajuda do nosso padrinho ou madrinha escrevemos uma lista desses defeitos e concentramo-nos no modo como eles se manifestam nas nossas vidas. Os nossos defeitos de carácter constituem traços humanos básicos que foram exageradamente distorcidos pelo nosso egocentrismo, provocando assim grande dor em nós mesmos e naqueles à nossa volta. Peguemos num defeito como, por exemplo, o achar que temos sempre razão, e imaginemo-lo no seu estado normal, sem estar exagerado: é, no fundo, a confiança em valores próprios. As pessoas fortes e confiantes possuem princípios e valores formados, de acordo com os quais regem as suas vidas, e acreditam profundamente na sua justeza. Essas pessoas vivem aquilo em que acreditam e, quando lhes pedem, partilham essas convicções com os outros de uma forma não crítica. E essencial confiar naquilo em que acreditamos, se não seríamos pessoas sem personalidade, vogando ao sabor da corrente, e provavelmente imaturos nas nossas relações com o mundo. Mas, quando insistimos para que os outros vivam segundo os nossos valores, essa confiança transforma-se numa razão própria que incomoda. A tentativa de forçarmos essa insistência, através da manipulação ou do abuso de outras pessoas, torna este defeito mais desagradável ainda. Ou peguemos no exemplo do medo. A ausência de medo perante um ataque pessoal, uma doença grave, ou um ferimento, seria sinal, não de serenidade, mas sim de insanidade! Todos nós temos medos - de estar sozinhos, de não satisfazer as nossas necessidades físicas, de morrer, entre muitos outros. Mas quando os nossos medos se tornam obsessivamente egocêntricos, quando passamos o tempo todo a proteger-nos daquilo que poderá
  • 72. Sexto Passo 65 acontecer, deixamos de conseguir lidar eficazmente com a vida no presente. À medida que trabalhamos o Sexto Passo, é- nos exigida uma grande dose de boa-vontade e de confiança para darmos o gigantesco passo que separa o medo da coragem. Deveremos ultrapassar os nossos receios em relação ao que poderemos ser sem os nossos comportamentos destrutivos. Precisaremos de confiar no nosso Poder Superior para que nos remova os nossos defeitos de carácter. Deveremos estar dispostos a arriscar e a acreditar que aquilo que está para lá do Sexto Passo é melhor do que as nossas atuais reservas de medos, de ressentimentos e de angústia espiritual. Quando a dor de permanecermos na mesma se tornar maior do que o nosso medo de mudança, iremos certamente entregar-nos. Poderemos querer saber o que é que nos irá acontecer sem aquilo que julgamos serem talentos de sobrevivência. Afinal, na nossa adicção ativa o nosso egocentrismo acabou por nos proteger de sentimentos de culpa, deixando-nos prosseguir o nosso uso de drogas sem nos preocuparmos com aqueles à nossa volta. Graças à nossa negação, evitámos ver a destruição das nossas vidas. O nosso egoísmo permitiu que fizéssemos tudo aquilo que era preciso para continuarmos na nossa insanidade. Mas nós já não precisamos mais desses "talentos". Temos agora um conjunto de princípios para praticar, muito mais adequados ao nosso novo modo de vida. Quando escrevemos a nossa lista de defeitos e vemos como eles têm estado na base dos nossos problemas, precisamos de ter a mente aberta para ver como as nossas vidas seriam sem esses defeitos. Se um dos nossos defeitos de carácter é a desonestidade, podemos pensar em situações nas
  • 73. 66 Isto Resulta nossas vidas em que normalmente mentíamos, e imaginar como nos sentiríamos se, para variar, disséssemos a verdade. Se nos empenharmos neste exercício, poderemos sentirmos aliviados com a possibilidade de uma vida em que não tenhamos de encobrir as pequenas falsidades com grandes mentiras, ou de enfrentar todas as complicações inerentes à desonestidade. Ou, se descobrirmos defeitos baseados na preguiça e no adiamento, poderemos imaginar-nos a deixar para trás a nossa existência marginal e a avançar para uma vida de ambições realizadas, de novos horizontes e de possibilidades ilimitadas. Além das nossas esperanças e dos nossos sonhos para o futuro, poderemos ver no nosso padrinho ou madrinha, ou noutras pessoas cujas recuperações admiremos, mais exemplos concretos das qualidades por que estamos a lutar. Se conhecermos membros que demonstrem as qualidades espirituais que queremos para nós, poderemos utilizámos como exemplos para nós próprios. Aquilo que gostaríamos de vir a ser encontra-se espelhado à nossa volta nos adictos em recuperação que vivem de acordo com princípios espirituais. O nosso padrinho ou madrinha, bem como outros membros, partilham a forma como se libertaram dos seus defeitos de carácter, e nós temos fé de que o mesmo possa acontecer também conosco. Mesmo assim poderemos atravessar ainda um período de dor pela perda das nossas ilusões e velhas maneiras de ser. Às vezes, quando largamos os velhos talentos de sobrevivência, poderemos sentir-nos como se estivéssemos a abandonar o nosso melhor amigo. Precisamos, contudo, de largar as nossas reservas, desculpas, racionalizações e ilusões, e seguir em frente na recuperação, com os
  • 74. Sexto Passo 67 olhos bem abertos. Temos plena consciência de que não podemos voltar atrás, pois nunca conseguiremos esquecer o milagre que começou a acontecer conosco. Graças a trabalharmos os passos, os nossos espíritos feridos e cansados começaram a sarar. Parte do processo de nos prontificarmos inteiramente envolve a prática de um comportamento construtivo. Dado que agora compreendemos e reconhecemos os nossos comportamentos destrutivos, encontraremos a boa- vontade para os substituir por comportamentos construtivos. Por exemplo, se por alguma razão nos sentirmos em dor, não precisamos de nos envolver num novelo de autopiedade, queixando-nos do mal que nos aconteceu. Em vez disso, podemos aceitar as coisas como elas são e procurar encontrar soluções. Quanto mais vezes agirmos assim, mais forte se tornará o nosso hábito de pensar construtivamente. Tornar-se-á natural estudarmos alternativas, definirmos objetivos e seguirmos em frente apesar dos obstáculos. Não precisamos de desperdiçar tempo a amuar ou a queixarmo-nos em vão de circunstâncias fora do nosso controle. Poderemos até ficar surpreendidos conosco em momentos de alegria e de optimismo, o que é normal, se considerarmos que tais manifestações serão estranhas à maioria de nós! Poderá ainda haver ocasiões em que achemos que se está a exigir demasiado de nós. Muitos de nós têm exclamado, "Queres dizer que eu até tenho de dizer a verdade acerca daquilo?", ou "Se eu ainda pudesse mentir, roubar ou aldrabar, seria muito mais fácil arranjar aquilo que quero." Sentimo-nos divididos entre os comportamentos sem escrúpulos da nossa adicção e os princípios da recuperação, constituintes do carácter. Enquanto que, à primeira vista, poderá parecer mais fácil
  • 75. 68 Isto Resulta manipular os resultados ou evitar as consequências, sabemos que não aguentaríamos o preço que teríamos de pagar por isso. A vergonha, o remorso e a perda de bem-estar espiritual daí resultantes, iriam exceder largamente tudo aquilo que eventualmente fôssemos ganhar por comprometermos os nossos princípios. Através da defesa dos princípios da recuperação, procuramos uma vida de paz e de harmonia. A energia que em tempos dispendemos a cuidar e a alimentar os nossos defeitos de carácter, poderá agora servir para alimentar os nossos objetivos espirituais. Quanto mais atenção concentrarmos sobre a nossa natureza espiritual, mais esta se revelará nas nossas vidas. Não iremos, todavia, alcançar um estado de perfeição espiritual, por muito diligentes que sejamos na aplicação do Sexto Passo nas nossas vidas. Iremos decerto ver os nossos defeitos manifestarem-se de várias formas. Mesmo depois de anos de recuperação, poderemos sentir-nos devastados com o reaparecimento de um velho defeito que julgávamos já ter sido removido. A nossa imperfeição torna-nos humildes; e que não haja confusões - a humildade é o estado ideal para um adicto se encontrar, pois, faz-nos voltar à terra e assentar os pés firmemente no caminho espiritual que estamos a percorrer. Sorrimos para as nossas ilusões de perfeição, e seguimos em frente. Estamos no caminho certo, na direção certa, e cada passo que damos significa progresso. À medida que trabalhamos este passo ganhamos mais tolerância para com os defeitos das pessoas à nossa volta. Quando vemos alguém a atuar num defeito que também nos influenciou, sentimos compaixão em vez de julgarmos, pois conhecemos bem a dor que um tal comportamento provoca. Em
  • 76. Sexto Passo 69 vez de condenarmos o comportamento de outra pessoa, olhamos para nós mesmos. Com a nossa experiência em nos aceitarmos a nós próprios, podemos estender aos outros compaixão e tolerância. Perguntamos a nós mesmos se estamos inteiramente prontos a deixar que Deus remova todos os nossos defeitos - todos, sem exceção. Se houver quaisquer reservas, se sentirmos a necessidade de nos agarrarmos a um defeito qualquer, rezamos por boa-vontade. Abrimos os nossos espíritos ao processo de crescimento que encontrámos em Narcóticos Anônimos e utilizamos os recursos da nossa recuperação para fazer o melhor em cada momento. Embora seja um processo para a vida inteira, vivemos apenas o dia presente. Demos um gigantesco passo em frente no processo de recuperação, mas ele deverá ser seguido por outro passo, para que seja verdadeiramente duradouro. Com a prontidão que hoje temos à mão, avançamos para o Sétimo Passo.
  • 77. 70 Sétimo Passo "Humildemente rogámos a Ele que nos livrasse das nossas imperfeições.” No Quarto Passo pusemos a descoberto os principais defeitos do nosso carácter. No Quinto Passo admitimos a sua existência. No Sexto Passo dispusemo-nos inteiramente a que Deus os removesse, a fim de que pudéssemos continuar o nosso crescimento espiritual e na nossa recuperação. Agora, no Sétimo Passo, rogamos humildemente ao nosso Poder Superior que remova as nossas imperfeições. Quando pedimos ao nosso Poder Superior que remova essas imperfeições, estamos a pedir que nos liberte de tudo aquilo que limite a nossa recuperação. Pedimos ajuda, pois sozinhos não conseguimos. Através da prática dos passos anteriores, vemos que é necessário tornarmo-nos humildes se quisermos viver uma vida limpa e seguir um caminho espiritual. Uma atitude de humildade não é o mesmo que ser humilhado, nem significa uma negação das nossas boas qualidades. Pelo contrário, uma atitude de humildade significa que temos uma visão realista de nós próprios e do nosso lugar no mundo. No Sétimo Passo, humildade significa compreendermos o nosso papel na nossa própria recuperação, prezando as nossas limitações e tendo fé num Poder Superior a nós mesmos, Para praticar o Sétimo Passo, temos de sair do caminho para que Deus possa fazer o seu trabalho. Pedir humildemente a remoção das nossas imperfeições significa que damos a esse Poder amantíssimo liberdade total para atuar nas nossas vidas, acreditando que a sabedoria de Deus excede
  • 78. Sétimo Passo 71 largamente a nossa. Embora estejamos agora na posse de um certo grau de humildade, muitos de nós podemos estar um pouco confusos com a palavra "humildemente". Podemos ter dado como garantido que Deus iria remover as nossas imperfeições assim que lhe pedíssemos. Aqueles de nós com essa atitude podem ter ficado surpreendidos quando o nosso Poder Superior não acedeu logo ao nosso pedido. Por outro lado, alguns de nós tentaram como que mendigar a Deus para que removesse as nossas imperfeições, achando que isso constituiria uma demonstração de humildade. Esforçámo-nos tanto por praticar corretamente este passo. Estávamos fartos das nossas imperfeições, exaustos de tentar controlá-las, e queríamos um pouco de descanso. Por muito estranho que pareça, é precisamente esta a atitude que esperamos conseguir demonstrar no Sétimo Passo, a atitude de humildade. Admitimos a derrota, reconhecemos as nossas limitações, e pedimos a ajuda do Deus da nossa concepção. Pedir ao nosso Poder Superior que remova as nossas imperfeições requer uma entrega de uma natureza mais profunda do que a nossa entrega inicial. Essa entrega, nascida de um absoluto desespero perante a nossa impotência e a nossa incapacidade de controlarmos as nossas próprias vidas, é transportada para um estado inteiramente novo no Sétimo Passo. Neste novo nível de entrega, não só aceitamos a nossa adicção como, também, as imperfeições ligadas a ela. A aceitação da nossa adicção constituiu o primeiro passo no sentido de nos aceitarmos a nós mesmos. Conhecemos um pouco de nós próprios devido ao nosso trabalho com os passos anteriores, e as nossas ilusões de sermos únicos foram ultrapassadas neste processo. Sabemos
  • 79. 72 Isto Resulta que não somos nem mais nem menos importantes do que os outros. Compreendermos que não somos únicos é uma boa indicação de humildade. A paciência constitui um ingrediente essencial para se praticar este passo. Podemos ter dificuldade com a noção de paciência, pois a nossa adicção acostumou-nos à gratificação imediata. Mas já temos vindo a praticar os princípios que nos permitem ser pacientes. Precisamos simplesmente de alargar a nossa decisão do Terceiro Passo, de confiar ao Deus da nossa concepção a nossa vontade e as nossas vidas. Se no Terceiro Passo apenas confiávamos nesse Poder até um certo ponto, será agora altura de aumentarmos a nossa confiança. Dado que as nossas expectativas podem ser limitadas, muitos de nós nem conseguem imaginar aquilo que o nosso Poder Superior nos reserva. Se for este o nosso caso, temos de confiar e ter fé. Tal como nos passos anteriores, temos simplesmente de acreditar que a vontade de Deus para nós é boa. A nossa fé dá-nos razão para esperarmos o melhor. Ao praticarmos este passo, deixamos de intelectualizar o processo de recuperação. A nossa preocupação não está em determinarmos exatamente como ou quando as nossas imperfeições irão ser removidas. Não é tarefa nossa analisar este passo. Ele constitui uma escolha espiritual, escolha essa que vai além de qualquer reação emocional ou ato consciente da vontade. Pretender contorná-lo iria apenas deixar-nos com uma elevada consciência dos nossos defeitos de carácter e nenhuma esperança de nos vermos aliviados dessas imperfeições. A dor daí resultante poderia tornar-se insuportável.
  • 80. Sétimo Passo 73 Olhámos para os nossos defeitos de carácter, para todo o nosso sistema de crenças enganadoras, e para os nossos padrões doentes de comportamento. Vimos que precisamos de mudar, mas podemos não estar conscientes de que temos vindo a mudar desde que chegámos pela primeira vez a Narcóticos Anônimos à procura de ajuda. Entrámos na nossa primeira reunião com um vazio espiritual. Havia sido bloqueado um raio essencial de luz e tínhamos perdido a capacidade de amar, de rir e de sentir. Durante muito tempo as pessoas tiveram dificuldade em ver o ser humano por detrás do nosso olhar vago. Desde a nossa primeira reunião que sentimos o amor e a aceitação de outros membros de NA. Começamos a regressar à vida. Aquilo que estamos a experimentar é um despertar do espírito - exatamente aquilo a que soa. Este despertar já há algum tempo que se tornou evidente para aqueles à nossa volta, mas a mudança é agora tão óbvia que também nós conseguimos vê-la. Uma das mudanças que vemos está no nosso relacionamento com o Deus da nossa concepção. Antes talvez sentíssemos que Deus estava afastado e não tinha muito a ver conosco a um nível pessoal. Podemos ter tido dificuldades em compreender o facto de que cada um de nós pode ter um Deus da nossa concepção sempre à nossa disposição. Durante algum tempo pode ter parecido artificial rezar, mas agora podemos sentir que estamos a ser escutados e amados quando rezamos. O desenvolvimento de uma relação com o Deus da nossa concepção contribuirá grandemente para aumentar o nosso à-vontade quando pedimos para que as nossas imperfeições sejam removidas. O trabalho que fizemos nos passos anteriores aprofundou essa relação. Pedimos ao nosso Poder
  • 81. 74 Isto Resulta Superior honestidade, mente aberta e boa-vontade, e foi-nos dada a capacidade para desenvolvermos esses atributos tão vitais para a nossa recuperação. De cada vez que não correspondermos a uma das qualidades que tentamos obter, ou quando tivermos dificuldade em praticar princípios espirituais, viramo-nos para o Deus da nossa concepção. Neste passo pedimos a um Deus amantíssimo que remova a nossa impaciência, a nossa intolerância, a nossa desonestidade, ou qualquer outra imperfeição que esteja no caminho. Descobrimos que o nosso Poder Superior providencia-nos sempre aquilo de que necessitamos. Como resultado disso, a nossa fé aumenta. Quando pedimos ao nosso Poder Superior que remova as nossas imperfeições, podemos vê-las a serem retiradas aos poucos. Outros defeitos poderão simplesmente ser afastados do caminho durante algum tempo para que possamos avançar na recuperação. Podemos até alcançar a libertação total de termos de atuar nesses defeitos. O importante é que viemos a acreditar que apenas o Deus da nossa concepção tem o poder para remover as nossas imperfeições. Podemos mesmo pedir ao nosso Poder Superior, em boa fé, que remova as nossas imperfeições, sabendo que isso só acontecerá quando Deus quiser. Esta fé pode transcender as nossas próprias ideias sobre aquilo que precisamos e que pensamos que devemos ter. Não importa quão seguros nos sintamos na nossa relação com o Deus da nossa concepção, precisamos do nosso padrinho ou madrinha para nos guiar através do Sétimo Passo. Ele ou ela ajuda-nos a compreender a humildade e a encontrar uma forma de comunicar com o nosso Poder Superior com que nos sintamos confortáveis.
  • 82. Sétimo Passo 75 Precisamos de nos lembrar de que estamos a rezar a um Poder Superior a nós mesmos. Pedimos humildemente, sabendo que somos impotentes. Alguns de nós, quando pedimos ao nosso Poder Superior que nos ajude, iremos recitar uma oração formal que demonstre humildade. Alguns de nós irão rezar de uma maneira mais informal, com a mesma humildade, mas utilizando palavras próprias. Qualquer comunicação com o nosso Poder Superior constitui uma oração. Seja qual for o modo que escolhemos para comunicar com o Deus da nossa concepção, começamos a sentir um certo bem-estar à medida que rezamos. Sabemos que algo está a cuidar de nós. Com este conhecimento vem a liberdade. Embora não seja de todo uma cura, a prática do Sétimo Passo dá-nos a liberdade de escolher. Sabemos que se vivermos de acordo com os princípios espirituais da recuperação, não mais precisaremos de nos cansar a tentar controlar situações e resultados. Confiamos as nossas vidas ao Deus da nossa concepção. Podemos ainda ter medo de vez em quando, mas não precisamos de reagir ao medo de maneiras destrutivas. Temos a liberdade de escolher, agindo construtivamente ou, quando for apropriado, nada fazendo. Acreditar que algo está a cuidar de nós é o resultado de desenvolvermos uma relação com um Poder Superior a nós mesmos. Estamos no processo de desenvolver um contato consciente com um Poder Superior. Tentaremos melhorar esse contato ao longo das nossas vidas. Estamos conscientes do Deus da nossa concepção e sentimos a presença desse Poder. O processo do Sétimo Passo traz-nos uma paz de espírito que nunca julgámos ser possível. Sentimos que aquilo que está presente ao longo da nossa busca de crescimento espiritual é a nossa
  • 83. 76 Isto Resulta capacidade de sentir o amor do nosso Poder Superior por nós. Conseguimos distinguir uma visão de total libertação das nossas imperfeições. Não importa que não consigamos alcançar um estado de perfeição ou de completa humildade na nossa vida. A capacidade de contemplar esta maravilhosa visão e de meditar sobre ela é, por si só, um dom raro e inestimável. Estamos a ser transformados. Não só ouvimos falar do milagre da recuperação, como estamos também a tornar-nos exemplos vivos daquilo que o poder do programa de NA consegue realizar. A vida espiritual deixou de ser uma teoria de que ouvimos falar nas reuniões - está agora a tornar-se numa realidade palpável. Podemos testemunhar um milagre olhando simplesmente para o espelho. De adictos sem esperança e espiritualmente inconscientes, o Deus da nossa concepção transformou-nos em adictos em recuperação, espiritualmente conscientes e desejosos de viver. Embora tenhamos chegado a este ponto, os danos que causámos em virtude das nossas imperfeições precisam agora de ser lidados. O desejo de uma recuperação e liberdade contínuas leva-nos ao Oitavo Passo e a começarmos a reparar os danos que causámos.
  • 84. 77 Oitavo Passo "Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e dispusemo-nos a reparar os danos a elas causados." Nos passos anteriores começámos a fazer as pazes com o nosso Poder Superior e com nós próprios. No Oitavo Passo iniciamos o processo de fazer as pazes com os outros. Quando agimos sobre os nossos defeitos de carácter, fizemos mal a nós próprios e àqueles à nossa volta. No Sétimo Passo pedimos ao nosso Poder Superior que removesse as nossas imperfeições. Contudo, a fim de alcançarmos a verdadeira libertação dos nossos defeitos, precisamos de aceitar a responsabilidade por eles. Precisamos de fazer tudo aquilo que pudermos para reparar o mal que causámos. No Oitavo Passo começamos a retificar os nossos erros. Começamos a aceitar a responsabilidade pelas nossas ações ao fazermos uma lista de todas as pessoas que prejudicámos e ao nos dispormos a fazer reparações a todas elas. Apesar de os nossos esforços para fazermos reparações poderem representar uma diferença nas vidas daqueles que prejudicámos, o maior impacto deste processo é nas nossas vidas. O nosso objetivo é o de começar a "limpar" todos os danos que causámos, para que possamos prosseguir no nosso despertar espiritual. Quando tivermos já começado o processo de fazer reparações, iremos certamente surpreender-nos com o nível de liberdade que sentimos.
  • 85. 78 Isto Resulta Estamos envolvidos num processo que se destina a libertar-nos do nosso passado, para que possamos ser capazes de viver plenamente o presente. Muitos de nós são assombrados pelas memórias do mal que causámos aos outros. Essas memórias podem surgir sem aviso. A nossa vergonha e o nosso remorso pelas nossas ações passadas são tão profundos que essas lembranças podem fazer com que os sentimentos de culpa se tornem insuportáveis. Queremos ver-nos livres dessa culpa. Começamos por fazer uma lista das pessoas que prejudicámos. Podemos ficar assustados só de pensarmos na nossa lista. Podemos achar que fizemos tantos estragos que nunca iremos conseguir repará-los, ou podemos recear encarar as pessoas que prejudicámos. Vemo-nos a pensar em como as nossas reparações irão ser recebidas. Nas nossas melhores projeções, essas pessoas irão provavelmente desculpar-nos de tudo. Nas nossas piores expectativas poderemos pensar que haverá quem se recuse a aceitaras nossas reparações, preferindo antes uma vingança. A maioria de nós possui uma imaginação relativamente viva, mas esta não será a altura para fazer antecipações. Deveremos evitar fazer projeções, sejam positivas ou negativas, sobre como se passarão as nossas reparações. Estamos no Oitavo Passo, e não no Nono. Neste momento a nossa única preocupação é fazermos uma lista e dispormo-nos a fazer reparações. A prática dos passos anteriores preparou-nos para a boa-vontade de que necessitamos para iniciar o Oitavo Passo. Avaliámos com honestidade a natureza exata das nossas falhas e examinámos o modo como as nossas ações afetaram outras pessoas. Não foi fácil admitirmos as nossas falhas. Tivemos de acreditar num Poder que nos fornecesse a coragem e nos amasse através da dor que emerge ao
  • 86. Oitavo Passo 79 olharmos para os resultados da nossa adicção. A mesma honestidade e a mesma coragem a que apelámos quando escrevemos o nosso inventário e o partilhamos, são agora igualmente importantes para fazermos a nossa lista de reparações. Temos vindo a praticar estes princípios e já estamos bastante familiarizados com eles. Fazermos uma lista e tornarmo-nos dispostos poderá ser difícil se não ultrapassarmos os nossos ressentimentos. A maioria de nós deve reparações a, pelo menos, uma pessoa que também nos tenha prejudicado. Talvez não tenhamos ainda perdoado totalmente essa pessoa, e podemos sentir-nos relutantes em colocar o seu nome na nossa lista. Mas temos de o fazer. Somos responsáveis pelas nossas ações. Fazemos reparações porque as devemos. Temos de deixar para trás os nossos ressentimentos e concentrarmo-nos no papel que tivemos nos conflitos das nossas vidas. Não conseguiremos melhorar e ser capazes de viver a vida espiritual que procuramos se ainda estivermos controlados pela auto-obsessão. Largamos as nossas expectativas e deixamos de culpar os outros pelas nossas ações. Temos de deixar de pensar que temos sido vítimas. No Oitavo Passo não estamos apenas preocupados com a aceitação da responsabilidade por aquilo que fizemos aos outros. Se ainda sentirmos raiva de algumas das pessoas do nosso passado, precisaremos de praticar o princípio espiritual do perdão. A nossa capacidade de perdoar advém da nossa capacidade de nos aceitarmos e de nos compadecermos com nós próprios. Contudo, se tivermos dificuldades, podemos pedir ajuda ao nosso Poder Superior. Rogamos por tudo aquilo que for necessário para nos tornarmos dispostos a perdoar. Começámos a aceitar-nos a nós próprios tal como somos.
  • 87. 80 Isto Resulta Começamos agora a aceitar os outros tais como eles são. Podemos querer rever o nosso Quarto Passo ao fazermos uma lista de todas as pessoas, e de todos os lugares e instituições, aos quais devemos reparações. Se tivermos feito um Quarto Passo minucioso, este deverá mostrar claramente, não só o nosso papel nos conflitos das nossas vidas, como também a forma como prejudicámos os outros ao atuarmos nos nossos defeitos de carácter. Procuramos as pessoas que magoámos com a nossa desonestidade, as pessoas a quem roubámos ou mentimos, as pessoas que estavam do outro lado dos nossos erros. Tomamos também nota de como prejudicámos a sociedade como um todo e acrescentamos isso à nossa lista. Podemos ter abusado da comunidade, exibido um comportamento ofensivo em público, ou recusado colaborar para o bem-estar geral. Embora possamos encontrar grande parte da nossa lista de reparações ao relermos o nosso Quarto Passo, o Oitavo Passo não é simplesmente uma repetição do nosso inventário. Estamos agora à procura de pessoas, de lugares e de instituições que prejudicámos, e não apenas dos tipos de danos que causámos. Não nos limitámos a mentir; mentimos a alguém. Não nos limitámos a roubar; roubámos a várias pessoas. Aquilo que escrevemos no nosso Quarto Passo não constitui a única fonte de apoio para compilarmos a nossa lista de reparações. O nosso padrinho ou madrinha também pode ajudar-nos. Quando partilhámos o nosso inventário, ele ou ela ajudou-nos a ver a natureza exata das nossas falhas. A perspectiva do nosso padrinho ou madrinha mostrou-nos como magoámos pessoas ao atuarmos nos nossos defeitos de carácter. Esta mesma
  • 88. Oitavo Passo 81 perspectiva irá agora ajudar-nos a determinar quem é que de facto faz parte da nossa lista de reparações. Muitos de nós tivemos também dificuldade em ver como nos prejudicámos a nós próprios, e podemos ter ficado surpreendidos quando o nosso padrinho ou madrinha sugeriu que acrescentássemos o nosso próprio nome à lista. Muitos de nós foram a extremos ao assumirem responsabilidades. Alguns de nós têm a tendência de negar qualquer responsabilidade, enquanto que outros aguentam as culpas por qualquer situação. Ao falarmos com o nosso padrinho ou madrinha, e com outros adictos, as nossas percepções erradas começam a desaparecer e encontramos a clareza de que precisamos para praticar o Oitavo Passo. Com a ajuda que recebemos começamos a desenvolver uma visão realista de onde é que realmente começava e terminava a nossa responsabilidade. Antes de começarmos a elaborara nossa lista, é importante compreendermos o que significa a palavra "prejudicar" no contexto do Oitavo Passo. Podemos tender a pensar nela apenas em termos de sofrimento físico. Existem, contudo, muitas formas diferentes de prejudicar: causar angústia mental, danos ou perdas materiais, infligir ferimentos emocionais duradouros, trair a confiança, e por aí adiante. Embora possamos dizer, "Mas eu nunca quis magoar ninguém!", não é isso o que está em causa. Somos responsáveis pelos danos que causámos, fossem quais fossem as nossas intenções. Sempre que magoámos alguém, por qualquer forma, devido a algo que fizemos, essas pessoas eram prejudicadas. A fim de melhor compreendermos como prejudicámos as pessoas, poderemos querer colocar-nos no lugar delas. Se conseguirmos imaginar o que terá sido ser-se vítima dos nossos descuidos e da nossa falta de consideração por
  • 89. 82 Isto Resulta aqueles à nossa volta, não deveremos ter qualquer dificuldade em acrescentar os nomes dessas pessoas à nossa lista. Para além de compreendermos o que significa prejudicar, precisamos também de compreender o que significa "fazer reparações". Este passo não diz que nos dispusemos a pedir desculpas, embora isso possa fazer parte das nossas reparações. A maioria das pessoas que magoámos já nos terá ouvido pedir desculpa milhares de vezes. Na verdade, estamos é a dispor-nos a fazer todos os possíveis para reparar o mal que fizemos, principalmente modificando o nosso comportamento. Pode ter havido ocasiões em que os danos que causámos foram tão graves que a situação não pode ser reparada. Isto tornar-se-á mais evidente quando olhamos para as nossas relações com aqueles que nos acompanharam ao longo de bastante tempo. Durante esses anos, as nossas famílias, e os nossos companheiros e amigos, viveram situações dolorosas umas atrás das outras. Embora não possamos modificar o passado, a nossa experiência tem-nos mostrado que ainda precisamos de olhar para aquilo que fizemos e reconhecer os danos que causámos. Apesar da impossibilidade de modificar aquilo que aconteceu, podemos começar a fazer reparações ao não repetirmos o mesmo comportamento. Aceitar os danos que causámos, arrependermo-nos verdadeiramente e dispormo-nos a fazer o que for necessário para mudar, constitui um processo doloroso. Mas não precisamos de recear a nossa dor crescente, pois o nosso reconhecimento destas verdades ajuda-nos a continuar o nosso despertar espiritual. A simples aceitação dos danos causados aumenta a nossa humildade. Arrependermo-nos sinceramente constitui uma
  • 90. Oitavo Passo 83 indicação clara de que o nosso egocentrismo diminuiu. Ao nos dispormos a fazer o que for necessário para mudar, a nossa inspiração é renovada. Parte da nossa prontidão surge simplesmente ao escrevermos a nossa lista de reparações. Teremos oportunidade de encarar os danos que causámos. Alguns de nós, depois de escrevermos o nome de uma pessoa a quem devemos reparações e o que fizemos para a prejudicar, acrescentámos planos de como tencionávamos fazer reparações. Se planearmos como iremos fazer as reparações, poderemos aumentar a nossa disposição, à medida que vemos que possuímos o potencial para reparar o mal que causámos. Queremos dispor-nos a fazer as reparações devidas e fazemos aquilo que for preciso para isso. Se começarmos a entrar em diálogos conosco próprios, ou a tentar avaliar o nível exato de boa- vontade de que precisamos, podemos pôr de lado estes pensamentos pouco produtivos e tomar uma decisão consciente de rezar por boa-vontade. Podemos ainda estar um pouco hesitantes, mas fazemos o nosso melhor. E a nossa recuperação que está em jogo. Se quisermos prosseguir na nossa recuperação, temos de fazer reparações. Pedimos a um Deus amantíssimo que nos ajude a encontrar a boa-vontade para fazermos as nossas reparações. Rezarmos por boa-vontade aproxima-nos um pouco mais do Deus da nossa concepção. No Sétimo Passo avançámos na nossa relação pessoal com o nosso Poder Superior ao rogarmos pela libertação das nossas imperfeições. Agora confiamos nesse Poder para nos dar aquilo de que precisaremos para praticar o Oitavo Passo. O nosso compromisso para com a recuperação inclui estarmos dispostos a fazer tudo aquilo que temos de
  • 91. 84 Isto Resulta fazer. Há um Poder Superior a atuar nas nossas vidas, preparando-nos para estarmos ao serviço dos outros. As mudanças trazidas por esse Poder estão patentes na mudança das nossas atitudes e ações. Estamos a desenvolver a capacidade de escolher princípios espirituais em vez de defeitos de carácter, e a recuperação em vez da adicção. Temos uma perspectiva nova da vida e sabemos que somos responsáveis por aquilo que fazemos. Não mais sentimos um remorso constante pelos danos que causámos no passado. Compreendermos apenas quanto prejudicámos os outros, lamentarmos sinceramente a dor que causámos, e dispormo-nos a deixar que essas pessoas saibam do nosso desejo de fazer reparações, constituem ações-chave para nos libertarmos do nosso passado. Embora ainda tenhamos de fazer as pazes com os outros, já percorremos um longo caminho em direção a fazer as pazes com nós próprios. Com a nossa nova perspectiva, a nossa confiança no Deus da nossa concepção e a nossa boa-vontade, avançamos para o Nono Passo.
