LÍNGUA PORTUGUESA
LÍNGUA PORTUGUES                                                          GESTAR II
                                                                          PROGRAMA GESTÃO
                                                                          DA APRENDIZAGEM ESCOLAR




                    GESTAR II




                                              LINGUAGEM E CULTURA – TP1
                    PROGRAMA GESTÃO
                    DA APRENDIZAGEM ESCOLAR




                     Ministério
                   da Educação
                                              GESTAR II
Presidência da República

Ministério da Educação

Secretaria Executiva

Secretaria de Educação Básica
PROGRAMA GESTÃO DA
         APRENDIZAGEM ESCOLAR
               GESTAR II



FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DOS
ANOS/SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL



          LÍNGUA PORTUGUESA




      CADERNO DE TEORIA E PRÁTICA 1

           LINGUAGEM E CULTURA
Diretoria de Políticas de Formação, Materiais Didáticos e de
                          Tecnologias para a Educação Básica

                      Coordenação Geral de Formação de Professores


Programa Gestão da Aprendizagem Escolar - Gestar II


Língua Portuguesa                                         Guias e Manuais
Organizadora                                              Autores
Silviane Bonaccorsi Barbato                               Elciene de Oliveira Diniz Barbosa
                                                          Especialização em Língua Portuguesa
                                                          Universidade Salgado de Oliveira/UNIVERSO
Autores
Cátia Regina Braga Martins - AAA4, AAA5 e AAA6            Lúcia Helena Cavasin Zabotto Pulino
Mestre em Educação                                        Doutora em Filosofia
Universidade de Brasília/UnB                              Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP
                                                          Professora Adjunta - Instituto de Psicologia
Leila Teresinha Simões Rensi - TP5, AAA1 e AAA2           Universidade de Brasília/UnB
Mestre em Teoria Literária
Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP                 Paola Maluceli Lins
                                                          Mestre em Lingüística
Maria Antonieta Antunes Cunha - TP1, TP2, TP4, TP6        Universidade Federal de Pernambuco/UFPE
e AAA3
Doutora em Letras - Língua Portuguesa
Professora Adjunta Aposentada -
Língua Portuguesa - Faculdade de Letras                   Ilustrações
Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG
                                                          Francisco Régis e Tatiana Rivoire
Maria Luiza Monteiro Sales Coroa - TP3, TP5 e TP6
Doutora em Lingüística
Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP
Professora Adjunta - Lingüística - Instituto de Letras
Universidade de Brasília/UnB

Silviane Bonaccorsi Barbato - TP4 e TP6
Doutora em Psicologia
Professora Adjunta - Instituto de Psicologia
Universidade de Brasília/UnB




                                                 DISTRIBUIÇÃO
                                     SEB - Secretaria de Educação Básica
                              Esplanada dos Ministérios, Bloco L, 5o Andar, Sala 500
                                       CEP: 70047-900 - Brasília-DF - Brasil

                     ESTA PUBLICAÇÃO NÃO PODE SER VENDIDA. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA.
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                           Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
                            Centro de Informação e Biblioteca em Educação (CIBEC)

    Programa Gestão da Aprendizagem Escolar - Gestar II. Língua Portuguesa: Caderno de Teoria e
        Prática 1 - TP1: linguagem e cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
        Básica, 2008.
        174 p.: il.

         1. Programa Gestão da Aprendizagem Escolar. 2. Língua Portuguesa. 3. Formação de Professores.
    I. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica.

                                                                                               CDU 371.13
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
            SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA




          PROGRAMA GESTÃO DA
         APRENDIZAGEM ESCOLAR
               GESTAR II



FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DOS
ANOS/SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL



          LÍNGUA PORTUGUESA




      CADERNO DE TEORIA E PRÁTICA 1

           LINGUAGEM E CULTURA




                     BRASÍLIA
                       2008
Gestar II - TP 1
Sumário


Apresentação................................................................................................7

PARTE I

Apresentação das unidades.....................................................................................11

Unidade 1: Variantes lingüísticas: dialetos e registros...............................................13
Seção 1: As Inter-relações entre Língua e Cultura.....................................................14
Seção 2: Os dialetos do Português.......................................................................19
Seção 3: Os registros do Português.......................................................................28

Leituras sugeridas............................................................................................42
Bibliografia....................................................................................................43
Ampliando nossas referências............................................................................44
Correção das atividades....................................................................................51

Unidade 2: Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos..........................................57
Seção 1: A norma culta.....................................................................................58
Seção 2: O texto literário...................................................................................67
Seção 3: Modalidades da língua..........................................................................77

Leituras sugeridas............................................................................................88
Bibliografia....................................................................................................89
Correção das atividades....................................................................................91

Unidade 3: O texto como centro das experiências no ensino da língua.........................97
Seção 1: Afinal, o que é texto?............................................................................98
Seção 2: Por que trabalhar com textos.................................................................106
Seção 3: Os pactos de leitura............................................................................114

Leituras sugeridas..........................................................................................121
Bibliografia..................................................................................................122
Ampliando nossas referências..........................................................................123
Correção das atividades..................................................................................127


Unidade 4: A intertextualidade.........................................................................133
Seção 1: O diálogo entre textos: a intertextualidade...............................................134
Seção 2: As várias formas da intertextualidade..........................................................139
Seção 3: O ponto de vista................................................................................145

Leituras sugeridas..........................................................................................153
Bibliografia..................................................................................................154
Correção das atividades..................................................................................155
PARTE II

Lição de casa 1.............................................................................................163
Lição de casa 2.............................................................................................165

PARTE III

Oficina 1...............................................................................................169
Oficina 2...............................................................................................172
Apresentação




Bem-vindo aos estudos continuados de Língua Portuguesa!
     Esperamos que você seja nossa companhia por um bom tempo, e que esta
convivência seja enriquecedora tanto para nós como para você.
     Você já teve as informações básicas sobre a estrutura do GESTAR II e as características
e a organização dos cadernos de Teoria e Prática.
     Queremos lembrar-lhe aqui a organização dos dois módulos que constituem o
nosso curso completo. No Módulo 1, dividido em 3 cadernos de Teoria e Prática, vamos
procurar construir ou rediscutir com você os pontos mais importantes do ensino-
aprendizagem de Língua Portuguesa, aqueles que constituem a base mesma para o
desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. Estaremos, ao longo deste
primeiro módulo, construindo e reelaborando conceitos que nos parecem fundamentais
para você, por sua vez, construir ou reelaborar uma nova prática pedagógica.
      Assim, vamos não só discutir conceitos como variação lingüística, texto,
intertextualidade, gramática, arte e literatura, gêneros textuais, mas vamos mostrar como
esses conteúdos podem e devem entrar nas suas aulas para alunos dos 3o e 4o ciclos.
      O TP1 trabalha o texto e as variantes da língua como decorrentes da relação entre
linguagem e cultura; o TP2 aborda as análises lingüísticas e literárias, e o TP3 discute as
questões ligadas à nova conceituação de gêneros dos textos e de tipos de discursos.
      Esses estudos iniciais pavimentarão o caminho para o Módulo 2, que vai sistematizar
o trabalho em torno da leitura e da produção de textos, que, no primeiro, aparecem
sobretudo como atividades.
      Nossa expectativa é que essa organização seja uma forma bastante eficaz de ajudá-
lo a reavaliar e redirecionar, quando necessário, seus conhecimentos e sua prática, para
melhor atingir seus objetivos no trabalho com seus alunos.
Gestar II - TP 1
PARTE I

                  TEORIA E PRÁTICA 1




•   Unidade   1
•   Unidade   2
•   Unidade   3
•   Unidade   4
Gestar II - TP 1
GESTAR II
TP1 - Língua Portuguesa


Caro Professor, cara Professora,
Começamos, agora, nossos estudos de Língua Portuguesa.
     Como já lhe adiantamos, neste primeiro caderno vamos tratar de questões mais
gerais, que, fundamentando todo o trabalho com a Língua Portuguesa, vão
obrigatoriamente ser retomadas em determinados pontos dos demais TPs, tal a
importância delas para a sua prática. Com isso, imaginamos facilitar o caminho a ser
percorrido neste ano de estudos.
      Você já sabe também que, para tornar nossa proposta ainda mais ligada à sua
atuação em sala de aula, decidimos, na seleção de textos a serem trabalhados,
privilegiar os temas transversais. Nas quatro primeiras unidades que constituem o
TP1, nossos textos estão ligados aos temas da família e da escola, vistas de variados
ângulos e em diversas formas: ao final delas, poderemos ter ampliada e aprofundada
nossa visão sobre as questões que envolvem essas instituições que, mesmo com
todas as transformações da sociedade, se apresentam como da maior importância ,
ainda hoje.
      Nessas unidades, vamos também explorar assuntos relevantes: a variação lingüística,
a própria conceituação de texto e as suas implicações no ensino-aprendizagem da língua
e a intertextualidade.
     Você deve estar se perguntando se vale a pena rever assuntos que , com certeza, já
foram estudados em alguns ou em vários cursos de que terá participado.
       Bem, o principal argumento que podemos apresentar-lhe, para rever questões
como dialetos e registros, norma culta, modalidades da língua, linguagem literária,
paráfrases e paródias, é um fato que a experiência nos mostra constantemente: esses e
outros pontos continuam obscuros e mal explorados em sala de aula, o que vem
refletindo-se no inadequado desempenho de nossos alunos na maioria das atividades
de linguagem.
      Esses conteúdos continuam, pois, fundamentais sob dois aspectos: a ampliação
do conhecimento desses assuntos aumentará substancialmente sua competência no
uso da linguagem. Você terá melhores condições de compreender e avaliar mais
adequadamente os textos lidos e ouvidos, da mesma forma que produzirá textos mais
pertinentes.
      Na medida em que desenvolve essa competência lingüística, que é o grande
objetivo do ensino da língua, você estará em condições de, com algumas sugestões
que vamos propor-lhe, ao longo das unidades, desenvolver em seus alunos a consciência
dessas variações e o uso de cada uma delas, nas diversas situações de comunicação
vividas por eles.
      Na primeira unidade, chamada Variantes lingüísticas: dialetos e registros, vamos
distinguir normas e usos da língua, buscando compreender como essas variantes se
efetivam em nossa interação cotidiana. Na segunda, chamada Variantes lingüísticas:
desfazendo equívocos, vamos trabalhar a oralidade e a escrita, a norma culta e o texto
literário, procurando esclarecer a importância da compreensão mais ampla desses
“acontecimentos lingüísticos”. Na terceira, chamada O texto como centro das experiências
no ensino da língua, vamos discutir o próprio conceito de texto, descobrir por que a
necessidade de trabalhar com textos e por em cena os interlocutores do texto, com seus
objetivos. Na quarta e última unidade deste TP, chamada A Intertextualidade,
trabalharemos questões relativas ao diálogo entre textos, às várias formas de
intertextualidade e ao ponto de vista em todo tipo de interlocação.
     Esperamos que estes estudos sejam um trabalho compensador e agradável para
você. Vamos à nossa primeira unidade.
Unidade 1
Variantes lingüísticas: dialetos e registros
Maria Antonieta Antunes Cunha




           Iniciando
           nossa conversa

      O ramo da Lingüística chamado Sociolingüística, que se tem ocupado sobretudo
da caracterização e do uso das variações lingüísticas, não é novo. Há muito tempo esses
estudos teóricos vêm sendo realizados, tanto na Europa como nas Américas (inclusive no
Brasil) , mas é bem mais recente sua aplicação ao ensino/aprendizagem de línguas,
especialmente da língua materna.
      Essa aplicação está vinculada a outros avanços na compreensão da forma como se
dá a aquisição e o desenvolvimento da linguagem e da própria concepção de linguagem.
      Entendemos agora a linguagem não como uma simples forma de comunicação (em
que se valorizava sobretudo o locutor/emissor) , mas como interação, na qual os sujeitos
envolvidos realizam uma ação de mão dupla, um influindo sobre o outro, em função do
lugar que ocupam nessa interação.
      Reconhecer locutor e interlocutor como igualmente importantes no processo de
interação, percebê-los como co-autores, exige um aprofundamento na análise das condi-
ções em que eles interagem. E que condições são essas? São, de um lado, as caracterís-             13
ticas do locutor – suas marcas pessoais, como conhecimentos, linguagem, posição etc. –
e, de outro, as características do interlocutor e do assunto, o que cria um contexto
especial, único, em que acontece a interação.
    Pois é a partir dessas condições sociais e históricas em que se dá cada interação, definindo
modos diferentes de uso da língua, que vamos tratar nestas unidades sobre variação lingüística.
     Nossa primeira unidade está dividida em três seções. Sempre a partir de textos,
vamos ver, na primeira seção, como a língua não reflete só sobre o mundo, mas reflete
também o mundo. Quer dizer, ela expressa a cultura dos sujeitos e dos grupos. Na
segunda, vamos ver que as línguas apresentam variações no tempo e no espaço, e
vamos estudar as variantes chamadas dialetos. Na terceira seção, vamos estudar um
outro tipo de variante da língua: os chamados registros.


           Definindo nosso
           ponto de chegada

      Esperamos que, depois das reflexões e das atividades propostas nesta unidade, você
seja capaz de:
1 - relacionar língua e cultura;
2 - identificar os principais dialetos do Português;
3 - identificar os principais registros do Português.
     Insistimos, mais uma vez, que, atingidos esses objetivos, você terá melhores condi-
ções de desenvolvê-los com seus alunos, feitas as devidas adequações.
Seção 1
     As Inter-relações entre Língua e Cultura

               Objetivo
               da seção

          Relacionar língua e cultura.

          Comecemos nosso estudo lendo um texto de Carlos Drummond de Andrade.


     Retrato de velho
     Tem horror a criança. Solenemen-
     te, faz queixa do bisneto, que lhe
     sumiu com a palha de cigarro,
     para vingar-se de seus ralhos in-
     tempestivos. Menino é bicho
     ruim, comenta. Ao chegar a avô,
     era terno e até meloso, mas a ida-
     de o torna coriáceo.

14         No trocar de roupa, atira
     no chão as peças usadas. Al-
     guém as recolhe à cesta, para
     lavar. Ele suspeita que pretendem
     subtraí-las, vai à cesta, vasculha,
     retira o que é seu, lava-o, pas-
     sa-o. Mal, naturalmente.
          – Da próxima vez que ele vier, diz a nora, terei de fechar o registro, para evitar que
     ele desperdice água.
           Espanta-se com os direitos concedidos às empregadas. Onde já se viu? Isso aqui é o
     paraíso das criadas. A patroa acorda cedo para despertar a cozinheira. Ele se levanta
     mais cedo ainda, e vai acordar a dona de casa:
          – Acorda, sua mandriona, o dia já clareou!
           As empregadas reagem contra a tirania, despedem-se. E sem empregadas, sua presen-
     ça ainda é mais terrível.
           As netas adolescentes recebem amigos. Um deles, o pintor, foi acometido de mal
     súbito e teve de deitar-se na cama de uma das garotas. Indignação: Que pouca-vergonha
     é essa? Esse bandalho aí conspurcando o leito de uma virgem? Ou quem sabe se nem é
     mais virgem?
          – Vovô, o senhor é um monstro!
          E é um custo impedir que ele escaramuce o doente para fora de casa.

                                                                       TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                                             Unidade 1
     – A senhora deixa suas filhas irem ao baile sozinhas com rapazes? Diga, a
senhor deixa?
     – Não vão sozinhas, vão com os rapazes.
     – Pior ainda! Muito pior! A obrigação dos pais é acompanhar as filhas a tudo
quanto é festa.
     – Papai, a gente nem pode entrar lá com as meninas. É coisa de brotos.
     – É, não é? Pois me dá depressa o chapéu para eu ir lá dizer poucas e boas!
     Não se sabe o que fazer dele. Que fim se pode dar a velhos implicantes? O jeito é
guardá-lo por três meses e deixá-lo ir para outra casa, brigado. Mais três meses, e nova
mudança, nas mesmas condições. O velho é duro:
     – Vocês me deixam esbodegado, vocês são insuportáveis! – queixa-se ao sair.
Mas volta.
     – Descobri que           paciência é uma forma de amor – diz-me uma das
filhas, sorrindo.
               ANDRADE, Carlos Drummond de. Retrato de velho. In A bolsa & a vida. Rio de Janeiro, 1962. p. 207-209.



     Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) , mineiro de Itabira, é considerado
 nosso maior poeta, mas tem uma importante obra como cronista e contista. Em sua
 vasta obra, privilegiou a observação do cotidiano e das personagens simples e con-
 sideradas parte das minorias. Daí sua enorme simpatia pelas crianças, que soube                                             15
 retratar como poucos, pelos funcionários sem graduação, pelos transeuntes. Entre
 suas obras líricas, estão: Rosa do povo, Sentimento do mundo, Boitempo, Lição de
 coisas. Entre seus livros de crônicas, destacam-se: O poder ultra-jovem, Fala, amen-
 doeira, A bolsa & a vida, Cadeira de balanço. Livros de contos: Contos plausíveis e
 Contos de aprendiz.


      Embora cada vez mais se tome o conto pela crônica, sobretudo quando esta é
narrativa, podemos dizer com firmeza que temos aqui uma crônica: uma composi-
ção curta, voltada para os acontecimentos do cotidiano, que pode contar uma
história, tecer comentários sociais ou políticos, ou ainda apresentar um conteúdo
lírico, poético, apresentando a emoção do autor diante de certo acontecimento.
Muitas vezes, a crônica tem um tom de humor. Todas essas características têm a ver
com o fato de a crônica aparecer inicialmente em jornais e revistas.
      A crônica que você leu é uma narrativa. Você vai estudar mais tarde o
gênero chamado narrativa ficcional. Por ora, basta lembrar que a narrativa se
caracteriza por contar uma história, por meio de um narrador, sobre personagens
(humanos, animais, imaginários) que vivem os acontecimentos desenrolados num
espaço e num tempo. O narrador, que conta a história, pode ser personagem dela,
ou pode ser apenas observador dos fatos. Como narrador-personagem, ele conta a
história em primeira pessoa (eu, nós); como narrador-observador, a narrativa é feita
em terceira pessoa (ele, ela, eles) .
     Vamos trabalhar um pouco o texto.
As Inter-relações entre Língua e Cultura
Secção 1




                          Atividade 1


           A – Que tipo de narrador aparece nessa crônica e em que pessoa a narrativa se
           constrói?


           B – A personagem principal, aqui, tem seu “retrato” minuciosamente feito pelo narrador.
           Mas ele usa de dois procedimentos diferentes:
           a) ele mesmo, narrador, ou outra personagem, apresenta as características                        do
           pai/sogro/avô;
           b) as atitudes e falas do velho falam por si, completam o retrato feito pelos outros.
           Indique abaixo passagens que exemplifiquem os dois procedimentos.
           a)




           b)


16
           c) Embora os fatos apresentados sejam todos passados, os verbos aparecem no presente.
           Que sentido isso traz para você?




           d) Que sentimentos das pessoas para com esse velho ficam evidenciados no texto?




           e) No texto, há várias passagens de humor. Indique pelo menos duas situações em que
           ele se faz presente.




           f) Que intenções você acredita que teve o autor, ao escrever essa crônica?




                                                                             TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                            Unidade 1
         Avançando
         na prática


     Uma boa atividade para propor a seus alunos é fazer a leitura dramática dessa
 crônica, depois de estudada. Descobrir os vários tons usados pelas personagens,
 ensaiar em voz alta cada papel não só é motivador como também é uma das melhores
 formas para se perceber a importância e as características formais do discurso direto,
 que é a forma escolhida pelo narrador para apresentar a fala ou o pensamento das
 personagens.
     Você pode trabalhar essa leitura conforme os seguintes passos:
    1. Depois do estudo do texto, divida a sala em grupos, para que ensaiem a leitura
 dramatizada. Eles devem fazer a distribuição de papéis, incluindo o narrador, e
 pensando até no tipo de voz e no sexo das personagens.
    2. Dê um bom tempo para leitura e releitura (sempre em voz alta) , uma vez que
 muito raramente o acerto será de primeira. Todo o grupo opina sobre o tom, o ritmo
 mais adequados.
     3. Considerados já em condições de fazer a leitura, sorteie o grupo que vai
 apresentar-se. Os demais ficam como avaliadores.
     4. Os alunos que apresentarem críticas deverão sugerir uma leitura mais adequada,
 e eles passarão a ser julgados nesse momento.
     5. Não deixe também de fazer sua avaliação, depois da deles.                                           17
     6. Se quiserem, poderão fazer uma última leitura, agora misturando os vários
 grupos.
    Você vai observar que, enquanto ensaiam e opinam, os alunos estão trabalhando
 com a importância e as características do discurso direto, o que lhes dará melhores
 condições de avaliar outros casos desse recurso e de produzir textos usando-o mais
 adequadamente.

     Nesse texto de Drummond, podemos nos divertir não simplesmente com um
avô ranzinza, mas com um conflito cultural entre gerações: os valores daquele
homem de 85 forçosamente são diferentes dos de seus filhos, noras e genros, e
sobretudo de seus netos e até bisnetos.
     Ora, os valores tanto pessoais quanto dos grupos são constituídos historica-
mente: expressam a cultura dessas pessoas ou grupos e dependem basicamente das
experiências de vida do indivíduo e de seu grupo, ocorridas em determinada época
e lugar.


         Recordando


    Podemos conceituar cultura como o conjunto de ações pensamentos e valores de
uma pessoa ou de uma comunidade.
As Inter-relações entre Língua e Cultura
Secção 1




                   Pensamentos, experiências e valores são expressos pela língua, inevitavelmente.
                 Tome o caso do avô: a diferença dele para com os outros está no seu modo de
           entender as situações da vida, em certos costumes e, portanto, na sua forma de usar a
           língua. Ele deve ser das poucas criaturas que ainda usam (usavam) chapéu, independen-
           temente do clima e do horário, e que ainda fazem seu próprio cigarro, pelo menos nas
           grandes cidades. Para ele, “a empregada tem de saber o seu lugar”, moços não se deitam
           em camas de moças, estas não saem sozinhas com rapazes. Tudo de acordo com o
           figurino do fim do século XIX, o da sua juventude.
                Sua língua não pode refletir outra coisa. Ele também deve ser o único vivente que
           ainda usa as palavras “mandriona”, “bandalho”, ou a expressão “conspurcar o leito de
           uma virgem”. Hoje, a própria questão da virgindade poria esse avô desesperado.
                 Essa diferença de cultura no âmbito de uma mesma família tem um forte compo-
           nente temporal. Mas poderia ser também de lugar/espaço: mesmo hoje, com a chamada
           globalização, os valores e costumes são bem diferentes numa pequena cidade do interior
           do Brasil e numa capital como São Paulo. Por isso mesmo, a língua numa cidade interio-
           rana costuma mudar (e muda sempre) menos rapidamente do que nas grandes cidades,
           onde todos os tipos de gíria e de neologismo (palavra recém-criada na língua, ou palavra
           já existente usada com outro significado) “nascem” e “morrem” muito rapidamente. A
           palavra “broto”, designando o jovem, na crônica de Drummond, ao que parece, já saiu
           de moda, há bastante tempo.
                Isso mostra o caráter dinâmico da língua, como revela também a constante evolu-
           ção da sociedade e de sua cultura, refletida sempre na língua. Esta, por sua vez, em
18
           constante construção pelos seus usuários, acaba por transformar as relações humanas e,
           portanto, a cultura e a sociedade.
                 Vemos, portanto, que sociedade, cultura e língua são construções históricas dos
           sujeitos. Influindo umas sobre as outras, essas três “instâncias” estão em constante pro-
           cesso de transformação.


                          Resumindo


                 A cultura, entendida como o conjunto de formas de fazer, pensar e sentir de
             uma pessoa ou de uma sociedade, é uma construção histórica e varia no espaço e
             no tempo.
                 A língua é, ao mesmo tempo, a melhor expressão da cultura e um forte elemen-
             to de sua transformação. A língua tem o mesmo caráter dinâmico da cultura.




                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Seção 2
Os dialetos do Português

          Objetivo
          da seção

     Identificar os principais dialetos do Português.

     As incontáveis possibilidades de uso que qualquer língua oferece à comunida-
de que a usa são a melhor prova de que ela é um sistema, sim, mas aberto e em
construção.
     Na realidade, a língua apresenta certas regularidades que todo falante deve seguir,
sob pena de não criar um enunciado reconhecido como da língua e de não ser compre-
endido.
     São exemplos sempre repetidos: você não pode usar o artigo em outro lugar que
não seja anteposto ao substantivo a que ele se refere (* Poeta o é famoso); não pode usar
uma preposição depois do termo regido (*Nós gostamos muito sorvete de.) .
      Um exemplo a mais: no português, é obrigatória alguma marca de plural, para fazer
a concordância de número. Essa marca pode variar, conforme os usos dos grupos soci-
ais. Um grupo diz:
                                                                                            19
     Os meninos doentes choravam sem parar.
     Outro grupo fala:
     Os menino (ou minino) doente chorava sem parar (ou pará).
      Mesmo com sotaques diferentes, que ocorrem tanto na primeira quanto na segunda
frase, os dois grupos serão entendidos por todos, uma vez que estão usando o mesmo
sistema da língua. Mas, se não houvesse marca alguma de plural, em qualquer das falas,
os interlocutores não entenderiam o real significado da frase: o de que eram pelo menos
dois meninos doentes e chorando sem parar.



          Importante


      Então, a língua tem regularidades, um sistema a ser seguido. Mas, como é um
 sistema aberto, a língua oferece inúmeras possibilidades de variação de uso, que
 criam, junto com o contexto, interações sempre novas e irrepetíveis.

     As variações da língua são de duas ordens:
     1- as variantes comuns a um grupo, chamadas dialetos;
    2- as variantes do uso de cada sujeito, na situação concreta de interação, cha-
madas registros.
Os dialetos do português
Secção 2




                  Para estudar as variantes de grupo, vamos começar pelo trabalho com um texto.

           Ciúme
           Eu tinha 9 anos quando a gente se
           encontrou: o Ciúme e eu.
                Era verão. Eu dormia no mes-
           mo quarto que a minha irmã. A ja-
           nela estava aberta.
                 De repente, sem nem saber di-
           reito se eu estava acordada ou dor-
           mindo, eu senti direitinho que ele
           estava ali: entre a cama da minha
           irmã e a minha. A noite não tinha
           lua nem tinha estrela; e quando eu
           fui estender o braço para acender a
           luz, ele não quis:
                  “Me deixa assim no escuro.”
                  Que medo que me deu.
                Senti ele chegando cada vez
           mais perto. Fui me encolhendo.
                 “Pega a minha irmã” eu falei.
20
           “Ali, ó, na outra cama. Eu sou pe-
           quena e ela já fez 14 anos, pega
           ela. Ela é bonita e eu sou feia; o
           meu pai, a minha mãe, a minha tia, todo o mundo prefere ela: por que você não prefere
           também?”
                Mas o Ciúme não queria saber da minha irmã, e eu já estava tão espremida no
           canto (a minha cama era contra a parede) que eu não tinha mais pra onde fugir, então eu
           pedia e pedia de novo:
                “Ela é a primeira da turma e eu tenho horror de estudar, olha, ela tá logo alí; e
           ela é tão inteligente pra conversar! Ela diz poesia, ela sabe dançar, o meu pai tá
           ensinando inglês e francês pra ela e diz que pra mim não vale a pena porque eu não
           presto atenção, então você pensa que eu não vejo o jeito que o meu pai olha pra ela
           quando todo o mundo diz que encanto de moça que é a sua filha mais velha? Pega,
           pega, PEGA ela!”
                  “Não. Eu quero é você.”
                E o Ciúme disse aquilo com uma voz tão calma que eu fui me acalmando. E o medo
           meio que foi passando.
                “Bom” eu acabei suspirando “pelo menos tem alguém que gosta mais de mim do
           que dela.”
                  E aí o vento do mar entrou pela janela, soprou o Ciúme e apagou ele feito vela.
                                          NUNES, Lygia Bojunga. A troca e a tarefa. In Tchau. Rio de Janeiro: Agir, 1985. p.51.



                                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                             Unidade 1
     Lygia Bojunga nasceu em Pelotas, em 1932. Durante a infância e a adolescência,
 viveu em várias cidades brasileiras. Hoje, divide seu ano entre o Rio de Janeiro e
 Londres. É uma das mais consagradas autoras da literatura infantil e juvenil brasileira,
 com muitos prêmios também no exterior. Sua linguagem é bastante peculiar, apre-
 sentando um coloquialismo marcante em toda a narrativa. Inicialmente artista de
 teatro, suas narrativas freqüentemente apresentam peças e “cenas” teatrais, outras
 foram transpostas por ela mesma para o palco. Algumas de suas obras: Angélica, A
 casa da madrinha, Corda bamba, Os colegas, O sofá estampado, A bolsa amarela, O
 livro, Tchau.

      Talvez você conheça o livro de contos Tchau, de onde foi extraído o trecho acima.
Mas, ainda que não o conheça, sua expectativa, diante do nome da autora e até do título
do livro, era de ler um texto literário narrativo ou de teatro, não é?
     Como adiantamos, temos acima o trecho de um conto (belíssimo, aliás); portan-
to, uma narrativa apresentada por um narrador e por fatos organizados de determina-
do modo, em torno de personagens e que transcorrem no tempo. Vamos explorar
um pouco o texto.



          Atividade 2


A – Pela leitura do texto, o que leva você a garantir que a narração não é relato de uma
“história verdadeira”, um relato de vida?                                                                    21



B – O narrador pode ser ou não personagem da história. Qual é o caso, na
narrativa anterior?



C – A opção por um ou outro tipo de narrador traz procedimentos e resultados diferentes
para a história.
a) Em que pessoa a história é narrada?


b) Essa escolha torna a narrativa mais ou menos subjetiva? Justifique sua resposta, com
passagens do texto.




D – Indique que outras personagens aparecem nesse trecho e qual a sua importância
para a narrativa.
Os dialetos do português
Secção 2




           E – Por meio de que argumento ou expressões a narradora cria um ambiente indefinido,
           propício ao aparecimento do Ciúme?




           F – Indique os elementos que marcam a passagem do tempo.




           G – Por que o Ciúme aparece entre as duas camas?




           H – Por que, quanto mais a narradora fala, mais o Ciúme quer ficar com ela, e não
           com a irmã?




22
           I – Por meio de que recursos, usados pelo autor, você sente o medo da menina?




                Você deve ter notado uma enorme diferença entre a linguagem do avô, da
           crônica de Drummond, e da menina do conto de Lygia.
                É que, assim como, lá, o velho falava mesmo como um velhinho, aqui, a
           menina expressa-se como uma menina, relatando suas experiências e sentimentos:
           todas as falas em que se compara à irmã são típicas da criança, na estrutura e na
           argumentação.
                Temos, com essas duas personagens, exemplos de variação da língua segundo
           a idade. Podemos dizer que as crianças não falam como os jovens, adultos, nem
           como os idosos. As faixas etárias apresentam, assim, características diferentes de
           linguagem.
                 A criança, por exemplo, não domina ou não usa várias estruturas da língua;
           conforme a idade, não pronuncia grupos consonantais (branco/banco). Os jovens,
           por sua vez, têm uma linguagem marcada pelas gírias, pelas simplificações, com
           certa marca de rebeldia. A linguagem do adulto tende a se tornar mais conservado-
           ra, “comportada”.
                Vemos, portanto, que há uma forma de usar a língua que é normal para cada
           faixa etária.

                                                                        TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                                 Unidade 1
           Avançando
           na prática


     Uma atividade interessante para seus alunos é fazer o “dicionário dos jovens”. Em
 primeiro lugar, porque eles vão sentir que sua linguagem não é discriminada. Depois,
 porque, em trabalhos de construção de textos (frase ou conjunto de frases usadas
 num contexto discursivo real) , pode-se discutir a adequação dos termos à situação de
 cada enunciado. Ao mesmo tempo em que explica sua linguagem, o jovem está
 ampliando seu vocabulário, com o uso do dicionário, assim como refletindo sobre a
 linguagem. Sugestão de procedimento para a criação desse dicionário:
     1. Converse com os alunos sobre algumas palavras bem típicas dos jovens que
 eles acabaram de usar e também sobre outras que usam da mesma maneira que os
 outros, adultos ou não: por exemplo, os verbos mais freqüentes na língua, os paren-
 tescos, partes do corpo. É o chamado “vocabulário fundamental”. Eles vão perceber
 que a maioria das palavras usadas por eles são empregadas pelos adultos.
     2. Mostre interesse em conhecer o vocabulário típico deles, e proponha um
 trabalho em grupos, no qual cada um vai apresentar o termo com seu(s) significado(s).
 Como freqüentemente eles vão explicar um termo “deles” com outro também deles, é
 importante recorrer ao dicionário.
     3. Encontrados os sinônimos, os grupos vão expor seu dicionário, indicando em
 que situações de comunicação o uso de cada termo (do grupo ou do dicionário)
 estaria adequado.
                                                                                                                 23
    4. Conforme a turma, podem ser montados pequenos jogos dramáticos (diálogos)
 em que adultos ou crianças procederam de modo engraçado, porque não entende-
 ram o significado de determinado termo. Ex: “mina”, “ficar”, etc.
     5. Acostume-se a avaliar com seus alunos as experiências ocorridas nas aulas, e
 não deixe de apresentar-lhes também sua opinião sobre as atividades realizadas por
 eles.

      Chegamos à noção de NORMA, que é a forma de cada grupo usar a sua língua.
      O sujeito aprende a sua língua em convívio com a família, amigos, enfim pessoas
que estão ao seu redor e participam do seu cotidiano. Cada um vai assimilando os usos
lingüísticos daquele grupo, ainda que construindo a seu modo esse seu saber.
     Em geral, o sujeito não tem consciência dessa “norma” que ele vai internalizando
no contato com os outros elementos do grupo.
     Queira ou não, tenha ou não consciência disso, o sujeito pertence a grupos. Você,
por exemplo, é homem ou mulher, é de determinada região, tem certa idade, profissão, e,
considerando cada uma dessas características, você forma um grupo com outras pessoas.
      Pertencer a um ou vários grupos e usar a língua característica desses grupos é uma contin-
gência. Se você é carioca, por exemplo, é difícil ou impossível fazer de conta que não é. Se
você é mulher, esse traço aparecerá quase certamente no seu comportamento e na sua fala.
     Isso quer dizer que, a menos que você queira fazer graça, ou chocar, sua tendência
natural e até inconsciente é comportar-se como o seu grupo, inclusive no que se refere
Os dialetos do português
Secção 2




           ao uso da língua. E freqüentemente seu comportamento social e lingüístico revela, até
           sem você querer, a que grupo(s) você pertence.
                Como vimos no caso do velho de Drummond, os comportamentos normais de um
           grupo (ou de uma época) podem não ser aceitos por outro. Mais comumente, tendemos
           a considerar que nossos hábitos e costumes são sempre melhores que os dos outros.
           Algumas vezes, acontece o contrário: achamos que o comportamento dos outros é muito
           mais charmoso e interessante, por exemplo, do que o nosso. Nesses casos, costumamos
           supervalorizar o que, na realidade, não é melhor, nem pior: é diferente.
                 Com a língua acontece a mesma coisa: cada grupo tem escolhas e comportamen-
           tos lingüísticos diferentes dos de outros grupos. Quer dizer: cada grupo tem traços
           lingüísticos normais, comuns a seus integrantes.

                   Essa norma de cada grupo constitui o que mais comumente chamamos DIALETO.

                Você já viu um dialeto, que procuramos realçar nos textos de Drummond e Lygia
           Bojunga: o dialeto etário, que considera a idade do grupo.
                  Vejamos, agora, outros dialetos.
                A língua varia também de região para região: no Brasil, o Nordeste tem muitas
           palavras desconhecidas para o brasileiro mais do Sul. Dado importante na consideração
           dos dialetos regionais é o sotaque, compreendido não só como a melodia típica da fala
           de cada região, mas o timbre aberto ou fechado com que pronunciamos as vogais e a
           pronúncia de determinadas consoantes. Aqui não é a divisão administrativa das regiões
24         ou estados que vale: o norte de Minas Gerais, por exemplo, tem um vocabulário e
           mesmo o sotaque próximos dos da Bahia.


                         Atividade 3


           A – Indique a(s) palavra(s) usada(s) em sua região para designar:
           a) pernilongo:
           b) dar à luz:
           c) mandioca:
           d) prostituta:
           e) lamparina:

           B – Procure observar a fala de pessoas de outras regiões, na sua cidade, ou ouvindo
           televisão ou rádio, e indique abaixo algumas diferenças de pronúncia, em relação à de
           sua região.




                                                                         TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                              Unidade 1
       Podemos falar, assim, de um dialeto regional, ou geográfico, aquele que indica
 os traços usados pelos falantes de determinado espaço geográfico.
     Quando nos referimos a formas de fazer a concordância no português, usamos duas frases:
     Os meninos doentes choravam sem parar.
     Os menino (ou minino) doente chorava sem parar (pará) .
     Essas frases representam dialetos diferentes segundo um critério sociocultural.
      Nesse tipo de dialeto, ressaltam as diferenças sociais, incluídas aí a de escolaridade
e econômica, que acabam por definir o acesso a bens culturais de prestígio: livros,
jornais e revistas, objetos de arte, etc.
     Do ponto de vista sociocultural, temos basicamente o dialeto culto e o popular.
     O dialeto culto define a norma culta, que nós vamos estudar na próxima unidade.
     Podemos, ainda, destacar o dialeto de sexo, ou gênero.
      No caso do Português, como em outras línguas, a própria gramática já traça uma
marca dialetal de gênero, na medida em que há flexões de feminino para substantivos,
adjetivos e pronomes.
      Embora cada vez mais se observe ou se pretenda uma igualdade entre homens e mulhe-
res, em relação a oportunidades e comportamentos, que sem dúvida se refletiria também na
linguagem, muitos estudiosos ainda distinguem o dialeto feminino do masculino.
                                                                                                              25
      Para eles, seria uma marca do dialeto feminino como, por exemplo, um vocabulá-
rio mais afetivo e emocional. Isso não significa que a mulher seja essencialmente mais
afetiva e emotiva que os homens: é que, historicamente, sempre foi solicitado dela um
lado mais visivelmente carinhoso, ou que se emociona facilmente.
     Assim, espera-se em geral que sejam falas femininas:
     – Este bebê é uma fofura!
     – Eu adoro sorvete de limão!
     Por outro lado, possivelmente seja mais masculina uma fala como:
     – Cara, comprei um carro novo ! A máquina é um estouro!


          Atividade 4


A – Faz parte da visão que muitos têm da mulher atribuir a ela um comportamen-
to abnegado e conciliador. Você acha que essa idéia é adequada?
Os dialetos do português
Secção 2




           B – Há, em sua comunidade, algum comportamento ou atitude que não seja aceita,
           quando vinda de uma mulher? Se houver, indique-a abaixo.




           C – Há na sua comunidade algum comportamento que não seja aceito, se vindo de um
           homem? Se houver, indique-o abaixo.




                  Na próxima unidade, essas questões voltarão a ser discutidas.
                  Por fim, há os dialetos profissionais ou de função, ligados à profissão e à função
           que os sujeitos ocupam. Cada grupo profissional tem um vocabulário próprio e, muitas
           vezes, um forma muito particular de encarar determinadas situações e de falar nelas.
           Cada um tem sua gíria, considerada como qualquer forma de falar (sobretudo no vocabu-
           lário) de grupos fechados. Assim, há a gíria médica, a policial, a econômica, etc.



                         Atividade 5


26              Chico Buarque, em uma composição notável como “crônica carioca”, canta o se-
           guinte:
                  Juca foi autuado em flagrante
                  como meliante, pois cantava
                  bem diante da janela de Maria...
                 Que palavras nesse trecho têm sabor de dialeto profissional e a que profissão se
           referem?




                  Antes de passar à próxima seção, gostaríamos de enfatizar três pontos essenciais.



                         Importante



                 1 – Apresentados assim separadamente, os dialetos podem parecer incomunicá-
             veis e “comportados” na sua classificação. Na língua, nada é assim tão simples. Ao
             contrário, numa atividade tão complexa como é a linguagem, os contatos e as solu-
             ções aparecem a cada momento, uma vez que, como já vimos, cada locutor, em
             cada situação, faz as suas escolhas, de modo mais ou menos consciente. Vamos ver
             exemplos preciosos disso na próxima unidade.


                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                           Unidade 1
    2 – Por outro lado, você deve ter percebido que cada um de nós, participando
de vários grupos sociais, acaba sobrepondo, em cada ato de comunicação, mais de
um dialeto. Veja o seu caso: a sua língua é o resultado de um dialeto regional, um
dialeto etário, um dialeto de gênero, além dos dialetos profissional e sociocultural.O
resultado do cruzamento de todos esses dialetos cria uma forma particular sua de uso
da língua, pelo que poderíamos dizer que haverá poucos ou nenhum outro sujeito
que tenha a mesma soma de dialetos que você. Podemos dizer que sua língua tem a
sua marca. É o que alguns autores chamam de idioleto.
    3 – Assim como pode acontecer em função de suas roupas, é comum as pessoas
serem discriminadas pelo seu dialeto. Isso, além de desrespeitoso, é absolutamente
indevido, do ponto de vista lingüístico: na realidade, todos os dialetos se equivalem,
em termos de eficiência comunicativa. Nenhum é, lingüisticamente, melhor do que
o outro. De novo, essa questão voltará na próxima unidade.



        Resumindo


    A língua não se apresenta uniforme e única: ela apresenta variações, conforme os
grupos que a usem. Cada uma das variantes da língua usada por um grupo apresenta
regularidades, recursos normais para aquele grupo, e chama-se dialeto.
    Os principais dialetos são: o etário (da criança, do jovem e do adulto); o geográ-
fico, ou regional; o de gênero (feminino e masculino) ; o social (popular e culto); o                      27
profissional.
   Os dialetos são equivalentes do ponto de vista lingüístico: nenhum é melhor do
que outro. Cada um cumpre perfeitamente suas funções comunicativas, no âmbito
em que é usado. Considerar um superior a outro é um preconceito sem fundamento.
    O idioleto é o conjunto de marcas pessoais da língua de cada indivíduo, como
resultante do cruzamento dos vários dialetos (etário, regional, profissional, de gêne-
ro, social) que constituem a sua fala.
Seção 3
     Os registros do Português

               Objetivo
               da seção

          Identificar os principais registros do Português.

          Leia esta história, escrita pela atriz norte-americana Jamie-Lee Curtis, filha do vetera-
     no ator Tony Curtis.

     Conta de novo a história da noite em que eu nasci
     Conta de novo a história da noi-
     te em que eu nasci.
          Conta de novo que vocês
     estavam dormindo encaixadi-
     nhos feito duas colheres e como
     o pai roncava!
           Conta de novo que o tele-
     fone tocou no meio da noite e
     eles disseram que eu nasci.
28
         Conta de novo como você
     começou a gritar!
           Conta de novo que você
     ligou logo para a vovó e o vovô,
     mas eles não atenderam o tele-
     fone porque dormiam como uma
     pedra.
           Conta de novo que vocês foram me buscar de avião, levando uma sacola de
     fraldas e mamadeiras, e que no avião só tinha amendoim para comer e nem um
     filmezinho pra ver.
           Conta de novo que você não podia ter um neném na sua barriga e por isso eu saí
     da barriga de uma outra moça que não podia cuidar de nenhuma criança. E eu vim para
     ser sua filhinha e vocês serem meus pais.
           Conta de novo que vocês chegaram de mãos dadas ao hospital, morrendo de
     curiosidade de me conhecer.
          Conta de novo a primeira vez que vocês me viram pelo vidro do berçário: eu
     berrava de fome e vocês riam que nem bobos.
          Conta de novo como eu era picurrucha e perfeitinha.
          Conta de novo a primeira vez em que você me abraçou e me chamou de filhinha
     querida. Conta de novo que você chorou de tanta felicidade!
           Conta de novo como vocês me levaram toda embrulhadinha pra casa e ficaram
     furiosos se alguém espirrasse perto de mim.

                                                                         TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                                              Unidade 1
     Conta de novo como eu adorei a minha primeira mamadeira.
     Conta de novo como eu detestei trocar de fralda.
     Pai, conta de novo a primeira noite em que você cuidou de mim e ficou me
contando que o beisebol é um jogo que os americanos adoram.
     Mãe, conta de novo a primeira noite em que você me ninou, cantando a mesma
música que a vovó cantava pra você.
     Contem de novo a história da nossa família.
     Mãe, pai, contem de novo a história da noite em que eu nasci.
                    CURTIS, Jamie-Lee. Conta de novo a história da noite em que eu nasci. São Paulo: Salamandra, 1998.


     Se puder, leia uma segunda vez essa história no livro, que tem ilustrações fantásti-
cas, uma das quais vamos apresentar a você, mais adiante. Se não conseguir o livro,
pense que cada trecho separado acima constitui uma página do livro e que a ilustração
ocupa a página inteira, às vezes a página dupla.
    Como de costume, vamos interpretar o texto. E vamos começar com uma pergunta
bem simples.


          Atividade 6


     Você gostou ou não da história? Justifique sua opinião.
                                                                                                                              29




      As crianças adoram ouvir relatos de sua vida, e os adultos adoram fazer esses relatos.
A história acima tem todo o tom de verdade. O que transforma esse relato em literatura?
      Em primeiro lugar, a transposição para o suporte livro e seu tratamento editorial. Em
segundo lugar, a sua concepção: a criança, ao pedir aos pais que contem a história, está
ela própria fazendo a narração. Conhecemos a história pela boca da criança, que, de
tanto ouvi-la, já a conhece de cor (e não salteado, no caso), com expressões que com
toda certeza os pais usaram e repetiram igualzinho, como as crianças exigem.



          Atividade 7


A – O pedido “Conta de novo”, repetido a cada novo detalhe a ser lembrado, traz para
você um efeito agradável ou desagradável? Justifique.
Os registros do português
Secção 3




           B – Em que momento você percebe que tanto pai como mãe contam a história?




           C – Que pormenores sugerem para você o companheirismo do casal?




           D – Teóricos da literatura infantil costumam criticar o uso de diminutivos nas histórias
           para crianças, achando que o recurso “picurrucha” para criança, seria um tentativa
           ilusória de se aproximar do público infantil. Assinale os diminutivos do texto. Neste
           caso, você acha que o efeito foi bom ou ruim?




           E – Que conceito de família você percebeu, a partir do texto? A questão da adoção lhe
           pareceu bem posta?



30


                          Avançando
                          na prática


                  Baseada na repetição, essa história ganha em significação, quando bem conta-
             da, ou lida em voz alta. Prepare bastante a leitura, procurando as ênfases mais ade-
             quadas, usando o ponto final de cada trecho quase como reticências. Leia-a para seus
             alunos. Com certeza, eles vão vibrar.
                 Atenção! Essa preparação pode ser mais bem-sucedida se proceder da seguinte
             maneira:
                1. Leia o texto silenciosamente, mais uma vez, deixando que todas as observa-
             ções feitas sobre o texto ganhem sentido para você.
                2. Agora, leia o texto em voz alta, mais de uma vez, procurando o tom e o ritmo
             mais adequados a cada frase.
                 3. Se for possível, leia a história para alguém e ouça a sua opinião sobre a história
             e a leitura. Se for o caso, leia mais, sempre em voz alta.
                 4. Enquanto estiver lendo para seus alunos, ou para qualquer platéia, olhe-os de
             vez em quando, enquanto faz uma pausa, ou vira uma página. Para isso, você
             precisa ter o texto bem claro na cabeça.


                                                                               TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                           Unidade 1
      Nesse texto, o autor procura apresentar, com aparência de verdade, a fala de uma
criança com seus pais, uma conversa afetuosa, sem qualquer tipo de barreira. Possivel-
mente, em outros momentos da convivência com os pais, ou falando com outras pessoas
em outros espaços, o autor mostraria a criança falando de outra maneira, exatamente
como nós fazemos.

 Cada uso individual e momentâneo da língua constitui o que chamamos REGISTRO.

     Mais adiante, vamos conhecer mais de perto esses registros. Agora, como prome-
temos, vamos analisar uma ilustração do livro Conta de novo a história da noite em
que nasci.



                                                                       Pernas elegantes
                                                                       em 30 dias


                                                                        O bebê chegou
                                                                        e agora?

                                                                       101 testes
                                                                       para crianças

                                                                          Se for menina
                                                                                                           31

                                                                          Por que o bebê
                                                                          chora?




          Atividade 8


A – A narrativa do livro é cheia de lirismo e humor. Pelo que percebeu na imagem
acima, qual dessas características foi explorada na ilustração? Justifique.




B – Há muitos livros esparramados pelo quarto. Que tipos de leitura estão sendo privile-
giados, na época dos fatos narrados? Justifique.
Os registros do português
Secção 3




           C – Pela fisionomia da mãe, ela está reagindo a alguma coisa. A que ela reage?


           D – O que lhe sugere o cachorrinho tão à-vontade, na cama do casal?




                   Voltemos, agora, a falar dos registros.
                 Se você observar nossas comunicações cotidianas, verá que, sempre que há uma
           barreira de qualquer espécie, algum tipo de distanciamento entre os interlocutores, ou
           alguma dificuldade com o assunto, a nossa fala tende a ficar emperrada, mais cerimoni-
           osa, menos espontânea. Às vezes, é o assunto, que parece difícil, penoso, ou é de inte-
           resse público, obrigando-nos a nos dirigir a muitos. Outras vezes, o distanciamento é
           causado pelo interlocutor, ou interlocutores: são muitos, desconhecidos, pouco amigá-
           veis, ou os consideramos superiores. Enfim, por algum motivo, não conseguimos relaxar,
           ficar à vontade – e nossa linguagem vai revelar isso.
                Esse movimento da nossa comunicação mais, ou menos, espontâneo e descontraído
           é que vai definir os dois registros básicos:
                   INFORMAL - sem barreiras
                   FORMAL - com barreiras
                 Entre os dois registros extremos do informal e do formal, haverá inúmeros graus, de
32         acordo com o número de barreiras, pressões e dificuldades do momento da interação: o
           lugar onde ela se dá, como está se sentindo o locutor no momento, sua expectativa, sua
           percepção do interlocutor e muitos outros fatores podem interferir na comunicação, para
           definir as escolhas que cada um faz, com relação à linguagem a ser usada naquela
           situação específica. Quer dizer, a cada interação, escolhemos um registro.
                 Vale insistir, mais uma vez: as escolhas do sujeito não se referem apenas às ques-
           tões lingüísticas. Numa situação de fala planejada, vários outros comportamentos foram
           pensados: roupa, modo e hora de interagir. Outras decisões têm de ser tomadas na hora,
           às vezes num segundo, de acordo com a situação: que lugar ocupar, gesticular ou não,
           etc. Muitas vezes, são opções intuitivas e inconscientes, mas existem.
               Com relação à linguagem, as opções também são feitas do mesmo modo, e cami-
           nhamos para a formalidade ou para a informalidade.


                          Atividade 9


           A – Na história que acabamos de ler, ajudam muito a criar a informalidade dois recur-
           sos, ou figuras de linguagem: o exagero (a chamada hipérbole) e a comparação. Procure
           no texto pelo menos 3 exemplos de cada um desses recursos.
           Exagero:




                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                             Unidade 1
Comparação:




B – As situações e o traço da ilustração são meio caricaturais, exatamente para
criar o humor. Você acha que essa característica ajuda a criar um tom amistoso, ou
muito formal?




     Vejamos, agora, o que caracteriza cada um dos registros.
      O formal tem a preocupação de evitar qualquer aproximação considerada indevida
pelo locutor. Assim, na medida do possível, usa termos mais neutros, mais cuidados,
certas formas e tempos verbais. Desaparecem do registro formal as gírias populares, ao
mesmo tempo em que surge o futuro simples (porei) , o pretérito mais-que-perfeito sim-
ples (pusera) , o futuro do pretérito (poria) , os pronomes relativos mais difíceis, como
cujo, o qual, certas conjunções, como todavia, entretanto.
      No registro informal, as preferências são exatamente inversas. Evitam-se os tem-
pos verbais mais requintados: as formas verbais simples são substituídas pelas compos-
tas: vou pôr, tinha posto. O poria vai ser substituído quase sempre por punha (Ex. Se
fosse você, eu punha o livro no lugar) . As gírias ficam liberadas, assim como a emo-
ção. Certos traços sintáticos do dialeto popular já são aceitos no registro informal: usa-
se o ter no lugar de haver impessoal, e pronomes como “ele” e “eles” podem ser                               33
objetos diretos dos verbos.


          Atividade 10


A – Releia Retrato de velho.
       Observe que, mesmo falando com familiares, o avô usa termos aparentemente “di-
fíceis”, que caracterizam o registro formal. Veja que ele usa “senhora”, para falar com a
filha, no momento da “inquisição”.
     Na sua opinião, foi um uso inadequado ?




B – Releia, agora, o texto Ciúme. Observe que, mesmo com medo, a fala da menina
tem muitas marcas do registro informal.
a) Indique abaixo essas marcas.
Os registros do português
Secção 3




           b) Elas são coerentes com a situação narrada?




                 As explicações para as variações dentro do próprio registro são inúmeras e podem
           ser muito significativas. No caso do avô, por exemplo, o “senhora” usado no diálogo
           com a filha estabelece uma barreira “do juiz” da situação. No caso, é cômico, e só
           confirma o humor azedo do avô.
                 Como acontece com os dialetos, os registros também podem misturar-se. Por
           isso mesmo, com relação aos registros, não tem sentido a distinção certo/errado: o que
           interessa é ver se o uso está adequado à situação de comunicação. Como cada intera-
           ção é única, só podemos avaliar a adequação do registro na situação específica em
           que ocorreu.


                          Importante



                 Desses textos, surge outra conclusão         Por outro lado, os dois registros po-
             importante: o nível de formalidade só       dem aparecer na modalidade oral ou es-
34           pode ser considerado em função das ca-      crita da língua. É claro que a escrita já
             racterísticas lingüísticas do locutor. O    apresenta um grau de barreira, na medi-
             informal de uma pessoa como o avô ain-      da em que não é a modalidade “natu-
             da é muito formal, com relação a outros     ral” da língua. Mas, com freqüência,
             sujeitos. O formal da criança estará por    quando escreve, o que o sujeito quer é
             certo próximo do informal. Isso significa   exatamente tentar eliminar essa barreira.
             que as experiências lingüísticas de cada    Na definição dos registros, é mais im-
             um podem encurtar ou                                        portante o contexto do
             alargar a distância entre                                   que a modalidade da lín-
             os seus registros.
                                           cada texto                    gua. Esse ponto será re-
                                                                         tomado na próxima uni-
                 Outro ponto impor-
             tante a se considerar: to-    é um texto                    dade.
             dos os falantes têm uma                                          Por fim, é bom notar
             intuição de que em cer-                                      que, quando estamos es-
             tos momentos é preciso falar de modo        tudando determinado assunto, apresen-
             especial, com mais cuidado. Mesmo o         tamos exemplos muito bem marcados de
             sujeito não escolarizado ou a criança pe-   determinado procedimento ou fenôme-
             quena mostram na fala essa percepção.       no. Mas nem sempre os enunciados são
             Eventualmente, a escolha não é adequa-      tão típicos e exemplares assim. Voltamos
             da, pelos limites de seu conhecimento,      a insistir: cada texto é um texto.
             mas a tentativa é prova desse sentimen-
             to de que eles estão diante de uma situa-
             ção formal.


                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                                    Unidade 1
        Observe esta imagem.
      O livro Tanto, tanto! conta a história de
uma família, com pais, bebê, tios, avós e tudo
o mais. Apresentada a história do ponto de
vista do bebê, mostra como, participando da
vida dos adultos ou tendo que ir dormir
sozinho, ele se sente amado tanto, tanto! Sua
autora, uma inglesa de origem afro-caribe-
nha, é apresentadora de programas de televi-
são na Inglaterra e atriz. A ilustradora é tam-
bém inglesa e reconhecida pela qualidade de
suas ilustrações para livros infantis.
COOKE, Trish: Tanto, tanto!. Ilustr. de Helen Oxenbury. São Paulo:
Ática, s/d.




               Atividade 11


A – Descreva as personagens da ilustração: como são e o que fazem?



                                                                                                                    35


B – Você diria que o pai está chegando ou saindo? Justifique sua opinião.




C – Que detalhes sugerem o afeto do pai e da criança?




D – Você costuma ver famílias negras apresentadas como personagens principais de
uma história feliz e de pessoas aparentemente bem-sucedidas? Teria algum comentário a
fazer sobre isso?
Os registros do português
Secção 3




                          Atividade 12


                 Faça, no espaço abaixo, a descrição da cena da imagem. Não deixe de planejar
           seu texto. Veja de que ponto vai começar e que seqüência vai tomar. As possibilidades
           são inúmeras. Imagine um leitor para seu texto: uma criança, um colega? Defina o regis-
           tro que vai usar. Leve seu texto para apresentá-lo na reunião com os colegas e com o
           formador.




                          Indo à sala
36                        de aula

                 Com seus alunos, você pode propor, depois da observação e discussão da imagem,
           a produção de uma narrativa, individual ou em grupos, na qual a cena da imagem esteja
           presente. Se se interessarem, proponha que desenhem outras seqüências da história
           criada. Depois, a produção é apresentada, discutida e escolhida a melhor.



                          Avançando
                          na prática


                 Apresentamos, a seguir, uma sugestão para você desenvolver com seus alunos,
             de modo a ajudá-los a tomar cada vez mais consciência da variação lingüística.
                  Leia o texto, divirta-se, e depois, com base nas sugestões que apresenta-
             mos, elabore uma atividade para seus alunos. Pense em todos os passos que
             daria para criar uma aula interessante sobre nosso assunto: dialetos e registros.
             Imagine também a série em que usaria o texto. É claro que ele se presta a muitos
             estudos, e você pode eventualmente explorá-lo também com relação a outra
             questão de linguagem.
                 O texto é o início de uma peça de teatro muito conhecida de todos: O bem-
             amado, de Dias Gomes, que escreveu também várias telenovelas, inclusive a adapta-


                                                                          TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                                    Unidade 1
ção dessa peça para a TV. O ambiente é uma pequena cidade do litoral baiano. Zelão
e Mestre Ambrósio são pescadores, e entram em cena carregando um defunto numa
rede. Chico Moleza toca violão à porta da vendinha de Dermeval.
     Bem, leia o texto, e depois voltamos para fazer novas sugestões.
      Mestre Ambrósio – Vamos molhar um pouco a goela na venda de seu Derme-
val, Zelão.
     Zelão – É bom.
     Dermeval (indicando o defunto) – Mestre Leonel?
     Mestre Ambrósio – É, embarcou, coitado.
     Dermeval (Dirige-se à venda.) – No mar?
      Mestre Ambrósio – Qui-o-quê. Janaína quis saber dele não. Esticou em
terra mesmo.
    Zelão – É-de-hoje que não entrava num saveiro. Mal agüentava com um caniço.
Quase cem anos no costado, sabe como é.
     Mestre Ambrósio – Tava que nem saveiro velho, cheio de ostra pelo casco,
fazendo água por todo lado. Precisava mesmo ir pro estaleiro.
     Dermeval – Também entornava um bocado.
    Mestre Ambrósio – Pra esquecer. Sabe o que é um mestre de saveiro respeitado                                    37
como ele foi chegar ao fim da vida tendo quase que pedir esmola?
     Zelão – A gente dava para ele as sobras da pescaria: pititinga, chicharro,
peixe miúdo.
     Meste Abrósio – Morreu sem ter dinheiro nem pro caixão.
     Dermeval – Tinha parente não?
     Mestre Ambrósio – Ter, tinha. Botou um bocado de filho no mundo, o falecido,
que a terra lhe seja leve. Mas tudo levantou âncora. Uns foram pra Salvador, outros
pra São Paulo. Por aqui só aparecia mesmo, de vez em quando, a filha mais nova.
Uma que caiu na vida.
     Zelão – E que pedaço de mau caminho, seu mano! Tenho uma sede nela!
     Mestre Ambrósio – Oxente, Zelão, respeita o defunto!
                               GOMES, Dias. O Bem-Amado. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p.14-15.

       A primeira preocupação que você deve ter é a de conhecer as palavras do texto.
É claro que, quando lê por puro deleite, você não precisa preocupar-se em conhecer
o sentido exato de cada palavra: em muitos casos, o contexto nos ajuda a imaginar o
significado delas. Por exemplo, nesse texto, podemos imaginar que pititinga e chi-
charro são peixes, e que não têm grande valor. Mas, preparando uma aula, todo o
vocabulário do texto tem de ser bem conhecido.
Os registros do português
Secção 3




                     1. Análise do texto
             a) Como vamos sendo informados da vida do morto, as causas possíveis de sua
             morte, quem são seus amigos e quem apenas o conhece.
             b) Como a linguagem de Zelão e de Mestre Ambrósio revelam um dialeto profissio-
             nal, até nos sinônimos de morrer. Faça um levantamento das palavras mais significa-
             tivas.
             c) Como a linguagem aponta para um dialeto regional e popular e um registro
             informal.
                     2. Preparação da atividade com o texto
             a) Em seguida, prepare a leitura em voz alta, para ler para seus alunos.
             b) Agora, pense em como vai acionar os conhecimentos prévios de seus alunos, com
             relação a:
                     – história: ambiente, personagens, acontecimentos.
                   – o gênero: o texto teatral tem determinadas características até gráficas. Seria
             importante saber se seus alunos já leram algum texto desse gênero. Se não, vale a
             pena explicar o aparecimento do nome de cada personagem antes de sua fala e a
             função das rubricas (frases que aparecem entre parênteses, com outro tipo de letra, e
             que têm a função de orientar o ator e o diretor da peça quanto à forma de desenvolver
             a cena, o tom e os movimentos de cada personagem) .
38           c) Planeje as perguntas que podem ajudar seus alunos na interpretação do texto.
             Apresentamos-lhe a seguir algumas possíveis. (Atenção! Nem todas servem a todas as
             séries. Além disso, você deve instigá-los a discutir, descobrir significados.)
                     – Entre as personagens, quem são os amigos do morto? Como sabemos disso?
                    – Quais são as personagens mais velhas e qual é mais jovem? Por que podemos
             tirar essa conclusão?
                   – Como podemos perceber o sonho dos pescadores de morrer no mar? Quem
             eles imaginam que vai recebê-los no fundo do mar?
                     – Sublinhem as palavras que dizem respeito ao mar e à vida de pescador.
                     – Como percebemos o sonho dos mais novos de ganhar a vida de outro jeito?
                  – Observem as palavras usadas como sinônimo de morrer: quais são e fazem
             alusão a que atividade?
                   – Procurem no dicionário o verbete morrer: o que notam? Por que é um verbete
             tão grande? Procurem outros verbetes grandes no dicionário: que tipo de palavras têm
             verbete assim? O que isso significa, em termos de relação da vida com a língua?
                     – A linguagem das personagens parece adequada ? Por quê?
             d) Proponha a leitura dramatizada do texto. Atenção! A leitura não pode ser improvi-
             sada: tem de ser preparada, em voz alta, no tom mais adequado a cada fala e a cada



                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                           Unidade 1
personagem e situação, Por exemplo: o tom de Dermeval é mais neutro, porque ele
não era muito próximo de Mestre Leonel. E os leitores têm de prepará-la em conjun-
to, já que participam de uma mesma cena. Outro ponto: as rubricas não são lidas.
e) Se você é professor da 7a ou 8a série, sugira a leitura do livro, que é excelente e
muito divertido. Tente conseguir um exemplar numa biblioteca e leia algum trecho
em que aparece o Bem-Amado, engraçadíssimo!
     3. Proposta de produção de texto
Conforme o que ocorrer no trabalho com o texto, os alunos podem estar mais
dispostos a escrever sobre uma notícia de morte, ou criar um diálogo bem vivo,
mesmo que com outro assunto, ou podem descrever uma figura pitoresca da cida-
de. Defina com eles quem vai ler e como vai ser lida a produção deles. Mesmo que
os colegas dêem sua opinião, não se exima de fazer comentários e definir a reescri-
ta do trabalho.
Orientação para o desenvolvimento da atividade
     1. Análise do texto
a) Sabemos primeiro seu nome, depois que era pescador, que era velho, que era
muito pobre e que foi praticamente abandonado pela família. Apesar de tão velho e
em dificuldades, há um comentário indelicado do Dermeval (que também entornava
um bocado). Seus amigos eram o Zelão e o Mestre Ambrósio: não só estavam carre-
gando o corpo, como antes davam peixes para ele comer e sabiam de sua família.
Dermeval não era próximo: ficou meio indiferente à sua morte, não sabia como tinha                         39
ocorrido. Só lhe vendia bebida.
b) A linguagem dos dois reflete o mundo da pesca: tava que nem saveiro velho,
embarcou levantou âncora, mal agüentava um caniço. com os sinônimos de morrer
ocorre o mesmo: embarcar, ir para o estaleiro, esticou em terra.
c) Há traços da linguagem nordestina (oxente!) , da fala popular, como a forma de
fazer a frase negativa sem usar a negação antes do verbo: Janaína quis saber dele não.
O registro informal aprece nas simplificações: tava, nas conjunções comparativas:
que nem. A linguagem é absolutamente adequada ao ambiente da história.
     2. Preparação da atividade
(Vamos apresentar apenas as respostas que não estão incluídas na Atividade 1)
       – Quais são as personagens mais velhas e qual é mais jovem? Por que podemos
tirar essa conclusão?
      Os pescadores mais velhos são chamados de mestres: Ambrósio e Leonel: Ze-
lão é mais novo, o que se evidencia na observação sobre a filha do morto.
      – Como podemos perceber o sonho dos pescadores de morrer no mar? Quem
eles imaginam que vai recebê-los no fundo do mar?
     Os pescadores têm o sonho de morrer no mar, daí a tristeza com relação à morte
de Leonel. Eles imaginam que Janaína (ou Iemanjá) vá recebê-los e ter com eles.
Os registros do português
Secção 3




                     – Como percebemos o sonho dos mais novos de ganhar a vida de outro jeito?
                  Os filhos de Mestre Leonel foram para as cidades grandes: Salvador e São Paulo,
             sonhando com outra vida.
                    Procurem no dicionário o verbete morrer: o que notam? Por que é um verbete
             tão grande? Procurem outros verbetes grandes no dicionário: que tipo de palavras têm
             verbete assim? O que isso significa, em termos de relação da vida com a língua?
                    As palavras que designam doenças, a morte, o diabo, profissões consideradas
             ruins, partes do corpo relacionadas com o sexo, por exemplo, têm muitos sinônimos,
             em todas as línguas. Essas palavras são consideradas constrangedoras e capazes de
             atrair o mal. Por isso, procuramos evitá-las e buscamos muitos sinônimos para elas. É
             o que se chama “tabu lingüístico”.
                     3. Proposta de produção de texto
                   A produção de texto é uma atividade importante demais para não ser planejada
             cuidadosamente. Em primeiro lugar, ela precisa ser significativa para o aluno: nin-
             guém escreve sem necessidade, ou sem uma boa motivação. Por isso, é fundamental
             que estejam claros para os alunos os objetivos e os possíveis leitores de sua produ-
             ção. Por outro lado, eles precisam ter retorno do que produziram: colegas e você
             podem estabelecer formas de comentar o trabalho de cada um. Outro ponto a consi-
             derar é a necessidade de reescrita da produção. O aluno só consegue progredir na
             produção se ele próprio se dispõe a reescrever seu texto, melhorá-lo com relação a
             aspectos lingüísticos e à pertinência e à organização de idéias.