  • 92. 85 Nono Passo "Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, salvo quando fazê-las significasse prejudicar essas pessoas ou outras.” Agora que estamos dispostos a fazer reparações a todas as pessoas que prejudicámos, pomos em ação essa vontade ao praticarmos o Nono Passo. Estamos envolvidos num processo que nos leva da consciência dos nossos erros e dos conflitos que eles provocaram, a uma libertação crescente desses conflitos, em direção à serenidade que procuramos. Este processo obrigou-nos a examinarmos as nossas vidas, a identificarmos os nossos defeitos de carácter e a tornarmo-nos conscientes de como prejudicámos os outros quando agimos sobre esses defeitos. Agora precisamos de fazer aquilo que pudermos para reparar os danos que causámos. Temos a nossa lista, feita no Oitavo Passo, e sabemos aquilo que temos de fazer. Apesar disso, saber e fazer são duas coisas diferentes. Podemos ter um plano perfeito para fazer as nossas reparações, mas quando o momento chegar podemos sentir-nos esmagados pelo medo e incapazes de seguir em frente. Podemos também recear a forma como as nossas reparações serão recebidas, ou achar que alguém poderá querer vingar-se. Por outro lado, podemos estar a alimentar uma esperança secreta de sermos desculpabilizados das nossas responsabilidades. Não podemos basear a nossa boa- vontade na esperança de não termos de fazer restituições. Tudo é possível quando fizermos as nossas reparações, desde sermos totalmente responsabilizados até sermos completamente
  • 93. 86 Isto Resulta desculpados. Devemos ter a boa-vontade de ir em frente, sejam quais forem as consequências. Uma vez mais, com a ajuda do nosso Poder Superior, precisamos apenas de ultrapassar o nosso medo e seguir em frente. Devemos ser corajosos quando praticamos este passo. Embora a ideia de fazer reparações nos assuste, viramo-nos para o Deus da nossa concepção na busca de força, tal como sempre temos feito. O nosso Poder Superior está conosco quando fazemos cada uma das nossas reparações. Confiamos na presença desse Poder, mesmo apesar do nosso medo de ir falar com as pessoas que prejudicámos. Podemos hesitar, temendo que as outras pessoas não nos aceitem tão prontamente como os nossos companheiros de NA o fizeram. Contudo, descobrimos que os adictos em recuperação não têm o monopólio da bondade e do perdão. Há outras pessoas que também são capazes de nos aceitar como somos e de compreender os nossos problemas. Mas, quer queiram ou não aceitar-nos, devemos prosseguir com as nossas reparações. O risco que corremos será certamente recompensado com o aumento de liberdade pessoal. Os princípios espirituais da honestidade e da humildade, que aprendemos nos passos anteriores, são inestimáveis para nós no Nono Passo. Nunca seríamos capazes de, com um espírito da humildade, nos aproximar das pessoas a quem devemos reparações, se não tivéssemos praticado antes estes princípios. A avaliação honesta que presidiu ao nosso inventário e com que fizemos as nossas admissões, o esvaziamento do ego provocado pelo Sexto e pelo Sétimo Passo, bem como a perspectiva realista da forma como prejudicámos os outros, tudo isso contribuiu para aumentar a nossa humildade e nos dar o ímpeto necessário para praticar o Nono
  • 94. Nono Passo 87 Passo. O nosso caminho levou-nos a aceitar humildemente aquilo que fomos e aquilo em que nos estamos a tornar, resultando num desejo sincero de fazer reparações a todos aqueles que prejudicámos. Este desejo de fazer reparações deverá constituir o motivo principal para praticarmos o Nono Passo. Não fazemos reparações só porque o nosso programa de recuperação o sugere. Para termos a certeza de que os nossos motivos se baseiam em princípios espirituais, poderá ser útil, antes de fazermos cada uma das nossas reparações, reafirmar a nossa decisão de entregar a nossa vontade aos cuidados do Deus da nossa concepção. Um Poder Superior a nós próprios irá assim orientar- nos. Não devemos estará espera de uma "palmadinha nas costas", ou de elogios, por vivermos segundo os princípios de recuperação. As pessoas poderão reagir de diferentes formas às nossas reparações, apreciando ou não aquilo que estamos a fazer. As relações que temos com essas pessoas poderão melhorar, ou não. Poderão agradecer-nos, ou poderão dizer-nos, "Já era tempo de fazeres isso". Não devemos ter quaisquer expectativas de como serão as nossas reparações: deixemos os resultados ao Deus da nossa concepção. É muito importante que nas nossas reparações façamos o nosso melhor. Contudo, o nosso papel termina aí. Não podemos esperar que as nossas reparações curem, como que por magia, os sentimentos magoados de alguém a quem prejudicámos. Podemos pedir humildemente por perdão, mas, se ele não nos for dado, deixamos ir essa expectativa, sabendo que fizemos o nosso melhor. Quando fazemos reparações, perguntamos a nós próprios se estamos a fazê-las por estarmos verdadeiramente sentidos e por termos um desejo
  • 95. 88 Isto Resulta genuíno de fazer reparações por aquilo que fizemos. Se a nossa resposta for "sim", podemos estar seguros de que estamos a fazer as nossas reparações no verdadeiro espírito de humildade e amor. Centrados na nossa humildade, devemos pedir, sempre que possível, a ajuda do nosso padrinho ou madrinha para as reparações difíceis, discutindo cada uma delas antes de as fazermos. Contamos ao nosso padrinho ou madrinha o motivo pelo qual queremos fazer as reparações, aquilo que tencionamos dizer, e o que pretendemos oferecer para corrigir a situação. Aquilo que pretendemos oferecer como reparação deverá ser adequado ao dano que causamos. Por exemplo, se pedimos dinheiro emprestado a alguém e nunca o pagámos, não nos limitamos a pedir desculpa - devolvemos o dinheiro. Falamos diretamente com a pessoa que prejudicámos e fazemos a reparação exata daquilo que fizemos errado. Quando fazemos reparações a alguém contra quem tenhamos um ressentimento, é imperativa uma atitude de humildade. Não queremos ir ter com alguém com a intenção de fazer reparações, e acabar aos gritos, numa discussão sobre quem terá sido mais prejudicado. Embora tenhamos de certeza reparações a fazer a pessoas que também nos prejudicaram, devemos colocar de lado os nossos sentimentos magoados. A nossa responsabilidade é fazer reparações por aquilo que nós fizemos, e não forçar os outros a admitirem como eles nos prejudicaram a nós. A nossa experiência diz-nos que as reparações constituem um processo de duas etapas. Não só fazemos reparações à pessoa a quem prejudicámos, como também as acompanhamos de uma séria mudança do nosso comportamento. Primeiro, reparamos as nossas cercas; depois,
  • 96. Nono Passo 89 reparamos os nossos caminhos. Por exemplo, alguns de nós, num acesso de raiva, podem ter destruído coisas alheias. Quando fazemos as nossas reparações, não só pedimos desculpa e substituímos ou reparamos o que estragámos, como damos também seguimento a isso com uma reparação das nossas atitudes. Reparamos o nosso comportamento através de um esforço diário para não exprimirmos mais a nossa raiva através da destruição de coisas materiais. A mudança dos nossos modos de vida constitui um processo para a vida, e é talvez a reparação mais significativa que podemos fazer. Houve pessoas que, devido a nós, sofreram durante anos, tal como as nossas famílias ou outros que nos foram próximos. As reparações desta natureza não podem ser feitas com um pedido de desculpa em cinco minutos, por muito sincero que seja. Embora uma admissão de erro, ou uma desculpa, possa constituir o ponto de partida, precisamos de prosseguir, fazendo um esforço diário concertado para parar de magoar aqueles que amamos. Se negligenciámos as nossas famílias, começamos a passar tempo com elas. Se fomos descuidados, esquecendo sempre as datas de aniversários, passamos a pensar nessas coisas, lembrando esses acontecimentos importantes. Se demonstrámos falta de consideração, por estarmos sempre embrenhados naquilo que queríamos e precisávamos, começamos agora a ser sensíveis às necessidades dos outros. Claro que podemos já não ter uma relação próxima com algumas das pessoas que prejudicámos. Por exemplo, se estivermos divorciados de uma mulher de quem temos filhos, podemos dever-lhe uma pensão de alimentos. Reparações dessas não exigem que recomecemos uma relação emocional com a nossa antiga
  • 97. 90 Isto Resulta companheira. Podemos simplesmente acordar num plano que satisfaça as nossas obrigações para com os nossos filhos, lembrando-nos de que elas não são apenas financeiras. Dado que a ação que tomamos neste passo pode ter um profundo impacto noutras pessoas, não queremos começar alegremente a fazer as nossas reparações sem primeiro as discutirmos em pormenor com o nosso padrinho ou madrinha. Alguns de nós sentiram-se compelidos a fazer as reparações por impulso, apenas para aliviar a nossa própria consciência; contudo, acabámos geralmente por piorar as coisas. Suponhamos que no nosso Quarto Passo escrevemos sobre pessoas a quem ressentimos secretamente durante anos. Sem que elas o soubessem, ridicularizámo-las, julgámo-las e condenámo-las, ou difamámos de outras formas o seu carácter perante outros. O facto de toda essa destruição de carácter ter tido lugar nas costas dessas pessoas, será razão para irmos agora ter com elas e confessarmos o que fizemos? Claro que não! O Nono Passo não se destina a aliviarmos a nossa consciência à custa dos outros. O nosso padrinho ou madrinha irá ajudar-nos a encontrar uma forma de fazermos as nossas reparações sem provocarmos danos adicionais. Embora pareça óbvio que não faríamos reparações diretas numa situação em que prejudicássemos outros, podemos descobrir que temos dúvidas quanto às reparações "diretas" a fazer a quem já faleceu, não é localizável, ou vive a milhares de quilómetros de distância. Existem muitas maneiras de fazer reparações diretas sem ser pessoalmente. Se alguém a quem devemos reparações já faleceu, poderemos escrever uma carta dizendo tudo aquilo que diríamos se a pessoa ainda fosse viva, lendo-a depois ao nosso padrinho ou
  • 98. Nono Passo 91 madrinha. Poderemos querer fazer reparações a alguém que vive a milhares de quilómetros de distância, mas a maioria de nós não tem os meios para fazer uma viagem tão grande, unicamente com esse objetivo. Em situações destas, um telefonema ou uma carta poderão servir o mesmo objetivo que as reparações feitas pessoalmente. As pessoas que não conseguirmos localizar deverão permanecer na nossa lista. Poderá mais tarde surgir uma oportunidade de fazer reparações, talvez até passado uns anos. Entretanto, deveremos manter a boa- vontade de fazer essas reparações caso haja uma oportunidade. Claro que nunca devemos evitar fazer reparações pessoalmente só porque temos medo de encarar a pessoa que prejudicámos. Esforçamo-nos por encontrar as pessoas que prejudicámos e fazer as melhores reparações ao nosso alcance. A escolha da melhor forma de fazer reparações requer um estudo cuidado. Com tempo, deveremos procurar na nossa consciência aquilo que esteja certo. Alguns de nós têm de encarar situações que não podem ser corrigidas. As nossas ações podem ter deixado cicatrizes físicas ou emocionais permanentes, ou provocado até a morte de alguém. Devemos procurar aprender a viver com isso. Vivemos com indescritíveis remorsos, sem sabermos o que é que poderíamos alguma vez fazer como reparação. É aqui que não temos outra escolha senão confiar no nosso Poder Superior. Podemos sentir dificuldade em perdoar a nós próprios, mas podemos pedir o perdão de um Deus amantíssimo. Sentamo-nos sossegados na presença do nosso Poder Superior e pedimos orientação para aquilo que possamos fazer. Muitos de nós encontraram resposta na ajuda a outros adictos, ou em outras formas de servir. Não existem respostas fáceis para problemas como estes. Fazemos simplesmente o melhor que
  • 99. 92 Isto Resulta podemos, confiando na orientação do nosso padrinho ou madrinha, e do Deus da nossa concepção. Para muitos de nós, a destruição do passado inclui coisas relativamente pequenas, como notificações do tribunal por violações de trânsito, enquanto outros cometeram crimes com consequências muito sérias. Podemos sentir-nos num dilema em relação a tais questões. Se nos entregarmos às autoridades podemos ir parar à prisão, mas, se não o fizermos, podemos viver no medo de sermos apanhados e ir parar à cadeia de qualquer maneira. Com a ajuda do nosso padrinho ou madrinha, e do Deus da nossa concepção, estamos dispostos a fazer aquilo que for preciso a fim de manter a nossa recuperação. Poderá ser muito útil consultarmos também um advogado acerca destes problemas, pois teremos de confiar em conselhos de profissionais antes de fazermos tais reparações. Há reparações financeiras particularmente difíceis que podem requerer também conselhos profissionais. Muitos de nós acumularam dívidas a um ritmo alarmante. Podemos ter dívidas que estejam muito além das nossas possibilidades de as pagar num futuro próximo, algumas podendo até ultrapassar aquilo que poderemos concebivelmente ganhar nos próximos anos. Alguns de nós raramente pagavam a renda, as contas da casa ou do telefone. Talvez tenhamos achado que seria mais fácil mudarmo-nos para outro sítio do que enfrentarmos as nossas obrigações financeiras. Tal como fazemos com todas as nossas reparações, discutimos primeiro as nossas reparações financeiras com o nosso padrinho ou madrinha. Alguns de nós começaram a sustentar as famílias desde o início da recuperação; elas
  • 100. Nono Passo 93 dependem de nós para casa e alimentação. Costumamos chegar à conclusão de que precisamos de orçamentar cuidadosamente o nosso dinheiro a fim de darmos conta de todas as despesas correntes, ao mesmo tempo que pagamos o máximo que pudermos das nossas dívidas antigas. Podemos resolver tais situações contatando os nossos credores, explicando a nossa situação e manifestando o desejo de liquidar as nossas dívidas. Acordamos num plano razoável para o pagamento das nossas dívidas e cumprimo-lo. Este é um exemplo de como fazer reparações constitui um processo e não algo que se faça "de uma vez por todas". Pagar uma dívida durante anos e anos exige de nós grande disciplina, sacrifício pessoal e compromisso, mas ao seguirmos esse caminho recuperamos o nosso respeito próprio. A maioria de nós descobre que são extremamente desconfortáveis as reparações a fazer pelos danos emocionais que causámos em relações intimas. Tal como escrevemos no nosso Quarto Passo, compreendemos que não só roubámos a nós próprios a oportunidade de relações com sentido, como causámos também profunda mágoa emocional nos nossos companheiros. Os nossos receios de intimidade ou de compromisso podem ter-nos levado a usar, a ser infiéis, ou a abandonar as pessoas que nos amavam. Geralmente não estávamos disponíveis para as pessoas que nos amavam. Enquanto que há ocasiões em que precisamos de ir ter com essas pessoas para fazermos reparações, há outras ocasiões em que será melhor deixá-las em paz, a fim de não reabrirmos velhas feridas. Reconhecer esta diferença requer uma honestidade total da nossa parte e uma comunicação aberta com o nosso padrinho ou madrinha. Quer façamos ou não reparações diretas às pessoas que prejudicámos em
  • 101. 94 Isto Resulta relações, precisamos definitivamente de mudar a forma como hoje nos comportamos nesta área. Se antes fugíamos da intimidade, precisamos de nos sentar e de aprender a comunicar com os nossos companheiros. Devemos ter mais consideração, e tornarmo-nos mais sensíveis e atentos às necessidades dos outros. Por vezes a única forma de fazermos reparações é mudarmos as nossas atitudes. Tal como vimos no Oitavo Passo, podemos dever reparações à nossa comunidade ou à sociedade em geral. Embora isso possa parecer um conceito abstrato, deveremos fazer reparações concretas ao modificarmos o nosso comportamento. Se prejudicámos a sociedade, começamos a fazer reparações tornando-nos membros produtivos da sociedade. Damos o nosso contributo e procuramos formas de dar, e não de receber. A nossa recuperação é também uma forma de fazermos reparações a nós próprios. Durante a nossa adicção ativa tratámo-nos a nós mesmos de um modo horrível. A culpa e a vergonha que sentíamos de cada vez que prejudicávamos alguém levaram-nos uma grande parte do nosso respeito próprio. A nossa adicção humilhou-nos de mil formas diferentes. Agora, em recuperação, aprendemos a tratar-nos a nós mesmos de maneiras que demonstram o nosso respeito próprio. Os resultados mais importantes do Nono Passo vão ser encontrados dentro de nós. Este passo ensina-nos imenso sobre a humildade, o amor, a generosidade e o perdão. Começamos a recuperar da nossa adicção e a não viver mais com tantos remorsos. Crescemos espiritualmente e descobrimos que estamos na verdade a ganhar um novo nível de liberdade nas nossas vidas. O nosso passado é apenas isso - o passado. Pusemo-lo para trás de nós
  • 102. Nono Passo 95 para que ele deixe de pairar sobre os nossos pensamentos, à espera de uma oportunidade para assombrar o nosso presente. Um dos dons mais maravilhosos que nos é dado pelo Nono Passo é vermos que estamos a tornar-nos seres humanos melhores. Compreendemos o quanto temos mudado pois não estamos mais a repetir as coisas que nos levam agora a efetuar reparações. Podemos não ter compreendido, até agora, quanto havíamos mudado na nossa recuperação. O processo de recuperação prova que estamos a tornar-nos pessoas verdadeiramente diferentes. O longo pesadelo da nossa adicção está finalmente a desvanecer-se na luz da alvorada da nossa recuperação. A nossa humildade aumenta quando encaramos as pessoas que prejudicámos. O impacto de vermos quão profundamente as nossas ações afetaram os outros, tira-nos da nossa auto-obsessão. Começamos a compreender que os outros têm sentimentos reais e que podemos magoá-los se formos descuidados. À medida que trabalhamos este passo aprendemos a ter consideração pelos outros, e é isso o que praticamos hoje nas nossas vidas. Torna-se natural para nós pensarmos antes de falar ou de agir, tendo em mente que aquilo que dizemos ou fazemos irá afetar os nossos amigos, as nossas famílias e os nossos companheiros de NA. Tratamos os outros com amor e simpatia, levando conosco um profundo e duradouro respeito pelos seus sentimentos. Dada a humildade e a generosidade tão necessárias às nossas reparações, poderemos surpreender-nos com a forma como o Nono Passo aumenta a nossa autoestima. Um dos aspectos mais paradoxais da nossa recuperação é que, ao pensarmos menos em nós próprios, aprendemos a
  • 103. 96 Isto Resulta amar-nos mais. Talvez não esperássemos que a nossa viagem espiritual conduzisse a uma nova apreciação de nós próprios, mas a verdade é que isso acontece. Através do amor que estendemos aos outros, compreendemos o nosso próprio valor. Aprendemos que as nossas contribuições fazem uma diferença, não só em NA, mas no mundo à nossa volta. Como resultado de praticarmos o Nono Passo, estamos livres para viver o presente, capazes de gozar cada momento e de sentir a gratidão resultante da recuperação. As memórias do passado já não nos prendem, e surgem assim novas possibilidades. Estamos livres de ir por caminhos nunca antes pensados. Estamos livres de sonhar e de procurar realizar os nossos sonhos. As nossas vidas estendem-se à nossa frente como um horizonte sem limites. Poderemos tropeçar de quando em vez, mas o Décimo Passo dá-nos a oportunidade de nos levantarmos e de seguirmos em frente. O nosso Poder Superior convidou-nos a viver, e nós aceitámos o convite com gratidão.
  • 104. 97 Décimo Passo "Continuámos a fazer um inventário pessoal e quando estávamos errados admitimo-lo prontamente." A recuperação em NA é sobre aprender a viver. Ao incorporarmos nas nossas vidas os princípios espirituais que aprendemos nos primeiros nove passos, tornou-se possível viver em harmonia conosco e com os outros. A auto avaliação, a confrontação com aquilo que descobrimos dentro de nós próprios, e o reconhecimento dos nossos erros, constituem elementos fundamentais para vivermos as nossas vidas numa base espiritual. Ao praticarmos o Décimo Passo tornamo-nos mais conscientes das nossas emoções, do nosso estado psicológico e da nossa condição espiritual. Sentimo-nos, assim, constantemente recompensados com uma perspectiva renovada. Alguns de nós olharam para trás, para o Quarto Passo, e interrogaram-se sobre a necessidade de se fazer um Décimo Passo. Podemos achar que, nos passos anteriores, já corrigimos todas as nossas falhas passadas. Dado que não temos qualquer intenção de repetir esses erros, porque é que havemos de continuar com esta implacável autoavaliação? O Décimo Passo parece, para alguns de nós, uma tarefa cansativa de concluir, um exercício doloroso que bem poderíamos evitar. Mas temos de continuar a crescer e é exatamente isso o que o Décimo Passo nos ajuda a fazer. Embora voltemos vez após vez aos passos anteriores, o Décimo Passo aumenta o nosso crescimento espiritual de uma forma diferente, criando uma consciência daquilo que se passa hoje nas nossas vidas.
  • 105. 98 Isto Resulta Nunca é demais salientar a importância de nos mantermos em contato com os nossos pensamentos, as nossas atitudes, os nossos sentimentos e comportamentos. Em cada dia que passa a vida apresenta-nos novos desafios. A nossa recuperação depende da nossa boa-vontade para enfrentar esses desafios. A nossa experiência diz-nos que alguns membros recaem, mesmo após longos períodos de abstinência, porque se tornaram complacentes na recuperação, deixando que os seus sentimentos crescessem e recusando-se a reconhecer os seus erros. Aos poucos, essas pequenas dores, essas meias-verdades e esses rancores "justificados", transformam-se em desapontamentos profundos, em sérias desilusões, em ressentimentos elaborados. Não podemos deixar que essas ameaças comprometam a nossa recuperação. Temos de lidar com situações dessas assim que elas surgem. No Décimo Passo praticamos todos os princípios que aprendemos nos passos anteriores e aplicamo-los consistentemente nas nossas vidas. Começar o dia a reafirmar a nossa decisão de viver de acordo com a vontade do nosso Poder Superior tem ajudado muitos de nós a manter-nos focados em ideais ao longo do dia. Mesmo assim iremos cometer erros que nos são muito familiares. Podemos atribuir praticamente cada erro a um defeito de carácter que identificámos no Sexto Passo. Pedir humildemente ao Deus da nossa concepção que remova as nossas imperfeições é tão necessário agora como era no Sétimo Passo. No Décimo Passo fazemos tudo isto regularmente. Cada dia fazemos o nosso inventário, procuramos aqueles momentos em que não correspondemos aos nossos ideais espirituais, e renovamos os nossos esforços para viver uma vida centrada em princípios. Por exemplo, quando somos
  • 106. Décimo Passo 99 confrontados com a tendência de agir compulsivamente, ignorando as consequências das nossas ações, precisamos de nos concentrar em princípios espirituais, tomar uma atitude prontamente, e prosseguir em frente na nossa recuperação. Embora possa, a princípio, ser difícil ganhar o hábito de praticar este passo, devemos persistir. À medida que vamos conseguindo olhar para nós próprios ao longo do dia, podemos pôr algum tempo de lado para nos autoavaliarmos. Seguimos em frente, tentando sempre tornarmo-nos cada vez mais conscientes de nós mesmos. Precisamos de desenvolver a autodisciplina. Quanto mais nos esforçarmos por isso, mais veremos que praticar o Décimo Passo tornar-se-á tão natural quanto respirar. Não que devamos ser duros com nós mesmos, pegando em todos os motivos e procurando problemas onde eles não existem. Precisamos de acompanhar a voz da nossa consciência e ouvir o que ela tem para nos dizer. Quando tivermos a sensação incómoda de que algo não está bem, devemos olhar para isso. Se os nossos sentimentos de culpa ou de raiva não desaparecerem, podemos fazer algo por isso. Sabemos quando algo nos incomoda - talvez não seja logo, mas geralmente também não é muito depois. Assim que nos tornamos conscientes de que estamos a sentir-nos mal, procuramos a causa e lidamos com ela assim que possível. Se, por um lado, procuramos manter uma consciência contínua ao longo do dia, será também útil sentarmo-nos calmamente no fim do dia e refletir sobre aquilo que aconteceu e a forma como reagimos. Por vezes, o nosso padrinho ou madrinha irá sugerir que escrevamos o nosso Décimo Passo. Podemos também utilizar o nosso folheto "Viver o
  • 107. 100 Isto Resulta Programa". Neste passo fazemos nós próprios o mesmo tipo de perguntas que fizemos no Quarto Passo. A única diferença é que a ênfase é colocada no hoje. Olhamos para o nosso comportamento presente e perguntamos a nós próprios se estamos a viver de acordo com os nossos valores. Fui honesto hoje? Estou a manter a integridade pessoal nas minhas relações com os outros? Estou a crescer, ou estou a cair nas velhas atitudes? Concentramo-nos, assim, no quadro geral do nosso dia. A fim de examinarmos o nosso dia - ou, afinal, a nossa vida, na sua totalidade precisamos da humildade que adquirimos nos passos anteriores. Aprendemos bastante acerca de nós próprios: a forma como reagimos à vida no passado e como queremos reagir à vida hoje. É necessário bastante consciência para reconhecermos humildemente o nosso papel nas nossas próprias vidas. Por vezes, quando as nossas intenções nos parecerem boas, poderemos ter dificuldade em saber quando estamos errados. Por exemplo, num dado momento da nossa recuperação, podemos participar numa reunião de serviço de um grupo firmemente convencidos de que sabemos aquilo que o grupo deverá fazer. Estudámos todas as alternativas; partilhámos energicamente os nossos pontos de vista na reunião. Estamos tão convencidos da nossa opinião que não conseguimos reconhecer a nossa presunção. Não temos olhos para os danos que estamos a causar nos outros por não respeitarmos as suas ideias tanto quanto as nossas.
  • 108. Décimo Passo 101 Outras vezes agimos de forma contrária aos nossos valores, mas, no entanto, queremos que os outros sigam os nossos padrões. Por exemplo, podemos ficar perplexos quando ouvimos outros a mexericar sobre alguém; a seguir a isso, podemos agir arrogantemente - até nos vermos a fazer exatamente a mesma coisa. Outra situação que pode acontecer é quando nos tornamos demasiado críticos. Por exemplo, podemos ter uma tendência para ter expectativas muito altas em relação aos outros e querer que toda a gente à nossa volta seja infalivelmente honesta. Contudo, temos à mão uma série de desculpas para que esse padrão não se aplique a nós! Se nos encontrarmos numa ambiguidade assim, podemos usar os princípios do Décimo Passo para nos darem uma outra luz. Pode haver outras ocasiões nas nossas vidas em que nos encontramos numa situação que parece exigir um compromisso para com as nossas crenças e para com os nossos valores pessoais. Por exemplo, se tivéssemos sido contratados por uma empresa e descobríssemos que o nosso patrão esperava que nos dedicássemos a práticas comerciais duvidosas, teríamos razão para nos sentir confusos quanto às escolhas então ao nosso dispor. Decidir o que fazer perante um dilema tão difícil constituiria uma decisão dura para qualquer um de nós. Podemos sentir-nos tentados a fazer um juízo rápido ou esperar que o nosso padrinho ou madrinha dê uma resposta fácil; descobrimos, contudo, que ninguém pode resolver um tal dilema por nós. Embora o nosso padrinho ou madrinha possa dar-nos orientação, devemos ser nós mesmos a aplicar os princípios do programa e chegar à nossa própria decisão. Somos nós, afinal, quem tem de viver com a nossa consciência. Para que nos sintamos bem, somos nós que temos de decidir aquilo que é, e aquilo que não
  • 109. 102 Isto Resulta é, moralmente aceitável nas nossas vidas. Pode tornar-se muito confuso determinar quando errámos, especialmente quando estamos imersos num conflito. Quando as nossas emoções estão exaltadas, podemos não ser capazes de olhar honestamente para nós mesmos. Conseguimos ver apenas as nossas necessidades e os nossos desejos imediatos. Nessas ocasiões, o nosso padrinho ou madrinha poderá sugerir que façamos um inventário pessoal de uma área específica das nossas vidas, para que possamos ver o nosso papel nela. Se os nossos amigos repararem que estamos a agir sobre um defeito de carácter, poderão sugerir que falemos nisso ao nosso padrinho ou madrinha. Termos uma mente aberta às sugestões do nosso padrinho ou madrinha, e dos nossos amigos de NA; prestarmos atenção àquilo que a nossa consciência nos diz; passarmos algum tempo sossegados com o Deus da nossa concepção - tudo isto poderá conduzir-nos a uma maior clareza. Uma vez cientes de que errámos - quer seja cinco minutos, cinco horas ou cinco dias depois do sucedido - precisamos de admitir o nosso erro logo que possível e reparar qualquer dano que possamos ter causado. Tal como no Nono Passo, descobrimos que o processo de admitir os nossos erros e de modificar o nosso comportamento traz-nos uma enorme liberdade. Claro que devemos ter o mesmo cuidado ao corrigirmos o nosso comportamento presente como quando fizemos reparações no Nono Passo. Por exemplo, se descobrirmos que estávamos errados quando nos sentávamos numa reunião a julgar alguém que estava a partilhar, certamente que não precisamos de ir dizer a essa pessoa aquilo que pensámos. Em vez disso, podemos fazer um esforço para sermos mais tolerantes.
  • 110. Décimo Passo 103 Devemos lembrar-nos de que o Décimo Passo não constitui um exercício parcial, para anotarmos apenas aquilo que fizemos de errado. Devemos resistir a qualquer impulso para nos obcecarmos com este passo, na procura impiedosa de todo e qualquer defeito no nosso carácter. O objetivo do Décimo Passo é que estejamos dispostos a prestar atenção aos nossos pensamentos, comportamentos e valores, e depois trabalharmos naquilo que precisamos de modificar. Deveremos reconhecer que, muitas vezes, os nossos motivos são válidos e fazemos as coisas bem. Os defeitos e as qualidades de carácter não são mutuamente exclusivos, e em cada dia iremos decerto encontrar exemplos de ambos. À medida que trabalhamos este passo, desenvolvemos objetivos orientados para a nossa recuperação. Quando vemos que temos tido medo de avançar em determinada área das nossas vidas, podemos resolver correr alguns riscos, indo buscar coragem ao nosso Poder Superior. Quando vemos que temos sido egoístas, podemos esforçar-nos por ser mais generosos no futuro. Quando compreendemos hoje que não demos o nosso melhor em determinada área da nossa vida, não temos de nos deixar subjugar por sentimentos de terror e de medo de falhar. Em vez disso, podemos estar gratos pela nossa consciência de nós próprios e começar a sentir alguma esperança. Sabemos que, ao aplicarmos o nosso programa de recuperação nas nossas imperfeições, iremos mudar e crescer. Começamos a formar uma ideia mais realista de nós próprios, como resultado de trabalharmos o Décimo Passo. Muitos de nós têm reparado na liberdade que sentimos ao admitirmos os nossos erros e largarmos as expectativas irrealistas de nós mesmos. Se antes íamos de um extremo ao outro, desde nos sentirmos melhor do que toda a gente, até
  • 111. 104 Isto Resulta acharmos que não tínhamos qualquer valor, encontramos agora um ponto de equilíbrio onde a verdadeira autoestima pode florescer. À medida que descobrimos neste passo as nossas qualidades, durante tanto tempo ignoradas, sentimos um renovar de esperança. Vemo-nos como realmente somos, aceitando as nossas virtudes assim como os nossos defeitos, sabendo que podemos mudar com a ajuda dum Poder Superior. Estamos a tornar-nos naquilo que sempre deveríamos ter sido: seres humanos completos. Embora todos nós precisemos do amor e da atenção dos outros, podemos deixar de depender das pessoas para nos darem aquilo que só podemos encontrar dentro de nós. Podemos deixar de fazer exigências descabidas aos outros e começar a dar de nós nas relações. As nossas relações de amor, as nossas amizades e as nossas interações com familiares, colegas e conhecidos, estão a sofrer uma mudança surpreendente. Estamos livres de gozar a companhia de outra pessoa, pois já não estamos obcecados conosco próprios. Vemos finalmente que todos os artifícios que utilizámos para manter as pessoas à distância são, pelo menos, desnecessários e, na maior parte das vezes, são a causa subjacente da dor que sofremos nas nossas relações. O facto de termos relações mais saudáveis é apenas uma indicação de como a qualidade das nossas vidas melhorou drasticamente, mas reflete, por outro lado, as mudanças impalpáveis, mas muito reais, que tiveram lugar dentro de nós. Toda a nossa perspectiva mudou. Preocupações como o "querer parecer bem", ou a acumulação de riquezas materiais, perdem a sua importância quando comparadas com os valores espirituais que nos são hoje queridos. Ao aceitarmos o desafio da introspecção que nos pede o Décimo Passo,
  • 112. Décimo Passo 105 descobrimos que a nossa recuperação e a nossa relação com o Deus da nossa concepção ganham valor sobre tudo o resto. À medida que se apazigua o caos interior em que vivemos durante tanto tempo, começamos a experimentar longos períodos de serenidade. Nessas alturas sentimos a presença poderosa de um Deus amantíssimo nas nossas vidas. Estamos cada vez mais conscientes desse Poder e estamos prontos a explorar novos caminhos para manter e melhorar o nosso contato com esse Poder. Ao procurarmos direção e sentido para as nossas vidas, prosseguimos para o 11o Passo.
  • 113. 106 Décimo-Primeiro Passo "Procurámos, através da prece e da meditação, melhorar o nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas pelo conhecimento da Sua vontade em relação a nós e pelas forças para realizar essa vontade." Ao longo da nossa recuperação, uma das coisas que sobressai como resultado de trabalharmos os passos é o facto de conseguirmos construir uma relação com o Deus da nossa concepção. Os nossos esforços iniciais resultaram na decisão que tomámos no Terceiro Passo. Continuámos a trabalhar os passos seguintes, cada um deles destinado a remover quaisquer obstáculos que pudessem existir entre o nosso Poder Superior e nós próprios. Em resultado disso, estamos agora abertos a receber, diretamente nas nossas vidas, o amor e a orientação do nosso Poder Superior. Para muitos de nós, as características da nossa doença e aquilo que fizemos na nossa adicção ativa separam-nos do nosso Poder Superior. A nossa auto-obsessão tornou difícil à maioria de nós acreditar até num Poder Superior a nós mesmos, quanto mais conseguir um contato consciente com esse Poder. Não víamos qualquer propósito ou sentido nas nossas vidas. Nada conseguia começar a encher o vazio que sentíamos. Parecia que não partilhávamos nada em comum com os outros. Sentíamo-nos sós num vasto universo, acreditando que não havia nada mais além daquilo que a nossa visão limitada permitia que víssemos.
  • 114. Décimo-Primeiro Passo 107 Contudo, quando começamos a recuperar, vemos que diminui a nossa obsessão por nós próprios e que aumenta a nossa consciência da presença de um Poder Superior. Começámos a ver que não estamos sós, nem nunca estivemos. Através da prática dos passos anteriores, alcançámos já um contato consciente com o Deus da nossa concepção. A nossa separação e o nosso isolamento terminaram no 11o Passo procuramos melhorar o nosso contato consciente com o Deus da nossa concepção através da oração e da meditação. Muitos de nós têm dificuldade em compreender, no 11° Passo, o significado da expressão "rogando pelas forças". A primeira vista, isto parece estar em contradição com o ponto mais básico do nosso programa de recuperação: a nossa admissão de impotência. Mas se voltarmos a olhar para o Primeiro Passo, veremos que ele diz que somos impotentes perante a nossa adicção, e não que não nos será dado o poder de realizar a vontade do Deus da nossa concepção. Partimos, de facto, de uma situação de impotência no Primeiro Passo; éramos impotentes perante a nossa adicção e incapazes de realizar qualquer vontade além da nossa. Isso não significa que no 11o Passo ganhemos poder sobre a nossa adicção. Neste passo rezamos por um determinado tipo de poder: o poder e as forças para realizar a vontade de Deus. Já não recuamos perante o crescimento espiritual, pois tornou-se tão essencial à manutenção da paz de espírito que encontrámos. No princípio da nossa recuperação talvez trabalhássemos os passos porque estávamos em dor e com medo de recair se não o fizéssemos. Mas hoje somos menos motivados pela dor e pelo medo, e levados mais pelo desejo de prosseguir na recuperação.
  • 115. 108 Isto Resulta Esta disposição para recuperar revela que nos rendemos completamente. Chegámos a um estado onde acreditamos, na verdade, que a vontade de um Poder Superior a nós mesmos é melhor do que a nossa vontade própria. Tornou-se hábito perguntarmos a nós próprios aquilo que o nosso Poder Superior desejará para as nossas vidas, em vez de tentarmos manipular as situações para que os resultados sejam de acordo com as nossas ideias daquilo que será melhor. Já não vemos mais a vontade de Deus para nós como algo que temos de suportar. Pelo contrário, esforçamo-nos por alinhar a nossa vontade com a do nosso Poder Superior, acreditando que ao fazê-lo obteremos mais felicidade e paz de espírito. E isto o que significa a rendição: acreditarmos sinceramente que, como seres humanos, podemos errar, e decidirmos, também com sinceridade, confiar num Poder Superior a nós mesmos. A rendição, o obstáculo à progressão da nossa adicção, tornou-se o alicerce da nossa recuperação. Contudo, não podemos recuperar unicamente através da rendição. Sobre ela devemos construir ação, tal como fizemos nos passos anteriores. No Décimo Passo começámos a praticar a disciplina exigida para se viver espiritualmente no dia-a-dia. Continuamos a praticar este princípio no 11o Passo, ao persistirmos nos nossos esforços para tomar ação em cada dia. Colocamos a oração e a meditação no topo da nossa lista de prioridades. Decidimos tornar a oração e a meditação parte da nossa rotina diária, tal como comer e dormir, e depois pomos em prática a autodisciplina necessária para concretizarmos a nossa decisão. Para trabalharmos este passo precisamos também de aumentar a coragem que desenvolvemos nos passos anteriores. Embora a coragem que
  • 116. Décimo-Primeiro Passo 109 demonstrámos quando nos autoexaminamos destemida e minuciosamente tenha sido muito mais do que tudo aquilo que alguma vez experimentámos, precisamos agora de desenvolver uma forma de coragem marcadamente diferente. Precisamos de coragem para viver de acordo com princípios espirituais, mesmo que tenhamos medo dos resultados. Apesar do nosso receio, fazemos aquilo que for necessário e vamos buscar coragem à fonte inesgotável que descobrimos ao recorrer ao contato com um Poder Superior a nós mesmos. Com toda esta discussão de Deus, podemos começar a sentir-nos outra vez desconfortáveis, interrogando-nos talvez sobre se será agora que se revelará a "armadilha religiosa" que esperávamos. Poderemos suspeitar que o nosso padrinho ou madrinha irá informar-nos agora de que deveremos rezar ou meditar de uma determinada forma. Antes que nos deixemos levar por estes medos, fazemos bem em nos lembrar de um dos princípios básicos da recuperação em Narcóticos Anônimos: a nossa liberdade absoluta e incondicional de acreditar em qualquer Poder Superior da nossa escolha e, claro, o nosso direito de comunicar com o nosso Poder Supe- rior da maneira que melhor convier às nossas crenças individuais. Embora alguns de nós pratiquem uma religião tradicional, é raro ouvirmos falar de crenças religiosas específicas nas nossas reuniões. Respeitamos o direito dos nossos membros de formarem as suas próprias crenças espirituais e tendemos a olhar com desagrado para tudo aquilo que possa diluir a mensagem espiritual de recuperação. Nesta atmosfera encorajadora, a maioria de nós consegue ultrapassar com relativa facilidade as nossas ideias preconcebidas acerca da maneira "correta" de rezar ou de meditar. É diferente sermos
  • 117. 110 Isto Resulta nós próprios a descobrir. Talvez tenhamos apenas uma compreensão básica do que é a oração e a meditação, sendo a oração os momentos em que falamos com um Poder Superior e a meditação os momentos em que escutamos as respostas de um Poder Superior. Talvez não estejamos cientes das muitas opções que se nos abrem. Procurá-las e explorar a sua utilidade para nós pode tornar-se desconfortável e moroso. Só através de uma mente aberta e da ação é que poderemos descobrir aquilo que nos convém como indivíduos. Podemos experimentar toda uma série de práticas até encontrarmos algo que não pareça estranho ou forçado. Se acharmos que tudo parece estranho, agarramo-nos então a uma forma de oração e de meditação até que deixem de parecer artificiais. Muitos de nós adoptaram uma atitude eclética, indo buscar a uma variedade de fontes e combinando aquelas que nos dão mais conforto e esclarecimento. Estamos num caminho espiritual que nos conduz a um maior entendimento do nosso Poder Superior. Muitos de nós têm referido a imensa alegria que descobrem ao longo do caminho. Iremos certamente ter a ajuda dos nossos companheiros de NA, ou talvez até de outros que estão também num caminho espiritual. Se procurarmos esses indivíduos e pedirmos a sua orientação, poderão ajudar-nos a encontrar as nossas próprias respostas. Contudo, partilhar a experiência de outra pessoa não nos livra de termos de procurar a nossa própria. Outros poderão ser capazes de nos mostrar o caminho que encontraram, partilhando conosco a alegria e o discernimento que ele lhes trouxe. Poderemos, todavia, ver que os nossos caminhos espirituais estão a tomar uma direção diferente, e ter de ajustar os nossos métodos de acordo com essa direção. Por fim, é em momentos de contato pessoal com o nosso
  • 118. Décimo-Primeiro Passo 111 Poder Superior que acabamos por descobrir aquilo que está certo para nós. A experiência partilhada por outras pessoas é apenas isso – experiência -, e não respostas definitivas aos mistérios da vida. A nossa concepção de um Poder Superior cresce e muda através da oração e da meditação. Vemos que é demasiado limitativo definir o nosso Poder Superior de uma forma em que a nossa concepção se torne inflexível e imutável. Poderá fazer-se um paralelismo interessante se nos lembrarmos dos tempos em que, sem pensar, dividíamos as pessoas em categorias e depois não queríamos saber delas. Privávamo-nos de uma oportunidade de conhecer os outros a um nível mais profundo. Se tratarmos o nosso Poder Superior como algo que tem de ser definido, isso poderia impedir- nos de prosseguir no crescimento espiritual, se eventualmente chegássemos a uma definição absoluta do conceito. Para além da mente aberta tão necessária à prática do 11o Passo, é essencial que procuremos ativamente o conhecimento da vontade de Deus para nós e as forças para a realizar. Esse conhecimento é aquilo que procuramos quando rezamos, quer as nossas orações sejam apelos desesperados ou pedidos calmos de orientação. Seja qual for o nosso estado de espírito quando pedimos ajuda, podemos estar certos de que os nossos esforços consistentes para procurar o conhecimento da vontade do nosso Poder Superior para nós serão recompensados. Deveremos lembrar-nos de que o 11o Passo dos Doze Passos de Narcóticos Anônimos. É no caminho aberto por estes passos que se inicia a nossa jornada futura, pede-nos para rezarmos apenas pelo conhecimento da vontade de Deus e pelas forças para a realizar. Tal como abrimos as nossas mentes e evitámos restringir a nossa compreensão do nosso
  • 119. 112 Isto Resulta Poder Superior, evitamos também colocar limitações naquilo que possa constituir para nós a vontade de Deus. Embora possa ser grande a tentação para rezar por um determinado resultado, devemos resistir ao impulso de o fazer, se quisermos experimentar as recompensas do 11° Passo. Rezar por soluções específicas para problemas específicos não é a resposta. Por exemplo, em determinada altura das nossas vidas podemos sentir-nos infelizes, mas não saber exatamente o motivo dessa tristeza. Depois de rezarmos durante alguns minutos, procurando uma solução específica para a nossa tristeza, podemos ter de repente a ideia de que todos os nossos problemas são provocados pelo nosso trabalho maçador e pelo nosso patrão exigente. Poderemos ir até extremos para nos convencermos de que a nossa ideia teve inspiração divina. Nós, como adictos, estamos sujeitos a agarrar-nos a esses pensamentos ocasionais e a segui-los, deixando impulsivamente os nossos empregos. Este exemplo poderá parecer exagerado, mas pretende mostrar que, se rezarmos apenas pelo conhecimento da vontade de Deus para nós e pelas forças para a realizar, poderemos evitar a nossa antiga tendência de permitir que caprichos fugazes ou superstições ditem o curso das nossas vidas. O conhecimento da vontade do nosso Poder Superior não costuma surgir num momentâneo raio ofuscante, mas constitui antes um despertar gradual trazido pela prática contínua da oração e da meditação.
  • 120. Décimo-Primeiro Passo 113 A prática do 11o Passo envolve uma disciplina diária de oração e de meditação. Esta disciplina reforça o nosso compromisso para com a recuperação, vivendo um novo modo de vida e prosseguindo no desenvolvimento da nossa relação com o nosso Poder Superior. Através desta prática diária começamos a vislumbrar a liberdade sem limites que está ao nosso alcance através do amor de Deus. Descobrimos que ao seguirmos tal disciplina começamos também a acreditar firmemente no nosso próprio direito à felicidade e à paz de espírito. Vemos que podemos sentir-nos satisfeitos, quer tenhamos ou não sucesso material nas nossas vidas. Podemos sentir-nos felizes e realizados com ou sem dinheiro, com ou sem um companheiro ou uma companheira, com ou sem a aprovação dos outros. Começamos a ver que a vontade de Deus para nós é a capacidade de vivermos com dignidade, de nos amarmos a nós próprios e aos outros, de rirmos, e de encontrarmos alegria e beleza à nossa volta. Os nossos desejos mais sentidos e os nossos sonhos estão a tornar-se realidade. Esses dons inestimáveis já não estão mais fora do nosso alcance. Eles são, de facto, a própria essência da vontade de Deus para nós. Na nossa gratidão, fazemos mais do que pedirmos apenas as forças para viver segundo o plano de Deus para as nossas vidas. Começamos a procurar formas de poder servir, de constituir uma diferença na vida de um outro adicto, de transmitir a mensagem de recuperação. O nosso despertar espiritual abriu-nos para a satisfação espiritual, o amor incondicional e a liberdade pessoal. Sabendo que só podemos manter este precioso dom se o partilharmos com outros, prosseguimos para o 12o Passo.
  • 121. 114 Décimo-Segundo Passo "Tendo experimentado um despertar espiritual graças a estes passos, procurámos transmitir esta mensagem a outros adictos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades." Num certo sentido, o 12o Passo engloba todos os passos. Devemos utilizar aquilo que aprendemos nos onze passos anteriores quando transmitimos a mensagem e praticamos os princípios de recuperação em todas as nossas atividades. Individual e coletivamente, cada passo contribui para a extraordinária transformação a que chamamos despertar espiritual. Muitos de nós têm-se interrogado acerca de como surgirá este despertar espiritual. Acontece de repente, ou antes devagar, durante um longo período de tempo? Embora as experiências desse despertar espiritual possam ser bastante variadas, todos nós concordamos em que ele é o resultado de se trabalhar os passos. O nosso despertar tem sido progressivo, começando no Primeiro Passo com uma centelha de consciência. Antes de admitirmos a verdade acerca da nossa adicção, conhecíamos apenas as trevas da negação. Mas quando nos rendemos, reconhecendo que sozinhos não conseguíamos deter a nossa adicção ou realizar um melhor modo de vida, houve um raio de luz que rompeu através da escuridão, dando início a um despertar espiritual. Embora seja variada a experiência de cada indivíduo com um despertar espiritual, há algumas experiências que são tão comuns ao ponto de serem quase universais. A humildade é um desses fatores comuns. Começamos a sentir humildade quando
  • 122. Décimo-Primeiro Passo 115 abrimos as nossas mentes à possibilidade de existência de um Poder Superior a nós mesmos. Para alguns de nós esta experiência foi tão espantosa que sentimos quase que um abanão físico ao sabermos que não estávamos sozinhos no nosso esforço para recuperar. O Segundo Passo permitiu-nos o nosso primeiro vislumbre de esperança. Essa esperança teve um efeito imediato e poderoso no nosso espírito desesperado, dando-nos um motivo para seguir em frente. O nosso desejo de algo diferente impeliu-nos para um nível mais profundo de rendição. No Terceiro Passo entregámos mais. Não só admitimos que não conseguíamos controlar a nossa adicção, como reconhecemos também que a nossa vontade e as nossas vidas seriam melhor deixadas aos cuidados do nosso Poder Superior. Por mais estranho que pareça, foi a esta admissão que fomos buscar a nossa maior força. À medida que trabalhámos o Terceiro Passo, começámos a compreender que poderíamos ir buscar ao nosso Poder Superior os recursos ilimitados necessários ao nosso crescimento espiritual. Isso incluía a coragem de que sabíamos vir a necessitar quando fizéssemos o Quarto Passo. Muitos de nós temíamos o processo de autoavaliação exigido por este passo, apesar dos nossos companheiros de NA nos assegurarem pacientemente de que esse processo iria recompensar-nos espiritualmente. Embora tivéssemos medo, seguimos em frente, acreditando de algum modo na experiência de outros adictos em recuperação. Uma vez completado o nosso inventário, já não precisávamos mais que nos convencessem. Nós próprios sentimos o crescimento espiritual ao longo desse processo. Os nossos espíritos foram fortalecidos pela integridade que se
  • 123. 116 Isto Resulta formava dentro de nós. O aparecimento de valores tão essenciais ao nosso carácter foi apenas um dos resultados positivos que encontrámos no Quarto Passo. Ao contrário da admissão que fizemos no Primeiro Passo, nascida do desespero, a admissão que fizemos no Quinto Passo foi voluntária. Esta revelação total e profunda, feita sem reservas, resultou num enorme avanço na nossa capacidade de nos aceitarmos a nós próprios e de confiarmos nos outros. A aceitação do nosso padrinho ou madrinha, e o amor incondicional do nosso Poder Superior, fizeram com que nos julgássemos a nós próprios com menos dureza. Desenvolvemos um pouco mais de humildade ao tomarmos consciência da natureza exata das nossas falhas. Começámos a compreender que a humildade e o ódio próprio são geralmente incompatíveis, não podendo coexistir. Com a nossa consciência da natureza exata das nossas falhas - os nossos defeitos de carácter - e a humildade inerente a essa tomada de consciência, o nosso desejo de mudança aumentou dramaticamente quando trabalhámos o Sexto Passo. Embora possamos ter-nos sentido apreensivos quanto a entregar os nossos defeitos de carácter, ultrapassámos os nossos receios ao contarmos com a confiança e a fé, que viemos a desenvolver, num Deus amantíssimo. Confiança e fé, dois elementos importantes de um despertar espiritual, tornaram possível que nos dispuséssemos inteiramente a deixar que um Poder Superior agisse nas nossas vidas. Quando pedimos conscientemente ao Deus da nossa concepção que nos ajudasse no Sétimo Passo, deu-se um importante avanço no despertar do nosso espírito. Aquele pedido constitui uma prova palpável de quanto havíamos mudado
  • 124. Décimo-Primeiro Passo 117 espiritualmente. Foi nessa altura que muitos de nós começaram a sentir a enorme diferença que um Poder Superior pode fazer nas nossas vidas. Dado que fora algo que havíamos pedido, e nos vimos assim libertados de ter de atuar sobre as nossas imperfeições, começámos finalmente a compreender aquilo que o milagre da recuperação tem para nos dar. Levados pela promessa de uma continuação de liberdade nas nossas vidas, prosseguimos para o Oitavo Passo, tornando-nos cientes daquilo que havíamos feito a outros na nossa adicção ativa. Mais uma vez vimos como a preparação espiritual dos passos anteriores nos deu forças para aguentar a dor e o remorso de fazer uma lista daqueles que prejudicámos. A nossa boa-vontade para fazer reparações a todos eles afastou-nos ainda mais das garras da auto-obsessão. A nossa busca de recuperação já não estava mais concentrada naquilo que conseguíssemos para nós próprios. Vimos além dos limites das nossas vidas, e os nossos esforços de recuperação começaram a ser mais generosos. Desenvolvemos a capacidade de sentir empatia pelos outros. Uma vez envolvidos no processo de fazer reparações no Nono Passo, pudemos ver como isso contribuiu para o nosso crescimento espiritual. A nossa humildade foi fortalecida pelo nosso recém- - encontrado reconhecimento dos sentimentos dos outros. A nossa autoestima cresceu juntamente com a nossa capacidade aumentada de perdoar, tanto a nós próprios como aos outros. Fomos capazes de dar de nós próprios. Mais do que tudo, ganhámos liberdade - liberdade para viver no presente e para sentir que pertencíamos ao mundo. A disciplina que praticámos no Décimo Passo assegurou que continuássemos a respirar nova
  • 125. 118 Isto Resulta vida nos nossos espíritos despertos. Praticámos um apego continuado aos nossos novos valores, fortalecendo assim a sua importância nas nossas vidas. Vimos que, ao nos concentrarmos primordialmente no nosso desenvolvimento espiritual, outros aspectos das nossas vidas iriam progredir naturalmente, tal como era suposto fazerem. Ao concentrarmos a nossa atenção no nosso desenvolvimento espiritual, chegámos ao 11o Passo. Nós já nos havíamos tornado crescentemente conscientes de uma poderosa presença operando nas nossas vidas: um Poder que podia restaurar a nossa sanidade e remover as nossas imperfeições. Ao reconhecermos o amor demonstrado por tais ações, começámos a compreender melhor a natureza amantíssima do nosso Poder Superior. O vazio espiritual que sentimos no início da nossa recuperação tem vindo a transformar-se em gratidão, em amor incondicional e num desejo de servir Deus e os outros. Experimentámos, sem sombra de dúvida, um despertar espiritual. A fim de cultivarmos este despertar, achamos essencial exprimir a nossa gratidão e praticar os princípios de recuperação em todas as áreas das nossas vidas. No entanto, isto não é algo que façamos apenas para assegurar a continuação da nossa própria recuperação. Narcóticos Anônimos não é um programa egoísta. De facto, o espírito do 12° Passo baseia-se no princípio do serviço abnegado. A defesa deste princípio nos nossos esforços para transmitir a mensagem é de importância crucial, tanto para o nosso próprio estado espiritual como para aqueles a quem estamos a tentar transmitir a mensagem. O 12o Passo tem um aspecto paradoxal, pois quanto mais ajudarmos os outros, mais nos
  • 126. Décimo-Primeiro Passo 119 ajudamos a nós próprios. Por exemplo, se estamos preocupados e a nossa fé está a oscilar, há poucas coisas que tenham um efeito encorajador tão imediato em nós como o ajudar o recém-chegado. Um pequeno ato de generosidade pode fazer maravilhas: a nossa auto-obsessão diminui e acabamos com uma melhor perspectiva sobre aquilo que antes parecia ser um problema inultrapassável. Cada vez que dizemos a alguém que Narcóticos Anônimos resulta, reforçamos a nossa crença no programa. Ao servirmos em Narcóticos Anônimos, muitos de nós escolhemos dar de volta ao programa da mesma forma que fomos ajudados quando chegámos. Alguns de nós, cujo primeiro contato com NA foi através de uma linha telefónica, descobriram ser gratificante trabalhar numa linha telefónica. Outros foram atraídos pelo serviço de Hospitais e Instituições, porque a primeira vez que ouviram a mensagem de NA foi numa prisão ou hospital. Qualquer que seja a forma de serviço em que decidamos envolver-nos, fazemo-lo tendo em mente o nosso propósito primordial de transmitir a mensagem. Precisamos agora de perguntar a nós mesmos: Qual é na verdade "a mensagem" que estamos a tentar transmitir? É a de que nunca mais precisamos de voltar a usar drogas? É a de que, através da recuperação, deixamos de ser prováveis candidatos a prisões, a instituições, ou a uma morte precoce? É a de esperança de que um adicto, qualquer adicto, pode recuperar da doença da adicção? Bem, é tudo isto e mais ainda. A mensagem que transmitimos é a de que, através da prática dos princípios contidos nos Doze Passos, tivemos um despertar espiritual. Aquilo que isto significa para cada um de nós será a mensagem que transmitimos àqueles que procuram
  • 127. 120 Isto Resulta recuperação. As formas de transmitir a mensagem são tão variadas quantos os nossos membros. Existem, contudo, algumas orientações básicas que nós, como irmandade, descobrimos serem úteis. Primeiro, e acima de tudo, partilhamos a nossa experiência, força e esperança. Isto significa que partilhamos a nossa experiência, não as teorias que temos ouvido de outras fontes. Isto significa também que partilhamos a nossa própria experiência, e não a de outra pessoa. Não é tarefa nossa dizer a alguém que queira recuperar onde é que ela deve trabalhar, com quem é que ela deve viver, como é que ela deve educar os seus filhos, ou qualquer outra coisa fora do campo da nossa experiência com recuperação. Alguém que estejamos a tentar ajudar pode ter problemas nestas áreas; iremos ajudá-la melhor, não através de tentarmos gerir a sua vida, mas partilhando a nossa própria experiência nessas áreas. O desenvolvimento de um estilo pessoal de transmitir a mensagem baseia-se numa simples exigência: devemos ser nós próprios a transmiti-la. Cada um de nós tem uma personalidade especial e única que irá decerto atrair muita gente. Alguns de nós têm um brilhante sentido de humor que pode alcançar alguém em desespero. Alguns de nós são especialmente ternos e compassivos, capazes de chegar a um adicto que raramente tenha sido objeto de afeto. Alguns de nós têm um talento incrível para dizer a verdade, claramente, a um adicto que esteja, literalmente, a morrer por ouvi-la. Alguns de nós constituem um recurso valioso em qualquer comité de serviço, enquanto que outros são melhores a trabalhar pessoalmente com um adicto que ainda sofre. Sejam quais forem as características da nossa personalidade, podemos estar certos de que, quando tentamos sinceramente transmitir a mensagem,
  • 128. Décimo-Primeiro Passo 121 iremos chegar ao adicto que procura recuperação. Existem, contudo, limites àquilo que podemos fazer para ajudar outro adicto. Não podemos obrigar ninguém a parar de usar. Não podemos "dar" a outra pessoa os resultados de trabalhar os passos, nem podemos crescer por ela. Não podemos remover, como que por magia, a solidão ou a dor de alguém. Não só somos impotentes perante a nossa própria adicção, como também somos impotentes perante a dos outros. Podemos apenas transmitir a mensagem; não podemos determinar quem irá recebê-la. Não é da nossa conta decidir quem está ou não pronto para ouvir a mensagem de recuperação. Muitos de nós formaram um juízo semelhante acerca do desejo de recuperar de um adicto, e erraram. Recaídas consecutivas não significam necessariamente uma falta de interesse por recuperação; por outro lado, não há tão pouco certezas absolutas de que o "recém-chegado modelo" vá conseguir. É nossa responsabilidade e nosso privilégio partilhar incondicionalmente a mensagem de recuperação com quem expresse o desejo de a ouvir. O princípio do amor incondicional está expresso na nossa atitude. Qualquer pessoa que peça ajuda tem direito à nossa compaixão, à nossa atenção e à nossa aceitação incondicional. Qualquer adicto, seja qual for o seu tempo limpo, deverá poder partilhar a sua dor numa atmosfera livre de julgamentos. A maioria de nós descobriu que somos capazes de sentir grande empatia por aqueles que sofrem da nossa doença, precisamente porque é a nossa doença. A nossa empatia não é abstrata, nem o é a nossa compreensão. É, antes, o fruto de uma experiência partilhada. Quando nos saudamos é com o reconhecimento reservado aos sobreviventes da mesma catástrofe quase fatal. Esta experiência
  • 129. 122 Isto Resulta partilhada, mais do que qualquer outra coisa, contribui para a atmosfera de amor incondicional nas nossas reuniões. Ajudar os outros é talvez a mais elevada aspiração da alma humana, e algo que nos foi conferido como resultado de um Poder Superior a trabalhar nas nossas vidas. Faríamos bem em nos lembrar de pedir ao Deus da nossa concepção que continue a trabalhar através de nós nos nossos esforços para transmitir a mensagem. Ao praticarmos diligentemente os princípios de recuperação, asseguramos que a ligação entre nós e o nosso Poder Superior se mantenha aberta e que o nosso serviço a outros esteja firmemente enraizado na espiritualidade. A espiritualidade torna-se para nós um modo de vida, à medida que vivemos segundo os princípios de recuperação. O exemplo de uma vida vivida de acordo com estes princípios é potencialmente a mensagem mais poderosa que podemos transmitir. Não precisamos de esperar até estarmos "no" Segundo Passo para praticarmos o princípio da mente aberta. A coragem e a honestidade têm um lugar nas nossas vidas, mesmo quando não estamos a escrever um inventário. A humildade é sempre um estado desejável, quer estejamos a pedir ao Deus da nossa concepção que remova as nossas imperfeições, a tratar de assuntos com um colega de trabalho, ou a falar com um amigo. O objetivo por que lutamos é praticar os princípios de recuperação em todas as nossas atividades. Tanto dentro como fora das reuniões, seja quem for que esteja envolvido, não importa quão difícil possa parecer, fazemos dos princípios de recuperação os guias segundo os quais vivemos. É apenas através da prática destes princípios no nosso
  • 130. Décimo-Primeiro Passo 123 dia-a-dia que podemos esperar alcançar o crescimento espiritual necessário para manter a nossa doença sob controle, um dia de cada vez. Embora este possa parecer um objetivo grandioso, descobrimos que ele é atingível. A nossa gratidão pelo dom da recuperação torna-se a força subjacente a tudo aquilo que fazemos, motivando-nos e abrindo o seu caminho através das nossas vidas e das vidas daqueles à nossa volta Mesmo em silêncio, a voz da nossa gratidão não deixa de ser ouvida. Ela ganha maior clareza à medida que trilhamos o caminho da recuperação, dando generosamente àqueles que vamos encontrando. Aventuramo-nos em frente no nosso percurso espiritual, as nossas vidas enriquecidas, os nossos espíritos despertos, e os nossos horizontes sempre a alargarem-se. O espírito puro que está dentro de cada um de nós, a centelha de vida que foi quase apagada pela nossa doença, foi renovado através da prática dos Doze passos de Narcóticos Anônimos. É no caminho aberto por estes passos que se inicia a nossa jornada futura.