40


                          Resumindo


                   1- A língua é um sistema aberto, o que possibilita uma grande variedade de
             usos. Assim, ao lado de regras sistemáticas que todos os seus falantes devem seguir,
             aparecem as variantes da língua, que podem referir-se ao uso de um grupo, ou ao uso
             de cada locutor, no momento específico da interação.
                   2- Cada variante que marca o uso que determinado grupo faz da língua consti-
             tui um dialeto.
                  3- Os dialetos principais são definidos do ponto de vista geográfico, etário,
             sociocultural, de gênero e de profissão.
                  4- Os dialetos, como as línguas, preenchem as necessidades do grupo social
             que os usa, não havendo, portanto, um melhor do que outro.
                   5- Os dialetos não são compartimentos isolados: ao contrário, recebem influên-
             cias uns dos outros.
                 6- O registro é a variante escolhida pelo sujeito em cada ato específico de
             comunicação, segundo o contexto.
                 7- Os registros são basicamente dois: o formal e o informal, segundo o distanci-
             amento requerido pela situação. Entre os dois extremos, há muitas gradações.


                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                          Unidade 1
      8- Os registros podem apresentar-se tanto na forma oral como na forma escrita
da língua.
     9- Os registros põem por terra a distinção do certo/errado, passando a discussão
para o campo do adequado/inadequado.
      10- Essas considerações nos levam a rever nossa atuação como professores de
Língua Portuguesa. Em sala de aula, é fundamental criar oportunidades para que os
alunos trabalhem textos que exemplifiquem diversas situações de comunicação, em
que dialetos e registros diferentes se apresentem para a sua reflexão e discussão e
como ponto de partida para a produção de textos igualmente diversificados. Esse é,
afinal, o objetivo maior do ensino da língua: desenvolver no sujeito a competência
para a leitura e produção de textos.




                                                                                                          41
Leituras sugeridas
           Além das obras indicadas anteriormente, que serviram de base para a criação do
     texto básico da unidade, sugerimos os livros a seguir, para o aprofundamento do estudo
     das variantes da língua.
     CUNHA.C. & CINTRA,L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro:
     Nova Fronteira, 1985.
            Esta gramática é das melhores, entre as essencialmente normativas. No caso do
     assunto desta unidade, os dois primeiros capítulos são interessantes, apesar da rigidez
     teórica no que se refere à norma culta. O segundo capítulo dá uma boa visão sobre os
     territórios onde se fala o Português no mundo.
     GERALDI, J.W. Linguagem e ensino - Exercícios de militância e divulgação. Campinas,
     SP: Mercado das Letras,1996.
          Como sempre, os textos de Geraldi, além de informar, pretendem discutir posições
     e sugerir caminhos. O livro de Geraldi é sobretudo para nos fazer pensar, mais do que
     para ensinar. Por isso, ele é tão importante.
     TRAVAGLIA, L.C. Gramática e interação: Uma proposta para o ensino de gramática no 1
     e 2 graus. São Paulo: Cortez,1996.
          Do Capítulo 5 dessa obra, extraímos o texto de referência, que você vai ler mais
     adiante. Mas o assunto aparece de forma prática em vários outros momentos do livro. O
     Capítulo 10 apresenta muitos exemplos da questão.
42




                                                                    TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                           Unidade 1
Bibliografia
BECHARA, E. Ensino da gramática: opressão? liberdade?. São Paulo: Ática, 1985.
GERALDI, J.W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
HALLIDAY, M.A.K et alii. As ciências lingüísticas e o ensino de línguas. Petrópolis:
Vozes, 1974.
LUFT, C. P. Língua e liberdade. Porto Alegre: L&PM, 1985.
TRAVAGLIA, L.C. et alii. Metodologia e prática de ensino da língua portuguesa. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1984.




                                                                                                           43
Ampliando nossas referências
           Como sempre vai ocorrer nas unidades ímpares, apresentamos-lhe um texto teóri-
     co, chamado de referência, que representa um outro olhar sobre o assunto da unidade e
     vai ser analisado sobretudo na relação com a sua sala de aula. Nesse texto, tanto quanto
     nos nossos, desejamos que você faça uma leitura crítica: não temos de aceitar as posi-
     ções expostas, desde que tenhamos argumentos para defender outros modos de encarar
     a questão em foco.
     Texto de referência
     O texto proposto para seu estudo é parte de um capítulo sobre variação lingüística.
     Como os dialetos voltarão na próxima unidade, preferimos oferecer-lhe uma classifica-
     ção muito difundida dos registros e sobre a qual faremos algumas considerações e per-
     guntas. Eliminamos uma pequena parte do texto que trata especificamente da oralidade
     e da escrita (que o autor chama de variedade de modo) , assunto que será abordado na
     próxima unidade.
          “Para Halliday, McIntosh e Strevens (1974) , as variações de registro são classifica-
     das como de três tipos diferentes: grau de formalismo, modo e sintonia.
            O grau de formalismo representa uma escala de formalidade, entendida como um
     maior cuidado e apuro (no sentido normativo e estético) no uso dos recursos da língua
     (recursos do nível fonológico, morfológico, sintático ou das construções, do léxico, usos
     estilísticos, etc.) e também como uma maior variedade de recursos utilizados, aproxi-
     mando-se cada vez mais da língua padrão e culta em seus usos mais “sofisticados” (lite-
44   rários, obras científicas, etc.).
           Por variação de modo entende-se a língua falada em contraposição à língua
     escrita. (...)
           Considerando cinco graus de formalismo distintos, tanto na língua oral quanto na
     escrita, Bowen (1972) propõe o seguinte quadro das variedades de modo e de grau de
     formalismo.

                                Quadro 1 - Variedades de Modo
                                    LÍNGUA FALADA                      LÍNGUA ESCRITA
                                    Oratório                           Hiperformal
      Variantes em grau
                                    Formal (deliberativo)              Formal
      de formalismo
                                    Coloquial                          Semiformal
                                    Coloquial distenso                 Informal
                                    Familiar                           Pessoal

          Vejamos a seguir, com algumas pequenas modificações, acréscimos ou reduções,
     a caracterização sumária que se apresenta de cada grau de formalismo de Bowen.
     1 – Oratório: elaborado, intrincado, enfeitado, inteiramente composto de períodos
     equilibrados e construções paralelas. É usado quase exclusivamente por especialistas,
     tais como: advogados, sacerdotes e outros oradores religiosos, políticos, etc. e é sem-
     pre reconhecido como apropriado para uma situação muito formal. Podem-se citar
     exemplos tirados de nossa literatura, tais como os sermões de Padre Antônio Vieira e as
     orações de Rui Barbosa.

                                                                      TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                             Unidade 1
1a – Hiperformal: o equivalente escrito do oratório. Uma composição escrita para
efeitos grandiosos ou sublimes. Uma poesia que segue estritamente os padrões formais,
como o soneto, seria um exemplo. Um poema épico, romances de autores como Ma-
chado de Assis e José de Alencar.
2 – Deliberativo: usado quando se fala a grupos grandes ou médios, em que se
excluem as respostas informais. É preparado previamente e mantém de propósito
uma distância entre falantes e ouvintes. Diferenciando-se do grau de formalismo
coloquial, o deliberativo se caracteriza por sentenças que são mais rigorosamente
definidas, por um número mais reduzido de sentenças curtas, por um vocabulário
mais rico, com muitos sinônimos ou quase sinônimos, usados para evitar repetições
léxicas desnecessárias, mostrando assim uma preocupação do falante como estilo de
expressão. Freqüentemente, é muito difícil para os falantes a aquisição de uma per-
formance nesse nível, embora entendam o que ouvem e apreciem as habilidades
reveladas pelos outros. Conferências científicas normalmente são realizadas com esse
nível de formalidade.
2a – Formal: apresenta características semelhantes ao do deliberativo, numa forma de
linguagem cuidada na variedade culta e padrão, mas dentro do estilo escrito. É o caso
da escrita dos bons jornais e revistas, cuidadosamente editada e elaborada. Correspon-
dências oficiais também se enquadram nesse nível.
3 – Coloquial: comumente aparece no diálogo entre duas pessoas, ambas participantes
ativas, alternando-se no papel de falante e emitindo sinais de realimentação, quando
na posição de ouvinte. Sem planejamento prévio, mas continuamente controlado, é
caracterizado por construções gramaticais soltas, repetições freqüentes, frases bem curtas
e conectivos simples, sendo o léxico constituído de palavras de uso mais freqüente.                          45
3a – Semiformal: corresponde na escrita ao coloquial, mas tem um pouco mais de
formalidade que este. É a forma de língua que encontramos, por exemplo, em cartas
comerciais e de recomendação, declarações, reportagens escritas para posterior leitura
pelos locutores nas rádios e televisões, relatórios e projetos.
4 – Casual (coloquial distenso): nesse nível percebe-se uma completa integração entre
falante e ouvinte, com o uso freqüente de gíria, que é um indicador do relacionamento
próprio de um grupo fechado (linguagem particular ou semi-particular) . É caracteriza-
do pela omissão de palavras e pouco cuidado em sua pronúncia, que pode ocorrer
com mudanças de sons, sem seus finais, etc. Seriam exemplos desse nível as conversa-
ções descontraídas entre amigos, colegas de trabalho.
4a – Informal: é o caso de correspondência entre membros de uma família ou amigos
íntimos e caracteriza-se pelo uso de formas abreviadas, abreviações padronizadas,
ortografia simplificada, construções simples, sentenças fragmentadas.
5 – Íntimo (familiar) : inteiramente particular, pessoal, usado na vida privada. Esse
grau de formalismo é a língua em que há a intimidade da afeição. Aparecem portanto
muitos elementos da linguagem afetiva com função emotiva.
5a – Pessoal: quase sempre notas para uso próprio. Como exemplos podem-se citar um
recado anotado ao telefone, um bilhete que deixamos para avisar alguém da casa de
algo ou mesmo uma lista de compras de uma dona de casa.
      Observa-se na prática que o registro coloquial pode ser considerado o centro do
sistema lingüístico e, portanto, sua utilização é de grande importância nas atividades de
ensino/aprendizagem da língua materna. Os extremos superiores da formalidade são o
     oratório e o hiperformal. Logo abaixo, temos o deliberativo e o formal. Os extremos
     inferiores da formalidade são o familiar e o pessoal e, um pouco acima deles, o casual
     (coloquial distenso) e o informal.
           Na verdade, essa é apenas uma das muitas classificações dos níveis de formali-
     dade da língua oral e escrita que se pode propor. No que diz respeito ao ensino/
     aprendizagem de língua materna, para as atividades a serem aí desenvolvidas duran-
     te as aulas, parece ser suficiente, tanto para a língua falada quanto para a escrita,
     uma distinção básica entre formal (que incluiria oratório/hiperformal e deliberativo/
     formal) e informal ou não-formal (que incluiria coloquial/ semiformal, casual/informal
     e familiar/pessoal) . Todavia, o professor estaria consciente de que dentro do que
     estaria chamando de formal há níveis distintos de formalidade, o mesmo valendo
     para o informal. Dentro do formal, interessará mais o trabalho com o deliberativo/
     formal e dentro do informal o trabalho como coloquial/semiformal com incursões
     nos outros níveis. Os critérios aqui seriam os básicos da pedagogia de língua: a
     freqüência, a utilidade e complexidade (grau de dificuldade) , pois na verdade se
     observa que dificilmente os usuários da língua desenvolvem uma competência ativa
     (capacidade de falar e escrever) nos níveis oratório e hiperformal, embora desenvol-
     vam uma competência passiva (são capazes de entender o que ouvem e lêem e de
     admirar a formulação dada pelo falante/escritor) . Evidentemente, a situação é dife-
     rente no que diz respeito aos níveis mais baixos de formalidade, que o aluno já
     adquire fora da sala de aula, no convívio com a família e grupos sociais diversos,
     mas caberá sempre um trabalho de discussão dos recursos empregados nesses níveis
     e de como eles funcionam e que efeitos de sentido podem desencadear na interação
     comunicativa, conforme propomos na segunda parte.
46
           A terceira série de dimensões de registro, a de sintonia, pode ser descrita como o
     ajustamento na estruturação de seus textos que o falante faz, com base em informações
     específicas que tem sobre o ouvinte. Há pelo menos quatro dimensões distintas de
     sintonia: o status, a tecnicidade, a cortesia e a norma.
          O status da pessoa a quem se dirige o falante pode trazer grandes diferenças no
     uso das formas e recursos da língua. Assim, um aluno não fala com o diretor da
     escola, da faculdade da mesma maneira que falaria com um garçom na lanchonete
     ou com um colega. Geralmente se empregam formas ou pronúncias, tom de voz que
     denotam deferência quando devemos respeito à pessoa a quem nos dirigimos, a fim
     de que a posição relativa de cada um fique precisamente definida. As entonações são
     muito importantes aqui, como na dimensão da cortesia.
           As dimensões de status poderiam talvez ser descritas em termos de variantes
     de grau de formalismo. Contudo, há diferenças que não podem ser facilmente
     explicadas em termos de níveis de formalidade, tais como a linguagem que um
     homem usa para falar com o próprio filho, comparada à linguagem usada para
     falar com a esposa. Nos dois casos, a variante é familiar, mas há traços de entona-
     ção e seleção de vocabulário e mesmo certos elementos da morfologia (flexões,
     sufixos) que claramente marcam uma diferença explicada pelo status, contrastan-
     do dois tipos de relação social.
          A tecnicidade é a variação que ocorre em função do volume de informações ou
     conhecimentos que o falante supõe ter o ouvinte sobre o assunto. Assim, por exem-
     plo, um professor de língua usará numa conferência profissional para colegas certos
     termos e noções de sua área profissional que não usará, digamos, ao falar sobre o

                                                                     TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                                         Unidade 1
mesmo assunto com os pais de seus alunos. Esse tipo de variação poderá também ser
observado, por exemplo, entre revistas científicas cujos artigos são escritos na supo-
sição de que serão lidos por especialistas da área e revistas de divulgação científica
(como Superinteressante, Globo Ciência, Revista Geográfica Universal), cujos artigos
são destinados ao grande público, na sua maioria leigo nos assuntos, embora interes-
sado neles.
     A cortesia é a variação que acontece devido à dignidade que o falante consi-
dera apropriada ao(s) seu(s) ouvintes e/ou à ocasião. As variações de cortesia abran-
gem uma escala que oscila entre a blasfêmia e a obscenidade num extremo e o
eufemismo no outro.
      Finalmente temos a variação na dimensão da norma, que é aquela que ocorre
quando, ao nos dirigirmos a determinado(s) ouvinte(s) , consideramos o que este(s)
julga(m) “bom” em termos de linguagem. Ou seja, usamos uma determinada variedade
lingüística porque a julgamos apropriada para falar com aquele(s) ouvinte(s) em particu-
lar. Pode ser uma variedade social, geográfica, um registro mais ou menos formal, técni-
co, cortês, etc. Assim, por exemplo, um jovem pode falar a mesma coisa de formas
diferentes com um colega e com seu avô, usar registro mais formal em uma carta pedin-
do emprego e um registro menos formal em uma carta a sua mãe.”
                                   TRAVAGLIA; L.C: Variações de registro. In Gramática e interação: uma proposta
                                    para o ensino de gramática no 1o e 2o graus. São Paulo: Cortez,1996. p.51- 58.

      As perguntas que se seguem pretendem ajudá-lo na análise do texto acima e na
reflexão sobre a questão dos registros.
1 – Como você viu, o autor apresenta uma classificação muito minuciosa dos registros,                                    47
baseada no estudioso norte-americano J. Donald Bowen. As distinções propostas entre
eles lhe pareceram claras, necessárias e adequadas?




2 – Você vê alguma vantagem em usar termos diferentes para classificar os registros na
linguagem oral e na linguagem escrita? Os termos são capazes de distinguir claramente
um registro do outro? Justifique.




3 – Como o texto literário (oral e escrito) só é referido no registro mais formal, você
poderia concluir que a literatura se realiza somente nesse registro. Pelos textos que você
estudou, esta seria uma conclusão correta?
4 – Releia o que o autor escreve sobre os níveis formal e semiformal. Você vê clara
     diferença entre eles? Justifique.




     5 – Agora, observe a descrição do nível coloquial. Há relação clara com o semiformal?




     6 – Há claras diferenças entre o informal e o pessoal?




     7 – O íntimo é representado como o nível que expressa afeição e emoção. Você acha
     que esses elementos não podem aparecer na linguagem escrita?



48



     8 – A dimensão sintonia lhe parece suficientemente clara e necessária?




     9 – O próprio autor Travaglia parece desconsiderar a classificação apresentada.
     a) Em que trecho você percebe isso?




     b) Uma forma verbal e certos verbos e expressões usados por Travaglia sugerem a
     relatividade e a imprecisão da classificação. Quais são eles?




                                                                    TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                     Unidade 1
10 – Faça uma conclusão pessoal sobre o estudo do texto, enfatizando o que você
reconhece nele de importante para a sua prática em sala de aula.




                                                                                                     49
Gestar II - TP 1
Correção das atividades
Gestar II - TP 1
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                             Unidade 1
Correção das atividades

Atividade 1
A – O narrador é observador, embora, na última frase, apareça como interlocutor. Por
isso, a narrativa é construída na 3a pessoa.
B – a) Os exemplos são vários. Um deles é a fala da neta. O narrador fala em “velho
implicante”, “coriáceo”, “duro”.
b) Todas as falas dele são reveladoras. Você pode escolher. Também no início, ele é
apresentado agindo: esparramando sua roupa e depois catando-a.
c) No presente, temos a impressão de que se está montando mesmo um retrato. O pre-
sente aproxima a cena, torna-a atual.
d) As empregadas, possivelmente, experimentam raiva. Mas os familiares mais velhos
têm paciência, os jovens e as crianças reagem às implicâncias: uma reclama, o pequeno
esconde coisas dele.
e) Resposta pessoal. Mas é cômica a cena do pintor doente e quase expulso. Também o
diálogo sobre as moças saindo com os rapazes.
f) Além de fazer literatura, ou fazendo literatura, ele parece querer divertir o leitor.


                                                                                                             53
Atividade 2
A – Mesmo sem considerar as características do objeto livro, o título do livro e do
conto indicariam mais ficção. A personificação do sentimento – Ciúme, com maiús-
cula é decisiva.
B – O narrador é a personagem principal.
C – a) A narrativa se faz em 1a pessoa: ...a gente se encontrou: o Ciúme e eu.
b) Torna o texto mais subjetivo, com os fatos trabalhados do ponto de vista da persona-
gem. O que ocorre tem de ser filtrado por ela.
D   –   Aparecem os familiares: irmão, mãe, tia, e principalmente o pai. E o Ciúme.
E – Estava escuro (como se ela não pudesse “ver” com clareza, e ela não sabia se
estava dormindo ou não. É como se ela antecipasse a possibilidade de um sonho.
F – De repente; quando eu quis acender a luz; então eu pedia e pedia de novo. E o vento
disse aquilo...; E o medo foi passando; E aí. (A própria repetição da conjunção aditiva e
cria um desdobramento temporal.)
G – O sentimento era uma ligação entre a menina e a irmã.
H – As falas todas da menina eram representações do Ciúme.
I – O uso dos verbos/adjetivos (tão espremida no canto). Mas também pela repetição do
“pega ela”. Um deles está todo em maiúsculas.
Correção




           Atividade 3
           A – a) pernilongo: muriçoca
           b) dar à luz: parir, descansar, ter neném
           c) mandioca: macaxeira, aipim
           d) prostituta: meretriz, mulher-dama
           e) lamparina: lampião, lanterna, fifó
           B – Pesquisa pessoal. Na reunião com os colegas e com o formador, seria bom conhecer
           o que cada um pesquisou, para aumentar a lista de todos.


           Atividade 4
           A – Opinião pessoal, a partir de suas experiências. Mas parece continuar existindo, em
           muitos ambientes, apesar de ser ideológica.
           B – Resposta pessoal, em função da comunidade. Mas, em muitos lugares, isso ainda é
           visto como “coisa de homem” como, por exemplo: jogar futebol, beber cachaça, discutir
           sobre política.
           C – Resposta pessoal. Mas, em muitos ambientes, ainda é considerado fraco o homem
           que chora, ou “dominado”, o que ajuda em trabalhos de casa.


54         Atividade 5
                Trata-se do dialeto policial, evidente nos termos “autuado”, “flagrante”, “meliante”.


           Atividade 6
                Resposta pessoal. De todo modo, procure entender por que gostou ou não gostou:
           sua opnião foi formada pelo assunto, pela estrutura repetitiva?


           Atividade 7
           A – Resposta pessoal. Mas a repetição é que, diferentemente da nossa experiência,
           possibilita contar a história pedindo que seja contada. Além disso, a repetição dá um
           ritmo embalador ao texto, como nas histórias para fazer dormir.
           B – Primeiro, pede à mãe (“você não podia ter neném na sua barriga”). Depois, ora ela
           pede ao pai, ora à mãe. No fim, pede aos dois.
           C – Eles dormiam encaixadinhos como duas colheres; entraram no hospital de mãos
           dadas; ambos contam a mesma história para a menina.
           D – Aqui, o diminutivo é muito bem empregado. Ela era, então, pequenininha. E ela
           apenas repete a linguagem dos pais.
           E – Resposta pessoal. Em todo caso, percebemos que a menina é filha dos dois, e que
           constituem os três uma família. (Na ilustração, ainda temos o cachorro como membro
           dessa família.)

                                                                             TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: dialetos e registros




                                                                                                             Unidade 1
Atividade 8
A – A ilustração é marcada pelo humor, criado por elementos como: certa desordem no
quarto, o cachorro (que não entra no texto verbal) em cima da cama, os títulos dos livros.
B – Os livros tratam da vida das crianças (sobretudo bebês) : O bebê chegou. E AGORA?;
Por que o bebê chora; Se for menina; 101 testes para crianças. Um está ligado à vaidade
feminina: Pernas elegantes em 30 dias. A vaidade, aliás, vem confirmada no rótulo do
pote de cabeceira da mulher: tira-rugas.
C – A mãe parece reagir ao ronco do marido.
D – A presença do cachorrinho, dormindo tão à vontade em cima dos dois, sugere um
casal carinhoso e talvez sem filhos.

Atividade 9
A – Exagero: morrendo de curiosidade; eu berrava de fome; ficavam furiosos (e as
próprias comparações).
comparação: encaixadinhos como duas colheres; dormiam como uma pedra; riam que
nem bobos.
B – O traço caricatural ajuda na criação de um tom de descontração e informal, que
combina com a informalidade da linguagem do texto.


Atividade 10                                                                                                 55
A – Ele tinha um palavreado bem ”antigo”. Além disso, não permitia muita intimidade
mesmo. O uso é, portanto, bastante adequado.
a) O pronome átono no início de oração e da frase; o uso do pronome “ela” como objeto
direto; as repetições; a estrutura da frase do parágrafo que começa com: “Ela é a primeira
da turma”; a expressão “ foi meio que passando”
b) São coerentes: em determinados momentos, trata-se de uma menina falando com o
Ciúme; em outros, temos a narradora-personagem adulta fazendo uma “confidência”,
próxima do leitor.


Atividade 11
A – Resposta pessoal. Mas são dados importantes: trata-se claramente de uma família de
negros: pai, mãe, filho/filha. Estão bem vestidos. A expressão dos adultos é de afeto. O
corpinho do menino, indo para o abraço, também sugere isso.
B – Ele parece estar chegando, trazendo o jornal para ler. A impressão é que ele deixou
tudo no chão para receber/dar o abraço.
C – Exatamente os objetos caídos, como se não desse para esperar pelo abraço, no caso
do adulto. No caso da criança, os pezinhos esticados para alcançar o pescoço do pai. O
abraço apertado e disponível.
D – Resposta pessoal. Na nossa literatura, no entanto, a forma de apresentar os negros
costuma ser preconceituosa, sempre em situações difíceis.
Correção




           Atividade 12
                Criação pessoal. Importante é marcar a afetividade do ambiente, a ação de cada
           um no momento: a mãe, por exemplo, já providenciando um belo lanche para os três.
           Quanto ao registro usado, sua adequação vai depender do leitor imaginado e da própria
           forma de desenvolver o assunto.

           Respostas às questões sobre ampliando nossas referências
           1 – A resposta é pessoal. Mas não há dúvida de que, mesmo que a classificação pareça
           desnecessária, os vários exemplos ilustram formas dos registros.
           2 – A classificação dos registros orais e escritos não parece nem clara nem suficiente,
           sobretudo porque os termos usados (coloquial, informal e semiformal, por exemplo) já
           aparecem nos estudos sobre registros.
           3 – Não parece correta. Como vimos, o texto literário pode utilizar-se dos mais diferen-
           tes registros. Se a opção é dar exemplos literários, eles poderiam aparecer em todo os
           níveis. Por outro lado, os exemplos citados no caso do hiperformal são de narrativas
           longas (Machado e Alencar) , e nesse gênero é praticamente impossível que o hiperfor-
           mal apareça o tempo todo.
           4 – Os dois registros escritos não apresentam diferença significativa: relatórios, projetos,
           reportagens, textos de revistas e jornais não são, em princípio, diferentes.
           5 – Os dois registros, paralelos, apresentam posições muito diferentes entre interlocuto-
           res: o coloquial é descrito como um registro em que a realimentação (o conhecimento da
56
           reação do outro) é importante. Ora, não é isso que ocorre em cartas comerciais, cartas
           de apresentação, etc.
           6 – A diferença entre os dois é praticamente inexistente, na própria descrição feita:
           comunicação entre íntimos.
           7 – É evidente que a emoção pode aparecer perfeitamente em textos escritos. As cartas
           íntimas, bilhetes entre amigos são exemplos disso.
           8 – O nível classificado de sintonia tem uma divisão em quatro tipos, muito parecidos
           entre si e com outros registros. Todos eles levam em conta basicamente o interlocutor, e
           fica difícil separar, por exemplo, o status da cortesia e da norma.
           9 – a) Quando o autor acaba optando pela divisão dos registros em formal e informal
           (mesmo com a ressalva das gradações) , ele deixa claro que é difícil a separação: trata-se
           de graus às vezes muito próximos só analisáveis no caso específico de dado texto.
           b) Essa dificuldade de claras distinções vai fazer o autor usar com freqüência o futuro do
           pretérito (Seriam exemplos desse nível...), o verbo “poder” e expressões como freqüen-
           temente, quase sempre, etc., que relativizam a afirmação.
           10 – A conclusão é muito pessoal. Mas não deve passar despercebida a importância
           do assunto e a necessidade de ser trabalhado na escola, a partir de textos que indi-
           quem o contexto do enunciado. Mais importante do que estabelecer classificações
           rígidas é observar atentamente e com sensibilidade cada texto, e descobrir suas
           opções de construção.



                                                                              TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Unidade 2
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos
Maria Antonieta Antunes Cunha



          Iniciando
          nossa conversa

     Caro Professor, cara Professora,
      Na unidade anterior, você leu vários textos que enfocavam a família. Esperamos
que tenha gostado deles e dos estudos propostos porque... ela continuará sendo nosso
assunto nesta unidade. É que assuntos tão importantes como o nascimento e a morte, a
natureza e o amor, encontros e desencontros, acabam sendo tão fundamentais na vida
da gente e são analisados de tantos ângulos, que se tornam inesgotáveis. Agora, vamos
trazer outros gêneros de textos e achamos que você vai aprovar nossas novas escolhas.
     Por outro lado, vamos dar continuidade aos estudos sobre variação lingüística,
assunto que cada vez mais mobiliza estudiosos e professores, porque em torno dessa
questão giram vários pontos importantíssimos do ensino da língua.
      Na unidade anterior, vimos que a língua, por ser um sistema aberto, possibilita uma
enorme variedade de usos, e que as variantes podem ser de duas naturezas: a que
apresenta as marcas comuns a um dado grupo (os dialetos) e a que é realizada pelo             57
sujeito, em cada ato individual e momentâneo da língua (os registros).
      Nesta unidade, vamos aprofundar nosso conhecimento e discussões sobre pontos
polêmicos, no estudo da língua: a norma culta, a linguagem literária e as modalidades da
língua: oral e escrita. Muitos dos problemas que professores e alunos enfrentam estão
relacionados ao mau entendimento dessas questões, daí nossa preocupação em reservar
para elas um bom espaço para discussão.
      Nossa unidade tem três seções. A primeira – A norma culta – vai procurar mostrar
as características, limites e importância da norma culta; na segunda – O texto literário –
vamos mostrar a grande característica da linguagem do texto literário: a total possibilida-
de de liberdade de construção; a terceira – Modalidades da língua – vai apresentar as
marcas principais das duas modalidades em que se realizam todos os textos verbais: a
língua oral e a língua escrita.


          Definindo nosso
          ponto de chegada

     Ao final da unidade, esperamos que você, além de ter apreciado o estudo, seja
capaz de:
1- caracterizar a norma culta;
2- caracterizar a linguagem literária;
3- caracterizar a língua oral e a língua escrita.
Seção 1
     A norma culta

               Objetivo
               da seção

          Caracterizar a norma culta.


          Professor,
          Vimos, na unidade anterior, que os dialetos socioculturais são basicamente
     dois: o popular e o culto. Já sabemos também que o que os distingue são as
     condições sociais, econômicas e culturais dos grupos, nos quais o nível de escola-
     rização é decisivo.
          Como prometemos ainda naquela unidade, vamos começar a estudar mais de
     perto esse dialeto culto, ou, em outras palavras, a norma culta.
           Por favor, releia a esmo qualquer trecho de nossos guias e nos diga: você
     adivinha, pelos escritos, as características dos autores dos textos? Não vale olhar na
     página de crédito. Em todo caso, se olhou, você já sabe que os autores são... auto-
     ras. Mas você encontrou nas páginas algum rastro de um dialeto feminino? Mais:
58   ficou claro de que região do Brasil elas vêm? Quanto ao dialeto etário, bem, você
     talvez imagine uma faixa bem elástica, dos 30 aos 60. Não terá errado muito, mas
     sua inferência não foi feita a partir de marcas do texto, mas, possivelmente, pelo tipo
     de trabalho que estamos realizando e que já não interessa aos mais velhos, mesmo
     sábios, e não pode, ainda, ser feito por sujeitos muito novos.
           Para o gênero de texto que estamos criando - guia de estudo -, é importante o
     máximo de objetividade (antes, o mínimo de subjetividade), deixando de lado sentimen-
     tos e pontos de vista muito pessoais. Procuramos, centradas no “objeto” de estudo, o
     ensino da língua, ter um tom que, sem afastar-se de você, professor, não exponha algo
     muito particular nosso (a não ser o conhecimento e as convicções, porque estes nos
     acompanham, como sombras, independentemente de nossa vontade).
           Tampouco usamos gírias do momento (a não ser as do estudo da língua), e, se
     cometemos algum erro de linguagem, não foi conscientemente – foi sem querer e
     sem consciência do erro, o que pode ocorrer, não tenha dúvida. Ao elaborar nossos
     textos, a preocupação é fazê-los corretos, claros, sem ambigüidades, diretos, enfo-
     cando objetivamente o assunto do estudo.
          Sintetizando: usamos o registro formal (mas não muito) e a norma culta.
           Por que usamos a norma culta? Por muitos motivos, com certeza. Um deles é o
     fato de que a norma culta é a utilizada em documentos oficiais e administrativos,
     em grande parte das matérias da maioria dos jornais e revistas, assim como em gran-
     de parte do noticiário de rádio e televisão. Outro motivo: é o dialeto sociocultural
     nosso – das autoras e de você, leitor.

                                                                    TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                                         Unidade 2
          Atividade 1


      Gostaríamos de saber como você se relaciona com a norma culta. Responda, com
sinceridade e sem inibições:
A – Você considera que usa a norma culta? Justifique.




B – A forma como você usa a norma culta constrangeu você ou seu interlocutor,
alguma vez?




C – Como você vê o ensino da norma culta a seus alunos?




                                                                                                         59


     Pois vamos refletir um pouco sobre essa norma (ou dialeto) culta.
      Como o próprio nome indica, e já antecipamos na unidade anterior, trata-se de
uma norma. E nós já conhecemos esse nome: sabemos que ele indica o uso da língua
feito normalmente por determinado grupo. E é culta, porque se refere ao uso de grupos
escolarizados, em geral privilegiados do ponto de vista social e econômico, e, portanto,
também cultural.
     Como uma das variantes de dialeto, não é melhor nem pior do que qualquer
outra. Do ponto de vista da comunicação, a norma culta tão eficiente e tão válida
quanto qualquer outra.
     Qual é a sua importância, então?
     Antes de mais nada, é bom lembrarmos que todas as línguas têm a sua norma culta,
assim como têm as demais variantes. Nenhuma língua é um bloco único, fechado, igual.
      Em todas as línguas, uma norma é escolhida para ser uma variante posta à disposi-
ção de todos os falantes da língua. Teria o papel altamente louvável de estabelecer um
padrão comum a todos os falantes de determinada comunidade lingüística e facilitar a
interação entre eles em muitas situações.
     Em todos os lugares, a norma padrão é definida a partir do grupo que detém o poder
– não por acaso, o mesmo grupo que é privilegiado no tocante a escolaridade, nível
socioeconômico, etc. É mais que evidente que a variante escolhida por esse grupo para
A norma culta
Secção 1




           padrão é a sua própria. Em resumo, a norma padrão/culta é a que usa certas camadas
           privilegiadas de sujeitos adultos, normalmente habitantes das grandes cidades.
                 No Brasil, também, a norma-padrão é a norma culta. E, se deve haver uma
           norma a unir os grupos sociais, não importa que seja essa. Qualquer outra escolha
           teria a mesma característica de ser arbitrária.
                 Voltemos a um ponto já apresentado: é nessa língua padrão que se elabora
           grande parte da produção do conhecimento e das comunicações mais amplas e
           oficiais: os mais diferentes documentos, textos técnicos e científicos, manuais di-
           dáticos, grande parte da literatura do país, além de falas oficiais, discursos, con-
           ferências, a maioria das palestras e debates de interesse geral. Isso ocorre porque
           todos - ou quase todos - esses enunciados são produzidos pelo grupo que, como
           você e como nós, tem a norma culta como seu dialeto sociocultural. Os fatos da
           norma culta são objeto da maioria dos livros chamados “gramáticas” e estão apre-
           sentados nos dicionários.
                  Por que, então, há tanta discussão em torno da norma culta?
                É que ela acaba sendo uma grande fonte de equívocos, quando a questão é
           seu ensino na escola, sobretudo no ensino fundamental.
               Consideremos as duas posições mais problemáticas, no trabalho da escola
           com a norma culta.
                Um primeiro grupo de professores considera que o domínio da norma culta é
           o principal objetivo do ensino da língua na escola. Sem ter a idéia clara e impor-
60         tante de que a aquisição da língua e sobretudo de outros dialetos é um processo
           lento; sem ter a visão de que só aprendemos o que é significativo para nós e a partir
           do que já sabemos; sem relativizar a importância da língua padrão, como apenas
           uma das possibilidades da língua, esse grupo (que em geral cultua apenas a gramá-
           tica normativa) despeja nas aulas de Português as regras de uma “língua” que
           quase parece estrangeira e que não tem qualquer contexto para ser aprendida. São
           trabalhados quase exclusivamente a modalidade escrita da língua e, mais ainda, o
           texto literário. (Vamos ver adiante que a norma culta não se apresenta aí, especi-
           ficamente.)
                Desse modo, esse grupo desconhece ou desconsidera os muitos avanços das
           ciências lingüísticas, que se voltam cada vez mais para a valorização da língua
           cotidiana de cada locutor, e da sua expressão oral.
                Desconhece, ou desconsidera, também, que a própria norma culta é flexível e
           “incompleta”, na medida em que a língua do sujeito está sempre em construção.
           Como qualquer dialeto, ela sofre mudanças no tempo e no espaço, mostra interse-
           ções, da mesma forma que se apresenta diferentemente em cada modalidade da
           língua: oral e escrita. Para confundir mais ainda a questão, a maioria esmagadora
           das chamadas “gramáticas do Português” tratam quase exclusivamente dos fatos da
           língua na forma que têm na norma culta e são apresentados como “a forma correta”.
                 O resultado concreto disso tudo, na escola, é mais freqüentemente o desin-
           teresse e o silêncio do aluno, o que certamente é prejudicial não simplesmente
           ao desenvolvimento das suas competências discursivas, mas também e sobretudo
           ao desenvolvimento do cidadão, que precisa saber ouvir, mas precisa aprender a
           se expressar.

                                                                         TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                                          Unidade 2
          Atividade 2


A – Você teve professores, ou conhece professores com essa visão? Qual foi sua reação,
ou qual é a reação dos alunos diante disso? Relate abaixo a sua experiência.




B – Você acredita que há formas de mudar a situação? Quais?




     No outro extremo, há professores que, considerando que o aluno já domina a
verdadeira língua (a oral), e na qual ele se expressa com (toda?) eficiência; considerando
também que o ensino da norma culta é uma arbitrariedade, dão pouca ou nenhuma
importância ao ensino da língua padrão.
      A conseqüência disso é que não se cumpre um dos grandes objetivos do ensino da
Língua Portuguesa, que é ajudar o aluno a desenvolver a capacidade de compreender e                       61
produzir os mais diferentes textos, para as mais diversas situações de uso da língua. O
resultado é não facilitarem ao aluno o acesso a toda aquela produção em norma culta, de
que já falamos. Como conseqüência disso, ficam muito diminuídas as possibilidades do
aluno de interagir com o mundo.



          Atividade 3


A – Você também conhece professores com essa visão? Como reagem seus alunos a isso?




B – Como reagem os pais diante disso?
A norma culta
Secção 1




           C – Como você pensa que pode mudar a situação?




                  Dissemos acima que dominar a norma culta é um dos objetivos do ensino da
           língua, uma vez que ela é necessária em muitos momentos de nossa vida. Pensamos
           que esse é também o objetivo, claro ou não, dos pais, quando levam seus filhos à
           escola. Mesmo os que não tiveram acesso a ela de maneira mais constante sabem
           intuitivamente da sua importância.
                  Em outras unidades vão ser discutidas formas de levar ao aluno essa norma culta.
                  Por enquanto, é fundamental termos consciência de alguns pontos, já
           trabalhados, mas que queremos reforçar:


                           Importante



                  1 – A norma culta não é melhor do que os outros dialetos: estes, tanto quanto
             a norma culta, cumprem perfeitamente sua função no ambiente em que são usados e
             com as pessoas desse ambiente.

62                 2 – Aprender a norma culta é ter mais uma opção de uso da língua, importante
             em muitos momentos e ambientes. Quanto mais opções o sujeito tiver de uso da
             língua, mais ele vai poder atuar na sua comunidade e se desenvolver como cidadão.
                   3 – Ninguém deve ser discriminado por apresentar um comportamento lingüístico
             diferente do outro.


                  Já é hora de trabalharmos com um texto, não é?

           Por que seus pais estão se divorciando




           Uma das maneiras de entender por que as pessoas se divorciam consiste em compreen-
           der antes de mais nada alguns dos motivos por que as pessoas se casam. Duas pessoas
           costumam se casar porque julgam se amar e pensam que sempre se amarão. As pessoas

                                                                           TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos



se casam porque julgam que querem passar o resto de suas vidas juntas. Algumas pesso-




                                                                                                                      Unidade 2
as se casam porque têm necessidades próprias e pensam que o companheiro será capaz
de satisfazê-las. As pessoas também se casam porque pensam que vão ser felizes juntas.
      Há um bocado de “pensamento” nessas afirmativas, e às vezes as coisas não saem
da maneira como as pessoas pensam. As pessoas evoluem. As pessoas mudam. Às vezes
elas evoluem e mudam de maneiras diferentes até terem pouco em comum uma com a
outra. E grande parte do “pensamento” tido anos antes poderá não valer mais. Às vezes
as pessoas simplesmente se enganam. Enganaram-se com o companheiro anos atrás ou
se enganaram com elas próprias.
      Quando pessoas casadas descobrem que cometeram um erro a respeito uma da
outra, que não (ou não mais) se amam, ou que o companheiro não (ou não mais) satisfaz
suas necessidades, tornam-se infelizes. Geralmente, não é culpa de ninguém, embora
cada pessoa culpe a outra num divórcio.
     Quando pessoas casadas tornam-se infelizes uma com a outra, podem escolher
entre continuar casadas e infelizes ou então se divorciarem. Geralmente, mesmo
sabendo que irão ferir as crianças e lamentando fazê-lo, decidem que precisam obter
o divórcio.
      Há milhões de pessoas separadas neste país. Cerca de um em cada três casamentos
termina em divórcio. Há milhões de crianças cujos pais estão separados. Você, com toda
certeza não está sozinho.
                                            KALB, John & VISCOTT, M.D.David. O que toda criança precisa saber.
                                             Trad. de César Tozzi. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979, p. 110-111.


     Ao contrário dos outros textos que você leu, este não é um texto literário. Embora na arte
tudo seja possível, nossa expectativa, a partir do título do texto e do livro seria para uma
leitura não literária. Se fosse literário, seria mais uma surpresa que a arte estaria nos fazendo.                    63
    Se o título não quer nos surpreender, mas, ao contrário, informar claramente o assun-
to do texto, ele deve expor as causas do divórcio. Se for um bom texto, deve ter uma
organização bastante lógica e conseqüente.
    O fato de o texto estar dirigido claramente às crianças deve fazer que tenha um
vocabulário e uma forma de explicar a questão do divórcio de modo bem simples. Seria
importante que ele ajudasse as crianças que têm o problema, os mais prováveis leitores,
a enfrentarem tal situação.
      Vamos ver se o texto consegue isso?



           Atividade 4


A – O texto tem 5 parágrafos. Indique abaixo a idéia central de cada um deles.
1§:

2§:

3§:

4§:

5§:
A norma culta
Secção 1




           B – Segundo os autores, há muitas razões pelas quais as pessoas se casam e “descasam”.
           Há relação entre umas e outras?




           C – Uma das idéias fundamentais do texto é a de que no divórcio não há obrigatoriamente
           culpados. Com que argumento o texto explica isso?




           D – Para os autores, o divórcio é uma tentativa de resgatar a felicidade. Você acha que
           esse é um direito de todos, inclusive dos pais infelizes?




64
           E – Você acha que as crianças que vivem o problema podem tirar algum alento da
           informação que aparece no último parágrafo?




           F – A expectativa dos leitores, neste caso específico, pode frustrar-se? Justifique sua opinião.




           G – Indique em que dialeto e em que registro o texto foi construído. Justifique esse uso.




                Veja que o texto sobre o divórcio tem muitas das características do nosso
           próprio texto, neste caderno. Quer dizer: ele também é um exemplo de texto escri-
           to na norma culta.
               A norma culta é absolutamente predominante nesses gêneros de texto, publi-
           cados em livros, jornais e revistas, com a intenção de expor idéias, ou apresentar
           argumentos.

                                                                                 TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                                               Unidade 2
        Avançando
        na prática


    Esse texto pode perfeitamente ser usado com seus alunos, mesmo porque não
foi escrito para adultos. Você também pode, em princípio, aproveitar as perguntas
que lhe propusemos para ele, ou criar outras. Importante seria mostrar aos seus
alunos que a organização dele é fundamental, porque pretende ir encaminhando o
raciocínio do leitor, através da seqüência de dados. Quanto ao assunto, mesmo
entre crianças que vivem o problema da separação, é possível estabelecer uma
discussão saudável sobre a questão do divórcio, e, conforme a reação ou a necessi-
dade da turma, usar outros textos que enfoquem o mesmo problema. Nesse caso,
com alunos de 5a ou 6a séries, sugerimos comparar o texto acima com duas páginas
geniais de Ziraldo, em O Menino Maluquinho:




                                                                                                               65




                             ZIRALDO. O Menino Maluquinho. São Paulo: Melhoramentos, 1992. p. 84-85



   Para explorar o texto de Ziraldo, sugerimos algumas questões para você discutir
com os alunos:
   1. O que o narrador diz sobre o amor dos pais pelos filhos.
   2. Como o narrador sugere (pela imagem) a separação dos pais.
    3. A teoria dos lados, do Menino Maluquinho, e como a mesma idéia se apre-
senta no outro texto sobre o divórcio.
   4. As principais diferenças entre os dois textos: um conta uma história e o outro
expõe idéias. Um é ficção (invenção), o outro está ligado à realidade.
A norma culta
Secção 1




                           Atividade 5


                Em um parágrafo de aproximadamente 10 linhas, indique as razões pelas quais
           você acha importante trabalhar a norma culta na escola.




                           Resumindo

66
                 A norma culta é um dos dialetos definidos por critérios socioculturais. Como para
             todas as línguas, a norma culta é escolhida como norma-padrão, que é usada nos
             documentos, sobretudo os oficiais, em grande parte da literatura, dos escritos e falas
             da imprensa. Sua maior característica é a correção pautada na gramática normativa.
                 No entanto, não é melhor nem pior, mais bonita ou mais feia do que qualquer
             outra norma/dialeto. Por outro lado, não é obrigatoriamente o espaço da língua escrita
             ou da literatura.
                Deve, ser trabalhada na escola, como o dialeto que o aluno deve ir aos poucos
             dominando, por ser o mais adequado a certas situações de comunicação.


                Na seção seguinte, vamos ver casos em que o texto escrito pode perfeitamente fugir
           dos padrões ditados pela norma culta.




                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                                      Unidade 2
Seção 2
O texto literário
          Objetivo
          da seção

     Caracterizar a linguagem literária.

     Convidamos você a ler agora um poema, gênero que nós não estudamos ainda.
Você já devia estar sentindo falta dele, não é?
     Trata-se de um texto de Carlos Drummond de Andrade, autor da crônica Retrato de
velho, lembra-se? É um poema muito especial, pela forma e pelo conteúdo polêmico,
ainda que ele não tivesse nenhuma intenção de criar barulho. Vamos a ele.


Caso do vestido
Nossa mãe, o que é aquele                   se afastou de toda vida,
vestido, naquele prego?                     se fechou, se devorou,

Minhas filhas, é o vestido                  chorou no prato de carne,
de uma dona que passou.                     bebeu, brigou, me bateu,

Passou quando, nossa mãe?                   me deixou com vosso berço,                                67
Era nossa conhecida?                        foi para a dona de longe,

Minhas filhas, boca presa,
vosso pai evém chegando.

Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.

Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.

O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.

Nossa mãe esse vestido,
tanta renda, esse segredo!

Minhas filhas, escutai                      mas a dona nem ligou.
palavras de minha boca.                     Em vão o pai implorou.

Era uma dona de longe,                      Dava apólice, fazenda,
vosso pai enamorou-se.                      dava carro, dava ouro,

E ficou tão transtornado,                   beberia seu sobejo,
se perdeu tanto de nós,                     lamberia seu sapato.
O texto literário



           Mas a dona nem ligou.           visitei vossos parentes,
Secção 2




           Então vosso pai, irado,         não comia, não falava,

           me pediu que lhe pedisse,       tive uma febre terçã,
           a essa dona tão perversa,       mas a morte não chegava.

           que tivesse paciência           Fiquei fora de perigo,
           e fosse dormir com ele...       fiquei de cabeça branca,

           Nossa mãe, por que chorais?     perdi meus dentes, meus olhos,
           Nosso lenço vos cedemos.        costurei, lavei, fiz doce,

           Minhas filhas, vosso pai        minhas mãos se escalavraram,
           chega ao pátio. Disfarcemos.    meus anéis de dispersaram,

           Nossa mãe, não escutamos        minha corrente de ouro
           pisar de pé no degrau.          pagou conta de farmácia.

           Minhas filhas, procurei         Vosso pai sumiu no mundo.
           aquela mulher do demo.          O mundo é grande e pequeno.

           E lhe roguei que aplacasse      Um dia a dona soberba
           de meu marido a vontade.        me apareceu já sem nada,

           Eu não amo teu marido,          pobre, desfeita, mofina,
           me falou ela se rindo.          com sua trouxa na mão.
68
           Mas posso ficar com ele         Dona, me disse baixinho,
           se a senhora fizer gosto,       não te dou vosso marido,

           só pra lhe satisfazer,          que não sei onde ele anda.
           não por mim, não quero homem.   Mas te dou este vestido,

           Olhei para vosso pai,           última peça de luxo
           os olhos dele pediam.           que guardei como lembrança

           Olhei para a dona ruim,         daquele dia de cobra,
           os olhos dela gozavam.          da maior humilhação.

           O seu vestido de renda,         Eu não tinha amor por ele,
           de colo mui devassado,          ao depois amor pegou.

           mais mostrava que escondia      Mas então ele enjoado
           as partes da pecadora.          confessou que só gostava

           Eu fiz meu pelo-sinal,          de mim como eu era dantes.
           me curvei... disse que sim.     Me joguei a suas plantas,

           Saí pensando na morte,          fiz toda sorte de dengo,
           mas a morte não chegava.        no chão rocei minha cara,

           Andei pelas cinco ruas,         me puxei pelos cabelos,
           passei ponte, passei rio,       me lancei na correnteza,

                                                             TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                           Unidade 2
me cortei de canivete,        comia meio de lado
me atirei no sumidouro,       e nem estava mais velho.

bebi fel e gasolina,          O barulho da comida
rezei duzentas novenas,       na boca me acalentava,

dona, de nada valeu;          me dava uma grande paz,
vosso marido sumiu.           um sentimento esquisito

Aqui trago minha roupa        de que tudo foi um sonho,
que recorda meu malfeito      vestido não há... nem nada.

de ofender dona casada        Minhas filhas, eis que ouço
pisando no seu orgulho.       vosso pai subindo a escada.

Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.

Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?

quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?

quede aquela cinturinha
                                                                                           69
delgada como jeitosa?

quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?

Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.

Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.

Ela se foi de mansinho
e já na curva da estrada

vosso pai aparecia.
Olhou para mim em silêncio,

mal reparou no vestido
e disse apenas: Mulher,

põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,

comeu, limpou o suor,
                               ANDRADE, Carlos Drummond de. Caso do vestido. A rosa
era sempre o mesmo homem,           do povo. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 96-103
O texto literário



                 O simples fato de ver o texto na página já criou uma expectativa em você, não é?
Secção 2




           Essas linhas interrompidas, separadas duas a duas, confirmaram a informação de que
           iríamos ler um poema, embora às vezes o poema não se apresente dessa forma. Este aqui
           é um poema feito em dísticos, que são estrofes de apenas dois versos.
                   Vamos à interpretação?


                           Atividade 6


           A – A primeira pergunta você já sabe qual é: gostou do poema? Achou triste demais ?
           Achou a mulher Amélia demais? Tente decifrar seus sentimentos com relação ao poema
           e aponte-os abaixo.




                   Você lê com freqüência poemas que contam uma história, como esse?
                Talvez se tenha lembrado primeiro da literatura de cordel, em que as narrati-
           vas são muito freqüentes, embora poemas narrativos sempre tenham existido. Tam-
70         bém em comum com a narrativa popular, esse poema de Drummond tem, em geral,
           versos de 7 sílabas, a chamada redondilha maior, muito encontrada na música e no
           verso populares.
               Mas o poema, além de contar uma história, é dialogado, característica mais inco-
           mum ainda, a não ser (de novo) na poesia popular.



                           Atividade 7


                   Essa forma dialogada deve lembrar a você outro gênero literário. Qual?




                  Realmente, o poema seria facilmente encenado, tal a sua dramaticidade, nos dois
           sentidos: possui uma carga de tensão e dor muito grandes, e tem os elementos caracte-
           rísticos do gênero teatral: o diálogo, o conflito das personagens, de certo modo a cena
           apresentada diante de nós. Veja que as filhas dizem “nossa mãe”, sugerindo-se que
           falam juntas.
                Vemos que o texto mistura elementos de muitos gêneros. Mas há também muitas
           misturas lingüísticas. Vamos ver as principais.

                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                                        Unidade 2
          Atividade 8


A – Há muitas misturas de formas de tratamento (sobretudo os pronomes que usamos
para tratar, chamar o interlocutor: tu, você, o senhor, vós, etc.). Aponte as que lhe
pareceram mais importantes e tente justificá-las.




B – Pelo que se pode deduzir da fala da mãe, a família era abastada. Onde possivelmen-
te moravam?




C – Eram pessoas cultas? Justifique sua resposta com elementos do texto.




D – O vocabulário também parece ser de vários níveis. Indique palavras que mos-                         71
tram isso.




     Percebemos que todos esses desníveis fazem parte dessa tensão, desse conflito que
se mantém ao longo do texto, ajudando a criar a atmosfera teatral.



          Atividade 9


     “O mundo é grande e pequeno”.
      Que sentido tem esse comentário no poema? (Observe que há simetria entre várias
situações da história.)
O texto literário
Secção 2




                           Atividade 10


           “Olhei muito para ela.
           Boca não disse palavra”.
           A – Veja a organização da descrição da mulher: ela mostra claramente o movimento dos
           olhos da narradora. Qual é esse movimento?




           B – Como a mãe sugere a decadência da outra mulher?




                  Enfim, vamos pensar na história contada. Você concorda com todas as atitudes da
           mãe? Concorda com algumas delas? Você acha que ela agia por amor? Nem o amor
           justificaria sua atitude? Você conhece mulheres que, mal comparando, têm ou teriam a(s)
           mesma(s) atitude(s) ?
72              É tão complexa e tem tantos lados a questão, que vale a pena tentar organizar os
           pensamentos, para uma discussão que virá mais adiante. Depois do próximo texto, va-
           mos voltar a esse assunto.
                   E a linguagem do texto?
                 Temos no poema de Drummond um excelente exemplo de como se constrói a
           linguagem poética. É muito comum relacionarmos a linguagem literária com norma culta
           e com registro formal. As duas aproximações são equivocadas, ou, pelo menos, parciais.
                 Lembre-se do início da unidade: não foi por acaso que dialogamos sobre nosso
           próprio texto. Ele, sim, precisava da norma culta e do registro formal: nosso texto é
           informativo, expositivo, argumentativo às vezes, e nesse gênero de texto não só cabe
           como é importante a correção, certa impessoalidade, que garanta sua leitura por muitos
           leitores (talvez até em épocas diferentes).
                  O texto literário, em qualquer gênero, caracteriza-se pela possibilidade de usar
           qualquer dialeto e qualquer registro, em função das intenções do autor. E, em qualquer
           deles, ainda pode infringir as regras. É por isso que, sempre que abordamos um dado da
           literatura, fazemos uma ressalva : embora, a não ser que, pode ser que... A arte está
           sempre “inventando moda”, surpreendendo-nos.
                 A arte pode tudo. Na obra de arte, o limite é dado pela obra de arte, e apenas por
           ela. (Atenção! Essas não são frases “de efeito”; são rigorosamente verdadeiras.)
                  Determinado texto literário pode até usar a língua padrão, mas isso não vai ocorrer
           porque se trata de “seguir” o padrão (nada é mais potencialmente subversivo do que a
           arte), mas porque, no contexto da obra, o que cabe é, eventualmente, a língua padrão.

                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos



Não tem, portanto, compromisso a priori com a correção da norma culta. Cada texto




                                                                                                         Unidade 2
literário, em qualquer gênero, cria sua própria lógica, e é com base nessa lógica que
podemos entrar nele.
     A linguagem literária pode dar-se o luxo de não parecer literária, de parecer pobre
ou cheia de clichês.

 Lembrete
 Clichê é a mesma coisa que “chavão”, “frase feita”. É uma expressão normalmente
 usada quando falta assunto, ou quando não temos uma visão pessoal e original sobre
 determinada questão. Certa expressão foi usada, um dia, repetida, e repetida, e pas-
 sou a ser usada, às vezes sem nenhuma razão ou sinceridade. Os cumprimentos e
 assuntos num elevador, por exemplo (Está calor, não é?), são clichês. Falar em
 “gloriosas forças armadas”, ou em “veemente protesto” é usar clichês.

       Vamos ver isso na letra de uma composição de Chico Buarque. Faz parte da peça
Ópera do malandro. Tente de todas as formas ouvir a composição musical: se ela tem
letra, é certo que há uma estreita relação entre “letra e música”.

O casamento dos pequenos burgueses
Ele faz o noivo correto
E ela faz que quase desmaia.
Vão viver sob o mesmo teto
Até que a casa caia
Até que a casa caia.                                                                                     73

Ele é o empregado discreto.
Ela engoma o seu colarinho.
Vão viver sob o mesmo teto
Até explodir o ninho                           Vão viver sob o mesmo teto
Até explodir o ninho.                          Até que alguém decida
                                               Até que alguém decida.
Ele faz o macho irrequieto.
E ela faz crianças de monte.                   Ele tem um velho projeto.
Vão viver sob o mesmo teto                     Ela tem um monte de estrias.
Até secar a fonte                              Vão viver sob o mesmo teto
Até secar a fonte.                             Até o fim dos dias
                                               Até o fim dos dias.
Ele é o funcionário completo.
E ela aprende a fazer suspiros.                Ele às vezes cede um afeto.
Vão viver sob o mesmo teto                     Ela só se despe no escuro.
Até trocarem tiros                             Vão viver sob o mesmo teto
Até trocarem tiros.                            Até um breve futuro
                                               Até um breve futuro.
Ele tem um caso secreto.
Ela diz que não sai dos trilhos.               Ela esquenta a papa do neto.
Vão viver sob o mesmo teto                     E ele quase que fez fortuna.
Até casarem os filhos                          Vão viver sob o mesmo teto
Até casarem os filhos.                         Até que a morte os una
                                               Até que a morte os una
Ele fala em cianureto.                         Até que a morte os una...
E ela sonha com formicida.                                    BUARQUE, Chico: Ópera do malandro
O texto literário



                 Para melhor interpretar esse “poema”, é bom lembrar, bem sucintamente, o que
Secção 2




           caracteriza a vida e o comportamento do burguês, ou do pequeno burguês: ele tem um
           grande apego à aparência e é pouco afeito às mudanças. Desde que as coisas pareçam
           estar nos seus devidos lugares, tudo está bem.
                   Vejamos, agora, o que nos conta o poeta.


                           Atividade 11


           A – Podemos dizer que o texto conta a trajetória de um casamento, desde a cerimônia,
           até o fim dos dias. Que promessa os noivos fazem na cerimônia de casamento?




           B – Apesar da promessa, o texto nos mostra o casal separado em tudo. Como isso apare-
           ce lingüisticamente?




74

           C – O pensamento burguês é também machista e patriarcal. Como isso se revela
           no texto?




           D – Num único momento o patriarcado vira matriarcado. Quando é e por que isso
           ocorre?




           E – O narrador diz que o homem tem um caso secreto (será secreto mesmo?), e insinua
           que a mulher talvez tenha o seu.
           a) Que expressão sugere isso?


           b) Essa situação tem a ver com o comportamento burguês?




                                                                         TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos



F – Quando o casal fala ou pensa em cianureto e formicida, a sugestão é de suicídio?




                                                                                                         Unidade 2
G – Desde o início, a pouca sinceridade do casal fica evidente. É como se participassem
de um “teatro”. Que expressão indica isso?




H – O poema (sua música também) tem uma estrutura muito simples e repetitiva:o
terceiro verso se repete sempre na mesma posição; o quarto e o quinto de cada
estrofe são sempre iguais; a rima é sempre a mesma, no primeiro e terceiro versos.
Que efeito traz isso?




I – O texto é baseado em clichês.
a) Indique alguns deles e explique seu significado.


                                                                                                         75



b) Por que um deles (“Vão viver sob o mesmo teto”) é repetido insistentemente?




J – Dado importante a considerar, na construção do texto literário, é o uso preferencial
da conotação. As ambigüidades são fundamentais nesse texto de Chico Buarque.
a) Indique as conotações que lhe pareceram mais importantes nesse texto.




b) Num texto como Por que seus pais estão se divorciando caberiam as conotações?
Por quê?
O texto literário
Secção 2




                           Atividade 12


                 Para finalizar (ou, quem sabe, para “esquentar”) o estudo dos dois textos anterio-
           res, de Drummond e de Chico Buarque, propomos-lhe o seguinte: os dois casais vão
           viver juntos até a morte. Mas que diferenças há entre essas duas maneiras de levar o
           casamento? O afeto está movendo os dois casais?
                 Faça um texto externando sua opinião sobre essas quatro vidas. Fique à vontade
           para escrever o quanto quiser. Se precisar, faça seu texto em folha destacada, e leve-o
           para ler e comentar com os colegas e com o coordenador.




76

                           Avançando
                           na prática


                 Sugerimos que você utilize esses dois últimos textos somente em turmas de 7a e
             principalmente 8a série. Depois de discutidos, é perfeitamente possível encená-los,
             mas seria interessante usar técnicas diferentes. Veja nossa proposta:
                1. Em primeiro lugar, é fundamental a leitura e a interpretação dos textos. No
             caso do poema de Drummond, observe os cuidados que já indicamos para a
             preparação da leitura. No caso da composição de Chico Buarque, é importante
             ouvir a música.
                  2. Na dramatização de O caso do vestido, fica bem a forma mais tradicional de
             representação, com pelo menos três personagens contracenando (isso, se não opta-
             rem por ter, em outro plano do cenário, a mulher de longe e mesmo o pai). Já O
             casamento dos pequenos burgueses ficaria ótimo, se, enquanto é ouvida a música/
             letra, cantada por alguns alunos, os “atores” fizessem apenas mímica, predominando
             nela o exagero, a caricatura.
                 3. Definida a forma de representação, os grupos vão observar critérios para a
             escolha dos papéis.
                 4. Estabeleça um tempo para ensaios. A improvisação não é, nesse caso, uma
             boa opção, porque não dá muita oportunidade para o crescimento dos alunos, nem
             possibilita a você, como professor, uma avaliação justa ou pertinente.


                                                                           TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
5. Não deixe de propor aos alunos uma avaliação do trabalho, para que não seja
 uma atividade gratuita. Comece ouvindo os próprios atores, fazendo uma auto-avali-
 ação: depois, ouça os outros alunos e, por fim, faça suas observações.



          Resumindo


    O texto literário caracteriza-se como aquele que apresenta liberdade completa no uso
 das variantes da língua. O autor pode empregar a norma culta ou o dialeto popular, o
 registro mais formal ao mais informal, tudo vai depender de suas intenções, do assunto, do
 ambiente e dos personagens retratados.
    Cada texto litérario é que vai criando os límites e a adequação de cada escolha do autor.




Seção 3
Modalidades da língua
                                                                                                77

          Objetivo
          da seção

     Caracterizar a língua oral e a língua escrita.


      Todas as nossas interações verbais, que se dão por meio da língua, realizam-se
forçosamente em textos. E eles não têm outra forma de se apresentarem ao interlocutor a
não ser oralmente ou por escrito. Isso significa que vivemos rodeados de textos, muitos
orais e muitos escritos. Do momento em que acordamos ao momento em que dormimos
(isso sem falar nos sonhos, que podemos considerar como textos nossos, aos quais, às
vezes, não sabemos atribuir significados), falas e escritos mais ou menos complexos nos
envolvem. (Vamos voltar a esse assunto na próxima unidade.)

     A oralidade e a escrita são as duas modalidades (ou realizações) da língua.

      A modalidade oral é a nossa língua natural. Quando dizemos que o homem tem
aptidão natural para o uso da linguagem, estamos sempre nos referindo à realização
oral, na qual todas as línguas existem e que aprendemos pelo simples contato com
outros falantes.
     A escrita é uma modalidade artificial da língua (quer dizer, não nascemos saben-
do escrever), e é de desenvolvimento relativamente recente. Como vivemos numa
sociedade letrada, não nos damos conta desse caráter artificial da escrita, mas isso
parece mais claro quando pensamos que muitas línguas no mundo são ágrafas, quer
Modalidades da língua



           dizer, não têm escrita. Seu aprendizado não é “natural”, exige mais do que ficar
Secção 3




           exposto ao texto escrito, ou exige um tempo e um esforço muito maiores do que na
           aquisição da língua oral.
                 Em outras unidades, as duas modalidades vão ser também trabalhadas. Aqui, inte-
           ressa-nos mostrá-las como um tipo de variante da língua e em que pontos elas geram
           equívocos no ensino das línguas.
                Vamos iniciar nossas considerações sobre a modalidade oral lendo um texto de um
           dos maiores cronistas brasileiros da atualidade: Luís Fernando Veríssimo, com certeza um
           velho conhecido seu.

           Sexa
                  – Pai...                                      – E como é o feminino?
                  – Hmmm?                                       – Sexo mesmo. Igual ao do homem.
                  – Como é o feminino de sexo?                 – O sexo da mulher é igual ao do
                                                           homem?
                  – O quê?
                                                                – É. Quer dizer...Olha aqui. Tem sexo
                  – O feminino de sexo.                    masculino e sexo feminino, certo?
                  – Não tem.                                    – Certo. São duas coisas diferentes.
                  – Sexo não tem feminino?                      – Então como é o feminino de sexo?
                  – Não.                                                           – É            igual       ao
               – Só tem sexo                                                  masculino.
78
           masculino?                                                               – Mas não são
                  – É. Quer dizer, não.                                       diferentes?
           Existem dois sexos. Mascu-                                                – Não. Ou são! Mas
           lino e feminino.                                                   a palavra é a mesma. Muda
                 – E como é o                                                 o sexo, mas não muda a pa-
           feminino de sexo?                                                  lavra.
                 – Não tem feminino.                                                – Mas então não
           Sexo é sempre masculino.                                           muda o sexo. É sempre mas-
                                                                              culino.
                  – Mas tu mesmo
           disse que tem sexo mascu-                                               – A palavra sexo é
           lino e feminino.                                                   masculina.
                 – O sexo pode ser masculino ou femini-         – Não. “ A palavra” é feminina. Se fosse
           no. A palavra “sexo” é masculina. O sexo mas-   masculina seria “o pal...
           culino, o sexo feminino.                             – Chega! Vai brincar, vai.
                  – Não devia ser “a sexa”?                     O garoto sai e a mãe entra. O pai
                  – Não.                                   comenta:
                  – Por que não?                                – Temos que ficar de olho nesse guri...
                – Porque não! Desculpe. Porque não.             – Por quê?
           “Sexo” é sempre masculino.                           – Ele só pensa em gramática.
                  – O sexo da mulher é masculino?
                                                                      VERÍSSIMO, L.F. Festa de criança. São Paulo:
                  – É. Não! O sexo da mulher é feminino.                                   Ática, 2002, p. 18-19.



                                                                               TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                                          Unidade 2
          Atividade 13


A – Qual é a imprevisibilidade da fala final do pai e que reforça o humor do texto?




B – A hipótese do menino para criar o feminino da palavra “sexo” tem lógica? Dê exem-
plos que confirmem sua posição.




C – Veja a palavra “sexo” no dicionário. Você acha que para o pai e para o menino a
palavra tem sempre o mesmo sentido e as mesmas conotações?




D – Em que trechos você percebe a impaciência do pai?                                                     79




E – Nem toda crônica é uma narrativa. Esta é: temos aí uma seqüência de fatos que
constituem uma história, envolvendo personagens, organizada de determinada forma e
contada por um narrador, que aqui aparece muito pouco.
a) Onde aparece o narrador ?



b) O discurso direto (as próprias personagens tomando a palavra) lhe pareceu um bom
expediente? Por quê?




     Nesse texto de Veríssimo podemos perceber os principais traços da linguagem oral.
     A primeira delas é a presença dos interlocutores: pai e filho estão frente à frente e
estabelecem a mais típica das situações da oralidade: eles têm turnos de fala, isto é,
revezam-se nos papéis de locutor e interlocutor.
      Dessa proximidade dos interlocutores decorre uma outra característica importante
da linguagem oral. Os envolvidos nela contam com um apoio extremamente significa-
Modalidades da língua



           tivo: o locutor tem a voz, com certo ritmo e certa entoação, tem todas as possibilida-
Secção 3




           des da mímica (a expressão facial e os gestos), além de todo um contexto para ajudar
           seu interlocutor a criar os significados de sua fala. O interlocutor, por sua vez, querendo
           ou não, por meio também de sua expressão corporal, ajuda o locutor na avaliação de
           sua própria fala: pela reação do interlocutor, ele pode saber se está sendo obscuro, se
           está agradando. Conforme o caso, pode repetir, alterar ou reorganizar sua frase, mudar
           de tom, pode até dar por finalizada a fala.


                         Importante


                  Em sua sala de aula, esperamos que predomine essa situação de diálogo entre
             você e os alunos. Nesse caso, é fundamental a observação das reações voluntárias ou
             não dos alunos. Na grande maioria das vezes, essas reações são indícios importantes
             para a avaliação das condições de aprendizagem deles. Sua serenidade e capacidade
             de auto-avaliação diante de reações negativas serão suas grandes armas para encon-
             trar, em cada caso, o melhor caminho para aperfeiçoar sua prática pedagógica.

                 Além disso, a proximidade e a alternância da fala dos interlocutores criam uma
           situação em que a emoção e o esforço de agir sobre o outro são componentes importan-
           tes. Pressionados pela rapidez dos turnos da fala, sem poder eliminar o dito, o jeito é
           interromper, retificar.

80
                         Atividade 14


                  Da crônica de Veríssimo, transcreva abaixo um exemplo de:
           A – Repetições




           B – Retificações




           C – Emoção




                 Fica claro, pelas características apontadas, como a linguagem oral é essencialmen-
           te viva, rica de possibilidades de intervenção entre os interlocutores. Por isso mesmo, ela
           envolve também a maior diversidade de uso dos registros.
                 Assim, ao contrário do que se pensa, a linguagem oral não é campo exclusivo do
           registro informal. É verdade que uma grande parte da oralidade se dá em conversas com

                                                                             TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                                          Unidade 2
familiares e amigos, ou em situações de descontração. Mas lembre-se do que estudou
sobre os registros: qualquer barreira pode nos levar à tensão ou enrijecimento da lingua-
gem. Assim, uma simples pergunta ou um cumprimento, dependendo dos interlocutores
e da situação, podem apresentar-se em vários registros.



          Atividade 15


    Apresente abaixo uma situação em que usaria um dos registros e exemplifique-a
com uma construção de fala:
A – Registro formal




B – Registro informal




      Por outro lado, nem sempre a linguagem oral se realiza na situação de troca de
posição entre locutor e interlocutor: em muitas situações, somos uma coisa ou outra. Em
geral, isso muda muito o registro. Diante da televisão, do rádio, em geral somos só                       81
interlocutores, ouvintes. Em conferências, mesas-redondas, somos ou locutores ou inter-
locutores. De todo modo, quanto mais interlocutores houver, mais eles tenderão a ser
desconhecidos e difíceis de controlar. Por isso mesmo, o número de interlocutores acaba
criando uma tendência ao registro formal.



          Importante



     Uma questão importante a observar é que, com freqüência, vemos na escola
 um descuido com as atividades orais. Considerando que a criança fala desde
 muito cedo, pensa-se sobretudo em desenvolver a escrita, que constitui um apren-
 dizado novo. Esse é apenas o primeiro dos equívocos com relação à oralidade.
 Com certeza, uma das funções da escola é ampliar a competência da criança no
 seu uso da língua, nas mais diversas situações de interação. Assim, proporcionar
 aos alunos a oportunidade de falar, nos contextos mais variados, é um ponto
 importante de seu programa. Outro aspecto essencial do trabalho com a lingua-
 gem oral é que não nos devemos ocupar apenas com as situações de fala, mas
 com as de escuta. Sabemos como é difícil ouvir bem. No entanto, isso não é
 objeto de nossas preocupações. A boa escuta envolve mais do que o respeito ao
 locutor: envolve a capacidade de compreender, avaliar e responder adequada-
 mente ao que ouvimos. Nossa Lição de Casa desta unidade vai propor um traba-
 lho em torno da fala e da escuta.
Modalidades da língua



                 Essa relutância, ou, no mínimo, esse descuido com relação à linguagem oral tem a
Secção 3




           ver coma própria dificuldade de seu registro. Nossos textos orais, em princípio, duram o
           tempo de sua enunciação. Eles logo desaparecem. Só podemos registrá-los em grava-
           ções, o que não ocorre o tempo todo, ou via autores que tentam registrá-los por escrito,
           por algum motivo, seja de pesquisa, seja literário.
                 Na unidade anterior, tivemos oportunidade de estudar vários textos com muitos
           traços de oralidade. Vimos textos literários que procuraram criar textos muito próximos
           (por isso, verossímeis) da fala de determinadas pessoas: o velho e seus familiares, a
           menininha insistindo com os pais para recontarem a história de seu nascimento. Nesta
           unidade, o diálogo entre pai e filho, “registrado” por Veríssimo, dá uma boa medida
           da oralidade.
                  A escrita, por sua vez, tem características bem distintas da oralidade.
                 Um primeiro aspecto a considerar é o fato de, em princípio, não haver a proximida-
           de entre os interlocutores. Em geral, o processo de interação por meio da escrita é acio-
           nado exatamente pela impossibilidade de uso da fala, pela distância entre os sujeitos da
           interlocução.
                 O primeiro resultado dessa ausência é que, ao escrever, o locutor não conta com
           as vantagens de um contexto tão claro, da voz, do ritmo e da mímica para ajudar a criar
           o sentido do que escreve. Nem pode valer-se da análise da reação do interlocutor para
           refazer seu enunciado. O escritor tem, portanto, de procurar meios de deixar o mínimo
           de dúvidas possíveis na interpretação do leitor... a menos que esteja fazendo literatura e
           que tenha o objetivo de gerar duplas interpretações.
82               Por outro lado, o tempo trabalha a favor do escritor. Normalmente, ele não está
           pressionado pelo tempo da fala, como na linguagem oral: pode ler, reler, reescrever seu
           texto. Da mesma forma, em princípio, o leitor também tem tempo para ler : pode reler,
           voltar atrás, quantas vezes queira ou precise.
                  Por isso mesmo, as repetições, interrupções, vacilos, mudanças do rumo da frase,
           tão normais na linguagem oral, não cabem na escrita, a menos que (você já vai comple-
           tar...) estejamos diante de um texto literário que quer exatamente ser fiel à fala de deter-
           minada personagem, em certo momento de interação, ou de um narrador que quer apro-
           ximar-se muito do leitor.
                 Como no caso da linguagem oral, as situações de uso da escrita são muitíssimo
           variadas, em função dos objetivos do locutor, das características do interlocutor imagi-
           nado, do assunto a ser desenvolvido.
               Em função dessas possibilidades, cabe aqui desfazer enganos comuns no trabalho
           com a escrita.
                  O primeiro deles já antecipamos acima: é considerar a forma escrita da língua igual
           à literária. Não é. Primeiro, porque usamos a modalidade escrita com muita freqüência,
           com objetivos completamente diferentes dos literários. Podemos dizer até que o mais
           comum é que a literatura não seja nosso alvo ao escrever. Produzimos listas de compras,
           bilhetes, cartões de visita, cartas, avisos, formulários, projetos de trabalho, artigos para
           jornais e revistas, livros didáticos, outros tipos de livros informativos, trabalhos científi-
           cos e muitos outros. Em quase todos esses casos, a escrita não pode ser literária. Quer
           dizer: nesses textos, não cabem a ambigüidade, a conotação, os jogos de palavras e de
           sons, a transgressão lingüística que pode haver na escrita literária.

                                                                               TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                                          Unidade 2
      Temos de atentar, por outro lado, para o fato de que a literatura não existe apenas
na forma escrita: ela aparece também na forma oral, sobretudo no folclore.
      Como também antecipamos na unidade anterior, a escrita não se realiza apenas no
registro formal. Ela apresenta muitos graus de informalidade. Imagine se o bilhete para o
filho pode (deve) ser escrito em registro formal!
      É claro que grande parte da produção escrita (sobretudo a não literária), em todos
os tempos, é feita para durar mais, e ser entendida de modo semelhante por leitores de
lugares e épocas diferentes. Evita elementos muito próximos da oralidade, como gírias e
regionalismos, que tendem a se alterar em pouco tempo. Nesses casos, o registro formal
apresenta-se como mais adequado.
     Também é verdade, no entanto, que o escritor (e não só o de literatura, como
veremos abaixo) tenta muitas vezes diminuir as barreiras, aproximar-se do leitor como
numa conversa, e, nesses casos, a informalidade aparece como dado importante.
     A publicidade, por exemplo, procura essa aproximação, como no exemplo seguinte.




                                                                                                          83
Modalidades da língua



                 Temos aí um texto publicitário típico. Publicado na Pais & Filhos, dirige-se clara-
Secção 3




           mente ao leitor da revista – aos pais (e talvez mais às mães), falando, naturalmente das
           crianças, os “invasores”. Como o objetivo de um texto desse gênero é seduzir o leitor
           para “tomar uma decisão” – aqui, a compra, obviamente - o jogo da imagem com o
           texto verbal deve ter uma organização capaz de convencer os leitores. Nestes textos, que
           podemos chamar de mistos, devemos ter o mesmo cuidado para ler o verbal e o não-
           verbal. Seus autores têm uma intencionalidade, ao usar juntos signos diferentes. Vamos,
           então, à sua análise?



                         Atividade 16


           A – Como se entrelaçam texto e imagem? Entre os três blocos de texto verbal, que
           imagens aparecem?




           B – Quando falamos em acabar com invasores, imaginamos o extermínio de inimigos, que
           inicialmente estão sempre escondidos. O que há de interessante no caso dessa “receita”?
84



           C – A posição em que é tomada a primeira foto é muito interessante. Por quê? Que relação
           ela tem com a primeira frase?




           D – O objeto salvador, sugerido na receita, não é um Lego qualquer. Como é ele e que
           importância tem isso para se ficar livre dos invasores?




           E – Por que os pais vão poder “relaxar”, comprando Lego Duplo?




           F – A idade das crianças tem alguma importância neste anúncio?




                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos



G – Observe o invasor descoberto: que características sua carinha sugere?




                                                                                                        Unidade 2
H – Como os fabricantes sugerem que o brinquedo pode atender a diferentes
gostos e idades?




I – Onde se apresenta a sugestão de compra e de que forma?




J – Por que, junto à palavra “duplo”, há a figura de um coelho?




                                                                                                        85

L – A clara divisão das cores, na propaganda, sugere-lhe algo?




M – Você acha que a linguagem verbal tende ao formal ou ao informal? Justifique.




          Importante


      Informalmente, costumamos chamar cada exemplar do texto publicado como
 uma propaganda. Os especialistas têm preferido usar o termo propaganda como o
 texto essencialmente persuasivo, criado com a intenção de conseguir a adesão do
 leitor para determinada ação ou posição. Preferem chamar o texto criado para vender
 um produto – portanto, comercial – de anúncio ou publicidade.
Modalidades da língua
Secção 3




                         Avançando
                         na prática

                 Se sua sala de aula é um espaço de interação, são muitas as oportunidades que
             seus alunos têm de se expressar, assim como de ouvir. Freqüentemente, no entanto,
             não avaliamos nossos alunos quanto ao desenvolvimento das competências ligadas à
             oralidade. Para que eles tenham clareza quanto à importância dessas atividades e da
             atuação de cada um nesses momentos, faça com eles uma discussão com a qual
             sejam acordados critérios de auto-avaliação e, conseqüentemente, de avaliação da
             participação de cada um nas atividades marcadamente orais.
                 Apresentamos abaixo várias perguntas que poderiam ajudá-los a se auto-avaliar e
             avaliar os outros, nas duas situações - de locutores ou ouvintes, ou em situações de
             troca de papéis. Veja quais são adequadas à sua turma e que outras você acrescentaria.
                  Em situações de debate, de organização ou apresentação de trabalho:
                  1. Você fala muito e monopoliza a conversa?
                2. Você presta, realmente, atenção ao que os outros estão falando? Em geral, sabe
             ouvi-los até o fim de seu raciocínio?
                 3. Você leva em conta seus interlocutores, para buscar exemplos ou para escolher
             o vocabulário a usar?
                  4. Você se expõe, ou prefere ficar calado numa discussão?
                  5. Numa discussão, você defende seus pontos de vista?
86               6. Diante de uma grosseria a você ou a outro, você procura não dar atenção ao
             fato, ou reage? De que forma?
                7. Você acha interessante “colocar alguém na berlinda”, ou não vê inconveniente
             em fazer alguma piada, mesmo que embaraçosa, com os colegas?
                 8. Normalmente, você consegue fazer um resumo ou apresentar a idéia geral da
             fala do colega?
                  9. Você consegue perceber os enganos e contradições da fala do outro?
                  10. Você percebe com facilidade as tentativas de manipulação do locutor?
                  11. Você consegue perceber inadequações de linguagem do locutor, considerada
             a situação de interação?
                12. Você respeita uma opinião contrária à sua? Sabe separar o que é fato do que
             é opinião?
                  A idéia é que essa auto-avaliação possa ser apresentada claramente para a turma
             e discutida respeitosamente. Essa discussão já seria uma excelente atividade de lin-
             guagem oral. Se isso não for possível, inicialmente, discuta a auto-avaliação com
             cada aluno, ou em grupos, se eles estiverem de acordo. Mais tarde, eles aceitarão a
             atividade em conjunto.
                 Você precisa – é claro – ter um bom domínio da turma e convencê-la da impor-
             tância, da boa fé e dos benefícios de uma atividade como essa. O resultado é mesmo
             muito bom.
                 Definidos os critérios para a auto-avaliação e avaliação dos demais, ponha-os em
             funcionamento nas principais atividades de linguagem oral.


                                                                              TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                                          Unidade 2
        Resumindo


    1- A norma culta é um dos dialetos da língua. É o dialeto utilizado na absoluta
maioria dos documentos oficiais e públicos de um país. Não é melhor nem pior do
que os demais dialetos; por isso, seu uso não pode ser critério de discriminação ou
valorização dos sujeitos. (Aliás, nenhum critério deve servir à discriminação).
    2- Como norma-padrão, a norma culta é ensinada na escola. Seu conhecimento
e domínio ajudará o aluno a ampliar sua competência lingüística, permitindo-lhe um
acesso mais fácil a muitos documentos e bens culturais.
     3- A literatura pode ou não utilizar a norma culta. Seu objetivo não é “ficar
dentro das regras”, mas buscar qualquer dialeto ou registro que melhor consiga criar
a linguagem do mundo criado por ela, com seus significados.
    4- As duas modalidades da língua – a oral e a escrita – são igualmente impor-
tantes e apresentam ambas as possibilidades de uso, tanto do registro formal quan-
to do informal.
     5- As duas modalidades devem ser trabalhadas na escola tanto do ponto de vista
da locução quanto da interlocução. Assim, ouvir e falar, ler e escrever, devem ser
atividades constantes na sala de aula.
    6- Como sempre, vale a pena salientar que as situações de interlocução são
extremamente complexas e não temos muitos casos “puros” de dialetos, da mesma
forma que os registros apresentam uma gama infinita de formalidade/informalidade                          87
e as modalidades oral e escrita não são campos fechados, sem interferência uma
sobre a outra.
    7- Nas atividades de linguagem, é fundamental oferecer aos alunos exemplos
diversos de bons textos, orais e escritos, produzidos com objetivos e em situações
diferentes, literários e não literários, em registros e modalidades distintos, de modo a
não estabelecer relações indevidas entre escrita, norma culta e registro formal e litera-
tura, ou fala e informalidade. Para isso, os próprios textos produzidos pelos alunos
podem ser ótimo material de discussão.
Leituras sugeridas
     CÂMARA JR. Manual de expressão oral e escrita. Rio de Janeiro: J. Ozon, 1961.
          Este livro, como sugere o título, é essencialmente didático, na forma de apresentar
     questões de linguagem. Apesar do tempo transcorrido após sua publicação e de alguns
     avanços sobretudo na consideração da linguagem oral, a obra é de interesse, sobretudo
     na abordagem de tópicos normalmente ausentes de outros livros, como as questões da
     mímica, do tom, etc.
     ROCCO, M.T.F. Entre a oralidade e a escrita. In DIETZSCH, M.J.M. (org.). Espaços da
     linguagem na educação. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1999.
         Esta obra trata de vários assuntos importantes para o professor. Estamos recomen-
     dando especialmente o capítulo que traça o caminho da fala até a linguagem dos
     computadores.
     TEBEROSKY, A. Aprendendo a escrever. São Paulo: Ática, 1997.
           Esta obra é toda muito interessante, para quem quer entender o processo de cons-
     trução da escrita pelas crianças. Para o conhecimento das características da linguagem
     escrita, é especialmente recomendável a parte 4 (A linguagem escrita) do capítulo III.




88




                                                                     TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                                     Unidade 2
Bibliografia
     Além das obras indicadas na unidade anterior:
MARTINS, M. H.(org.). Questões de linguagem. São Paulo: Contexto, 1991.
VANOYE, F. Usos da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1996.




                                                                                                     89
Gestar II - TP 1
Correção das atividades
Gestar II - TP 1
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos




                                                                                                          Unidade 2
Correção das atividades

Atividade 1
A – Resposta pessoal. Possivelmente, você – leitor e formado em curso superior – não
tem como abandonar a norma culta. Nem seria o caso, porque normalmente os interlo-
cutores conseguem perfeitamente entender o que lhe é dito em norma culta.
B – Depoimento pessoal. Em todo caso, a menos que você use termos muito rebuscados
e tente mostrar-se “superior”, qualquer interlocutor (mesmo analfabeto) não vai sentir-se
mal por isso. Ao contrário, tentar usar o dialeto que não é seu e sim do seu interlocutor
costuma passar como provocação.
C – Depoimento pessoal. Possivelmente você relatará dificuldades dos alunos no desen-
volvimento da norma culta. O importante é criar muitas oportunidades de leitura e de
produção de textos na norma culta e você perceber que se trata de um processo longo.

Atividade 2
A – Relato pessoal. Acreditamos que a produção de textos dos alunos mostre o inadequa-
do dessa atitude.
B – Cursos, discussões, a observação dos resultados dos alunos talvez sejam as formas de
mudar a situação.


Atividade 3                                                                                               93

A – Relato pessoal. De todo modo, a incapacidade de construir textos (mesmo simples)
na norma culta é uma falha que evidencia o problema.
B – Sobretudo os pais reagem mal a essa experiência, porque, de algum modo, gostariam
que seus filhos aprendessem “a escrever” (o que, para eles, significa usar “uma língua
especial”).
C – A solução é a mesma apresentada para a letra C da Atividade 2.


Atividade 4
A – É claro que a forma pode mudar.
1§. Porque as pessoas se casam.
2§ As pessoas evoluem e mudam.
3§ Porque as pessoas se tornam infelizes.
4§ Quando é preciso divorciar e tentar ser feliz.
5§ O grande número de divórcios nos Estados Unidos.
B – Sim. Os “sonhos” (ou suposições) não se confirmam depois do casamento.
C – Em geral, as pessoas não têm intenção de enganar ou de magoar o outro no
casamento. Mas as mudanças, em sentido contrário das do outro, parecem agredir o
parceiro.
D – Opinião pessoal. O que cabe pensar é se, mesmo para os filhos, a infelicidade e suas
conseqüências (brigas, agressões) valem a pena.
Correção




           E – É difícil saber se todas as crianças envolvidas em divórcios aceitam o argumento. Mas
           é importante a criança não se sentir diferente ou culpada por causa da separação.
           F – Mesmo sem aceitar o argumento, a criança pode, a partir dele, descobrir outros
           raciocínios que podem ajudá-la a entender melhor o divórcio. Mas pode ocorrer também
           de a criança não achar que valeu a pena ler o texto.
           G – O texto está escrito na norma culta e no registro formal (ou quase), apesar do diálogo
           com o leitor, com o uso de “você”.

           Atividade 5
                 Criação pessoal. O importante é lembrar que ajudar o aluno a dominar a norma culta
           é altamente democrático: é pensar que todos têm direito ao acesso a todos os documentos
           que se escrevem e se falam em norma culta e daí, ao acesso à produção de textos nessa
           norma, cujo domínio é um dos critérios de avaliação dos sujeitos, em muitas situações.

           Atividade 6
                 Opinião pessoal. O que se espera é que você seja bem sincero ao emitir sua opi-
           nião, uma vez que não é obrigado a gostar dos textos usados, nem se sentir à vontade
           com as experiências neles apresentadas.

           Atividade 7
                O texto lembra o gênero dramático (teatral), por ser dialogado.
94
           Atividade 8
           A – As misturas são do “tu” com o “vós” e “a senhora”, o possessivo “vosso” junto a
           “teu”. O uso da 2a pessoa do plural parece dar um tom solene, em momentos de drama-
           ticidade, que funciona de forma muito teatral.
           B – O texto fala em “curva da estrada”, em fazendas e gado. Pode-se imaginar que
           moravam numa fazenda, ou lugar afastado dos grandes centros.
           C – As pessoas não são letradas. A mãe fala “evém chegando”, a outra diz “ao depois”,
           por exemplo.
           D – Há palavras muito coloquiais e outras pouco comuns, como “mofina”, “plantas” (no
           sentido de “pés”). De novo, esse vocabulário ajuda a criar a dramaticidade do texto.

           Atividade 9
                A frase parece sugerir que “ o mundo dá muitas voltas”. Sugere que vai começar
           um novo movimento na história, contrário ao anterior. Prepara-nos para o retorno das
           personagens.

           Atividade 10
           A – A descrição retoma os traços da descrição da mulher no início, antes tão
           vivos e bonitos.
           B – Ela olha a mulher de cima para baixo: dos olhos, passa à boca, ao colo, até chegar aos pés.

                                                                                TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos



Atividade 11




                                                                                                          Unidade 2
A – Eles repetem as palavras do padre, prometendo amor, respeito e fidelidade, união até
“que a morte os separe”.
B – Há sempre uma informação separada sobre ele e outra sobre ela. As informações
não põem os dois juntos. Não são “eles”.
C – A informação sobre ele está sempre antes da referente a ela.
D – Só na última estrofe, ela aparece antes dele (ainda separados). É que, aposentado,
ele está em casa, no reduto dela, que é “a rainha do lar”.
E – a) Ela diz que não sai dos trilhos, o que não é forçosamente verdade.
b) Sim. Historicamente, o homem pode ter mais de uma família e pode até ostentar isso.
A mulher, se trai, não pode fazer isso às claras.
F – Não. Parece que cada um pensa ou sonha em acabar com a vida do outro. (Mas não
têm coragem para isso).
G – O verbo “fazer” sugere a simulação, uma pose apenas.
H – a) a sugestão é de monotonia, de um círculo vicioso, que o casal não pretende
verdadeiramente interromper, ou não tem coragem para isso.
I – a) “viver sob o mesmo teto”, “até que a casa caia”, “secar a fonte”.
b) Esse clichê sugere que o espírito conservador e “conformado” vai superar o desencon-
tro. Sugere que a vida conjugal pobre, em que a aparência de manter-se o casal é que                      95
interessa. O clichê é seguido sempre do “até”, que sugere em cada estrofe o fim de uma
etapa que possibilitaria uma mudança de vida que, obviamente, não vai acontecer.
J – a) O quinto verso das estrofes 1,2,3 e 4, por exemplo. “Sair dos trilhos”, “fazer
suspiro”, também são conotativos.
b) No texto expositivo, não é adequado criar muitas possibilidades de interpretação.
Portanto, aquele texto não deveria ter conotações (e, realmente, não tem).

Atividade 12
     Criação pessoal. Como se trata de externar uma posição pessoal, de valores,
não podemos sequer sugerir uma resposta. Seria interessante levar seu texto e
discutir essas vidas com os colegas.

Atividade 13
A – O pai parece achar que a preocupação com a gramática é menos saudável e mais
perigosa do que pensar em sexo.
B – A hipótese dele é perfeita, baseada na analogia: se palavras terminadas em “o”
fazem o feminino em “a”, o feminino de “sexo” deveria ser “sexa”. A criança conjuga os
verbos irregulares também segundo a analogia. Por isso, “fazi”, “cabeu” são proceden-
tes, no raciocínio dela.
C – O pai pensa mais em sexo como atividade sexual, enquanto o menino só pensa na
palavra como sinônimo de “gênero”.
Correção




           D – No final, a impaciência é clara (Agora chega. Vai brincar, vai.) Antes, ele até pede
           desculpa pelo tom. – Porque não! Desculpe. Porque não.
           E – Mais claramente, o narrador aparece em duas frases: O menino sai e a mãe entra. O
           pai comenta: Podemos dizer que ele aparece também nos travessões, que indicam a
           atitude do narrador de passar a palavra à personagem.
               O discurso direto é um bom expediente para o texto, porque torna muito real e
           verdadeiro o diálogo entre pai e filho.


           Atividade 14
           A – Repetições
           São muitos exemplos. Só a frase “como é o feminino de sexo” aparece muitas vezes.
           B – Retificações
           É, Não!
           É. Quer dizer... Não. Ou são!
           C – Emoção
           Os casos de impaciência, já citados. (O filho não parece alterar-se. Já o pai...)


           Atividade 15
           Resposta Pessoal. Exemplo:
96         A – Registro formal
           Situação: solicitação de informação a um senhor idoso.
           – Bom dia, senhor! Por favor, o senhor saberia me dizer como chegar ao Hospital da
           Cidade?
           B – Registro informal
           Situação: solicitação de informação a uma amiga.
           – Regininha, você sabe onde fica o Hospital da Cidade?


           Atividade 16
           A – As duas grandes imagens intercalam os três blocos de textos verbais. Na primeira
           imagem, as pessoas estão encobertas. Na segunda, aparece apenas o menino “invasor”.
           B – Aqui, não se pretende “acabar” (matar) os invasores, mas ocupá-los fora do quarto,
           com atividades que o farão crescer mais.
           C – O foto mostra apenas os pés de uma mulher e de um homem, Entre eles, “um
           montinho”, escondido debaixo das cobertas.
           D – É um Lego duplo, o que dá a impressão de que a criança vai ficar um bom tempo
           entretida com o brinquedo.
           E – O Lego, além de distrair a criança por muito tempo, trabalha com a inteligência dele. Não
           tem contra-indicação. Quer dizer: os pais podem ficar despreocupados na cama.




                                                                               TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Unidade 3
O texto como centro das
experiências no ensino da língua
Maria Antonieta Antunes Cunha




          Iniciando
          nossa conversa

     Caro Professor, cara Professora,
      Nas duas unidades anteriores, você deve
ter notado a presença constante de textos com
características bem diversas. Nesse trabalho,
procuramos não simplesmente apresentá-los a
você como um exemplo de pontos que esta-
vam sendo discutidos: tentamos sempre aju-
dá-lo a ampliar sua capacidade de interpretar
cada um deles.
      Essa opção pelo trabalho com texto não
é uma novidade absoluta: em muitos momen-
tos do ensino de línguas, o texto esteve presen-                                             97
te, pelo menos representado por um de seus
gêneros. Há muito tempo, com objetivos mais
ou menos pertinentes, em análises bem conduzidas ou não, os manuais didáticos, as
aulas de literatura, de “gramática” e de redação sempre apresentaram textos (pelo menos
certos gêneros de textos).
     Da mesma forma, não se trata de uma posição isolada de um grupo, caracterizan-
do um trabalho tipicamente nosso: o ensino-aprendizagem apoiado no texto é, hoje,
quase um consenso nos estudos de linguagem.
       Qual é a necessidade de uma unidade para tratar dessa questão? É que, nos estudos
mais recentes, não só o conceito de texto se ampliou muito, como também se modificou
significativamente o entendimento sobre os elementos a se enfatizarem no trabalho com
textos. Essa questão é, pois, central nos estudos que você está fazendo no GESTAR II.
Muitos assuntos apenas anunciados aqui serão aprofundados em outras unidades. Nestas
primeiras, estamos apontando o cenário dos estudos que vamos realizar juntos.
      Para esclarecer essas “novidades” com relação ao texto, dividimos nossa unidade
em três seções. A primeira, como sugere o título Afinal, o que é texto? , vai discutir com
você o próprio conceito de texto; a segunda, Por que trabalhar com textos, vai apresen-
tar-lhe sucintamente a linha de estudo que gerou uma nova atitude com relação à
necessidade de se trabalhar com textos; a terceira, Os pactos de leitura, vai pôr em cena
os interlocutores do texto, com seus objetivos.
      Obviamente, vamos usar muitos textos, que terão como pano de fundo sobretudo a
ética. Estamos torcendo para que você goste bastante deles!
Definindo nosso
               ponto de chegada

           Esperamos que, depois de nossas reflexões e da realização das atividades propos-
     tas, você seja capaz de:
     1 – conceituar texto ;
     2 – indicar as razões do estudo prioritário de textos no ensino/aprendizagem de
     línguas;
     3 – reconhecer os diferentes pactos de leitura dos textos.
          Desejamos-lhe uma boa leitura e um bom trabalho!




     Seção 1
98
     Afinal, o que é texto?

               Objetivo
               da seção

          Conceituar texto.

           Mais acima, ao lembrar o trabalho que sempre se fez em torno dos textos
     (algumas vezes, de modo precioso e absolutamente encantador), insistimos numa
     ressalva: pelo menos, alguns gêneros de textos estavam presentes. Essa ressalva tem
     razão de ser, uma vez que o conceito de texto era muito restrito.
          Se observarmos os livros didáticos de Língua Portuguesa, de qualquer nível
     de ensino, das décadas anteriores à de 1970, veremos que os textos ali apresen-
     tados indicam claramente a noção vigente na época: texto era uma unidade de
     comunicação entre autor e leitor. Então, o texto era, antes de mais nada, uma
     produção escrita.
           Por outro lado, essa comunicação era sempre verbal: o ensino de línguas se
     fazia por meio de comunicações criadas com palavras – o que parece uma atitude
     bastante razoável.
         Por fim, se analisarmos mais detidamente os textos estudados nessa época, va-
     mos ver que eles eram, em sua quase totalidade, literários.

                                                                    TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua




                                                                                                             Unidade 3
          Atividade 1


     Lembre a confusão, feita por professores e relatada na unidade anterior, entre lin-
guagem literária, norma culta e modalidade escrita da língua. Pensando que o objetivo
da aula de Português era essencialmente ensinar a ler e escrever, como se justificaria esse
ensino com uso de textos literários?




      A nova noção de texto tem a ver com um enfoque de linguagem que nem é mais
novidade: como já anunciamos nas unidades anteriores. Entender linguagem só como
sistema de sinais que estabelece a comunicação gerou uma percepção unilateral que
privilegiava o locutor, também chamado produtor, enunciador ou emissor.
     Nos estudos mais recentes, a linguagem é entendida como interação. Com a
opção pelo conceito de interação, os estudiosos querem sublinhar o que a linguagem
é na essência: uma ação entre sujeitos – o locutor e seu interlocutor, também chamado
co-enunciador, alocutário e mesmo receptor. A produção de significação depende                               99
desse trabalho coletivo de linguagem.

     Os sinônimos co-enunciador, alocutário, receptor são usados preferentemente
 por um autor ou outro. Alguns teóricos recusam os termos emissor e receptor, por
 considerarem que eles sugerem uma relação mecânica, sem levar em conta o que há
 de ação, trabalho, em cada acontecimento da linguagem. No entanto, muitos desses
 mesmos autores provaram que a emissão ou a recepção passivas são impossíveis. Por
 outro lado, esses termos continuam usados em trabalhos importantes e atuais que
 enfocam o ato da comunicação como interação. Assim, se eventualmente aparece-
 rem em nossas unidades, eles estarão sendo usados no mesmo sentido que interlocu-
 tores (locutor /enunciador e alocutário/co-enunciador).

     Fica mais claro agora por que essa ação entre interlocutores é obrigatoriamente um
processo de mão dupla: tão importante quanto o locutor é o interlocutor, percebido
agora como elemento ativo, na medida em que produz significado e reage ao enunciado
conforme a interpretação feita. Tal reação, por sua vez, é percebida ou imaginada pelo
locutor, que de algum modo a leva em conta, no momento da criação.
      Esses sujeitos participantes de uma interação, e que agem uns sobre os outros,
têm uma história, atuam num contexto social e ideológico. Nesse contexto, cada um
ocupa um lugar, e é desse lugar que produz e interpreta enunciados. ( Esse “lugar”
vai ser objeto da próxima unidade.) As interpretações diferentes dadas pelos interlo-
cutores a determinada comunicação decorrem dessa posição diversa, de onde cada
um “vê” a situação.
Afinal, o que é texto?
Secção 1




                          Atividade 2


               Relate a seguir um caso vivido por você no qual ocorreu um mal-entendido, devido
           a uma interpretação diferente dada a determinada fala.




                 A linguagem se constitui, portanto,    truturas disponíveis no sistema, mas es-
           nessa mão dupla da interação, que cria       colhendo as que lhe servem em deter-
           um “diálogo” sempre diferente entre in-      minada situação de interação. Essa cons-
           terlocutores, em função do contexto his-     trução se dá tanto na experiência oral
           tórico-social e de cada                                         quanto na escrita.
           momento da interlocu-
                                                                                 Nas condições es-
100        ção. Nesse sentido, um
           ato de linguagem nun-
                                        um ato de linguagem                peciais em que se dá
                                                                           cada interação, entram
           ca se repete, e cada in-      nunca se repete, e                muitos fatores extra-lin-
           teração tem uma unida-
           de de informação, ou          cada interação tem                güísticos e de diversas
                                                                           ordens que influem de-
           de significação, para os
           interlocutores.
                                          uma unidade de                   cisivamente na intera-
                                                                           ção. Não são somente
                Dessas conside-
                                         informação, ou de                 as “informações” vindas
           rações      decorrem         significação, para os              do corpo, da voz, do
           questões importantes                                            rosto dos interlocutores
           para nós. A primeira é           interlocutores                 (no caso das interações
           que é nesse processo                                            orais), mas também o
           de interlocução que a                                           conjunto de princípios,
           língua vai se construindo: por isso, como    conhecimentos, emoções que não estão
           vimos nas unidades anteriores, ela não       impressos na estrutura da língua e que os
           é um sistema fechado. Cada locutor vai       interlocutores carregam e vivenciam, no
           construindo a sua língua, a partir das es-   momento da interação.


                 Podemos, agora, apresentar o que entendemos por TEXTO: é toda e qualquer
             unidade de informação, no contexto da enunciação.

                 Ora, se essa unidade de informação pode dar-se, como vimos, na língua escrita ou
           na língua oral, uma primeira conclusão a que podemos chegar é a de que o texto pode
           ser oral ou escrito, literário ou não literário.

                                                                           TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua




                                                                                                                  Unidade 3
          Atividade 3


       “ Nas curvas do teu corpo capotei meu coração.”
                                     Frase de pára-choque de caminhão


A – Você considera que essa frase constitui um texto? Justifique.




B – Que característica ou recurso usado pelo autor chamou sua atenção, nessa frase?




          Atividade 4


     “Ela me contou o negócio do atropelamento…An… o menino ficou lá estendido…Cê                                 101
vê, em frente à escola e…diz que tinha uma porção de gente no portão. É. E ninguém fez
nada…absurdo, né? Mas diz que o motorista é filho de gente importante e que todo
mundo tem medo de dar a chapa do carro…não vão dizer que ele passou correndo
demais em frente da escola... Todo mundo ficou meio bobo, depois é que chamaram a
ambulância… Parece que o menino tá bem, graças a Deus. Na próxima reunião, vou lá,
ver se a gente começa uma campanha, pra envolver todo mundo, pra todo mundo
entender que tem de falar o que precisa falar… Imagina se fosse filho da gente…. Hem?
Que que cê acha?”
A – Por que podemos dizer que temos acima um texto?




B – O texto registra uma conversa entre pessoas bem próximas. Que traços importantes
da modalidade oral e do registro informal aparecem nele?
Afinal, o que é texto?
Secção 1




                          Avançando
                          na prática


                 Um bom trabalho de linguagem é propor a seus alunos que transformem
             esse texto oral em outro, escrito. Para isso, é importante estabelecer com eles
             que tipo de texto escrito se aproximaria mais do contexto oral em que aparece o
             primeiro. Possivelmente, uma carta seria a forma mais adequada para conservar
             a relação entre os interlocutores. Outro grupo pode fazer, a partir do mesmo
             texto oral, um texto informativo mais impessoal, como se fosse um aviso, ou
             uma pequena notícia de jornal. Nesse caso, as marcas muito pessoais não deve-
             riam estar presentes, não fariam sentido.
                   O trabalho poderia ter os seguintes passos:
                1. Leitura do texto oral. Pense que ele tem de ser igualmente preparado,
             para que as oscilações, as interrupções da linguagem oral fiquem bem ver-
             dadeiras.
                   2. Estudo do estudo, com perguntas em torno de sua oralidade.
                3. Proposta de produção: reapresentação do assunto, em carta , aviso ou
             pequena notícia de jornal. Pode ser em grupo ou individual.
                 4. Análise dos textos produzidos: sua adequação à intenção, a destinatários/
             leitores.
102
                   5. Reescritura dos textos produzidos, após os comentários e nova avaliação.




                          Recordando


                Não se esqueça de que, na oficina que faz sempre na conclusão das unidades pares,
           você deve apresentar o relato de uma das atividades do Avançando na prática. Vá pensan-
           do, desde já, nas possibilidades de aproveitar as que vamos sugerir nesta unidade.


                 Por outro lado, é indiscutível que a interação pode dar-se independentemente da
           linguagem verbal: uma tela , uma composição musical, um espetáculo de dança, um
           filme, uma história em quadrinhos podem ser vistos como “unidades de informação”
           num contexto interativo tanto quanto uma conversa entre vizinhos, uma coluna de jornal
           ou a leitura de um romance. Podem, por isso mesmo, ser considerados textos.


                 Temos, assim, o texto verbal, criado com palavras, e o texto não-verbal, criado
             por outras linguagens que prescindem da palavra. O desenho, a pintura, a fotografia,
             a música, a mímica são exemplos de linguagem não-verbal, embora possam eventu-
             almente usar também a palavra.


                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua




                                                                                                                 Unidade 3
          Atividade 5


      Você vai trabalhar agora com uma fotografia de um dos mais prestigiados fotógrafos
do mundo: o brasileiro Sebastião Salgado. Em todo o seu trabalho, sua máquina procura
registrar os marginalizados do Brasil e do mundo inteiro. Em Terra, as fotos são de
brasileiros na sua relação e luta pela terra e pelo trabalho. Observe as crianças e a
professora da fotografia e depois responda:




                                                                                                                 103




                                SALGADO, Sebastião. Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 114-115.

        A respeito da foto, que pertence à última parte do livro, intitulada A luta pela
terra, escreveu:
                Escola para as crianças do acampamento de Santa Clara, composto de
           650 famílias, ou seja, 2 500 pessoas. No início de abril de 1996, um dos
           camponeses desse acampamento foi assassinado por jagunços a serviço do
           proprietário da Fazenda Santa Clara, um latifúndio de 4 530 hectares.
                 Os professores das escolinhas são os próprios sem-terra. O material esco-
           lar indispensável é fornecido pelas cooperativas do Movimento dos Sem-Ter-
           ra, enquanto as mesas e bancos são feitos com madeira recolhida na caatinga
           próxima. Sergipe, 1996.
A – Cenas como essa, que apresentam muitos elementos envolvidos numa mesma situa-
ção, numa mesma atmosfera, são chamadas “cenas de conjunto”. Não há nelas a inten-
ção de focalizar em destaque um dos elementos, mas criar uma emoção quanto ao
ambiente . Você acha que a intenção funciona bem, nessa foto?
Afinal, o que é texto?



           B – Os alunos têm sua atenção ligada em coisas diferentes. Indique os interesses que
Secção 1




           aparecem na atitude das crianças.



           C – A fisionomia das crianças revela algum sentimento negativo?




           D – Uma única criança parece tensa, pelo menos naquele momento. Descreva-a.



           E – Por que há um grupo de crianças numa esteira, no chão?




           F – A precariedade das “mesas” atinge o grupo todo. Uma criança, no entanto, parece
           estar em maior dificuldade. Qual é?




104        G – Mesmo considerando a fotografia como uma denúncia ou um registro das más
           condições de vida, a idéia de dignidade e de esperança aparece aí. Que elemento ajuda
           a criar esse significado positivo?




                          Indo à sala
                          de aula

                Você pode trabalhar uma foto como essa em qualquer série. O enfoque é que deve
           mudar, conforme as experiências da turma. O importante é que os alunos, além de
           observar uma foto artística, possam verbalizar várias impressões em torno dela e percebê-
           la como um texto, uma vez que é uma unidade de informação. Um ponto a ser discuti-
           do é a despreocupação com o retrato de “gente bonita”, segundo o conceito mais tradi-
           cional. Também podem achar que uma foto em branco e preto não é bonita. Por isso, os
           alunos podem considerar a fotografia feia, sem interesse. Cabe a você mostrar como isso
           é uma possibilidade da arte, e que o autor tem intenções quando usa esses recursos.
           Discuta com eles: por que, nos desenhos animados, as pessoas podem ser “feias” e isso
           não nos incomoda? Nas séries mais adiantadas, a própria questão da reforma agrária, dos
           latifúndios, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra pode ser discutida e gerar pes-
           quisas interessantes. De novo, consulte seus colegas de outras áreas, para ver a possibili-
           dade de um trabalho interdisciplinar.


                                                                             TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua



     Desse modo, a noção de leitura também fica ampliada: é o processo de atribuição




                                                                                                           Unidade 3
de sentido a qualquer texto, em qualquer linguagem. Assim, falamos na leitura do
quadro, do filme, do espetáculo de dança, assim como do texto escrito ou da conversa
que acabamos de presenciar.


           Atividade 6


       Revisite as unidades 1 e 2 e, entre os textos ali usados, indique um que você
classificaria como:
A – texto escrito não literário:



B – texto não-verbal (de pintura ou desenho):




C – texto literário:




                                                                                                           105
           Resumindo


       As informações mais importantes desta seção foram:
       1- Todas as nossas interações se processam por meio de textos.
      2- Texto é toda e qualquer unidade de informação, no contexto da enunciação.
 Nesse sentido, os textos aparecem nas mais diversas linguagens, classificando-se em
 verbais e não-verbais.
       3- O texto independe de extensão.
       4- O texto verbal pode apresentar-se na linguagem oral ou na linguagem escri-
 ta.
      5- Leitura é o processo de atribuição de significado a qualquer texto, em qual-
 quer linguagem.

     Esperamos que tenha ficado claro o conceito de texto, para que você possa seguir,
sem atropelos e com prazer, a segunda seção.
Seção 2
      Por que trabalhar com textos

                Objetivo
                da seção

           Indicar as razões do estudo prioritário de textos no ensino/aprendizagem
      de línguas.

           A razão maior de se ensinar/aprender a língua por meio de textos decorre da
      própria conceituação de linguagem, de língua e de texto.
           O texto é a realização da linguagem e da língua, responsáveis pela interação.
            Enfatizamos já os objetivos do ensino-aprendizagem da língua: desenvolver nos
      alunos sua competência discursiva, que em última análise é a capacidade de compreen-
      der e produzir textos diversos, orais e escritos, em particular os de ampla divulgação na
      sociedade.
           Veja o que nos dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais:
            A importância e o valor dos usos da linguagem são determinados historicamente
      segundo as demandas sociais de cada momento. Atualmente, exigem-se níveis de leitura
      e de escrita diferentes dos que satisfizeram as demandas sociais até há bem pouco tempo
106   - e tudo indica que essa exigência tende a ser crescente. A necessidade de atender a essa
      demanda obriga à revisão substantiva dos métodos de ensino e à constituição de práticas
      que possibilitem ao aluno ampliar sua competência discursiva na interlocução.
            Nessa perspectiva, não é possível tomar como unidades básicas do processo de
      ensino as que decorrem de uma análise de estratos – letras/fonemas, sílabas, palavras,
      sintagmas, frases – que, descontextualizados, são normalmente tomados como exemplos
      de estudo gramatical e pouco têm a ver com a competência discursiva. Dentro desse
      marco, a unidade básica do ensino só pode ser o texto.
                     BRASil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do
                       ensino fundamental:língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental/ Brasília:MEC/SEF, 1998, p.23




                Atividade 7


      A – Segundo o texto acima, por que não podemos tomar como unidades básicas do
      processo de ensino os elementos lingüísticos que são níveis segmentados da forma-
      ção do texto?




                                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua



B – Segundo o texto, por que a valorização dos usos da linguagem não é sem-




                                                                                                            Unidade 3
pre a mesma?




C – Que tipo de dialeto e de registro são usados no texto acima? Justifique seu emprego.




     Se está claro que o texto tem de ser o centro de nossas atividades no ensino/
aprendizagem de Língua Portuguesa, outros pontos têm de ser enfatizados.
      A primeira questão a levantar é esclarecer que o texto deverá ser a base de
todas as atividades de linguagem. A capacidade do uso da linguagem deve desen-
volver-se nas suas quatro “faces”, certamente intimamente ligadas, mas que não são
a mesma coisa: ouvir, falar, ler e escrever. Isso significa que, tanto nos trabalhos de
compreensão quanto de produção de textos, as linguagens oral e escrita têm de ser
trabalhadas cuidadosamente.
     Mas não só isso: no desenvolvimento de conteúdos de análise lingüística, de
novo o texto é que deve ser acionado. Nenhuma classificação pode ser feita, a não
ser num contexto, que só é dado pelo texto em questão.

                                                                                                            107
          Atividade 8


       Observe esta outra frase de pára-choque de caminhão:
       É melhor um cachorro amigo do que um amigo cachorro.
A – Indique a palavra que funciona como adjetivo em cada expressão sublinhada.
a) cachorro amigo:

b) amigo cachorro:

B – Que palavras lhe parecem usadas num sentido figurado, conotativo?




          Importante


     Alguns estudiosos fazem uma diferença entre contexto, considerado como o con-
 junto de situações externas da interação, e o que chamam de cotexto, a situação
 lingüística, definida internamente no texto verbal. No caso acima, a posição das
 palavras é que determina, prioritariamente, a alteração de seu sentido.
Por que trabalhar com textos



                 Um segundo ponto importante a observar é que os textos devem ser bastante
Secção 2




           diversificados: sobretudo a partir de Bakhtin, tem-se insistido nas quase infinitas possibili-
           dades de construção/constituição dos textos. Isso é até fácil de compreender: se as
           interações não se repetem, e se o texto é a realização da interação, podemos dizer que
           o texto é também irrepetível.
                Com essa extraordinária diversificação, só poderemos realmente ajudar nossos alu-
           nos a desenvolver sua competência no uso da língua se os pusermos em contato com os
           mais diferentes textos em circulação no seu ambiente e na sociedade, tanto na modalida-
           de oral quanto na escrita.



                          Atividade 9


                   Faça aqui um depoimento pessoal e verdadeiro:
           A – Se você faz uso de um manual de língua portuguesa:
           a) Você explora textos diversificados do livro?



           b) Você acrescenta textos de sua escolha?


108
           c) Que tipo de texto você rejeita e qual você prefere? Por quê?




           B – Se não faz uso de manual, como se dá sua seleção de textos?




                 Outra questão substancial é a que diz respeito à forma de explorar o texto em sala
           de aula: freqüentemente, o texto é apresentado como exemplo de determinado item, ou
           como citação. Algumas vezes ele é trabalhado nas especificidades do seu gênero (propa-
           ganda, reportagem, poema) e raramente no que ele tem de único. É obvio que o simples
           contato com a diversidade de muitos textos já é um dado importante. No entanto, a
           interpretação do texto deve ir além de suas marcas mais gerais, ir mais fundo na busca de
           seus significados menos evidentes. Não estamos, com isso, afirmando que o texto tem de
           ser explorado com a mesma profundidade em qualquer turma: esse é um longo caminho
           a percorrer, mas sempre é possivel ir aguçando o olhar dos alunos para uma leitura cada
           vez mais sensível e crítica. Tomemos um exemplo.

                                                                               TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua




                                                                                                              Unidade 3
          Atividade 10


      Leia este trecho de uma novela infantil do gaúcho Antônio Carlos Hohlfeldt, jornalista,
professor e também autor de vários livros de literatura infantil e juvenil:

Porã
Por que a professora tinha feito
aquilo comigo? Eu sempre tive
muito orgulho de me chamar
Porã. A mãe tinha me dito que
Porã era o nome de um avô do
avô do meu avô, que tinha sido
muito valente, e que por isso eu
devia respeitar aquele nome e ter
orgulho dele. E eu tinha muito
respeito e levava aquele nome
com muito orgulho. Por essa ra-
zão, não liguei muito quando as
pessoas lá da cidade me deram
outro nome, “tu agora vais te
chamar Pedro”, me disseram.
Porque eu era Porã e, mesmo se
quisessem juntar os dois, Pedro                                                                               109
Porã, ou Porã Pedro, eu era
Porã, este nome era meu e isso
me alegrava muito.
      Mas, naquela manhã, a pro-
fessora perguntou meu nome, eu
respondi:
     - Porã, professora.
     - Rá,rá,rá !…
     A resposta das demais crianças me assustou. Eu daí não entendi mais nada e pensei
que era melhor dizer o outro.
     - Não, eu me chamo Pedro!
     E a professora parece até que adivinhou.
     -Tu te chamas Pedro Porã, não é?
     - É, sim, professora.
     E as outras crianças riram mais ainda.
     - Olha só, ele é um índio.
     - Lugar de índio é no mato!
     - Vai ver, ele fugiu da aldeia e os pais dele nem sabem!
Por que trabalhar com textos



                 - Professora, eu não vou ficar na aula com este índio, eu vou contar pra meu pai e
Secção 2




           ele não vai gostar, a senhora tem que botar ele pra fora.
                 Daí, eu não sei o que é que me deu, mas eu queria dar socos em todo mundo que
           estava perto de mim, fiquei muito triste, mas triste mesmo, e uma alegria pequenininha
           que eu tinha, até ela, sumiu toda e então eu corri até a mesa da professora.
                   - Professora, eu me chamo Porã, meu nome é Porã!
                 Eu gritei bem alto. Queria me esconder no vestido dela, como eu fazia às vezes
           com a minha mãe, mas ao mesmo tempo eu queria ter coragem de enfrentar todas
           aquelas crianças e dizer que não, que meu nome era outro, mas daí eu nem sabia mais
           direito qual era a verdade e não conseguia entender aquelas crianças que não eram do
           meu grupo. Então eu corri, corri mesmo, mas a minha alpercata trancou na mesa, ou na
           cadeira, não sei mais, e eu caí, fiquei esparramado todinho, com os braços pra frente, no
           chão de tábuas, e as outras crianças riram mais ainda, riam e batiam palmas, gritavam.
                   - Palhaço, pa-lha-ço!
                 Eu não sabia direito o que queria dizer aquilo, mas sentia que aquela palavra batia
           forte em mim e me doía mais do que o joelho quando tinha batido no chão. Então me
           levantei e sem nem pegar minha sacola com os livros corri de volta pra cá, pra aldeia.
           Agora, eu não quero mais voltar, porque na cidade e na escola as outras crianças não
           entendem que eu sou igual a elas. As crianças e a gente grande também, porque a
           professora não fez nada para me ajudar. Eles não sabem que índio pode sentir igualzinho
           a elas. Que no índio as coisas também podem doer igualzinho a elas. E eu disse tudo pra
           minha mãe, e disse pra meu pai, e disse também pras outras crianças aqui da aldeia, e de
           noite, quando os homens se reunirem na roda da fogueira, eu quero olhar bem para
110
           aquela fogueira e também dizer isso pra eles. Que eu tenho muita dor no fundo de mim
           e que eu não quero mais voltar para a escola.
                                           HOHLFELDT, Antônio C. Porã. Rio de Janeiro:Antares/ Brasília:INL, 1998, p. 7-10.


           A – Você acha que a narrativa em 1ª pessoa é adequada, no caso desse narrador? Justifique.




           B – O narrador-personagem põe as próprias crianças e a professora para falarem. Isto
           é: a narrativa tem também o discurso direto. Qual é o seu efeito sobre o leitor?




           C – Que características das sociedades indígenas aparecem nesse trecho?




           D – Por meio de que recurso se revela o culto à tradição?




                                                                                         TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua



E – A reação dos colegas de Porã revela um sentimento nascido com elas?




                                                                                                          Unidade 3
F – Quem representa bem a origem desse preconceito? Em que pontos o texto mostra isso?




G – Na situação narrada, quem mostra um pensamento democrático? Em que trecho
isso fica mais evidente?




                                                                                                          111
H – Sobretudo no último parágrafo, a narrativa apresenta muitas repetições. Você as
considera adequadas?




     Esse texto sugere a discussão de algumas questões fundamentais: o precon-
ceito, aqui representado na agressão verbal dos alunos, e a função da escola, que
deveria ser a de desenvolver nos alunos o sentimento da igualdade, o respeito e a
convivência com o “diferente”. A partir dele, a cultura indígena pode ser pesqui-
sada, além de questões históricas, como a perda de terras e a aproximação dos
indígenas dos brasileiros “brancos”. Sem dúvida alguma, esses assuntos, a serem
explorados em conjunto com professores de Ciências Sociais, podem fazer parte
de um belo projeto.
      Na nossa opinião, as perguntas feitas acima e que exploram alguns aspectos
da linguagem do texto não apresentam dificuldade maior para alunos de 5ª série.
Mas só você, diante das características de sua turma, é que vai sentir até onde
pode levar a interpretação do texto. Por outro lado, experimente ir mais longe,
não se deixe levar pela certeza ( sempre incerta) de que os alunos não serão
capazes de ir além.
Por que trabalhar com textos
Secção 2




                         Avançando
                         na prática


                 Experiemente estudar o texto com seus alunos de 5ª ou 6ª série. Se possível, leia
             o livro Porã, no qual o narrador-personagem conta as dificuldades que encontrou na
             tentativa de conviver com as crianças não-índias. Lembre-se de sugestões apresenta-
             das nas unidades anteriores quanto à preparação do texto, da leitura em voz alta até
             a escolha da apresentação do assunto e das perguntas que fará aos alunos. Propo-
             mos-lhe estes passos:
                 1. Pense na melhor forma de interessar os alunos no assunto do texto. Você pode
             acionar o conhecimento que eles têm sobre a vida dos índios, ou pode aproveitar o
             texto em um momento em que algum preconceito surgir na sala. Ou alguma notícia
             de jornal, como a morte de indígenas provocada por adolescentes.
                 Lembre aos alunos que o autor é gaúcho e relata fatos que ocorreram ou poderi-
             am ter ocorrido numa escola do Rio Grande do Sul, com indígenas que vivem no
             Sul. Por isso, as personagens usam o “tu” como forma de tratamento.
                   2. Leia o texto para os alunos, procurando realçar a emoção do narrador.
                3. Proponha o estudo do texto em grupos. Apresente-lhes as perguntas que po-
             dem ajudá-los na sua interpretação. Percorra a sala, enquanto eles discutem. Defina
             com eles um tempo razoável para terminarem o trabalho.
112              4. Peça ao relator de cada grupo que apresente as respostas. Discuta as respostas
             dos grupos para cada questão. Tenha o cuidado de ouvir e de dar a mesma oportuni-
             dade para todos os grupos.
                 5. Se os alunos tiverem uma dificuldade insuperável com relação a alguma
             pergunta, veja se é pertinente você mesmo dar as explicações devidas.
                  6. Conforme a turma e os entendimentos com outros professores, desenvolva um
             projeto em torno dos indígenas. Divida a turma em grupos e defina assuntos que cada
             um pesquisaria: a cultura indígena, sobretudo suas lendas; os atuais redutos indígenas
             no Brasil; o vocabulário indígena no léxico português; a visão que o brasileiro tem de
             seu irmão índio. Este último item pode ser pesquisado com uso de entrevistas, prepa-
             radas com a ajuda dos professores envolvidos no projeto. Ajude-os na procura de
             livros, filmes, fotos, reportagens, música sobre os índios e de objetos feitos por índios,
             às vezes disponíveis em sua região.
                 7. Dê um prazo razoável para a elaboração dos trabalhos e procure acompanhá-
             los de perto.
                 8. Concluídos os trabalhos, veja a melhor maneira de torná-los disponíveis para
             outras classes e para a comunidade: exposições, espetáculos, jornal (mural ou “im-
             presso”), tudo pode ajudar a comunidade a perceber com mais justeza as comunida-
             des indígenas. Se houver, em sua região, a possibilidade de contato com indígenas,
             tente levá-los à escola para entrevistas e depoimentos, garantindo que serão ouvidos
             com a mesma atenção, curiosidade e respeito dispensados a qualquer visitante que
             tenha uma experiência importante a mostrar para a comunidade.


                                                                               TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua




                                                                                                         Unidade 3
      Como último ponto a discutir, gostaríamos de lembrar que a proposta de traba-
lhar com textos variados inclui a exploração de textos não-verbais e os que misturam
mais de uma linguagem, como a propaganda, a composição musical, o filme. Neste
mundo pós-moderno, em que tudo vai perdendo seus contornos nítidos e tudo se
mescla, sons e imagens além da língua marcam as interações mais comuns do nosso
cotidiano. Devem fazer parte das nossas escolhas, para uso com nossos alunos.
Eventualmente, eles podem até experimentar expressar-se em uma dessas linguagens.
De todo modo, como interlocutores, fruidores, o contato com textos com outros
códigos deve ser constante.