  • 132. 125 LIVRO DOIS As Doze Tradições A secção das tradições de Isto Resulta - Como e Porquê constitui um recurso tanto para os grupos de NA como para o membro individual. O livro procura explorar os princípios espirituais contidos nas tradições, empenhar os membros no espírito - e não na lei - das tradições, e providenciar uma base para se pensar e discutir as tradições. Esta secção do livro não pretende ir ao encontro de todas as necessidades de todos os grupos ou de todos os membros; pretende, tão-só, ser um livro que irá gerar discussão e permitir uma interpretação local da aplicação prática dos princípios contidos nas tradições.
  • 134. 127 Primeira Tradição "O nosso bem-estar comum deve estar em primeiro lugar; a recuperação individual depende da unidade de NA." Narcóticos Anônimos é mais do que a primeira reunião a que vamos, ou do que as outras reuniões de NA da nossa área. Fazemos parte de um todo muito maior. Há adictos por toda a cidade, e em todo o mundo, a aplicarem os princípios de Narcóticos Anônimos na sua recuperação pessoal. Tal como, no início da recuperação, aprendemos que precisamos uns dos outros para nos mantermos limpos, viemos a acreditar que todos nós, todos os grupos e todas as reuniões de NA, somos interdependentes. Somos iguais enquanto membros de NA e todos partilhamos o interesse em manter a unidade subjacente ao nosso bem-estar comum. A unidade é o espírito que une milhares de membros por todo o mundo numa irmandade espiritual que tem o poder de mudar vidas. Uma forma de colocar o nosso bem-estar comum em primeiro lugar é dizermos que cada um de nós é igualmente responsável pelo bem-estar de NA. Na nossa recuperação descobrimos que viver sem drogas torna-se muito difícil sem o apoio de outros membros. A nossa recuperação individual depende das reuniões que se realizam regularmente, dos outros adictos que nelas participam e dos nossos padrinhos ou madrinhas, que partilham conosco como se mantêm limpos. Mesmo os membros que não podem ir a reuniões dependem do apoio de outros adictos, mantendo o contato por telefone ou carta, ou ainda através dos grupos de membros em isolamento. Tal como cada membro individual conta com o apoio da irmandade para a sua sobrevivência,
  • 135. 128 Isto Resulta também a sobrevivência de NA depende dos seus próprios membros. A nossa Primeira Tradição encoraja não só os nossos membros como, também, os nossos grupos, a colocarem o nosso bem-estar comum em primeiro lugar. Os grupos, na sua maioria, administram sozinhos quase todos os seus assuntos. Ao lidarem com as suas rotinas semanais, os grupos autónomos de NA poderão perder a noção do contexto mais global, onde cada grupo é como que um tijolo na construção do edifício de Narcóticos Anônimos. Sem esse edifício não haveria NA. A importância da nossa unidade encoraja os nossos grupos a olharem para além dos seus pequenos mundos, para as necessidades comuns da irmandade mundial de NA, colocando o bem-estar do todo acima do seu. A relação descrita na Primeira Tradição é recíproca. Os grupos trabalham juntos num espírito de colaboração, para assegurar a sobrevivência de Narcóticos Anônimos. Por sua vez, esses grupos recebem força e apoio de todos os outros grupos e de todos os nossos serviços. A força do nosso compromisso comum com NA gera a unidade que nos mantém juntos, apesar de tudo aquilo que poderia dividir-nos. O bem-estar comum de NA depende do crescimento contínuo e do bem-estar da irmandade em todos os cantos do mundo. O nosso compromisso conjunto para com a recuperação e para com o nosso bem-estar comum dá-nos um interesse pessoal pela unidade de NA. Nas reuniões encontramos um novo local ao qual pertencemos, encontramos novos amigos e a esperança de uma vida melhor. Entre nós e o grupo cresce um sentimento de interesse e de preocupação. Aprendemos a tratar os outros com bondade e com respeito, e a fazer aquilo que pudermos para nos
  • 136. Primeira Tradição 129 apoiarmos uns aos outros e ao nosso grupo. Por vezes basta a nossa presença para que nos sintamos confortados; noutras ocasiões, um telefonema ou uma carta, com umas simples palavras amigas, pode fazer a maior diferença. As nossas relações com outros adictos constituem uma fonte de força na nossa recuperação pessoal. Aprendemos a contar com as reuniões e a confiar uns nos outros para esse apoio. A unidade que vemos nas nossas reuniões é uma expressão, não só da nossa confiança mútua como, também, da nossa confiança nos princípios espirituais e num Poder Superior. A unidade de NA começa com o nosso reconhecimento do valor terapêutico da ajuda de um adicto a outro. Ajudamo-nos uns aos outros de formas diferentes. Por vezes é numa base individual, tal como na relação entre padrinhos e afilhados, ou então através da participação na abertura de novas reuniões que tornem NA acessível a mais adictos. Muitos grupos são formados quando membros de um grupo já estabelecido decidem começar uma outra reunião. A partilha da responsabilidade aumenta o nosso bem-estar comum e cria a unidade entre os membros de NA que trabalham juntos. Os grupos florescem com o apoio amantíssimo de adictos a ajudarem adictos. Fortalecemos a nossa unidade através da participação na recuperação uns dos outros. A unidade descrita na nossa Primeira Tradição não é a mesma coisa que uniformidade. Os nossos membros são adictos oriundos dos meios mais díspares, que trazem consigo uma variedade de ideias e de talentos. Esta diversidade enriquece a irmandade e dá origem a novas formas criativas de se chegar aos adictos que precisam da nossa ajuda. O nosso propósito - transmitir a mensagem ao adicto que ainda sofre - permite que todos possam servir.
  • 137. 130 Isto Resulta Quando nos unimos no apoio a este propósito, as nossas diferenças não precisam mais de nos desviar do nosso bem-estar comum. Trabalharmos juntos para o nosso bem-estar mútuo constitui uma fonte significativa da unidade em Narcóticos Anônimos. Embora pensemos na unidade como um sentimento ou uma circunstância, ela não se limita a "acontecer". A unidade subjacente ao nosso bem- estar comum exige um empenho pessoal e uma ação responsável. Por exemplo, quando aceitamos a responsabilidade pessoal de apoiar o nosso grupo- base, estamos a promover a unidade de NA e a fortalecer o bem-estar comum de toda a irmandade. O nosso compromisso para com a unidade fortalece os nossos grupos, permitindo-nos transmitir uma mensagem de esperança. As reuniões florescem nesta atmosfera de esperança. A irmandade cresce e o nosso bem-estar aumenta em resultado dos nossos esforços conjuntos. A comunicação contribui grandemente para a construção e o fortalecimento do nosso bem-estar comum. Com uma atitude de mente aberta, procuramos compreender as ideias que sejam diferentes das nossas. Os relatórios podem dizer-nos muito sobre o que se passa noutros grupos ou noutras áreas, mas o nosso bem-estar comum depende de algo mais do que apenas informação. A verdadeira comunicação envolve um esforço da nossa parte para "ouvir" à medida que lemos ou escutamos os relatórios, procurando compreender melhor as necessidades e os problemas tanto do nosso próprio grupo como também dos outros grupos, de onde quer que sejam. Se encorajarmos cada membro a falar abertamente do coração, aumentaremos a nossa capacidade de trabalhar juntos. Os relatórios regulares, uma discussão profunda e um ouvido atento, conduzem-nos a um nível de entendimento
  • 138. Primeira Tradição 131 que nos ajuda a encontrar soluções criativas que nos beneficiem a todos. As decisões de hoje podem afetar os membros de amanhã. Quando pensamos em soluções para os nossos problemas correntes, não será difícil considerar as necessidades do nosso grupo, da nossa área, da nossa região, ou mesmo da irmandade a nível mundial. Mas é também importante que nas nossas discussões nos lembremos dos "membros invisíveis", aqueles que ainda estão para chegar. Quando trabalhamos para assegurar a vitalidade de NA, não estamos apenas a trabalhar para nós, mas também para aqueles que ainda hão de juntar-se a nós. A unidade que apoia o nosso bem-estar comum é criada, não só através do nosso trabalho conjunto como, também, através das nossas brincadeiras juntos. As amizades que desenvolvemos fora das reuniões fortalecem a unidade de NA. As atividades da irmandade constituem oportunidades para convivermos uns com os outros e para nos divertirmos. As convenções, os jantares, as festas, permitem que celebremos a nossa recuperação e que nos relacionemos socialmente. Os piqueniques, as atividades ao ar livre, os aniversários, também podem, por exemplo, constituir oportunidades para as nossas famílias participarem. Fortalecemos o nosso sentido de comunidade quando aquilo que partilhamos vai além dos limites das reuniões. Desenvolvemos relações mais fortes conforme nos envolvemos mais uns com os outros. O interesse e a compreensão que nascem destas relações constituem malhas fortes no tecido da unidade de NA.
  • 139. 132 Isto Resulta A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS Nos Doze Passos de NA aprendemos a aplicar princípios para melhorar as nossas vidas. Movidos pelo milagre da recuperação pessoal, viramo-nos para fora de nós a fim de partilharmos esse milagre com os outros. É esta a essência do serviço em NA. Ao apoiarmos a nossa unidade, começamos por aplicar princípios que orientem o nosso próprio comportamento. Os grupos orientam- se segundo os mesmos princípios, o que gera um sentido de unidade que fortalece a nossa capacidade de darmos a mão a outros, aumentando o nosso bem- estar comum. Alguns dos princípios que parecem particularmente importantes para a unidade incluem a entrega e a aceitação, o compromisso, a generosidade, o amor e o anonimato. Ao praticamos estes princípios vamos encontrando outros que também fortalecem a unidade. A entrega e a aceitação abrem as portas à unidade. À medida que cresce a nossa confiança num Poder Superior, torna-se mais fácil prescindirmos dos nossos desejos pessoais e pararmos de lutar apenas por aquilo que queremos. Com uma atitude de entrega torna-se mais fácil, também, trabalhar em conjunto num grupo. A Primeira Tradição apresenta um quadro de adictos a trabalharem juntos, em todo o mundo, no apoio à recuperação uns dos outros. Tentamos lembrar-nos deste objetivo em todas as nossas ações, como indivíduos ou como grupos. Se virmos que os nossos desejos pessoais, ou os objetivos do nosso grupo, entram em conflito com esse ideal, a unidade pede que os ponhamos de lado e aceitemos a orientação que melhor desenvolva o maior bem-estar de Narcóticos Anônimos. É unicamente através da decisão de fazermos parte desse todo que poderemos apoiar a unidade tão essencial à nossa sobrevivência
  • 140. Primeira Tradição 133 pessoal. O compromisso constitui outro ingrediente essencial à unidade. O nosso compromisso pessoal para com o nosso propósito comum é um dos laços que nos une. Quando sabemos que pertencemos a NA, e quando nos comprometemos a ficar, tornamo- nos parte de um todo maior. O nosso sentido de pertença está estreitamente ligado ao nosso grau de compromisso com a recuperação em NA. Como grupos, a força combinada desse compromisso constitui uma poderosa energia para servir os outros, tornando-nos capazes de transmitir a mensagem de esperança que irá apoiar-nos a todos na nossa recuperação. O compromisso é uma decisão apoiada pela nossa crença em NA como um modo de vida. A presença regular em reuniões é uma das formas de vivermos essa crença. Darmos as boas-vindas aos recém-chegados, ou darmos o nosso número de telefone a alguém que precise de ajuda, também reflete a nossa decisão. Apadrinhar alguém, partilhar em reuniões, colocar as cadeiras antes de uma reunião - são formas de expressarmos o nosso compromisso. Cada membro encontra um nível de serviço que se adapte bem a um programa de recuperação equilibrado. A generosidade é outro elemento indispensável à unidade. Os princípios que aprendemos nos passos ajudam-nos a largar o nosso egoísmo e a servir com amor as necessidades dos outros. Para mantermos os nossos grupos saudáveis, colocamos as suas necessidades acima dos nossos desejos pessoais. O mesmo princípio aplica-se aos assuntos do grupo. Ao pormos de lado aquilo que possamos querer enquanto grupo, pensamos nas necessidades da irmandade e procuramos formas de apoiar o nosso bem-estar comum. A nossa
  • 141. 134 Isto Resulta capacidade de sobreviver como irmandade, e de dar a mão aos outros, depende da nossa unidade. O amor constitui um princípio que é expresso, na prática, através da nossa boa-vontade uns para com os outros. Contribuímos para a unidade nas nossas reuniões quando temos cuidado com a maneira como falamos e como nos tratamos uns aos outros. Tentamos partilhar a nossa experiência, força e esperança de uma forma que demonstre que a recuperação pode ser encontrada em Narcóticos Anônimos. Uma atmosfera de amor e de preocupação pelos outros, nas nossas reuniões, ajuda-nos a sentirmo-nos confortáveis e seguros. O amor que assim atrai os recém-chegados fortalece- nos a todos, alimentando o nosso sentido de unidade e de bem-estar comum. O anonimato, o alicerce espiritual das nossas tradições, também apoia a unidade em NA. Quando aplicamos o anonimato à Primeira Tradição, passamos por cima das diferenças que poderiam separar-nos. No contexto da unidade, o anonimato significa que a mensagem de recuperação é para todo o adicto que a queira. Aprendemos a colocar de lado os nossos preconceitos e a concentrar-nos na nossa identidade comum como adictos que somos. Cada um de nós tem o mesmo direito e igual responsabilidade pelo bem-estar de Narcóticos Anônimos. Tal como o anonimato é o alicerce espiritual das nossas tradições, a unidade de que se fala na Primeira Tradição constitui o alicerce prático sobre o qual podemos edificar grupos fortes e bem- sucedidos. Cada uma das tradições seguintes ergue- se sobre a força da união da nossa irmandade, recordando a importância vital do bem-estar comum para cada membro individual e para cada grupo. Com a unidade como nosso alicerce prático,
  • 142. Primeira Tradição 135 descobrimos que o nosso relacionamento uns com os outros é mais importante do que qualquer questão que possa surgir para nos dividir. A nossa necessidade de nos apoiarmos uns aos outros é mais importante do que qualquer problema ou desacordo que possa existir. A importância fundamental do nosso bem-estar comum fortalece o nosso entendimento de todas as outras tradições. Para muitas questões bastará determinar o modo como a ação pretendida irá afetar a unidade da irmandade: irá dividir-nos, ou irá unir-nos ainda mais? A unidade é o espírito que junta membros por todo o mundo numa irmandade espiritual que tem o poder de mudar vidas. Ao esforçarmo-nos por ver mais além do que as nossas ideias individuais e os interesses do nosso próprio grupo, começamos a compreender que o bem-estar comum de NA deverá vir em primeiro lugar. Através da nossa confiança num Poder Superior amantíssimo, encontramos a força para juntos trabalhar pelo nosso objetivo comum de recuperar da adicção. Na unidade que nasce da confiança, estamos prontos para trabalhar em conjunto pelo nosso bem-estar comum.
  • 143. 136 Segunda Tradição "Ao nosso propósito comum preside apenas uma autoridade - um Deus amantíssimo que se manifesta na nossa consciência coletiva. Os nossos líderes são apenas servidores de confiança; não têm poderes para governar." A Segunda Tradição assenta no alicerce prático da Primeira Tradição. Começamos com a unidade baseada e fortalecida no nosso compromisso para com a recuperação em Narcóticos Anônimos. O nosso compromisso reflete-se no serviço, do qual nasce o nosso bem-estar comum: apoiar uma reunião, partilhar com outros membros, apadrinhar alguém, qualquer uma das formas de dar a mão a outros adictos. Também enquanto grupo o nosso propósito é servir, transmitir a mensagem. Todo o nosso serviço em NA está relacionado com este propósito. Contudo, sem uma direção, os nossos serviços ficariam desprovidos de consistência. Procuramos a orientação de um Poder Superior para nos guiar no serviço aos outros. O serviço pessoal surge da aplicação de princípios. O ideal é que ele se baseie numa relação com o mesmo Poder Superior que nos guia na nossa recuperação pessoal. Esse Poder Superior também guia os vários elementos da nossa irmandade. A nossa orientação no serviço vem de um Deus da nossa concepção, quer sirvamos enquanto indivíduos, enquanto grupos, ou enquanto comités ou comissões de serviço. Sempre que nos juntamos, procuramos a presença e a orientação desse Poder Superior amantíssimo. Essa orientação guia-nos através de todas as nossas ações.
  • 144. Segunda Tradição 137 Toda a gente tem opiniões acerca de como servir melhor. Quando cada um de nós propõe um plano diferente para uma determinada ação, como é que chegamos a uma decisão? Quem é que tem a última palavra nas nossas discussões? A última palavra, na nossa opinião, deverá pertencer a um Deus amantíssimo, a fonte da nossa unidade - o mesmo Poder Superior que orienta a nossa recuperação pessoal. Se quisermos receber a orientação de uma autoridade suprema, precisaremos de encontrar formas de a escutarmos juntos. O processo que utilizamos é o da consciência de grupo. O seu sucesso depende da nossa boa-vontade, enquanto indivíduos, para procurarmos a nível pessoal a orientação de um Poder Superior. Trazemos então essa boa-vontade para o seio do grupo. Há algo que acontece quando praticamos os passos e aprendemos a aplicar princípios espirituais nas nossas vidas: desenvolvemos uma consciência do nosso comportamento individual e dos seus efeitos em nós próprios e nos outros, consciência essa que reflete a nossa relação com um Poder Superior. É o reflexo da orientação que recebemos do Deus da nossa concepção e do nosso compromisso de seguirmos essa orientação. Sempre que nos juntamos nos nossos grupos dá-se um processo semelhante.- desenvolve-se uma consciência coletiva que reflete a relação entre os nossos membros e um Poder Superior amantíssimo. Quando consultada regularmente, essa consciência coletiva orienta-nos no cumprimento do nosso propósito primordial, ao mesmo tempo que preserva a nossa unidade e o nosso bem-estar comum. A consciência de grupo pode ser vista nos mesmos termos que a consciência pessoal. Ela reflete uma consciência, coletiva, de princípios
  • 145. 138 Isto Resulta espirituais, um entendimento dos mesmos, bem como uma rendição a eles. A consciência de grupo ganha forma e é revelada quando os seus membros se sentam para falar das suas necessidades pessoais, das necessidades desse grupo e das necessidades de NA no seu todo. Cada membro, quando partilha com o grupo, apoia-se na sua relação com um Poder Superior. À medida que os membros se ouvem uns aos outros com atenção, e consultam o seu Deus amantíssimo, algo acontece: as soluções para os problemas começam a surgir, soluções essas que levam em consideração as necessidades de todas as partes envolvidas. Ao desenvolver-se uma consciência de grupo, começa a emergir claramente um consenso. Com base nisso, um grupo poderá decidir-se então por uma votação, como meio de tomar as suas resoluções. No entanto, em circunstâncias ideais, o grupo prossegue na sua discussão até se chegar a um entendimento unânime. A solução resultante poderá ser tão óbvia que dispensará uma votação. A consciência de grupo não é fixa ou rígida. Sabemos que a consciência individual se altera, à medida que a relação do indivíduo com um Poder Superior cresce e se fortalece. Da mesma forma, a consciência de um grupo desenvolve-se conforme os seus membros amadurecem na recuperação, ou quando chegam novos membros e a situação do grupo se modifica. A consciência de grupo constitui um processo que pode funcionar de várias maneiras, consoante as circunstâncias. Não é razoável que esperemos que a solução para as necessidades de um dado grupo hoje seja adequada para todos os grupos; essa solução pode, de facto, nem sequer se aplicar ao mesmo grupo numa ocasião posterior. Os princípios que envolvem a consciência de grupo são sempre os
  • 146. Segunda Tradição 139 mesmos, mas os momentos e as situações através dos quais a nossa consciência nos guia estão constantemente em mudança, exigindo, por isso, que ela nos dite coisas diferentes em situações diferentes. É importante que continuemos a cultivar a nossa consciência de grupo, procurando a orientação de um Poder Superior amantíssimo, sempre que nos surja uma questão. A entrega a uma consciência de grupo significa que permitimos que a nossa irmandade seja moldada por um Poder Superior amantíssimo. Somos por vezes tentados a controlar os assuntos diários do nosso grupo, do nosso comité de serviço, ou da nossa comissão, na presunção de que o nosso enorme interesse pelo bem-estar da irmandade nunca permitiria que nos desviássemos do caminho. No entanto, à medida que a nossa confiança aumenta, compreendemos que o grupo é dirigido por um Poder Superior amantíssimo. A nossa fé nesse Poder Superior é demonstrada pela nossa boa- vontade em seguir a direção definida na nossa consciência de grupo, acreditando que tudo irá correr bem. Qualquer grupo, comissão ou comité pode ficar paralisado devido a desacordos, ou ser desviado por problemas aparentemente inultrapassáveis. Nessas situações é importante que nos concentremos, não nos nossos próprios problemas, mas sim, nos princípios do programa e nas soluções por eles apontadas. Um acordo é alcançado quando nos afastamos do caminho e deixamos que um Poder Superior amantíssimo nos guie. Só somos capazes de escutar a orientação de um Poder Superior quando procuramos ouvi-la. A consciência de grupo é expressa com maior clareza quando todos os seus membros são considerados
  • 147. 140 Isto Resulta iguais, pois um Poder Superior exprime-se através de todos nós, independentemente do tempo limpo ou da experiência. A consciência de grupo existe sempre; nós é que nem sempre estamos dispostos a ouvi-la, ou mesmo a permitir que ela se exprima. Ouvir uma consciência de grupo pode exigir tempo e paciência. Uma abordagem flexível convida um Poder Superior amantíssimo a guiar o nosso processo de consciência de grupo. Na nossa recuperação pessoal, os nossos pensamentos e ações mudam à medida que crescemos espiritualmente e nos mantemos limpos. Não melhoramos de um dia para o outro, e o nosso crescimento é, por vezes, ocasional e irregular. Este mesmo padrão de crescimento e de amadurecimento ocorre também na nossa irmandade. Conforme os nossos grupos crescem e se desenvolvem, os nossos recursos também mudam, bem como as nossas necessidades. Os grupos podem substituir os seus servidores de confiança, alterar o seu formato de reunião, mudar de local, conforme os seus recursos e as suas necessidades; os comités de serviço podem expandir as suas subcomissões, alargar-se para novas áreas, ou unir os seus esforços aos de outras subcomissões. Por vezes, estas mudanças poderão não se assemelhar a progresso; tal como a nossa recuperação pessoal nem sempre se desenvolve de forma ordenada, também a nossa irmandade nem sempre se desenvolve como esperávamos. Quando os grupos e comités atravessam este processo de crescimento, a sua consciência coletiva também pode desenvolver-se. As mudanças na consciência de grupo não deverão constituir motivo de alarme, pois fazem parte do processo de crescimento. Quando um grupo ou comité procura a orientação de um Poder Superior amantíssimo, poderá designar alguns dos seus membros para
  • 148. Segunda Tradição 141 ajudarem a implementar essa orientação. Quando pedimos aos membros para servir, não é porque os consideremos, por algum motivo, melhores do que os restantes. A liderança em NA constitui um serviço e não uma classe à parte. É por isso que chamamos aos nossos líderes "servidores de confiança". Quando escolhemos um membro para nos servir em determinado cargo, exercemos uma confiança mútua; confiamos na consciência que influenciou a nossa escolha, pois ela reflete a nossa relação coletiva com um Poder Superior amantíssimo, e estendemos essa confiança aos membros que escolhemos para servir. Temos igualmente fé em que eles irão aplicar princípios nas suas ações, procurar e partilhar as mais pormenorizadas informações disponíveis, e trabalhar para aumentar o bem-estar comum da irmandade. A relação entre os servidores de confiança e o grupo é recíproca: os membros são escolhidos para servir, com base na dedicação e na lealdade, e aqueles que os escolhem são responsáveis por apoiar esses seus servidores. Quando nos pedem para servir, compre- endemos que somos responsáveis perante um Poder Superior amantíssimo que se manifesta na consciência de grupo. Reconhecemos esta responsabilidade quando encaramos o serviço com uma atitude de generosidade e de amor. Os princípios incorporados nas tradições aplicam-se a todas as nossas ações. Podemos virar-nos para a nossa consciência individual, bem como para a consciência coletiva, ao procurarmos orientação para tudo o que seja preciso fazer para cumprir as nossas responsabilidades. Esta ligação à consciência de grupo é fortalecida quando, como servidores de confiança, mantemos um fluxo contínuo de informação honesta
  • 149. 142 Isto Resulta e aberta. E fortalece-se ainda mais quando procuramos servir, em vez de governar. Ajudamos a formação da consciência do nosso grupo ou comité, através da orientação de um Poder Superior, ao mantermos um fluxo de informação completa e imparcial. As ideias e a orientação do grupo serão então transmitidas quando representarmos essa consciência. Os nossos servidores de confiança lideram- nos melhor através do seu exemplo pessoal. O ideal será basearmos a sua escolha nos princípios da recuperação que vemos serem praticados nas suas vidas. Encorajamos os nossos servidores de confiança a manterem-se abertos a novas ideias, a tomarem conhecimento de todos os aspectos do serviço em NA, e a prosseguirem na sua recuperação pessoal. Todos estes atributos são essenciais à sua capacidade de nos servirem bem. A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS No início deste capítulo referimos que o serviço surge da prática de princípios. Ao aplicarmos esses princípios, aprendemos a procurar orientação. Falamos com o nosso padrinho ou madrinha, partilhamos com os nossos amigos de NA, e escutamos a orientação de um Poder Superior. Alguns dos princípios que parecem ser importantes na Segunda Tradição incluem a entrega, a fé, a humildade, a mente aberta, a integridade e o anonimato. Começamos por nos render, numa entrega à nossa autoridade final, o Deus da nossa concepção, com o qual desenvolvemos uma relação pessoal; entregamo-nos à orientação desse Poder Superior, tal como é revelada na nossa consciência de grupo. Renovamos o nosso compromisso para com o bem- estar comum de NA, ao colocarmos as necessidades
  • 150. Segunda Tradição 143 da irmandade acima dos nossos próprios desejos. Ter fé significa pôr em ação a nossa confiança num Poder Superior amantíssimo. A aplicação deste princípio espiritual permite que nos entreguemos à consciência de grupo com esperança em vez de medo, e recorda-nos constantemente que a nossa orientação provém de um Poder Superior a nós mesmos. A fé exige coragem. Por vezes, e apesar da nossa ansiedade, demonstramos ativamente a nossa fé. Ela é fortalecida através da experiência de vermos um Poder Superior amantíssimo em ação na nossa irmandade. A humildade é, na prática, a avaliação honesta das nossas forças e fraquezas, necessária à nossa boa-vontade para nos rendermos. A humildade preparamos para colocarmos de lado as nossas vontades pessoais, de modo a podermos servir eficazmente a nossa irmandade. Primeiro que tudo, olhamos para a humildade para nos lembrarmos de que não somos, só por nós, capazes de orientar os assuntos de Narcóticos Anônimos. Somos então lembrados da nossa fonte de força: um Poder Superior amantíssimo. Ao praticarmos a humildade nos nossos esforços para servir, damos lugar a uma mente aberta. Lembramo-nos de que, tal como necessitamos da experiência de outros adictos para recuperar, também precisamos das suas orientações e das suas ideias para servir. Aprendemos a cultivar ativamente a nossa faculdade de ouvir, usando os nossos ouvidos, mais do que as nossas bocas, nas nossas conversas com outros. Quando temos uma mente aberta, ouvimos e aceitamos as soluções apresentadas pelos outros na formação de uma consciência de grupo. A aplicação deste princípio ensina-nos a pôr de lado os nossos preconceitos a fim de trabalhar com os outros. Ao praticarmos uma
  • 151. 144 Isto Resulta mente aberta, alimentamos uma atitude de boa- vontade para com os outros e prontificamo-nos a servir, tendo em mente o nosso bem-estar comum. Só com uma mente aberta é que poderemos reconhecer a orientação de um Poder Superior amantíssimo. A integridade é a aplicação consistente de princípios espirituais, sejam quais forem as circunstâncias. Os líderes que demonstrarem esta qualidade inspirarão a nossa confiança. Serviremos melhor quando manifestarmos um respeito honesto pela confiança que os outros depositaram em nós. A lealdade e a dedicação a essa confiança refletem a integridade pessoal dos nossos servidores. Quando escolhemos membros para nos servirem, procuramos geralmente a integridade como sinal de que eles serão merecedores de confiança. O princípio espiritual do anonimato recorda- nos de que somos todos iguais em Narcóticos Anônimos. Não há nenhum membro ou grupo que tenha o monopólio sobre o conhecimento da vontade de um Poder Superior. Praticamos o anonimato ao darmos o nosso amor, a nossa atenção e o nosso respeito a todos, sejam quais forem os nossos sentimentos pessoais em relação a outros indivíduos. Todo o membro tem um papel no desenvolvimento da consciência de grupo. Somos todos iguais perante a expressão de um contato consciente com um Poder Superior da nossa concepção. A Segunda Tradição orienta-nos nas nossas relações com os outros. Um Poder Superior amantíssimo constitui a fonte de direção para NA no seu todo. Este Poder Superior é também a fonte dos princípios que aplicamos quando fazemos serviço. Podemos utilizar esses princípios quando procuramos uma orientação, seja como indivíduos, ou como grupos, comités ou comissões de serviço.