         Resumindo



     Os pontos principais desta seção foram os seguintes:
     1- O ensino-aprendizagem de qualquer língua deve dar-se com o uso de
 textos, porque é por meio deles que pensamos e interagimos.
     2- O texto deve ser o centro de todas as atividades que envolvem o ouvir, o
 falar, o ler e o escrever.
    3- Da mesma forma, a análise lingüística só pode ser significativa para os
 alunos, se apoiada em textos que contextualizam cada uso do vocabulário e
 da morfossintaxe.                                                                                       113


     Será que está bem claro que é o texto que nos faz pensar, divertir, que, enfim,
enriquece nossas experiências e nos coloca no centro da vida?
     Então, passemos à próxima seção.
Seção 3
      Os pactos de leitura

                Objetivo
                da seção

           Reconhecer os diferentes pactos de leitura dos textos.

            Conforme já salientamos, em função das quase infinitas situações de interação, os
      textos são também muito variados. Cada um deles é criado a partir das intenções e das
      condições de produção de seu autor. Essas condições abarcam não somente seu conhe-
      cimento, suas emoções, expectativas e aptidões, como todo o contexto em que produz
      determinado texto: o interlocutor, a relação entre eles, o momento vivido, etc.
            A decisão de fazer um texto de certo tipo e não de outro (por exemplo: uma
      crônica de rádio, um cartão, uma notícia de jornal, um requerimento, um anúncio, uma
      charge, um poema) dependerá de todos esses fatores, que acabarão por definir também
      um suporte – base material em que se concretiza o texto: papel recortado e desenhado,
      jornal ou revista, formulário de uma instituição, cartaz, livro.
            Esse texto, criado para tal suporte, teve outro dado em mente: um interlocutor, mais
      ou menos definido, conforme o caso, mas sempre importante: afinal, trata-se da interação
      entre pelo menos dois sujeitos. Assim, a consideração do possível “leitor” é questão
114   primordial na construção do texto, embora nem sempre isso seja fácil.
            Em certos tipos de produção, temos a idéia bastante exata do nosso interlocutor.
      Numa carta (ou num telefonema) a um amigo ou parente, podemos contar com um
      conhecimento tão grande do outro que é possível brincar, deixar dados subentendidos,
      usar uma linguagem quase cifrada. Em outros casos, temos algumas idéias meio gerais:
      faixa etária, escolaridade, poder aquisitivo, nível cultural, sexo - e tudo isso pode definir
      formas de comunicação bastante diferentes.
            Em determinados casos, avaliar mal as características de um possível leitor e, por-
      tanto, a forma de abordá-lo gera problemas enormes. Para certos empreendimentos, isso
      pode ser fatal.


                Atividade 11


      A – Imagine a seguinte situação: dois bancos abriram uma linha de crédito à qual você
      se candidatou. Um mês depois, houve um comunicado no jornal de um dos bancos
      avisando aos candidatos que o crédito tinha sido suspenso. O outro lhe enviou uma
      carta comunicando a suspensão temporária e pedindo desculpas pela mudança ocorrida.
           Qual foi sua reação, quer dizer, sua leitura do comportamento do banco, num caso
      e noutro? O procedimento usado por eles alteraria sua relação com os bancos?




                                                                          TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua



B – Você é mulher e recebe em casa, no seu aniversário, dois arranjos de flores, com




                                                                                                            Unidade 3
cartões. Um está escrito a máquina, o outro está manuscrito e cheio de desenhos (simple-
sinhos, “sem arte” ). Como você reage aos dois cartões?




      No caso dos bancos, se você é cliente milionário(a), o do aviso no jornal pode
ter perdido uma conta alta. No caso dos buquês de flores, se você oscilava entre dois
amores, o bilhete pode definir a escolha do namorado, ou marido. Isso não é, defini-
tivamente, irrelevante…
     Isso significa que o locutor, mesmo sem querer, dá indicações de como preten-
de que seu texto seja lido. Em outras palavras, o locutor sempre tenta estabelecer
com seu interlocutor um “pacto de leitura”: de antemão, dá informações do que se
pode esperar do texto.
      O interlocutor, também com maior ou menor clareza, percebe essas “dicas” passadas
pelo texto. E o lê ou não, ou o lê de determinado modo, de acordo com seu interesse.

     Ainda que nosso raciocínio diga respeito a todo tipo de texto, vamos privilegiar,
 daqui para frente, textos que trabalhem, mesmo que não exclusivamente, com a
 linguagem verbal, uma vez que neles os “pactos de leitura” ficam mais claros.

    Vejamos com um exemplo concreto a importância de, em certos casos, se saber para
quem se quer falar. O autor tem seu alvo muito certo: sabe que leitor quer fisgar, e
                                                                                                            115
procura fazer isso com competência.


          Atividade 12


     Na Unidade 1, já trabalhamos com propaganda. Você sabe que sua intenção é
sempre influenciar o comportamento do interlocutor. Observe cuidadosamente o anúncio
na página a seguir, para depois responder a algumas perguntas sobre ela.
A – A publicidade se dirige preferencialmente a uma faixa etária .
a) Qual é ela?


b) Que expedientes usa a publicidade para aproximar-se desses "consumidores"?

                 escanear imagem pronta
c) A palavra “brother” tem um emprego muito feliz no texto. Por quê?



B – Na “chamada” da publicidade, há um jogo de humor. Qual é?
Os pactos de leitura
Secção 3




           C – Detenha-se nas figuras humanas.
           a) Elas aparecem em foto, desenho, pintura?


116        b) As figuras representam bem os consumidores pretendidos? Justifique.



                Se o locutor tem intenções, uma imagem de seu interlocutor, um contexto que
           estabelece as condições de produção de seu texto com relação ao interlocutor, temos de
           considerar dois pontos especialmente importantes: seus objetivos de leitura e seus co-
           nhecimentos prévios – o conjunto de suas experiências, não só de linguagem, mas tam-
           bém da vida.
                Pensemos em um exemplo bem prático: estamos na sala de espera de um consultó-
           rio médico. Os clientes são muitos. Há também muitas revistas à disposição deles: Veja,
           Caras, Amiga, Senhor. Há também alguns poucos livros, romances. Nessa situação, a
           demora é às vezes bem grande. No entanto, qual vai ser nossa primeira escolha?
                Bem, o mais provável é que mesmo os apaixonados por literatura, nessa situação,
           deixem de lado o romance: o tempo de espera pode não ser tão grande assim, e quere-
           mos naquele momento uma leitura “leve”, que não exija concentração maior, e que nos
           prenda o suficiente para “passar o tempo”, mas não nos impeça de largá-la, quando
           formos chamados para a consulta.
                 Por outro lado, alguns vão escolher primeiro o exemplar de Veja, outros vão optar
           por Caras, e assim por diante. Porque, mesmo numa leitura de distração que queremos
           fazer no momento, cada um escolhe a revista em função de seu gosto pessoal, de seu
           envolvimento com a leitura e com o mundo. É claro que em Caras você tem menos
           leitura verbal do que em Senhor ou Veja, e que em Caras você vai ler sobre um mundo
           bem diferente do que o que nos mostram as outras duas revistas.

                                                                          TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua



      Nesse sentido, o nome das revistas, como qualquer título, é sempre significativo,




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assim como a capa. Podemos dizer que as “dicas“ do autor estão , por exemplo, nas
chamadas da capa da revista, na imagem que aí aparece, mas vai além disso: ao longo
dos anos, a revista vai formando um conceito entre leitores (e até não-leitores), de forma
que já sabemos o tratamento que a revista vai dar a determinada questão. A simples
leitura de seu nome já funciona como “dica” para o leitor.



          Importante


     É claro que estamos simplificando, quando falamos de autor, no caso de revistas
 ou jornais. São muitos autores, em cada um deles. Mas, em qualquer desses veículos
 de comunicação (como também em rádio e televisão), há uma linha a ser seguida,
 um padrão na forma e no conteúdo das notícias, reportagens e demais seções, de tal
 modo que você pode reconhecer com bastante facilidade o "perfil", não só da emissora
 ou do jornal, como também de seu público.



          Avançando
          na prática


     Um excelente trabalho a ser desenvolvido com seus alunos é dividi-los em grupo
 e propor, a cada um, uma pesquisa sobre revistas, jornais e canais de televisão.                            117
 Escolham um assunto importante das últimas semanas e os grupos vão pesquisar como
 os seus veículos ( pelo menos dois) trataram tal assunto. As perguntas geradoras da
 pesquisa poderiam ser: os veículos são igualmente informativos? Apresentam com a
 mesma importância o assunto? São isentos? Definem claramente suas posições? Em
 princípio, planeje a trabalho da seguinte maneira:
     1. A partir do interesse da turma, escolham o assunto a ser pesquisado. Faça uma
 discussão preliminar, apresentando os antecedentes da questão focalizada.
     2. Por sorteio ou por escolha ( se não houver impasse), defina os veículos que
 cabem a cada grupo. Naturalmente, vale a pena saber os mais disponíveis na sua
 cidade, mas não se prender a esses, se não forem significativos.
     3. Utilizando exemplos concretos, mostre que muitas vezes o assunto tem reper-
 cussões em mais de um caderno do jornal, pode aparecer numa coluna humorística,
 numa charge. Essas outras formas de mostrar o assunto são às vezes mais indicadoras
 das posições do veículo do que a notícia ou a reportagem propriamente.
    4. Dê um prazo razoável para o trabalho, e nesse tempo procure acompanhar o
 que vem ocorrendo e resolver dificuldades.
     5. Marque a data da apresentação de resultados. Promova um debate entre os
 alunos sobre as conclusões a que cada grupo chegou. Dê, depois, sua opinião,
 refazendo raciocínios, mostrando outras interpretações possíveis, etc. É fundamental
 que as perguntas iniciais sejam respondidas. É importante, também, desenvolver nos
 alunos a noção de que todos nós temos posições e temos direito a elas. No caso dos
Os pactos de leitura
Secção 3




             veículos de comunicação, que também têm direito a posições, o que eles não podem
             é deixar de informar os diversos ângulos do assunto para que o leitor se posicione,
             conhecendo seus vários lados e versões.

                No caso da sala de espera, temos um motivo para ler: distrair, diminuir a tensão,
           algo desse tipo. Mas lemos com muitos outros objetivos, tão diversos quanto os objeti-
           vos de quem escreve: lemos para aprender, para escrever depois, para nos deleitarmos
           com um belo poema, etc. etc. Muitas vezes, os objetivos se misturam.
                 Conforme nosso objetivo, não só escolhemos textos diferentes para ler: temos
           atitudes e expectativas diferentes também. Temos formas diferentes de “entrar” num ro-
           mance, num editorial ou numa propaganda, por exemplo. Se no primeiro caso podemos
           (e devemos) nos deixar levar pela sedução da narrativa, e no segundo devemos procurar
           entender a lógica, estabelecer concordância ou discordância com seus pontos de vista,
           no último temos de nos armar com elementos para ver o “por trás” do discurso da venda,
           seja político ou de um produto qualquer. Mesmo com relação ao texto literário podem
           variar muito nossas disposições. Ler um poema não é exatamente igual a ler um conto,
           uma peça de teatro. A rigor, ler poemas de João Cabral de Melo Neto é diferente de ler
           poemas de Thiago de Melo, ainda que o sobrenome seja o mesmo.
               A outra questão relevante, da perspectiva do leitor, são os seus chamados conheci-
           mentos prévios.
                 Por exemplo, ao ler a propaganda do curso de inglês, você acionou uma série de
           conhecimentos prévios, da mesma maneira que o adolescente, alvo preferencial dela.
118        Esses conhecimentos dizem respeito à Língua Portuguesa e até ao Inglês, mas também
           têm relação com o que você sabe dos jovens. Por outro lado, sua própria relação com a
           Língua Inglesa pode ter aproximado ou afastado você da propaganda. Conhecimento e
           afetividade não andam separados.
                Os conhecimentos prévios é que criam certas expectativas diante de cada enun-
           ciado. Por isso mesmo, um bom texto costuma, desde o título, lidar com eles.



                          Atividade 13


                 Analise a capa de uma revista de seu gosto. Observe os assuntos que anuncia e
           como os anuncia. Veja se ela trabalha ou não com supostos conhecimentos prévios de
           seus leitores. Escreva abaixo suas observações principais.




                Freqüentemente, confundimos conhecimento prévio com informação correta.
           Os conhecimentos prévios, como os entendemos, nem são apenas “as informações”,
           no sentido de dados acumulados sobre determinado assunto, nem são obrigatoria-
           mente corretos.

                                                                          TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua



      Nossos valores e nossos sentimentos fazem parte desses conhecimentos. As cren-




                                                                                                             Unidade 3
ças, por mais absurdas que possam parecer, são conhecimentos prévios. Um livro, ou
uma discussão, podem destruir todos os conceitos que tínhamos sobre certo tema. De
todo modo, foi essa informação precária que criou o interesse e funcionou como ponte
para o novo.
     Podemos dizer , finalmente, o que são pactos de leitura.

     Pacto de leitura é um “acordo”, um “contrato” implícito entre o locutor e o
 interlocutor de um texto, por meio do qual cada um cria uma expectativa com
 relação ao que vai ser lido.

      Como vimos, o locutor cria o texto em função de determinados objetivos (quer
emocionar, criticar, “vender” uma idéia ou um produto), de dados sobre o interlocutor
pretendido, do espaço onde se instalará a comunicação: tudo isso dá pistas sobre como
o autor quer ser lido. O leitor, com sua biografia e seus objetivos do momento, escolhe
o texto em função das dicas que percebeu.
      Como pode ocorrer em qualquer contrato, que às vezes não é cumprido por uma das
partes, também com relação aos pactos de leitura nem sempre as expectavivas são atendidas.
Acontece de o locutor acenar com uma proposta que não se cumpre no texto, da mesma
forma que pode ocorrer de o interlocutor enganar-se na leitura das dicas do locutor.


          Importante

                                                                                                             119
     A diversidade de objetivos de leitura é tópico importantíssimo do ensino-
 aprendizagem de Língua Portuguesa. Seus alunos devem ser estimulados a perceber
 essas diferenças, para procurarem o material mais adequado em cada caso. A
 informação obtida em uma enciclopédia não é igual à de um dicionário, de uma
 revista especializada, ou de uma pesquisa sobre o assunto. Por outro lado, você
 precisa ter clareza sobre o que cobrar de cada leitura feita por eles.

      Professor, sua aula também é um texto (cheia de textos menores, como acontece
com os capítulos de uma novela). Nesse sentido, é essencial que seu texto não só leve
em conta os possíveis conhecimentos prévios dos alunos, como procure sempre acioná-
los, para que eles vejam com mais facilidade as ligações entre sua experiência e tudo de
novo que sua sala de aula lhes oferece.


          Resumindo


       A síntese que podemos fazer desta unidade, com vistas à nossa reflexão final , é:
     1- Uma vez que o texto realiza a interação, nas considerações sobre texto
 devem ser evidenciados os sujeitos dessa interlocução.
      2- Assim como o locutor , com suas intenções, imagina seu interlocutor e, em
 função do contexto específico, produz seu texto, o interlocutor, com seus objetivos e
 experiências, procura o texto que lhe serve em dado momento.
Os pactos de leitura
Secção 3




                   3- O pacto de leitura é um contrato implícito entre locutor e interlocutor quan-
             to à expectativa que cada um põe no texto: um, a partir dos recursos usados, do
             gênero, do suporte, informa sobre como pretende que seu texto seja lido; o outro, a
             partir de seus objetivos e de seus conhecimentos, imagina o que pode encontrar no
             texto escolhido.
                   4- Objetivos diferentes definem escolhas diferentes de textos e estratégias dife-
             rentes de leitura.
                   5- A diversidade de objetivos de leitura e de expressão dos alunos, assim como
             de seus conhecimentos prévios, exige do professor não só uma atitude aberta, com
             relação às suas possibilidades e preferências, mas também uma atuação no sentido de
             criar condições para a ampliação de conhecimentos e, portanto, de horizontes. Desse
             modo, os alunos terão opções cada vez mais numerosas e significativas de leitura e de
             expressão.
                  Essas experiências significativas já são um trabalho importante com a língua, e
             serão o ponto de partida para as análises lingüísticas a serem feitas.




120




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O texto como centro das experiências no ensino da língua




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Leituras sugeridas
CEALE. Professor-leitor,aluno-autor. Belo Horizonte: CEALE/Formato (Intermédio- v.III, ano
II, out/98).
      Produzida pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Faculdade de Educa-
ção da UFMG, a obra discute e orienta, em linguagem muito acessível, o ensino de
linguagem, centrando-se nas questões da produção de texto e sua avaliação.
FRANCHI, E. E as crianças eram difíceis...A redação na escola. São Paulo: Martins
Fontes,1993.
      Originalmente, uma tese de mestrado em Educação, esta obra apresenta uma refle-
xão muito interessante sobre como se processa e como poderia processar-se a produção
de textos na escola. Trabalhando com crianças chamadas “difíceis”, pelo seu contexto
social, a pesquisa da autora discute pontos importantes do ensino da linguagem.
GARCEZ, L.H.C. Técnicas de redação. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
      Esta obra, com bons fundamentos teóricos, pode ser lida com facilidade, em virtu-
de de sua organização clara, sua linguagem direta e exemplificação interessante. Aborda
tanto a leitura quanto a produção de textos.
TEBEROSKY, A. Aprendendo a escrever. Perspectivas psicológicas e implicações educa-
cionais. 3.ed. São Paulo: Ática, 1997.
      Embora mais dirigida às questões ligadas aos primeiros anos da escola, esta obra
apresenta muitas reflexões interessantes para os professores do ensino fundamental. Com                      121
a segurança de outros escritos seus, esta estudiosa apresenta uma bela reflexão ligada à
prática. Por isso mesmo começa com capítulos que exploram os saberes dos professores
e os dos alunos.
ZACCUR, E.(org.) A magia da linguagem. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A:SEPE, 2001.
      A obra é composta de cinco artigos que abordam tanto a leitura quanto a escrita,
criados por especialistas de projeção (a própria autora, João W. Geraldi, Magda Soa-
res, Sônia Kramer e Ana Luiza Smolka), além de uma “entrevista polifônica e virtual “
com Paulo Freire, trabalho feito a muitas (e competentes) mãos. (A entrevista é polifô-
nica porque apresenta muitas vozes e é virtual, porque na realidade não aconteceu em
vida de Paulo Freire: é baseada nas suas falas e posições, tantas vezes apresentadas em
seus textos.)
Bibliografia
      BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua
      Portuguesa/SEF. Brasília, 1997.
      DIETZSCH. M.J.M. Espaços da linguagem na educação. São Paulo: Humanitas, 1999.
      GERALDI. J.W. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
      WALTY, I. et all. Tipos de textos, modos de leitura. Belo Horizonte: Formato, 2000.




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                                                                      TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Ampliando nossas referências
      Como você já sabe, nas unidades ímpares, propomos-lhe a leitura de um texto “de
referência”, que lhe dê mais elementos para uma reflexão em torno da importância do
assunto da unidade para sua atuação como professor. O texto seguinte é parte do capítu-
lo inicial de um livro que trabalha pontos muito importantes sobre a leitura.


História de um conceito
No Dicionário Aurélio, a palavra leitura (do latim medievo lectura) significa ato ou
efeito de ler, mas também arte de decifrar um texto segundo um critério. O verbete
leitura da Enciclopédia Einaudi assinala que o termo leitura não remete a um conceito
e sim a um conjunto de práticas que regem as formas de utilização que a sociedade,
particularmente através da instituição escolar, faz dele. Leitura é, pois, conforme acen-
tuam Barthes e Compagnon nessa enciclopédia, uma palavra de significado vago, des-
lizante, que é preciso ocupar “por meio de umas sondagens sucessivas e diversas”,
segundo os muitos fios que tecem sua trama.
      Apesar do questionamento ao conceito fechado de leitura, vale refletir um pouco
sobre a etimologia da palavra ler, do latim legere, que pode nos ajudar a compreender
um pouco melhor essa prática. Numa primeira instância, ler significava contar, enume-
rar letras; numa segunda, significava colher, e por último, roubar. Observe-se que em
sua raiz a palavra já traduz pelo menos três maneiras, não-excludentes, de se fazer
leitura. Na primeira, soletramos, repetimos fonemas, agrupando-os em sílabas, pala-
vras e frases. É o primeiro ato da leitura, o primeiro estágio, correspondente à alfabeti-     123
zação. Já na segundo momento, o verbo colher implica a idéia de algo pronto, corres-
pondendo a uma tradicional interpretação de texto, em que se busca um sentido prede-
terminado. Ao leitor caberia apenas descobrir que sentido o autor quis dar a seu texto.
Ela colheria o sentido como se colhe uma laranja no pé. Nesse tipo de leitura é que se
busca sobretudo a mensagem do texto, seu tema. Aparentemente, o leitor não teria
poder algum, a não ser o de traduzir o sentido que estaria pronto no texto. Entretanto,
o texto não se apresenta ao leitor senão como uma proposta de produção de sentido,
que pode ou não ser aceita. Trata-se de um pacto de leitura que constitui o que deno-
minamos interação leitor/texto.
      Há ainda uma terceira instância, correspondente ao verbo roubar, que traz uma
idéia de subversão, de clandestinidade. Não se rouba algo com conhecimento e auto-
rização do proprietário, logo essa leitura do texto vai se construir à revelia do autor, ou
melhor, vai acrescentar ao texto outros sentidos, a partir de sinais que nele estão pre-
sentes, mesmo que o autor não tivesse consciência disso. Nesse tipo de leitura, o leitor
tem mais poder e vai, como diz Umberto Eco, construir suas próprias trilhas no texto/
bosque. Considerando a idéia de leitura como transgressão, De Certeau também com-
para o leitor a um viajante:

                 Bem longe de serem escritores, fundadores de um lugar próprio, herdei-
           ros dos lavradores de antanho – mas, sobre o solo da linguagem, cavadores de
           poços e construtores de casa -, os leitores são viajantes; eles circulam sobre as
           terras de outrem, caçam, furtivamente, como nômades através de campos que
           não escreveram, arrebatam os bens do Egito para com eles se regalar.
Como se vê, embora não tenha um sentido fixo, a palavra carrega significações que
      nos levam a encarar “sondagens sucessivas e diversas”. Dessa forma, a questão da leitura
      passa, necessária e simultaneamente, por:
           a) uma teoria do conhecimento, por envolver a relação sujeito/objeto do conheci-
      mento, isto é, a relação leitor/texto. Nesse caso, observa-se, por exemplo, o maior ou
      menor poder do autor e do leitor na construção de sentidos do texto. Enquanto na primei-
      ra metade do século XX considerava-se o autor como dono absoluto do texto, e ao leitor
      cabia detectar suas intenções a elas subordinando-se, atualmente, o leitor é considerado
      também um produtor de sentidos, relativizando, assim, os poderes autorais.
            b) uma psicologia/psicanálise, ao envolver estados e disposições psíquicas, consci-
      entes ou inconscientes, que determinam o ato de ler ou nele interferem. O ato de ler é
      motivado por um desejo e, ao mesmo tempo, atravessado pelo inconsciente. Isso signifi-
      ca que o leitor não controla todas as suas ações; antes investe no texto seus medos, suas
      angústias, suas fantasias, suas esperanças.
            c) uma sociologia, ao tratar das condições sociais determinantes do processo de
      produção de saber, que é a leitura. As marcas sociais não podem ser abandonadas pelo
      sujeito, seja ele o autor, seja o leitor, já que estes pertencem a um grupo social com seus
      valores, seus poderes, suas limitações e suas expectativas.
           d) uma pedagogia, ao considerar o desenvolvimento das habilidades de leitura no
      processo ensino/aprendizagem. Tal processo faz parte não só do cotidiano das escolas,
      como também da vida do cidadão em sociedades letradas e envolve sempre a escolha de
      uma trajetória. Enquanto vivemos, podemos desenvolver nosso universo textual com
124
      ajuda de outros leitores, num incessante processo de troca.
           e) uma teoria da comunicação, ao voltar-se para a formação de sentidos enquanto
      envolvedora de códigos, mensagens, emissão, contexto, além da recepção. A publica-
      ção de um texto implica uma relação de circulação e consumo em que importa refletir
      sobre para quem se escreve, para que se escreve e como se escreve.
            f) uma análise do discurso, ao englobar a textualidade, a coerência, a interação
      verbal e outros fatos próprios da língua em seu uso pelos grupos humanos. A organização
      interna do texto, sua relação com outros textos, suas dimensões político-econômicas são
      elementos essenciais do ato da leitura.
             g) uma teoria literária, quando se constitui como experiência estética.Chamando
      de literária a leitura tensionada na fusão entre o prazer e o estranhamento por parte do
      leitor, importa ressaltar a importância do trabalho da linguagem: criação poética tanto no
      ato da escrita quanto no ato da leitura.
            Todas essas abordagens se interpenetram e se apresentam historicamente defini-
      das, dependendo, pois, da época e da sociedade em que estão produzidas. Nesse
      sentido, é importante considerar algumas modalidades da prática de leitura em tempos
      e espaços diversos.
                           PAULINO, Graça et all. Tipos de textos, modos de leitura. Belo Horizonte: Formato, 2001, p.11-15.




                                                                                          TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua




                                                                                                           Unidade 3
Perguntas para orientar a leitura
e a discussão do texto de referência
A – Embora enfoque a leitura, o texto refere-se constantemente ao autor. Por que isso
ocorre, na sua opinião?




B – O que lhe sugere o envolvimento da leitura em tantas ciências ?




C – Como você pôde observar no texto, a leitura ultrapassa o campo da pedagogia.
Que contribuições para sua prática você encontrou nas outras abordagens?




D – Na sua opinião, o texto apresenta a percepção da leitura como interação? Justifique.




                                                                                                           125
Gestar II - TP 1
Correção das atividades
Gestar II - TP 1
O texto como centro das experiências no ensino da língua




                                                                                                            Unidade 3
Correção das atividades
Atividade 1
      Como é freqüente confundir norma culta com modalidade escrita da língua e com
linguagem literária, e como o objetivo do ensino/ aprendizagem era sobretudo ensinar a
ler e a escrever, é natural que se usasse basicamente o texto literário como caminho para
levar o aluno a “escrever”, o que ele só poderia fazer na norma culta.

Atividade 2
     Relato pessoal. De todo modo, seria importante que, no relato, alguém interpretas-
se de modo diferente determinada palavra, ou alguma coisa dita a alguém fosse tomada
como ofensa. (O caso pode ser cômico ou dramático).
Atividade 3
A – A frase é um texto, sem dúvida. Vale por uma declaração de amor; é um texto
amoroso, com uma clara relação com o contexto de caminhoneiro: os perigos da estrada
são os perigos do amor.
B – Chama atenção no texto o humor do autor, relacionando o corpo feminino aos
perigos da estrada, através de um elemento comum: as curvas.

Atividade 4
A – Temos aí um texto, sem sombra de dúvida. Há uma unidade de informação, num
contexto enunciativo muito claro.
                                                                                                            129
B – Nesse texto oral percebemos as reticências, com a suspensão momentânea da fala.
Temos as simplificações (tá, cê), distanciamento do formalismo (diz que, em vez de
dizem que; que que cê acha, em vez de o que você acha).

Atividade 5
A – Opinião pessoal. Em todo caso, é evidente que o autor quer mostrar um problema
(ou uma solução) que abrange muita gente, que todos têm o mesmo peso.
B – Alguns estão completamente absorvidos no seu trabalho (escrevendo, olhando algu-
ma coisa no quadro (?); outros estão acompanhando a ação da professora junto a um
grupo de crianças. Poucos (dois) “percebem” o fotógrafo.
C – Não. Nem mesmo as compenetradas nas atividades do caderno .
D – Uma criança ao fundo, a que olha para a máquina e parece a mais velha, é a única
que tem expressão triste, ou tensa.
E – Podemos pensar que são as menores. Parece que elas desenham.
F – A segunda menina à direita da foto está em pé. Pelo tamanho das outras ao seu lado,
temos a impressão de que a mesa é muito alta para ela.
G – A própria ausência de expressão de desconforto ajuda a criar a idéia de uma ação
que vale a pena. Mas talvez o dado mais importante para estabelecer uma impressão de
esperança seja a luz que aparece no meio da foto e se expande pela sala. É como se o
autor nos dissesse: nem tudo é escuridão. A própria “sala de aula” é uma esperança de
mudanças para melhor.
Correção




           Atividade 6
           A – texto escrito não literário: Porque seus pais estão se divorciando.
           B – texto não-verbal (de pintura ou desenho): a imagem do abraço de pai e filho.
           C – texto literário: Retrato de velho, Ciúme, Conta de novo a história da noite em
           que nasci.

           Atividade 7
           A – Porque a interação não se faz por meio de segmentos lingüísticos, mas por meio de
           unidades de informações.
           B – O uso da linguagem é histórico, e, como a história sofre mudanças, os valores do
           uso da linguagem também mudam.
           C – O texto foi construído de acordo com a norma culta e num registro formal. O motivo
           disso é o fato de o trecho fazer parte de um documento oficial, em que não cabe outro
           tipo de linguagem.

           Atividade 8
           A – a) cachorro amigo: o adjetivo é “amigo”.
           b) amigo cachorro: o adjetivo e “cachorro”.
           B – Têm sentido conotativo as duas usadas como adjetivos. O “amigo” está personifica-
130        do, e “cachorro” é uma metáfora.

           Atividade 9
                Nessa atividade, todas as respostas são pessoais, e dependem da sua experiência e
           suas posições. Importante mesmo é que seja um depoimento verdadeiro, para garantir
           uma boa discussão na reunião com os colegas e permitir avanços.


           Atividade 10
           A – A narrativa em primeira pessoa, que traz o narrador como personagem, e aqui
           personagem principal, possibilita passar para o leitor as emoções e a percepção de
           mundo da criança “sem intermediários”. Se fosse na 3ª pessoa, com um narrador “de
           fora”, não teríamos a impressão de tanta verdade .
           B – O discurso direto, possibilitando a fala de cada personagem (“pessoas”, na perspec-
           tiva do narrador-personagem), dá mais realidade e emoção à cena. (Não é à-toa que o
           teatro é tão envolvente: seu texto é só diálogo.)
           C – É claro o culto das tradições e das gerações anteriores, com a repetição do nome,
           pelo que significa de lembrança e respeito aos feitos da comunidade; a reunião à noite,
           que permite a fala de todos, o espírito de união.
           D – Em especial, a repetição, o encadeamento em ”o nome de um avô do avô do meu avô”.
           E – A reação das crianças revela um sentimento não nascido com elas (nenhum nasce
           com a gente), mas adquirido na convivência com o adulto, que , mesmo inconsciente-

                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
O texto como centro das experiências no ensino da língua




                                                                                                            Unidade 3
mente, pela ação ou por comentários, deixa transparecer seus preconceitos. Aqui, com
relação ao índio. A criança sabe que o pai não vai ficar satisfeito com a presença do
índio na sala, mesmo que isso nunca tenha sido aventado em sua casa.
F – A professora, que nada fez para mostrar os equívocos da reação das crianças.
G – O pensamento democrático, na história, é da criança indígena, sobretudo quando
fala na igualdade de sentimentos de índios e brancos.
H – O narrador-personagem quer enfatizar, marcar bem suas idéias e sentimentos, como
se uma vez não bastasse para os brancos entenderem o que ele sentia. A repetição é
muito apropriada.

Atividade 11
A – Resposta pessoal. Mas, em geral, a carta pessoal do banco funciona melhor , toca
diretamente o cliente. Em princípio, este vai se sentir mais próximo do banco que lhe
enviou a carta do que do outro.
B – É claro que as flores contam, os antecedentes também. Mas um cartão manuscrito
mostra que o remetente “tirou um tempo” para você, é muito mais pessoal. Enfim, o
julgamento é seu.

Atividade 12
A – a) A faixa etária preferencial da publicidade é o (e a) adolescente.
b) Já na chamada, o texto apela para a suposta “incompreensão” de que é vítima o                            131
adolescente. Essa “incompreensão” vai ser o ponto explorado em toda a publicidade. A
expressão “brother” é vocativo/tratamento comum entre os adolescentes. O vocabulário
é bem próximo deles (legal, por exemplo).
c) – A palavra “brother” é interessante no texto, porque , além do uso já apresentado
pelo adolescente, o curso é de inglês.
B – O humor já aparece na chamada, propondo que uma segunda língua vai ajudar
o adolescente a ser entendido, como se o problema fosse de “decodificação”. (É
claro que há uma sugestão de que uma pessoa que fala inglês consegue ser entendi-
da-valorizada).
C – a) As figuras humanas estão desenhadas esquematicamente, como imagens de
quadrinhos. Aparecem um menino e uma menina, alegres; na blusa, a inscrição em
inglês: “team”, como se no curso de inglês as pessoas formassem um time.
b) As figuras representam bem os adolescentes: o jeito descontraído, o boné do menino,
o rabo de cavalo da menina, as camisetas, tudo aponta para eles.


Atividade 13
     Pesquisa pessoal. Em princípio, uma revista feminina “puxa” para a capa o anún-
cio de problemas que supostamente elas apresentam, ou pelos quais estão interessa-
das. Uma revista masculina procede de maneira igual, as das crianças também: não só
acionam seus conhecimentos prévios, como acenam para “soluções” ou ângulos no-
vos do assunto.
Correção




           Respostas às questões sobre Ampliando nossas referências
           A – Como temos insistido, a leitura, como qualquer ato de interação, nos obriga a
           considerar os interlocutores. Assim, pensando sobretudo (mas não só) na leitura verbal,
           autor e leitor aparecem com sua importância, envolvidos na construção de significados.
           Escrever e ler são ações diferentes, mas complementares. A novidade dos estudos mais
           modernos é que antes o autor reinava sozinho nessa construção, e agora divide o trono
           com o leitor.

           B – O interesse de tantas ciências pelo campo da leitura só pode evidenciar a sua
           importância para o desenvolvimento humano, em qualquer perspectiva. Isso, sem dúvi-
           da, obriga a educação a ter olhos mais atentos ainda para o desenvolvimento das compe-
           tências da leitura e da produção de textos.

           C – Essa reflexão é bastante pessoal, e você pode dar mais importância a um campo ou
           outro. Mas será difícil não perceber o quanto cada um poderá ajudar você a entender
           melhor seu aluno como locutor e como interlocutor, suas condições e características, por
           exemplo. Aí, já estão indicadas a sociologia e a psicologia/psicanálise, mostrando sua
           ligação com a leitura.
           D – Essa resposta tem muito a ver com as demais, sobretudo com a primeira: o tempo
           todo, está clara a posição das autoras de que é no trabalho de construir significado para
           o que falamos e ouvimos, a partir de uma situação social, histórica e cultural dada, que
           se dá a leitura. Qualquer das abordagens, de algum modo, pode ser exemplo dessa
           forma de percepção das autoras.
132




                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Unidade 4
A intertextualidade
Maria Antonieta Antunes Cunha




          Iniciando
          nossa conversa

     Caro Professor, cara Professora,
      Depois de trabalhar, na unidade anterior, as questões relativas à conceituação e à
importância do texto, no ensino-aprendizagem de línguas, você vai estudar – mais prova-
velmente, retomar – um acontecimento constante nos textos, porque também é constante
nas nossas vidas. Um acontecimento que, apesar de ter existido sempre, somente foi
enfatizado nos estudos de linguagem mais recentes. Esse acontecimento é o diálogo que
cada texto faz com muitos outros, antigos ou contemporâneos, de tal forma que nenhum
texto emerge, absolutamente original, nas nossas interações.
     Podemos dizer que tudo o que pensamos, fazemos, falamos ou escrevemos
tem a ver com o que muitos pensaram, fizeram, falaram ou escreveram. Da mesma
forma, embora nem sempre tenhamos consciência disso, os textos que produzimos
são o resultado da influência maior ou menor, mais clara ou quase imperceptível,
de outros textos.                                                                          133
     O nome desse acontecimento é meio longo, mas consegue designar o que
pretende: as ligações entre-textos, a intertextualidade. Assim como é impossível
imaginar nossas vidas desligadas de todas as outras, é muito difícil pensar na comple-
ta desvinculação dos textos que produzimos dos demais, que circulam ou circularam
na nossa cultura.
      É desse fenômeno que vamos nos ocupar nesta unidade, procurando mostrar sua
presença não só no nosso cotidiano, como na produção artística. E, como, mesmo
levando em conta esse diálogo, criamos textos novos, vamos também abordar um
outro ponto primordial na consideração da leitura e produção dos textos: o ponto de
vista, expressão que já apareceu algumas vezes nas nossas unidades.
     Quando percebemos com clareza o processo da intertextualidade, o papel do
ponto de vista e as influências de ambos em nossa vida diária e no contato com as
obras de arte, a nossa leitura de mundo torna-se mais crítica e mais sensível, e criamos
melhores condições, também, de explorar o assunto desde cedo (com as adaptações
necessárias) com nossos alunos.
      Como sempre, dividimos nossa unidade em três seções. A primeira – O diálogo
entre textos: a intertextualidade – vai retomar o conceito de intertextualidade e mos-
trá-la como elemento constante em nossa vida. A segunda - As várias formas de
intertexualidade – vai trabalhar os vários tipos de intertextualidade: da citação à
paródia. A terceira – O ponto de vista – vai discutir o ponto de vista em todo tipo de
interlocução.
     Aqui também a Ética será o tema dominante nos textos desta unidade.
Definindo nosso
                ponto de chegada

            Ao final do estudo e atividades propostos nesta Unidade, acreditamos que você
      será capaz de:
      1 – identificar os traços da intertextualidade em nossa interação cotidiana;
      2 – identificar os vários tipos de intertextualidade;
      3 – identificar os pontos de vista nas diversas interações humanas.
           Esperamos que este trabalho seja tão proveitoso quanto divertido.




      Seção 1
      O diálogo entre textos: a intertextualidade
134
                Objetivo
                da seção


           Identificar os traços da intertextualidade em nossa interação cotidiana.


           Professor, é sempre complicado tentar imaginar o que se passou com nossos
      ancestrais, lá longe, no início da civilização. Mas não é absurdo supor que desde lá
      os homens exercem influência uns sobre os outros, e que somos hoje o que somos,
      para o bem e para o mal, como herança das muitas conquistas e dos muitos proble-
      mas que as gerações vão legando às seguintes.
           A história “mais recente” da humanidade, a partir da Antigüidade, vem mos-
      trando como homens e culturas são capazes de deixar marcas indeléveis para a
      posteridade. Pense na importância dos gregos e romanos, dos árabes, italianos, fran-
      ceses, em determinados momentos da nossa história. Pense na influência dos estadu-
      nidenses, hoje.
           Nada do que estamos comentando é novidade para você, obviamente. Mas
      queremos chamar sua atenção para algumas questões que têm a ver com tudo isso.
            O primeiro comentário que queremos fazer é que, estudando essas influências
      historicamente, costumamos achar que elas estão longe de nós, dizem respeito a
      figuras ligadas ao poder, às artes, às pessoas, enfim, que constituem a história oficial.
      Pois tudo isso tem muita relação com a nossa vida.

                                                                        TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
A intertextualidade




                                                                                                 Unidade 4
          Atividade 1


     Você acha que o atentado às torres gêmeas de Nova Iorque, em 11 de setembro
de 2001, teve algum reflexo na nossa vida?
      Dê sua opinião sobre esse tema, construindo um parágrafo de aproximadamente
10 linhas.




      De algum modo, muitos fatos do mundo inteiro repercutem na nossa economia,
nos nossos valores, na nossa cultura. No mínimo, você poderia dizer que a ampla cober-
tura do atentado nos informou sobre muitos países, pessoas e situações da política mun-
dial, interferiu na programação da televisão. Na verdade, muitos acontecimentos do
outro lado do mundo alteram, em alguma medida, nosso dia-a-dia.
                                                                                                 135
      Outro ponto a considerar é que não são apenas esses fatos “históricos” que contam,
nos rumos de nossa vida: fatos miúdos, do cotidiano só nosso, também são marcados por
influências diversas, exercidas por pessoas mais próximas de nossa vida, assim como
nossa atuação influencia outras pessoas. Enfim, atuamos sobre os outros e somos influen-
ciados pela atuação dos outros.


          Atividade 2


A – Relate um problema de sua escola ou de sua cidade que tenha sido solucionado
pelo empenho de muitas pessoas. Procure lembrar os primeiros a levantarem a questão
e como mobilizaram a comunidade até o problema tornar-se uma questão de todos.
O diálogo entre textos: a intertextualidade
Secção 1




           B – Você tem costume de citar ditados ou frases usados por alguém de seu relaciona-
           mento e que lhe parecem preciosos? Indique algumas (2 ou 3) dessas frases.




                          Avançando
                          na prática

                 Uma atividade bastante interessante e que dá margem a boas reflexões é solicitar
             aos alunos que observem a fala dos “mais velhos” da família, ou até da comunidade.
             Oriente-os da seguinte maneira:
                   1. Anotem os ditados ou frases que procuram dar algum tipo de ensinamento.
                 Se as frases tiverem palavras desconhecidas, peçam o significado para a pessoa
             idosa. Se usarem linguagem figurada (como uma palavra no lugar de outra), peçam
             que a pessoa idosa tente explicar esse uso.
                 2. O registro dessas falas é trazido para a sala e analisado por todo o grupo.
             Estimule-os a discutir o significado desses “ditados”; que tipo de ensinamento pro-
             põem, quais lhes parecem atuais; quais são ultrapassados e por quê.
                3. Se houver, na família ou mesmo na comunidade, um sistema muito rígido de
136
             “ensinamentos”, que não lhes permite qualquer tipo de discussão, ajude-os a pensar
             como lidar com essas posições.

                 Um último dado a registrar é o fato de que, sobretudo a partir do final do século XX,
           na época chamada de pós-moderna, os avanços científicos e tecnológicos, da indústria
           cultural e da chamada globalização marcam muitos, rápidos e simultâneos movimentos
           sociais e culturais, que têm traços marcantes, como:
                1 – A facilidade de reprodução das manifestações culturais: os equipamentos de
           cinema, de vídeo, de fotografia e gráficos tornam muito mais acessíveis todos os aconte-
           cimentos e as manifestações, artísticos ou não.
                 2 – O entrelaçamento dessas manifestações: nada mais pertence a um campo
           fechado: a arte, as ciências estão agora num campo que não é exclusivo e separado. Nas
           artes, por exemplo, os recursos de uma linguagem servem às outras manifestações. Aqui,
           unem-se música, teatro, vídeo num mesmo espetáculo. Ali, um filme se vale do roman-
           ce, da música, do desenho.
                 3 – Tais manifestações como expressões coletivas: cada vez mais, percebem-se tais
           manifestações como expressões coletivas. Nelas interferem muitas pessoas, e também são
           resultado de muitos outros trabalhos.
                 Essas características de nosso tempo tornam ainda mais fáceis a divulgação e a “apro-
           priação” das idéias do mundo inteiro. Voltamos ao ponto inicial: nossas produções acabam
           apresentando traços mais ou menos perceptíveis de muitas experiências humanas.
                   Se conhecimentos, ações e valores são em grande parte a herança das gerações

                                                                             TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
A intertextualidade




                                                                                                    Unidade 4
anteriores, ou resultam do acesso cada vez mais fácil ao mundo globalizado, o mesmo
podemos dizer de nossas interações e, portanto, dos textos que produzimos.
     Em todas as situações apresentadas até aqui, percebemos que a “voz” (quer dizer: a
experiência ou a expressão) de alguém, ou de uma comunidade, aparece no que faze-
mos ou dizemos. Em outras palavras: de maneira mais ou menos clara, em extensão
maior ou menor, nossos textos retomam outros textos.



          Atividade 3


      Indique abaixo expressões usadas por determinadas figuras públicas (da política, da
televisão, artistas etc.) e que você e outras pessoas passaram a usar. Apresente sua
opinião sobre a importância dessas frases, na nossa cultura.




     Em todos esses casos, estamos praticando a intertextualidade, que pode ser con-
 ceituada como a presença de outras vozes em um texto produzido.

     Como vimos, isso vale para qualquer tipo de texto ou experiência: a cultura é
essencialmente intertextual. As versões, adaptações e traduções de qualquer material são            137
formas de intertextualidade.
     Quando, na sala de aula, você retoma uma estratégia ou um método “criado” por
alguém, você está usando intertextualidade. Da mesma forma, é intertextual o projeto
que você cria com outros professores, em torno dos indígenas, no qual vão ser trabalha-
dos vários aspectos, com enfoques diferentes de cada área (Geografia, História, Arte-
Educação, Língua Portuguesa, etc.).
     Como você vê, a intertextualidade é muito mais antiga e muito mais freqüente e
abrangente do que podemos imaginar à primeira vista. A relevância de seu estudo vem
exatamente dessa abrangência e do diálogo que a caracteriza.




          Atividade 4

     Leia em seguida o texto de Millôr Fernandes.

      Millôr Fernandes é importante autor de textos poéticos e de teatro, além de jorna-
 lista de projeção nacional. Representante histórico de uma imprensa combativa, par-
 ticipou de projetos jornalísticos como O Pasquim, periódico de oposição da década
 de 60, e Bundas, tentativa de ressuscitar, de certa forma, o jornal anterior. Seus textos
 jornalísticos são marcados pela crítica e pelo humor, características que você vai
 poder observar agora.
O diálogo entre textos: a intertextualidade
Secção 1




           A raposa e as uvas
           De repente a raposa, esfomeada e gulosa,
           fome de quatro dias e gula de todos os
           tempos, saiu do areal do deserto e caiu na
           sombra deliciosa do parreiral que descia
           por um precipício a perder de vista. Olhou
           e viu, além de tudo, à altura de um salto,
           cachos de uvas maravilhosas, uvas grandes,
           tentadoras. Armou o salto, retesou o cor-
           po, saltou, o focinho passou a um palmo
           das uvas. Caiu, tentou de novo, não con-
           seguiu. Descansou, encolheu mais o corpo,
           deu tudo o que tinha, não conseguiu nem
           roçar as uvas gordas e redondas. Desistiu,
           dizendo entre dentes, com raiva: “Ah,
           também, não tem importância. Estão muito
           verdes.” E foi descendo, com cuidado,
           quando viu à sua frente uma pedra enor-
           me. Com esforço empurrou a pedra até o
           local em que estavam os cachos de uva, trepou na pedra, perigosamente, pois o
           terreno era irregular e havia o risco de despencar, esticou a pata e… conseguiu! Com
           avidez colocou na boca quase o cacho inteiro. E cuspiu. Realmente as uvas estavam
           muito verdes!
           Moral: a frustração é uma forma de julgamento tão boa como qualquer outra.
138
                                                                    FERNANDES, Millôr. Fábulas fabulosas. 13.
                                                                    ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1991, p. 118.



           A – Com que texto dialoga mais claramente o texto de Millôr Fernandes?



           B – Como de alguma forma o autor nos prepara para uma leitura diferente do
           texto original?



           C – Que diferenças você percebeu entre o texto original e este?




           D – Como o narrador estabelece a diferença entre fome e gula?




                Você já percebeu que, se está claro que podemos aproveitar o pensamento dos
           outros, está evidente também que esse aproveitamento pode acontecer de muitas manei-
           ras. Quando dizemos que alguém copiou uma idéia nossa, ou que torceu, distorceu,

                                                                             TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
modificou nosso pensamento, estamos mostrando que a intertextualidade pode apresen-
tar-se de várias formas, e é disso que vamos tratar na próxima seção.
     Antes, que tal resumirmos o que apresentamos até agora?


          Resumindo


     Intertextualidade é o que ocorre toda vez que um texto tem relações claras com
 outro, ou outros. É, portanto, um diálogo de um texto com outro.
    Esse diálogo , ou retomada de um texto, ocorre nas mais diversas situações e nos
 mais diversos tipos de comunicação, e está presente tanto nas manifestações artísticas
 quanto no nosso cotidiano. Isso acontece porque a cultura é claramente intertextual,
 quer dizer: ela sempre acumula ou retoma, de alguma forma, as experiências humanas.

     Preparado para estudar os diversos tipos de intertextualidade?




Seção 2
As várias formas da intertextualidade                                                     139

          Objetivo
          da seção

     Identificar os vários tipos de intertextualidade.

      Nem sempre é fácil classificar todas as ocorrências da intertextualidade, uma vez
que ela toma extensões e formas muito diferentes, na mesma medida em que o próprio
texto tem infinitas possibilidades de realização.
      Por exemplo: as adaptações para a televisão, o cinema e o teatro de determinado
romance podem ser mais ou menos fiéis ao original. Às vezes, a telenovela funde duas
ou três obras de um autor. Em outras casos, ela é “inspirada” em um romance: isso quer
dizer que o adaptador se sentiu muito livre para modificar a história, conservando dela
apenas alguns pontos, sua questão central ou algumas personagens.
    Em todo caso, há algumas formas bem identificáveis da intertextualidade, que pas-
samos a ver agora.


          Atividade 5


     Você conhece a história do Patinho Feio, com toda certeza, um dos contos infantis
mais populares em todo o mundo, escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen.
As várias formas da intertextualidade
Secção 2




                 Hans Christian Andersen (1805-1875) escreveu poemas, relatos de viagens e au-
             tobiografias, mas foram seus contos para crianças que lhe deram projeção, a ponto de
             ser considerado o nome mais importante da literatura dinamarquesa. Teve uma infân-
             cia e adolescência muito pobres. Sua personalidade extremamente sensível e a edu-
             cação rígida foram motivo de zombarias dos colegas jovens, o que desenvolveu nele
             uma insegurança que nem o reconhecimento de escritores famosos e o convívio com
             poderosos conseguiram diminuir. Alguns de seus contos mais famosos: Sapatinhos
             vermelhos, O soldadinho de chumbo, A sereiazinha.

                   Faça abaixo o resumo dessa história (O Patinho Feio) tal como você a conhece.




140




                 Possivelmente, o resumo que você fez é muito próximo da narrativa de Andersen.
           Bem simplificado, seria mais ou menos assim: O patinho, ao nascer, era muito diferente
           dos irmãos, maior e feio. Repudiado por todos, resolve fugir. Vai pelo mundo afora, até
           que encontra em um lago lindas aves brancas. Encantado, aproxima-se delas, quando
           percebe sua imagem refletida nas águas, muito parecida com a dos cisnes, que o aco-
           lhem como o mais bonito dentre eles.
                Você e nós fizemos com a história do patinho feio um tipo de intertextualidade
           chamada paráfrase. Trata-se da retomada de um texto sem mudar seu fio condutor, a
           sua lógica.
                 Quando alguém diz: “Parafraseando Fulano de Tal…”, está afirmando que vai se-
           guir o pensamento do autor citado. Quando você resume o capítulo da novela, ou conta
           uma piada que você acabou de ouvir, está usando a paráfrase.

                 Resumos, adaptações, traduções tendem a ser paráfrases. Paráfrase é o tipo de
             intertextualidade em que são conservados a idéia e o fio condutor do original.


                                                                           TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
A intertextualidade




                                                                                                Unidade 4
O patinho realmente feio
Era uma vez uma mamãe pata e um papai
pato que tinham sete bebês patinhos. Seis eram
patinhos normais. O sétimo, porém, era um
patinho realmente feio.
       Todo mundo dizia: “Mas que bando de
patinhos tão bonitinhos… todos, menos aque-
le ali. Puxa, mas como ele é feio!”
      O patinho realmente feio ouvia o que as
pessoas diziam, mas nem ligava. Sabia que
um dia iria crescer e provavelmente virar um
cisne, muito maior e mais bonito do que qual-
quer outra ave do lago.
     Bem, só que no fim ele era apenas um
patinho realmente feio. E, quando cresceu,
tornou-se apenas um pato grande realmente
muito feio. FIM.
 SCIESZKA, Jon. O patinho realmente feio e outras histórias malucas.
                       São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997.




              Atividade 6
                                                                                                141

A – Temos nesse pequeno conto um narrador-observador. Digamos que ele é até objetivo
demais: ao contrário do conto de Andersen, em que o narrador tem uma atitude muito
favorável ao patinho, aqui, a falta de ligação com a personagem é desconcertante. Atra-
vés de que recursos você percebe esse distanciamento?




B – Além de claramente dialogar com a narrativa de Andersen, há dentro da própria
narrativa acima um outro momento de diálogo com o conto clássico .
a) Qual é?



b) Esse dado lhe parece aumentar ou diminuir a decepção final?




C- Qual foi a única novidade que o crescimento trouxe para o patinho?
As várias formas da intertextualidade



                 Jon Scieszka é um escritor norte-americano de grande projeção. A maioria de
Secção 2




           seus contos reescrevem os clássicos infantis de um ângulo diferente e de forma sem-
           pre humorística. O seu A verdadeira história dos três porquinhos, por exemplo, é um
           divertimento.
                 Possivelmente, O Patinho Realmente Feio é muito diferente da história que você
           contou, um pouco antes: o fio condutor rompeu-se, com relação ao conto matriz. A
           idéia da compensação do sofrimento, da transformação, por exemplo, desaparece aqui.
           A narrativa original vem subvertida.
                   Neste caso, temos uma paródia.

                 Paródia é um tipo de processo intertextual em que o texto original perde sua idéia
             básica, seu fio condutor. A narrativa é invertida, ou subvertida. Freqüentemente, a
             paródia é crítica e questionadora.

                 A paráfrase e a paródia são processos intertextuais que abarcam o texto todo.
           Temos, ainda, um outro expediente que, mais do que dialogar com um texto, tenta
           apropriar-se do tom, da atmosfera, dos recursos de determinado gênero. Não se trata de
           se apropriar de uma história, mas de uma “fórmula”. Assim, um espetáculo teatral atual
           pode recriar o teatro ou o cinema chamado “chanchada”, um tipo de comédia feito no
           Brasil na década de 50, em geral musical, de muita ação e riso fácil, como no gênero
           “pastelão” de O Gordo e o Magro , ou Os três Patetas. Os Trapalhões aproveitam clara-
           mente esse humor-pastelão. É o tipo de intertextualidade chamado pastiche. Assim, no
           pastiche não se procura aproveitar uma personagem ou um fato específico. O interesse é
           aproveitar os recursos ou clima de outra obra.
142              Jon Scieszka tem uma série de narrativas de ação em que ele imita as novelas de
             aventura e de cavalaria: o Trio Enganatempo, que tem meios de voltar no tempo, vive
             na época do famoso Rei Artur e vive peripécias incríveis. Portanto, aproveitando a
             estrutura e as situações dos romances de cavalaria, Scieszka faz pastiches.



                          Atividade 7


                Releia o texto A raposa e as uvas e classifique o processo intertextual nele
           usado. Justifique.




                 Outros processos da intertextualidade dizem respeito a uma retomada de pontos
           específicos de determinado texto. Você não só conhece como explora todos eles. Vamos
           identificá-los.
                Lá atrás, pedimos que você indicasse ditados ou frases usados por alguém e que
           você próprio gosta de repetir.
               Nesse caso, você usou a citação, comum também nos trabalhos científicos, usada
           sempre que queremos comentar para comprovar ou para reprovar determinada idéia.
           Depois de expressões como “Bem diz minha mãe que…”, ou “Como dizia meu avô ...”,
           sempre surge uma citação.

                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
A intertextualidade




                                                                                                     Unidade 4
          Atividade 8


    Uma citação freqüente, que virou moda no campo da leitura, é a de Paulo Freire:
“A leitura do mundo precede a leitura das palavras”.
    Escreva abaixo como você entende essa citação.




      A epígrafe também é sua conhecida: é um texto, em geral curto, transcrito no início
de outro texto, para indicar que o pensamento desenvolvido nesse último tem a ver com
o outro, justifica-se a partir do outro. Ela ocorre tanto em textos literários como científi-
cos. É um tipo de citação, com a particularidade do espaço em que aparece. A própria
citação de Paulo Freire vira epígrafe freqüentemente.
      A referência, como o nome diz, é a lembrança de passagem ou personagem de um
texto. Quando alguém diz que se sentiu o “próprio Romário” ou “a própria rainha da
Inglaterra”, está se referindo a um jogador de futebol ou à rainha Elisabeth.
     A referência bibliográfica, que fazemos em nossos trabalhos, está relacionada tam-
bém com essa prática intertextual: estamos dizendo que lemos muito e que não estamos
sozinhos na exposição de nossas idéias. Quando dizemos que alguém é referência em                    143
alguma coisa, estamos afirmando que seu pensamento orienta a posição de outras pessoas.
     Existe ainda a alusão, que é o aproveitamento de um dado de determinado texto,
sem maiores explicitações. Como a alusão não indica a fonte, é um dado mais vago, e o
conhecimento do interlocutor é fundamental para percebê-la ou não.



          Atividade 9


     Em um dos textos da seção anterior há um caso de alusão. Identifique qual é.




      Vale lembrar que nem sempre temos a consciência de que estamos sendo “intertex-
tuais”, da mesma forma que o reconhecimento da intertextualidade pelo interlocutor
exige uma razoável “leitura de mundo”.
      Como sempre é possível ampliar as experiências e as leituras de nossos alunos, é
nisso que temos de apostar, na nossa prática pedagógica. É por isso que a diversificação
de atividades e de textos se torna crucial para nós.
As várias formas da intertextualidade
Secção 2




                          Avançando
                          na prática

                  Você tem muitos modos de trabalhar a intertextualidade na produção de textos
             de seus alunos. Levando em conta a experiência e a série de sua turma, você pode
             propor, por exemplo, a modificação de uma história (verdadeira ou não) que os alu-
             nos gostariam que fosse diferente. Pode ser uma notícia da imprensa ( televisão, rádio
             ou jornal). Proceda da seguinte maneira:
                  1. A partir da discussão de um texto ou de uma notícia, proponha que, em
             grupos, escolham uma situação ou uma história que gostariam que fosse diferente.
             Pode ser de um filme, livro, noticiário, composição musical, ou da própria vida deles.
                  2. Combine com a turma o que vão fazer com a produção de cada grupo: vão
             expor num painel, um grupo lê e comenta a produção do outro, vão primeiro entregar
             para você avaliar, para seus comentários em outro dia? (Tente variar as sugestões).
                  3. Em grupo ainda, os alunos vão planejar as mudanças que gostariam de
             promover na situação ou história escolhida. Ajude-os a planejar o texto, começando
             por anotar as idéias do grupo e discutindo-as . Depois, deve ser discutido o plano da
             produção: como vão fazer a introdução, o desenvolvimento dos fatos, até a conclu-
             são ou desenlace.
                   4. Definido esse plano, uma pessoa do grupo começa a escrever , lendo cada
             frase e cada parágrafo criados, para a avaliação do grupo.
                    5. Concluído o texto, ele deve ser lido por todos, depois do que podem ser
144          feitas alterações, tanto de conteúdo quanto de correção da linguagem.
                     6. Refeita a produção, ela chegará ao destinatário combinado pela turma.

                   Vamos resumir o que vimos nesta seção, sobre os vários tipos de intertextualiade.


                          Resumindo


                     1 – Os processos intertextuais que envolvem o texto inteiro:
                  a) paráfrase: acompanha de perto o texto original, como ocorre nos resumos,
             adaptações e traduções;
                   b) paródia: inverte ou modifica a narrativa, sua lógica, sua idéia central. Em
             geral, é crítica;
                 c) pastiche: procura aproveitar a estrutura, o clima, determinados recursos de
             uma obra.
                  2 – Os processos intertextuais pontuais, que retomam um ou alguns elementos
             do texto:
                   a) citação: consiste em apresentar um trecho, um dado da obra. O segundo
             texto procura deixar claro o texto original. No caso do texto verbal, o autor do
             original é indicado;


                                                                              TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
b) epígrafe: tem as mesmas características da citação, mas tem localização fixa:
 aparece sempre como abertura do segundo texto;
       c) referência: é a lembrança de passagem ou personagem de outro texto;
      d) alusão: é o aproveitamente de um dado de um texto, sem indicações ou
 explicitações.


     Depois de tantas retomadas do pensamento alheio, você pode estar se per-
guntando: onde fica a originalidade dos textos? Na perspectiva da intertextualida-
de, existe plágio?
     Bem, essas questões são muito importantes, e esperamos respondê-las na
próxima seção.




Seção 3
O ponto de vista

          Objetivo                                                                           145
          da seção

     Identificar os pontos de vista nas interações humanas.

      Por que, sempre dialogando com toda a produção cultural anterior, sempre criando
a partir de um texto original, também chamado matriz, dizemos que o ato de interação
(na sua realização – o texto) é um acontecimento irrepetível?
     Sabemos que o texto ocorre em determinada situação histórico-social e cultural, o
que significa dizer que está sempre exposto a transformações. Cada época e cada lugar
assimilam os acontecimentos da vida e os interpretam de acordo com seus próprios
dados. Isso, que ocorre com a sociedade, ocorre também com cada indivíduo.
      Portanto, o diálogo que o sujeito e a sociedade fazem com os textos de outra época
e outro lugar apresenta a maneira particular de olhar que têm tal sujeito e tal sociedade.
     Esse olhar peculiar define o ponto de vista. Vamos desenvolver mais essa idéia.
      O ponto de vista tem dois sentidos, um concreto e um abstrato. No sentido concreto,
ele indica o lugar real, físico, de onde você vê alguma coisa, que também ocupa um lugar.
      Faça uma experiência: sua casa tem muitos lados, quatro, no mínimo, sem contar o
telhado. Dificilmente esses quatro lados serão iguais: mesmo que a construção seja idên-
tica nos quatro lados – o que já é pouco provável –, sempre haverá em torno dela
plantas, ou cimento, ou a paisagem lá atrás, algum elemento que torne um lado diferente
do outro. Possivelmente, você gosta mais de um do que de outro.
O ponto de vista



                Imagine, agora, você no alto de um edifício de 30 andares: lá embaixo, tudo fica
Secção 3




           “achatado”, pequenino. No entanto, quando era bem novinho, começando a andar,
           você, como todas as crianças dessa idade, deveria achar que os adultos à sua volta eram
           gigantes. É que tudo que é visto de baixo para cima passa a impressão de ser maior do
           que na realidade é.


                         Importante


                  Os diretores de cinema, os fotógrafos, os pintores, que entendem muito bem
             dessas coisas, escolhem cuidadosamente de onde vão filmar ou pintar, para dar ao
             “leitor” a impressão de algum objeto ou pessoa muito grande ou muito pequena.
                 Em outras palavras, eles escolhem o ponto de vista, ou o ângulo de onde vão
             fazer o leitor ver determinada cena. Com isso, criam a sensação de força e poder, ou
             de insignificância e desamparo.
                 Aliás, a arte trabalha essencialmente com interpretações, e as grandes obras de
             arte estão sempre nos convidando a rever o mundo a partir de uma nova ótica.

               Assim como todos os seres animados ou inanimados têm lados, concreta-
           mente falando, os acontecimentos também podem ser observados de lados ou
           ângulos diferentes. O mesmo fato vai ser percebido, portanto, de maneira um
           pouco diferente, conforme o lugar de onde esteja sendo analisado.
146
                Imagine a cena de um atropelamento, numa rua movimentada de uma cida-
           de grande, cheia de apartamentos: dependendo da posição (direita, esquerda,
           atrás ou adiante) e da distância de cada prédio, da altura de cada janela, em
           relação aos envolvidos diretamente no acidente, as pessoas terão visto coisas que
           outras não viram.
                Tudo isso que estamos imaginando é bastante objetivo: os ângulos criam
           possibilidades de visão, mas também impedem outras.
                 Pense , agora, que o ponto de vista tem também um sentido abstrato: a visão
           que você tem de qualquer pessoa ou acontecimento, em decorrência da sua his-
           tória, de suas experiências ao longo da vida, de seus valores, pode ser totalmente
           diferente da de outra pessoa, que tem forçosamente outra história.




                         Atividade 10


                  Observe essa charge de Quino, cartunista já nosso conhecido.
                 É muito difícil fazer o que Quino consegue: num único quadro, mostrar com
           tanta clareza reações variadas, portanto, pontos de vista diferentes com relação a um
           fato ou cena.
                  Vamos interpretar a figura?

                                                                           TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
A intertextualidade




                                                                                                           Unidade 4
                                                                                                           147
                                    QUINO. Não me grite! Lisboa: Dom Quixote, 1985


A – O primeiro ponto a considerar é o aproveitamento de uma cena célebre do cinema,
com um dos diretores/atores mais importantes de todos os tempos, criador de uma perso-
nagem ao mesmo tempo lírica e poética, a que aparece na tela da charge.
a) Quem é o diretor/ator?


b) Quem é a personagem?


c) De que filme é a cena?



d) Que tipo de intertextualidade encontramos aqui? Justifique.




B – O que mostra a cena do filme?
O ponto de vista



           C – Na charge, percebemos três grupos reagindo à cena do filme. Observe os seguintes
Secção 3




           elementos:
           a) a localização dos três grupos;




           b) o preço de cada balcão;




           c) o aspecto dos balcões;




           d) o número de pessoas em cada balcão;




           e) o aspecto de cada grupo.

148


           D – A cena pertence a uma comédia. A própria cena é cômica, pelo inusitado, ou
           absurdo: o homem está comendo o cadarço da bota, como se fosse um macarrão. Por
           que os três grupos reagem à cena de modo tão diferente?




                 Os ângulos diferentes de ver o mundo e suas ocorrências devem nos ajudar a pen-
           sar e valorizar a democracia: se a mesma coisa tem muitos lados, não podemos simples-
           mente determinar que o lado que nós vemos é o melhor, muito menos o único. Essa é
           uma ilusão autoritária, que nos cabe combater.



                         Importante


                  Como professor, é importante que não só suas atitudes, mas também suas propos-
             tas, incentivem seus alunos a saírem do lugar onde estão para ocuparem o lugar do
             outro, para então tentarem enxergar as coisas de mais de um ângulo. Quanto mais cada
             um se deslocar, para tentar entender a lógica dos outros, tanto mais ele perceberá que
             tudo é relativo: é (ou parece ser) de determinado jeito, em relação a um ponto de vista.


                                                                              TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
A intertextualidade




                                                                                                                              Unidade 4
           Atividade 11


     Veja a situação interessante proposta por este texto.

O nome feio
Entrei para o seminário com 12 anos, me ordenei padre com 24, aos 30 dei baixa. De
modo que fui, boa parte da vida, um profissional de rituais de passagem, do batizado à
extrema-unção. Então, não gostaria de falar dos rituais mais clássicos.
    Gostaria de falar de certas liturgias pessoais, únicas. De bobos momentos em que
uma pequena, pobre coisa se deu, marcante para sempre.
       Meu primeiro nome feio. Uma vez, no seminário, um colega quase foi expulso
porque sugeriu, no piano, a possibilidade de um nome feio. No caso, muito feio mesmo.
É que numa tarde de domingo de chuva ele tocou os primeiros acordes de um tango cuja
letra, a certa altura, continha, segundo um dedo-duro pre-
sente, a palavra lupanar. Um nome muito feio mesmo. O
padre-diretor ordenou uma pesquisa da letra do tango; o
tal lupanar de fato pintava e o menino quase foi expulso.
Eu, que estava perto, fui chamado para depor e tergiversei
ao máximo. Eu já achava nome feio uma coisa muito bo-
nita. Tudo por causa do meu primeiro nome feio. Ele se
deu nos campos da minha infância, numa chacrinha per-
dida entre Lavras e Bagé, em pleno pampa gaúcho. Na                                                                           149
frente da casa. Embaixo de um sinamomo, mateavam al-
guns tosquiadores de ovelha quando lá no alto da coxilha
despontou um homem a cavalo. Um pontinho que veio crescendo, crescendo e chegou.
Era um gauchito desempenado, barba meio crescida, dentes muito brancos. Eu nunca
tinha visto o mar, mas me pareceu, menino, que aquele homem tinha vindo do mar.
Antes mesmo de apear, deu um toque no aba-larga, riu largo e esporeou:
     – Buenas tardes, fiadasputa.
     Eu achei aquela saudação tão leal, tão cristã, tão limpa e tão terna, que nunca mais
pude achar feio um nome feio. A não ser lupanar, cartório, inadimplência, essas coisas.
      MORAES. Carlos. Desliturgias. In Ritos de passagem de nossa infância e adolescência. São Paulo: Summus, 1985, p. 17.


    Carlos Moraes é gaúcho. Escreveu livros especialmente interessantes para turmas do
3º e 4º ciclos do fundamental, como A vingança do timão e Tidão, o Justiceiro dos
Pampas. Atualmente, dedica-se sobretudo ao jornalismo.
   Aqui, mesmo sem poder desfazer-se da vocação literária, o que ele faz é o relato de
uma passagem de sua vida.

A – A cena apresentada (e, portanto, o vocabulário do texto) traz claras indicações da
região do autor. Transcreva abaixo os elementos mais significativos disso.
O ponto de vista



           B – No incidente do seminário, considere:
Secção 3




           a) Os seminaristas exploravam “lupanar” como nome feio?




           b) O fato, na sua opinião, era digno de expulsão? Justifique.




           c) Que sentimento parecia ter o autor com relação ao denunciante?




           d) Você concorda com a opinião do autor, com respeito à saudação final? Por quê?




           C – Você concorda com a classificação do autor para nome feio? Justifique.
150




                         Avançando
                         na prática


                 Os acontecimentos de sua sala com toda certeza apresentam muitas possibilida-
             des de trabalho com a questão do ponto de vista. Conforme seja encaminhada, você
             tem aí uma excelente oportunidade de exercitar o debate, o poder de argumentação
             e sobretudo as atitudes dos alunos diante do diferente. Um outro procedimento que
             não pode ser esquecido, pelo envolvimento do prazer, é a leitura de obras literárias
             que enfocam as diferenças de pontos de vista. Se suas turmas são de 5ª ou 6ª série,
             sugerimos dois livros muito bons:
                  A) Flávio de Souza. Domingão jóia! Editora Companhia das Letrinhas.
                 O livro apresenta em cada capítulo o relato que uma personagem faz do passeio
             de uma família paulistana a uma praia da cidade de Santos: o menino, o avô, o pai,
             a mãe, a empregada, a vizinha, o cachorro. O resultado é uma narrativa muito engra-
             çada, com a perspectiva e a linguagem típica dos envolvidos. Se for possível, peça a
             cada aluno (ou grupo de alunos) que prepare a leitura de um capítulo, procurando o
             tom mais adequado para cada personagem.


                                                                           TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
A intertextualidade




                                                                                                   Unidade 4
     B) Jorge Amado. O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá - uma história de amor.
 Editora Record.
      Esta jóia narrativa fala do amor impossível e dos nossos preconceitos. Pela riqueza
 de recursos e tons, em que pontuam o humor, a poesia e certo erotismo, presentes nas
 melhores obras de Jorge Amado, sugerimos que você mesmo leia a história em capítu-
 los, a cada dia, lembrando sempre os cuidados que exigem esse tipo de leitura.
     Se seus alunos são de 7ª ou 8ª série, proponha-lhes a leitura de um conto excelen-
 te de Orígenes Lessa, abordando uma situação um pouco parecida com a de Dom
 Casmurro: o marido relata seus primeiros anos de casado e as suspeitas em torno do
 comportamento da esposa. O conto intitula-se Os viajantes e está publicado pela
 editora José Olympio na obra Um rosto perdido.
     Conforme o nível da turma, e devidamente acompanhados, os alunos poderiam
 ler o próprio Dom Casmurro, ou São Bernardo, de Graciliano Ramos.
     Poderiam também, depois da leitura e das discussões sobre as obras, produzir o
 relato de uma passagem de um dos textos lidos, utilizando outro ponto de vista.

     Lembramos, lá atrás, como os artistas – diretores de cinema, pintores, fotógrafos –
dão importância ao ponto de vista. De propósito, lá não mencionamos os artistas da
palavra: os literatos. Chegou a hora de dizer que esse assunto será abordado minuciosa-
mente mais adiante, quando tratarmos em especial de gêneros narrativos. Aqui, quere-
mos lembrar que, a literatura tem também a sua maneira de destacar determinados
ângulos das personagens e dos fatos: o autor da narrativa, por exemplo, cria um ser para
funcionar como o pintor, o fotógrafo, ou o diretor do filme. Trata-se do narrador, de quem         151
vimos tratando um pouco a cada unidade, através de quem “enxergamos” os
acontecimentos e os seres.

     O ponto de vista na narrativa ficcional é também chamado foco narrativo.

     E a originalidade? E o plágio?
     Esperamos que tenha ficado claro que o olhar diferente lançado sobre um texto cria
um texto diferente, em alguma medida, original.
      Se houver uma pura e simples cópia do texto, sem a agregação de nenhum ângulo
novo, nenhuma diferença (ainda que seja a síntese) significativa, então temos o plágio,
que pode ser mais, ou menos, consciente. Diante do plágio, o melhor é buscar o origi-
nal, ainda que para usá-lo em outro contexto, não é mesmo?



          Resumindo


     Esta unidade tratou de dois pontos importantes não só da história da nossa cultu-
 ra, mas também das nossas interações.
     A intertextualidade é a presença, subjacente ao nosso texto, de outras vozes e
 outros textos, com os quais dialogamos o tempo todo, mesmo sem ter consciência
O ponto de vista
Secção 3




             disso. Apesar de ser enfocada sobretudo nas artes e ser um estudo relativamente
             recente, a intertextualidade sempre esteve presente em todas as interações humanas.
                Os processos intertextuais são muito variados e nem sempre fáceis de classificar.
             No entanto, pela freqüência e algumas características mais constantes, podemos enu-
             merar como formas mais visíveis de intertextualidade: a paráfrase, a paródia, o pasti-
             che, a citação, a epígrafe, a alusão e a referência.
                A originalidade dos processos intertextuais deve-se muito ao ponto de vista ,
             questão das mais importantes em qualquer forma de interação.
                 O ponto de vista é o lugar ou o ângulo de onde cada interlocutor participa do
             processo de interação. Ele não revela simplesmente as posições do locutor: pode ser
             usado para criar posições e emoções no interlocutor.
                 Daí a importância de sua análise, quando estamos interpretando e avaliando as
             situações de comunicação. O trabalho com esses dois assuntos é fundamental, no
             sentido de tornar nossos olhos e ouvidos mais sensíveis e mais críticos com relação à
             própria vida.




152




                                                                            TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
A intertextualidade




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Leituras sugeridas
PAULINO, G. Literatura - participação & prazer. São Paulo: FTD,1988.
     Embora dirigida ao ensino médio, esta obra é extremamente interessante, no trata-
mento de questões de literatura. O capítulo sobre intertextualidade é muito atualizado e
apresenta exercícios que ajudam a discutir as noções mais importantes.
____& Walty, I (orgs.). Teoria da Literatura na Escola: atualização para professores de I e
II graus. Belo Horizonte: UFMG/FALE/Departamento de Semiótica e Teoria da Literatura,
1992.
      Essa obra enfoca, nos seus vários capítulos , questões muito importantes ligadas ao
trabalho dos professores , como , por exemplo, a seleção de leituras, a literatura nos
livros didáticos. O capítulo terceiro - Intertextualidade: noções básicas - é de fácil com-
preensão e trata mesmo dos pontos fundamentais do assunto.
FUNDESCOLA-SEED/MEC. O diálogo entre textos. In Proformação.Módulo II. Unidade
6. Brasília: 2000.
FUNDESCOLA-SEED/MEC. O ponto de vista. In Proformação. Módulo III. Unidade 3.
Brasília: 2000.
     Esses dois volumes , voltados para o ensino médio-magistério, apresentam muitas
sugestões de atividades que podem perfeitamente ser aproveitadas em sua turma. Vale a
pena conferir.

                                                                                                   153
Bibliografia
      BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiésvski. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
      CURY, Maria Zilda. Intertextualidade: uma prática contraditória. In Ensaios de Semiótica.
      n° 10. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 1982.
      PAULINO, Graça et all. Intertextualidades: teoria e prática. Belo Horizonte: Lê, 1997.
      SANT’ANNA, Affonso R. de. Paráfrase, paródia & Cia. São Paulo: Ática, 1985.




154




                                                                       TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
Correção das atividades
Gestar II - TP 1
A intertextualidade




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Correção das atividades
Atividade 1
      A resposta é pessoal. Conforme nossas experiências e nossas atividades, podemos
ver com mais clareza a questão. De todo modo, houve muitas mudanças de hábitos e de
comportamentos, por causa do ataque terrorista. Nas viagens sobretudo de avião viu-se
a mudança de revista, nos aeroportos. Muitas viagens foram canceladas. Há gente que
ainda tem medo de tomar um avião, ou de viajar para determinados lugares. A economia
também mudou em muitos lugares, e até hoje ainda se fala na alta de preços de muitos
produtos, também por causa desse acontecimento.


Atividade 2
A – Depoimento, relato pessoal. O importante é ficar claro que, quanto mais ampla for
a ação, menos haverá autores individuais, ou os “heróis”.
B – Citação pessoal. Da nossa parte, podemos citar dois ditados que marcaram nossa
vida. O primeiro: “Quem não tem competência não se estabelece”. Entendíamos duas
coisas. Não deveríamos dar um passo muito maior que as pernas, e , depois do compro-
misso, tínhamos de honrá-lo. O outro: “Muito riso é sinal de pouco siso”, que acabou
nos tornando “mais sérios”, talvez mais do que o necessário.


Atividade 3
      Lembrança pessoal. Pode ser citada, por exemplo, a tal frase do rapaz do Big Bro-          157
ther: “Faz parte…” Ou o “bordão” (frase que alguém repete, como sua marca) de Boris
Casoy: “Isto é uma vergonha!”
      Quanto à sua opinião sobre as frases lembradas, cabe a você refletir sobre elas e
expor seu pensamento. No caso das que nós lembramos, temos a seguinte opinião: a
primeira é apenas um modismo, surgido de um programa e de uma figura que passarão.
Não terão maior significação na nossa cultura. A frase de Casoy, ao contrário, vem sendo
usada há anos, e sempre de maneira muito pertinente. É pena que ele tenha de usá-la
tanto, com relação a fatos da sociedade brasileira, sobretudo políticos.


Atividade 4
A – Essa fábula está relacionada com outra de mesmo nome, que tem várias versões,
desde os gregos, passando por La Fontaine (francês) e Monteiro Lobato.
B – O título do livro parece dar uma indicação de que vamos ler fábulas “especiais”:
fabulosas tanto pode nos sugerir “excelentes” como “mentirosas”, mais que as outras. O
título é irônico, como as fábulas do livro.
C – A primeira grande diferença está na moral da história, que, na fábula antiga, é
“Quem desdenha quer comprar”. Na fábula “matriz”, a raposa não consegue pegar as
uvas, nem se esforça muito para isso. No texto de Millôr, a raposa se esforça, e até
consegue as uvas. Daí a frustração, sentimento que não aparece na primeira história.
D – É interessante a forma de indicar uma necessidade natural (fome) e o defeito, um dos
sete pecados capitais (gula) : uma tem quatro dias, a outra é de todos os tempos.
Correção




           Atividade 5
                Construção pessoal. A nossa, bem resumida, está no próprio texto.

           Atividade 6
           A – O narrador tenta a objetividade a partir do adverbial “realmente”. Quer dizer: não é
           uma opinião, é realidade, um “fato”.
           B – a) O narrador sugere que o patinho feio conhece o conto de Andersen, pelo que
           espera o final feliz.
           b) O final não é feliz, e a decepção fica subentendida, como se não coubesse a um
           narrador tão objetivo mencioná-la.
           C – Como ele ficou grande, sua feiúra ficou maior. O narrador usa o superlativo “muito
           feio” para indicar isso.

           Atividade 7
                Foi usada a paródia, uma vez que foi invertida a situação do texto original.

           Atividade 8
                 Produção pessoal. Gostaríamos que você não só dissesse que o processo de alfabe-
           tização é posterior e depende das várias experiências vividas pelo sujeito, mas visse a
           relação com a nossa unidade: lemos o mundo em função de pontos de vista, e em função
           das leituras anteriores.
158
           Atividade 9
                É a lembrança do patinho feio, com relação ao conto tradicional.


           Atividade 10
           A – a) O diretor/ator é o inglês Charlie Chaplin.
           b) A personagem é Carlitos, um mendigo meio trapalhão, meio sabido, meio poeta.
           c) A cena é de Em busca do ouro, e outra parecida está em Luzes da cidade.
           d) Temos aqui uma referência: por intermédio da imagem, há uma indicação da persona-
           gem e do filme. É preciso conhecer o filme e a cena para se divertir verdadeiramente
           com a charge.
           B – A cena mostra Carlitos , com fome, comendo o cadarço da bota, como se fosse um
           gostoso macarrão.
           C – a) A localização mostra uma posição diferente para cada grupo ver o filme: a de
           baixo é muito melhor do que as outras. A de cima é claramente desconfortável.
           b) O preço de cada balcão está indicando os três níveis de espectadores.
           c) O aspecto dos balcões é muito diferenciado: o de baixo é muito “bordado”, requinta-
           do, o que vai-se modificando até a simplicidade do de cima.
           d) O número de pessoas em cada balcão tem a ver com a “qualidade” do balcão: o mais
           caro tem pouca gente, porque é caro e porque essas pessoas “não se misturam”.

                                                                           TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
A intertextualidade



e) As roupas e os “cuidados” com o corpo vão diminuindo de balcão para balcão.




                                                                                                Unidade 4
D – A cena é muito mais cômica para quem não tem problemas na compra de alimen-
tos. Para os do último balcão, é como se a refeição de Carlitos fosse bem aproveitável.

Atividade 11
A – O texto fala do pampa gaúcho, de tosquiadores, de gente tomando mate. Além
desses nomes, há ainda coxilha, matear, gauchito. O diminutivo em –ito, mais comum
no Sul, pela proximidade com os países de língua espanhola. Por isso também, o “bue-
nas”, do espanhol.
B – a) Os seminaristas apenas cantavam uma música, a palavra não tinha nenhuma força
especial para eles. Possivelmente, nem saberiam seu significado, como acontece conos-
co, quando cantamos uma canção. Com as crianças, então, isso é comuníssimo.
b) A opinião é sua , e tem de ser respeitada. Na nossa opinião, a expulsão é um exagero
sem tamanho.
c) O termo “dedo-duro”, tão freqüente na época da ditadura, mostra o desprezo que o
autor tem pelo “delator” de uma insignificância.
d) O nome feio é um dos pontos mais complicados, na nossa educação. Você, portanto,
pode ter uma opinião diferente da do autor. Mas é comum que, em determinado contex-
to, o dito “palavrão” tenha até conotação positiva, amistosa. Um exemplo: em várias
partes do mundo, para desejar boa sorte na estréia de um espetáculo, é comum que os
amigos digam ao ouvido do artista: “Merda”.O cumprimento no relato era, de todo
modo, muito fraterno.                                                                           159
C – Nome feio é, pois, uma questão de opinião. A ironia do autor classifica como
“nomes feios” palavras que sugerem situações desagradáveis, e a própria palavra lupa-
nar, que tem sinônimos bem mais conhecidos.
Gestar II - TP 1
PARTE II

                TEORIA E PRÁTICA 1




LIÇÃO DE CASA
Gestar II - TP 1
Lição de casa 1

          Lição de casa


      Nas unidades 1 e 2, sugerimos-lhe, nos vários Avançando na prática, uma
série de atividades para você desenvolver com seus alunos. Escolha uma dessas
atividades para realizar com sua turma. Depois, escreva o relato da experiência e
entregue-o ao Formador, na próxima oficina, quando você vai também comentar a
atividade com seus colegas




                                                                                    163
Gestar II - TP 1
Lição de casa 2

           Lição de casa


      Você aproveitou pelo menos um Avançando na prática das unidades 3 e 4,
para realizar com seus alunos, não foi? Agora, faça por escrito o relato da atividade: o
que deu certo, o que não funcionou; a reação dos alunos; os objetivos alcançados.
Você vai entregar o relato ao Formador, na próxima reunião do grupo, para fazer a
oficina. Prepare-se para o relato se a discussão da experiência com seus colegas.




                                                                                           165
Gestar II - TP 1
PARTE III

           TEORIA E PRÁTICA 1




OFICINAS
Gestar II - TP 1
Oficina 1
Unidade 2


      Como você já sabe, ao final das unidades pares, apresentamos-lhe nossa proposta
para a oficina que você fará com seus colegas e com o Formador e que tem a duração
de 4 horas. Todas as atividades da oficina procuram levá-lo a discutir e aperfeiçoar a sua
prática pedagógica.
Parte I - (40 minutos)
Leve para a reunião da quinzena as questões das unidades que não ficaram claras para
você ou que considera passíveis de crítica e discussões. Inclua suas observações sobre o
texto de referência, lido na unidade anterior. Lembre-se de que vocês terão muitos assun-
tos a tratar. Seja, portanto, econômico e criterioso na escolha desses pontos.
Parte II - (40 minutos)
Comente com os colegas a experiência escolhida para realizar com seus alunos, entre as
sugeridas nos Avançando na prática das duas unidades. Você entregará ao Formador o
relato escrito dessa experiência.
Parte III - (120 minutos)
Desenvolva com seus colegas as atividades que propomos em torno da crônica abaixo.

A outra senhora                                                                              169
A garotinha fez esta redação no ginásio:
      “Mammy, hoje é dia das Mães e eu desejo-lhe milhões de felicidades e tudo mais
que a Sra. sabe. Sendo hoje o dia das Mães, data sublime conforme a professora expli-
cou o sacrifício de ser Mãe que a gente não está na idade de entender mas um dia
estaremos, resolvi lhe oferecer um presente bem bacaninha e ver as vitrines e li as revis-
tas. Pensei em dar à Sra. o radiofono Hi-Fi de som estereofônico e caixa acústica de 2
alto-falantes amplificador e transformador mas fiquei em dúvida se não era preferível um
tv legal e cinescópio multirreacionário e som frontal, antena telescópica embutida, mas
o nosso apartamento é um ovo de tico-tico, talvez a Sra. adorasse o transistor de 3 faixas
de ondas e 4 pilhas de lanterna bem simplesinho, levava ele para a cozinha e se divertia
enquanto faz comida. Mas a Sra. se queixa tanto de barulho e dor de cabeça, desisti
desse projeto musical, é uma pena, enfim trata-se de um modesto sacrifício de sus filhi-
nha em intenção da melhor Mãe do Brasil.
      Falei em cozinha, estive quase te escolhendo o grill automático de 6 utilidades
porta de vidro refratário e completo controle visual dão prazer uma semana, chateação o
resto do mês, depois encosta-se eles no só não comprei-o porque diz que esses negócios
eletrodomésticos dão prazer uma semana, chateação o resto do mês, depois encosta-se
eles no armário da copa. Como a gente não tem armário de copa nem copa, me lembrei
de dar um, serve de copa, despensa e bar, chapeado de aço tecnicamente subdesenvol-
vido. Tinha também um conjunto para cozinha de pintura porcelanizada, fecho magné-
tico ultra-silencioso puxador de alumínio anodizado, um amoreco. Fiquei na dúvida e
depois tem o refrigerador de 17 pés cúbicos integralmente utilizáveis, congelador caben-
do um leitão ou peru inteiro, esse eu vi que não cabe lá em casa, sai dessa?
Oficina




                 Me virei para a máquina de lavar roupa sistema de tambor rotativo mas a Sra. podia
           ficar ofendida deu querer acabar com a sua roupa lavada no tanque, alvinha que nem
           pomba branca. Mammy bate e esfrega com tanto capricho enquanto eu estou no cinema
           ou tomo sorvete com a turma. Quase entrei na loja para comprar o aparelho de ar
           condicionado de 3 capacidades, nosso apartamentinho de fundo embaixo do terraço é
           um forno, mas a Sra. vive espirrando, o melhor é não inventar moda.
                 Mammy, o braço dói, e tinha um liqüidificador de 3 velocidades, sempre quis que
           a Sra. não tomasse trabalho de espremer laranja, a máquina de tricô faz 500 pontos, a
           Sra. sozinha faz muito mais. Um secador de cabelo para Mammy! gritei, com capacete
           plástico mas passei adiante, a Sra. não é desses luxos, e a poltrona anatômica me tentou,
           é um estouro, mas eu sabia que a minha Mãezinha nunca tem tempo de sentar. Mais o
           quê? Ah, sim, o colar de pérolas acetinadas, caixa de talco de plástico perolizado, par de
           meias, etc. Acabei achando tudo meio chato tanta coisa para uma garotinha só comprar
           e uma pessoa só usar mesmo sendo a Mãe mais bonita e merecedora do Universo. E
           depois, Mammy, eu não tinha nem 80 cruzeiros, eu pensava que na véspera deste Dia a
           gente recebesse não sei como uma carteira cheia de notas amarelas, não recebi nada e te
           ofereço este beijo bem beijado e carinhosão de tua filhinha Isabel.”
                                                  ANDRADE, C.D. de. Cadeira de balanço. Rio de Janeiro: Record, 1996, p.143-146.




           Estudo do texto
           Depois da leitura, em grupos de no máximo 3 pessoas, discuta e responda às questões
170        abaixo. Se acharem interessante, podem juntar duas perguntas em uma só resposta. Elas
           têm o objetivo de chamar a atenção de vocês para alguns pontos, e eles nem sempre são
           independentes. Escolham um relator, para apresentar as posições do grupo, no momento
           da discussão em conjunto.
           A – Sua expectativa e a de seus colegas, com relação à linguagem, foi correta?
           B – Mesmo com relação ao registro da criança, a carta apresenta uma evolução muito
           interessante. Observe as mudanças principais que vão ocorrendo na carta, com relação
           ao tratamento, aos presentes, etc.
           C – Além do dialeto/registro da criança, a carta mostra traços de outros.
           a) Quais são?
           b) Qual a intenção desse uso?
           D – Que efeito criam no leitor dois níveis tão diferentes de linguagem?
           E – Vocês já devem ter apontado que a carta apresenta “problemas” de pontuação. Vocês
           os atribuiriam exclusivamente ao fato de se tratar de uma criança que ainda não domina
           todos os elementos da escrita?
           (Pensem no material que ele utiliza para “comprar” o presente”.)
           F – Vocês acham que a criança domina o vocabulário técnico presente na sua carta? Dê
           exemplos que confirmem sua opinião.
           G – E vocês dominam esse vocabulário? Nas propagandas, que intenção tem essa lingua-
           gem técnica?

                                                                                         TP1 - Linguagem e Cultura - Parte III
H – Na sua opinião, que intenção teria o autor, ao fazer essa crônica?
I – Independentemente de sua opinião, parecem claras duas críticas do autor. Quais são
elas?
J – Além do humor e das críticas, bem ao jeito de Drummond, há uma valorização
bastante interessante aí. Qual é?
L – Afinal, vocês observaram no texto uma mistura de gêneros (a crônica que é uma
carta), de dialetos e de registros. A que conclusões vocês chegam, com relação:
a) a cada realização momentânea da língua?
b) à construção do texto literário?
M – Qual sua opinião sobre essa crônica? (Procurem dizer sinceramente por que gosta-
ram ou não do texto.)
Parte IV - (20 minutos)
Avaliação da oficina, a partir do alcance dos objetivos e das atividades realizadas.
     Discuta com colegas e Formador os pontos positivos e negativos da oficina. Se for o
caso, faça sugestões.
Parte V - (20 minutos)
O que nos espera, na próxima unidade.
     Você e seus colegas acabaram de ler uma crônica de Drummond, na qual ele se
faz passar por uma garotinha que, segundo os critérios mais rígidos, apresenta pro-
blemas de escrita.                                                                         171

      Para já começarmos uma preparação para a próxima unidade, cujo título é Os
textos como centro do ensino da língua, sugerimos a seguinte discussão:
     Você trabalharia essa crônica com seus alunos de 5 a a 8 a séries? Justifique
sua opinião.
Oficina 2
      Unidade 4


            Como sempre, após o estudo das unidades pares, você e seus colegas se reúnem
      com o Formador para realizar uma oficina que retoma as questões da prática pedagógi-
      ca, a partir dos dois últimos conteúdos.
           São seus objetivos:
           1 – Rever e sistematizar as informações essenciais em torno do uso do texto no
      ensino da língua (incluindo a intertextualidade).
           2 – Avaliar a prática docente, com relação a atividades ligadas à leitura e à produ-
      ção de textos.
           Sabemos que algumas atividades da oficina já estão indicadas:
      Parte I (40 minutos)
      Discussão dos pontos que apresentaram dificuldades de entendimento, ou que lhes pare-
      cem merecer um comentário, pela relevância ou pela discordância de pontos de vista.
      Aqui, a própria escolha do tema dos textos pode ser avaliada, assim como o texto de
      referência da Unidade 3. Não se esqueça de que seus colegas também trarão dúvidas e
      comentários. Por isso, selecione suas questões mais importantes para discussão.
172
      Parte II (40 minutos)
      Relato da experiência desenvolvida com sua turma de uma das sugestões feitas, nas duas
      últimas unidades, no item Avançando na Prática. Lembre-se de que o relato escrito será
      entregue ao Formador, para posterior comentário.
      Parte III (120 minutos)
      Sugerimos que você com mais dois colegas façam o plano de uma atividade de leitura do
      texto abaixo, relacionando-o com o assunto de nossa unidade. Proponha também uma
      produção de texto.


      A língua
      Um senhor de muitas posses e pouca sabedoria chamou seu servo mais velho, homem
      de poucas posses e muita sabedoria, e ordenou-lhe que fosse ao açougue e lhe trouxesse
      o melhor bocado de carne que encontrasse. O servo foi, e voltou trazendo uma língua,
      com a qual foi preparado um fino jantar.
             Alguns dias depois, o senhor ordenou a seu servo que fosse novamente ao açougue e lhe
      trouxesse o bocado de carne mais ordinário que encontrasse, para alimentar os cães. O servo
      foi, e voltou trazendo uma língua. O senhor, que era um homem de muitas posses e pouca
      sabedoria, enfureceu-se:
           –    Mas, então, para qualquer recomendação que dou me trazes sempre uma
      língua?


                                                                         TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
– O servo, que era um homem de
poucas posses e muita sabedoria, res-
pondeu:
     – A língua, meu senhor, é o me-
lhor pedaço quando usada com bon-
dade e sabedoria, e de todos o pior,
quando usada com arrogância e male-
dicência.
     Língua (Fábula da tradição judai-
ca). In Fábulas… em Cartão Postal.
Belo Horizonte: Autêntica. s/d.
Parte IV (20 minutos)
Avaliação da oficina, a partir do alcan-
ce dos objetivos e do interesse das ati-
vidades propostas.
Parte V (20 minutos)
O que nos espera, no próximo TP?
      O próximo TP trabalha os conteú-
dos de leitura e produção de textos. Que
aspectos desses dois assuntos você con-
sidera mais importantes discutir, para aperfeiçoar a sua prática pedagógica?