  • 152. Segunda Tradição 145 O serviço destina-se àqueles que servimos. O nosso melhor talento a servir está na capacidade de chegarmos a outros adictos, de nos identificarmos com eles e de lhes darmos as boas-vindas, de recebermos o adicto que vem à sua primeira reunião e de assegurarmos que o recém-chegado continue a voltar. Qualquer um de nós é capaz de fazer isto. Com a direção de um Poder Superior amantíssimo tornamo-nos mais capazes de ajudar os outros. O serviço à Irmandade de Narcóticos Anônimos tem as suas próprias recompensas. Quando praticamos princípios espirituais no nosso dia-a-dia, desenvolve-se uma relação mais forte com o nosso Poder Superior. A nossa relação com o nosso grupo e com a irmandade fortalece-se também. O serviço em NA constitui uma experiência de aprendizagem que nos permite crescer. Começamos a olhar para além dos nossos interesses, colocando de lado a nossa perspectiva egocêntrica da vida, a fim de melhor servirmos o todo. Beneficiamos espiritualmente através do nosso serviço generoso.
  • 153. 146 Terceira Tradição "O único requisito para se ser membro é um desejo de parar de usar." Narcóticos Anônimos possibilita a recuperação a adictos em todo o mundo. Concentramo-nos na doença da adicção e não numa droga específica. A nossa mensagem é suficientemente abrangente para atrair adictos de qualquer classe social ou nacionalidade. Quando novos membros chegam às reuniões, o nosso único interesse concentra-se no seu desejo de se libertarem da adicção ativa, e na forma como poderemos ajudá- los. A Terceira Tradição ajuda NA a proporcionar a recuperação a um grande número de adictos, livrando-nos, ao mesmo tempo, de termos de julgar os novos membros. Elimina a necessidade de haver comités para os receber ou de se preencher formulários de inscrição. Não nos são pedidas quaisquer avaliações das aptidões para recuperar, seja de quem for. Dado que o único requisito para se ser membro é um desejo de parar de usar, nós, enquanto membros, não temos motivos para nos julgarmos uns aos outros. O desejo não é algo que se possa medir. Vive no coração de cada membro individual. Dado que não podemos julgar o único requisito para se ser membro, somos encorajados a abrir completamente as portas das nossas reuniões a qualquer adicto que deseje juntar-se a nós. Pedem-nos que estendamos aos outros o interesse e a preocupação que nos ajudaram a sentirmo-nos parte da irmandade. Ao encorajar-nos a dar as boas-vindas aos outros, a Terceira Tradição ajuda NA a crescer.
  • 154. Terceira Tradição 147 Ser-se membro constitui uma decisão pessoal de cada indivíduo. Cada adicto deve ter a liberdade de tomar essa decisão e de reafirmar o seu compromisso para com a recuperação. Podemos ajudar os outros a sentirem-se à vontade nos nossos grupos ao lhes darmos as boas-vindas, ao partilharmos com eles antes ou depois das reuniões, e ao trocarmos números de telefone. Tentamos certificar-nos de que qualquer adicto que venha às nossas reuniões não é mandado embora. Tentamos sempre escolher, dentro do possível, o local de melhor acesso para as nossas reuniões, e poderemos também escolher um formato mais atrativo. Mas, mais do que tudo, encorajamos todo o adicto a continuar a voltar. O desejo de um membro não está necessariamente ligado a uma qualquer circunstância externa. O que é que faz com que um adicto se mantenha limpo, enquanto que outro volta a usar? Nenhum de nós pode dizer quem é que vai recuperar e quem é que vai recair. Não existem garantias, relacionadas com o tipo de drogas usadas ou o percurso de uso. Não podemos vaticinar mais hipóteses de sucesso para adictos de uma determinada idade, ou para aqueles que tenham usado durante um certo número de anos, ou para mulheres em relação a homens, ou para qualquer outro caso. Tal como não somos capazes de medir o desejo de uma pessoa de se manter limpa, tão pouco estamos preparados para decidir quem deverá tornar-se membro. Somos livres de dar as boas- vindas, em vez de julgar. Assim, em vez de julgarmos, procuramos formas de ajudar. A nossa tarefa é a de agitar a chama do desejo, e não a de abafá-la. Qualquer adicto que entre numa reunião, mesmo que esteja a usar, demonstra um grau de boa-vontade que deverá
  • 155. 148 Isto Resulta ser considerado. Embora deva manter-se uma ênfase sobre a importância da abstinência total, os adictos que ainda estejam a usar são bem-vindos nas nossas reuniões, sendo especialmente encorajados a continuarem a voltar. Muitos adictos em recuperação não têm acesso a reuniões regulares, por estarem detidos em cadeias, por viverem longe, por incapacidade física, ou por motivos profissionais. Estes adictos são membros de pleno direito desde que tenham o desejo de parar de usar, e merecem a mesma consideração e o mesmo apoio que qualquer outro membro. São várias as razões que nos levam à nossa primeira reunião. Os nossos motivos para vir a NA não são aquilo que mais interessa. O desejo de parar de usar pode não estar claramente identificado; pode não passar de uma vontade dissimulada de que a dor seja aliviada. Mas esse anseio leva-nos, muitas vezes, a procurar soluções que de outro modo poderíamos nem sequer considerar. A experiência de ouvir outros adictos partilharem sobre recuperação irá geralmente inflamar o desejo de parar de usar. Há adictos que vêm a uma reunião, ouvem a mensagem e regressam à vida de uso. Aqueles que voltam às reuniões depois de uma recaída costumam dizer que o seu desejo de parar de usar nasceu da dor dessa recaída. São muitos os motivos que nos trazem a NA, mas acabamos por ficar quando encontramos e mantemos o desejo de parar de usar. O grupo não é o juiz desse desejo. Não podemos medir ou arbitrar a boa-vontade. A boa- vontade de qualquer adicto para vir a uma reunião deverá constituir indicação suficiente do seu desejo. Um adicto poderá demorar algum tempo a encontrar o desejo que o manterá em Narcóticos Anônimos. A ninguém deverá ser negada uma oportunidade de se manter o tempo suficiente para desenvolver esse
  • 156. Terceira Tradição 149 desejo, que poderemos alimentar através da nossa aceitação e do nosso afeto. A redação da Terceira Tradição reflete o amplo conceito do nosso Primeiro Passo. Encontra- se escrita de uma forma suficientemente simples para incluir adictos de todos os países e culturas, sejam quais forem as drogas que tenham usado. Antes de encontrarem a recuperação em NA, muitos adictos não veem o álcool como um problema. Outros abusam de receitas médicas, pensando que não há mal nas drogas "legais". Dada a forma como esta tradição está escrita, podemos atrair e dar as boas-vindas a adictos que julguem que não usaram as drogas "certas" para se qualificarem como membros de NA. Cada adicto deverá decidir por si se NA é ou não a resposta para o seu problema. Nós não podemos tomar essa decisão pelos outros. Embora a Terceira Tradição esteja escrita de forma simples, sabemos que, quando ela fala de "um desejo de parar de usar", trata-se de usar drogas. Compreendemos que NA é um programa de recuperação para toxicodependentes. Embora a palavra "adicção" tome um significado mais amplo à medida que prosseguimos na recuperação, é importante lembrarmo-nos de que o motivo inicial que nos trouxe a NA foi o nosso problema com drogas. Se quisermos que os novos membros sintam que pertencem a NA, eles precisam de ouvir algo com que possam identificar-se. Eles encontram essa identificação nesta irmandade de adictos em recuperação, chamada Narcóticos Anônimos. Muitos de nós sabem que são adictos quando vão à sua primeira reunião. Não se trata de algo que tenhamos de decidir: trata-se somente de uma realidade. Ser-se membro, contudo, implica mais do que o ser adicto - significa tomarmos uma decisão. Se nos identificarmos com o que ouvimos em NA e
  • 157. 150 Isto Resulta nos relacionarmos com as pessoas que encontramos, iremos querer aquilo que NA tem para oferecer. Enquanto tivermos um desejo de parar de usar, seremos livres de tomar a decisão de nos juntarmos a Narcóticos Anônimos. Depois, e uma vez tomada essa decisão, precisamos de continuar, comprometendo-nos com os princípios de NA. Estaremos, assim, a seguir honestamente o caminho da recuperação. A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS A Terceira Tradição encoraja-nos a não nos julgarmos uns aos outros, guiando-nos no serviço em direção a uma atitude de ajuda, de aceitação e de amor incondicional. Tal como vimos nas tradições anteriores, o nosso percurso em serviço surge da aplicação de princípios. Alguns dos princípios que apoiam esta tradição são a tolerância, a compaixão, o anonimato e a humildade. A tolerância recorda-nos de que não é nossa tarefa julgar seja quem for. A doença da adicção não exclui ninguém. Assim, também NA não pode excluir nenhum adicto que deseje parar de usar. Aprendemos a ser tolerantes para com adictos que venham de meios diferentes dos nossos, lembrando- nos de que não somos melhores do qualquer outro adicto numa reunião. A adicção é uma doença implacável. Sabemos que os adictos que não encontram a recuperação não poderão esperar muito mais do que as prisões, os hospitais ou a morte. Recusarmos a entrada a qualquer adicto, mesmo aquele que venha apenas por curiosidade, poderá significar uma sentença de morte para ele. Aprendemos a praticara tolerância para com os adictos que não se pareçam conosco, que não pensem como nós, ou que não partilhem da mesma forma que nós. Ensinamos
  • 158. Terceira Tradição 151 através do exemplo. Se pressionarmos novos membros a falarem ou a agirem como nós, poderemos estar a mandá-los de volta para as ruas, negando-lhes certamente o direito de recuperarem e de aprenderem à sua maneira. A compaixão traduz-se na bondade que pomos nos nossos esforços ao servir os outros. Através da compaixão manifestada nas nossas ações, aprendemos a apoiar outros membros em quaisquer dificuldades que possam estar a atravessar. Costumamos ser rápidos demais a julgar a qualidade da recuperação dos outros, ou a sua boa-vontade. A Terceira Tradição pede-nos que coloquemos de lado a nossa mania de ter sempre razão. Dado que não nos é possível medir o único requisito para se ser membro, tão pouco temos o direito de julgar o desejo dos outros. A nossa atitude deverá ser de aceitação e de amor para com todos os adictos, sejam quais forem os problemas que possam estar a viver. A aplicação generosa da compaixão é mais terapêutica para o adicto que sofre, do que a aplicação gratuita do julgamento. A humildade recorda-nos de que não somos divinos. Não podemos profetizar a prontidão, seja de quem for, para ouvir a mensagem. Tentamos lembrar-nos dos nossos próprios medos e da nossa confusão quando da nossa primeira reunião. Precisamos da ajuda e do encorajamento uns dos outros, e não de crítica ou de rejeição. A nossa consciência das nossas próprias imperfeições, exercitada através da humildade, ajuda-nos a recordar isso. A autoaceitação, que costuma acompanhar a humildade, torna-nos relutantes em julgar duramente os outros. O anonimato é o princípio que apoia a abertura dos nossos grupos, dando-nos também a liberdade de receber todos como iguais. NA não tem
  • 159. 152 Isto Resulta classes de membros, nem membros de segunda. O denominador comum em NA é a doença da adicção. Estamos todos igualmente sujeitos à sua devastação. Por isso partilhamos o mesmo direito de recuperar. A prática do anonimato assegura a integridade da Terceira Tradição. Dentro do espírito do anonimato, lembramo-nos de que nenhum membro individual, ou nenhum grupo, é mais importante do que a mensagem que transmitimos. O único requisito para se ser membro ajuda-nos a assegurar que nenhum adicto precise de morrer sem ter tido uma oportunidade de recuperar. Celebramos a nossa igualdade e a liberdade que partilhamos, ao acolhermos qualquer adicto que tenha o desejo de parar de usar. A Terceira Tradição significa liberdade para os membros de NA, colocando o único requisito para se ser membro no coração de cada membro individual. Não precisamos de decidir por mais ninguém, ou de dispender tempo e energia a decidir quem fica ou quem deveremos ajudar. Em vez disso, somos livres de ajudar todo aquele que entre numa reunião desejando libertar-se da adicção, quando da nossa primeira reunião.
  • 160. 153 Quarta Tradição "Cada grupo deverá ser absolutamente autónomo, salvo em assuntos que digam respeito a outros grupos ou a NA no seu todo." Os grupos de NA têm uma grande margem de liberdade, fá vimos, na Terceira Tradição, que os grupos estão isentos de ter de examinar os seus membros ou de lhes colocar quaisquer exigências. Os grupos de NA são livres de oferecer recuperação a qualquer adicto. A Quarta Tradição aumenta essa liberdade, permitindo que a rica variedade das nossas diferentes experiências nos ajude a servir. A liberdade poderá entusiasmar-nos. Muitos de nós têm pouca experiência com qualquer tipo de liberdade. As nossas vidas de uso costumavam assemelhar-se mais a uma escravidão. Quando pela primeira vez sentimos a liberdade da recuperação, podemos achá-la esmagadora. Através da prática dos passos, aprendemos que a liberdade vem com a responsabilidade. Em recuperação tornamo-nos responsáveis por nós próprios. À medida que aceitamos essa responsabilidade, vemos como a Quarta Tradição nos encoraja a agir responsavelmente enquanto grupos e enquanto irmandade. Os grupos de NA são veículos para a mensagem de recuperação. O carácter de um grupo forma-se na força do compromisso pessoal que os seus membros assumem uns com os outros. À medida que o carácter desse grupo cresce e se desenvolve, encontrará formas de realizar aquilo que mais nenhum grupo dessa área esteja a fazer. Os membros de cada grupo arranjam um formato de reunião que reflita a personalidade particular desse
  • 161. 154 Isto Resulta grupo. A autonomia dos grupos dá-lhes a liberdade criativa para encontrarem formas individuais de transmitir a mensagem. NA é constituída por uma variedade de adictos, unidos pela força do seu compromisso mútuo para com a recuperação. Falamos muitas línguas diferentes e vivemos em variadas culturas; determinado tipo de reunião poderá não ser atrativo para todo o adicto que chega a Narcóticos Anônimos. A fim de chegarmos a todos aqueles que possam necessitar da nossa ajuda, e a apoiarmos a recuperação de todos os membros, os grupos têm a liberdade de variar o seu formato, assim como outras características das reuniões. Cada grupo tem, em suma, a liberdade de seguir o nosso propósito primordial da forma que achar que melhor poderá resultar. Cada grupo tem um espaço a preencher, tanto na irmandade como um todo, como na comunidade local de NA. A nossa capacidade de chegar, enquanto irmandade, aos adictos que ainda estão a usar encontra-se ligada à nossa boa-vontade para lhes proporcionar reuniões que sejam acessíveis e atrativas. Graças à liberdade criativa que a autonomia permite, somos encorajados a procurar um papel particular que sirva as necessidades tanto da comunidade de NA como do nosso próprio grupo. Somos livres de fazer de cada grupo o melhor que ele possa ser. A vitalidade de Narcóticos Anônimos é aumentada pela boa-vontade de cada grupo para encontrar o seu espaço e preenchê-lo. A liberdade criativa desafia os grupos a serem fortes e responsáveis. Os membros poderão apoiar muitas reuniões com a sua presença, mas a maioria assume o compromisso de apoiar um grupo em particular. Tal como cada membro individual cresce na sua recuperação quando se responsabiliza
  • 162. Quarta Tradição 155 pela sua própria vida, também um grupo cresce e fortalece-se quando os seus membros se responsabilizam coletivamente por manter as reuniões a funcionar. Cada grupo reflete essa responsabilidade e o compromisso dos seus membros. Uma das formas mais comuns de os grupos expressarem a sua autonomia é através da escolha do formato de reunião. A maioria das comunidades de NA oferece uma variedade de tipos de reunião, desde as de partilha até às de passos, passando pelas reuniões de tópico, assim como outros formatos ou combinações de formatos que vão ao encontro das necessidades dos membros locais. Algumas reuniões serão abertas ao público, enquanto que outras serão apenas para adictos. As comunidades maiores poderão ter diferentes tipos de reunião, consoante o dia. Alguns adictos escutarão melhor a mensagem de recuperação em determinado tipo de reunião, enquanto que outros poderão preferir um formato diferente. Uma comunidade de NA que ofereça uma variedade de reuniões terá mais oportunidades de chegar a um maior número de adictos. Com um espírito de colaboração, tentamos respeitar a autonomia dos outros grupos ao lhes permitirmos a liberdade de transmitirem a mensagem da forma que melhor lhes convier. E neste espírito da autonomia que se realizam reuniões diferentes, para agradar a grupos de membros com as mesmas necessidades. Ao nos livrar de termos de julgar, a Terceira Tradição visa ajudar cada adicto, esteja onde estiver, a sentir-se confortável em NA. Não importa a forma como um grupo estruture as suas reuniões; todos os grupos de NA são encorajados a concentrarem as suas reuniões na recuperação da doença da adicção. Sempre que um grupo, nas suas reuniões, respeitar as Doze
  • 163. 156 Isto Resulta Tradições e aderir aos Doze Passos de NA, ela poderá ser considerada uma reunião de Narcóticos Anônimos. É por vezes difícil sabermos o que poderá afetar NA como um todo. A Quarta Tradição permite-nos equilibrar a liberdade de autonomia com a nossa responsabilidade de preservar a unidade de NA. Somos desafiados, na Quarta Tradição, a aplicar a autonomia de forma a fortalecer o crescimento e a vitalidade de NA. A autonomia encoraja os grupos a tornarem-se fortes e vivos, mas também lhes recorda que são uma parte vital de um todo maior: a Irmandade de Narcóticos Anônimos. Cada vez que tomamos decisões nos nossos grupos temos em mente o nosso bem-estar comum. Dado que os grupos não estão, na sua maioria, diretamente ligados uns aos outros, poderemos ser levados a pensar que aquilo que possa acontecer nas nossas reuniões não terá qualquer efeito em mais ninguém. Quando considerarmos quem possa ser afetado pelo nosso grupo, teremos de olhar para os outros grupos, para o adicto que ainda não nos conhece, para o recém-chegado, e para a zona em que realizamos as nossas reuniões. Teremos, sim, um efeito sobre outros grupos, ou sobre NA como um todo, se não formos reconhecíveis como uma reunião de NA. Poderá ajudar recordarmo-nos daquilo que precisámos de ouvir quando éramos recém-chegados: a esperança de recuperação da adicção a drogas. Os adictos que chegam a NA costumam prestar mais atenção às diferenças, na esperança de encontrarem motivos para não se enquadrarem. Não é difícil alienar-se um adicto. É importante que pensemos na mensagem que transmitimos ao recém-chegado nas nossas reuniões. Se ponderarmos sobre o nosso propósito primordial, poderemos ajudar a assegurar que continuem a
  • 164. Quarta Tradição 157 existir reuniões para os adictos que ainda estão para chegar. É importante que consideremos também a forma como somos vistos pela sociedade. Quando começaram a surgir as primeiras reuniões de NA, em muitos sítios era ilegal que adictos se reunissem, fossem quais fossem as circunstâncias. Mesmo onde as reuniões sejam legais, as pessoas costumam ficar inquietas perante grupos de adictos. Até que NA estabeleça uma boa reputação junto do público, poderemos ter dificuldades em encontrar locais de reunião. Se o nosso comportamento como membros de NA continuar a ser destrutivo e egoísta, continuaremos a ter dificuldade em nos reunirmos abertamente. Estaremos a proteger a nossa reputação como irmandade quando tratarmos os nossos locais de reunião com respeito, mantendo-os limpos e em bom estado. Deveremos ter cuidado para nos comportarmos como bons vizinhos, agindo com respeito. Mesmo uma coisa simples como a escolha do nome de um grupo pode refletir-se em NA como um todo. Se a reputação pública de Narcóticos Anônimos estiver de alguma forma prejudicada, poderão morrer adictos em consequência disso. A autonomia não retira aos grupos a sua obrigação de respeitar e de aplicar os princípios espirituais contidos nas tradições. Uma cuidadosa consideração do respeito do grupo pela Quarta Tradição toma geralmente a forma de um inventário do grupo, ajudando os seus membros a avaliarem o seu sucesso na transmissão da mensagem e a alcançar os adictos da sua zona. Os grupos podem, ao mesmo tempo, examinar o seu papel na contribuição para a unidade de NA como um todo. A Quarta Tradição afasta-nos do egocentrismo, ao nos dar a liberdade de agir responsavelmente como grupos.
  • 165. 158 Isto Resulta A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS A Quarta Tradição ajuda os grupos a alcançarem um equilíbrio entre a independência e a responsabilidade, refletindo a liberdade do membro individual em recuperação e a responsabilidade que suporta essa liberdade. A par de uma atitude de mente aberta, de unidade e de anonimato, aqueles princípios, quando aplicados aos assuntos do nosso grupo, ajudam a proteger NA como um todo. Enquanto que a autonomia nos dá certas liberdades, ela implica também responsabilidade pelas nossas ações e pelo contínuo bem-estar de NA. Como grupos, praticamos a nossa responsabilidade para com a irmandade ao fazermos um inventário do nosso comportamento e da forma como realizamos as reuniões. O nosso grupo exercita a sua autonomia de um modo responsável quando, antes de agir, tem o cuidado de considerar o bem-estar comum da irmandade como um todo. Uma mente aberta é essencial se quisermos que a autonomia ajude NA a crescer. Com uma mente aberta somos mais receptivos a novas formas de alcançar os adictos. Aprendemos a encontrar e a preencher o nosso espaço na comunidade de NA. Encorajamos cada membro a contribuir com ideias. Uma mente aberta ajuda-nos a recordar que cada grupo é parte de um todo maior. O reconhecimento disso leva-nos a querer olhar ainda mais para ideias novas. A nossa diversidade só pode enriquecer-nos. Devemos, por isso, estar abertos a essa sua riqueza. Cientes de que fazemos parte de um todo maior, levamos em conta a unidade ao pensarmos em aplicar a Quarta Tradição. Qualquer decisão que tomemos enquanto grupo autónomo deverá basear- se primeiramente no nosso bem-estar comum. Embora sejamos autónomos, podemos apoiar outros grupos, seja participando nas suas reuniões ou
  • 166. Quarta Tradição 159 através de outras formas de ajuda. As reuniões de NA florescem quando os grupos olham para além das suas necessidades imediatas, oferecendo-se para se ajudarem uns aos outros. O amor é o princípio que nos orienta para que vejamos NA como um todo crescer, unindo a nossa responsabilidade como grupos autónomos. As decisões autónomas do nosso grupo, baseadas no nosso amor por NA, irão fortalecer os nossos esforços para servir os outros. O amor encoraja-nos a dar a mão a outros membros e a outros grupos, encontrando formas de colaborar com eles na transmissão da mensagem de recuperação. O anonimato, aplicado à Quarta Tradição, recorda-nos que cada grupo tem um lugar igual dentro da irmandade de NA. Os grupos maiores não são mais importantes do que os mais pequenos; os grupos mais antigos não são "melhores" do que os mais recentes. Embora qualquer grupo tenha a liberdade de aplicar princípios da forma que melhor lhe convier, esses mesmos princípios tornam cada grupo um parceiro igual em recuperação. Cada grupo tem a mesma responsabilidade no trabalho e na reputação de NA. A autonomia em NA dá aos grupos a liberdade de agirem por si próprios no estabelecimento de uma atmosfera de recuperação, no serviço aos seus membros, e no cumprimento do nosso propósito primordial. A responsabilidade que equilibra a nossa autonomia reflete os princípios expressos nas primeiras três tradições. Em primeiro lugar, devemos preservar a unidade da Irmandade de NA; em seguida, procuramos a orientação de um Poder Superior amantíssimo, realizando, depois, reuniões onde é bem-vindo quem tenha um desejo de parar de usar. É essencial para o crescimento de Narcóticos
  • 167. 160 Isto Resulta Anônimos a existência de grupos vivos e saudáveis. Os grupos constituem um local onde podemos oferecer o nosso serviço mais fundamental: um adicto a transmitir a outro uma mensagem de recuperação. Sem a autonomia dos nossos grupos, seríamos incapazes de cumprir o nosso propósito primordial.
  • 168. 161 Quinta Tradição "Cada grupo é animado de um único propósito primordial: o de transmitir a mensagem ao adicto que ainda sofre." O nosso propósito primordial constitui o ponto essencial do nosso serviço. Com a orientação de um Poder Superior amantíssimo, e claramente centrados neste propósito, os grupos de NA tornam- se um canal para o poder reparador da recuperação. Narcóticos Anônimos existe para ajudar adictos a libertarem-se da adicção ativa. Se fôssemos abraçar outras ideias ou perseguir outros objetivos, iríamos diminuir a nossa concentração e diluir as nossas energias. A Quinta Tradição pede-nos que pratiquemos a integridade ao mantermos o nosso propósito em primeiro lugar. A Quinta Tradição ajuda os nossos grupos a cumprirem a razão fundamental para a sua existência: transmitir a mensagem ao adicto que ainda sofre. Tal como aprendemos na Quarta Tradição, os grupos de NA são livres de encontrar novos e diferentes formatos de reunião. Essa liberdade é importante, pois protege e encoraja a diversidade, permitindo que cheguemos aos adictos de muitas maneiras. É dentro desta autonomia que cada grupo desenvolve o seu próprio carácter. Mas não é o carácter do grupo que constitui o seu propósito, tal como a mensagem que transmitimos não é a personalidade do nosso grupo. Ela é, sim, a mensagem de Narcóticos Anônimos - os princípios da recuperação. Qual é a mensagem que nos pedem para transmitir? Os grupos transmitem a mensagem de NA, uma mensagem de esperança e de libertação da adicção ativa, e que pode ser dita de várias formas.
  • 169. 162 Isto Resulta Por vezes basta partilharmos que, se não usarmos qualquer droga, não iremos ficar "pedrados". Outros partilham que encontram na recuperação vidas produtivas que os satisfazem. A mensagem que partilhamos é, por vezes, a de que podemos manter- mos limpos apesar de a vida poder ser dolorosa. O despertar espiritual que experimentamos quando praticamos os passos constitui também a nossa mensagem. Quando sentimos a mensagem de recuperação, o nosso sofrimento começa a desaparecer, seja qual for a sua causa. Podemos viver sem drogas e construir vidas novas. É essa a nossa mensagem: a de que um adicto, qualquer adicto, pode parar de usar drogas, perder o desejo de usá-las, e encontrar um novo modo de vida. A concentração do grupo na transmissão da mensagem é tão importante para a sobrevivência de NA que dizemos que é o nosso propósito primordial. Isto significa que constitui a tarefa mais importante que fazemos e que deverá ter primazia sobre tudo o resto. Constitui também a referência fundamental pela qual os grupos podem examinar os seus motivos e as suas ações. Existem muitas formas pelas quais os grupos podem promover o nosso propósito primordial. De uma maneira geral, os membros do grupo começam por criar, nas suas reuniões, uma atmosfera de recuperação, que inclui dar as boas-vindas a todos os adictos presentes. As reuniões regulares e pontuais transmitem uma mensagem de recuperação. As reuniões com um formato eficaz mantêm vivo o propósito primordial e encorajam os membros a participarem de uma forma que reflita a recuperação.