                                                                               173
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Gestar II - TP 1

  • 1. LÍNGUA PORTUGUESA LÍNGUA PORTUGUES GESTAR II PROGRAMA GESTÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR GESTAR II LINGUAGEM E CULTURA – TP1 PROGRAMA GESTÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR Ministério da Educação GESTAR II
  • 2. Presidência da República Ministério da Educação Secretaria Executiva Secretaria de Educação Básica
  • 3. PROGRAMA GESTÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR GESTAR II FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DOS ANOS/SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL LÍNGUA PORTUGUESA CADERNO DE TEORIA E PRÁTICA 1 LINGUAGEM E CULTURA
  • 4. Diretoria de Políticas de Formação, Materiais Didáticos e de Tecnologias para a Educação Básica Coordenação Geral de Formação de Professores Programa Gestão da Aprendizagem Escolar - Gestar II Língua Portuguesa Guias e Manuais Organizadora Autores Silviane Bonaccorsi Barbato Elciene de Oliveira Diniz Barbosa Especialização em Língua Portuguesa Universidade Salgado de Oliveira/UNIVERSO Autores Cátia Regina Braga Martins - AAA4, AAA5 e AAA6 Lúcia Helena Cavasin Zabotto Pulino Mestre em Educação Doutora em Filosofia Universidade de Brasília/UnB Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP Professora Adjunta - Instituto de Psicologia Leila Teresinha Simões Rensi - TP5, AAA1 e AAA2 Universidade de Brasília/UnB Mestre em Teoria Literária Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP Paola Maluceli Lins Mestre em Lingüística Maria Antonieta Antunes Cunha - TP1, TP2, TP4, TP6 Universidade Federal de Pernambuco/UFPE e AAA3 Doutora em Letras - Língua Portuguesa Professora Adjunta Aposentada - Língua Portuguesa - Faculdade de Letras Ilustrações Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG Francisco Régis e Tatiana Rivoire Maria Luiza Monteiro Sales Coroa - TP3, TP5 e TP6 Doutora em Lingüística Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP Professora Adjunta - Lingüística - Instituto de Letras Universidade de Brasília/UnB Silviane Bonaccorsi Barbato - TP4 e TP6 Doutora em Psicologia Professora Adjunta - Instituto de Psicologia Universidade de Brasília/UnB DISTRIBUIÇÃO SEB - Secretaria de Educação Básica Esplanada dos Ministérios, Bloco L, 5o Andar, Sala 500 CEP: 70047-900 - Brasília-DF - Brasil ESTA PUBLICAÇÃO NÃO PODE SER VENDIDA. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA. QUALQUER PARTE DESTA OBRA PODE SER REPRODUZIDA DESDE QUE CITADA A FONTE. Todos os direitos reservados ao Ministério da Educação - MEC. A exatidão das informações e os conceitos e opiniões emitidos são de exclusiva responsabilidade do autor. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Centro de Informação e Biblioteca em Educação (CIBEC) Programa Gestão da Aprendizagem Escolar - Gestar II. Língua Portuguesa: Caderno de Teoria e Prática 1 - TP1: linguagem e cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. 174 p.: il. 1. Programa Gestão da Aprendizagem Escolar. 2. Língua Portuguesa. 3. Formação de Professores. I. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. CDU 371.13
  • 5. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA PROGRAMA GESTÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR GESTAR II FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DOS ANOS/SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL LÍNGUA PORTUGUESA CADERNO DE TEORIA E PRÁTICA 1 LINGUAGEM E CULTURA BRASÍLIA 2008
  • 7. Sumário Apresentação................................................................................................7 PARTE I Apresentação das unidades.....................................................................................11 Unidade 1: Variantes lingüísticas: dialetos e registros...............................................13 Seção 1: As Inter-relações entre Língua e Cultura.....................................................14 Seção 2: Os dialetos do Português.......................................................................19 Seção 3: Os registros do Português.......................................................................28 Leituras sugeridas............................................................................................42 Bibliografia....................................................................................................43 Ampliando nossas referências............................................................................44 Correção das atividades....................................................................................51 Unidade 2: Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos..........................................57 Seção 1: A norma culta.....................................................................................58 Seção 2: O texto literário...................................................................................67 Seção 3: Modalidades da língua..........................................................................77 Leituras sugeridas............................................................................................88 Bibliografia....................................................................................................89 Correção das atividades....................................................................................91 Unidade 3: O texto como centro das experiências no ensino da língua.........................97 Seção 1: Afinal, o que é texto?............................................................................98 Seção 2: Por que trabalhar com textos.................................................................106 Seção 3: Os pactos de leitura............................................................................114 Leituras sugeridas..........................................................................................121 Bibliografia..................................................................................................122 Ampliando nossas referências..........................................................................123 Correção das atividades..................................................................................127 Unidade 4: A intertextualidade.........................................................................133 Seção 1: O diálogo entre textos: a intertextualidade...............................................134 Seção 2: As várias formas da intertextualidade..........................................................139 Seção 3: O ponto de vista................................................................................145 Leituras sugeridas..........................................................................................153 Bibliografia..................................................................................................154 Correção das atividades..................................................................................155
  • 8. PARTE II Lição de casa 1.............................................................................................163 Lição de casa 2.............................................................................................165 PARTE III Oficina 1...............................................................................................169 Oficina 2...............................................................................................172
  • 9. Apresentação Bem-vindo aos estudos continuados de Língua Portuguesa! Esperamos que você seja nossa companhia por um bom tempo, e que esta convivência seja enriquecedora tanto para nós como para você. Você já teve as informações básicas sobre a estrutura do GESTAR II e as características e a organização dos cadernos de Teoria e Prática. Queremos lembrar-lhe aqui a organização dos dois módulos que constituem o nosso curso completo. No Módulo 1, dividido em 3 cadernos de Teoria e Prática, vamos procurar construir ou rediscutir com você os pontos mais importantes do ensino- aprendizagem de Língua Portuguesa, aqueles que constituem a base mesma para o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. Estaremos, ao longo deste primeiro módulo, construindo e reelaborando conceitos que nos parecem fundamentais para você, por sua vez, construir ou reelaborar uma nova prática pedagógica. Assim, vamos não só discutir conceitos como variação lingüística, texto, intertextualidade, gramática, arte e literatura, gêneros textuais, mas vamos mostrar como esses conteúdos podem e devem entrar nas suas aulas para alunos dos 3o e 4o ciclos. O TP1 trabalha o texto e as variantes da língua como decorrentes da relação entre linguagem e cultura; o TP2 aborda as análises lingüísticas e literárias, e o TP3 discute as questões ligadas à nova conceituação de gêneros dos textos e de tipos de discursos. Esses estudos iniciais pavimentarão o caminho para o Módulo 2, que vai sistematizar o trabalho em torno da leitura e da produção de textos, que, no primeiro, aparecem sobretudo como atividades. Nossa expectativa é que essa organização seja uma forma bastante eficaz de ajudá- lo a reavaliar e redirecionar, quando necessário, seus conhecimentos e sua prática, para melhor atingir seus objetivos no trabalho com seus alunos.
  • 11. PARTE I TEORIA E PRÁTICA 1 • Unidade 1 • Unidade 2 • Unidade 3 • Unidade 4
  • 13. GESTAR II TP1 - Língua Portuguesa Caro Professor, cara Professora, Começamos, agora, nossos estudos de Língua Portuguesa. Como já lhe adiantamos, neste primeiro caderno vamos tratar de questões mais gerais, que, fundamentando todo o trabalho com a Língua Portuguesa, vão obrigatoriamente ser retomadas em determinados pontos dos demais TPs, tal a importância delas para a sua prática. Com isso, imaginamos facilitar o caminho a ser percorrido neste ano de estudos. Você já sabe também que, para tornar nossa proposta ainda mais ligada à sua atuação em sala de aula, decidimos, na seleção de textos a serem trabalhados, privilegiar os temas transversais. Nas quatro primeiras unidades que constituem o TP1, nossos textos estão ligados aos temas da família e da escola, vistas de variados ângulos e em diversas formas: ao final delas, poderemos ter ampliada e aprofundada nossa visão sobre as questões que envolvem essas instituições que, mesmo com todas as transformações da sociedade, se apresentam como da maior importância , ainda hoje. Nessas unidades, vamos também explorar assuntos relevantes: a variação lingüística, a própria conceituação de texto e as suas implicações no ensino-aprendizagem da língua e a intertextualidade. Você deve estar se perguntando se vale a pena rever assuntos que , com certeza, já foram estudados em alguns ou em vários cursos de que terá participado. Bem, o principal argumento que podemos apresentar-lhe, para rever questões como dialetos e registros, norma culta, modalidades da língua, linguagem literária, paráfrases e paródias, é um fato que a experiência nos mostra constantemente: esses e outros pontos continuam obscuros e mal explorados em sala de aula, o que vem refletindo-se no inadequado desempenho de nossos alunos na maioria das atividades de linguagem. Esses conteúdos continuam, pois, fundamentais sob dois aspectos: a ampliação do conhecimento desses assuntos aumentará substancialmente sua competência no uso da linguagem. Você terá melhores condições de compreender e avaliar mais adequadamente os textos lidos e ouvidos, da mesma forma que produzirá textos mais pertinentes. Na medida em que desenvolve essa competência lingüística, que é o grande objetivo do ensino da língua, você estará em condições de, com algumas sugestões que vamos propor-lhe, ao longo das unidades, desenvolver em seus alunos a consciência dessas variações e o uso de cada uma delas, nas diversas situações de comunicação vividas por eles. Na primeira unidade, chamada Variantes lingüísticas: dialetos e registros, vamos distinguir normas e usos da língua, buscando compreender como essas variantes se
  • 14. efetivam em nossa interação cotidiana. Na segunda, chamada Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos, vamos trabalhar a oralidade e a escrita, a norma culta e o texto literário, procurando esclarecer a importância da compreensão mais ampla desses “acontecimentos lingüísticos”. Na terceira, chamada O texto como centro das experiências no ensino da língua, vamos discutir o próprio conceito de texto, descobrir por que a necessidade de trabalhar com textos e por em cena os interlocutores do texto, com seus objetivos. Na quarta e última unidade deste TP, chamada A Intertextualidade, trabalharemos questões relativas ao diálogo entre textos, às várias formas de intertextualidade e ao ponto de vista em todo tipo de interlocação. Esperamos que estes estudos sejam um trabalho compensador e agradável para você. Vamos à nossa primeira unidade.
  • 15. Unidade 1 Variantes lingüísticas: dialetos e registros Maria Antonieta Antunes Cunha Iniciando nossa conversa O ramo da Lingüística chamado Sociolingüística, que se tem ocupado sobretudo da caracterização e do uso das variações lingüísticas, não é novo. Há muito tempo esses estudos teóricos vêm sendo realizados, tanto na Europa como nas Américas (inclusive no Brasil) , mas é bem mais recente sua aplicação ao ensino/aprendizagem de línguas, especialmente da língua materna. Essa aplicação está vinculada a outros avanços na compreensão da forma como se dá a aquisição e o desenvolvimento da linguagem e da própria concepção de linguagem. Entendemos agora a linguagem não como uma simples forma de comunicação (em que se valorizava sobretudo o locutor/emissor) , mas como interação, na qual os sujeitos envolvidos realizam uma ação de mão dupla, um influindo sobre o outro, em função do lugar que ocupam nessa interação. Reconhecer locutor e interlocutor como igualmente importantes no processo de interação, percebê-los como co-autores, exige um aprofundamento na análise das condi- ções em que eles interagem. E que condições são essas? São, de um lado, as caracterís- 13 ticas do locutor – suas marcas pessoais, como conhecimentos, linguagem, posição etc. – e, de outro, as características do interlocutor e do assunto, o que cria um contexto especial, único, em que acontece a interação. Pois é a partir dessas condições sociais e históricas em que se dá cada interação, definindo modos diferentes de uso da língua, que vamos tratar nestas unidades sobre variação lingüística. Nossa primeira unidade está dividida em três seções. Sempre a partir de textos, vamos ver, na primeira seção, como a língua não reflete só sobre o mundo, mas reflete também o mundo. Quer dizer, ela expressa a cultura dos sujeitos e dos grupos. Na segunda, vamos ver que as línguas apresentam variações no tempo e no espaço, e vamos estudar as variantes chamadas dialetos. Na terceira seção, vamos estudar um outro tipo de variante da língua: os chamados registros. Definindo nosso ponto de chegada Esperamos que, depois das reflexões e das atividades propostas nesta unidade, você seja capaz de: 1 - relacionar língua e cultura; 2 - identificar os principais dialetos do Português; 3 - identificar os principais registros do Português. Insistimos, mais uma vez, que, atingidos esses objetivos, você terá melhores condi- ções de desenvolvê-los com seus alunos, feitas as devidas adequações.
  • 16. Seção 1 As Inter-relações entre Língua e Cultura Objetivo da seção Relacionar língua e cultura. Comecemos nosso estudo lendo um texto de Carlos Drummond de Andrade. Retrato de velho Tem horror a criança. Solenemen- te, faz queixa do bisneto, que lhe sumiu com a palha de cigarro, para vingar-se de seus ralhos in- tempestivos. Menino é bicho ruim, comenta. Ao chegar a avô, era terno e até meloso, mas a ida- de o torna coriáceo. 14 No trocar de roupa, atira no chão as peças usadas. Al- guém as recolhe à cesta, para lavar. Ele suspeita que pretendem subtraí-las, vai à cesta, vasculha, retira o que é seu, lava-o, pas- sa-o. Mal, naturalmente. – Da próxima vez que ele vier, diz a nora, terei de fechar o registro, para evitar que ele desperdice água. Espanta-se com os direitos concedidos às empregadas. Onde já se viu? Isso aqui é o paraíso das criadas. A patroa acorda cedo para despertar a cozinheira. Ele se levanta mais cedo ainda, e vai acordar a dona de casa: – Acorda, sua mandriona, o dia já clareou! As empregadas reagem contra a tirania, despedem-se. E sem empregadas, sua presen- ça ainda é mais terrível. As netas adolescentes recebem amigos. Um deles, o pintor, foi acometido de mal súbito e teve de deitar-se na cama de uma das garotas. Indignação: Que pouca-vergonha é essa? Esse bandalho aí conspurcando o leito de uma virgem? Ou quem sabe se nem é mais virgem? – Vovô, o senhor é um monstro! E é um custo impedir que ele escaramuce o doente para fora de casa. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 17. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 – A senhora deixa suas filhas irem ao baile sozinhas com rapazes? Diga, a senhor deixa? – Não vão sozinhas, vão com os rapazes. – Pior ainda! Muito pior! A obrigação dos pais é acompanhar as filhas a tudo quanto é festa. – Papai, a gente nem pode entrar lá com as meninas. É coisa de brotos. – É, não é? Pois me dá depressa o chapéu para eu ir lá dizer poucas e boas! Não se sabe o que fazer dele. Que fim se pode dar a velhos implicantes? O jeito é guardá-lo por três meses e deixá-lo ir para outra casa, brigado. Mais três meses, e nova mudança, nas mesmas condições. O velho é duro: – Vocês me deixam esbodegado, vocês são insuportáveis! – queixa-se ao sair. Mas volta. – Descobri que paciência é uma forma de amor – diz-me uma das filhas, sorrindo. ANDRADE, Carlos Drummond de. Retrato de velho. In A bolsa & a vida. Rio de Janeiro, 1962. p. 207-209. Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) , mineiro de Itabira, é considerado nosso maior poeta, mas tem uma importante obra como cronista e contista. Em sua vasta obra, privilegiou a observação do cotidiano e das personagens simples e con- sideradas parte das minorias. Daí sua enorme simpatia pelas crianças, que soube 15 retratar como poucos, pelos funcionários sem graduação, pelos transeuntes. Entre suas obras líricas, estão: Rosa do povo, Sentimento do mundo, Boitempo, Lição de coisas. Entre seus livros de crônicas, destacam-se: O poder ultra-jovem, Fala, amen- doeira, A bolsa & a vida, Cadeira de balanço. Livros de contos: Contos plausíveis e Contos de aprendiz. Embora cada vez mais se tome o conto pela crônica, sobretudo quando esta é narrativa, podemos dizer com firmeza que temos aqui uma crônica: uma composi- ção curta, voltada para os acontecimentos do cotidiano, que pode contar uma história, tecer comentários sociais ou políticos, ou ainda apresentar um conteúdo lírico, poético, apresentando a emoção do autor diante de certo acontecimento. Muitas vezes, a crônica tem um tom de humor. Todas essas características têm a ver com o fato de a crônica aparecer inicialmente em jornais e revistas. A crônica que você leu é uma narrativa. Você vai estudar mais tarde o gênero chamado narrativa ficcional. Por ora, basta lembrar que a narrativa se caracteriza por contar uma história, por meio de um narrador, sobre personagens (humanos, animais, imaginários) que vivem os acontecimentos desenrolados num espaço e num tempo. O narrador, que conta a história, pode ser personagem dela, ou pode ser apenas observador dos fatos. Como narrador-personagem, ele conta a história em primeira pessoa (eu, nós); como narrador-observador, a narrativa é feita em terceira pessoa (ele, ela, eles) . Vamos trabalhar um pouco o texto.
  • 18. As Inter-relações entre Língua e Cultura Secção 1 Atividade 1 A – Que tipo de narrador aparece nessa crônica e em que pessoa a narrativa se constrói? B – A personagem principal, aqui, tem seu “retrato” minuciosamente feito pelo narrador. Mas ele usa de dois procedimentos diferentes: a) ele mesmo, narrador, ou outra personagem, apresenta as características do pai/sogro/avô; b) as atitudes e falas do velho falam por si, completam o retrato feito pelos outros. Indique abaixo passagens que exemplifiquem os dois procedimentos. a) b) 16 c) Embora os fatos apresentados sejam todos passados, os verbos aparecem no presente. Que sentido isso traz para você? d) Que sentimentos das pessoas para com esse velho ficam evidenciados no texto? e) No texto, há várias passagens de humor. Indique pelo menos duas situações em que ele se faz presente. f) Que intenções você acredita que teve o autor, ao escrever essa crônica? TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 19. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 Avançando na prática Uma boa atividade para propor a seus alunos é fazer a leitura dramática dessa crônica, depois de estudada. Descobrir os vários tons usados pelas personagens, ensaiar em voz alta cada papel não só é motivador como também é uma das melhores formas para se perceber a importância e as características formais do discurso direto, que é a forma escolhida pelo narrador para apresentar a fala ou o pensamento das personagens. Você pode trabalhar essa leitura conforme os seguintes passos: 1. Depois do estudo do texto, divida a sala em grupos, para que ensaiem a leitura dramatizada. Eles devem fazer a distribuição de papéis, incluindo o narrador, e pensando até no tipo de voz e no sexo das personagens. 2. Dê um bom tempo para leitura e releitura (sempre em voz alta) , uma vez que muito raramente o acerto será de primeira. Todo o grupo opina sobre o tom, o ritmo mais adequados. 3. Considerados já em condições de fazer a leitura, sorteie o grupo que vai apresentar-se. Os demais ficam como avaliadores. 4. Os alunos que apresentarem críticas deverão sugerir uma leitura mais adequada, e eles passarão a ser julgados nesse momento. 5. Não deixe também de fazer sua avaliação, depois da deles. 17 6. Se quiserem, poderão fazer uma última leitura, agora misturando os vários grupos. Você vai observar que, enquanto ensaiam e opinam, os alunos estão trabalhando com a importância e as características do discurso direto, o que lhes dará melhores condições de avaliar outros casos desse recurso e de produzir textos usando-o mais adequadamente. Nesse texto de Drummond, podemos nos divertir não simplesmente com um avô ranzinza, mas com um conflito cultural entre gerações: os valores daquele homem de 85 forçosamente são diferentes dos de seus filhos, noras e genros, e sobretudo de seus netos e até bisnetos. Ora, os valores tanto pessoais quanto dos grupos são constituídos historica- mente: expressam a cultura dessas pessoas ou grupos e dependem basicamente das experiências de vida do indivíduo e de seu grupo, ocorridas em determinada época e lugar. Recordando Podemos conceituar cultura como o conjunto de ações pensamentos e valores de uma pessoa ou de uma comunidade.
  • 20. As Inter-relações entre Língua e Cultura Secção 1 Pensamentos, experiências e valores são expressos pela língua, inevitavelmente. Tome o caso do avô: a diferença dele para com os outros está no seu modo de entender as situações da vida, em certos costumes e, portanto, na sua forma de usar a língua. Ele deve ser das poucas criaturas que ainda usam (usavam) chapéu, independen- temente do clima e do horário, e que ainda fazem seu próprio cigarro, pelo menos nas grandes cidades. Para ele, “a empregada tem de saber o seu lugar”, moços não se deitam em camas de moças, estas não saem sozinhas com rapazes. Tudo de acordo com o figurino do fim do século XIX, o da sua juventude. Sua língua não pode refletir outra coisa. Ele também deve ser o único vivente que ainda usa as palavras “mandriona”, “bandalho”, ou a expressão “conspurcar o leito de uma virgem”. Hoje, a própria questão da virgindade poria esse avô desesperado. Essa diferença de cultura no âmbito de uma mesma família tem um forte compo- nente temporal. Mas poderia ser também de lugar/espaço: mesmo hoje, com a chamada globalização, os valores e costumes são bem diferentes numa pequena cidade do interior do Brasil e numa capital como São Paulo. Por isso mesmo, a língua numa cidade interio- rana costuma mudar (e muda sempre) menos rapidamente do que nas grandes cidades, onde todos os tipos de gíria e de neologismo (palavra recém-criada na língua, ou palavra já existente usada com outro significado) “nascem” e “morrem” muito rapidamente. A palavra “broto”, designando o jovem, na crônica de Drummond, ao que parece, já saiu de moda, há bastante tempo. Isso mostra o caráter dinâmico da língua, como revela também a constante evolu- ção da sociedade e de sua cultura, refletida sempre na língua. Esta, por sua vez, em 18 constante construção pelos seus usuários, acaba por transformar as relações humanas e, portanto, a cultura e a sociedade. Vemos, portanto, que sociedade, cultura e língua são construções históricas dos sujeitos. Influindo umas sobre as outras, essas três “instâncias” estão em constante pro- cesso de transformação. Resumindo A cultura, entendida como o conjunto de formas de fazer, pensar e sentir de uma pessoa ou de uma sociedade, é uma construção histórica e varia no espaço e no tempo. A língua é, ao mesmo tempo, a melhor expressão da cultura e um forte elemen- to de sua transformação. A língua tem o mesmo caráter dinâmico da cultura. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 21. Seção 2 Os dialetos do Português Objetivo da seção Identificar os principais dialetos do Português. As incontáveis possibilidades de uso que qualquer língua oferece à comunida- de que a usa são a melhor prova de que ela é um sistema, sim, mas aberto e em construção. Na realidade, a língua apresenta certas regularidades que todo falante deve seguir, sob pena de não criar um enunciado reconhecido como da língua e de não ser compre- endido. São exemplos sempre repetidos: você não pode usar o artigo em outro lugar que não seja anteposto ao substantivo a que ele se refere (* Poeta o é famoso); não pode usar uma preposição depois do termo regido (*Nós gostamos muito sorvete de.) . Um exemplo a mais: no português, é obrigatória alguma marca de plural, para fazer a concordância de número. Essa marca pode variar, conforme os usos dos grupos soci- ais. Um grupo diz: 19 Os meninos doentes choravam sem parar. Outro grupo fala: Os menino (ou minino) doente chorava sem parar (ou pará). Mesmo com sotaques diferentes, que ocorrem tanto na primeira quanto na segunda frase, os dois grupos serão entendidos por todos, uma vez que estão usando o mesmo sistema da língua. Mas, se não houvesse marca alguma de plural, em qualquer das falas, os interlocutores não entenderiam o real significado da frase: o de que eram pelo menos dois meninos doentes e chorando sem parar. Importante Então, a língua tem regularidades, um sistema a ser seguido. Mas, como é um sistema aberto, a língua oferece inúmeras possibilidades de variação de uso, que criam, junto com o contexto, interações sempre novas e irrepetíveis. As variações da língua são de duas ordens: 1- as variantes comuns a um grupo, chamadas dialetos; 2- as variantes do uso de cada sujeito, na situação concreta de interação, cha- madas registros.
  • 22. Os dialetos do português Secção 2 Para estudar as variantes de grupo, vamos começar pelo trabalho com um texto. Ciúme Eu tinha 9 anos quando a gente se encontrou: o Ciúme e eu. Era verão. Eu dormia no mes- mo quarto que a minha irmã. A ja- nela estava aberta. De repente, sem nem saber di- reito se eu estava acordada ou dor- mindo, eu senti direitinho que ele estava ali: entre a cama da minha irmã e a minha. A noite não tinha lua nem tinha estrela; e quando eu fui estender o braço para acender a luz, ele não quis: “Me deixa assim no escuro.” Que medo que me deu. Senti ele chegando cada vez mais perto. Fui me encolhendo. “Pega a minha irmã” eu falei. 20 “Ali, ó, na outra cama. Eu sou pe- quena e ela já fez 14 anos, pega ela. Ela é bonita e eu sou feia; o meu pai, a minha mãe, a minha tia, todo o mundo prefere ela: por que você não prefere também?” Mas o Ciúme não queria saber da minha irmã, e eu já estava tão espremida no canto (a minha cama era contra a parede) que eu não tinha mais pra onde fugir, então eu pedia e pedia de novo: “Ela é a primeira da turma e eu tenho horror de estudar, olha, ela tá logo alí; e ela é tão inteligente pra conversar! Ela diz poesia, ela sabe dançar, o meu pai tá ensinando inglês e francês pra ela e diz que pra mim não vale a pena porque eu não presto atenção, então você pensa que eu não vejo o jeito que o meu pai olha pra ela quando todo o mundo diz que encanto de moça que é a sua filha mais velha? Pega, pega, PEGA ela!” “Não. Eu quero é você.” E o Ciúme disse aquilo com uma voz tão calma que eu fui me acalmando. E o medo meio que foi passando. “Bom” eu acabei suspirando “pelo menos tem alguém que gosta mais de mim do que dela.” E aí o vento do mar entrou pela janela, soprou o Ciúme e apagou ele feito vela. NUNES, Lygia Bojunga. A troca e a tarefa. In Tchau. Rio de Janeiro: Agir, 1985. p.51. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 23. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 Lygia Bojunga nasceu em Pelotas, em 1932. Durante a infância e a adolescência, viveu em várias cidades brasileiras. Hoje, divide seu ano entre o Rio de Janeiro e Londres. É uma das mais consagradas autoras da literatura infantil e juvenil brasileira, com muitos prêmios também no exterior. Sua linguagem é bastante peculiar, apre- sentando um coloquialismo marcante em toda a narrativa. Inicialmente artista de teatro, suas narrativas freqüentemente apresentam peças e “cenas” teatrais, outras foram transpostas por ela mesma para o palco. Algumas de suas obras: Angélica, A casa da madrinha, Corda bamba, Os colegas, O sofá estampado, A bolsa amarela, O livro, Tchau. Talvez você conheça o livro de contos Tchau, de onde foi extraído o trecho acima. Mas, ainda que não o conheça, sua expectativa, diante do nome da autora e até do título do livro, era de ler um texto literário narrativo ou de teatro, não é? Como adiantamos, temos acima o trecho de um conto (belíssimo, aliás); portan- to, uma narrativa apresentada por um narrador e por fatos organizados de determina- do modo, em torno de personagens e que transcorrem no tempo. Vamos explorar um pouco o texto. Atividade 2 A – Pela leitura do texto, o que leva você a garantir que a narração não é relato de uma “história verdadeira”, um relato de vida? 21 B – O narrador pode ser ou não personagem da história. Qual é o caso, na narrativa anterior? C – A opção por um ou outro tipo de narrador traz procedimentos e resultados diferentes para a história. a) Em que pessoa a história é narrada? b) Essa escolha torna a narrativa mais ou menos subjetiva? Justifique sua resposta, com passagens do texto. D – Indique que outras personagens aparecem nesse trecho e qual a sua importância para a narrativa.
  • 24. Os dialetos do português Secção 2 E – Por meio de que argumento ou expressões a narradora cria um ambiente indefinido, propício ao aparecimento do Ciúme? F – Indique os elementos que marcam a passagem do tempo. G – Por que o Ciúme aparece entre as duas camas? H – Por que, quanto mais a narradora fala, mais o Ciúme quer ficar com ela, e não com a irmã? 22 I – Por meio de que recursos, usados pelo autor, você sente o medo da menina? Você deve ter notado uma enorme diferença entre a linguagem do avô, da crônica de Drummond, e da menina do conto de Lygia. É que, assim como, lá, o velho falava mesmo como um velhinho, aqui, a menina expressa-se como uma menina, relatando suas experiências e sentimentos: todas as falas em que se compara à irmã são típicas da criança, na estrutura e na argumentação. Temos, com essas duas personagens, exemplos de variação da língua segundo a idade. Podemos dizer que as crianças não falam como os jovens, adultos, nem como os idosos. As faixas etárias apresentam, assim, características diferentes de linguagem. A criança, por exemplo, não domina ou não usa várias estruturas da língua; conforme a idade, não pronuncia grupos consonantais (branco/banco). Os jovens, por sua vez, têm uma linguagem marcada pelas gírias, pelas simplificações, com certa marca de rebeldia. A linguagem do adulto tende a se tornar mais conservado- ra, “comportada”. Vemos, portanto, que há uma forma de usar a língua que é normal para cada faixa etária. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 25. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 Avançando na prática Uma atividade interessante para seus alunos é fazer o “dicionário dos jovens”. Em primeiro lugar, porque eles vão sentir que sua linguagem não é discriminada. Depois, porque, em trabalhos de construção de textos (frase ou conjunto de frases usadas num contexto discursivo real) , pode-se discutir a adequação dos termos à situação de cada enunciado. Ao mesmo tempo em que explica sua linguagem, o jovem está ampliando seu vocabulário, com o uso do dicionário, assim como refletindo sobre a linguagem. Sugestão de procedimento para a criação desse dicionário: 1. Converse com os alunos sobre algumas palavras bem típicas dos jovens que eles acabaram de usar e também sobre outras que usam da mesma maneira que os outros, adultos ou não: por exemplo, os verbos mais freqüentes na língua, os paren- tescos, partes do corpo. É o chamado “vocabulário fundamental”. Eles vão perceber que a maioria das palavras usadas por eles são empregadas pelos adultos. 2. Mostre interesse em conhecer o vocabulário típico deles, e proponha um trabalho em grupos, no qual cada um vai apresentar o termo com seu(s) significado(s). Como freqüentemente eles vão explicar um termo “deles” com outro também deles, é importante recorrer ao dicionário. 3. Encontrados os sinônimos, os grupos vão expor seu dicionário, indicando em que situações de comunicação o uso de cada termo (do grupo ou do dicionário) estaria adequado. 23 4. Conforme a turma, podem ser montados pequenos jogos dramáticos (diálogos) em que adultos ou crianças procederam de modo engraçado, porque não entende- ram o significado de determinado termo. Ex: “mina”, “ficar”, etc. 5. Acostume-se a avaliar com seus alunos as experiências ocorridas nas aulas, e não deixe de apresentar-lhes também sua opinião sobre as atividades realizadas por eles. Chegamos à noção de NORMA, que é a forma de cada grupo usar a sua língua. O sujeito aprende a sua língua em convívio com a família, amigos, enfim pessoas que estão ao seu redor e participam do seu cotidiano. Cada um vai assimilando os usos lingüísticos daquele grupo, ainda que construindo a seu modo esse seu saber. Em geral, o sujeito não tem consciência dessa “norma” que ele vai internalizando no contato com os outros elementos do grupo. Queira ou não, tenha ou não consciência disso, o sujeito pertence a grupos. Você, por exemplo, é homem ou mulher, é de determinada região, tem certa idade, profissão, e, considerando cada uma dessas características, você forma um grupo com outras pessoas. Pertencer a um ou vários grupos e usar a língua característica desses grupos é uma contin- gência. Se você é carioca, por exemplo, é difícil ou impossível fazer de conta que não é. Se você é mulher, esse traço aparecerá quase certamente no seu comportamento e na sua fala. Isso quer dizer que, a menos que você queira fazer graça, ou chocar, sua tendência natural e até inconsciente é comportar-se como o seu grupo, inclusive no que se refere
  • 26. Os dialetos do português Secção 2 ao uso da língua. E freqüentemente seu comportamento social e lingüístico revela, até sem você querer, a que grupo(s) você pertence. Como vimos no caso do velho de Drummond, os comportamentos normais de um grupo (ou de uma época) podem não ser aceitos por outro. Mais comumente, tendemos a considerar que nossos hábitos e costumes são sempre melhores que os dos outros. Algumas vezes, acontece o contrário: achamos que o comportamento dos outros é muito mais charmoso e interessante, por exemplo, do que o nosso. Nesses casos, costumamos supervalorizar o que, na realidade, não é melhor, nem pior: é diferente. Com a língua acontece a mesma coisa: cada grupo tem escolhas e comportamen- tos lingüísticos diferentes dos de outros grupos. Quer dizer: cada grupo tem traços lingüísticos normais, comuns a seus integrantes. Essa norma de cada grupo constitui o que mais comumente chamamos DIALETO. Você já viu um dialeto, que procuramos realçar nos textos de Drummond e Lygia Bojunga: o dialeto etário, que considera a idade do grupo. Vejamos, agora, outros dialetos. A língua varia também de região para região: no Brasil, o Nordeste tem muitas palavras desconhecidas para o brasileiro mais do Sul. Dado importante na consideração dos dialetos regionais é o sotaque, compreendido não só como a melodia típica da fala de cada região, mas o timbre aberto ou fechado com que pronunciamos as vogais e a pronúncia de determinadas consoantes. Aqui não é a divisão administrativa das regiões 24 ou estados que vale: o norte de Minas Gerais, por exemplo, tem um vocabulário e mesmo o sotaque próximos dos da Bahia. Atividade 3 A – Indique a(s) palavra(s) usada(s) em sua região para designar: a) pernilongo: b) dar à luz: c) mandioca: d) prostituta: e) lamparina: B – Procure observar a fala de pessoas de outras regiões, na sua cidade, ou ouvindo televisão ou rádio, e indique abaixo algumas diferenças de pronúncia, em relação à de sua região. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 27. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 Podemos falar, assim, de um dialeto regional, ou geográfico, aquele que indica os traços usados pelos falantes de determinado espaço geográfico. Quando nos referimos a formas de fazer a concordância no português, usamos duas frases: Os meninos doentes choravam sem parar. Os menino (ou minino) doente chorava sem parar (pará) . Essas frases representam dialetos diferentes segundo um critério sociocultural. Nesse tipo de dialeto, ressaltam as diferenças sociais, incluídas aí a de escolaridade e econômica, que acabam por definir o acesso a bens culturais de prestígio: livros, jornais e revistas, objetos de arte, etc. Do ponto de vista sociocultural, temos basicamente o dialeto culto e o popular. O dialeto culto define a norma culta, que nós vamos estudar na próxima unidade. Podemos, ainda, destacar o dialeto de sexo, ou gênero. No caso do Português, como em outras línguas, a própria gramática já traça uma marca dialetal de gênero, na medida em que há flexões de feminino para substantivos, adjetivos e pronomes. Embora cada vez mais se observe ou se pretenda uma igualdade entre homens e mulhe- res, em relação a oportunidades e comportamentos, que sem dúvida se refletiria também na linguagem, muitos estudiosos ainda distinguem o dialeto feminino do masculino. 25 Para eles, seria uma marca do dialeto feminino como, por exemplo, um vocabulá- rio mais afetivo e emocional. Isso não significa que a mulher seja essencialmente mais afetiva e emotiva que os homens: é que, historicamente, sempre foi solicitado dela um lado mais visivelmente carinhoso, ou que se emociona facilmente. Assim, espera-se em geral que sejam falas femininas: – Este bebê é uma fofura! – Eu adoro sorvete de limão! Por outro lado, possivelmente seja mais masculina uma fala como: – Cara, comprei um carro novo ! A máquina é um estouro! Atividade 4 A – Faz parte da visão que muitos têm da mulher atribuir a ela um comportamen- to abnegado e conciliador. Você acha que essa idéia é adequada?
  • 28. Os dialetos do português Secção 2 B – Há, em sua comunidade, algum comportamento ou atitude que não seja aceita, quando vinda de uma mulher? Se houver, indique-a abaixo. C – Há na sua comunidade algum comportamento que não seja aceito, se vindo de um homem? Se houver, indique-o abaixo. Na próxima unidade, essas questões voltarão a ser discutidas. Por fim, há os dialetos profissionais ou de função, ligados à profissão e à função que os sujeitos ocupam. Cada grupo profissional tem um vocabulário próprio e, muitas vezes, um forma muito particular de encarar determinadas situações e de falar nelas. Cada um tem sua gíria, considerada como qualquer forma de falar (sobretudo no vocabu- lário) de grupos fechados. Assim, há a gíria médica, a policial, a econômica, etc. Atividade 5 26 Chico Buarque, em uma composição notável como “crônica carioca”, canta o se- guinte: Juca foi autuado em flagrante como meliante, pois cantava bem diante da janela de Maria... Que palavras nesse trecho têm sabor de dialeto profissional e a que profissão se referem? Antes de passar à próxima seção, gostaríamos de enfatizar três pontos essenciais. Importante 1 – Apresentados assim separadamente, os dialetos podem parecer incomunicá- veis e “comportados” na sua classificação. Na língua, nada é assim tão simples. Ao contrário, numa atividade tão complexa como é a linguagem, os contatos e as solu- ções aparecem a cada momento, uma vez que, como já vimos, cada locutor, em cada situação, faz as suas escolhas, de modo mais ou menos consciente. Vamos ver exemplos preciosos disso na próxima unidade. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 29. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 2 – Por outro lado, você deve ter percebido que cada um de nós, participando de vários grupos sociais, acaba sobrepondo, em cada ato de comunicação, mais de um dialeto. Veja o seu caso: a sua língua é o resultado de um dialeto regional, um dialeto etário, um dialeto de gênero, além dos dialetos profissional e sociocultural.O resultado do cruzamento de todos esses dialetos cria uma forma particular sua de uso da língua, pelo que poderíamos dizer que haverá poucos ou nenhum outro sujeito que tenha a mesma soma de dialetos que você. Podemos dizer que sua língua tem a sua marca. É o que alguns autores chamam de idioleto. 3 – Assim como pode acontecer em função de suas roupas, é comum as pessoas serem discriminadas pelo seu dialeto. Isso, além de desrespeitoso, é absolutamente indevido, do ponto de vista lingüístico: na realidade, todos os dialetos se equivalem, em termos de eficiência comunicativa. Nenhum é, lingüisticamente, melhor do que o outro. De novo, essa questão voltará na próxima unidade. Resumindo A língua não se apresenta uniforme e única: ela apresenta variações, conforme os grupos que a usem. Cada uma das variantes da língua usada por um grupo apresenta regularidades, recursos normais para aquele grupo, e chama-se dialeto. Os principais dialetos são: o etário (da criança, do jovem e do adulto); o geográ- fico, ou regional; o de gênero (feminino e masculino) ; o social (popular e culto); o 27 profissional. Os dialetos são equivalentes do ponto de vista lingüístico: nenhum é melhor do que outro. Cada um cumpre perfeitamente suas funções comunicativas, no âmbito em que é usado. Considerar um superior a outro é um preconceito sem fundamento. O idioleto é o conjunto de marcas pessoais da língua de cada indivíduo, como resultante do cruzamento dos vários dialetos (etário, regional, profissional, de gêne- ro, social) que constituem a sua fala.
  • 30. Seção 3 Os registros do Português Objetivo da seção Identificar os principais registros do Português. Leia esta história, escrita pela atriz norte-americana Jamie-Lee Curtis, filha do vetera- no ator Tony Curtis. Conta de novo a história da noite em que eu nasci Conta de novo a história da noi- te em que eu nasci. Conta de novo que vocês estavam dormindo encaixadi- nhos feito duas colheres e como o pai roncava! Conta de novo que o tele- fone tocou no meio da noite e eles disseram que eu nasci. 28 Conta de novo como você começou a gritar! Conta de novo que você ligou logo para a vovó e o vovô, mas eles não atenderam o tele- fone porque dormiam como uma pedra. Conta de novo que vocês foram me buscar de avião, levando uma sacola de fraldas e mamadeiras, e que no avião só tinha amendoim para comer e nem um filmezinho pra ver. Conta de novo que você não podia ter um neném na sua barriga e por isso eu saí da barriga de uma outra moça que não podia cuidar de nenhuma criança. E eu vim para ser sua filhinha e vocês serem meus pais. Conta de novo que vocês chegaram de mãos dadas ao hospital, morrendo de curiosidade de me conhecer. Conta de novo a primeira vez que vocês me viram pelo vidro do berçário: eu berrava de fome e vocês riam que nem bobos. Conta de novo como eu era picurrucha e perfeitinha. Conta de novo a primeira vez em que você me abraçou e me chamou de filhinha querida. Conta de novo que você chorou de tanta felicidade! Conta de novo como vocês me levaram toda embrulhadinha pra casa e ficaram furiosos se alguém espirrasse perto de mim. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 31. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 Conta de novo como eu adorei a minha primeira mamadeira. Conta de novo como eu detestei trocar de fralda. Pai, conta de novo a primeira noite em que você cuidou de mim e ficou me contando que o beisebol é um jogo que os americanos adoram. Mãe, conta de novo a primeira noite em que você me ninou, cantando a mesma música que a vovó cantava pra você. Contem de novo a história da nossa família. Mãe, pai, contem de novo a história da noite em que eu nasci. CURTIS, Jamie-Lee. Conta de novo a história da noite em que eu nasci. São Paulo: Salamandra, 1998. Se puder, leia uma segunda vez essa história no livro, que tem ilustrações fantásti- cas, uma das quais vamos apresentar a você, mais adiante. Se não conseguir o livro, pense que cada trecho separado acima constitui uma página do livro e que a ilustração ocupa a página inteira, às vezes a página dupla. Como de costume, vamos interpretar o texto. E vamos começar com uma pergunta bem simples. Atividade 6 Você gostou ou não da história? Justifique sua opinião. 29 As crianças adoram ouvir relatos de sua vida, e os adultos adoram fazer esses relatos. A história acima tem todo o tom de verdade. O que transforma esse relato em literatura? Em primeiro lugar, a transposição para o suporte livro e seu tratamento editorial. Em segundo lugar, a sua concepção: a criança, ao pedir aos pais que contem a história, está ela própria fazendo a narração. Conhecemos a história pela boca da criança, que, de tanto ouvi-la, já a conhece de cor (e não salteado, no caso), com expressões que com toda certeza os pais usaram e repetiram igualzinho, como as crianças exigem. Atividade 7 A – O pedido “Conta de novo”, repetido a cada novo detalhe a ser lembrado, traz para você um efeito agradável ou desagradável? Justifique.
  • 32. Os registros do português Secção 3 B – Em que momento você percebe que tanto pai como mãe contam a história? C – Que pormenores sugerem para você o companheirismo do casal? D – Teóricos da literatura infantil costumam criticar o uso de diminutivos nas histórias para crianças, achando que o recurso “picurrucha” para criança, seria um tentativa ilusória de se aproximar do público infantil. Assinale os diminutivos do texto. Neste caso, você acha que o efeito foi bom ou ruim? E – Que conceito de família você percebeu, a partir do texto? A questão da adoção lhe pareceu bem posta? 30 Avançando na prática Baseada na repetição, essa história ganha em significação, quando bem conta- da, ou lida em voz alta. Prepare bastante a leitura, procurando as ênfases mais ade- quadas, usando o ponto final de cada trecho quase como reticências. Leia-a para seus alunos. Com certeza, eles vão vibrar. Atenção! Essa preparação pode ser mais bem-sucedida se proceder da seguinte maneira: 1. Leia o texto silenciosamente, mais uma vez, deixando que todas as observa- ções feitas sobre o texto ganhem sentido para você. 2. Agora, leia o texto em voz alta, mais de uma vez, procurando o tom e o ritmo mais adequados a cada frase. 3. Se for possível, leia a história para alguém e ouça a sua opinião sobre a história e a leitura. Se for o caso, leia mais, sempre em voz alta. 4. Enquanto estiver lendo para seus alunos, ou para qualquer platéia, olhe-os de vez em quando, enquanto faz uma pausa, ou vira uma página. Para isso, você precisa ter o texto bem claro na cabeça. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 33. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 Nesse texto, o autor procura apresentar, com aparência de verdade, a fala de uma criança com seus pais, uma conversa afetuosa, sem qualquer tipo de barreira. Possivel- mente, em outros momentos da convivência com os pais, ou falando com outras pessoas em outros espaços, o autor mostraria a criança falando de outra maneira, exatamente como nós fazemos. Cada uso individual e momentâneo da língua constitui o que chamamos REGISTRO. Mais adiante, vamos conhecer mais de perto esses registros. Agora, como prome- temos, vamos analisar uma ilustração do livro Conta de novo a história da noite em que nasci. Pernas elegantes em 30 dias O bebê chegou e agora? 101 testes para crianças Se for menina 31 Por que o bebê chora? Atividade 8 A – A narrativa do livro é cheia de lirismo e humor. Pelo que percebeu na imagem acima, qual dessas características foi explorada na ilustração? Justifique. B – Há muitos livros esparramados pelo quarto. Que tipos de leitura estão sendo privile- giados, na época dos fatos narrados? Justifique.
  • 34. Os registros do português Secção 3 C – Pela fisionomia da mãe, ela está reagindo a alguma coisa. A que ela reage? D – O que lhe sugere o cachorrinho tão à-vontade, na cama do casal? Voltemos, agora, a falar dos registros. Se você observar nossas comunicações cotidianas, verá que, sempre que há uma barreira de qualquer espécie, algum tipo de distanciamento entre os interlocutores, ou alguma dificuldade com o assunto, a nossa fala tende a ficar emperrada, mais cerimoni- osa, menos espontânea. Às vezes, é o assunto, que parece difícil, penoso, ou é de inte- resse público, obrigando-nos a nos dirigir a muitos. Outras vezes, o distanciamento é causado pelo interlocutor, ou interlocutores: são muitos, desconhecidos, pouco amigá- veis, ou os consideramos superiores. Enfim, por algum motivo, não conseguimos relaxar, ficar à vontade – e nossa linguagem vai revelar isso. Esse movimento da nossa comunicação mais, ou menos, espontâneo e descontraído é que vai definir os dois registros básicos: INFORMAL - sem barreiras FORMAL - com barreiras Entre os dois registros extremos do informal e do formal, haverá inúmeros graus, de 32 acordo com o número de barreiras, pressões e dificuldades do momento da interação: o lugar onde ela se dá, como está se sentindo o locutor no momento, sua expectativa, sua percepção do interlocutor e muitos outros fatores podem interferir na comunicação, para definir as escolhas que cada um faz, com relação à linguagem a ser usada naquela situação específica. Quer dizer, a cada interação, escolhemos um registro. Vale insistir, mais uma vez: as escolhas do sujeito não se referem apenas às ques- tões lingüísticas. Numa situação de fala planejada, vários outros comportamentos foram pensados: roupa, modo e hora de interagir. Outras decisões têm de ser tomadas na hora, às vezes num segundo, de acordo com a situação: que lugar ocupar, gesticular ou não, etc. Muitas vezes, são opções intuitivas e inconscientes, mas existem. Com relação à linguagem, as opções também são feitas do mesmo modo, e cami- nhamos para a formalidade ou para a informalidade. Atividade 9 A – Na história que acabamos de ler, ajudam muito a criar a informalidade dois recur- sos, ou figuras de linguagem: o exagero (a chamada hipérbole) e a comparação. Procure no texto pelo menos 3 exemplos de cada um desses recursos. Exagero: TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 35. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 Comparação: B – As situações e o traço da ilustração são meio caricaturais, exatamente para criar o humor. Você acha que essa característica ajuda a criar um tom amistoso, ou muito formal? Vejamos, agora, o que caracteriza cada um dos registros. O formal tem a preocupação de evitar qualquer aproximação considerada indevida pelo locutor. Assim, na medida do possível, usa termos mais neutros, mais cuidados, certas formas e tempos verbais. Desaparecem do registro formal as gírias populares, ao mesmo tempo em que surge o futuro simples (porei) , o pretérito mais-que-perfeito sim- ples (pusera) , o futuro do pretérito (poria) , os pronomes relativos mais difíceis, como cujo, o qual, certas conjunções, como todavia, entretanto. No registro informal, as preferências são exatamente inversas. Evitam-se os tem- pos verbais mais requintados: as formas verbais simples são substituídas pelas compos- tas: vou pôr, tinha posto. O poria vai ser substituído quase sempre por punha (Ex. Se fosse você, eu punha o livro no lugar) . As gírias ficam liberadas, assim como a emo- ção. Certos traços sintáticos do dialeto popular já são aceitos no registro informal: usa- se o ter no lugar de haver impessoal, e pronomes como “ele” e “eles” podem ser 33 objetos diretos dos verbos. Atividade 10 A – Releia Retrato de velho. Observe que, mesmo falando com familiares, o avô usa termos aparentemente “di- fíceis”, que caracterizam o registro formal. Veja que ele usa “senhora”, para falar com a filha, no momento da “inquisição”. Na sua opinião, foi um uso inadequado ? B – Releia, agora, o texto Ciúme. Observe que, mesmo com medo, a fala da menina tem muitas marcas do registro informal. a) Indique abaixo essas marcas.
  • 36. Os registros do português Secção 3 b) Elas são coerentes com a situação narrada? As explicações para as variações dentro do próprio registro são inúmeras e podem ser muito significativas. No caso do avô, por exemplo, o “senhora” usado no diálogo com a filha estabelece uma barreira “do juiz” da situação. No caso, é cômico, e só confirma o humor azedo do avô. Como acontece com os dialetos, os registros também podem misturar-se. Por isso mesmo, com relação aos registros, não tem sentido a distinção certo/errado: o que interessa é ver se o uso está adequado à situação de comunicação. Como cada intera- ção é única, só podemos avaliar a adequação do registro na situação específica em que ocorreu. Importante Desses textos, surge outra conclusão Por outro lado, os dois registros po- importante: o nível de formalidade só dem aparecer na modalidade oral ou es- 34 pode ser considerado em função das ca- crita da língua. É claro que a escrita já racterísticas lingüísticas do locutor. O apresenta um grau de barreira, na medi- informal de uma pessoa como o avô ain- da em que não é a modalidade “natu- da é muito formal, com relação a outros ral” da língua. Mas, com freqüência, sujeitos. O formal da criança estará por quando escreve, o que o sujeito quer é certo próximo do informal. Isso significa exatamente tentar eliminar essa barreira. que as experiências lingüísticas de cada Na definição dos registros, é mais im- um podem encurtar ou portante o contexto do alargar a distância entre que a modalidade da lín- os seus registros. cada texto gua. Esse ponto será re- tomado na próxima uni- Outro ponto impor- tante a se considerar: to- é um texto dade. dos os falantes têm uma Por fim, é bom notar intuição de que em cer- que, quando estamos es- tos momentos é preciso falar de modo tudando determinado assunto, apresen- especial, com mais cuidado. Mesmo o tamos exemplos muito bem marcados de sujeito não escolarizado ou a criança pe- determinado procedimento ou fenôme- quena mostram na fala essa percepção. no. Mas nem sempre os enunciados são Eventualmente, a escolha não é adequa- tão típicos e exemplares assim. Voltamos da, pelos limites de seu conhecimento, a insistir: cada texto é um texto. mas a tentativa é prova desse sentimen- to de que eles estão diante de uma situa- ção formal. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 37. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 Observe esta imagem. O livro Tanto, tanto! conta a história de uma família, com pais, bebê, tios, avós e tudo o mais. Apresentada a história do ponto de vista do bebê, mostra como, participando da vida dos adultos ou tendo que ir dormir sozinho, ele se sente amado tanto, tanto! Sua autora, uma inglesa de origem afro-caribe- nha, é apresentadora de programas de televi- são na Inglaterra e atriz. A ilustradora é tam- bém inglesa e reconhecida pela qualidade de suas ilustrações para livros infantis. COOKE, Trish: Tanto, tanto!. Ilustr. de Helen Oxenbury. São Paulo: Ática, s/d. Atividade 11 A – Descreva as personagens da ilustração: como são e o que fazem? 35 B – Você diria que o pai está chegando ou saindo? Justifique sua opinião. C – Que detalhes sugerem o afeto do pai e da criança? D – Você costuma ver famílias negras apresentadas como personagens principais de uma história feliz e de pessoas aparentemente bem-sucedidas? Teria algum comentário a fazer sobre isso?
  • 38. Os registros do português Secção 3 Atividade 12 Faça, no espaço abaixo, a descrição da cena da imagem. Não deixe de planejar seu texto. Veja de que ponto vai começar e que seqüência vai tomar. As possibilidades são inúmeras. Imagine um leitor para seu texto: uma criança, um colega? Defina o regis- tro que vai usar. Leve seu texto para apresentá-lo na reunião com os colegas e com o formador. Indo à sala 36 de aula Com seus alunos, você pode propor, depois da observação e discussão da imagem, a produção de uma narrativa, individual ou em grupos, na qual a cena da imagem esteja presente. Se se interessarem, proponha que desenhem outras seqüências da história criada. Depois, a produção é apresentada, discutida e escolhida a melhor. Avançando na prática Apresentamos, a seguir, uma sugestão para você desenvolver com seus alunos, de modo a ajudá-los a tomar cada vez mais consciência da variação lingüística. Leia o texto, divirta-se, e depois, com base nas sugestões que apresenta- mos, elabore uma atividade para seus alunos. Pense em todos os passos que daria para criar uma aula interessante sobre nosso assunto: dialetos e registros. Imagine também a série em que usaria o texto. É claro que ele se presta a muitos estudos, e você pode eventualmente explorá-lo também com relação a outra questão de linguagem. O texto é o início de uma peça de teatro muito conhecida de todos: O bem- amado, de Dias Gomes, que escreveu também várias telenovelas, inclusive a adapta- TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 39. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 ção dessa peça para a TV. O ambiente é uma pequena cidade do litoral baiano. Zelão e Mestre Ambrósio são pescadores, e entram em cena carregando um defunto numa rede. Chico Moleza toca violão à porta da vendinha de Dermeval. Bem, leia o texto, e depois voltamos para fazer novas sugestões. Mestre Ambrósio – Vamos molhar um pouco a goela na venda de seu Derme- val, Zelão. Zelão – É bom. Dermeval (indicando o defunto) – Mestre Leonel? Mestre Ambrósio – É, embarcou, coitado. Dermeval (Dirige-se à venda.) – No mar? Mestre Ambrósio – Qui-o-quê. Janaína quis saber dele não. Esticou em terra mesmo. Zelão – É-de-hoje que não entrava num saveiro. Mal agüentava com um caniço. Quase cem anos no costado, sabe como é. Mestre Ambrósio – Tava que nem saveiro velho, cheio de ostra pelo casco, fazendo água por todo lado. Precisava mesmo ir pro estaleiro. Dermeval – Também entornava um bocado. Mestre Ambrósio – Pra esquecer. Sabe o que é um mestre de saveiro respeitado 37 como ele foi chegar ao fim da vida tendo quase que pedir esmola? Zelão – A gente dava para ele as sobras da pescaria: pititinga, chicharro, peixe miúdo. Meste Abrósio – Morreu sem ter dinheiro nem pro caixão. Dermeval – Tinha parente não? Mestre Ambrósio – Ter, tinha. Botou um bocado de filho no mundo, o falecido, que a terra lhe seja leve. Mas tudo levantou âncora. Uns foram pra Salvador, outros pra São Paulo. Por aqui só aparecia mesmo, de vez em quando, a filha mais nova. Uma que caiu na vida. Zelão – E que pedaço de mau caminho, seu mano! Tenho uma sede nela! Mestre Ambrósio – Oxente, Zelão, respeita o defunto! GOMES, Dias. O Bem-Amado. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p.14-15. A primeira preocupação que você deve ter é a de conhecer as palavras do texto. É claro que, quando lê por puro deleite, você não precisa preocupar-se em conhecer o sentido exato de cada palavra: em muitos casos, o contexto nos ajuda a imaginar o significado delas. Por exemplo, nesse texto, podemos imaginar que pititinga e chi- charro são peixes, e que não têm grande valor. Mas, preparando uma aula, todo o vocabulário do texto tem de ser bem conhecido.
  • 40. Os registros do português Secção 3 1. Análise do texto a) Como vamos sendo informados da vida do morto, as causas possíveis de sua morte, quem são seus amigos e quem apenas o conhece. b) Como a linguagem de Zelão e de Mestre Ambrósio revelam um dialeto profissio- nal, até nos sinônimos de morrer. Faça um levantamento das palavras mais significa- tivas. c) Como a linguagem aponta para um dialeto regional e popular e um registro informal. 2. Preparação da atividade com o texto a) Em seguida, prepare a leitura em voz alta, para ler para seus alunos. b) Agora, pense em como vai acionar os conhecimentos prévios de seus alunos, com relação a: – história: ambiente, personagens, acontecimentos. – o gênero: o texto teatral tem determinadas características até gráficas. Seria importante saber se seus alunos já leram algum texto desse gênero. Se não, vale a pena explicar o aparecimento do nome de cada personagem antes de sua fala e a função das rubricas (frases que aparecem entre parênteses, com outro tipo de letra, e que têm a função de orientar o ator e o diretor da peça quanto à forma de desenvolver a cena, o tom e os movimentos de cada personagem) . 38 c) Planeje as perguntas que podem ajudar seus alunos na interpretação do texto. Apresentamos-lhe a seguir algumas possíveis. (Atenção! Nem todas servem a todas as séries. Além disso, você deve instigá-los a discutir, descobrir significados.) – Entre as personagens, quem são os amigos do morto? Como sabemos disso? – Quais são as personagens mais velhas e qual é mais jovem? Por que podemos tirar essa conclusão? – Como podemos perceber o sonho dos pescadores de morrer no mar? Quem eles imaginam que vai recebê-los no fundo do mar? – Sublinhem as palavras que dizem respeito ao mar e à vida de pescador. – Como percebemos o sonho dos mais novos de ganhar a vida de outro jeito? – Observem as palavras usadas como sinônimo de morrer: quais são e fazem alusão a que atividade? – Procurem no dicionário o verbete morrer: o que notam? Por que é um verbete tão grande? Procurem outros verbetes grandes no dicionário: que tipo de palavras têm verbete assim? O que isso significa, em termos de relação da vida com a língua? – A linguagem das personagens parece adequada ? Por quê? d) Proponha a leitura dramatizada do texto. Atenção! A leitura não pode ser improvi- sada: tem de ser preparada, em voz alta, no tom mais adequado a cada fala e a cada TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 41. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 personagem e situação, Por exemplo: o tom de Dermeval é mais neutro, porque ele não era muito próximo de Mestre Leonel. E os leitores têm de prepará-la em conjun- to, já que participam de uma mesma cena. Outro ponto: as rubricas não são lidas. e) Se você é professor da 7a ou 8a série, sugira a leitura do livro, que é excelente e muito divertido. Tente conseguir um exemplar numa biblioteca e leia algum trecho em que aparece o Bem-Amado, engraçadíssimo! 3. Proposta de produção de texto Conforme o que ocorrer no trabalho com o texto, os alunos podem estar mais dispostos a escrever sobre uma notícia de morte, ou criar um diálogo bem vivo, mesmo que com outro assunto, ou podem descrever uma figura pitoresca da cida- de. Defina com eles quem vai ler e como vai ser lida a produção deles. Mesmo que os colegas dêem sua opinião, não se exima de fazer comentários e definir a reescri- ta do trabalho. Orientação para o desenvolvimento da atividade 1. Análise do texto a) Sabemos primeiro seu nome, depois que era pescador, que era velho, que era muito pobre e que foi praticamente abandonado pela família. Apesar de tão velho e em dificuldades, há um comentário indelicado do Dermeval (que também entornava um bocado). Seus amigos eram o Zelão e o Mestre Ambrósio: não só estavam carre- gando o corpo, como antes davam peixes para ele comer e sabiam de sua família. Dermeval não era próximo: ficou meio indiferente à sua morte, não sabia como tinha 39 ocorrido. Só lhe vendia bebida. b) A linguagem dos dois reflete o mundo da pesca: tava que nem saveiro velho, embarcou levantou âncora, mal agüentava um caniço. com os sinônimos de morrer ocorre o mesmo: embarcar, ir para o estaleiro, esticou em terra. c) Há traços da linguagem nordestina (oxente!) , da fala popular, como a forma de fazer a frase negativa sem usar a negação antes do verbo: Janaína quis saber dele não. O registro informal aprece nas simplificações: tava, nas conjunções comparativas: que nem. A linguagem é absolutamente adequada ao ambiente da história. 2. Preparação da atividade (Vamos apresentar apenas as respostas que não estão incluídas na Atividade 1) – Quais são as personagens mais velhas e qual é mais jovem? Por que podemos tirar essa conclusão? Os pescadores mais velhos são chamados de mestres: Ambrósio e Leonel: Ze- lão é mais novo, o que se evidencia na observação sobre a filha do morto. – Como podemos perceber o sonho dos pescadores de morrer no mar? Quem eles imaginam que vai recebê-los no fundo do mar? Os pescadores têm o sonho de morrer no mar, daí a tristeza com relação à morte de Leonel. Eles imaginam que Janaína (ou Iemanjá) vá recebê-los e ter com eles.
  • 42. Os registros do português Secção 3 – Como percebemos o sonho dos mais novos de ganhar a vida de outro jeito? Os filhos de Mestre Leonel foram para as cidades grandes: Salvador e São Paulo, sonhando com outra vida. Procurem no dicionário o verbete morrer: o que notam? Por que é um verbete tão grande? Procurem outros verbetes grandes no dicionário: que tipo de palavras têm verbete assim? O que isso significa, em termos de relação da vida com a língua? As palavras que designam doenças, a morte, o diabo, profissões consideradas ruins, partes do corpo relacionadas com o sexo, por exemplo, têm muitos sinônimos, em todas as línguas. Essas palavras são consideradas constrangedoras e capazes de atrair o mal. Por isso, procuramos evitá-las e buscamos muitos sinônimos para elas. É o que se chama “tabu lingüístico”. 3. Proposta de produção de texto A produção de texto é uma atividade importante demais para não ser planejada cuidadosamente. Em primeiro lugar, ela precisa ser significativa para o aluno: nin- guém escreve sem necessidade, ou sem uma boa motivação. Por isso, é fundamental que estejam claros para os alunos os objetivos e os possíveis leitores de sua produ- ção. Por outro lado, eles precisam ter retorno do que produziram: colegas e você podem estabelecer formas de comentar o trabalho de cada um. Outro ponto a consi- derar é a necessidade de reescrita da produção. O aluno só consegue progredir na produção se ele próprio se dispõe a reescrever seu texto, melhorá-lo com relação a aspectos lingüísticos e à pertinência e à organização de idéias. 40 Resumindo 1- A língua é um sistema aberto, o que possibilita uma grande variedade de usos. Assim, ao lado de regras sistemáticas que todos os seus falantes devem seguir, aparecem as variantes da língua, que podem referir-se ao uso de um grupo, ou ao uso de cada locutor, no momento específico da interação. 2- Cada variante que marca o uso que determinado grupo faz da língua consti- tui um dialeto. 3- Os dialetos principais são definidos do ponto de vista geográfico, etário, sociocultural, de gênero e de profissão. 4- Os dialetos, como as línguas, preenchem as necessidades do grupo social que os usa, não havendo, portanto, um melhor do que outro. 5- Os dialetos não são compartimentos isolados: ao contrário, recebem influên- cias uns dos outros. 6- O registro é a variante escolhida pelo sujeito em cada ato específico de comunicação, segundo o contexto. 7- Os registros são basicamente dois: o formal e o informal, segundo o distanci- amento requerido pela situação. Entre os dois extremos, há muitas gradações. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 43. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 8- Os registros podem apresentar-se tanto na forma oral como na forma escrita da língua. 9- Os registros põem por terra a distinção do certo/errado, passando a discussão para o campo do adequado/inadequado. 10- Essas considerações nos levam a rever nossa atuação como professores de Língua Portuguesa. Em sala de aula, é fundamental criar oportunidades para que os alunos trabalhem textos que exemplifiquem diversas situações de comunicação, em que dialetos e registros diferentes se apresentem para a sua reflexão e discussão e como ponto de partida para a produção de textos igualmente diversificados. Esse é, afinal, o objetivo maior do ensino da língua: desenvolver no sujeito a competência para a leitura e produção de textos. 41
  • 44. Leituras sugeridas Além das obras indicadas anteriormente, que serviram de base para a criação do texto básico da unidade, sugerimos os livros a seguir, para o aprofundamento do estudo das variantes da língua. CUNHA.C. & CINTRA,L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. Esta gramática é das melhores, entre as essencialmente normativas. No caso do assunto desta unidade, os dois primeiros capítulos são interessantes, apesar da rigidez teórica no que se refere à norma culta. O segundo capítulo dá uma boa visão sobre os territórios onde se fala o Português no mundo. GERALDI, J.W. Linguagem e ensino - Exercícios de militância e divulgação. Campinas, SP: Mercado das Letras,1996. Como sempre, os textos de Geraldi, além de informar, pretendem discutir posições e sugerir caminhos. O livro de Geraldi é sobretudo para nos fazer pensar, mais do que para ensinar. Por isso, ele é tão importante. TRAVAGLIA, L.C. Gramática e interação: Uma proposta para o ensino de gramática no 1 e 2 graus. São Paulo: Cortez,1996. Do Capítulo 5 dessa obra, extraímos o texto de referência, que você vai ler mais adiante. Mas o assunto aparece de forma prática em vários outros momentos do livro. O Capítulo 10 apresenta muitos exemplos da questão. 42 TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 45. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 Bibliografia BECHARA, E. Ensino da gramática: opressão? liberdade?. São Paulo: Ática, 1985. GERALDI, J.W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1999. HALLIDAY, M.A.K et alii. As ciências lingüísticas e o ensino de línguas. Petrópolis: Vozes, 1974. LUFT, C. P. Língua e liberdade. Porto Alegre: L&PM, 1985. TRAVAGLIA, L.C. et alii. Metodologia e prática de ensino da língua portuguesa. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1984. 43
  • 46. Ampliando nossas referências Como sempre vai ocorrer nas unidades ímpares, apresentamos-lhe um texto teóri- co, chamado de referência, que representa um outro olhar sobre o assunto da unidade e vai ser analisado sobretudo na relação com a sua sala de aula. Nesse texto, tanto quanto nos nossos, desejamos que você faça uma leitura crítica: não temos de aceitar as posi- ções expostas, desde que tenhamos argumentos para defender outros modos de encarar a questão em foco. Texto de referência O texto proposto para seu estudo é parte de um capítulo sobre variação lingüística. Como os dialetos voltarão na próxima unidade, preferimos oferecer-lhe uma classifica- ção muito difundida dos registros e sobre a qual faremos algumas considerações e per- guntas. Eliminamos uma pequena parte do texto que trata especificamente da oralidade e da escrita (que o autor chama de variedade de modo) , assunto que será abordado na próxima unidade. “Para Halliday, McIntosh e Strevens (1974) , as variações de registro são classifica- das como de três tipos diferentes: grau de formalismo, modo e sintonia. O grau de formalismo representa uma escala de formalidade, entendida como um maior cuidado e apuro (no sentido normativo e estético) no uso dos recursos da língua (recursos do nível fonológico, morfológico, sintático ou das construções, do léxico, usos estilísticos, etc.) e também como uma maior variedade de recursos utilizados, aproxi- mando-se cada vez mais da língua padrão e culta em seus usos mais “sofisticados” (lite- 44 rários, obras científicas, etc.). Por variação de modo entende-se a língua falada em contraposição à língua escrita. (...) Considerando cinco graus de formalismo distintos, tanto na língua oral quanto na escrita, Bowen (1972) propõe o seguinte quadro das variedades de modo e de grau de formalismo. Quadro 1 - Variedades de Modo LÍNGUA FALADA LÍNGUA ESCRITA Oratório Hiperformal Variantes em grau Formal (deliberativo) Formal de formalismo Coloquial Semiformal Coloquial distenso Informal Familiar Pessoal Vejamos a seguir, com algumas pequenas modificações, acréscimos ou reduções, a caracterização sumária que se apresenta de cada grau de formalismo de Bowen. 1 – Oratório: elaborado, intrincado, enfeitado, inteiramente composto de períodos equilibrados e construções paralelas. É usado quase exclusivamente por especialistas, tais como: advogados, sacerdotes e outros oradores religiosos, políticos, etc. e é sem- pre reconhecido como apropriado para uma situação muito formal. Podem-se citar exemplos tirados de nossa literatura, tais como os sermões de Padre Antônio Vieira e as orações de Rui Barbosa. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 47. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 1a – Hiperformal: o equivalente escrito do oratório. Uma composição escrita para efeitos grandiosos ou sublimes. Uma poesia que segue estritamente os padrões formais, como o soneto, seria um exemplo. Um poema épico, romances de autores como Ma- chado de Assis e José de Alencar. 2 – Deliberativo: usado quando se fala a grupos grandes ou médios, em que se excluem as respostas informais. É preparado previamente e mantém de propósito uma distância entre falantes e ouvintes. Diferenciando-se do grau de formalismo coloquial, o deliberativo se caracteriza por sentenças que são mais rigorosamente definidas, por um número mais reduzido de sentenças curtas, por um vocabulário mais rico, com muitos sinônimos ou quase sinônimos, usados para evitar repetições léxicas desnecessárias, mostrando assim uma preocupação do falante como estilo de expressão. Freqüentemente, é muito difícil para os falantes a aquisição de uma per- formance nesse nível, embora entendam o que ouvem e apreciem as habilidades reveladas pelos outros. Conferências científicas normalmente são realizadas com esse nível de formalidade. 2a – Formal: apresenta características semelhantes ao do deliberativo, numa forma de linguagem cuidada na variedade culta e padrão, mas dentro do estilo escrito. É o caso da escrita dos bons jornais e revistas, cuidadosamente editada e elaborada. Correspon- dências oficiais também se enquadram nesse nível. 3 – Coloquial: comumente aparece no diálogo entre duas pessoas, ambas participantes ativas, alternando-se no papel de falante e emitindo sinais de realimentação, quando na posição de ouvinte. Sem planejamento prévio, mas continuamente controlado, é caracterizado por construções gramaticais soltas, repetições freqüentes, frases bem curtas e conectivos simples, sendo o léxico constituído de palavras de uso mais freqüente. 45 3a – Semiformal: corresponde na escrita ao coloquial, mas tem um pouco mais de formalidade que este. É a forma de língua que encontramos, por exemplo, em cartas comerciais e de recomendação, declarações, reportagens escritas para posterior leitura pelos locutores nas rádios e televisões, relatórios e projetos. 4 – Casual (coloquial distenso): nesse nível percebe-se uma completa integração entre falante e ouvinte, com o uso freqüente de gíria, que é um indicador do relacionamento próprio de um grupo fechado (linguagem particular ou semi-particular) . É caracteriza- do pela omissão de palavras e pouco cuidado em sua pronúncia, que pode ocorrer com mudanças de sons, sem seus finais, etc. Seriam exemplos desse nível as conversa- ções descontraídas entre amigos, colegas de trabalho. 4a – Informal: é o caso de correspondência entre membros de uma família ou amigos íntimos e caracteriza-se pelo uso de formas abreviadas, abreviações padronizadas, ortografia simplificada, construções simples, sentenças fragmentadas. 5 – Íntimo (familiar) : inteiramente particular, pessoal, usado na vida privada. Esse grau de formalismo é a língua em que há a intimidade da afeição. Aparecem portanto muitos elementos da linguagem afetiva com função emotiva. 5a – Pessoal: quase sempre notas para uso próprio. Como exemplos podem-se citar um recado anotado ao telefone, um bilhete que deixamos para avisar alguém da casa de algo ou mesmo uma lista de compras de uma dona de casa. Observa-se na prática que o registro coloquial pode ser considerado o centro do sistema lingüístico e, portanto, sua utilização é de grande importância nas atividades de