  • 170. Quinta Tradição 163 Lideramos através do exemplo, partilhando a nossa experiência em vez de andarmos a dar conselhos. Os membros do grupo ajudam a promover o nosso propósito quando assumem a responsabilidade pessoal por manter a reunião orientada para a recuperação. Todas as nossas ações transmitem uma mensagem e a Quinta Tradição lembra-nos de fazer dela uma mensagem de recuperação. Há muitas influências que nos distraem e que podem desviar-nos do nosso propósito primordial. Por exemplo, os nossos grupos podem sentir-se tentados a utilizar o tempo de reunião para discutir os seus assuntos ou finanças, ou para falar sobre algum assunto controverso. Como membros individuais, podemos acabar a conversar com os nossos amigos, ignorando algum adicto que possa estar a sofrer e a precisar do nosso encorajamento. De cada vez que a nossa concentração é desviada do nosso propósito primordial, quem fica a perder é o adicto em busca de recuperação. Há outras influências ainda que podem desviar o nosso grupo do seu propósito primordial. Com o dinheiro contribuído pelos membros, os nossos grupos pagam a renda dos seus locais de reunião, compram literatura e outros artigos, realizam atividades e apoiam os serviços de NA. Tudo isto pode ajudar a promover o nosso propósito primordial, mas também pode desviar-nos dele. Há grupos que tentam exceder-se em relação a outros, alugando magníficos locais de reunião, oferecendo refrescos extravagantes, comprando quantidades enormes de literatura e realizando atividades complicadas. Ao agirmos assim estaremos a desviar- nos do nosso propósito primordial e a concentrar-nos no dinheiro, na propriedade e no prestígio. Deveremos esforçar-nos por estabelecer uma reputação de transmitir a mensagem - nem mais,
  • 171. 164 Isto Resulta nem menos. O dinheiro, a literatura, o local de reunião, são todos instrumentos que poderão ajudar- nos a transmitir a mensagem, mas que deverão servir-nos e não dominar-nos. Os grupos podem providenciar muitos serviços destinados a transmitir a mensagem. O nosso principal serviço é a reunião de NA, onde adictos partilham a sua recuperação diretamente uns com os outros. Outros serviços, tais como o atendimento telefónico, o trabalho de informação pública e os painéis de H&I, também ajudam a transmitir a mensagem. Em áreas rurais e em comunidades novas de NA, os grupos são por vezes a única fonte de tais serviços. No entanto, a maioria dos grupos sente que é difícil manterem-se concentrados nas suas reuniões de recuperação e, ao mesmo tempo, levar a cabo outros serviços. É por esta razão que os grupos costumam atribuir a responsabilidade por tais serviços aos seus comités de área, guardando assim o seu tempo e as suas energias para transmitira mensagem diretamente ao adicto que ainda sofre. Dada a importância de se transmitir a mensagem, muitos grupos fazem periodicamente o seu inventário, a fim de assegurar que a sua prioridade continue a ser o nosso propósito primordial. As Doze Tradições poderão ser utilizadas como orientação para esse inventário. Alguns grupos usam perguntas específicas, tais como: Em que medida estamos a transmitir bem a mensagem de recuperação? Existem adictos aos quais o nosso grupo não está a chegar? Como é que podemos tornar as nossas reuniões mais acessíveis? O que é que podemos fazer para que os novos membros se sintam mais à vontade? O ambiente de recuperação terá enfraquecido? Será que uma mudança no nosso formato de reunião iria fortalecer
  • 172. Quinta Tradição 165 esse ambiente? Se considerarmos as necessidades mais amplas da comunidade de NA, poderemos levar a cabo outras mudanças. Por exemplo, se numa cidade não houver reuniões de passos, um grupo poderá considerar a realização desse tipo de reuniões. Existem muitas formas de transmitir a mensagem e de ir ao encontro das necessidades tanto do grupo como da comunidade de NA. Há um poder que se manifesta através deste programa. Entramos em contato com esse poder quando, como indivíduos, praticamos os Doze Passos, transmitindo a mensagem a outros adictos. Quando são os grupos a transmitir a mensagem, o impacto do 12° Passo é grandemente multiplicado. Mais impressionante ainda do que o número de adictos em recuperação, é a unidade do nosso propósito e o ambiente de recuperação que encontramos nas reuniões - uma força espiritual. É difícil negar a evidência de um tal poder no grupo. Trata-se de um poder ao qual podemos recorrer nos períodos entre as reuniões, a fim de nos mantermos limpos. A Quinta Tradição faz incidir a prioridade do grupo sobre a transmissão da mensagem. Os membros podem fazer muita coisa para promover o nosso propósito primordial. Por exemplo, demonstramos o nosso interesse e a nossa boa- vontade em ajudar ao nos revezarmos a dar as boas- vindas à entrada de uma reunião, ao prepararmos listas de telefones para distribuir, ao oferecermos aos recém-chegados folhetos de literatura. Quando os membros se juntam como um grupo para levarem a cabo a tarefa de transmitir a mensagem, estão a proporcionar um quadro atraente do que é viver a recuperação.
  • 173. 166 Isto Resulta Há muitas reuniões que são organizadas de forma a transmitir a mensagem aos membros mais recentes, que por vezes precisam de um maior encorajamento para ficar, de mais respostas às suas perguntas, de mais do nosso amor e carinho. Mas eles não são os únicos a precisar da mensagem de recuperação. O adicto que ainda sofre, aquele com quem partilhamos a nossa esperança, pode ser qualquer um de nós, não importa qual o nosso tempo limpo. A Quinta Tradição não se limita a ajudar os recém-chegados. A mensagem de recuperação é para todos nós. A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS A Quinta Tradição complementa o 12° Passo: pede aos grupos que transmitam a mensagem a adictos. Os passos pedem-nos que, como indivíduos, apliquemos princípios em todas as nossas atividades. Isto é também importante nas nossas ações enquanto grupos. Alguns dos princípios que aplicamos para nos ajudarem a respeitar a Quinta Tradição incluem a integridade, a responsabilidade, a unidade e o anonimato. A integridade, ou fidelidade aos princípios incorporados nas Doze Tradições, é demonstrada quando grupos transmitem a mensagem de recuperação de NA. Muitos dos nossos membros têm muito para dar em várias áreas, mas a nossa irmandade tem a sua mensagem especial própria: a libertação da adicção ativa através da prática dos Doze Passos de NA e do apoio de uma irmandade de adictos em recuperação. Os grupos demonstram isto quando proporcionam um apoio vigoroso e consciente a adictos que procuram praticar o programa de NA. Quando os grupos cultivam conscientemente este tipo de integridade, as suas reuniões fortalecem o nosso propósito primordial.
  • 174. Quinta Tradição 167 A Quinta Tradição atribui aos nossos grupos uma grande responsabilidade: a de manterem o propósito primordial da nossa irmandade. Cada grupo é responsável por se tornar o mais eficaz veículo de transmissão da mensagem de NA que puder ser. Se deixarmos que os nossos grupos percam de vista o nosso propósito primordial, há adictos que poderão ver-se privados de uma oportunidade de ouvir a nossa mensagem de esperança. Cada membro é responsável por ajudar o grupo a manter-se concentrado no nosso propósito primordial. A unidade é uma das nossas maiores forças na transmissão da mensagem. É a unidade do nosso propósito que nos mantém concentrados nessa transmissão. Como grupos, trabalhamos juntos para assegurar não só a nossa própria recuperação pessoal como, também, a recuperação de todo o membro de NA. A evidência de muitos adictos que se mantêm limpos e buscam o nosso bem comum é, por si só, suficientemente persuasiva. Nós não recuperamos sozinhos. No anonimato, as nossas diferenças pessoais são insignificantes comparadas com o nosso propósito primordial. Quando nos juntamos como grupo, a nossa primeira tarefa é transmitir a mensagem; tudo o resto deverá ser posto de lado. Os grupos podem praticar a Quinta Tradição ao recordarem aos seus membros que é a mensagem de recuperação, e não cada personalidade individual, aquilo que está em primeiro lugar em Narcóticos Anônimos. Narcóticos Anônimos é uma irmandade com reuniões em todo o mundo. O nosso propósito pri- mordial é um elo comum que nos une. A Quinta
  • 175. 168 Isto Resulta Tradição define o propósito de Narcóticos Anônimos, propósito esse que também ajuda a assegurar a nossa sobrevivência como irmandade. A Quinta Tradição pede-nos que sirvamos outros adictos ao transmitirmos a mensagem de que a recuperação é possível em Narcóticos Anônimos. A concentração neste propósito protege a integridade da nossa irmandade.
  • 176. 169 Sexta Tradição "Um grupo de NA nunca deverá apoiar, financiar ou ceder o nome de NA a qualquer empreendimento afim ou alheio à Irmandade, para que os problemas de dinheiro, propriedade ou prestígio não nos afastem do nosso propósito primordial." Embora cada grupo tenha apenas um propósito primordial, existem muitas formas de cumprir esse propósito. Os nossos grupos vão por vezes a grandes extremos para transmitir a mensagem. Realizamos o nosso propósito primordial como indivíduos, como grupos, e através da nossa estrutura de serviço. Ao transmitirem a mensagem, os grupos tomam contato com outras organizações na sua área. Boas relações públicas podem ajudar os nossos grupos a melhor cumprirem o seu propósito primordial, mas a colaboração com outras organizações pode também originar conflitos, desviando os nossos grupos da transmissão da mensagem. A Sexta Tradição modera o nosso zelo em transmitir a mensagem, estabelecendo limites às nossas relações com os outros. O que nos define é o propósito primordial da nossa irmandade. Somos uma sociedade de adictos que partilham com outros a esperança de recuperação em Narcóticos Anônimos. Quando a identidade de NA se torna demasiado ligada à identidade de uma outra organização, a clareza do nosso propósito primordial é confundida, perdendo alguma da sua força. A Sexta Tradição avisa-nos de três coisas que podem obscurecer a distinção entre Narcóticos Anônimos e outros empreendimentos: o apoio, o financiamento, e a cedência do nosso nome. Um apoio é uma
  • 177. 170 Isto Resulta declaração pública de assistência a uma outra organização. Quando se financia uma outra organização, está a aumentar-se ainda mais o apoio ao objetivo dessa organização. A cedência do nosso nome a um empreendimento afim ou alheio - ao permitir, por exemplo, que um centro de tratamento de adicção se chame "Centro Médico de NA" - constitui o apoio derradeiro, perante o público, ligando permanentemente o nosso propósito primordial ao de outros. Ao estabelecer limites, a Sexta Tradição ajuda os nossos grupos a evitarem alguns dos problemas que costumam surgir entre organizações. Se apoiarmos uma organização que mais tarde venha a conhecer dificuldades, a nossa reputação sofrerá juntamente com ela. Se incentivarmos uma empresa alheia com que alguns possam não concordar, há adictos em busca de recuperação que poderão sentir- se desencorajados a vir às nossas reuniões. Se declararmos o nosso apoio a uma outra organização, o público, o adicto que ainda sofre, e até mesmo os nossos próprios membros, poderão confundir o propósito dessa organização com o nosso. Se financiarmos um empreendimento afim ou alheio estaremos a desviar fundos que poderiam ser utilizados no nosso próprio propósito primordial; se mais tarde retirarmos esses fundos, outros problemas poderão então surgir. Se financiarmos ou cedermos o nosso nome a uma organização em detrimento de outra, poderemos ser arrastados para um conflito en- tre elas. Ao ajudarmos os nossos grupos a evitarem tais problemas, a Sexta Tradição permite que dediquemos todas as nossas energias a transmitir uma mensagem clara de NA a adictos em busca de recuperação. É no mundo que temos de viver. Não é possível estarmos completamente separados,
  • 178. Sexta Tradição 171 fugindo ao contato com organizações externas. Não só é impossível, como tão-pouco seria uma boa ideia. A colaboração com outros é saudável para Narcóticos Anônimos. Os contatos entre os nossos grupos e o público irão ajudar outros a melhor compreenderem NA. Ajudarão a aumentar a boa- vontade da comunidade para com NA. Levarão médicos, professores, a polícia, amigos e parentes, a recomendarem NA a adictos que queiram recuperar. Ajudam-nos a transmitir a mensagem a adictos que não possam deslocar-se a reuniões regulares. Ao deixarmos que outros nos conheçam e saibam aquilo que temos para dar, iremos aumentar as oportunidades para que adictos em busca de recuperação possam escutar a nossa mensagem. Os grupos de NA costumam cultivar boas relações com os centros de tratamento da sua área. Fazem saber que as suas reuniões estão sempre abertas a adictos desses centros e dão-lhes as boas- vindas quando eles aparecem. Existe uma diferença, contudo, entre colaboração e apoio. Quando o propósito primordial de um grupo fica obscurecido devido à sua relação com uma outra organização ou instituição, será altura de o grupo dar um passo atrás e examinar essa relação. Por exemplo, quando um grupo ou uma área realiza uma festa, deverá oferecer-se um desconto nos bilhetes aos doentes de outras instituições? Por que não estender esses descontos a todos os recém-chegados? Deveremos colocar este tipo de questões sempre que a relação do nosso grupo com um empreendimento afim ou alheio se torne tão próxima ao ponto de o nosso grupo parecer estar ligado a essa outra organização. Estas perguntas ajudam-nos a assegurar que a nossa colaboração com um empreendimento alheio não se torne, inadvertidamente, num apoio a esse mesmo empreendimento.
  • 179. 172 Isto Resulta Existem muitos empreendimentos, afins e alheios, dedicados ao estudo da adicção e ao auxílio à recuperação. Tal como NA, cada um tem o seu propósito primordial, que se reflete na sua literatura e na sua mensagem. Embora esses propósitos possam ser semelhantes ao nosso, não serão o mesmo, pois essas organizações são independentes de nós. Nas nossas reuniões utilizamos literatura de NA e os partilhadores são membros de NA, tudo com o objetivo de cumprirmos o propósito primordial de NA. Um grupo de NA que utilize literatura ou partilhadores de uma outra organização estará a apoiar o propósito primordial dessa organização, não o nosso. Apesar de haver alguns grupos de NA que se reúnem nas suas próprias instalações, isso não se passa com a grande maioria. Aqueles que alugam o espaço de reunião a outras organizações precisam de ter um cuidado especial para nunca apoiarem, financiarem ou cederem o nome de NA às organizações às quais alugamos salas. Por exemplo, estará o grupo a pagar substancialmente mais, para se reunir em determinadas instalações, do que aquilo que pagaria num outro local? Isto poderá levar a pensar-se que o grupo apoia a instituição onde se reúne? O grupo transmitirá melhor a mensagem de NA ao se reunir nessas instalações, ou estará antes a financiar um empreendimento alheio através da "renda" que paga? Quando dedicamos as nossas energias e os nossos fundos à transmissão da mensagem de NA, libertamo-nos de distrações ou de confusões que possam haver com o objetivo primordial de outras organizações. É importante recordarmos que nós, enquanto membros e grupos de NA, somos responsáveis por seguir as nossas Doze Tradições. As instituições onde nos reunimos não têm essa responsabilidade;
  • 180. Sexta Tradição 173 nem a têm outras organizações. Se formos levados a pensar que uma organização ou instituição alheia está a comprometer as nossas tradições, deveremos discutir as suas ações com ela. Embora não possamos exigir que ela modifique o seu comportamento, uma aproximação cuidada e uma discussão aberta geralmente conduzem a soluções que satisfarão as partes envolvidas. As reuniões de um grupo constituem um fórum no qual os membros individuais podem partilhar a sua recuperação uns com os outros. A mensagem que transmitimos nas nossas reuniões poderá aumentar os nossos esforços para realizar o nosso propósito primordial, ou então desviar-nos dele. Cada um de nós pode ter um papel na concretização da Sexta Tradição, colocando-nos a seguinte pergunta:" O que é que eu faço para clarificar as relações de NA com outras organizações?" Muitos de nós utilizam uma variedade de recursos, nos nossos programas pessoais de recuperação e no nosso crescimento espiritual. Nem todos, contudo, se relacionam diretamente com o propósito primordial de NA. Será que estaremos a implicar um apoio a um empreendimento afim ou alheio quando partilhamos numa reunião de NA acerca das coisas positivas que encontrámos noutros lados? Estaremos a desviar outros membros na reunião da mensagem de recuperação em NA, ou a dar aos novos membros a ideia errada acerca do programa de Narcóticos Anônimos? Ninguém poderá responder a estas perguntas por nós. Mas ao respondermos a elas, poderemos, cada um de nós, ajudar a libertar o nosso grupo de problemas que poderiam desviar-nos do nosso propósito primordial.
  • 181. 174 Isto Resulta A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS A aplicação de princípios espirituais constitui a base da nossa liberdade. Quando aderimos aos princípios da recuperação, estamos livres para transmitir a mensagem e nos relacionarmos com outros, sabendo que não iremos comprometer o nosso propósito. Alguns dos princípios que nos ajudam a respeitar a Sexta Tradição incluem a humildade, a integridade, a fé, a harmonia e o anonimato. A humildade recorda-nos o papel de NA na sociedade. Temos um programa que providenciou uma enorme ajuda a muitos adictos em busca de recuperação. Não temos, contudo, mais nenhum propósito na sociedade para além de transmitir a mensagem de NA, nem pretendemos que Narcóticos Anônimos tenha mais alguma coisa para oferecer a não ser a liberdade da adicção ativa. Poderá ser tentador pensar-se em outras coisas positivas que poderíamos fazer, no mundo e uns pelos outros, se estendêssemos o nosso propósito, ou nos aliássemos estreitamente com uma larga gama de empreendimentos afins ou alheios. Esses sonhos grandiosos apenas servem para nos desviar do nosso propósito primordial. A transmissão da nossa mensagem ao adicto que ainda sofre é suficiente para nós. A transmissão de uma mensagem clara de recuperação em NA reflete integridade. A nossa mensagem é delineada nos nossos Doze Passos e Doze Tradições, e enunciada com maior pormenor na literatura de NA. Dado que a nossa mensagem constitui também a nossa identidade, temos o cuidado de não a confundir com as ideias ou a literatura de outras organizações. Demonstramos fé quando não trocamos o nosso apoio, os nossos fundos ou o nosso nome pela
  • 182. Sexta Tradição 175 colaboração com outros. É verdade que pessoas fora de NA poderão ajudar-nos a transmitir a nossa mensagem a adictos que precisem de nós. Mas a nossa fé reside na eficácia da nossa mensagem e no Poder Superior que guia a nossa recuperação, e não nos empreendimentos afins ou alheios com que nos relacionamos. Se uma relação com outra organização comprometer a nossa dedicação a transmitir a mensagem de recuperação, não precisamos de ter medo de largar essa relação. A nossa força reside no poder do programa de NA - este, afinal, resulta! O princípio da harmonia é, ao mesmo tempo, assumido e apoiado pela Sexta Tradição. Sempre que podem, os nossos grupos procuram colaborar o mais possível com outras entidades fora da irmandade. Os nossos contatos com outros são simples e diretos quando lhes fazemos saber, desde o início, até onde pode ir a nossa colaboração com eles. Ao respeitarmos os limites que a Sexta Tradição coloca nas relações dos nossos grupos com outras organizações, desenvolvemos a harmonia nas nossas relações. A nossa identidade enquanto irmandade é baseada no anonimato e no serviço abnegado, transmitindo a mensagem de um adicto para outro. As relações que mantemos com organizações alheias não se baseiam na personalidade dos nossos líderes; os nossos próprios grupos são responsáveis pela sua colaboração com outras organizações, fortalecendo esses contatos e tornando-os mais eficazes. Além disso, o anonimato ajuda-nos a evitar que confundamos o nosso propósito nos nossos contatos com outras organizações. As nossas relações com empresas externas existem para nos ajudar a cumprir o nosso propósito primordial, e não apenas para construir a nossa reputação ou prestígio.
  • 183. 176 Isto Resulta Quando respeitamos o espírito do anonimato, não procuramos nada mais senão transmitir a mensagem de recuperação ao adicto que ainda sofre. Dentro dos limites estabelecidos pela Sexta Tradição, é enorme a nossa liberdade de transmitir a mensagem de recuperação e de ajudar outros adictos. Temos limites precisos traçados pela nossa identidade como Narcóticos Anônimos. Quando temos o cuidado de respeitar esses limites, as nossas relações com o exterior aumentam a nossa capacidade de transmitir a mensagem ao adicto que ainda sofre, em vez de nos desviarem do nosso propósito primordial.
  • 184. 177 Sétima Tradição "Todo o grupo de NA deverá ser absolutamente autossuficiente, declinando quaisquer doações de fora.” A Sétima Tradição torna mais clara ainda a política de relações públicas dos nossos grupos. A Sexta Tradição avisou-nos contra o financiamento de outras organizações, para que problemas de dinheiro, de propriedade ou de prestígio não nos desviem do nosso propósito primordial. A Sétima Tradição encoraja-nos a recusar fundos de outras organizações, pela mesma razão: para manter o nosso grupo concentrado no seu propósito primordial. Ao pagarmos as nossas próprias despesas, ficamos livres para transmitir a nossa própria mensagem. Encorajamos todo o grupo de NA a ser absolutamente autossuficiente. Reconhecemos também que há muitas reuniões de NA que não começam assim. Algumas reuniões são iniciadas por um ou dois membros de NA que querem ajudar a transmitir a mensagem a outros adictos. E frequente esses membros pagarem a renda do seu próprio bolso e adquirem também literatura para essas reuniões. Por vezes são ajudados por grupos de NA já existentes, ou pelo comité de área mais próximo. De qualquer das maneiras, poderá levar algum tempo antes que uma reunião nova consiga caminhar sozinha. Outras reuniões - por exemplo em instituições - são começadas por profissionais, que não são membros, que tomaram conhecimento do programa de Narcóticos Anônimos. Ao quererem proporcionar aos seus clientes o acesso àquilo que NA tem para dar, esses profissionais marcam uma hora, arranjam
  • 185. 178 Isto Resulta uma sala, adquirem alguma literatura, dão um panfleto sobre "O Grupo" aos adictos que se juntaram, e ajudam-nos a iniciar uma reunião. Depois de alguma exposição aos princípios subjacentes ao programa de NA, esses adictos em recuperação começam a tomar responsabilidade pelas suas próprias reuniões. A forma como uma reunião começa não é tão importante quanto a forma como ela cresce. A nossa experiência diz-nos que, uma vez estabelecida, uma reunião ganha força. Começa por atrair um grupo de adictos que a frequentam com alguma regularidade. Estes partilham as suas experiências uns com os outros e ajudam-se a melhor compreender os princípios da recuperação de NA. Por esta altura, a reunião torna-se mais do que um acontecimento; um grupo de NA nasceu da reunião. Com a evolução de um grupo e com os seus membros comprometidos a ajudarem-se uns aos outros, o grupo como um todo está pronto a assumir a responsabilidade total pelas suas obrigações. Muitos de nós pensam na Sétima Tradição como a tradição do dinheiro. Embora tenhamos vindo a associar esta tradição de autossuficiência com as contribuições que fazemos nas reuniões, o espírito da Sétima Tradição vai muito mais longe do que isso. Tudo aquilo de que um grupo precisa para cumprir o seu propósito primordial deverá ser providenciado pelo próprio grupo. A questão então é: o que é que um grupo precisa? Primeiro, e acima de tudo, precisa de uma mensagem para transmitir - e isso ele já tem. No decurso da sua evolução, o grupo atraiu membros que provaram, uns aos outros, que um adicto, qualquer adicto, pode parar de usar drogas, perder o desejo de usar, e encontrar um novo modo de vida. Sem essa mensagem, o grupo não tem razão de
  • 186. Sétima Tradição 179 existir; com ela, um grupo de NA de pouco mais precisa. Para além disso, as necessidades do grupo são simples. Os grupos precisam de alugar o espaço de reunião onde os seus membros podem juntar-se e onde os recém-chegados podem encontrá-los. A maioria dos grupos acha importante adquirir literatura de NA para distribuir nas suas reuniões. As despesas ligadas a estas coisas podem ser substanciais, mas a maioria dos grupos consegue pagá-las através de uma coleta. Depois de pagarem as suas despesas básicas, a maioria dos grupos contribui para as comissões e os comités de NA que os servem. Linhas telefónicas, listas de reuniões, literatura de NA, painéis de H&I e apresentações de informação pública, são coisas que beneficiam o grupo. É por isso que as contribuições para o serviço fazem tanto parte da obrigação de autossuficiência de um grupo quanto o pagamento da renda da sala de reunião. Tal como os grupos, também os comités e as comissões de serviço de NA recusam contribuições de fontes alheias à irmandade. Ao contrário dos grupos, contudo, os nossos comités e comissões de serviço não são, eles próprios, absolutamente autossuficientes. Foram criados para ajudar os grupos a cumprirem o seu propósito primordial com maior eficácia, e dependem das contribuições dos grupos para o dinheiro necessário às suas tarefas. A fim de cumprir o seu propósito, o grupo precisa também de algumas coisas que não custam um centavo. Um grupo precisa de alguém para abrir a sua sala de reuniões, colocar as cadeiras e preparar a mesa da literatura. Em alguns grupos há uma pessoa que se oferece para preparar café ou refrescos, ajudando a estabelecer um ambiente agradável para o recém-chegado. Mais importante
  • 187. 180 Isto Resulta do que tudo, um grupo precisa de um compromisso consistente dos seus membros de aparecerem e de participarem nas suas reuniões. A estabilidade do grupo baseia-se nesse compromisso; sem ele, nenhum grupo poderá sobreviver por muito tempo. É ao compromisso dos seus membros que o grupo vai também buscar a sua capacidade de transmitir a nossa mensagem de recuperação. O serviço e a frequência ativa são duas contribuições vitais para a autossuficiência do grupo, contribuições essas que não custam dinheiro algum. Dado que as necessidades de um grupo são simples, a decisão de um grupo se tornar absolutamente autossuficiente não costuma exigir grandes quantidades de dinheiro, de tempo ou de outros recursos dos seus membros. Se um grupo estiver a ter problemas com a sua subsistência, poderá a si próprio as seguintes questões: Qual é o nosso propósito primordial e como é que nós o cumprimos? De que é que o nosso grupo necessita para realizar o seu propósito primordial? Será que confundimos os nossos desejos com as nossas necessidades? Quando o sentido das necessidades de um grupo deixar de ser razoável, a simplicidade da Quinta Tradição pode ajudar a colocar essas necessidades na sua devida perspectiva. Mas, e se um grupo continuar a não ser capaz de pagar o seu próprio caminho, mesmo depois de examinar o seu entendimento da Quinta Tradição? A Sétima Tradição diz aos nossos grupos que eles não deverão procurar contribuições de fora - mas porque não? O que é que nos impede de procurar dinheiro fora da Irmandade de NA? Primeiro, o grupo irá querer considerar a sua identidade no seio da irmandade de Narcóticos Anônimos. A recuperação em NA, por variadíssimos motivos, é muito diferente do nosso
  • 188. Sétima Tradição 181 uso. Quando usávamos, muitos de nós tirávamos aquilo que pudéssemos de quem pudéssemos, as vezes que pudéssemos. A decisão do nosso grupo de se tornar absolutamente autossuficiente, recusando contribuições de fora, reflete a nova atitude perante a vida dos nossos membros em recuperação. Em vez de tirarmos dos outros aquilo que queremos ou precisamos, somos nós próprios a pagar o nosso caminho. O grupo irá também querer examinar a sua identidade como grupo. Quando estávamos a usar, a maioria de nós só se preocupava conosco próprios, sem nunca pensar nos outros. Um grupo de NA, pelo contrário, está fundado no compromisso dos seus membros uns com os outros. Muitos de nós tentaram encontrar um caminho sozinhos, mas sem sucesso. Descobrimos que precisamos uns dos outros para sobreviver e crescer. O grupo de NA é ao mesmo tempo a expressão e a realização dessa necessidade que temos do apoio uns dos outros. Um grupo de NA, ao recusar contribuições de fora, está a reforçar a solidariedade dos seus membros assim como a base da sua recuperação. "Está bem," poderemos dizer, "o nosso grupo comprometeu-se a tornar-se totalmente autossuficiente. Mas, e se o dinheiro da coleta con- tinua a não ser suficiente para as nossas necessidades? E se vendêssemos algumas camisolas ou bijuterias para fazer algum dinheiro, ou organizássemos uma festa e pedíssemos doações à entrada? A energia que os nossos membros poriam nessas atividades poderia transformar-se no dinheiro de que precisamos para pagar as nossas contas." A primeira vista, não parece haver qualquer contradição entre a Sétima Tradição e este tipo de atividades de angariação de fundos. No entanto, antes de se lançar nessas atividades, o grupo poderá querer colocar outras questões. Primeiro, claro, está
  • 189. 182 Isto Resulta a questão das necessidades. Por que razão é que o grupo procura esses fundos? Podemos também perguntar se tais atividades, destinadas a recolher fundos para ajudar o nosso grupo a transmitir a mensagem, não acabarão por nos desviar deste objetivo. As atividades de angariação de fundos costumam levar algum tempo a serem organizadas, tempo que poderia ser melhor aproveitado no cumprimento mais direto do nosso propósito primordial. Se as atividades de angariação de fundos forem bem-sucedidas, fazendo mais dinheiro do que aquele de que o grupo necessita para cumprir as suas obrigações, poderá surgir uma controvérsia sobre o controle desse dinheiro, mais uma vez distraindo o grupo do seu propósito primordial. Um grupo poderá também querer considerar se o ambiente criado pela venda de bens e de serviços nas suas reuniões não poderá prejudicar o ambiente livre e aberto melhor conducente à recuperação. De um modo geral, os nossos grupos descobriram que o caminho mais simples e direto para a autossuficiência total é através das contribuições voluntárias dos seus próprios membros. Por este motivo desencorajamos os grupos a realizarem atividades de angariação de fundos. Se um grupo não conseguir providenciar as suas próprias necessidades através das contribuições dos seus membros, talvez os membros do grupo queiram considerar aumentarem as suas contribuições individuais. Mas, ao mesmo tempo que dizemos isto, precisamos também de recordar a Terceira Tradição da nossa irmandade, que afirma que a única exigência para se ser membro é um desejo de parar de usar. A nossa qualidade de membros, quer falemos dos membros de NA como um todo, ou dos membros de um grupo, não depende da quantidade
  • 190. Sétima Tradição 183 de dinheiro que damos; não nos é, de facto, exigido qualquer dinheiro para que nos consideremos membros de NA. Se um grupo tiver examinado bem as suas despesas, reduzindo-as ao estritamente necessário para cumprir o seu propósito primordial, e se mesmo assim não tiver ainda dinheiro suficiente para pagar o seu caminho, os seus membros deverão colocar algumas questões a que apenas eles poderão res- ponder, individualmente: Em que é que eu estou a beneficiar deste grupo? Será que a minha recuperação pessoal depende da sua sobrevivência? Será que posso dar mais do que já dei e mesmo assim cumprir as minhas responsabilidades financeiras? Ao mesmo tempo que consideramos as nossas contribuições pessoais para o grupo, deveremos lembrar-nos de que a Sétima Tradição fala do grupo como sendo autossuficiente, e não de um ou dois membros do grupo, com mais posses, pagando todas as suas despesas ou fazendo todo o trabalho. Mais adiante, nos capítulos sobre a Nona e a Décima Tradição, iremos olhar para a rotatividade da liderança como meio de evitar que um grupo, uma comissão de serviço, ou um comité, se torne uma mera extensão da personalidade de um ou dois membros. Da mesma maneira, a Sétima Tradição encoraja o grupo de NA como um todo a apoiar-se a si próprio, evitando a dependência financeira num membro ou noutro. Cada um de nós fará bem em contribuir para as obrigações de autossuficiência do grupo, sem torná-lo demasiado dependente das nossas contribuições individuais. As nossas decisões individuais e os compromissos para com o grupo são, afinal, inteiramente da nossa responsabilidade, pois somos nós que temos de viver com elas. No entanto, algumas frases do nosso Pequeno Livro Branco,
  • 191. 184 Isto Resulta escritas em relação aos Doze Passos, parecem aplicar-se igualmente ao respeito pela Sétima Tradição - na verdade, a todas as tradições: "Se queres o que nós temos para oferecer e estás disposto a fazer um esforço para obtê-lo... estes são os princípios que tornaram a nossa recuperação possível." Se queremos o que o nosso grupo tem para nos oferecer individualmente, e se o grupo quiser colher os benefícios associados à autossuficiência, iremos praticar os princípios que tornam essas coisas possíveis. A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS As nossas Doze Tradições descrevem a experiência que irá ajudar os nossos grupos a manterem-se fortes, vivos e livres. Subjacentes ao carácter específico das nossas tradições, existem, todavia, dezenas de princípios espirituais, qualquer um dos quais poderia ser aplicado a quase todas as tradições. É neste campo alargado de princípios que as tradições têm crescido. Quanto mais cultivarmos esse campo, mais forte será o nosso entendimento e a aplicação de cada uma das tradições propriamente ditas. Alguns dos princípios que irão fortalecer a nossa apreciação da Sétima Tradição são a gratidão, a responsabilidade, a fé, a integridade, o anonimato e a liberdade. A gratidão de que falamos em relação à Sétima Tradição é como o sentido coletivo de orientação de que fala a Segunda Tradição - é a gratidão do grupo de NA enquanto grupo. Quando os membros de NA se juntam para partilhar a recuperação, geram entre si um sentido de gratidão. Sentem-se gratos pela existência do grupo e querem que ele continue a existir para eles e para os membros que hão de vir. O compromisso coletivo do grupo, de ser autossuficiente, reflete a sua própria
  • 192. Sétima Tradição 185 gratidão. A decisão do grupo de se tornar absolutamente autossuficiente, recusando contribuições de fora, reflete o sentido de responsabilidade que o grupo tem por si próprio. Em recuperação, deixamos de ter a ilusão de que o resto do mundo é responsável por cuidar de nós; em vez disso, orgulhamo-nos por cuidar de nós próprios. Individualmente, demonstramos a nossa recém- encontrada maturidade ao aceitarmos o peso das nossas dificuldades; coletivamente, demonstramos a nossa maturidade aceitando a responsabilidade pelo nosso grupo, sem procurar ou aceitar contribuições de fora. O peso da responsabilidade, contudo, poderá parecer insuportável sem uma apreciação da simplicidade das necessidades do grupo. O compromisso de nos tomarmos autossuficientes não se destina a recolhermos enormes somas de dinheiro a fim de concretizarmos complicados programas. Pelo contrário, o grupo determina que irá reunir os poucos recursos básicos de que necessita para realizar o seu simples propósito primordial: o de transmitir a mensagem ao adicto que ainda sofre. O ideal de simplicidade, quando aplicado à Sétima Tradição, ajuda os nossos grupos a evitarem os conflitos acesos que costumam surgir pelo controle de grandes recursos. Questões de dinheiro, de propriedade e de prestígio não precisam de desviar os nossos grupos do seu propósito primordial, quando a simplicidade desse propósito e das nossas necessidades for tida em consideração. Quando se quer entender os princípios subjacentes à Sétima Tradição, a simplicidade prática deve ser vista juntamente com a nossa fé num Poder Superior. Enquanto pedirmos orientação a esse Poder, as nossas necessidades serão satisfeitas.