  • 48. ensino/aprendizagem da língua materna. Os extremos superiores da formalidade são o oratório e o hiperformal. Logo abaixo, temos o deliberativo e o formal. Os extremos inferiores da formalidade são o familiar e o pessoal e, um pouco acima deles, o casual (coloquial distenso) e o informal. Na verdade, essa é apenas uma das muitas classificações dos níveis de formali- dade da língua oral e escrita que se pode propor. No que diz respeito ao ensino/ aprendizagem de língua materna, para as atividades a serem aí desenvolvidas duran- te as aulas, parece ser suficiente, tanto para a língua falada quanto para a escrita, uma distinção básica entre formal (que incluiria oratório/hiperformal e deliberativo/ formal) e informal ou não-formal (que incluiria coloquial/ semiformal, casual/informal e familiar/pessoal) . Todavia, o professor estaria consciente de que dentro do que estaria chamando de formal há níveis distintos de formalidade, o mesmo valendo para o informal. Dentro do formal, interessará mais o trabalho com o deliberativo/ formal e dentro do informal o trabalho como coloquial/semiformal com incursões nos outros níveis. Os critérios aqui seriam os básicos da pedagogia de língua: a freqüência, a utilidade e complexidade (grau de dificuldade) , pois na verdade se observa que dificilmente os usuários da língua desenvolvem uma competência ativa (capacidade de falar e escrever) nos níveis oratório e hiperformal, embora desenvol- vam uma competência passiva (são capazes de entender o que ouvem e lêem e de admirar a formulação dada pelo falante/escritor) . Evidentemente, a situação é dife- rente no que diz respeito aos níveis mais baixos de formalidade, que o aluno já adquire fora da sala de aula, no convívio com a família e grupos sociais diversos, mas caberá sempre um trabalho de discussão dos recursos empregados nesses níveis e de como eles funcionam e que efeitos de sentido podem desencadear na interação comunicativa, conforme propomos na segunda parte. 46 A terceira série de dimensões de registro, a de sintonia, pode ser descrita como o ajustamento na estruturação de seus textos que o falante faz, com base em informações específicas que tem sobre o ouvinte. Há pelo menos quatro dimensões distintas de sintonia: o status, a tecnicidade, a cortesia e a norma. O status da pessoa a quem se dirige o falante pode trazer grandes diferenças no uso das formas e recursos da língua. Assim, um aluno não fala com o diretor da escola, da faculdade da mesma maneira que falaria com um garçom na lanchonete ou com um colega. Geralmente se empregam formas ou pronúncias, tom de voz que denotam deferência quando devemos respeito à pessoa a quem nos dirigimos, a fim de que a posição relativa de cada um fique precisamente definida. As entonações são muito importantes aqui, como na dimensão da cortesia. As dimensões de status poderiam talvez ser descritas em termos de variantes de grau de formalismo. Contudo, há diferenças que não podem ser facilmente explicadas em termos de níveis de formalidade, tais como a linguagem que um homem usa para falar com o próprio filho, comparada à linguagem usada para falar com a esposa. Nos dois casos, a variante é familiar, mas há traços de entona- ção e seleção de vocabulário e mesmo certos elementos da morfologia (flexões, sufixos) que claramente marcam uma diferença explicada pelo status, contrastan- do dois tipos de relação social. A tecnicidade é a variação que ocorre em função do volume de informações ou conhecimentos que o falante supõe ter o ouvinte sobre o assunto. Assim, por exem- plo, um professor de língua usará numa conferência profissional para colegas certos termos e noções de sua área profissional que não usará, digamos, ao falar sobre o TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 49. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 mesmo assunto com os pais de seus alunos. Esse tipo de variação poderá também ser observado, por exemplo, entre revistas científicas cujos artigos são escritos na supo- sição de que serão lidos por especialistas da área e revistas de divulgação científica (como Superinteressante, Globo Ciência, Revista Geográfica Universal), cujos artigos são destinados ao grande público, na sua maioria leigo nos assuntos, embora interes- sado neles. A cortesia é a variação que acontece devido à dignidade que o falante consi- dera apropriada ao(s) seu(s) ouvintes e/ou à ocasião. As variações de cortesia abran- gem uma escala que oscila entre a blasfêmia e a obscenidade num extremo e o eufemismo no outro. Finalmente temos a variação na dimensão da norma, que é aquela que ocorre quando, ao nos dirigirmos a determinado(s) ouvinte(s) , consideramos o que este(s) julga(m) “bom” em termos de linguagem. Ou seja, usamos uma determinada variedade lingüística porque a julgamos apropriada para falar com aquele(s) ouvinte(s) em particu- lar. Pode ser uma variedade social, geográfica, um registro mais ou menos formal, técni- co, cortês, etc. Assim, por exemplo, um jovem pode falar a mesma coisa de formas diferentes com um colega e com seu avô, usar registro mais formal em uma carta pedin- do emprego e um registro menos formal em uma carta a sua mãe.” TRAVAGLIA; L.C: Variações de registro. In Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1o e 2o graus. São Paulo: Cortez,1996. p.51- 58. As perguntas que se seguem pretendem ajudá-lo na análise do texto acima e na reflexão sobre a questão dos registros. 1 – Como você viu, o autor apresenta uma classificação muito minuciosa dos registros, 47 baseada no estudioso norte-americano J. Donald Bowen. As distinções propostas entre eles lhe pareceram claras, necessárias e adequadas? 2 – Você vê alguma vantagem em usar termos diferentes para classificar os registros na linguagem oral e na linguagem escrita? Os termos são capazes de distinguir claramente um registro do outro? Justifique. 3 – Como o texto literário (oral e escrito) só é referido no registro mais formal, você poderia concluir que a literatura se realiza somente nesse registro. Pelos textos que você estudou, esta seria uma conclusão correta?
  • 50. 4 – Releia o que o autor escreve sobre os níveis formal e semiformal. Você vê clara diferença entre eles? Justifique. 5 – Agora, observe a descrição do nível coloquial. Há relação clara com o semiformal? 6 – Há claras diferenças entre o informal e o pessoal? 7 – O íntimo é representado como o nível que expressa afeição e emoção. Você acha que esses elementos não podem aparecer na linguagem escrita? 48 8 – A dimensão sintonia lhe parece suficientemente clara e necessária? 9 – O próprio autor Travaglia parece desconsiderar a classificação apresentada. a) Em que trecho você percebe isso? b) Uma forma verbal e certos verbos e expressões usados por Travaglia sugerem a relatividade e a imprecisão da classificação. Quais são eles? TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 51. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 10 – Faça uma conclusão pessoal sobre o estudo do texto, enfatizando o que você reconhece nele de importante para a sua prática em sala de aula. 49
  • 55. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 Correção das atividades Atividade 1 A – O narrador é observador, embora, na última frase, apareça como interlocutor. Por isso, a narrativa é construída na 3a pessoa. B – a) Os exemplos são vários. Um deles é a fala da neta. O narrador fala em “velho implicante”, “coriáceo”, “duro”. b) Todas as falas dele são reveladoras. Você pode escolher. Também no início, ele é apresentado agindo: esparramando sua roupa e depois catando-a. c) No presente, temos a impressão de que se está montando mesmo um retrato. O pre- sente aproxima a cena, torna-a atual. d) As empregadas, possivelmente, experimentam raiva. Mas os familiares mais velhos têm paciência, os jovens e as crianças reagem às implicâncias: uma reclama, o pequeno esconde coisas dele. e) Resposta pessoal. Mas é cômica a cena do pintor doente e quase expulso. Também o diálogo sobre as moças saindo com os rapazes. f) Além de fazer literatura, ou fazendo literatura, ele parece querer divertir o leitor. 53 Atividade 2 A – Mesmo sem considerar as características do objeto livro, o título do livro e do conto indicariam mais ficção. A personificação do sentimento – Ciúme, com maiús- cula é decisiva. B – O narrador é a personagem principal. C – a) A narrativa se faz em 1a pessoa: ...a gente se encontrou: o Ciúme e eu. b) Torna o texto mais subjetivo, com os fatos trabalhados do ponto de vista da persona- gem. O que ocorre tem de ser filtrado por ela. D – Aparecem os familiares: irmão, mãe, tia, e principalmente o pai. E o Ciúme. E – Estava escuro (como se ela não pudesse “ver” com clareza, e ela não sabia se estava dormindo ou não. É como se ela antecipasse a possibilidade de um sonho. F – De repente; quando eu quis acender a luz; então eu pedia e pedia de novo. E o vento disse aquilo...; E o medo foi passando; E aí. (A própria repetição da conjunção aditiva e cria um desdobramento temporal.) G – O sentimento era uma ligação entre a menina e a irmã. H – As falas todas da menina eram representações do Ciúme. I – O uso dos verbos/adjetivos (tão espremida no canto). Mas também pela repetição do “pega ela”. Um deles está todo em maiúsculas.
  • 56. Correção Atividade 3 A – a) pernilongo: muriçoca b) dar à luz: parir, descansar, ter neném c) mandioca: macaxeira, aipim d) prostituta: meretriz, mulher-dama e) lamparina: lampião, lanterna, fifó B – Pesquisa pessoal. Na reunião com os colegas e com o formador, seria bom conhecer o que cada um pesquisou, para aumentar a lista de todos. Atividade 4 A – Opinião pessoal, a partir de suas experiências. Mas parece continuar existindo, em muitos ambientes, apesar de ser ideológica. B – Resposta pessoal, em função da comunidade. Mas, em muitos lugares, isso ainda é visto como “coisa de homem” como, por exemplo: jogar futebol, beber cachaça, discutir sobre política. C – Resposta pessoal. Mas, em muitos ambientes, ainda é considerado fraco o homem que chora, ou “dominado”, o que ajuda em trabalhos de casa. 54 Atividade 5 Trata-se do dialeto policial, evidente nos termos “autuado”, “flagrante”, “meliante”. Atividade 6 Resposta pessoal. De todo modo, procure entender por que gostou ou não gostou: sua opnião foi formada pelo assunto, pela estrutura repetitiva? Atividade 7 A – Resposta pessoal. Mas a repetição é que, diferentemente da nossa experiência, possibilita contar a história pedindo que seja contada. Além disso, a repetição dá um ritmo embalador ao texto, como nas histórias para fazer dormir. B – Primeiro, pede à mãe (“você não podia ter neném na sua barriga”). Depois, ora ela pede ao pai, ora à mãe. No fim, pede aos dois. C – Eles dormiam encaixadinhos como duas colheres; entraram no hospital de mãos dadas; ambos contam a mesma história para a menina. D – Aqui, o diminutivo é muito bem empregado. Ela era, então, pequenininha. E ela apenas repete a linguagem dos pais. E – Resposta pessoal. Em todo caso, percebemos que a menina é filha dos dois, e que constituem os três uma família. (Na ilustração, ainda temos o cachorro como membro dessa família.) TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 57. Variantes lingüísticas: dialetos e registros Unidade 1 Atividade 8 A – A ilustração é marcada pelo humor, criado por elementos como: certa desordem no quarto, o cachorro (que não entra no texto verbal) em cima da cama, os títulos dos livros. B – Os livros tratam da vida das crianças (sobretudo bebês) : O bebê chegou. E AGORA?; Por que o bebê chora; Se for menina; 101 testes para crianças. Um está ligado à vaidade feminina: Pernas elegantes em 30 dias. A vaidade, aliás, vem confirmada no rótulo do pote de cabeceira da mulher: tira-rugas. C – A mãe parece reagir ao ronco do marido. D – A presença do cachorrinho, dormindo tão à vontade em cima dos dois, sugere um casal carinhoso e talvez sem filhos. Atividade 9 A – Exagero: morrendo de curiosidade; eu berrava de fome; ficavam furiosos (e as próprias comparações). comparação: encaixadinhos como duas colheres; dormiam como uma pedra; riam que nem bobos. B – O traço caricatural ajuda na criação de um tom de descontração e informal, que combina com a informalidade da linguagem do texto. Atividade 10 55 A – Ele tinha um palavreado bem ”antigo”. Além disso, não permitia muita intimidade mesmo. O uso é, portanto, bastante adequado. a) O pronome átono no início de oração e da frase; o uso do pronome “ela” como objeto direto; as repetições; a estrutura da frase do parágrafo que começa com: “Ela é a primeira da turma”; a expressão “ foi meio que passando” b) São coerentes: em determinados momentos, trata-se de uma menina falando com o Ciúme; em outros, temos a narradora-personagem adulta fazendo uma “confidência”, próxima do leitor. Atividade 11 A – Resposta pessoal. Mas são dados importantes: trata-se claramente de uma família de negros: pai, mãe, filho/filha. Estão bem vestidos. A expressão dos adultos é de afeto. O corpinho do menino, indo para o abraço, também sugere isso. B – Ele parece estar chegando, trazendo o jornal para ler. A impressão é que ele deixou tudo no chão para receber/dar o abraço. C – Exatamente os objetos caídos, como se não desse para esperar pelo abraço, no caso do adulto. No caso da criança, os pezinhos esticados para alcançar o pescoço do pai. O abraço apertado e disponível. D – Resposta pessoal. Na nossa literatura, no entanto, a forma de apresentar os negros costuma ser preconceituosa, sempre em situações difíceis.
  • 58. Correção Atividade 12 Criação pessoal. Importante é marcar a afetividade do ambiente, a ação de cada um no momento: a mãe, por exemplo, já providenciando um belo lanche para os três. Quanto ao registro usado, sua adequação vai depender do leitor imaginado e da própria forma de desenvolver o assunto. Respostas às questões sobre ampliando nossas referências 1 – A resposta é pessoal. Mas não há dúvida de que, mesmo que a classificação pareça desnecessária, os vários exemplos ilustram formas dos registros. 2 – A classificação dos registros orais e escritos não parece nem clara nem suficiente, sobretudo porque os termos usados (coloquial, informal e semiformal, por exemplo) já aparecem nos estudos sobre registros. 3 – Não parece correta. Como vimos, o texto literário pode utilizar-se dos mais diferen- tes registros. Se a opção é dar exemplos literários, eles poderiam aparecer em todo os níveis. Por outro lado, os exemplos citados no caso do hiperformal são de narrativas longas (Machado e Alencar) , e nesse gênero é praticamente impossível que o hiperfor- mal apareça o tempo todo. 4 – Os dois registros escritos não apresentam diferença significativa: relatórios, projetos, reportagens, textos de revistas e jornais não são, em princípio, diferentes. 5 – Os dois registros, paralelos, apresentam posições muito diferentes entre interlocuto- res: o coloquial é descrito como um registro em que a realimentação (o conhecimento da 56 reação do outro) é importante. Ora, não é isso que ocorre em cartas comerciais, cartas de apresentação, etc. 6 – A diferença entre os dois é praticamente inexistente, na própria descrição feita: comunicação entre íntimos. 7 – É evidente que a emoção pode aparecer perfeitamente em textos escritos. As cartas íntimas, bilhetes entre amigos são exemplos disso. 8 – O nível classificado de sintonia tem uma divisão em quatro tipos, muito parecidos entre si e com outros registros. Todos eles levam em conta basicamente o interlocutor, e fica difícil separar, por exemplo, o status da cortesia e da norma. 9 – a) Quando o autor acaba optando pela divisão dos registros em formal e informal (mesmo com a ressalva das gradações) , ele deixa claro que é difícil a separação: trata-se de graus às vezes muito próximos só analisáveis no caso específico de dado texto. b) Essa dificuldade de claras distinções vai fazer o autor usar com freqüência o futuro do pretérito (Seriam exemplos desse nível...), o verbo “poder” e expressões como freqüen- temente, quase sempre, etc., que relativizam a afirmação. 10 – A conclusão é muito pessoal. Mas não deve passar despercebida a importância do assunto e a necessidade de ser trabalhado na escola, a partir de textos que indi- quem o contexto do enunciado. Mais importante do que estabelecer classificações rígidas é observar atentamente e com sensibilidade cada texto, e descobrir suas opções de construção. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 59. Unidade 2 Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Maria Antonieta Antunes Cunha Iniciando nossa conversa Caro Professor, cara Professora, Na unidade anterior, você leu vários textos que enfocavam a família. Esperamos que tenha gostado deles e dos estudos propostos porque... ela continuará sendo nosso assunto nesta unidade. É que assuntos tão importantes como o nascimento e a morte, a natureza e o amor, encontros e desencontros, acabam sendo tão fundamentais na vida da gente e são analisados de tantos ângulos, que se tornam inesgotáveis. Agora, vamos trazer outros gêneros de textos e achamos que você vai aprovar nossas novas escolhas. Por outro lado, vamos dar continuidade aos estudos sobre variação lingüística, assunto que cada vez mais mobiliza estudiosos e professores, porque em torno dessa questão giram vários pontos importantíssimos do ensino da língua. Na unidade anterior, vimos que a língua, por ser um sistema aberto, possibilita uma enorme variedade de usos, e que as variantes podem ser de duas naturezas: a que apresenta as marcas comuns a um dado grupo (os dialetos) e a que é realizada pelo 57 sujeito, em cada ato individual e momentâneo da língua (os registros). Nesta unidade, vamos aprofundar nosso conhecimento e discussões sobre pontos polêmicos, no estudo da língua: a norma culta, a linguagem literária e as modalidades da língua: oral e escrita. Muitos dos problemas que professores e alunos enfrentam estão relacionados ao mau entendimento dessas questões, daí nossa preocupação em reservar para elas um bom espaço para discussão. Nossa unidade tem três seções. A primeira – A norma culta – vai procurar mostrar as características, limites e importância da norma culta; na segunda – O texto literário – vamos mostrar a grande característica da linguagem do texto literário: a total possibilida- de de liberdade de construção; a terceira – Modalidades da língua – vai apresentar as marcas principais das duas modalidades em que se realizam todos os textos verbais: a língua oral e a língua escrita. Definindo nosso ponto de chegada Ao final da unidade, esperamos que você, além de ter apreciado o estudo, seja capaz de: 1- caracterizar a norma culta; 2- caracterizar a linguagem literária; 3- caracterizar a língua oral e a língua escrita.
  • 60. Seção 1 A norma culta Objetivo da seção Caracterizar a norma culta. Professor, Vimos, na unidade anterior, que os dialetos socioculturais são basicamente dois: o popular e o culto. Já sabemos também que o que os distingue são as condições sociais, econômicas e culturais dos grupos, nos quais o nível de escola- rização é decisivo. Como prometemos ainda naquela unidade, vamos começar a estudar mais de perto esse dialeto culto, ou, em outras palavras, a norma culta. Por favor, releia a esmo qualquer trecho de nossos guias e nos diga: você adivinha, pelos escritos, as características dos autores dos textos? Não vale olhar na página de crédito. Em todo caso, se olhou, você já sabe que os autores são... auto- ras. Mas você encontrou nas páginas algum rastro de um dialeto feminino? Mais: 58 ficou claro de que região do Brasil elas vêm? Quanto ao dialeto etário, bem, você talvez imagine uma faixa bem elástica, dos 30 aos 60. Não terá errado muito, mas sua inferência não foi feita a partir de marcas do texto, mas, possivelmente, pelo tipo de trabalho que estamos realizando e que já não interessa aos mais velhos, mesmo sábios, e não pode, ainda, ser feito por sujeitos muito novos. Para o gênero de texto que estamos criando - guia de estudo -, é importante o máximo de objetividade (antes, o mínimo de subjetividade), deixando de lado sentimen- tos e pontos de vista muito pessoais. Procuramos, centradas no “objeto” de estudo, o ensino da língua, ter um tom que, sem afastar-se de você, professor, não exponha algo muito particular nosso (a não ser o conhecimento e as convicções, porque estes nos acompanham, como sombras, independentemente de nossa vontade). Tampouco usamos gírias do momento (a não ser as do estudo da língua), e, se cometemos algum erro de linguagem, não foi conscientemente – foi sem querer e sem consciência do erro, o que pode ocorrer, não tenha dúvida. Ao elaborar nossos textos, a preocupação é fazê-los corretos, claros, sem ambigüidades, diretos, enfo- cando objetivamente o assunto do estudo. Sintetizando: usamos o registro formal (mas não muito) e a norma culta. Por que usamos a norma culta? Por muitos motivos, com certeza. Um deles é o fato de que a norma culta é a utilizada em documentos oficiais e administrativos, em grande parte das matérias da maioria dos jornais e revistas, assim como em gran- de parte do noticiário de rádio e televisão. Outro motivo: é o dialeto sociocultural nosso – das autoras e de você, leitor. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 61. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 Atividade 1 Gostaríamos de saber como você se relaciona com a norma culta. Responda, com sinceridade e sem inibições: A – Você considera que usa a norma culta? Justifique. B – A forma como você usa a norma culta constrangeu você ou seu interlocutor, alguma vez? C – Como você vê o ensino da norma culta a seus alunos? 59 Pois vamos refletir um pouco sobre essa norma (ou dialeto) culta. Como o próprio nome indica, e já antecipamos na unidade anterior, trata-se de uma norma. E nós já conhecemos esse nome: sabemos que ele indica o uso da língua feito normalmente por determinado grupo. E é culta, porque se refere ao uso de grupos escolarizados, em geral privilegiados do ponto de vista social e econômico, e, portanto, também cultural. Como uma das variantes de dialeto, não é melhor nem pior do que qualquer outra. Do ponto de vista da comunicação, a norma culta tão eficiente e tão válida quanto qualquer outra. Qual é a sua importância, então? Antes de mais nada, é bom lembrarmos que todas as línguas têm a sua norma culta, assim como têm as demais variantes. Nenhuma língua é um bloco único, fechado, igual. Em todas as línguas, uma norma é escolhida para ser uma variante posta à disposi- ção de todos os falantes da língua. Teria o papel altamente louvável de estabelecer um padrão comum a todos os falantes de determinada comunidade lingüística e facilitar a interação entre eles em muitas situações. Em todos os lugares, a norma padrão é definida a partir do grupo que detém o poder – não por acaso, o mesmo grupo que é privilegiado no tocante a escolaridade, nível socioeconômico, etc. É mais que evidente que a variante escolhida por esse grupo para
  • 62. A norma culta Secção 1 padrão é a sua própria. Em resumo, a norma padrão/culta é a que usa certas camadas privilegiadas de sujeitos adultos, normalmente habitantes das grandes cidades. No Brasil, também, a norma-padrão é a norma culta. E, se deve haver uma norma a unir os grupos sociais, não importa que seja essa. Qualquer outra escolha teria a mesma característica de ser arbitrária. Voltemos a um ponto já apresentado: é nessa língua padrão que se elabora grande parte da produção do conhecimento e das comunicações mais amplas e oficiais: os mais diferentes documentos, textos técnicos e científicos, manuais di- dáticos, grande parte da literatura do país, além de falas oficiais, discursos, con- ferências, a maioria das palestras e debates de interesse geral. Isso ocorre porque todos - ou quase todos - esses enunciados são produzidos pelo grupo que, como você e como nós, tem a norma culta como seu dialeto sociocultural. Os fatos da norma culta são objeto da maioria dos livros chamados “gramáticas” e estão apre- sentados nos dicionários. Por que, então, há tanta discussão em torno da norma culta? É que ela acaba sendo uma grande fonte de equívocos, quando a questão é seu ensino na escola, sobretudo no ensino fundamental. Consideremos as duas posições mais problemáticas, no trabalho da escola com a norma culta. Um primeiro grupo de professores considera que o domínio da norma culta é o principal objetivo do ensino da língua na escola. Sem ter a idéia clara e impor- 60 tante de que a aquisição da língua e sobretudo de outros dialetos é um processo lento; sem ter a visão de que só aprendemos o que é significativo para nós e a partir do que já sabemos; sem relativizar a importância da língua padrão, como apenas uma das possibilidades da língua, esse grupo (que em geral cultua apenas a gramá- tica normativa) despeja nas aulas de Português as regras de uma “língua” que quase parece estrangeira e que não tem qualquer contexto para ser aprendida. São trabalhados quase exclusivamente a modalidade escrita da língua e, mais ainda, o texto literário. (Vamos ver adiante que a norma culta não se apresenta aí, especi- ficamente.) Desse modo, esse grupo desconhece ou desconsidera os muitos avanços das ciências lingüísticas, que se voltam cada vez mais para a valorização da língua cotidiana de cada locutor, e da sua expressão oral. Desconhece, ou desconsidera, também, que a própria norma culta é flexível e “incompleta”, na medida em que a língua do sujeito está sempre em construção. Como qualquer dialeto, ela sofre mudanças no tempo e no espaço, mostra interse- ções, da mesma forma que se apresenta diferentemente em cada modalidade da língua: oral e escrita. Para confundir mais ainda a questão, a maioria esmagadora das chamadas “gramáticas do Português” tratam quase exclusivamente dos fatos da língua na forma que têm na norma culta e são apresentados como “a forma correta”. O resultado concreto disso tudo, na escola, é mais freqüentemente o desin- teresse e o silêncio do aluno, o que certamente é prejudicial não simplesmente ao desenvolvimento das suas competências discursivas, mas também e sobretudo ao desenvolvimento do cidadão, que precisa saber ouvir, mas precisa aprender a se expressar. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 63. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 Atividade 2 A – Você teve professores, ou conhece professores com essa visão? Qual foi sua reação, ou qual é a reação dos alunos diante disso? Relate abaixo a sua experiência. B – Você acredita que há formas de mudar a situação? Quais? No outro extremo, há professores que, considerando que o aluno já domina a verdadeira língua (a oral), e na qual ele se expressa com (toda?) eficiência; considerando também que o ensino da norma culta é uma arbitrariedade, dão pouca ou nenhuma importância ao ensino da língua padrão. A conseqüência disso é que não se cumpre um dos grandes objetivos do ensino da Língua Portuguesa, que é ajudar o aluno a desenvolver a capacidade de compreender e 61 produzir os mais diferentes textos, para as mais diversas situações de uso da língua. O resultado é não facilitarem ao aluno o acesso a toda aquela produção em norma culta, de que já falamos. Como conseqüência disso, ficam muito diminuídas as possibilidades do aluno de interagir com o mundo. Atividade 3 A – Você também conhece professores com essa visão? Como reagem seus alunos a isso? B – Como reagem os pais diante disso?
  • 64. A norma culta Secção 1 C – Como você pensa que pode mudar a situação? Dissemos acima que dominar a norma culta é um dos objetivos do ensino da língua, uma vez que ela é necessária em muitos momentos de nossa vida. Pensamos que esse é também o objetivo, claro ou não, dos pais, quando levam seus filhos à escola. Mesmo os que não tiveram acesso a ela de maneira mais constante sabem intuitivamente da sua importância. Em outras unidades vão ser discutidas formas de levar ao aluno essa norma culta. Por enquanto, é fundamental termos consciência de alguns pontos, já trabalhados, mas que queremos reforçar: Importante 1 – A norma culta não é melhor do que os outros dialetos: estes, tanto quanto a norma culta, cumprem perfeitamente sua função no ambiente em que são usados e com as pessoas desse ambiente. 62 2 – Aprender a norma culta é ter mais uma opção de uso da língua, importante em muitos momentos e ambientes. Quanto mais opções o sujeito tiver de uso da língua, mais ele vai poder atuar na sua comunidade e se desenvolver como cidadão. 3 – Ninguém deve ser discriminado por apresentar um comportamento lingüístico diferente do outro. Já é hora de trabalharmos com um texto, não é? Por que seus pais estão se divorciando Uma das maneiras de entender por que as pessoas se divorciam consiste em compreen- der antes de mais nada alguns dos motivos por que as pessoas se casam. Duas pessoas costumam se casar porque julgam se amar e pensam que sempre se amarão. As pessoas TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 65. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos se casam porque julgam que querem passar o resto de suas vidas juntas. Algumas pesso- Unidade 2 as se casam porque têm necessidades próprias e pensam que o companheiro será capaz de satisfazê-las. As pessoas também se casam porque pensam que vão ser felizes juntas. Há um bocado de “pensamento” nessas afirmativas, e às vezes as coisas não saem da maneira como as pessoas pensam. As pessoas evoluem. As pessoas mudam. Às vezes elas evoluem e mudam de maneiras diferentes até terem pouco em comum uma com a outra. E grande parte do “pensamento” tido anos antes poderá não valer mais. Às vezes as pessoas simplesmente se enganam. Enganaram-se com o companheiro anos atrás ou se enganaram com elas próprias. Quando pessoas casadas descobrem que cometeram um erro a respeito uma da outra, que não (ou não mais) se amam, ou que o companheiro não (ou não mais) satisfaz suas necessidades, tornam-se infelizes. Geralmente, não é culpa de ninguém, embora cada pessoa culpe a outra num divórcio. Quando pessoas casadas tornam-se infelizes uma com a outra, podem escolher entre continuar casadas e infelizes ou então se divorciarem. Geralmente, mesmo sabendo que irão ferir as crianças e lamentando fazê-lo, decidem que precisam obter o divórcio. Há milhões de pessoas separadas neste país. Cerca de um em cada três casamentos termina em divórcio. Há milhões de crianças cujos pais estão separados. Você, com toda certeza não está sozinho. KALB, John & VISCOTT, M.D.David. O que toda criança precisa saber. Trad. de César Tozzi. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979, p. 110-111. Ao contrário dos outros textos que você leu, este não é um texto literário. Embora na arte tudo seja possível, nossa expectativa, a partir do título do texto e do livro seria para uma leitura não literária. Se fosse literário, seria mais uma surpresa que a arte estaria nos fazendo. 63 Se o título não quer nos surpreender, mas, ao contrário, informar claramente o assun- to do texto, ele deve expor as causas do divórcio. Se for um bom texto, deve ter uma organização bastante lógica e conseqüente. O fato de o texto estar dirigido claramente às crianças deve fazer que tenha um vocabulário e uma forma de explicar a questão do divórcio de modo bem simples. Seria importante que ele ajudasse as crianças que têm o problema, os mais prováveis leitores, a enfrentarem tal situação. Vamos ver se o texto consegue isso? Atividade 4 A – O texto tem 5 parágrafos. Indique abaixo a idéia central de cada um deles. 1§: 2§: 3§: 4§: 5§:
  • 66. A norma culta Secção 1 B – Segundo os autores, há muitas razões pelas quais as pessoas se casam e “descasam”. Há relação entre umas e outras? C – Uma das idéias fundamentais do texto é a de que no divórcio não há obrigatoriamente culpados. Com que argumento o texto explica isso? D – Para os autores, o divórcio é uma tentativa de resgatar a felicidade. Você acha que esse é um direito de todos, inclusive dos pais infelizes? 64 E – Você acha que as crianças que vivem o problema podem tirar algum alento da informação que aparece no último parágrafo? F – A expectativa dos leitores, neste caso específico, pode frustrar-se? Justifique sua opinião. G – Indique em que dialeto e em que registro o texto foi construído. Justifique esse uso. Veja que o texto sobre o divórcio tem muitas das características do nosso próprio texto, neste caderno. Quer dizer: ele também é um exemplo de texto escri- to na norma culta. A norma culta é absolutamente predominante nesses gêneros de texto, publi- cados em livros, jornais e revistas, com a intenção de expor idéias, ou apresentar argumentos. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 67. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 Avançando na prática Esse texto pode perfeitamente ser usado com seus alunos, mesmo porque não foi escrito para adultos. Você também pode, em princípio, aproveitar as perguntas que lhe propusemos para ele, ou criar outras. Importante seria mostrar aos seus alunos que a organização dele é fundamental, porque pretende ir encaminhando o raciocínio do leitor, através da seqüência de dados. Quanto ao assunto, mesmo entre crianças que vivem o problema da separação, é possível estabelecer uma discussão saudável sobre a questão do divórcio, e, conforme a reação ou a necessi- dade da turma, usar outros textos que enfoquem o mesmo problema. Nesse caso, com alunos de 5a ou 6a séries, sugerimos comparar o texto acima com duas páginas geniais de Ziraldo, em O Menino Maluquinho: 65 ZIRALDO. O Menino Maluquinho. São Paulo: Melhoramentos, 1992. p. 84-85 Para explorar o texto de Ziraldo, sugerimos algumas questões para você discutir com os alunos: 1. O que o narrador diz sobre o amor dos pais pelos filhos. 2. Como o narrador sugere (pela imagem) a separação dos pais. 3. A teoria dos lados, do Menino Maluquinho, e como a mesma idéia se apre- senta no outro texto sobre o divórcio. 4. As principais diferenças entre os dois textos: um conta uma história e o outro expõe idéias. Um é ficção (invenção), o outro está ligado à realidade.
  • 68. A norma culta Secção 1 Atividade 5 Em um parágrafo de aproximadamente 10 linhas, indique as razões pelas quais você acha importante trabalhar a norma culta na escola. Resumindo 66 A norma culta é um dos dialetos definidos por critérios socioculturais. Como para todas as línguas, a norma culta é escolhida como norma-padrão, que é usada nos documentos, sobretudo os oficiais, em grande parte da literatura, dos escritos e falas da imprensa. Sua maior característica é a correção pautada na gramática normativa. No entanto, não é melhor nem pior, mais bonita ou mais feia do que qualquer outra norma/dialeto. Por outro lado, não é obrigatoriamente o espaço da língua escrita ou da literatura. Deve, ser trabalhada na escola, como o dialeto que o aluno deve ir aos poucos dominando, por ser o mais adequado a certas situações de comunicação. Na seção seguinte, vamos ver casos em que o texto escrito pode perfeitamente fugir dos padrões ditados pela norma culta. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 69. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 Seção 2 O texto literário Objetivo da seção Caracterizar a linguagem literária. Convidamos você a ler agora um poema, gênero que nós não estudamos ainda. Você já devia estar sentindo falta dele, não é? Trata-se de um texto de Carlos Drummond de Andrade, autor da crônica Retrato de velho, lembra-se? É um poema muito especial, pela forma e pelo conteúdo polêmico, ainda que ele não tivesse nenhuma intenção de criar barulho. Vamos a ele. Caso do vestido Nossa mãe, o que é aquele se afastou de toda vida, vestido, naquele prego? se fechou, se devorou, Minhas filhas, é o vestido chorou no prato de carne, de uma dona que passou. bebeu, brigou, me bateu, Passou quando, nossa mãe? me deixou com vosso berço, 67 Era nossa conhecida? foi para a dona de longe, Minhas filhas, boca presa, vosso pai evém chegando. Nossa mãe, dizei depressa que vestido é esse vestido. Minhas filhas, mas o corpo ficou frio e não o veste. O vestido, nesse prego, está morto, sossegado. Nossa mãe esse vestido, tanta renda, esse segredo! Minhas filhas, escutai mas a dona nem ligou. palavras de minha boca. Em vão o pai implorou. Era uma dona de longe, Dava apólice, fazenda, vosso pai enamorou-se. dava carro, dava ouro, E ficou tão transtornado, beberia seu sobejo, se perdeu tanto de nós, lamberia seu sapato.
  • 70. O texto literário Mas a dona nem ligou. visitei vossos parentes, Secção 2 Então vosso pai, irado, não comia, não falava, me pediu que lhe pedisse, tive uma febre terçã, a essa dona tão perversa, mas a morte não chegava. que tivesse paciência Fiquei fora de perigo, e fosse dormir com ele... fiquei de cabeça branca, Nossa mãe, por que chorais? perdi meus dentes, meus olhos, Nosso lenço vos cedemos. costurei, lavei, fiz doce, Minhas filhas, vosso pai minhas mãos se escalavraram, chega ao pátio. Disfarcemos. meus anéis de dispersaram, Nossa mãe, não escutamos minha corrente de ouro pisar de pé no degrau. pagou conta de farmácia. Minhas filhas, procurei Vosso pai sumiu no mundo. aquela mulher do demo. O mundo é grande e pequeno. E lhe roguei que aplacasse Um dia a dona soberba de meu marido a vontade. me apareceu já sem nada, Eu não amo teu marido, pobre, desfeita, mofina, me falou ela se rindo. com sua trouxa na mão. 68 Mas posso ficar com ele Dona, me disse baixinho, se a senhora fizer gosto, não te dou vosso marido, só pra lhe satisfazer, que não sei onde ele anda. não por mim, não quero homem. Mas te dou este vestido, Olhei para vosso pai, última peça de luxo os olhos dele pediam. que guardei como lembrança Olhei para a dona ruim, daquele dia de cobra, os olhos dela gozavam. da maior humilhação. O seu vestido de renda, Eu não tinha amor por ele, de colo mui devassado, ao depois amor pegou. mais mostrava que escondia Mas então ele enjoado as partes da pecadora. confessou que só gostava Eu fiz meu pelo-sinal, de mim como eu era dantes. me curvei... disse que sim. Me joguei a suas plantas, Saí pensando na morte, fiz toda sorte de dengo, mas a morte não chegava. no chão rocei minha cara, Andei pelas cinco ruas, me puxei pelos cabelos, passei ponte, passei rio, me lancei na correnteza, TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 71. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 me cortei de canivete, comia meio de lado me atirei no sumidouro, e nem estava mais velho. bebi fel e gasolina, O barulho da comida rezei duzentas novenas, na boca me acalentava, dona, de nada valeu; me dava uma grande paz, vosso marido sumiu. um sentimento esquisito Aqui trago minha roupa de que tudo foi um sonho, que recorda meu malfeito vestido não há... nem nada. de ofender dona casada Minhas filhas, eis que ouço pisando no seu orgulho. vosso pai subindo a escada. Recebei esse vestido e me dai vosso perdão. Olhei para a cara dela, quede os olhos cintilantes? quede graça de sorriso, quede colo de camélia? quede aquela cinturinha 69 delgada como jeitosa? quede pezinhos calçados com sandálias de cetim? Olhei muito para ela, boca não disse palavra. Peguei o vestido, pus nesse prego da parede. Ela se foi de mansinho e já na curva da estrada vosso pai aparecia. Olhou para mim em silêncio, mal reparou no vestido e disse apenas: Mulher, põe mais um prato na mesa. Eu fiz, ele se assentou, comeu, limpou o suor, ANDRADE, Carlos Drummond de. Caso do vestido. A rosa era sempre o mesmo homem, do povo. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 96-103
  • 72. O texto literário O simples fato de ver o texto na página já criou uma expectativa em você, não é? Secção 2 Essas linhas interrompidas, separadas duas a duas, confirmaram a informação de que iríamos ler um poema, embora às vezes o poema não se apresente dessa forma. Este aqui é um poema feito em dísticos, que são estrofes de apenas dois versos. Vamos à interpretação? Atividade 6 A – A primeira pergunta você já sabe qual é: gostou do poema? Achou triste demais ? Achou a mulher Amélia demais? Tente decifrar seus sentimentos com relação ao poema e aponte-os abaixo. Você lê com freqüência poemas que contam uma história, como esse? Talvez se tenha lembrado primeiro da literatura de cordel, em que as narrati- vas são muito freqüentes, embora poemas narrativos sempre tenham existido. Tam- 70 bém em comum com a narrativa popular, esse poema de Drummond tem, em geral, versos de 7 sílabas, a chamada redondilha maior, muito encontrada na música e no verso populares. Mas o poema, além de contar uma história, é dialogado, característica mais inco- mum ainda, a não ser (de novo) na poesia popular. Atividade 7 Essa forma dialogada deve lembrar a você outro gênero literário. Qual? Realmente, o poema seria facilmente encenado, tal a sua dramaticidade, nos dois sentidos: possui uma carga de tensão e dor muito grandes, e tem os elementos caracte- rísticos do gênero teatral: o diálogo, o conflito das personagens, de certo modo a cena apresentada diante de nós. Veja que as filhas dizem “nossa mãe”, sugerindo-se que falam juntas. Vemos que o texto mistura elementos de muitos gêneros. Mas há também muitas misturas lingüísticas. Vamos ver as principais. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 73. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 Atividade 8 A – Há muitas misturas de formas de tratamento (sobretudo os pronomes que usamos para tratar, chamar o interlocutor: tu, você, o senhor, vós, etc.). Aponte as que lhe pareceram mais importantes e tente justificá-las. B – Pelo que se pode deduzir da fala da mãe, a família era abastada. Onde possivelmen- te moravam? C – Eram pessoas cultas? Justifique sua resposta com elementos do texto. D – O vocabulário também parece ser de vários níveis. Indique palavras que mos- 71 tram isso. Percebemos que todos esses desníveis fazem parte dessa tensão, desse conflito que se mantém ao longo do texto, ajudando a criar a atmosfera teatral. Atividade 9 “O mundo é grande e pequeno”. Que sentido tem esse comentário no poema? (Observe que há simetria entre várias situações da história.)
  • 74. O texto literário Secção 2 Atividade 10 “Olhei muito para ela. Boca não disse palavra”. A – Veja a organização da descrição da mulher: ela mostra claramente o movimento dos olhos da narradora. Qual é esse movimento? B – Como a mãe sugere a decadência da outra mulher? Enfim, vamos pensar na história contada. Você concorda com todas as atitudes da mãe? Concorda com algumas delas? Você acha que ela agia por amor? Nem o amor justificaria sua atitude? Você conhece mulheres que, mal comparando, têm ou teriam a(s) mesma(s) atitude(s) ? 72 É tão complexa e tem tantos lados a questão, que vale a pena tentar organizar os pensamentos, para uma discussão que virá mais adiante. Depois do próximo texto, va- mos voltar a esse assunto. E a linguagem do texto? Temos no poema de Drummond um excelente exemplo de como se constrói a linguagem poética. É muito comum relacionarmos a linguagem literária com norma culta e com registro formal. As duas aproximações são equivocadas, ou, pelo menos, parciais. Lembre-se do início da unidade: não foi por acaso que dialogamos sobre nosso próprio texto. Ele, sim, precisava da norma culta e do registro formal: nosso texto é informativo, expositivo, argumentativo às vezes, e nesse gênero de texto não só cabe como é importante a correção, certa impessoalidade, que garanta sua leitura por muitos leitores (talvez até em épocas diferentes). O texto literário, em qualquer gênero, caracteriza-se pela possibilidade de usar qualquer dialeto e qualquer registro, em função das intenções do autor. E, em qualquer deles, ainda pode infringir as regras. É por isso que, sempre que abordamos um dado da literatura, fazemos uma ressalva : embora, a não ser que, pode ser que... A arte está sempre “inventando moda”, surpreendendo-nos. A arte pode tudo. Na obra de arte, o limite é dado pela obra de arte, e apenas por ela. (Atenção! Essas não são frases “de efeito”; são rigorosamente verdadeiras.) Determinado texto literário pode até usar a língua padrão, mas isso não vai ocorrer porque se trata de “seguir” o padrão (nada é mais potencialmente subversivo do que a arte), mas porque, no contexto da obra, o que cabe é, eventualmente, a língua padrão. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 75. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Não tem, portanto, compromisso a priori com a correção da norma culta. Cada texto Unidade 2 literário, em qualquer gênero, cria sua própria lógica, e é com base nessa lógica que podemos entrar nele. A linguagem literária pode dar-se o luxo de não parecer literária, de parecer pobre ou cheia de clichês. Lembrete Clichê é a mesma coisa que “chavão”, “frase feita”. É uma expressão normalmente usada quando falta assunto, ou quando não temos uma visão pessoal e original sobre determinada questão. Certa expressão foi usada, um dia, repetida, e repetida, e pas- sou a ser usada, às vezes sem nenhuma razão ou sinceridade. Os cumprimentos e assuntos num elevador, por exemplo (Está calor, não é?), são clichês. Falar em “gloriosas forças armadas”, ou em “veemente protesto” é usar clichês. Vamos ver isso na letra de uma composição de Chico Buarque. Faz parte da peça Ópera do malandro. Tente de todas as formas ouvir a composição musical: se ela tem letra, é certo que há uma estreita relação entre “letra e música”. O casamento dos pequenos burgueses Ele faz o noivo correto E ela faz que quase desmaia. Vão viver sob o mesmo teto Até que a casa caia Até que a casa caia. 73 Ele é o empregado discreto. Ela engoma o seu colarinho. Vão viver sob o mesmo teto Até explodir o ninho Vão viver sob o mesmo teto Até explodir o ninho. Até que alguém decida Até que alguém decida. Ele faz o macho irrequieto. E ela faz crianças de monte. Ele tem um velho projeto. Vão viver sob o mesmo teto Ela tem um monte de estrias. Até secar a fonte Vão viver sob o mesmo teto Até secar a fonte. Até o fim dos dias Até o fim dos dias. Ele é o funcionário completo. E ela aprende a fazer suspiros. Ele às vezes cede um afeto. Vão viver sob o mesmo teto Ela só se despe no escuro. Até trocarem tiros Vão viver sob o mesmo teto Até trocarem tiros. Até um breve futuro Até um breve futuro. Ele tem um caso secreto. Ela diz que não sai dos trilhos. Ela esquenta a papa do neto. Vão viver sob o mesmo teto E ele quase que fez fortuna. Até casarem os filhos Vão viver sob o mesmo teto Até casarem os filhos. Até que a morte os una Até que a morte os una Ele fala em cianureto. Até que a morte os una... E ela sonha com formicida. BUARQUE, Chico: Ópera do malandro
  • 76. O texto literário Para melhor interpretar esse “poema”, é bom lembrar, bem sucintamente, o que Secção 2 caracteriza a vida e o comportamento do burguês, ou do pequeno burguês: ele tem um grande apego à aparência e é pouco afeito às mudanças. Desde que as coisas pareçam estar nos seus devidos lugares, tudo está bem. Vejamos, agora, o que nos conta o poeta. Atividade 11 A – Podemos dizer que o texto conta a trajetória de um casamento, desde a cerimônia, até o fim dos dias. Que promessa os noivos fazem na cerimônia de casamento? B – Apesar da promessa, o texto nos mostra o casal separado em tudo. Como isso apare- ce lingüisticamente? 74 C – O pensamento burguês é também machista e patriarcal. Como isso se revela no texto? D – Num único momento o patriarcado vira matriarcado. Quando é e por que isso ocorre? E – O narrador diz que o homem tem um caso secreto (será secreto mesmo?), e insinua que a mulher talvez tenha o seu. a) Que expressão sugere isso? b) Essa situação tem a ver com o comportamento burguês? TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 77. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos F – Quando o casal fala ou pensa em cianureto e formicida, a sugestão é de suicídio? Unidade 2 G – Desde o início, a pouca sinceridade do casal fica evidente. É como se participassem de um “teatro”. Que expressão indica isso? H – O poema (sua música também) tem uma estrutura muito simples e repetitiva:o terceiro verso se repete sempre na mesma posição; o quarto e o quinto de cada estrofe são sempre iguais; a rima é sempre a mesma, no primeiro e terceiro versos. Que efeito traz isso? I – O texto é baseado em clichês. a) Indique alguns deles e explique seu significado. 75 b) Por que um deles (“Vão viver sob o mesmo teto”) é repetido insistentemente? J – Dado importante a considerar, na construção do texto literário, é o uso preferencial da conotação. As ambigüidades são fundamentais nesse texto de Chico Buarque. a) Indique as conotações que lhe pareceram mais importantes nesse texto. b) Num texto como Por que seus pais estão se divorciando caberiam as conotações? Por quê?
  • 78. O texto literário Secção 2 Atividade 12 Para finalizar (ou, quem sabe, para “esquentar”) o estudo dos dois textos anterio- res, de Drummond e de Chico Buarque, propomos-lhe o seguinte: os dois casais vão viver juntos até a morte. Mas que diferenças há entre essas duas maneiras de levar o casamento? O afeto está movendo os dois casais? Faça um texto externando sua opinião sobre essas quatro vidas. Fique à vontade para escrever o quanto quiser. Se precisar, faça seu texto em folha destacada, e leve-o para ler e comentar com os colegas e com o coordenador. 76 Avançando na prática Sugerimos que você utilize esses dois últimos textos somente em turmas de 7a e principalmente 8a série. Depois de discutidos, é perfeitamente possível encená-los, mas seria interessante usar técnicas diferentes. Veja nossa proposta: 1. Em primeiro lugar, é fundamental a leitura e a interpretação dos textos. No caso do poema de Drummond, observe os cuidados que já indicamos para a preparação da leitura. No caso da composição de Chico Buarque, é importante ouvir a música. 2. Na dramatização de O caso do vestido, fica bem a forma mais tradicional de representação, com pelo menos três personagens contracenando (isso, se não opta- rem por ter, em outro plano do cenário, a mulher de longe e mesmo o pai). Já O casamento dos pequenos burgueses ficaria ótimo, se, enquanto é ouvida a música/ letra, cantada por alguns alunos, os “atores” fizessem apenas mímica, predominando nela o exagero, a caricatura. 3. Definida a forma de representação, os grupos vão observar critérios para a escolha dos papéis. 4. Estabeleça um tempo para ensaios. A improvisação não é, nesse caso, uma boa opção, porque não dá muita oportunidade para o crescimento dos alunos, nem possibilita a você, como professor, uma avaliação justa ou pertinente. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 79. 5. Não deixe de propor aos alunos uma avaliação do trabalho, para que não seja uma atividade gratuita. Comece ouvindo os próprios atores, fazendo uma auto-avali- ação: depois, ouça os outros alunos e, por fim, faça suas observações. Resumindo O texto literário caracteriza-se como aquele que apresenta liberdade completa no uso das variantes da língua. O autor pode empregar a norma culta ou o dialeto popular, o registro mais formal ao mais informal, tudo vai depender de suas intenções, do assunto, do ambiente e dos personagens retratados. Cada texto litérario é que vai criando os límites e a adequação de cada escolha do autor. Seção 3 Modalidades da língua 77 Objetivo da seção Caracterizar a língua oral e a língua escrita. Todas as nossas interações verbais, que se dão por meio da língua, realizam-se forçosamente em textos. E eles não têm outra forma de se apresentarem ao interlocutor a não ser oralmente ou por escrito. Isso significa que vivemos rodeados de textos, muitos orais e muitos escritos. Do momento em que acordamos ao momento em que dormimos (isso sem falar nos sonhos, que podemos considerar como textos nossos, aos quais, às vezes, não sabemos atribuir significados), falas e escritos mais ou menos complexos nos envolvem. (Vamos voltar a esse assunto na próxima unidade.) A oralidade e a escrita são as duas modalidades (ou realizações) da língua. A modalidade oral é a nossa língua natural. Quando dizemos que o homem tem aptidão natural para o uso da linguagem, estamos sempre nos referindo à realização oral, na qual todas as línguas existem e que aprendemos pelo simples contato com outros falantes. A escrita é uma modalidade artificial da língua (quer dizer, não nascemos saben- do escrever), e é de desenvolvimento relativamente recente. Como vivemos numa sociedade letrada, não nos damos conta desse caráter artificial da escrita, mas isso parece mais claro quando pensamos que muitas línguas no mundo são ágrafas, quer
  • 80. Modalidades da língua dizer, não têm escrita. Seu aprendizado não é “natural”, exige mais do que ficar Secção 3 exposto ao texto escrito, ou exige um tempo e um esforço muito maiores do que na aquisição da língua oral. Em outras unidades, as duas modalidades vão ser também trabalhadas. Aqui, inte- ressa-nos mostrá-las como um tipo de variante da língua e em que pontos elas geram equívocos no ensino das línguas. Vamos iniciar nossas considerações sobre a modalidade oral lendo um texto de um dos maiores cronistas brasileiros da atualidade: Luís Fernando Veríssimo, com certeza um velho conhecido seu. Sexa – Pai... – E como é o feminino? – Hmmm? – Sexo mesmo. Igual ao do homem. – Como é o feminino de sexo? – O sexo da mulher é igual ao do homem? – O quê? – É. Quer dizer...Olha aqui. Tem sexo – O feminino de sexo. masculino e sexo feminino, certo? – Não tem. – Certo. São duas coisas diferentes. – Sexo não tem feminino? – Então como é o feminino de sexo? – Não. – É igual ao – Só tem sexo masculino. 78 masculino? – Mas não são – É. Quer dizer, não. diferentes? Existem dois sexos. Mascu- – Não. Ou são! Mas lino e feminino. a palavra é a mesma. Muda – E como é o o sexo, mas não muda a pa- feminino de sexo? lavra. – Não tem feminino. – Mas então não Sexo é sempre masculino. muda o sexo. É sempre mas- culino. – Mas tu mesmo disse que tem sexo mascu- – A palavra sexo é lino e feminino. masculina. – O sexo pode ser masculino ou femini- – Não. “ A palavra” é feminina. Se fosse no. A palavra “sexo” é masculina. O sexo mas- masculina seria “o pal... culino, o sexo feminino. – Chega! Vai brincar, vai. – Não devia ser “a sexa”? O garoto sai e a mãe entra. O pai – Não. comenta: – Por que não? – Temos que ficar de olho nesse guri... – Porque não! Desculpe. Porque não. – Por quê? “Sexo” é sempre masculino. – Ele só pensa em gramática. – O sexo da mulher é masculino? VERÍSSIMO, L.F. Festa de criança. São Paulo: – É. Não! O sexo da mulher é feminino. Ática, 2002, p. 18-19. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 81. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 Atividade 13 A – Qual é a imprevisibilidade da fala final do pai e que reforça o humor do texto? B – A hipótese do menino para criar o feminino da palavra “sexo” tem lógica? Dê exem- plos que confirmem sua posição. C – Veja a palavra “sexo” no dicionário. Você acha que para o pai e para o menino a palavra tem sempre o mesmo sentido e as mesmas conotações? D – Em que trechos você percebe a impaciência do pai? 79 E – Nem toda crônica é uma narrativa. Esta é: temos aí uma seqüência de fatos que constituem uma história, envolvendo personagens, organizada de determinada forma e contada por um narrador, que aqui aparece muito pouco. a) Onde aparece o narrador ? b) O discurso direto (as próprias personagens tomando a palavra) lhe pareceu um bom expediente? Por quê? Nesse texto de Veríssimo podemos perceber os principais traços da linguagem oral. A primeira delas é a presença dos interlocutores: pai e filho estão frente à frente e estabelecem a mais típica das situações da oralidade: eles têm turnos de fala, isto é, revezam-se nos papéis de locutor e interlocutor. Dessa proximidade dos interlocutores decorre uma outra característica importante da linguagem oral. Os envolvidos nela contam com um apoio extremamente significa-
  • 82. Modalidades da língua tivo: o locutor tem a voz, com certo ritmo e certa entoação, tem todas as possibilida- Secção 3 des da mímica (a expressão facial e os gestos), além de todo um contexto para ajudar seu interlocutor a criar os significados de sua fala. O interlocutor, por sua vez, querendo ou não, por meio também de sua expressão corporal, ajuda o locutor na avaliação de sua própria fala: pela reação do interlocutor, ele pode saber se está sendo obscuro, se está agradando. Conforme o caso, pode repetir, alterar ou reorganizar sua frase, mudar de tom, pode até dar por finalizada a fala. Importante Em sua sala de aula, esperamos que predomine essa situação de diálogo entre você e os alunos. Nesse caso, é fundamental a observação das reações voluntárias ou não dos alunos. Na grande maioria das vezes, essas reações são indícios importantes para a avaliação das condições de aprendizagem deles. Sua serenidade e capacidade de auto-avaliação diante de reações negativas serão suas grandes armas para encon- trar, em cada caso, o melhor caminho para aperfeiçoar sua prática pedagógica. Além disso, a proximidade e a alternância da fala dos interlocutores criam uma situação em que a emoção e o esforço de agir sobre o outro são componentes importan- tes. Pressionados pela rapidez dos turnos da fala, sem poder eliminar o dito, o jeito é interromper, retificar. 80 Atividade 14 Da crônica de Veríssimo, transcreva abaixo um exemplo de: A – Repetições B – Retificações C – Emoção Fica claro, pelas características apontadas, como a linguagem oral é essencialmen- te viva, rica de possibilidades de intervenção entre os interlocutores. Por isso mesmo, ela envolve também a maior diversidade de uso dos registros. Assim, ao contrário do que se pensa, a linguagem oral não é campo exclusivo do registro informal. É verdade que uma grande parte da oralidade se dá em conversas com TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 83. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 familiares e amigos, ou em situações de descontração. Mas lembre-se do que estudou sobre os registros: qualquer barreira pode nos levar à tensão ou enrijecimento da lingua- gem. Assim, uma simples pergunta ou um cumprimento, dependendo dos interlocutores e da situação, podem apresentar-se em vários registros. Atividade 15 Apresente abaixo uma situação em que usaria um dos registros e exemplifique-a com uma construção de fala: A – Registro formal B – Registro informal Por outro lado, nem sempre a linguagem oral se realiza na situação de troca de posição entre locutor e interlocutor: em muitas situações, somos uma coisa ou outra. Em geral, isso muda muito o registro. Diante da televisão, do rádio, em geral somos só 81 interlocutores, ouvintes. Em conferências, mesas-redondas, somos ou locutores ou inter- locutores. De todo modo, quanto mais interlocutores houver, mais eles tenderão a ser desconhecidos e difíceis de controlar. Por isso mesmo, o número de interlocutores acaba criando uma tendência ao registro formal. Importante Uma questão importante a observar é que, com freqüência, vemos na escola um descuido com as atividades orais. Considerando que a criança fala desde muito cedo, pensa-se sobretudo em desenvolver a escrita, que constitui um apren- dizado novo. Esse é apenas o primeiro dos equívocos com relação à oralidade. Com certeza, uma das funções da escola é ampliar a competência da criança no seu uso da língua, nas mais diversas situações de interação. Assim, proporcionar aos alunos a oportunidade de falar, nos contextos mais variados, é um ponto importante de seu programa. Outro aspecto essencial do trabalho com a lingua- gem oral é que não nos devemos ocupar apenas com as situações de fala, mas com as de escuta. Sabemos como é difícil ouvir bem. No entanto, isso não é objeto de nossas preocupações. A boa escuta envolve mais do que o respeito ao locutor: envolve a capacidade de compreender, avaliar e responder adequada- mente ao que ouvimos. Nossa Lição de Casa desta unidade vai propor um traba- lho em torno da fala e da escuta.
  • 84. Modalidades da língua Essa relutância, ou, no mínimo, esse descuido com relação à linguagem oral tem a Secção 3 ver coma própria dificuldade de seu registro. Nossos textos orais, em princípio, duram o tempo de sua enunciação. Eles logo desaparecem. Só podemos registrá-los em grava- ções, o que não ocorre o tempo todo, ou via autores que tentam registrá-los por escrito, por algum motivo, seja de pesquisa, seja literário. Na unidade anterior, tivemos oportunidade de estudar vários textos com muitos traços de oralidade. Vimos textos literários que procuraram criar textos muito próximos (por isso, verossímeis) da fala de determinadas pessoas: o velho e seus familiares, a menininha insistindo com os pais para recontarem a história de seu nascimento. Nesta unidade, o diálogo entre pai e filho, “registrado” por Veríssimo, dá uma boa medida da oralidade. A escrita, por sua vez, tem características bem distintas da oralidade. Um primeiro aspecto a considerar é o fato de, em princípio, não haver a proximida- de entre os interlocutores. Em geral, o processo de interação por meio da escrita é acio- nado exatamente pela impossibilidade de uso da fala, pela distância entre os sujeitos da interlocução. O primeiro resultado dessa ausência é que, ao escrever, o locutor não conta com as vantagens de um contexto tão claro, da voz, do ritmo e da mímica para ajudar a criar o sentido do que escreve. Nem pode valer-se da análise da reação do interlocutor para refazer seu enunciado. O escritor tem, portanto, de procurar meios de deixar o mínimo de dúvidas possíveis na interpretação do leitor... a menos que esteja fazendo literatura e que tenha o objetivo de gerar duplas interpretações. 82 Por outro lado, o tempo trabalha a favor do escritor. Normalmente, ele não está pressionado pelo tempo da fala, como na linguagem oral: pode ler, reler, reescrever seu texto. Da mesma forma, em princípio, o leitor também tem tempo para ler : pode reler, voltar atrás, quantas vezes queira ou precise. Por isso mesmo, as repetições, interrupções, vacilos, mudanças do rumo da frase, tão normais na linguagem oral, não cabem na escrita, a menos que (você já vai comple- tar...) estejamos diante de um texto literário que quer exatamente ser fiel à fala de deter- minada personagem, em certo momento de interação, ou de um narrador que quer apro- ximar-se muito do leitor. Como no caso da linguagem oral, as situações de uso da escrita são muitíssimo variadas, em função dos objetivos do locutor, das características do interlocutor imagi- nado, do assunto a ser desenvolvido. Em função dessas possibilidades, cabe aqui desfazer enganos comuns no trabalho com a escrita. O primeiro deles já antecipamos acima: é considerar a forma escrita da língua igual à literária. Não é. Primeiro, porque usamos a modalidade escrita com muita freqüência, com objetivos completamente diferentes dos literários. Podemos dizer até que o mais comum é que a literatura não seja nosso alvo ao escrever. Produzimos listas de compras, bilhetes, cartões de visita, cartas, avisos, formulários, projetos de trabalho, artigos para jornais e revistas, livros didáticos, outros tipos de livros informativos, trabalhos científi- cos e muitos outros. Em quase todos esses casos, a escrita não pode ser literária. Quer dizer: nesses textos, não cabem a ambigüidade, a conotação, os jogos de palavras e de sons, a transgressão lingüística que pode haver na escrita literária. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 85. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 Temos de atentar, por outro lado, para o fato de que a literatura não existe apenas na forma escrita: ela aparece também na forma oral, sobretudo no folclore. Como também antecipamos na unidade anterior, a escrita não se realiza apenas no registro formal. Ela apresenta muitos graus de informalidade. Imagine se o bilhete para o filho pode (deve) ser escrito em registro formal! É claro que grande parte da produção escrita (sobretudo a não literária), em todos os tempos, é feita para durar mais, e ser entendida de modo semelhante por leitores de lugares e épocas diferentes. Evita elementos muito próximos da oralidade, como gírias e regionalismos, que tendem a se alterar em pouco tempo. Nesses casos, o registro formal apresenta-se como mais adequado. Também é verdade, no entanto, que o escritor (e não só o de literatura, como veremos abaixo) tenta muitas vezes diminuir as barreiras, aproximar-se do leitor como numa conversa, e, nesses casos, a informalidade aparece como dado importante. A publicidade, por exemplo, procura essa aproximação, como no exemplo seguinte. 83
  • 86. Modalidades da língua Temos aí um texto publicitário típico. Publicado na Pais & Filhos, dirige-se clara- Secção 3 mente ao leitor da revista – aos pais (e talvez mais às mães), falando, naturalmente das crianças, os “invasores”. Como o objetivo de um texto desse gênero é seduzir o leitor para “tomar uma decisão” – aqui, a compra, obviamente - o jogo da imagem com o texto verbal deve ter uma organização capaz de convencer os leitores. Nestes textos, que podemos chamar de mistos, devemos ter o mesmo cuidado para ler o verbal e o não- verbal. Seus autores têm uma intencionalidade, ao usar juntos signos diferentes. Vamos, então, à sua análise? Atividade 16 A – Como se entrelaçam texto e imagem? Entre os três blocos de texto verbal, que imagens aparecem? B – Quando falamos em acabar com invasores, imaginamos o extermínio de inimigos, que inicialmente estão sempre escondidos. O que há de interessante no caso dessa “receita”? 84 C – A posição em que é tomada a primeira foto é muito interessante. Por quê? Que relação ela tem com a primeira frase? D – O objeto salvador, sugerido na receita, não é um Lego qualquer. Como é ele e que importância tem isso para se ficar livre dos invasores? E – Por que os pais vão poder “relaxar”, comprando Lego Duplo? F – A idade das crianças tem alguma importância neste anúncio? TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 87. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos G – Observe o invasor descoberto: que características sua carinha sugere? Unidade 2 H – Como os fabricantes sugerem que o brinquedo pode atender a diferentes gostos e idades? I – Onde se apresenta a sugestão de compra e de que forma? J – Por que, junto à palavra “duplo”, há a figura de um coelho? 85 L – A clara divisão das cores, na propaganda, sugere-lhe algo? M – Você acha que a linguagem verbal tende ao formal ou ao informal? Justifique. Importante Informalmente, costumamos chamar cada exemplar do texto publicado como uma propaganda. Os especialistas têm preferido usar o termo propaganda como o texto essencialmente persuasivo, criado com a intenção de conseguir a adesão do leitor para determinada ação ou posição. Preferem chamar o texto criado para vender um produto – portanto, comercial – de anúncio ou publicidade.
  • 88. Modalidades da língua Secção 3 Avançando na prática Se sua sala de aula é um espaço de interação, são muitas as oportunidades que seus alunos têm de se expressar, assim como de ouvir. Freqüentemente, no entanto, não avaliamos nossos alunos quanto ao desenvolvimento das competências ligadas à oralidade. Para que eles tenham clareza quanto à importância dessas atividades e da atuação de cada um nesses momentos, faça com eles uma discussão com a qual sejam acordados critérios de auto-avaliação e, conseqüentemente, de avaliação da participação de cada um nas atividades marcadamente orais. Apresentamos abaixo várias perguntas que poderiam ajudá-los a se auto-avaliar e avaliar os outros, nas duas situações - de locutores ou ouvintes, ou em situações de troca de papéis. Veja quais são adequadas à sua turma e que outras você acrescentaria. Em situações de debate, de organização ou apresentação de trabalho: 1. Você fala muito e monopoliza a conversa? 2. Você presta, realmente, atenção ao que os outros estão falando? Em geral, sabe ouvi-los até o fim de seu raciocínio? 3. Você leva em conta seus interlocutores, para buscar exemplos ou para escolher o vocabulário a usar? 4. Você se expõe, ou prefere ficar calado numa discussão? 5. Numa discussão, você defende seus pontos de vista? 86 6. Diante de uma grosseria a você ou a outro, você procura não dar atenção ao fato, ou reage? De que forma? 7. Você acha interessante “colocar alguém na berlinda”, ou não vê inconveniente em fazer alguma piada, mesmo que embaraçosa, com os colegas? 8. Normalmente, você consegue fazer um resumo ou apresentar a idéia geral da fala do colega? 9. Você consegue perceber os enganos e contradições da fala do outro? 10. Você percebe com facilidade as tentativas de manipulação do locutor? 11. Você consegue perceber inadequações de linguagem do locutor, considerada a situação de interação? 12. Você respeita uma opinião contrária à sua? Sabe separar o que é fato do que é opinião? A idéia é que essa auto-avaliação possa ser apresentada claramente para a turma e discutida respeitosamente. Essa discussão já seria uma excelente atividade de lin- guagem oral. Se isso não for possível, inicialmente, discuta a auto-avaliação com cada aluno, ou em grupos, se eles estiverem de acordo. Mais tarde, eles aceitarão a atividade em conjunto. Você precisa – é claro – ter um bom domínio da turma e convencê-la da impor- tância, da boa fé e dos benefícios de uma atividade como essa. O resultado é mesmo muito bom. Definidos os critérios para a auto-avaliação e avaliação dos demais, ponha-os em funcionamento nas principais atividades de linguagem oral. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 89. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 Resumindo 1- A norma culta é um dos dialetos da língua. É o dialeto utilizado na absoluta maioria dos documentos oficiais e públicos de um país. Não é melhor nem pior do que os demais dialetos; por isso, seu uso não pode ser critério de discriminação ou valorização dos sujeitos. (Aliás, nenhum critério deve servir à discriminação). 2- Como norma-padrão, a norma culta é ensinada na escola. Seu conhecimento e domínio ajudará o aluno a ampliar sua competência lingüística, permitindo-lhe um acesso mais fácil a muitos documentos e bens culturais. 3- A literatura pode ou não utilizar a norma culta. Seu objetivo não é “ficar dentro das regras”, mas buscar qualquer dialeto ou registro que melhor consiga criar a linguagem do mundo criado por ela, com seus significados. 4- As duas modalidades da língua – a oral e a escrita – são igualmente impor- tantes e apresentam ambas as possibilidades de uso, tanto do registro formal quan- to do informal. 5- As duas modalidades devem ser trabalhadas na escola tanto do ponto de vista da locução quanto da interlocução. Assim, ouvir e falar, ler e escrever, devem ser atividades constantes na sala de aula. 6- Como sempre, vale a pena salientar que as situações de interlocução são extremamente complexas e não temos muitos casos “puros” de dialetos, da mesma forma que os registros apresentam uma gama infinita de formalidade/informalidade 87 e as modalidades oral e escrita não são campos fechados, sem interferência uma sobre a outra. 7- Nas atividades de linguagem, é fundamental oferecer aos alunos exemplos diversos de bons textos, orais e escritos, produzidos com objetivos e em situações diferentes, literários e não literários, em registros e modalidades distintos, de modo a não estabelecer relações indevidas entre escrita, norma culta e registro formal e litera- tura, ou fala e informalidade. Para isso, os próprios textos produzidos pelos alunos podem ser ótimo material de discussão.
  • 90. Leituras sugeridas CÂMARA JR. Manual de expressão oral e escrita. Rio de Janeiro: J. Ozon, 1961. Este livro, como sugere o título, é essencialmente didático, na forma de apresentar questões de linguagem. Apesar do tempo transcorrido após sua publicação e de alguns avanços sobretudo na consideração da linguagem oral, a obra é de interesse, sobretudo na abordagem de tópicos normalmente ausentes de outros livros, como as questões da mímica, do tom, etc. ROCCO, M.T.F. Entre a oralidade e a escrita. In DIETZSCH, M.J.M. (org.). Espaços da linguagem na educação. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1999. Esta obra trata de vários assuntos importantes para o professor. Estamos recomen- dando especialmente o capítulo que traça o caminho da fala até a linguagem dos computadores. TEBEROSKY, A. Aprendendo a escrever. São Paulo: Ática, 1997. Esta obra é toda muito interessante, para quem quer entender o processo de cons- trução da escrita pelas crianças. Para o conhecimento das características da linguagem escrita, é especialmente recomendável a parte 4 (A linguagem escrita) do capítulo III. 88 TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 91. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 Bibliografia Além das obras indicadas na unidade anterior: MARTINS, M. H.(org.). Questões de linguagem. São Paulo: Contexto, 1991. VANOYE, F. Usos da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 89
  • 95. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Unidade 2 Correção das atividades Atividade 1 A – Resposta pessoal. Possivelmente, você – leitor e formado em curso superior – não tem como abandonar a norma culta. Nem seria o caso, porque normalmente os interlo- cutores conseguem perfeitamente entender o que lhe é dito em norma culta. B – Depoimento pessoal. Em todo caso, a menos que você use termos muito rebuscados e tente mostrar-se “superior”, qualquer interlocutor (mesmo analfabeto) não vai sentir-se mal por isso. Ao contrário, tentar usar o dialeto que não é seu e sim do seu interlocutor costuma passar como provocação. C – Depoimento pessoal. Possivelmente você relatará dificuldades dos alunos no desen- volvimento da norma culta. O importante é criar muitas oportunidades de leitura e de produção de textos na norma culta e você perceber que se trata de um processo longo. Atividade 2 A – Relato pessoal. Acreditamos que a produção de textos dos alunos mostre o inadequa- do dessa atitude. B – Cursos, discussões, a observação dos resultados dos alunos talvez sejam as formas de mudar a situação. Atividade 3 93 A – Relato pessoal. De todo modo, a incapacidade de construir textos (mesmo simples) na norma culta é uma falha que evidencia o problema. B – Sobretudo os pais reagem mal a essa experiência, porque, de algum modo, gostariam que seus filhos aprendessem “a escrever” (o que, para eles, significa usar “uma língua especial”). C – A solução é a mesma apresentada para a letra C da Atividade 2. Atividade 4 A – É claro que a forma pode mudar. 1§. Porque as pessoas se casam. 2§ As pessoas evoluem e mudam. 3§ Porque as pessoas se tornam infelizes. 4§ Quando é preciso divorciar e tentar ser feliz. 5§ O grande número de divórcios nos Estados Unidos. B – Sim. Os “sonhos” (ou suposições) não se confirmam depois do casamento. C – Em geral, as pessoas não têm intenção de enganar ou de magoar o outro no casamento. Mas as mudanças, em sentido contrário das do outro, parecem agredir o parceiro. D – Opinião pessoal. O que cabe pensar é se, mesmo para os filhos, a infelicidade e suas conseqüências (brigas, agressões) valem a pena.
  • 96. Correção E – É difícil saber se todas as crianças envolvidas em divórcios aceitam o argumento. Mas é importante a criança não se sentir diferente ou culpada por causa da separação. F – Mesmo sem aceitar o argumento, a criança pode, a partir dele, descobrir outros raciocínios que podem ajudá-la a entender melhor o divórcio. Mas pode ocorrer também de a criança não achar que valeu a pena ler o texto. G – O texto está escrito na norma culta e no registro formal (ou quase), apesar do diálogo com o leitor, com o uso de “você”. Atividade 5 Criação pessoal. O importante é lembrar que ajudar o aluno a dominar a norma culta é altamente democrático: é pensar que todos têm direito ao acesso a todos os documentos que se escrevem e se falam em norma culta e daí, ao acesso à produção de textos nessa norma, cujo domínio é um dos critérios de avaliação dos sujeitos, em muitas situações. Atividade 6 Opinião pessoal. O que se espera é que você seja bem sincero ao emitir sua opi- nião, uma vez que não é obrigado a gostar dos textos usados, nem se sentir à vontade com as experiências neles apresentadas. Atividade 7 O texto lembra o gênero dramático (teatral), por ser dialogado. 94 Atividade 8 A – As misturas são do “tu” com o “vós” e “a senhora”, o possessivo “vosso” junto a “teu”. O uso da 2a pessoa do plural parece dar um tom solene, em momentos de drama- ticidade, que funciona de forma muito teatral. B – O texto fala em “curva da estrada”, em fazendas e gado. Pode-se imaginar que moravam numa fazenda, ou lugar afastado dos grandes centros. C – As pessoas não são letradas. A mãe fala “evém chegando”, a outra diz “ao depois”, por exemplo. D – Há palavras muito coloquiais e outras pouco comuns, como “mofina”, “plantas” (no sentido de “pés”). De novo, esse vocabulário ajuda a criar a dramaticidade do texto. Atividade 9 A frase parece sugerir que “ o mundo dá muitas voltas”. Sugere que vai começar um novo movimento na história, contrário ao anterior. Prepara-nos para o retorno das personagens. Atividade 10 A – A descrição retoma os traços da descrição da mulher no início, antes tão vivos e bonitos. B – Ela olha a mulher de cima para baixo: dos olhos, passa à boca, ao colo, até chegar aos pés. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 97. Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Atividade 11 Unidade 2 A – Eles repetem as palavras do padre, prometendo amor, respeito e fidelidade, união até “que a morte os separe”. B – Há sempre uma informação separada sobre ele e outra sobre ela. As informações não põem os dois juntos. Não são “eles”. C – A informação sobre ele está sempre antes da referente a ela. D – Só na última estrofe, ela aparece antes dele (ainda separados). É que, aposentado, ele está em casa, no reduto dela, que é “a rainha do lar”. E – a) Ela diz que não sai dos trilhos, o que não é forçosamente verdade. b) Sim. Historicamente, o homem pode ter mais de uma família e pode até ostentar isso. A mulher, se trai, não pode fazer isso às claras. F – Não. Parece que cada um pensa ou sonha em acabar com a vida do outro. (Mas não têm coragem para isso). G – O verbo “fazer” sugere a simulação, uma pose apenas. H – a) a sugestão é de monotonia, de um círculo vicioso, que o casal não pretende verdadeiramente interromper, ou não tem coragem para isso. I – a) “viver sob o mesmo teto”, “até que a casa caia”, “secar a fonte”. b) Esse clichê sugere que o espírito conservador e “conformado” vai superar o desencon- tro. Sugere que a vida conjugal pobre, em que a aparência de manter-se o casal é que 95 interessa. O clichê é seguido sempre do “até”, que sugere em cada estrofe o fim de uma etapa que possibilitaria uma mudança de vida que, obviamente, não vai acontecer. J – a) O quinto verso das estrofes 1,2,3 e 4, por exemplo. “Sair dos trilhos”, “fazer suspiro”, também são conotativos. b) No texto expositivo, não é adequado criar muitas possibilidades de interpretação. Portanto, aquele texto não deveria ter conotações (e, realmente, não tem). Atividade 12 Criação pessoal. Como se trata de externar uma posição pessoal, de valores, não podemos sequer sugerir uma resposta. Seria interessante levar seu texto e discutir essas vidas com os colegas. Atividade 13 A – O pai parece achar que a preocupação com a gramática é menos saudável e mais perigosa do que pensar em sexo. B – A hipótese dele é perfeita, baseada na analogia: se palavras terminadas em “o” fazem o feminino em “a”, o feminino de “sexo” deveria ser “sexa”. A criança conjuga os verbos irregulares também segundo a analogia. Por isso, “fazi”, “cabeu” são proceden- tes, no raciocínio dela. C – O pai pensa mais em sexo como atividade sexual, enquanto o menino só pensa na palavra como sinônimo de “gênero”.
  • 98. Correção D – No final, a impaciência é clara (Agora chega. Vai brincar, vai.) Antes, ele até pede desculpa pelo tom. – Porque não! Desculpe. Porque não. E – Mais claramente, o narrador aparece em duas frases: O menino sai e a mãe entra. O pai comenta: Podemos dizer que ele aparece também nos travessões, que indicam a atitude do narrador de passar a palavra à personagem. O discurso direto é um bom expediente para o texto, porque torna muito real e verdadeiro o diálogo entre pai e filho. Atividade 14 A – Repetições São muitos exemplos. Só a frase “como é o feminino de sexo” aparece muitas vezes. B – Retificações É, Não! É. Quer dizer... Não. Ou são! C – Emoção Os casos de impaciência, já citados. (O filho não parece alterar-se. Já o pai...) Atividade 15 Resposta Pessoal. Exemplo: 96 A – Registro formal Situação: solicitação de informação a um senhor idoso. – Bom dia, senhor! Por favor, o senhor saberia me dizer como chegar ao Hospital da Cidade? B – Registro informal Situação: solicitação de informação a uma amiga. – Regininha, você sabe onde fica o Hospital da Cidade? Atividade 16 A – As duas grandes imagens intercalam os três blocos de textos verbais. Na primeira imagem, as pessoas estão encobertas. Na segunda, aparece apenas o menino “invasor”. B – Aqui, não se pretende “acabar” (matar) os invasores, mas ocupá-los fora do quarto, com atividades que o farão crescer mais. C – O foto mostra apenas os pés de uma mulher e de um homem, Entre eles, “um montinho”, escondido debaixo das cobertas. D – É um Lego duplo, o que dá a impressão de que a criança vai ficar um bom tempo entretida com o brinquedo. E – O Lego, além de distrair a criança por muito tempo, trabalha com a inteligência dele. Não tem contra-indicação. Quer dizer: os pais podem ficar despreocupados na cama. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 99. Unidade 3 O texto como centro das experiências no ensino da língua Maria Antonieta Antunes Cunha Iniciando nossa conversa Caro Professor, cara Professora, Nas duas unidades anteriores, você deve ter notado a presença constante de textos com características bem diversas. Nesse trabalho, procuramos não simplesmente apresentá-los a você como um exemplo de pontos que esta- vam sendo discutidos: tentamos sempre aju- dá-lo a ampliar sua capacidade de interpretar cada um deles. Essa opção pelo trabalho com texto não é uma novidade absoluta: em muitos momen- tos do ensino de línguas, o texto esteve presen- 97 te, pelo menos representado por um de seus gêneros. Há muito tempo, com objetivos mais ou menos pertinentes, em análises bem conduzidas ou não, os manuais didáticos, as aulas de literatura, de “gramática” e de redação sempre apresentaram textos (pelo menos certos gêneros de textos). Da mesma forma, não se trata de uma posição isolada de um grupo, caracterizan- do um trabalho tipicamente nosso: o ensino-aprendizagem apoiado no texto é, hoje, quase um consenso nos estudos de linguagem. Qual é a necessidade de uma unidade para tratar dessa questão? É que, nos estudos mais recentes, não só o conceito de texto se ampliou muito, como também se modificou significativamente o entendimento sobre os elementos a se enfatizarem no trabalho com textos. Essa questão é, pois, central nos estudos que você está fazendo no GESTAR II. Muitos assuntos apenas anunciados aqui serão aprofundados em outras unidades. Nestas primeiras, estamos apontando o cenário dos estudos que vamos realizar juntos. Para esclarecer essas “novidades” com relação ao texto, dividimos nossa unidade em três seções. A primeira, como sugere o título Afinal, o que é texto? , vai discutir com você o próprio conceito de texto; a segunda, Por que trabalhar com textos, vai apresen- tar-lhe sucintamente a linha de estudo que gerou uma nova atitude com relação à necessidade de se trabalhar com textos; a terceira, Os pactos de leitura, vai pôr em cena os interlocutores do texto, com seus objetivos. Obviamente, vamos usar muitos textos, que terão como pano de fundo sobretudo a ética. Estamos torcendo para que você goste bastante deles!