  • 193. 186 Isto Resulta Assim, também a decisão de recusar contribuições de fora, com as necessidades do grupo a serem satisfeitas através dos próprios recursos do grupo, está firmemente baseada na fé. Enquanto o nosso grupo se mantiver dedicado a cumprir o seu propósito primordial, as suas necessidades serão satisfeitas. Enquanto membros de um grupo de NA, comprometemo-nos a apoiar mutuamente a nossa recuperação. O compromisso do nosso grupo de se manter absolutamente autossuficiente reflete a integridade do grupo, a fidelidade à sua identidade essencial. Apoiamo-nos uns aos outros em recuperação e, juntos, cumprimos as nossas responsabilidades coletivas como membros de um grupo autossuficiente. O anonimato que praticamos ao aceitarmos as nossas responsabilidades no nosso grupo reflete a nossa integridade. O anonimato da Sétima Tradição significa mais do que apenas a contribuição anónima, sem intenções de reconhecimento, embora também envolva isso, obviamente. O anonimato no contexto da Sétima Tradição significa também que todas as contribuições dos membros de um grupo são importantes. O dinheiro que é colocado no saco, o tempo que é gasto a preparar a sala de reunião, a energia posta em receber os recém-chegados - tudo isto são responsabilidades do grupo e constituem contribuições igualmente importantes para a autossuficiência do grupo de NA. O nosso anonimato, a nossa integridade, a nossa fé, o nosso sentido da simplicidade, a nossa aceitação da responsabilidade, a nossa gratidão - todas estas coisas, juntas, equivalem a liberdade. Ao encorajar o nosso grupo a pagar o seu próprio caminho, a Sétima Tradição dá-lhe a liberdade de partilhar a sua recuperação como entender, sem estar
  • 194. Sétima Tradição 187 obrigado por contribuições de fora, e ainda a liberdade que advém da força interior que se desenvolve através da aplicação de princípios espirituais. Ao tomar a decisão de se tornar absolutamente autossuficiente, o nosso grupo de NA assegura que terá sempre os recursos necessários para sobreviver e continuar a cumprir o seu propósito primordial.
  • 195. 188 Oitava Tradição "Narcóticos Anônimos deverá manter-se sempre não profissional, mas os nossos centros de serviço podem contratar trabalhadores especializados." Narcóticos Anônimos proporciona uma abordagem não- profissional à doença da adicção. Nós não temos hospitais, nem centros de tratamento, nem clínicas ambulatórias, nenhuma das instituições associadas a uma empresa profissional. Não diagnosticamos o estado de ninguém, nem acompanhamos o progresso dos nossos doentes - na verdade, não temos doentes, apenas membros. Os nossos grupos não providenciam serviços profissionais terapêuticos, médicos, legais ou psiquiátricos. Somos apenas uma irmandade de adictos em recuperação que se reúnem regularmente para se ajudarem mutuamente a manterem-se limpos. Ao discutirmos a Sexta Tradição, considerámos a suficiência da nossa mensagem: os grupos de Narcóticos Anônimos não precisam de se apoiar em empreendimentos alheios para melhor proporcionarem a recuperação da adicção. Do mesmo modo, a Oitava Tradição lembra-nos de que os nossos membros não necessitam de credenciais profissionais para serem eficazes a transmitir a mensagem de NA. A alma do método de recuperação de NA é um adicto a ajudar outro. Não temos conselheiros certificados de NA; basta-nos as nossas variadas experiências na recuperação da adicção a drogas. A exposição direta que cada um de nós tem à recuperação da adicção é mais do que suficiente para nos qualificar para transmitirmos a mensagem a outros adictos. Os nossos membros não
  • 196. Oitava Tradição 189 recebem qualquer salário pelos seus Décimos- Segundos Passos, nem os nossos grupos exigem quaisquer joias ou quotas por transmitirem a mensagem de NA. É isto o que significa dizermos que Narcóticos Anônimos deverá manter-se sempre não profissional. O que não quer dizer que um membro de Narcóticos Anônimos não possa trabalhar como terapeuta profissional ou algo do género. Significa apenas que, numa reunião de NA, a vocação de um membro é irrelevante. O valor terapêutico na mensagem que partilhamos uns com os outros reside na nossa experiência pessoal em recuperação, e não nas nossas credenciais, no nosso treino, ou no nosso estatuto profissional. Nós não vendemos recuperação; partilhamo- la livremente com outros, num espírito de amor e gratidão. Os grupos, as comissões de serviço, os comités de Narcóticos Anônimos, poderão, contudo, precisar de ajuda profissional a fim de cumprirem as suas responsabilidades. A Oitava Tradição faz uma distinção entre "vender a nossa recuperação" e pagar a pessoas para nos ajudarem nas nossas tarefas de serviço. Se um dos nossos comités precisar de assistência profissional numa dessas tarefas, não haverá problema, por exemplo, em contratar a ajuda de um advogado ou de um contabilista. Se precisarmos de empregar alguém para nos ajudar numa base regular - um "trabalhador especializado" - poderemos pagar-lhe em troca dos serviços que nos providencia. Os trabalhadores especializados que também sejam membros de NA não estão a vender a sua recuperação. Estão simplesmente a providenciar um apoio profissional que de outra maneira teriam de ser não-adictos a providenciar.
  • 197. 190 Isto Resulta A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS A Oitava Tradição é uma das mais simples e diretas das nossas Doze Tradições. Assim também os princípios subjacentes à Oitava Tradição são práticos: humildade, prudência, anonimato e integridade. Um grupo de NA pratica humildade quando não pretende ser nem mais nem menos do que aquilo que é. Não pretendemos ser profissionais ou peritos em alguma coisa. Não somos médicos, psiquiatras ou terapeutas; somos adictos em recuperação. Tudo aquilo que temos para dar é a nossa experiência coletiva a deixar as drogas e a aprender a viver limpos. O valor do nosso programa advém da identificação e da confiança que existem entre um adicto e outro. Praticamos ainda a humildade quando reconhecemos que, por vezes, necessitamos de profissionais que nos ajudem a levar a cabo os nossos serviços. Colocamos grande ênfase no valor terapêutico de um adicto a ajudar outro, indo por vezes ao ponto de sentirmos relutância em contratar ajuda profissional quando precisamos dela. Mas alguns serviços de NA exigem demasiado tempo ou experiência para que os nossos membros os realizem numa base estritamente voluntária. Não devemos deixar que o nosso orgulho impeça a nossa irmandade de contratar a ajuda de que necessita para o apoio aos seus serviços. Tal como não deveremos, também, contratar trabalhadores especializados para as tarefas que nós próprios possamos levar a cabo. Deveremos exercitar a prudência ao empregar assistência profissional para os nossos serviços. A maioria das responsabilidades de serviço em NA não exige uma qualificação especial, ou longos e consistentes compromissos de tempo. Os nossos membros são
  • 198. Oitava Tradição 191 perfeitamente capazes de realizar tais responsabilidades numa base voluntária. Ao exercitarmos a prudência, poderemos distinguir entre aquelas tarefas que exijam o apoio de trabalhadores especializados, e aquelas que podemos levar a cabo voluntariamente. A Oitava Tradição lembra aos nossos grupos o valor do anonimato. Um profissional é alguém com certa formação, geralmente reconhecido pelas credenciais que lhe foram dadas por uma instituição especializada. Um grupo de NA não possui tais peritos reconhecidos. Todos os membros do grupo são peritos na sua própria recuperação, plenamente qualificados para partilharem essa recuperação com um outro adicto. Por fim, a Oitava Tradição apoia a integridade do grupo de NA ao ajudá-lo a preservar aquilo que é mais importante na sua identidade fundamental. O que é que Narcóticos Anônimos é, afinal, senão uma irmandade de adictos que partilham livremente entre si a mensagem simples da sua própria existência? A Oitava Tradição constitui um compromisso firme e permanente, da parte de cada grupo de NA, de preservar o carácter do nosso programa que é, na verdade, de valor primordial. Ao concordarmos que Narcóticos Anônimos deverá manter-se sempre não profissional, estamos a reafirmar a nossa certeza de que o valor terapêutico de um adicto a ajudar outro não tem igual! É esta a essência do nosso programa; enquanto esse coração bater com força, a nossa irmandade e a nossa recuperação manter-se-ão vivas.
  • 199. 192 Nona Tradição "NA nunca deverá organizar-se como tal, mas podemos criar comités ou comissões de serviço diretamente responsáveis perante aqueles a quem prestam serviços." No nosso Pequeno Livro Branco lemos que, "NA é uma irmandade ou associação não-lucrativa de homens e mulheres para quem as drogas se tornaram num problema muito grave." NA, como tal, é simplesmente isto - uma irmandade que utiliza uma abordagem não profissional, de adicto para adicto, à doença da adicção. Somos uma irmandade, não uma organização de influências, ou um serviço médico, ou uma cadeia de centros de tratamento. Somos não profissionais. Não temos regras, ou quotas, ou corpos gerentes, e temos apenas um requisito para se ser membro: um desejo de parar de usar. O nosso propósito primordial é, muito simplesmente, transmitir a mensagem. Estes são alguns dos critérios tradicionais pelos quais os nossos grupos podem orientar-se, e a nossa autoridade suprema e orientadora é um Poder Superior tal como se expressa na consciência dos nossos membros. NA, como tal, é justamente isso, assim como nós a entendemos. Os nossos grupos funcionam assim tão bem porque mantêm as coisas simples, para que nada se coloque no caminho e nos impeça de transmitir a mensagem o mais simples e diretamente possível, de um adicto para outro. Não obstante, e apesar do seu ênfase em mantermos as coisas simples, a Nona Tradição não é uma desculpa para um trabalho desorganizado; pelo contrário, ela reconhece que a nossa irmandade exige, de facto, um certo grau de organização a fim
  • 200. Nona Tradição 193 de cumprir o seu propósito primordial. Em vez de recomendar que os próprios grupos de NA se organizem, a Nona Tradição sugere que eles constituam comissões e comités separados para servirem as suas necessidades. Assim como não somos profissionais, mas podemos contratar profissionais para nos ajudarem, não somos tão pouco uma organização, mas podemos constituir comissões ou comités para nos servirem. Isto vai assegurar que NA, como tal, mantenha a sua abordagem, direta e simples, à recuperação, e que possamos, ao mesmo tempo, ter a capacidade de levar a cabo tarefas de serviço que exijam um certo nível de organização. Muito bem. Podemos, então, criar comissões ou comités de serviço. Precisamos agora de perguntar a nós próprios: porque é que havemos de querer criar tais coisas? Que necessidades é que essas comissões ou comités irão preencher? Para se responder a esta pergunta, temos de ver como um grupo de NA se desenvolve, tal como fizemos quando abordámos a Sétima Tradição. No início, o primeiro grupo de NA de uma área só precisa de reunir os seus membros para que eles se ajudem uns aos outros a manter-se limpos e a transmitir a sua mensagem a outros adictos. À medida que o grupo cresce, começa a tratar de uma série de assuntos relacionados com as suas reuniões, tentando assegurar que a mensagem seja transmitida o melhor possível. Para manter as suas reuniões concentradas na recuperação, o grupo costuma realizar as suas reuniões de serviço separadamente, mantendo NA, como tal, o mais simples possível. À medida que o grupo cresce, dá geralmente origem a novos grupos. A fim de manter alguma da unidade e da camaradagem que existiam quando havia apenas um grupo na área, estes grupos elegem
  • 201. 194 Isto Resulta representantes que se reúnem periodicamente. Estes representantes partilham informação uns com os outros acerca do funcionamento dos seus grupos, e ajudam-se mutuamente na busca de soluções para problemas que um ou outro grupo possa ter. De tem- pos em tempos, poderão até organizar uma reunião conjunta de recuperação ou uma atividade social que reúna toda a comunidade de NA. Mais cedo ou mais tarde, os grupos compreendem o potencial que têm nesse comité de representantes. Através deste comité, os grupos podem associar as suas orientações e os seus recursos para que cada um deles possa funcionar mais eficazmente e todos, juntos, possam melhor transmitir a mensagem. Os grupos poderão pedir ao seu comité que compre fornecimentos de literatura, facilitando a compra por cada grupo de livros e de folhetos de NA. Os grupos poderão pedir ao seu comité que elabore uma lista, para distribuição, das reuniões existentes na área, facilitando a procura de reuniões. Os grupos poderão pedir que se organizem programas de informação pública, de hospitais e instituições, da linha telefónica, possibilitando a adictos que ainda sofram, e que de outro modo talvez não ouvissem falar de NA, saberem da existência da irmandade, aumentando também o conhecimento pelo público de Narcóticos Anônimos. O importante é que o desenvolvimento destes serviços se baseie justamente nas necessidades dos grupos. Criamos essas comissões e comités para nos servirem no cumprimento dessas necessidades. Os grupos começam por definir ás suas necessidades; depois, criam as comissões e comités que irão servi-los. Uma vez criados, como é que asseguramos que as nossas comissões e comités irão permanecer diretamente responsáveis perante aqueles a quem prestam serviços? Conseguimos isto,
  • 202. Nona Tradição 195 primeiro e acima de tudo, através de uma comunicação consistente. Através dos seus representantes, os grupos comunicam com as suas comissões e os comités que as servem. Os grupos providenciam uma informação regular acerca da sua situação e das suas atividades. Comunicam as suas preocupações, as suas necessidades, as suas ideias, e os seus desejos. Esta informação ajudará as nossas comissões e os nossos comités a melhor compreenderem e servirem as necessidades dos grupos. A comunicação é uma via de dois sentidos. Os grupos partilham informação e orientação com as comissões e os comités que os servem. Essas comissões e esses comités, por sua vez, informam de volta aos grupos perante os quais são responsáveis, descrevendo as suas operações, as suas discussões, e os seus planos. As comissões e os comités de serviço responsáveis consultam os grupos em assuntos que os afetam diretamente e procuram orientação dos grupos em assuntos que não estejam já contemplados por diretrizes existentes. Ao mantermos uma comunicação nos dois sentidos, entre os grupos de NA e as comissões e comités que os servem, estamos a criar uma atmosfera de responsabilidade que serve bem a nossa irmandade e o seu propósito primordial. A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS Dado que a Nona Tradição permite aos grupos estabelecerem uma estrutura de serviço - tarefa nada simples - muitos de nós pensam na Nona Tradição como sendo muito complexa. Na realidade, os princípios espirituais subjacentes a esta tradição são bem simples. A Nona Tradição concentra-se, primeiro, não na relação entre grupos e comités de serviço, mas em NA, como tal. Somos uma
  • 203. 196 Isto Resulta irmandade de adictos em recuperação que se ajudam a manter-se limpos, nada mais. Sempre que possível, o serviço organizado deverá ser mantido distinto dos grupos, para que estes possam permanecer livres de cumprirem com simplicidade o nosso propósito primordial, de adicto para adicto. Organizamos comissões e comités numa base exclusivamente de necessidade, utilizando as orientações mais simples possíveis. Organizamo-los unicamente para nos servirem, e não com o intuito de estabelecer uma complexa burocracia de gestão. A Nona Tradição está longe de ser complicada; de facto, toda ela fala de simplicidade. Da mesma forma, a Nona Tradição fala de anonimato. Quando a Nona Tradição exorta NA a nunca se organizar como tal, está a dizer-nos que não deveremos criar uma hierarquia governante, uma burocracia vertical que se imponha sobre os nossos grupos e membros. Tal como referimos na Segunda Tradição, os nossos líderes não são governantes, mas sim servidores que vão buscar as suas diretivas à consciência coletiva daqueles a quem servem. Aquilo que define NA como tal é o nosso propósito primordial, e não as personalidades dos nossos servidores de confiança. A fim de reforçar o anonimato da Nona Tradição, os nossos grupos, comissões de serviço e comités praticam vários sistemas de liderança rotativa para que nunca haja uma só personalidade a dominar. Um outro princípio implícito na Nona Tradição é o princípio da humildade. Cada grupo, por si só, está de certo modo limitado na sua capacidade de cumprir o seu propósito primordial; tem um número limitado de membros, e uma quantidade limitada de tempo e de dinheiro, para transmitir a mensagem sozinho. Contudo, quando um certo número de grupos juntam os seus recursos
  • 204. Nona Tradição 197 na formação de uma comissão ou comité de serviço, estão a aumentar a sua capacidade de cumprir o seu propósito primordial. Juntos, tornam-se capazes de fazer aquilo que sozinhos não conseguiriam. O princípio da humildade aplica-se também aos comités e comissões de que fala a nossa Nona Tradição. Esses comités e comissões são estabelecidos unicamente para servir, e não para governar. São diretamente responsáveis perante os grupos e estão sempre sujeitos à orientação explícita dos grupos. Embora as nossas comissões e comités de serviço possam fazer muito para ajudar os nossos grupos a cumprirem o seu propósito primordial, é dentro dos grupos que NA, como tal, se evidencia, e não nos comités e comissões que os servem. A prudência é, na Nona Tradição, um dos princípios orientadores da relação entre os grupos e os comités e as comissões que os servem. Os grupos são responsáveis por considerarem cuidadosamente as suas necessidades, planeando com prudência an- tes de criarem comissões e comités. Nada complicará mais a simplicidade de NA, como tal, do que uma estrutura desnecessariamente elaborada de comissões, comités e subcomitês. A responsabilidade dos grupos não termina com o estabelecimento de uma comissão ou comité para cumprir as suas necessidades de serviço; de facto, isso é só o princípio. Enquanto o comité permanecer ativo, os grupos deverão estar ao corrente dos seus assuntos. Os grupos deverão providenciar também ao comité uma orientação constante. As nossas comissões e comités não poderão ser responsabilizados perante os grupos que servem se os grupos não tiverem um papel responsável nas suas relações de serviço. Por fim, a Nona Tradição fala de fidelidade. Os grupos de Narcóticos Anônimos reúnem-se,
  • 205. 198 Isto Resulta juntando os seus recursos para criar comissões e comités de serviço destinados a ajudarem a melhor cumprirem o seu propósito primordial. Essas comissões e esses comités não são chamados para governarem Narcóticos Anônimos; são chamados, sim, para executarem fielmente a confiança que lhes foi depositada pelos grupos que servem. Com um mínimo de organização, os nossos comités e comissões de serviço realizam tarefas em nome dos grupos, libertando os nossos grupos para que eles possam fazer aquilo que fazem melhor, simples e diretamente: transmitir a mensagem. A nossa fidelidade à Nona Tradição vai assegurar que a atmosfera simples e espontânea de recuperação, partilhada de um adicto para outro no grupo de NA, nunca seja organizada, legislada ou extinta.
  • 206. 199 Décima Tradição "Narcóticos Anônimos não tem opinião sobre questões alheias; o nome de NA nunca deverá assim aparecer em controvérsias públicas." Narcóticos Anônimos é uma associação de adictos em recuperação que se ajudam mutuamente a manterem-se limpos através da aplicação de certos princípios espirituais simples. O nosso propósito pri- mordial, enquanto grupo e enquanto irmandade, é oferecer essa ajuda a qualquer adicto em busca de recuperação. À parte isso, NA não tem quaisquer opiniões. Ao recusar tomar posição em outros assuntos, evitamos envolver-nos em controvérsias públicas que poderiam afastar-nos do nosso propósito primordial. É esta a mensagem da nossa Décima Tradição. Para a maioria de nós, poderá provavelmente parecer óbvio que Narcóticos Anônimos, enquanto irmandade, não tenha opinião acerca das questões prementes do mundo actual. A maioria dessas questões tem pouco a ver com a adicção ou com a recuperação. Mas existe um grande número de questões relacionadas com a adicção sobre as quais outros poderão achar que uma associação mundial de adictos deverá tomar posição. "Qual é a opinião de NA", perguntam-nos por vezes, "sobre centros de tratamento, sobre outras irmandades de doze passos, sobre a legalização das drogas, sobre as doenças relacionadas com a adicção, e tudo o resto?" A nossa resposta, de acordo com a Décima Tradição, é a de que os nossos grupos e a nossa irmandade não tomam posição, a favor ou contra, sobre qualquer questão exceto o programa de NA propriamente dito. Mantemos a nossa neutralidade nessas questões
  • 207. 200 Isto Resulta para que possamos concentrar-nos naquilo que fazemos melhor: partilhar a recuperação de um adicto para outro. Contudo, mesmo ao explicarmos o nosso próprio programa ao público, podemos ver-nos a pisar terrenos controversos. As opiniões de NA sobre a abstinência total, sobre a possibilidade de se recuperar sem um internamento a longo prazo, sobre o conceito de doença da adicção, até mesmo as nossas opiniões gerais sobre espiritualidade, não encontram uma aceitação universal. Há pessoas que lidam com adicção e recuperação que podem encarar estas questões de uma forma muito diferente da nossa. Podemos, contudo, ter o cuidado de explicar o nosso programa por forma a não provocar deliberadamente controvérsia. "Não sugerimos que todos tenham de adoptar as nossas posições, nem nos opomos àqueles com opiniões diferentes", poderemos dizer. "Queremos apenas dar-vos a conhecer o que é o programa de Narcóticos Anônimos." Enquanto nos concentrarmos, como grupo e como irmandade, na nossa experiência de recuperação, em vez de nas nossas opiniões sobre como NA funciona ou não, permaneceremos o mais afastado possível da controvérsia pública. A Décima Tradição impede NA, como irmandade, de emitir opiniões sobre questões alheias. Não coloca, no entanto, quaisquer restrições sobre o membro individual. Em Narcóticos Anônimos acreditamos firmemente na liberdade pessoal. Adictos que tenham um desejo de parar de usar podem tornar-se membros de NA, bastando que o digam. Não temos joia ou quotas, não há juramentos para assinar, não há promessas a fazer. Embora seja um programa espiritual, encorajamos os nossos membros a desenvolverem a sua própria concepção de um Poder Superior. Mesmo os nossos
  • 208. Décima Tradição 201 líderes são apenas servidores de confiança, sem poderes para dizerem aos membros individuais o que fazer, pensar ou dizer. Os membros de NA são encorajados a desenvolverem as suas próprias opiniões e a expressarem essas opiniões do modo que julgarem conveniente. A única precaução que a Décima Tradição coloca aos membros individuais de NA é a de que, quando falamos em público, deveremos pensar bem naquilo que iremos dizer antes de o dizermos. Em certas situações, tudo aquilo que um membro de NA disser será tomado como sendo a opinião de NA, mesmo quando a situação não tiver nada que ver com Narcóticos Anônimos e o membro esclarecer que os pontos de vista que expressar serão estritamente pessoais. Não é nossa culpa se os outros interpretarem mal aquilo que nós afirmarmos como indivíduos; contudo, isso não irá tornar menos sérias as complicações resultantes de tais más interpretações. Poderemos evitar tais complicações antes de elas surgirem, simplesmente se pensarmos com cuidado antes de falar em público. Então, e se falarmos num encontro de recuperação? A Décima Tradição impede-nos, enquanto adictos em recuperação, de falar em reuniões de NA sobre os desafios que enfrentamos? Não, não impede. Embora um dado problema possa constituir uma questão alheia, o seu efeito na nossa recuperação não o é; tudo aquilo que afete a vida de um adicto em recuperação é material para se partilhar. Se um problema que tivermos influenciar a nossa capacidade de nos mantermos limpos e de crescermos espiritualmente, não será uma questão alheia. Há muitas coisas que conseguem desequilibrar-nos e desafiar a nossa recuperação. Por vezes discutimos esses desafios uns com os outros, nas nossas reuniões, procurando aliviar as nossas
  • 209. 202 Isto Resulta dificuldades pessoais, partilhando-as com os nossos companheiros, membros de NA. Pedimos a outros que partilhem como aplicaram os princípios do programa em circunstâncias semelhantes, restabelecendo o seu equilíbrio e fortalecendo a sua recuperação. Não precisamos da autorização de ninguém para falar dessas coisas nas nossas reuniões. Mas, apesar disto tudo, sabemos que as opiniões pessoais controversas podem desviar as nossas reuniões do seu propósito primordial. Se tudo é tema de recuperação, mas nós quisermos ajudar as nossas reuniões a manterem-se concentradas em recuperação, como é que decidimos aquilo que se deverá partilhar? Podemos colocar-nos as seguintes questões: Estarei a partilhar a minha experiência, ou estarei a expressar uma opinião? Como indivíduo, estarei a viver o problema, ou antes a procurar uma solução? Quando partilho, é para unir o grupo, ou é para dividi-lo? Será que torno claro que aquilo que digo, digo-o em meu nome, e não em nome de Narcóticos Anônimos? Enquanto nos mantivermos concentrados no nosso bem-estar comum e no nosso propósito primordial, evitaremos o tipo de controvérsia que nos desvia da recuperação. A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS Entre os princípios que os nossos grupos e a nossa irmandade aplicam ao praticarem a Décima Tradição, está, em primeiro lugar, o princípio da unidade. Apesar da diversidade de opiniões individuais entre os nossos membros, Narcóticos Anônimos, como irmandade, está unida em não ter qualquer opinião acerca de quaisquer questões, aparte do seu próprio programa. Enquanto irmandade, concordamos em tomar posição unicamente sobre aqueles ideais que
  • 210. Décima Tradição 203 nos têm unido, os nossos princípios de recuperação, e não sobre as muitas opiniões pessoais que possam dividir-nos. A Décima Tradição é um exercício de responsabilidade. Como grupos e como irmandade, somos responsáveis por transmitir a nossa mensagem ao adicto que ainda sofre. Somos responsáveis por criar um ambiente no qual adictos em recuperação possam partilhar livremente uns com os outros. Para que isto se faça com eficácia, devemos manter-nos o mais libertos possível das distrações provocadas pela controvérsia pública, dado que vários aspectos do próprio programa de Narcóticos Anônimos - tal como a nossa opinião acerca da abstinência total - poderão levantar alguma discussão em alguns sectores do público. Contudo, podemos evitar em absoluto quaisquer controvérsias que possam surgir quando grupos ou a própria irmandade tomem posição sobre questões que estejam inteiramente fora do âmbito do nosso programa. Os membros individuais de NA exercem responsavelmente a Décima Tradição ao preservarem pessoalmente a neutralidade de NA sempre e onde quer que falem. Publicamente, diferenciamos as nossas opiniões pessoais das de NA, evitando expressar quaisquer opiniões pessoais em todas as circunstâncias em que aquela diferença possa não ser tida em conta. Em reuniões, os membros de NA esclarecem que aquilo que partilhamos é a nossa própria experiência, e não a posição de Narcóticos Anônimos, dando o menos possível lugar a más interpretações. A forma como falamos enquanto membros de NA costuma afetar o modo como outros veem NA; daí que, como membros responsáveis, devamos falar com cuidado, preservando a neutralidade que é tão importante para
  • 211. 204 Isto Resulta o bem-estar de todos nós. A fim de cumprirmos a Décima Tradição, os nossos grupos, comissões de serviço e comités, deverão exercitar a prudência nos seus contatos públicos. Os elementos da nossa irmandade estão sempre em contato com outras pessoas na sociedade. Os grupos mantêm contatos com as instituições onde se reúnem e aquelas nas suas áreas; as subcomissões de H&I, com as administrações das instituições; os servidores de informação pública, com profissionais de saúde, organizações de caridade, organizações governamentais e a comunicação social. Em todos os nossos contatos com a sociedade, deveremos ter o cuidado de não expressar quaisquer opiniões sobre assuntos que estejam fora do âmbito do nosso programa. Essa prudência irá proteger a nossa credibilidade perante o olhar do público na única questão que interessa verdadeiramente a Narcóticos Anônimos: o nosso programa de recuperação da adicção. Ao praticarmos a Décima Tradição, demonstramos a nossa crença no valor do anonimato. Todos nós temos as nossas opiniões. Mas, quando falamos como grupos e como irmandade, não tomamos posição sobre as opiniões individuais. Aquilo que temos para partilhar com o público é a mensagem da nossa irmandade, e não as nossas opiniões pessoais. A Décima Tradição é, acima de tudo, prática. A única questão sobre a qual a nossa irmandade está disposta a arriscar a sua reputação é o próprio programa de NA. Subjacente ao carácter prático da Décima Tradição, poderemos, contudo, encontrar um princípio espiritual fundamental; o da humildade. Narcóticos Anônimos não reivindica ter resposta para todos os problemas do mundo. Nós nem sequer dizemos ter necessariamente a única
  • 212. Décima Tradição 205 resposta à adicção. Quando partilhamos em público, como grupo ou como irmandade, partilhamos apenas a nossa mensagem. Falamos daquilo que fazemos, não apoiando nem nos opondo àquilo que outros façam. Nós somos aquilo que somos, e nada mais: uma associação de adictos em recuperação, partilhando a sua recuperação uns com os outros, e oferecendo o mesmo ao adicto que ainda sofre. Falamos do nosso programa com simplicidade, sabendo que a nossa eficácia irá atrair mais boa- vontade do que qualquer promoção. O nosso programa resultou para nós e está à disposição de outros interessados em recuperar. Se pudermos ser úteis a servir outros, estaremos prontos a ajudar.
  • 213. 206 Décima-Primeira Tradição "As nossas relações com o público baseiam-se na atração em vez de na promoção; na imprensa, na rádio e na televisão cabe-nos sempre preservar o anonimato pessoal." A 11a Tradição é a base da política de relações públicas de NA. Mas ela é apenas uma das seis tradições que abordam vários aspectos das nossas relações com o público. A Terceira e a Quinta Tradição falam do propósito primordial e do objetivo último dos nossos esforços de relações públicas. A Sexta e a Sétima Tradição descrevem a natureza das nossas relações com outras organizações, e a Décima Tradição pormenoriza a nossa política relativa às opiniões públicas em questões alheias ao nosso programa de recuperação. As nossas tradições estão, claramente, tão preocupadas com as relações públicas, como com as nossas relações internas. A maioria dos grupos de NA tem algum tipo de contato com o público nos seus assuntos do dia- a-dia. Mas as relações públicas de que fala a 11a Tradição são mais intencionais do que os encontros de rotina do nosso grupo com pessoas fora da irmandade. A existência de uma "política" de relações públicas implica a importância de um "programa" de relações públicas que leve a cabo o propósito primordial da nossa irmandade. O trabalho de informação pública, quando bem feito, não constitui uma promoção; procura, sim, tornar NA atraente àqueles que precisam de nós. Enquanto grupos de NA, comissões e comités de serviço, cultivamos, deliberada e energicamente, boas relações públicas, não como um resultado acidental
  • 214. Décima-Primeira Tradição 207 da nossa atividade normal, mas como uma forma de melhor transmitirmos a nossa mensagem a adictos. Narcóticos Anônimos não é uma sociedade secreta; a 11a Tradição fala do anonimato pessoal, não do anonimato da irmandade. Quanto melhor formos conhecidos do público, mais possibilidades haverá de adictos em busca de recuperação - ou de os seus amigos, familiares, ou colegas - pensarem em nós e saberem onde nos encontrar quando decidirem procurar ajuda. Uma forma de fazermos parte do programa de relações públicas de NA é envolvermo- nos no subcomitê local de Informação Pública. A 11a Tradição diz-nos para, quando realizamos atividades de relações públicas, falarmos simples e diretamente daquilo que Narcóticos Anônimos é, e daquilo que nós fazemos. Não devemos fazer descrições exageradas de NA. Os nossos esforços de relações públicas deverão ser tão convidativos e não- -promocionais quanto o nosso próprio programa, dizendo aos adictos e à sociedade em geral: "Se quiserem o que nós temos para oferecer, é isto o que nós somos e é assim que funcionamos. Se pudermos ser úteis, digam-nos." Certas organizações utilizam celebridades como seus porta-vozes, esperando assim aumentar a credibilidade da organização, ligando-a ao estatuto da celebridade. Isso pode não ter mal para essas organizações. Mas a 11a Tradição diz-nos claramente que, nos esforços de relações públicas, nunca deveremos agir assim - nem com celebridades, nem com quaisquer outros membros. Se a nossa irmandade utilizasse um membro célebre num anúncio público sobre NA e essa celebridade recaísse ou sofresse uma qualquer outra perda de prestígio, que bem é que isso faria à nossa irmandade? O mesmo se aplica a qualquer membro individual colocado aos olhos do público a
  • 215. 208 Isto Resulta representar NA. A credibilidade da mensagem de NA pode ser grandemente afetada pelos mensageiros de NA. Perante o público - incluindo a imprensa, a rádio, a televisão, e todos os outros meios de comunicação social - precisamos sempre de manter o anonimato pessoal. O mesmo se aplica a outros tipos de trabalho de informação pública. O anonimato público ajuda- dos a manter as nossas relações públicas concentradas na mensagem de NA, e não nos trabalhadores de I.P. envolvidos. Nunca fazemos sozinhos o trabalho de I.P, pois uma equipa - até mesmo só duas pessoas - consegue mostrar melhor NA como irmandade perante o público, ao passo que um indivíduo sozinho poderá fazer recair as atenções sobre si próprio. Uma equipa tenderá a refrear as personalidades dos seus membros, melhor assegurando que NA, e não o adicto individual, seja aquilo que apresentamos ao público. A verdade de que "um adicto sozinho está em má companhia" aplica-se também aos nossos esforços de relações públicas, tanto como à nossa recuperação pessoal. Na maioria das circunstâncias, contudo, o anonimato pessoal é uma decisão puramente pessoal. Por muito bem que tenhamos guardado o segredo da nossa adicção, a maioria daqueles próximos de nós tinham provavelmente conhecimento de que estávamos com problemas quando usávamos. Hoje, poderá ser útil falar-lhes da nossa recuperação e de como fazemos parte de Narcóticos Anônimos. Outras circunstâncias poderão também justificar a revelação do facto de sermos membros de NA.
  • 216. Décima-Primeira Tradição 209 Quando um amigo nos conta as dificuldades que outra pessoa está a ter com a adicção, poderemos querer que esse amigo tenha conhecimento de Narcóticos Anônimos e o que NA fez por nós. Quando um colega de trabalho tem um problema com drogas, talvez queiramos partilhar a nossa experiência com essa pessoa. Nenhum de nós quer contar a toda a gente, indiscriminadamente, os horríveis pormenores da nossa adicção, nem revelar a todas as pessoas que conhecemos o facto de pertencermos a NA. Todavia, quando acharmos que podemos ser úteis a alguém, talvez seja apropriado partilharmos um pouco a nossa história e a recuperação que encontrámos em Narcóticos Anônimos. Todos os nossos membros têm um papel nas nossas relações com o público, quer estejam ou não envolvidos em trabalho de informação pública. Quando adictos individuais demonstram a recuperação a resultar nas suas vidas, eles tornam-se a nossa mais forte atração, um testamento vivo da eficácia de NA. Aqueles que nos conheciam antes, e nos veem agora, irão dizer a outros que NA resulta. Quanto mais longe for levada a mensagem, mais possibilidades haverá de adictos em busca de recuperação serem atraídos para o apoio amigo da nossa irmandade. Assim também deveremos lembrar-nos de que, onde quer que vamos, representamos sempre NA, em maior ou menor grau. Se formos vistos a agir erradamente enquanto exibimos um símbolo proeminente de NA na nossa camisola, estaremos a transmitir perante o público uma mensagem evidentemente pouco atraente da nossa irmandade. Aquilo que dizemos e fazemos reflete-se na nossa recuperação em NA e na irmandade de NA. Enquanto membros responsáveis de NA, queremos
  • 217. 210 Isto Resulta que esse reflexo seja uma fonte de atração em vez de uma fonte de embaraço. A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS A 11a Tradição é uma expressão da nossa fé na eficácia do nosso programa. Enquanto irmandade, o nosso propósito primordial é o de transmitir a mensagem de recuperação ao adicto que ainda sofre. A fim de cumprirmos esse propósito primordial, não precisamos de uma política promocional de relações públicas. Para conseguirmos a boa vontade do público e atrair adictos para as nossas reuniões, tudo aquilo que precisamos de fazer é descrever, com clareza e simplicidade, o programa de Narcóticos Anônimos. Rara edificarmos as nossas relações com o público, não precisamos nem de fanfarra, nem de reivindicações exageradas, nem do apoio de celebridades. Temos fé de que a eficácia da nossa irmandade, uma vez conhecida, falará por si própria. O princípio do serviço, crucial para a aplicação da nossa 11a Tradição, não é um princípio passivo. Para servirmos o melhor possível o adicto que ainda sofre, devemos procurar transmitir energicamente a nossa mensagem nas nossas cidades, vilas e aldeias. A nossa política de relações públicas baseia-se naturalmente na atração, e não na promoção. Mas para atrairmos ao nosso programa o adicto que ainda sofre, devemos dar passos vigorosos no sentido de darmos a conhecer o nosso programa o mais possível. Quanto melhores e mais vastas forem as nossas relações públicas, melhor poderemos servir. No início deste capítulo falámos dos aspectos mais práticos do anonimato público. Mas, como veremos no capítulo seguinte, o anonimato é muitíssimo mais do que apenas uma consideração prática para se ter em conta quando levamos a cabo
  • 218. Décima-Primeira Tradição 211 o nosso programa de relações públicas. Cada um de nós tem a sua própria vida, as suas próprias palavras, e a sua própria história, tudo contribuindo com dimensão e cor, para a mensagem da nossa irmandade. Mas a mensagem que transmitimos à sociedade não é a mensagem de como somos óptimos como indivíduos. O propósito primordial dos nossos esforços de relações públicas é contarmos a história de Narcóticos Anônimos e falarmos daquilo que o nosso programa tem para oferecer ao adicto que ainda sofre. A nossa prática de anonimato público baseia-se no alicerce espiritual de todas as nossas tradições, lembrando-nos sempre de colocar os princípios acima das personalidades.
  • 219. 212 Décima-Segunda Tradição "O anonimato é o alicerce espiritual de todas as nossas tradições, lembrando-nos sempre a necessidade de colocar os princípios acima das personalidades." Na recuperação pessoal procuramos substituir a vontade própria pela orientação de um Poder Supe- rior nos nossos assuntos pessoais. Da mesma forma, as tradições descrevem uma irmandade que obtém a sua orientação coletiva de princípios espirituais, e não de personalidades individuais. Esse tipo de generosidade é o que na 12a Tradição significa a palavra "anonimato", e é o alicerce espiritual sobre o qual se edifica Narcóticos Anônimos. A 12a Tradição reúne todas as tradições numa só, resumindo e reforçando a mensagem das onze anteriores. O anonimato é essencial para a preservação da estabilidade da nossa irmandade, tornando a recuperação pessoal possível. A recuperação é algo delicado. Desenvolve-se melhor num ambiente estável e apoiado. Cada um de nós, e cada um dos nossos grupos, tem um papel na manutenção dessa estabilidade. A nossa unidade é tão preciosa que, dada uma escolha entre realizarmos os nossos próprios desejos e preservarmos o bem-estar comum da nossa irmandade, colocamos os melhores interesses de NA em primeiro lugar. Fazemos isso, não só devido ao nosso próprio interesse abnegado como, também, devido ao nosso sentido de responsabilidade para com os nossos companheiros adictos. O princípio da unidade de NA vem antes da realização dos nossos desejos pessoais.
  • 220. Décima-Segunda Tradição 213 O anonimato constitui o princípio primordial subjacente à nossa tradição de membros. Embora tenhamos todos as nossas diferenças pessoais, o único requisito para se ser membro de NA é aquilo que temos em comum: um desejo de parar de usar. Este simples princípio une as diversas personalidades daqueles que sofrem da nossa doença, numa irmandade comum de recuperação. O princípio do anonimato está no centro daquilo que a nossa irmandade entende por consciência de grupo. As ideias de cada membro in- dividual de um grupo têm a sua importância, mas o grupo vai buscar a sua orientação a uma consciência coletiva de todos os seus membros. Antes do grupo tomar uma decisão, os seus membros consultam o seu Poder Superior, procurando a direção espiritual no assunto que tenham em mãos. As suas vozes individuais juntam-se humildemente no desenvolver de um sentido coletivo da vontade de Deus para o grupo, e dessa união ergue-se uma orientação forte e comum para nos guiar a todos. Chamamos a isso a consciência de grupo. O mesmo princípio aplica-se ao conceito de liderança em NA. Embora membros individuais sirvam como líderes de NA, estes atuam apenas como nossos servidores, levando a cabo as suas tarefas de acordo com a consciência do grupo. Os princípios do serviço generoso e da orientação coletiva estão acima das personalidades dos nossos servidores de confiança. Tal como o princípio do anonimato orienta a evolução da consciência coletiva de um grupo, aplica-se também à autonomia do grupo. Cada grupo de NA é, claro, inteiramente livre de cumprir o seu propósito primordial como melhor entender, desenvolvendo a sua maneira própria de fazer as coisas e a sua própria personalidade. A nossa irmandade coloca uma só restrição a esta quase total
  • 221. 214 Isto Resulta liberdade: o grupo não pode exercer a sua personalidade à custa de grupos vizinhos, ou de NA como um todo. O bem-estar de cada grupo de NA depende, até certo ponto, do bem-estar de todos os grupos de NA. Os nossos grupos não procuram sobrepor-se uns aos outros; pelo contrário, unem-se e colaboram no sentido do bem maior da irmandade como um todo. O princípio do anonimato vem juntar os nossos grupos autónomos, na busca do seu bem- estar comum. O princípio do anonimato molda o nosso propósito primordial. Embora a ambição individual e os objetivos pessoais possam motivar o nosso desenvolvimento como seres humanos, a nossa irmandade é guiada pelo seu propósito coletivo: transmitir a nossa mensagem ao adicto que ainda sofre. Quando chegamos a Narcóticos Anônimos, deixamos os nossos interesses pessoais à porta. Procuramos ajudar os outros em vez de unicamente nós próprios. Este princípio abnegado, e não a ambição pessoal, é o que define o propósito primordial dos nossos grupos. O anonimato orienta as interações da nossa irmandade dentro da sociedade. Não somos uma organização secreta; ficamos contentes por ver o nosso nome tornar-se melhor conhecido em cada ano que passa. Contudo, não trocamos esse nome pelo apoio de organizações que possam eventualmente ajudarmos no nosso propósito primordial. Não tentamos, tão pouco, obter influência junto do público afirmando o prestígio do nome da nossa irmandade. Se estivermos a cumprir o nosso propósito primordial, a sociedade verá a nossa utilidade. Não teremos necessidade de procurar o apoio de outros. Aquilo que disserem os amigos da nossa irmandade constituirá recomendação suficiente.
  • 222. Décima-Segunda Tradição 215 O anonimato é um dos princípios orientadores da forma como os nossos grupos praticam a Sétima Tradição. Acreditamos no valor da generosidade desinteressada por si só. É por isso que escolhemos ser ajudados anonimamente pelos nossos membros. Encorajamos também cada grupo como um todo a tornar-se absolutamente autossuficiente, não dependendo de apenas um ou dois dos seus membros individuais. O princípio da ajuda desinteressada, sem se estar à espera de distinções ou de recompensas pessoais, vai a par com o princípio da responsabilidade coletiva. Juntos, asseguram tanto a solidariedade espiritual como a estabilidade financeira dos nossos grupos. Este mesmo princípio do anonimato desinteressado constitui o alicerce espiritual da nossa Oitava Tradição. Em Narcóticos Anônimos não temos profissionais do 12° Passo. Utilizamos antes a linguagem simples da empatia a fim de partilharmos livremente uns com os outros a experiência espiritual a que chamamos recuperação. Uma experiência espiritual não pode ser comprada ou vendida; só pode ser dada. Quanto mais livremente partilharmos essa experiência, mais iremos fortalecer a empatia que nos mantém juntos. Esta tradição lembra-nos de colocar o princípio da dádiva, anónima e desinteressada, acima de quaisquer desejos pessoais que possamos ter de reconhecimento ou recompensa. Em Narcóticos Anônimos aplicamos o princípio do anonimato na forma como estruturamos a nossa organização de serviço. A nossa irmandade não tem qualquer hierarquia de autoridade. Criamos comissões e comités unicamente para nos servirem, não para governarem. Os vários elementos da nossa estrutura de serviço são guiados pelo propósito pri- mordial e pela consciência coletiva da nossa
  • 223. 216 Isto Resulta irmandade, e são diretamente responsáveis pelo serviço que fazem em nosso nome. Aqueles que servem nas nossas várias comissões e comités deverão fazê-lo não para acumularem poder, propriedade ou prestígio para si próprios, mas sim para servirem generosamente a irmandade que tornou a sua recuperação possível. Quase todos os nossos grupos, comissões de serviço e comités, rodam membros diferentes pelos cargos de serviço, raramente pedindo a um indivíduo que sirva em determinado lugar de responsabilidade por mais do que um ou dois mandatos consecutivos. A prática da rotatividade sublinha a crença da nossa irmandade no valor do anonimato em serviço. O serviço de NA não é fundamentalmente um esforço pessoal; é, pelo contrário, a responsabilidade coletiva da nossa irmandade como um todo. Isto não significa que não damos valor ao cuidado, à experiência, e ao esclarecimento que cada indivíduo possa colocar nas suas tarefas de serviço. Contudo, colocamos o princípio do anonimato no serviço acima das personalidades individuais dos nossos servidores de confiança. A responsabilidade coletiva, e não a autoridade pessoal, é a força orientadora dos serviços de NA. O princípio do anonimato dá forma à voz pública da nossa irmandade. Cada um dos nossos muitos membros tem opiniões pessoais sobre uma grande variedade de assuntos. A mensagem pública que a nossa irmandade transmite é, contudo, a mesma da nossa experiência coletiva na recuperação da adicção. Como grupos e como irmandade, não temos quaisquer opiniões sobre aquilo que não seja o próprio programa de NA. Nas nossas relações com a sociedade expressamos apenas os princípios do nosso programa, e não as opiniões pessoais dos nossos membros sobre outras questões.
  • 224. Décima-Segunda Tradição 217 O anonimato não se aplica apenas às nossas apresentações públicas, sendo também o princípio subjacente a toda a política de relações públicas da nossa irmandade. Nos nossos contatos públicos, baseamos a credibilidade do nosso programa na eficácia de NA, e não na reputação pessoal de qualquer membro individual. Procuramos atrair adictos e obter a boa vontade do público em virtude apenas daquilo que temos para oferecer, e não através de qualquer promoção grandiosa. Não há nenhuma descrição exagerada de NA que possa substituir o valor simples e provado da nossa mensagem, como base da nossa política de relações públicas. O anonimato, ou "ausência de nome", da Décima Tradição serve uma série de funções práticas na nossa irmandade, cada uma das quais com largas implicações espirituais. Ao nos lembrarem de que "o que é dito nesta reunião fica nesta reunião", os formatos das nossas reuniões ajudam a fomentar uma atmosfera na qual nenhum de nós precisa de recear a revelação pública daquilo que partilhamos na intimidade dos nossos grupos. Lembram-nos também de que o mais importante nas partilhas que se fazem nas nossas reuniões é a mensagem, e não o mensageiro. O anonimato da 12a Tradição significa também que, em última análise, as nossas diferenças pessoais não constituem qualquer diferença: em NA, em recuperação, somos todos iguais. É verdade que todos nós chegamos a Narcóticos Anônimos com as nossas próprias histórias pessoais, padrões de uso, experiências sociais e de educação, talentos e imperfeições. Mas para o objetivo da nossa própria recuperação, a nossa identidade profissional não tem qualquer relação na nossa capacidade de nos preocuparmos uns com os outros em NA. Uma
  • 225. 218 Isto Resulta licenciatura universitária, uma herança, o analfabetismo, a pobreza - estas circunstâncias, que afetam tão profundamente tantas outras áreas das nossas vidas, não irão ajudar ou impedir as nossas oportunidades de recuperar. Tal como não irão tão- -pouco ajudar ou impedir os nossos esforços de transmitir a mensagem de um adicto para outro. Nós somos iguais enquanto membros de NA. Somos todos, afinal, "partes" anónimas da irmandade de NA, em vez de singularmente "separados". O anonimato de que fala a nossa 12a Tradição significa que nós, que sofremos durante tanto tempo da doença isoladora da adicção, finalmente "pertencemos". O anonimato é, verdadeiramente, o alicerce espiritual de todas as nossas tradições. Sem ele, a unidade da qual depende a recuperação pessoal ver- se-ia dissolvida numa confusão de personalidades em conflito. Com ele, os nossos grupos ficam na posse de um corpo de princípios orientadores, as nossas Doze Tradições, que os ajudam a unir as forças pessoais dos seus membros numa irmandade que apoia e alimenta a recuperação de todos nós. Rezamos para que Narcóticos Anônimos nunca se torne uma coleção cinzenta e inexpressiva de adictos sem personalidade. Gostamos da cor, da compaixão, da iniciativa, da vivacidade impetuosa que advém das personalidades diversas dos nossos membros. A nossa diversidade é, de facto, a nossa força. Descobrimos que quanto mais fortes forem os nossos membros individuais, mais fortemente unida se tornará a nossa irmandade. Este é um grande paradoxo da recuperação em NA: ao nos juntarmos num compromisso para o bem maior de Narcóticos Anônimos, o nosso próprio bem-estar é aumentado sem limites. Ao rendermos a vontade própria, colocando humildemente qualquer poder individual
  • 226. Décima-Segunda Tradição 219 que possamos ter ao serviço do todo, encontramos um poder inacreditável, não só superior ao nosso, como superior também à soma de todas as suas partes. Ao servirmos generosamente as necessidades dos outros - anonimamente - vemos que as nossas próprias necessidades são por sua vez servidas, de uma forma melhor do que poderíamos alguma vez imaginar. Ao nos juntarmos anonimamente numa irmandade, com outros adictos em recuperação, colocando o bem-estar do grupo à frente do nosso, o nosso próprio crescimento espiritual é aumentado desmedidamente, e não diminuído. E isto o que a 12a Tradição quer dizer quando fala do anonimato como sendo o alicerce espiritual de todas as nossas tradições. Enquanto colocarmos os princípios espirituais em primeiro lugar, as nossas personalidades individuais poderão crescer e florescer como nunca antes, assegurando que a nossa irmandade continue também a florescer, forte e livre. O nosso bem-estar comum depende da nossa unidade. A única esperança que temos de manter essa unidade, no meio da enorme diversidade que encontramos em Narcóticos Anônimos, é através da aplicação de certos princípios comuns: aqueles que se encontram nas Doze Tradições. Enquanto colocarmos a prática desses princípios comuns acima do exercício das nossas personalidades individuais, tudo irá correr bem.
  • 227. 220 Índice Remissivo aceitação 11, 15-16,71-72, 132-133 adicção 5-6,42-43,149 alegria 35,114 amor 58, 136, 161 anonimato pessoal 207-209 apadrinhamento 13, 30-31,40-1,53,55,56,58,74, 80-81,88 apoios exteriores 169-170, 214-215 atmosfera de recuperação 164-165 atração 147, 167-168, 184,206-207,217 autoaceitação 48,55 auto-obsessão 41-42,52,61,79, 100, 104, 105 autonomia 128, 153-160, 163, 213-214 autosuficiência 177-187,215 bem-estar comum 127-135, 156, 181,212,213-214 boas-vindas 147 boa-vontade 10-11, 17-18,27,30,37-38,60,68,83-84 comités, comissões de serviço 179, 194, 216 compaixão 68-69, 151 compromisso 24-25,33-34,35,50, 128-129, 130, 133, 136, 150, 181 compulsão 6-7 comunicação 130-132, 138,142, 195 confiança 28,53,57,141 confiança, servidores de 141 confidencialidade 217 consciência 137 contato consciente 108 controvérsia pública 200 coragem 14, 39, 40, 51-52, 78-79, 86. 109-110 decisão 149-150 defeitos 55-56, 59, 60, 61,63-64, 65-66, 99 desejo 146, 147, 148-152
  • 228. 221 Isto Resulta desgoverno 8, 14-15 Deus 31,54-55, 58, 73, 83-84, 91-92, 110-111 dinheiro, propriedade, prestígio 169 disciplina 60,100,114 diversidade 129-130,218-219 doença 5-8, 14-15, 107 egocentrismo 8,41-42,52,61,64, 105 empreendimentos afins 171-172 empreendimentos alheios 214-215 encorajamento 147-149 equilíbrio 100, 104, 105, 158 especiais, interesses 157-158 especializados, trabalhadores 189-190, 215-216 esperança 20,25,104-105 espiritual, despertar 73, 114-115, 116-121 fé 19-20,31-32,42,64-65,72,73-74, 144, 174-176, 186, 210 fidelidade 166, 198 fundos, angariação de 181-183 generosidade 96, 105, 121, 133-134, 139 gratidão 96, 114-115,184-185 grupo, consciência de 139-143,213 grupo, inventário do 156-157, 164, 165-168 grupo, necessidades do 178-179, 180 grupo, personalidade do 153, 163, 164-166, 176 harmonia 175 honestidade 9, 17-18,39,51,57,78,86-87, 103 humildade 23, 52, 56, 62, 68, 70-72, 82-83, 86-88, 95-96, 101, 142-143, 153-154, 174, 190, 197, 204-205 igualdade 140,218 imperfeições 70 impotência 5, 13-14, 108, 123 incondicional, amor 52, 114-115, 123 insanidade 18-19 integridade 144,166,174,186-187, 191 interdependência 127
  • 229. Índice remissivo 222 intimidade 43-45,93-94 inventário 37-49, 98, 99-100, 101 irmandade 13,55,61-62, 128-129, 132-133 liberdade 58,75-76,77,84,95,96, 114-115, 154, 153-156, 161-162, 163, 177, 187 líderes 141,213 meditação 109-110,111 medos 28, 38, 42, 50, 57, 78, 85-86 membro, qualidade de 128-129,146-152, 179-180,213 membro, requisito de 146-152, 183,213 mensagem, transmitir a 120,165-168 mensagem de NA 163-164 mente aberta 17-18,23, 112, 140, 144, 158 moral, valor 39-40, 49, 102-103 NA como tal 192 não profissional 188-190, 215 necessidades comuns 15 5 negação 7,8,101-102 obsessão 6-7 opiniões 138 opiniões pessoais 200-201,203-204, 216-217 oração 31,54,73,75, 108, 109-110, 111, 112-113 paciência 72 partilhar 53-54, 111-112, 129, 132, 145 perdão 79-80,86 perseverança 14,34,41,50,63,93 Poder Superior 21-22,34, 107, 138-139 Poder Superior a nós mesmos 17,21 promoção 206-207, 217 propósito primordial 138, 146, 155, 156-157, 161, 161-168, 176, 177, 180, 199,214,216 prudência 190-191, 197-198, 204 públicas, relações 157, 169, 170-173, 176,200,201, 203-204, 206, 214-215, 216-217
  • 230. 223 Isto Resulta qualidades 39,48,66, 104, 105 questões alheias 199-200, 201 -202, 216-217 recaída 99 recém-chegados, membros mais antigos 165 relações 43-45,55,57,58,89,93-94, 104-105 remorso 61,77-78,92 rendição 9, 10, 11-12,29,33,61,66,71-72, 109, 132-133, 139, 144 reparações 82,85,89-95,102-103 reservas 10 respeito próprio 94-95 responsabilidade 32,62,77,81-82, 127-128, 141-142, 155, 1 56-157, 158-160, 161, 161-162, 166-168, 180-181, 183, 185, 198, 202,203-204, 209-210, 216 ressentimentos 43,79 reunião, formato de 155 sanidade 19,23 serenidade 33, 35, 106, 114 serviço 92,94, 114-115, 121, 132, 138, 145, 150,210, 213, 216 serviço, cargos de 179-180 simplicidade 180, 185-186, 196 Terceiro Passo, decisão do 27-36 tolerância 68, 150 última, autoridade 138, 141-142, 145 unidade 127-135, 138, 161, 167-168,202-203, 213-214, 216,217-219 uniformidade 129-130 vontade de Deus 32,36, 108, 109, 113 vontade própria 27-28
  • 231. Índice remissivo 224 Narcotics Anonymous Narcóticos Anônimos