  • 100. Definindo nosso ponto de chegada Esperamos que, depois de nossas reflexões e da realização das atividades propos- tas, você seja capaz de: 1 – conceituar texto ; 2 – indicar as razões do estudo prioritário de textos no ensino/aprendizagem de línguas; 3 – reconhecer os diferentes pactos de leitura dos textos. Desejamos-lhe uma boa leitura e um bom trabalho! Seção 1 98 Afinal, o que é texto? Objetivo da seção Conceituar texto. Mais acima, ao lembrar o trabalho que sempre se fez em torno dos textos (algumas vezes, de modo precioso e absolutamente encantador), insistimos numa ressalva: pelo menos, alguns gêneros de textos estavam presentes. Essa ressalva tem razão de ser, uma vez que o conceito de texto era muito restrito. Se observarmos os livros didáticos de Língua Portuguesa, de qualquer nível de ensino, das décadas anteriores à de 1970, veremos que os textos ali apresen- tados indicam claramente a noção vigente na época: texto era uma unidade de comunicação entre autor e leitor. Então, o texto era, antes de mais nada, uma produção escrita. Por outro lado, essa comunicação era sempre verbal: o ensino de línguas se fazia por meio de comunicações criadas com palavras – o que parece uma atitude bastante razoável. Por fim, se analisarmos mais detidamente os textos estudados nessa época, va- mos ver que eles eram, em sua quase totalidade, literários. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 101. O texto como centro das experiências no ensino da língua Unidade 3 Atividade 1 Lembre a confusão, feita por professores e relatada na unidade anterior, entre lin- guagem literária, norma culta e modalidade escrita da língua. Pensando que o objetivo da aula de Português era essencialmente ensinar a ler e escrever, como se justificaria esse ensino com uso de textos literários? A nova noção de texto tem a ver com um enfoque de linguagem que nem é mais novidade: como já anunciamos nas unidades anteriores. Entender linguagem só como sistema de sinais que estabelece a comunicação gerou uma percepção unilateral que privilegiava o locutor, também chamado produtor, enunciador ou emissor. Nos estudos mais recentes, a linguagem é entendida como interação. Com a opção pelo conceito de interação, os estudiosos querem sublinhar o que a linguagem é na essência: uma ação entre sujeitos – o locutor e seu interlocutor, também chamado co-enunciador, alocutário e mesmo receptor. A produção de significação depende 99 desse trabalho coletivo de linguagem. Os sinônimos co-enunciador, alocutário, receptor são usados preferentemente por um autor ou outro. Alguns teóricos recusam os termos emissor e receptor, por considerarem que eles sugerem uma relação mecânica, sem levar em conta o que há de ação, trabalho, em cada acontecimento da linguagem. No entanto, muitos desses mesmos autores provaram que a emissão ou a recepção passivas são impossíveis. Por outro lado, esses termos continuam usados em trabalhos importantes e atuais que enfocam o ato da comunicação como interação. Assim, se eventualmente aparece- rem em nossas unidades, eles estarão sendo usados no mesmo sentido que interlocu- tores (locutor /enunciador e alocutário/co-enunciador). Fica mais claro agora por que essa ação entre interlocutores é obrigatoriamente um processo de mão dupla: tão importante quanto o locutor é o interlocutor, percebido agora como elemento ativo, na medida em que produz significado e reage ao enunciado conforme a interpretação feita. Tal reação, por sua vez, é percebida ou imaginada pelo locutor, que de algum modo a leva em conta, no momento da criação. Esses sujeitos participantes de uma interação, e que agem uns sobre os outros, têm uma história, atuam num contexto social e ideológico. Nesse contexto, cada um ocupa um lugar, e é desse lugar que produz e interpreta enunciados. ( Esse “lugar” vai ser objeto da próxima unidade.) As interpretações diferentes dadas pelos interlo- cutores a determinada comunicação decorrem dessa posição diversa, de onde cada um “vê” a situação.
  • 102. Afinal, o que é texto? Secção 1 Atividade 2 Relate a seguir um caso vivido por você no qual ocorreu um mal-entendido, devido a uma interpretação diferente dada a determinada fala. A linguagem se constitui, portanto, truturas disponíveis no sistema, mas es- nessa mão dupla da interação, que cria colhendo as que lhe servem em deter- um “diálogo” sempre diferente entre in- minada situação de interação. Essa cons- terlocutores, em função do contexto his- trução se dá tanto na experiência oral tórico-social e de cada quanto na escrita. momento da interlocu- Nas condições es- 100 ção. Nesse sentido, um ato de linguagem nun- um ato de linguagem peciais em que se dá cada interação, entram ca se repete, e cada in- nunca se repete, e muitos fatores extra-lin- teração tem uma unida- de de informação, ou cada interação tem güísticos e de diversas ordens que influem de- de significação, para os interlocutores. uma unidade de cisivamente na intera- ção. Não são somente Dessas conside- informação, ou de as “informações” vindas rações decorrem significação, para os do corpo, da voz, do questões importantes rosto dos interlocutores para nós. A primeira é interlocutores (no caso das interações que é nesse processo orais), mas também o de interlocução que a conjunto de princípios, língua vai se construindo: por isso, como conhecimentos, emoções que não estão vimos nas unidades anteriores, ela não impressos na estrutura da língua e que os é um sistema fechado. Cada locutor vai interlocutores carregam e vivenciam, no construindo a sua língua, a partir das es- momento da interação. Podemos, agora, apresentar o que entendemos por TEXTO: é toda e qualquer unidade de informação, no contexto da enunciação. Ora, se essa unidade de informação pode dar-se, como vimos, na língua escrita ou na língua oral, uma primeira conclusão a que podemos chegar é a de que o texto pode ser oral ou escrito, literário ou não literário. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 103. O texto como centro das experiências no ensino da língua Unidade 3 Atividade 3 “ Nas curvas do teu corpo capotei meu coração.” Frase de pára-choque de caminhão A – Você considera que essa frase constitui um texto? Justifique. B – Que característica ou recurso usado pelo autor chamou sua atenção, nessa frase? Atividade 4 “Ela me contou o negócio do atropelamento…An… o menino ficou lá estendido…Cê 101 vê, em frente à escola e…diz que tinha uma porção de gente no portão. É. E ninguém fez nada…absurdo, né? Mas diz que o motorista é filho de gente importante e que todo mundo tem medo de dar a chapa do carro…não vão dizer que ele passou correndo demais em frente da escola... Todo mundo ficou meio bobo, depois é que chamaram a ambulância… Parece que o menino tá bem, graças a Deus. Na próxima reunião, vou lá, ver se a gente começa uma campanha, pra envolver todo mundo, pra todo mundo entender que tem de falar o que precisa falar… Imagina se fosse filho da gente…. Hem? Que que cê acha?” A – Por que podemos dizer que temos acima um texto? B – O texto registra uma conversa entre pessoas bem próximas. Que traços importantes da modalidade oral e do registro informal aparecem nele?
  • 104. Afinal, o que é texto? Secção 1 Avançando na prática Um bom trabalho de linguagem é propor a seus alunos que transformem esse texto oral em outro, escrito. Para isso, é importante estabelecer com eles que tipo de texto escrito se aproximaria mais do contexto oral em que aparece o primeiro. Possivelmente, uma carta seria a forma mais adequada para conservar a relação entre os interlocutores. Outro grupo pode fazer, a partir do mesmo texto oral, um texto informativo mais impessoal, como se fosse um aviso, ou uma pequena notícia de jornal. Nesse caso, as marcas muito pessoais não deve- riam estar presentes, não fariam sentido. O trabalho poderia ter os seguintes passos: 1. Leitura do texto oral. Pense que ele tem de ser igualmente preparado, para que as oscilações, as interrupções da linguagem oral fiquem bem ver- dadeiras. 2. Estudo do estudo, com perguntas em torno de sua oralidade. 3. Proposta de produção: reapresentação do assunto, em carta , aviso ou pequena notícia de jornal. Pode ser em grupo ou individual. 4. Análise dos textos produzidos: sua adequação à intenção, a destinatários/ leitores. 102 5. Reescritura dos textos produzidos, após os comentários e nova avaliação. Recordando Não se esqueça de que, na oficina que faz sempre na conclusão das unidades pares, você deve apresentar o relato de uma das atividades do Avançando na prática. Vá pensan- do, desde já, nas possibilidades de aproveitar as que vamos sugerir nesta unidade. Por outro lado, é indiscutível que a interação pode dar-se independentemente da linguagem verbal: uma tela , uma composição musical, um espetáculo de dança, um filme, uma história em quadrinhos podem ser vistos como “unidades de informação” num contexto interativo tanto quanto uma conversa entre vizinhos, uma coluna de jornal ou a leitura de um romance. Podem, por isso mesmo, ser considerados textos. Temos, assim, o texto verbal, criado com palavras, e o texto não-verbal, criado por outras linguagens que prescindem da palavra. O desenho, a pintura, a fotografia, a música, a mímica são exemplos de linguagem não-verbal, embora possam eventu- almente usar também a palavra. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 105. O texto como centro das experiências no ensino da língua Unidade 3 Atividade 5 Você vai trabalhar agora com uma fotografia de um dos mais prestigiados fotógrafos do mundo: o brasileiro Sebastião Salgado. Em todo o seu trabalho, sua máquina procura registrar os marginalizados do Brasil e do mundo inteiro. Em Terra, as fotos são de brasileiros na sua relação e luta pela terra e pelo trabalho. Observe as crianças e a professora da fotografia e depois responda: 103 SALGADO, Sebastião. Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 114-115. A respeito da foto, que pertence à última parte do livro, intitulada A luta pela terra, escreveu: Escola para as crianças do acampamento de Santa Clara, composto de 650 famílias, ou seja, 2 500 pessoas. No início de abril de 1996, um dos camponeses desse acampamento foi assassinado por jagunços a serviço do proprietário da Fazenda Santa Clara, um latifúndio de 4 530 hectares. Os professores das escolinhas são os próprios sem-terra. O material esco- lar indispensável é fornecido pelas cooperativas do Movimento dos Sem-Ter- ra, enquanto as mesas e bancos são feitos com madeira recolhida na caatinga próxima. Sergipe, 1996. A – Cenas como essa, que apresentam muitos elementos envolvidos numa mesma situa- ção, numa mesma atmosfera, são chamadas “cenas de conjunto”. Não há nelas a inten- ção de focalizar em destaque um dos elementos, mas criar uma emoção quanto ao ambiente . Você acha que a intenção funciona bem, nessa foto?
  • 106. Afinal, o que é texto? B – Os alunos têm sua atenção ligada em coisas diferentes. Indique os interesses que Secção 1 aparecem na atitude das crianças. C – A fisionomia das crianças revela algum sentimento negativo? D – Uma única criança parece tensa, pelo menos naquele momento. Descreva-a. E – Por que há um grupo de crianças numa esteira, no chão? F – A precariedade das “mesas” atinge o grupo todo. Uma criança, no entanto, parece estar em maior dificuldade. Qual é? 104 G – Mesmo considerando a fotografia como uma denúncia ou um registro das más condições de vida, a idéia de dignidade e de esperança aparece aí. Que elemento ajuda a criar esse significado positivo? Indo à sala de aula Você pode trabalhar uma foto como essa em qualquer série. O enfoque é que deve mudar, conforme as experiências da turma. O importante é que os alunos, além de observar uma foto artística, possam verbalizar várias impressões em torno dela e percebê- la como um texto, uma vez que é uma unidade de informação. Um ponto a ser discuti- do é a despreocupação com o retrato de “gente bonita”, segundo o conceito mais tradi- cional. Também podem achar que uma foto em branco e preto não é bonita. Por isso, os alunos podem considerar a fotografia feia, sem interesse. Cabe a você mostrar como isso é uma possibilidade da arte, e que o autor tem intenções quando usa esses recursos. Discuta com eles: por que, nos desenhos animados, as pessoas podem ser “feias” e isso não nos incomoda? Nas séries mais adiantadas, a própria questão da reforma agrária, dos latifúndios, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra pode ser discutida e gerar pes- quisas interessantes. De novo, consulte seus colegas de outras áreas, para ver a possibili- dade de um trabalho interdisciplinar. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 107. O texto como centro das experiências no ensino da língua Desse modo, a noção de leitura também fica ampliada: é o processo de atribuição Unidade 3 de sentido a qualquer texto, em qualquer linguagem. Assim, falamos na leitura do quadro, do filme, do espetáculo de dança, assim como do texto escrito ou da conversa que acabamos de presenciar. Atividade 6 Revisite as unidades 1 e 2 e, entre os textos ali usados, indique um que você classificaria como: A – texto escrito não literário: B – texto não-verbal (de pintura ou desenho): C – texto literário: 105 Resumindo As informações mais importantes desta seção foram: 1- Todas as nossas interações se processam por meio de textos. 2- Texto é toda e qualquer unidade de informação, no contexto da enunciação. Nesse sentido, os textos aparecem nas mais diversas linguagens, classificando-se em verbais e não-verbais. 3- O texto independe de extensão. 4- O texto verbal pode apresentar-se na linguagem oral ou na linguagem escri- ta. 5- Leitura é o processo de atribuição de significado a qualquer texto, em qual- quer linguagem. Esperamos que tenha ficado claro o conceito de texto, para que você possa seguir, sem atropelos e com prazer, a segunda seção.
  • 108. Seção 2 Por que trabalhar com textos Objetivo da seção Indicar as razões do estudo prioritário de textos no ensino/aprendizagem de línguas. A razão maior de se ensinar/aprender a língua por meio de textos decorre da própria conceituação de linguagem, de língua e de texto. O texto é a realização da linguagem e da língua, responsáveis pela interação. Enfatizamos já os objetivos do ensino-aprendizagem da língua: desenvolver nos alunos sua competência discursiva, que em última análise é a capacidade de compreen- der e produzir textos diversos, orais e escritos, em particular os de ampla divulgação na sociedade. Veja o que nos dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais: A importância e o valor dos usos da linguagem são determinados historicamente segundo as demandas sociais de cada momento. Atualmente, exigem-se níveis de leitura e de escrita diferentes dos que satisfizeram as demandas sociais até há bem pouco tempo 106 - e tudo indica que essa exigência tende a ser crescente. A necessidade de atender a essa demanda obriga à revisão substantiva dos métodos de ensino e à constituição de práticas que possibilitem ao aluno ampliar sua competência discursiva na interlocução. Nessa perspectiva, não é possível tomar como unidades básicas do processo de ensino as que decorrem de uma análise de estratos – letras/fonemas, sílabas, palavras, sintagmas, frases – que, descontextualizados, são normalmente tomados como exemplos de estudo gramatical e pouco têm a ver com a competência discursiva. Dentro desse marco, a unidade básica do ensino só pode ser o texto. BRASil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental:língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental/ Brasília:MEC/SEF, 1998, p.23 Atividade 7 A – Segundo o texto acima, por que não podemos tomar como unidades básicas do processo de ensino os elementos lingüísticos que são níveis segmentados da forma- ção do texto? TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 109. O texto como centro das experiências no ensino da língua B – Segundo o texto, por que a valorização dos usos da linguagem não é sem- Unidade 3 pre a mesma? C – Que tipo de dialeto e de registro são usados no texto acima? Justifique seu emprego. Se está claro que o texto tem de ser o centro de nossas atividades no ensino/ aprendizagem de Língua Portuguesa, outros pontos têm de ser enfatizados. A primeira questão a levantar é esclarecer que o texto deverá ser a base de todas as atividades de linguagem. A capacidade do uso da linguagem deve desen- volver-se nas suas quatro “faces”, certamente intimamente ligadas, mas que não são a mesma coisa: ouvir, falar, ler e escrever. Isso significa que, tanto nos trabalhos de compreensão quanto de produção de textos, as linguagens oral e escrita têm de ser trabalhadas cuidadosamente. Mas não só isso: no desenvolvimento de conteúdos de análise lingüística, de novo o texto é que deve ser acionado. Nenhuma classificação pode ser feita, a não ser num contexto, que só é dado pelo texto em questão. 107 Atividade 8 Observe esta outra frase de pára-choque de caminhão: É melhor um cachorro amigo do que um amigo cachorro. A – Indique a palavra que funciona como adjetivo em cada expressão sublinhada. a) cachorro amigo: b) amigo cachorro: B – Que palavras lhe parecem usadas num sentido figurado, conotativo? Importante Alguns estudiosos fazem uma diferença entre contexto, considerado como o con- junto de situações externas da interação, e o que chamam de cotexto, a situação lingüística, definida internamente no texto verbal. No caso acima, a posição das palavras é que determina, prioritariamente, a alteração de seu sentido.
  • 110. Por que trabalhar com textos Um segundo ponto importante a observar é que os textos devem ser bastante Secção 2 diversificados: sobretudo a partir de Bakhtin, tem-se insistido nas quase infinitas possibili- dades de construção/constituição dos textos. Isso é até fácil de compreender: se as interações não se repetem, e se o texto é a realização da interação, podemos dizer que o texto é também irrepetível. Com essa extraordinária diversificação, só poderemos realmente ajudar nossos alu- nos a desenvolver sua competência no uso da língua se os pusermos em contato com os mais diferentes textos em circulação no seu ambiente e na sociedade, tanto na modalida- de oral quanto na escrita. Atividade 9 Faça aqui um depoimento pessoal e verdadeiro: A – Se você faz uso de um manual de língua portuguesa: a) Você explora textos diversificados do livro? b) Você acrescenta textos de sua escolha? 108 c) Que tipo de texto você rejeita e qual você prefere? Por quê? B – Se não faz uso de manual, como se dá sua seleção de textos? Outra questão substancial é a que diz respeito à forma de explorar o texto em sala de aula: freqüentemente, o texto é apresentado como exemplo de determinado item, ou como citação. Algumas vezes ele é trabalhado nas especificidades do seu gênero (propa- ganda, reportagem, poema) e raramente no que ele tem de único. É obvio que o simples contato com a diversidade de muitos textos já é um dado importante. No entanto, a interpretação do texto deve ir além de suas marcas mais gerais, ir mais fundo na busca de seus significados menos evidentes. Não estamos, com isso, afirmando que o texto tem de ser explorado com a mesma profundidade em qualquer turma: esse é um longo caminho a percorrer, mas sempre é possivel ir aguçando o olhar dos alunos para uma leitura cada vez mais sensível e crítica. Tomemos um exemplo. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 111. O texto como centro das experiências no ensino da língua Unidade 3 Atividade 10 Leia este trecho de uma novela infantil do gaúcho Antônio Carlos Hohlfeldt, jornalista, professor e também autor de vários livros de literatura infantil e juvenil: Porã Por que a professora tinha feito aquilo comigo? Eu sempre tive muito orgulho de me chamar Porã. A mãe tinha me dito que Porã era o nome de um avô do avô do meu avô, que tinha sido muito valente, e que por isso eu devia respeitar aquele nome e ter orgulho dele. E eu tinha muito respeito e levava aquele nome com muito orgulho. Por essa ra- zão, não liguei muito quando as pessoas lá da cidade me deram outro nome, “tu agora vais te chamar Pedro”, me disseram. Porque eu era Porã e, mesmo se quisessem juntar os dois, Pedro 109 Porã, ou Porã Pedro, eu era Porã, este nome era meu e isso me alegrava muito. Mas, naquela manhã, a pro- fessora perguntou meu nome, eu respondi: - Porã, professora. - Rá,rá,rá !… A resposta das demais crianças me assustou. Eu daí não entendi mais nada e pensei que era melhor dizer o outro. - Não, eu me chamo Pedro! E a professora parece até que adivinhou. -Tu te chamas Pedro Porã, não é? - É, sim, professora. E as outras crianças riram mais ainda. - Olha só, ele é um índio. - Lugar de índio é no mato! - Vai ver, ele fugiu da aldeia e os pais dele nem sabem!
  • 112. Por que trabalhar com textos - Professora, eu não vou ficar na aula com este índio, eu vou contar pra meu pai e Secção 2 ele não vai gostar, a senhora tem que botar ele pra fora. Daí, eu não sei o que é que me deu, mas eu queria dar socos em todo mundo que estava perto de mim, fiquei muito triste, mas triste mesmo, e uma alegria pequenininha que eu tinha, até ela, sumiu toda e então eu corri até a mesa da professora. - Professora, eu me chamo Porã, meu nome é Porã! Eu gritei bem alto. Queria me esconder no vestido dela, como eu fazia às vezes com a minha mãe, mas ao mesmo tempo eu queria ter coragem de enfrentar todas aquelas crianças e dizer que não, que meu nome era outro, mas daí eu nem sabia mais direito qual era a verdade e não conseguia entender aquelas crianças que não eram do meu grupo. Então eu corri, corri mesmo, mas a minha alpercata trancou na mesa, ou na cadeira, não sei mais, e eu caí, fiquei esparramado todinho, com os braços pra frente, no chão de tábuas, e as outras crianças riram mais ainda, riam e batiam palmas, gritavam. - Palhaço, pa-lha-ço! Eu não sabia direito o que queria dizer aquilo, mas sentia que aquela palavra batia forte em mim e me doía mais do que o joelho quando tinha batido no chão. Então me levantei e sem nem pegar minha sacola com os livros corri de volta pra cá, pra aldeia. Agora, eu não quero mais voltar, porque na cidade e na escola as outras crianças não entendem que eu sou igual a elas. As crianças e a gente grande também, porque a professora não fez nada para me ajudar. Eles não sabem que índio pode sentir igualzinho a elas. Que no índio as coisas também podem doer igualzinho a elas. E eu disse tudo pra minha mãe, e disse pra meu pai, e disse também pras outras crianças aqui da aldeia, e de noite, quando os homens se reunirem na roda da fogueira, eu quero olhar bem para 110 aquela fogueira e também dizer isso pra eles. Que eu tenho muita dor no fundo de mim e que eu não quero mais voltar para a escola. HOHLFELDT, Antônio C. Porã. Rio de Janeiro:Antares/ Brasília:INL, 1998, p. 7-10. A – Você acha que a narrativa em 1ª pessoa é adequada, no caso desse narrador? Justifique. B – O narrador-personagem põe as próprias crianças e a professora para falarem. Isto é: a narrativa tem também o discurso direto. Qual é o seu efeito sobre o leitor? C – Que características das sociedades indígenas aparecem nesse trecho? D – Por meio de que recurso se revela o culto à tradição? TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 113. O texto como centro das experiências no ensino da língua E – A reação dos colegas de Porã revela um sentimento nascido com elas? Unidade 3 F – Quem representa bem a origem desse preconceito? Em que pontos o texto mostra isso? G – Na situação narrada, quem mostra um pensamento democrático? Em que trecho isso fica mais evidente? 111 H – Sobretudo no último parágrafo, a narrativa apresenta muitas repetições. Você as considera adequadas? Esse texto sugere a discussão de algumas questões fundamentais: o precon- ceito, aqui representado na agressão verbal dos alunos, e a função da escola, que deveria ser a de desenvolver nos alunos o sentimento da igualdade, o respeito e a convivência com o “diferente”. A partir dele, a cultura indígena pode ser pesqui- sada, além de questões históricas, como a perda de terras e a aproximação dos indígenas dos brasileiros “brancos”. Sem dúvida alguma, esses assuntos, a serem explorados em conjunto com professores de Ciências Sociais, podem fazer parte de um belo projeto. Na nossa opinião, as perguntas feitas acima e que exploram alguns aspectos da linguagem do texto não apresentam dificuldade maior para alunos de 5ª série. Mas só você, diante das características de sua turma, é que vai sentir até onde pode levar a interpretação do texto. Por outro lado, experimente ir mais longe, não se deixe levar pela certeza ( sempre incerta) de que os alunos não serão capazes de ir além.
  • 114. Por que trabalhar com textos Secção 2 Avançando na prática Experiemente estudar o texto com seus alunos de 5ª ou 6ª série. Se possível, leia o livro Porã, no qual o narrador-personagem conta as dificuldades que encontrou na tentativa de conviver com as crianças não-índias. Lembre-se de sugestões apresenta- das nas unidades anteriores quanto à preparação do texto, da leitura em voz alta até a escolha da apresentação do assunto e das perguntas que fará aos alunos. Propo- mos-lhe estes passos: 1. Pense na melhor forma de interessar os alunos no assunto do texto. Você pode acionar o conhecimento que eles têm sobre a vida dos índios, ou pode aproveitar o texto em um momento em que algum preconceito surgir na sala. Ou alguma notícia de jornal, como a morte de indígenas provocada por adolescentes. Lembre aos alunos que o autor é gaúcho e relata fatos que ocorreram ou poderi- am ter ocorrido numa escola do Rio Grande do Sul, com indígenas que vivem no Sul. Por isso, as personagens usam o “tu” como forma de tratamento. 2. Leia o texto para os alunos, procurando realçar a emoção do narrador. 3. Proponha o estudo do texto em grupos. Apresente-lhes as perguntas que po- dem ajudá-los na sua interpretação. Percorra a sala, enquanto eles discutem. Defina com eles um tempo razoável para terminarem o trabalho. 112 4. Peça ao relator de cada grupo que apresente as respostas. Discuta as respostas dos grupos para cada questão. Tenha o cuidado de ouvir e de dar a mesma oportuni- dade para todos os grupos. 5. Se os alunos tiverem uma dificuldade insuperável com relação a alguma pergunta, veja se é pertinente você mesmo dar as explicações devidas. 6. Conforme a turma e os entendimentos com outros professores, desenvolva um projeto em torno dos indígenas. Divida a turma em grupos e defina assuntos que cada um pesquisaria: a cultura indígena, sobretudo suas lendas; os atuais redutos indígenas no Brasil; o vocabulário indígena no léxico português; a visão que o brasileiro tem de seu irmão índio. Este último item pode ser pesquisado com uso de entrevistas, prepa- radas com a ajuda dos professores envolvidos no projeto. Ajude-os na procura de livros, filmes, fotos, reportagens, música sobre os índios e de objetos feitos por índios, às vezes disponíveis em sua região. 7. Dê um prazo razoável para a elaboração dos trabalhos e procure acompanhá- los de perto. 8. Concluídos os trabalhos, veja a melhor maneira de torná-los disponíveis para outras classes e para a comunidade: exposições, espetáculos, jornal (mural ou “im- presso”), tudo pode ajudar a comunidade a perceber com mais justeza as comunida- des indígenas. Se houver, em sua região, a possibilidade de contato com indígenas, tente levá-los à escola para entrevistas e depoimentos, garantindo que serão ouvidos com a mesma atenção, curiosidade e respeito dispensados a qualquer visitante que tenha uma experiência importante a mostrar para a comunidade. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 115. O texto como centro das experiências no ensino da língua Unidade 3 Como último ponto a discutir, gostaríamos de lembrar que a proposta de traba- lhar com textos variados inclui a exploração de textos não-verbais e os que misturam mais de uma linguagem, como a propaganda, a composição musical, o filme. Neste mundo pós-moderno, em que tudo vai perdendo seus contornos nítidos e tudo se mescla, sons e imagens além da língua marcam as interações mais comuns do nosso cotidiano. Devem fazer parte das nossas escolhas, para uso com nossos alunos. Eventualmente, eles podem até experimentar expressar-se em uma dessas linguagens. De todo modo, como interlocutores, fruidores, o contato com textos com outros códigos deve ser constante. Resumindo Os pontos principais desta seção foram os seguintes: 1- O ensino-aprendizagem de qualquer língua deve dar-se com o uso de textos, porque é por meio deles que pensamos e interagimos. 2- O texto deve ser o centro de todas as atividades que envolvem o ouvir, o falar, o ler e o escrever. 3- Da mesma forma, a análise lingüística só pode ser significativa para os alunos, se apoiada em textos que contextualizam cada uso do vocabulário e da morfossintaxe. 113 Será que está bem claro que é o texto que nos faz pensar, divertir, que, enfim, enriquece nossas experiências e nos coloca no centro da vida? Então, passemos à próxima seção.
  • 116. Seção 3 Os pactos de leitura Objetivo da seção Reconhecer os diferentes pactos de leitura dos textos. Conforme já salientamos, em função das quase infinitas situações de interação, os textos são também muito variados. Cada um deles é criado a partir das intenções e das condições de produção de seu autor. Essas condições abarcam não somente seu conhe- cimento, suas emoções, expectativas e aptidões, como todo o contexto em que produz determinado texto: o interlocutor, a relação entre eles, o momento vivido, etc. A decisão de fazer um texto de certo tipo e não de outro (por exemplo: uma crônica de rádio, um cartão, uma notícia de jornal, um requerimento, um anúncio, uma charge, um poema) dependerá de todos esses fatores, que acabarão por definir também um suporte – base material em que se concretiza o texto: papel recortado e desenhado, jornal ou revista, formulário de uma instituição, cartaz, livro. Esse texto, criado para tal suporte, teve outro dado em mente: um interlocutor, mais ou menos definido, conforme o caso, mas sempre importante: afinal, trata-se da interação entre pelo menos dois sujeitos. Assim, a consideração do possível “leitor” é questão 114 primordial na construção do texto, embora nem sempre isso seja fácil. Em certos tipos de produção, temos a idéia bastante exata do nosso interlocutor. Numa carta (ou num telefonema) a um amigo ou parente, podemos contar com um conhecimento tão grande do outro que é possível brincar, deixar dados subentendidos, usar uma linguagem quase cifrada. Em outros casos, temos algumas idéias meio gerais: faixa etária, escolaridade, poder aquisitivo, nível cultural, sexo - e tudo isso pode definir formas de comunicação bastante diferentes. Em determinados casos, avaliar mal as características de um possível leitor e, por- tanto, a forma de abordá-lo gera problemas enormes. Para certos empreendimentos, isso pode ser fatal. Atividade 11 A – Imagine a seguinte situação: dois bancos abriram uma linha de crédito à qual você se candidatou. Um mês depois, houve um comunicado no jornal de um dos bancos avisando aos candidatos que o crédito tinha sido suspenso. O outro lhe enviou uma carta comunicando a suspensão temporária e pedindo desculpas pela mudança ocorrida. Qual foi sua reação, quer dizer, sua leitura do comportamento do banco, num caso e noutro? O procedimento usado por eles alteraria sua relação com os bancos? TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 117. O texto como centro das experiências no ensino da língua B – Você é mulher e recebe em casa, no seu aniversário, dois arranjos de flores, com Unidade 3 cartões. Um está escrito a máquina, o outro está manuscrito e cheio de desenhos (simple- sinhos, “sem arte” ). Como você reage aos dois cartões? No caso dos bancos, se você é cliente milionário(a), o do aviso no jornal pode ter perdido uma conta alta. No caso dos buquês de flores, se você oscilava entre dois amores, o bilhete pode definir a escolha do namorado, ou marido. Isso não é, defini- tivamente, irrelevante… Isso significa que o locutor, mesmo sem querer, dá indicações de como preten- de que seu texto seja lido. Em outras palavras, o locutor sempre tenta estabelecer com seu interlocutor um “pacto de leitura”: de antemão, dá informações do que se pode esperar do texto. O interlocutor, também com maior ou menor clareza, percebe essas “dicas” passadas pelo texto. E o lê ou não, ou o lê de determinado modo, de acordo com seu interesse. Ainda que nosso raciocínio diga respeito a todo tipo de texto, vamos privilegiar, daqui para frente, textos que trabalhem, mesmo que não exclusivamente, com a linguagem verbal, uma vez que neles os “pactos de leitura” ficam mais claros. Vejamos com um exemplo concreto a importância de, em certos casos, se saber para quem se quer falar. O autor tem seu alvo muito certo: sabe que leitor quer fisgar, e 115 procura fazer isso com competência. Atividade 12 Na Unidade 1, já trabalhamos com propaganda. Você sabe que sua intenção é sempre influenciar o comportamento do interlocutor. Observe cuidadosamente o anúncio na página a seguir, para depois responder a algumas perguntas sobre ela. A – A publicidade se dirige preferencialmente a uma faixa etária . a) Qual é ela? b) Que expedientes usa a publicidade para aproximar-se desses "consumidores"? escanear imagem pronta c) A palavra “brother” tem um emprego muito feliz no texto. Por quê? B – Na “chamada” da publicidade, há um jogo de humor. Qual é?
  • 118. Os pactos de leitura Secção 3 C – Detenha-se nas figuras humanas. a) Elas aparecem em foto, desenho, pintura? 116 b) As figuras representam bem os consumidores pretendidos? Justifique. Se o locutor tem intenções, uma imagem de seu interlocutor, um contexto que estabelece as condições de produção de seu texto com relação ao interlocutor, temos de considerar dois pontos especialmente importantes: seus objetivos de leitura e seus co- nhecimentos prévios – o conjunto de suas experiências, não só de linguagem, mas tam- bém da vida. Pensemos em um exemplo bem prático: estamos na sala de espera de um consultó- rio médico. Os clientes são muitos. Há também muitas revistas à disposição deles: Veja, Caras, Amiga, Senhor. Há também alguns poucos livros, romances. Nessa situação, a demora é às vezes bem grande. No entanto, qual vai ser nossa primeira escolha? Bem, o mais provável é que mesmo os apaixonados por literatura, nessa situação, deixem de lado o romance: o tempo de espera pode não ser tão grande assim, e quere- mos naquele momento uma leitura “leve”, que não exija concentração maior, e que nos prenda o suficiente para “passar o tempo”, mas não nos impeça de largá-la, quando formos chamados para a consulta. Por outro lado, alguns vão escolher primeiro o exemplar de Veja, outros vão optar por Caras, e assim por diante. Porque, mesmo numa leitura de distração que queremos fazer no momento, cada um escolhe a revista em função de seu gosto pessoal, de seu envolvimento com a leitura e com o mundo. É claro que em Caras você tem menos leitura verbal do que em Senhor ou Veja, e que em Caras você vai ler sobre um mundo bem diferente do que o que nos mostram as outras duas revistas. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 119. O texto como centro das experiências no ensino da língua Nesse sentido, o nome das revistas, como qualquer título, é sempre significativo, Unidade 3 assim como a capa. Podemos dizer que as “dicas“ do autor estão , por exemplo, nas chamadas da capa da revista, na imagem que aí aparece, mas vai além disso: ao longo dos anos, a revista vai formando um conceito entre leitores (e até não-leitores), de forma que já sabemos o tratamento que a revista vai dar a determinada questão. A simples leitura de seu nome já funciona como “dica” para o leitor. Importante É claro que estamos simplificando, quando falamos de autor, no caso de revistas ou jornais. São muitos autores, em cada um deles. Mas, em qualquer desses veículos de comunicação (como também em rádio e televisão), há uma linha a ser seguida, um padrão na forma e no conteúdo das notícias, reportagens e demais seções, de tal modo que você pode reconhecer com bastante facilidade o "perfil", não só da emissora ou do jornal, como também de seu público. Avançando na prática Um excelente trabalho a ser desenvolvido com seus alunos é dividi-los em grupo e propor, a cada um, uma pesquisa sobre revistas, jornais e canais de televisão. 117 Escolham um assunto importante das últimas semanas e os grupos vão pesquisar como os seus veículos ( pelo menos dois) trataram tal assunto. As perguntas geradoras da pesquisa poderiam ser: os veículos são igualmente informativos? Apresentam com a mesma importância o assunto? São isentos? Definem claramente suas posições? Em princípio, planeje a trabalho da seguinte maneira: 1. A partir do interesse da turma, escolham o assunto a ser pesquisado. Faça uma discussão preliminar, apresentando os antecedentes da questão focalizada. 2. Por sorteio ou por escolha ( se não houver impasse), defina os veículos que cabem a cada grupo. Naturalmente, vale a pena saber os mais disponíveis na sua cidade, mas não se prender a esses, se não forem significativos. 3. Utilizando exemplos concretos, mostre que muitas vezes o assunto tem reper- cussões em mais de um caderno do jornal, pode aparecer numa coluna humorística, numa charge. Essas outras formas de mostrar o assunto são às vezes mais indicadoras das posições do veículo do que a notícia ou a reportagem propriamente. 4. Dê um prazo razoável para o trabalho, e nesse tempo procure acompanhar o que vem ocorrendo e resolver dificuldades. 5. Marque a data da apresentação de resultados. Promova um debate entre os alunos sobre as conclusões a que cada grupo chegou. Dê, depois, sua opinião, refazendo raciocínios, mostrando outras interpretações possíveis, etc. É fundamental que as perguntas iniciais sejam respondidas. É importante, também, desenvolver nos alunos a noção de que todos nós temos posições e temos direito a elas. No caso dos
  • 120. Os pactos de leitura Secção 3 veículos de comunicação, que também têm direito a posições, o que eles não podem é deixar de informar os diversos ângulos do assunto para que o leitor se posicione, conhecendo seus vários lados e versões. No caso da sala de espera, temos um motivo para ler: distrair, diminuir a tensão, algo desse tipo. Mas lemos com muitos outros objetivos, tão diversos quanto os objeti- vos de quem escreve: lemos para aprender, para escrever depois, para nos deleitarmos com um belo poema, etc. etc. Muitas vezes, os objetivos se misturam. Conforme nosso objetivo, não só escolhemos textos diferentes para ler: temos atitudes e expectativas diferentes também. Temos formas diferentes de “entrar” num ro- mance, num editorial ou numa propaganda, por exemplo. Se no primeiro caso podemos (e devemos) nos deixar levar pela sedução da narrativa, e no segundo devemos procurar entender a lógica, estabelecer concordância ou discordância com seus pontos de vista, no último temos de nos armar com elementos para ver o “por trás” do discurso da venda, seja político ou de um produto qualquer. Mesmo com relação ao texto literário podem variar muito nossas disposições. Ler um poema não é exatamente igual a ler um conto, uma peça de teatro. A rigor, ler poemas de João Cabral de Melo Neto é diferente de ler poemas de Thiago de Melo, ainda que o sobrenome seja o mesmo. A outra questão relevante, da perspectiva do leitor, são os seus chamados conheci- mentos prévios. Por exemplo, ao ler a propaganda do curso de inglês, você acionou uma série de conhecimentos prévios, da mesma maneira que o adolescente, alvo preferencial dela. 118 Esses conhecimentos dizem respeito à Língua Portuguesa e até ao Inglês, mas também têm relação com o que você sabe dos jovens. Por outro lado, sua própria relação com a Língua Inglesa pode ter aproximado ou afastado você da propaganda. Conhecimento e afetividade não andam separados. Os conhecimentos prévios é que criam certas expectativas diante de cada enun- ciado. Por isso mesmo, um bom texto costuma, desde o título, lidar com eles. Atividade 13 Analise a capa de uma revista de seu gosto. Observe os assuntos que anuncia e como os anuncia. Veja se ela trabalha ou não com supostos conhecimentos prévios de seus leitores. Escreva abaixo suas observações principais. Freqüentemente, confundimos conhecimento prévio com informação correta. Os conhecimentos prévios, como os entendemos, nem são apenas “as informações”, no sentido de dados acumulados sobre determinado assunto, nem são obrigatoria- mente corretos. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 121. O texto como centro das experiências no ensino da língua Nossos valores e nossos sentimentos fazem parte desses conhecimentos. As cren- Unidade 3 ças, por mais absurdas que possam parecer, são conhecimentos prévios. Um livro, ou uma discussão, podem destruir todos os conceitos que tínhamos sobre certo tema. De todo modo, foi essa informação precária que criou o interesse e funcionou como ponte para o novo. Podemos dizer , finalmente, o que são pactos de leitura. Pacto de leitura é um “acordo”, um “contrato” implícito entre o locutor e o interlocutor de um texto, por meio do qual cada um cria uma expectativa com relação ao que vai ser lido. Como vimos, o locutor cria o texto em função de determinados objetivos (quer emocionar, criticar, “vender” uma idéia ou um produto), de dados sobre o interlocutor pretendido, do espaço onde se instalará a comunicação: tudo isso dá pistas sobre como o autor quer ser lido. O leitor, com sua biografia e seus objetivos do momento, escolhe o texto em função das dicas que percebeu. Como pode ocorrer em qualquer contrato, que às vezes não é cumprido por uma das partes, também com relação aos pactos de leitura nem sempre as expectavivas são atendidas. Acontece de o locutor acenar com uma proposta que não se cumpre no texto, da mesma forma que pode ocorrer de o interlocutor enganar-se na leitura das dicas do locutor. Importante 119 A diversidade de objetivos de leitura é tópico importantíssimo do ensino- aprendizagem de Língua Portuguesa. Seus alunos devem ser estimulados a perceber essas diferenças, para procurarem o material mais adequado em cada caso. A informação obtida em uma enciclopédia não é igual à de um dicionário, de uma revista especializada, ou de uma pesquisa sobre o assunto. Por outro lado, você precisa ter clareza sobre o que cobrar de cada leitura feita por eles. Professor, sua aula também é um texto (cheia de textos menores, como acontece com os capítulos de uma novela). Nesse sentido, é essencial que seu texto não só leve em conta os possíveis conhecimentos prévios dos alunos, como procure sempre acioná- los, para que eles vejam com mais facilidade as ligações entre sua experiência e tudo de novo que sua sala de aula lhes oferece. Resumindo A síntese que podemos fazer desta unidade, com vistas à nossa reflexão final , é: 1- Uma vez que o texto realiza a interação, nas considerações sobre texto devem ser evidenciados os sujeitos dessa interlocução. 2- Assim como o locutor , com suas intenções, imagina seu interlocutor e, em função do contexto específico, produz seu texto, o interlocutor, com seus objetivos e experiências, procura o texto que lhe serve em dado momento.
  • 122. Os pactos de leitura Secção 3 3- O pacto de leitura é um contrato implícito entre locutor e interlocutor quan- to à expectativa que cada um põe no texto: um, a partir dos recursos usados, do gênero, do suporte, informa sobre como pretende que seu texto seja lido; o outro, a partir de seus objetivos e de seus conhecimentos, imagina o que pode encontrar no texto escolhido. 4- Objetivos diferentes definem escolhas diferentes de textos e estratégias dife- rentes de leitura. 5- A diversidade de objetivos de leitura e de expressão dos alunos, assim como de seus conhecimentos prévios, exige do professor não só uma atitude aberta, com relação às suas possibilidades e preferências, mas também uma atuação no sentido de criar condições para a ampliação de conhecimentos e, portanto, de horizontes. Desse modo, os alunos terão opções cada vez mais numerosas e significativas de leitura e de expressão. Essas experiências significativas já são um trabalho importante com a língua, e serão o ponto de partida para as análises lingüísticas a serem feitas. 120 TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 123. O texto como centro das experiências no ensino da língua Unidade 3 Leituras sugeridas CEALE. Professor-leitor,aluno-autor. Belo Horizonte: CEALE/Formato (Intermédio- v.III, ano II, out/98). Produzida pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Faculdade de Educa- ção da UFMG, a obra discute e orienta, em linguagem muito acessível, o ensino de linguagem, centrando-se nas questões da produção de texto e sua avaliação. FRANCHI, E. E as crianças eram difíceis...A redação na escola. São Paulo: Martins Fontes,1993. Originalmente, uma tese de mestrado em Educação, esta obra apresenta uma refle- xão muito interessante sobre como se processa e como poderia processar-se a produção de textos na escola. Trabalhando com crianças chamadas “difíceis”, pelo seu contexto social, a pesquisa da autora discute pontos importantes do ensino da linguagem. GARCEZ, L.H.C. Técnicas de redação. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Esta obra, com bons fundamentos teóricos, pode ser lida com facilidade, em virtu- de de sua organização clara, sua linguagem direta e exemplificação interessante. Aborda tanto a leitura quanto a produção de textos. TEBEROSKY, A. Aprendendo a escrever. Perspectivas psicológicas e implicações educa- cionais. 3.ed. São Paulo: Ática, 1997. Embora mais dirigida às questões ligadas aos primeiros anos da escola, esta obra apresenta muitas reflexões interessantes para os professores do ensino fundamental. Com 121 a segurança de outros escritos seus, esta estudiosa apresenta uma bela reflexão ligada à prática. Por isso mesmo começa com capítulos que exploram os saberes dos professores e os dos alunos. ZACCUR, E.(org.) A magia da linguagem. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A:SEPE, 2001. A obra é composta de cinco artigos que abordam tanto a leitura quanto a escrita, criados por especialistas de projeção (a própria autora, João W. Geraldi, Magda Soa- res, Sônia Kramer e Ana Luiza Smolka), além de uma “entrevista polifônica e virtual “ com Paulo Freire, trabalho feito a muitas (e competentes) mãos. (A entrevista é polifô- nica porque apresenta muitas vozes e é virtual, porque na realidade não aconteceu em vida de Paulo Freire: é baseada nas suas falas e posições, tantas vezes apresentadas em seus textos.)
  • 124. Bibliografia BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua Portuguesa/SEF. Brasília, 1997. DIETZSCH. M.J.M. Espaços da linguagem na educação. São Paulo: Humanitas, 1999. GERALDI. J.W. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. WALTY, I. et all. Tipos de textos, modos de leitura. Belo Horizonte: Formato, 2000. 122 TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 125. Ampliando nossas referências Como você já sabe, nas unidades ímpares, propomos-lhe a leitura de um texto “de referência”, que lhe dê mais elementos para uma reflexão em torno da importância do assunto da unidade para sua atuação como professor. O texto seguinte é parte do capítu- lo inicial de um livro que trabalha pontos muito importantes sobre a leitura. História de um conceito No Dicionário Aurélio, a palavra leitura (do latim medievo lectura) significa ato ou efeito de ler, mas também arte de decifrar um texto segundo um critério. O verbete leitura da Enciclopédia Einaudi assinala que o termo leitura não remete a um conceito e sim a um conjunto de práticas que regem as formas de utilização que a sociedade, particularmente através da instituição escolar, faz dele. Leitura é, pois, conforme acen- tuam Barthes e Compagnon nessa enciclopédia, uma palavra de significado vago, des- lizante, que é preciso ocupar “por meio de umas sondagens sucessivas e diversas”, segundo os muitos fios que tecem sua trama. Apesar do questionamento ao conceito fechado de leitura, vale refletir um pouco sobre a etimologia da palavra ler, do latim legere, que pode nos ajudar a compreender um pouco melhor essa prática. Numa primeira instância, ler significava contar, enume- rar letras; numa segunda, significava colher, e por último, roubar. Observe-se que em sua raiz a palavra já traduz pelo menos três maneiras, não-excludentes, de se fazer leitura. Na primeira, soletramos, repetimos fonemas, agrupando-os em sílabas, pala- vras e frases. É o primeiro ato da leitura, o primeiro estágio, correspondente à alfabeti- 123 zação. Já na segundo momento, o verbo colher implica a idéia de algo pronto, corres- pondendo a uma tradicional interpretação de texto, em que se busca um sentido prede- terminado. Ao leitor caberia apenas descobrir que sentido o autor quis dar a seu texto. Ela colheria o sentido como se colhe uma laranja no pé. Nesse tipo de leitura é que se busca sobretudo a mensagem do texto, seu tema. Aparentemente, o leitor não teria poder algum, a não ser o de traduzir o sentido que estaria pronto no texto. Entretanto, o texto não se apresenta ao leitor senão como uma proposta de produção de sentido, que pode ou não ser aceita. Trata-se de um pacto de leitura que constitui o que deno- minamos interação leitor/texto. Há ainda uma terceira instância, correspondente ao verbo roubar, que traz uma idéia de subversão, de clandestinidade. Não se rouba algo com conhecimento e auto- rização do proprietário, logo essa leitura do texto vai se construir à revelia do autor, ou melhor, vai acrescentar ao texto outros sentidos, a partir de sinais que nele estão pre- sentes, mesmo que o autor não tivesse consciência disso. Nesse tipo de leitura, o leitor tem mais poder e vai, como diz Umberto Eco, construir suas próprias trilhas no texto/ bosque. Considerando a idéia de leitura como transgressão, De Certeau também com- para o leitor a um viajante: Bem longe de serem escritores, fundadores de um lugar próprio, herdei- ros dos lavradores de antanho – mas, sobre o solo da linguagem, cavadores de poços e construtores de casa -, os leitores são viajantes; eles circulam sobre as terras de outrem, caçam, furtivamente, como nômades através de campos que não escreveram, arrebatam os bens do Egito para com eles se regalar.
  • 126. Como se vê, embora não tenha um sentido fixo, a palavra carrega significações que nos levam a encarar “sondagens sucessivas e diversas”. Dessa forma, a questão da leitura passa, necessária e simultaneamente, por: a) uma teoria do conhecimento, por envolver a relação sujeito/objeto do conheci- mento, isto é, a relação leitor/texto. Nesse caso, observa-se, por exemplo, o maior ou menor poder do autor e do leitor na construção de sentidos do texto. Enquanto na primei- ra metade do século XX considerava-se o autor como dono absoluto do texto, e ao leitor cabia detectar suas intenções a elas subordinando-se, atualmente, o leitor é considerado também um produtor de sentidos, relativizando, assim, os poderes autorais. b) uma psicologia/psicanálise, ao envolver estados e disposições psíquicas, consci- entes ou inconscientes, que determinam o ato de ler ou nele interferem. O ato de ler é motivado por um desejo e, ao mesmo tempo, atravessado pelo inconsciente. Isso signifi- ca que o leitor não controla todas as suas ações; antes investe no texto seus medos, suas angústias, suas fantasias, suas esperanças. c) uma sociologia, ao tratar das condições sociais determinantes do processo de produção de saber, que é a leitura. As marcas sociais não podem ser abandonadas pelo sujeito, seja ele o autor, seja o leitor, já que estes pertencem a um grupo social com seus valores, seus poderes, suas limitações e suas expectativas. d) uma pedagogia, ao considerar o desenvolvimento das habilidades de leitura no processo ensino/aprendizagem. Tal processo faz parte não só do cotidiano das escolas, como também da vida do cidadão em sociedades letradas e envolve sempre a escolha de uma trajetória. Enquanto vivemos, podemos desenvolver nosso universo textual com 124 ajuda de outros leitores, num incessante processo de troca. e) uma teoria da comunicação, ao voltar-se para a formação de sentidos enquanto envolvedora de códigos, mensagens, emissão, contexto, além da recepção. A publica- ção de um texto implica uma relação de circulação e consumo em que importa refletir sobre para quem se escreve, para que se escreve e como se escreve. f) uma análise do discurso, ao englobar a textualidade, a coerência, a interação verbal e outros fatos próprios da língua em seu uso pelos grupos humanos. A organização interna do texto, sua relação com outros textos, suas dimensões político-econômicas são elementos essenciais do ato da leitura. g) uma teoria literária, quando se constitui como experiência estética.Chamando de literária a leitura tensionada na fusão entre o prazer e o estranhamento por parte do leitor, importa ressaltar a importância do trabalho da linguagem: criação poética tanto no ato da escrita quanto no ato da leitura. Todas essas abordagens se interpenetram e se apresentam historicamente defini- das, dependendo, pois, da época e da sociedade em que estão produzidas. Nesse sentido, é importante considerar algumas modalidades da prática de leitura em tempos e espaços diversos. PAULINO, Graça et all. Tipos de textos, modos de leitura. Belo Horizonte: Formato, 2001, p.11-15. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 127. O texto como centro das experiências no ensino da língua Unidade 3 Perguntas para orientar a leitura e a discussão do texto de referência A – Embora enfoque a leitura, o texto refere-se constantemente ao autor. Por que isso ocorre, na sua opinião? B – O que lhe sugere o envolvimento da leitura em tantas ciências ? C – Como você pôde observar no texto, a leitura ultrapassa o campo da pedagogia. Que contribuições para sua prática você encontrou nas outras abordagens? D – Na sua opinião, o texto apresenta a percepção da leitura como interação? Justifique. 125
  • 131. O texto como centro das experiências no ensino da língua Unidade 3 Correção das atividades Atividade 1 Como é freqüente confundir norma culta com modalidade escrita da língua e com linguagem literária, e como o objetivo do ensino/ aprendizagem era sobretudo ensinar a ler e a escrever, é natural que se usasse basicamente o texto literário como caminho para levar o aluno a “escrever”, o que ele só poderia fazer na norma culta. Atividade 2 Relato pessoal. De todo modo, seria importante que, no relato, alguém interpretas- se de modo diferente determinada palavra, ou alguma coisa dita a alguém fosse tomada como ofensa. (O caso pode ser cômico ou dramático). Atividade 3 A – A frase é um texto, sem dúvida. Vale por uma declaração de amor; é um texto amoroso, com uma clara relação com o contexto de caminhoneiro: os perigos da estrada são os perigos do amor. B – Chama atenção no texto o humor do autor, relacionando o corpo feminino aos perigos da estrada, através de um elemento comum: as curvas. Atividade 4 A – Temos aí um texto, sem sombra de dúvida. Há uma unidade de informação, num contexto enunciativo muito claro. 129 B – Nesse texto oral percebemos as reticências, com a suspensão momentânea da fala. Temos as simplificações (tá, cê), distanciamento do formalismo (diz que, em vez de dizem que; que que cê acha, em vez de o que você acha). Atividade 5 A – Opinião pessoal. Em todo caso, é evidente que o autor quer mostrar um problema (ou uma solução) que abrange muita gente, que todos têm o mesmo peso. B – Alguns estão completamente absorvidos no seu trabalho (escrevendo, olhando algu- ma coisa no quadro (?); outros estão acompanhando a ação da professora junto a um grupo de crianças. Poucos (dois) “percebem” o fotógrafo. C – Não. Nem mesmo as compenetradas nas atividades do caderno . D – Uma criança ao fundo, a que olha para a máquina e parece a mais velha, é a única que tem expressão triste, ou tensa. E – Podemos pensar que são as menores. Parece que elas desenham. F – A segunda menina à direita da foto está em pé. Pelo tamanho das outras ao seu lado, temos a impressão de que a mesa é muito alta para ela. G – A própria ausência de expressão de desconforto ajuda a criar a idéia de uma ação que vale a pena. Mas talvez o dado mais importante para estabelecer uma impressão de esperança seja a luz que aparece no meio da foto e se expande pela sala. É como se o autor nos dissesse: nem tudo é escuridão. A própria “sala de aula” é uma esperança de mudanças para melhor.
  • 132. Correção Atividade 6 A – texto escrito não literário: Porque seus pais estão se divorciando. B – texto não-verbal (de pintura ou desenho): a imagem do abraço de pai e filho. C – texto literário: Retrato de velho, Ciúme, Conta de novo a história da noite em que nasci. Atividade 7 A – Porque a interação não se faz por meio de segmentos lingüísticos, mas por meio de unidades de informações. B – O uso da linguagem é histórico, e, como a história sofre mudanças, os valores do uso da linguagem também mudam. C – O texto foi construído de acordo com a norma culta e num registro formal. O motivo disso é o fato de o trecho fazer parte de um documento oficial, em que não cabe outro tipo de linguagem. Atividade 8 A – a) cachorro amigo: o adjetivo é “amigo”. b) amigo cachorro: o adjetivo e “cachorro”. B – Têm sentido conotativo as duas usadas como adjetivos. O “amigo” está personifica- 130 do, e “cachorro” é uma metáfora. Atividade 9 Nessa atividade, todas as respostas são pessoais, e dependem da sua experiência e suas posições. Importante mesmo é que seja um depoimento verdadeiro, para garantir uma boa discussão na reunião com os colegas e permitir avanços. Atividade 10 A – A narrativa em primeira pessoa, que traz o narrador como personagem, e aqui personagem principal, possibilita passar para o leitor as emoções e a percepção de mundo da criança “sem intermediários”. Se fosse na 3ª pessoa, com um narrador “de fora”, não teríamos a impressão de tanta verdade . B – O discurso direto, possibilitando a fala de cada personagem (“pessoas”, na perspec- tiva do narrador-personagem), dá mais realidade e emoção à cena. (Não é à-toa que o teatro é tão envolvente: seu texto é só diálogo.) C – É claro o culto das tradições e das gerações anteriores, com a repetição do nome, pelo que significa de lembrança e respeito aos feitos da comunidade; a reunião à noite, que permite a fala de todos, o espírito de união. D – Em especial, a repetição, o encadeamento em ”o nome de um avô do avô do meu avô”. E – A reação das crianças revela um sentimento não nascido com elas (nenhum nasce com a gente), mas adquirido na convivência com o adulto, que , mesmo inconsciente- TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 133. O texto como centro das experiências no ensino da língua Unidade 3 mente, pela ação ou por comentários, deixa transparecer seus preconceitos. Aqui, com relação ao índio. A criança sabe que o pai não vai ficar satisfeito com a presença do índio na sala, mesmo que isso nunca tenha sido aventado em sua casa. F – A professora, que nada fez para mostrar os equívocos da reação das crianças. G – O pensamento democrático, na história, é da criança indígena, sobretudo quando fala na igualdade de sentimentos de índios e brancos. H – O narrador-personagem quer enfatizar, marcar bem suas idéias e sentimentos, como se uma vez não bastasse para os brancos entenderem o que ele sentia. A repetição é muito apropriada. Atividade 11 A – Resposta pessoal. Mas, em geral, a carta pessoal do banco funciona melhor , toca diretamente o cliente. Em princípio, este vai se sentir mais próximo do banco que lhe enviou a carta do que do outro. B – É claro que as flores contam, os antecedentes também. Mas um cartão manuscrito mostra que o remetente “tirou um tempo” para você, é muito mais pessoal. Enfim, o julgamento é seu. Atividade 12 A – a) A faixa etária preferencial da publicidade é o (e a) adolescente. b) Já na chamada, o texto apela para a suposta “incompreensão” de que é vítima o 131 adolescente. Essa “incompreensão” vai ser o ponto explorado em toda a publicidade. A expressão “brother” é vocativo/tratamento comum entre os adolescentes. O vocabulário é bem próximo deles (legal, por exemplo). c) – A palavra “brother” é interessante no texto, porque , além do uso já apresentado pelo adolescente, o curso é de inglês. B – O humor já aparece na chamada, propondo que uma segunda língua vai ajudar o adolescente a ser entendido, como se o problema fosse de “decodificação”. (É claro que há uma sugestão de que uma pessoa que fala inglês consegue ser entendi- da-valorizada). C – a) As figuras humanas estão desenhadas esquematicamente, como imagens de quadrinhos. Aparecem um menino e uma menina, alegres; na blusa, a inscrição em inglês: “team”, como se no curso de inglês as pessoas formassem um time. b) As figuras representam bem os adolescentes: o jeito descontraído, o boné do menino, o rabo de cavalo da menina, as camisetas, tudo aponta para eles. Atividade 13 Pesquisa pessoal. Em princípio, uma revista feminina “puxa” para a capa o anún- cio de problemas que supostamente elas apresentam, ou pelos quais estão interessa- das. Uma revista masculina procede de maneira igual, as das crianças também: não só acionam seus conhecimentos prévios, como acenam para “soluções” ou ângulos no- vos do assunto.
  • 134. Correção Respostas às questões sobre Ampliando nossas referências A – Como temos insistido, a leitura, como qualquer ato de interação, nos obriga a considerar os interlocutores. Assim, pensando sobretudo (mas não só) na leitura verbal, autor e leitor aparecem com sua importância, envolvidos na construção de significados. Escrever e ler são ações diferentes, mas complementares. A novidade dos estudos mais modernos é que antes o autor reinava sozinho nessa construção, e agora divide o trono com o leitor. B – O interesse de tantas ciências pelo campo da leitura só pode evidenciar a sua importância para o desenvolvimento humano, em qualquer perspectiva. Isso, sem dúvi- da, obriga a educação a ter olhos mais atentos ainda para o desenvolvimento das compe- tências da leitura e da produção de textos. C – Essa reflexão é bastante pessoal, e você pode dar mais importância a um campo ou outro. Mas será difícil não perceber o quanto cada um poderá ajudar você a entender melhor seu aluno como locutor e como interlocutor, suas condições e características, por exemplo. Aí, já estão indicadas a sociologia e a psicologia/psicanálise, mostrando sua ligação com a leitura. D – Essa resposta tem muito a ver com as demais, sobretudo com a primeira: o tempo todo, está clara a posição das autoras de que é no trabalho de construir significado para o que falamos e ouvimos, a partir de uma situação social, histórica e cultural dada, que se dá a leitura. Qualquer das abordagens, de algum modo, pode ser exemplo dessa forma de percepção das autoras. 132 TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 135. Unidade 4 A intertextualidade Maria Antonieta Antunes Cunha Iniciando nossa conversa Caro Professor, cara Professora, Depois de trabalhar, na unidade anterior, as questões relativas à conceituação e à importância do texto, no ensino-aprendizagem de línguas, você vai estudar – mais prova- velmente, retomar – um acontecimento constante nos textos, porque também é constante nas nossas vidas. Um acontecimento que, apesar de ter existido sempre, somente foi enfatizado nos estudos de linguagem mais recentes. Esse acontecimento é o diálogo que cada texto faz com muitos outros, antigos ou contemporâneos, de tal forma que nenhum texto emerge, absolutamente original, nas nossas interações. Podemos dizer que tudo o que pensamos, fazemos, falamos ou escrevemos tem a ver com o que muitos pensaram, fizeram, falaram ou escreveram. Da mesma forma, embora nem sempre tenhamos consciência disso, os textos que produzimos são o resultado da influência maior ou menor, mais clara ou quase imperceptível, de outros textos. 133 O nome desse acontecimento é meio longo, mas consegue designar o que pretende: as ligações entre-textos, a intertextualidade. Assim como é impossível imaginar nossas vidas desligadas de todas as outras, é muito difícil pensar na comple- ta desvinculação dos textos que produzimos dos demais, que circulam ou circularam na nossa cultura. É desse fenômeno que vamos nos ocupar nesta unidade, procurando mostrar sua presença não só no nosso cotidiano, como na produção artística. E, como, mesmo levando em conta esse diálogo, criamos textos novos, vamos também abordar um outro ponto primordial na consideração da leitura e produção dos textos: o ponto de vista, expressão que já apareceu algumas vezes nas nossas unidades. Quando percebemos com clareza o processo da intertextualidade, o papel do ponto de vista e as influências de ambos em nossa vida diária e no contato com as obras de arte, a nossa leitura de mundo torna-se mais crítica e mais sensível, e criamos melhores condições, também, de explorar o assunto desde cedo (com as adaptações necessárias) com nossos alunos. Como sempre, dividimos nossa unidade em três seções. A primeira – O diálogo entre textos: a intertextualidade – vai retomar o conceito de intertextualidade e mos- trá-la como elemento constante em nossa vida. A segunda - As várias formas de intertexualidade – vai trabalhar os vários tipos de intertextualidade: da citação à paródia. A terceira – O ponto de vista – vai discutir o ponto de vista em todo tipo de interlocução. Aqui também a Ética será o tema dominante nos textos desta unidade.
  • 136. Definindo nosso ponto de chegada Ao final do estudo e atividades propostos nesta Unidade, acreditamos que você será capaz de: 1 – identificar os traços da intertextualidade em nossa interação cotidiana; 2 – identificar os vários tipos de intertextualidade; 3 – identificar os pontos de vista nas diversas interações humanas. Esperamos que este trabalho seja tão proveitoso quanto divertido. Seção 1 O diálogo entre textos: a intertextualidade 134 Objetivo da seção Identificar os traços da intertextualidade em nossa interação cotidiana. Professor, é sempre complicado tentar imaginar o que se passou com nossos ancestrais, lá longe, no início da civilização. Mas não é absurdo supor que desde lá os homens exercem influência uns sobre os outros, e que somos hoje o que somos, para o bem e para o mal, como herança das muitas conquistas e dos muitos proble- mas que as gerações vão legando às seguintes. A história “mais recente” da humanidade, a partir da Antigüidade, vem mos- trando como homens e culturas são capazes de deixar marcas indeléveis para a posteridade. Pense na importância dos gregos e romanos, dos árabes, italianos, fran- ceses, em determinados momentos da nossa história. Pense na influência dos estadu- nidenses, hoje. Nada do que estamos comentando é novidade para você, obviamente. Mas queremos chamar sua atenção para algumas questões que têm a ver com tudo isso. O primeiro comentário que queremos fazer é que, estudando essas influências historicamente, costumamos achar que elas estão longe de nós, dizem respeito a figuras ligadas ao poder, às artes, às pessoas, enfim, que constituem a história oficial. Pois tudo isso tem muita relação com a nossa vida. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 137. A intertextualidade Unidade 4 Atividade 1 Você acha que o atentado às torres gêmeas de Nova Iorque, em 11 de setembro de 2001, teve algum reflexo na nossa vida? Dê sua opinião sobre esse tema, construindo um parágrafo de aproximadamente 10 linhas. De algum modo, muitos fatos do mundo inteiro repercutem na nossa economia, nos nossos valores, na nossa cultura. No mínimo, você poderia dizer que a ampla cober- tura do atentado nos informou sobre muitos países, pessoas e situações da política mun- dial, interferiu na programação da televisão. Na verdade, muitos acontecimentos do outro lado do mundo alteram, em alguma medida, nosso dia-a-dia. 135 Outro ponto a considerar é que não são apenas esses fatos “históricos” que contam, nos rumos de nossa vida: fatos miúdos, do cotidiano só nosso, também são marcados por influências diversas, exercidas por pessoas mais próximas de nossa vida, assim como nossa atuação influencia outras pessoas. Enfim, atuamos sobre os outros e somos influen- ciados pela atuação dos outros. Atividade 2 A – Relate um problema de sua escola ou de sua cidade que tenha sido solucionado pelo empenho de muitas pessoas. Procure lembrar os primeiros a levantarem a questão e como mobilizaram a comunidade até o problema tornar-se uma questão de todos.
  • 138. O diálogo entre textos: a intertextualidade Secção 1 B – Você tem costume de citar ditados ou frases usados por alguém de seu relaciona- mento e que lhe parecem preciosos? Indique algumas (2 ou 3) dessas frases. Avançando na prática Uma atividade bastante interessante e que dá margem a boas reflexões é solicitar aos alunos que observem a fala dos “mais velhos” da família, ou até da comunidade. Oriente-os da seguinte maneira: 1. Anotem os ditados ou frases que procuram dar algum tipo de ensinamento. Se as frases tiverem palavras desconhecidas, peçam o significado para a pessoa idosa. Se usarem linguagem figurada (como uma palavra no lugar de outra), peçam que a pessoa idosa tente explicar esse uso. 2. O registro dessas falas é trazido para a sala e analisado por todo o grupo. Estimule-os a discutir o significado desses “ditados”; que tipo de ensinamento pro- põem, quais lhes parecem atuais; quais são ultrapassados e por quê. 3. Se houver, na família ou mesmo na comunidade, um sistema muito rígido de 136 “ensinamentos”, que não lhes permite qualquer tipo de discussão, ajude-os a pensar como lidar com essas posições. Um último dado a registrar é o fato de que, sobretudo a partir do final do século XX, na época chamada de pós-moderna, os avanços científicos e tecnológicos, da indústria cultural e da chamada globalização marcam muitos, rápidos e simultâneos movimentos sociais e culturais, que têm traços marcantes, como: 1 – A facilidade de reprodução das manifestações culturais: os equipamentos de cinema, de vídeo, de fotografia e gráficos tornam muito mais acessíveis todos os aconte- cimentos e as manifestações, artísticos ou não. 2 – O entrelaçamento dessas manifestações: nada mais pertence a um campo fechado: a arte, as ciências estão agora num campo que não é exclusivo e separado. Nas artes, por exemplo, os recursos de uma linguagem servem às outras manifestações. Aqui, unem-se música, teatro, vídeo num mesmo espetáculo. Ali, um filme se vale do roman- ce, da música, do desenho. 3 – Tais manifestações como expressões coletivas: cada vez mais, percebem-se tais manifestações como expressões coletivas. Nelas interferem muitas pessoas, e também são resultado de muitos outros trabalhos. Essas características de nosso tempo tornam ainda mais fáceis a divulgação e a “apro- priação” das idéias do mundo inteiro. Voltamos ao ponto inicial: nossas produções acabam apresentando traços mais ou menos perceptíveis de muitas experiências humanas. Se conhecimentos, ações e valores são em grande parte a herança das gerações TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 139. A intertextualidade Unidade 4 anteriores, ou resultam do acesso cada vez mais fácil ao mundo globalizado, o mesmo podemos dizer de nossas interações e, portanto, dos textos que produzimos. Em todas as situações apresentadas até aqui, percebemos que a “voz” (quer dizer: a experiência ou a expressão) de alguém, ou de uma comunidade, aparece no que faze- mos ou dizemos. Em outras palavras: de maneira mais ou menos clara, em extensão maior ou menor, nossos textos retomam outros textos. Atividade 3 Indique abaixo expressões usadas por determinadas figuras públicas (da política, da televisão, artistas etc.) e que você e outras pessoas passaram a usar. Apresente sua opinião sobre a importância dessas frases, na nossa cultura. Em todos esses casos, estamos praticando a intertextualidade, que pode ser con- ceituada como a presença de outras vozes em um texto produzido. Como vimos, isso vale para qualquer tipo de texto ou experiência: a cultura é essencialmente intertextual. As versões, adaptações e traduções de qualquer material são 137 formas de intertextualidade. Quando, na sala de aula, você retoma uma estratégia ou um método “criado” por alguém, você está usando intertextualidade. Da mesma forma, é intertextual o projeto que você cria com outros professores, em torno dos indígenas, no qual vão ser trabalha- dos vários aspectos, com enfoques diferentes de cada área (Geografia, História, Arte- Educação, Língua Portuguesa, etc.). Como você vê, a intertextualidade é muito mais antiga e muito mais freqüente e abrangente do que podemos imaginar à primeira vista. A relevância de seu estudo vem exatamente dessa abrangência e do diálogo que a caracteriza. Atividade 4 Leia em seguida o texto de Millôr Fernandes. Millôr Fernandes é importante autor de textos poéticos e de teatro, além de jorna- lista de projeção nacional. Representante histórico de uma imprensa combativa, par- ticipou de projetos jornalísticos como O Pasquim, periódico de oposição da década de 60, e Bundas, tentativa de ressuscitar, de certa forma, o jornal anterior. Seus textos jornalísticos são marcados pela crítica e pelo humor, características que você vai poder observar agora.
  • 140. O diálogo entre textos: a intertextualidade Secção 1 A raposa e as uvas De repente a raposa, esfomeada e gulosa, fome de quatro dias e gula de todos os tempos, saiu do areal do deserto e caiu na sombra deliciosa do parreiral que descia por um precipício a perder de vista. Olhou e viu, além de tudo, à altura de um salto, cachos de uvas maravilhosas, uvas grandes, tentadoras. Armou o salto, retesou o cor- po, saltou, o focinho passou a um palmo das uvas. Caiu, tentou de novo, não con- seguiu. Descansou, encolheu mais o corpo, deu tudo o que tinha, não conseguiu nem roçar as uvas gordas e redondas. Desistiu, dizendo entre dentes, com raiva: “Ah, também, não tem importância. Estão muito verdes.” E foi descendo, com cuidado, quando viu à sua frente uma pedra enor- me. Com esforço empurrou a pedra até o local em que estavam os cachos de uva, trepou na pedra, perigosamente, pois o terreno era irregular e havia o risco de despencar, esticou a pata e… conseguiu! Com avidez colocou na boca quase o cacho inteiro. E cuspiu. Realmente as uvas estavam muito verdes! Moral: a frustração é uma forma de julgamento tão boa como qualquer outra. 138 FERNANDES, Millôr. Fábulas fabulosas. 13. ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1991, p. 118. A – Com que texto dialoga mais claramente o texto de Millôr Fernandes? B – Como de alguma forma o autor nos prepara para uma leitura diferente do texto original? C – Que diferenças você percebeu entre o texto original e este? D – Como o narrador estabelece a diferença entre fome e gula? Você já percebeu que, se está claro que podemos aproveitar o pensamento dos outros, está evidente também que esse aproveitamento pode acontecer de muitas manei- ras. Quando dizemos que alguém copiou uma idéia nossa, ou que torceu, distorceu, TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 141. modificou nosso pensamento, estamos mostrando que a intertextualidade pode apresen- tar-se de várias formas, e é disso que vamos tratar na próxima seção. Antes, que tal resumirmos o que apresentamos até agora? Resumindo Intertextualidade é o que ocorre toda vez que um texto tem relações claras com outro, ou outros. É, portanto, um diálogo de um texto com outro. Esse diálogo , ou retomada de um texto, ocorre nas mais diversas situações e nos mais diversos tipos de comunicação, e está presente tanto nas manifestações artísticas quanto no nosso cotidiano. Isso acontece porque a cultura é claramente intertextual, quer dizer: ela sempre acumula ou retoma, de alguma forma, as experiências humanas. Preparado para estudar os diversos tipos de intertextualidade? Seção 2 As várias formas da intertextualidade 139 Objetivo da seção Identificar os vários tipos de intertextualidade. Nem sempre é fácil classificar todas as ocorrências da intertextualidade, uma vez que ela toma extensões e formas muito diferentes, na mesma medida em que o próprio texto tem infinitas possibilidades de realização. Por exemplo: as adaptações para a televisão, o cinema e o teatro de determinado romance podem ser mais ou menos fiéis ao original. Às vezes, a telenovela funde duas ou três obras de um autor. Em outras casos, ela é “inspirada” em um romance: isso quer dizer que o adaptador se sentiu muito livre para modificar a história, conservando dela apenas alguns pontos, sua questão central ou algumas personagens. Em todo caso, há algumas formas bem identificáveis da intertextualidade, que pas- samos a ver agora. Atividade 5 Você conhece a história do Patinho Feio, com toda certeza, um dos contos infantis mais populares em todo o mundo, escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen.
  • 142. As várias formas da intertextualidade Secção 2 Hans Christian Andersen (1805-1875) escreveu poemas, relatos de viagens e au- tobiografias, mas foram seus contos para crianças que lhe deram projeção, a ponto de ser considerado o nome mais importante da literatura dinamarquesa. Teve uma infân- cia e adolescência muito pobres. Sua personalidade extremamente sensível e a edu- cação rígida foram motivo de zombarias dos colegas jovens, o que desenvolveu nele uma insegurança que nem o reconhecimento de escritores famosos e o convívio com poderosos conseguiram diminuir. Alguns de seus contos mais famosos: Sapatinhos vermelhos, O soldadinho de chumbo, A sereiazinha. Faça abaixo o resumo dessa história (O Patinho Feio) tal como você a conhece. 140 Possivelmente, o resumo que você fez é muito próximo da narrativa de Andersen. Bem simplificado, seria mais ou menos assim: O patinho, ao nascer, era muito diferente dos irmãos, maior e feio. Repudiado por todos, resolve fugir. Vai pelo mundo afora, até que encontra em um lago lindas aves brancas. Encantado, aproxima-se delas, quando percebe sua imagem refletida nas águas, muito parecida com a dos cisnes, que o aco- lhem como o mais bonito dentre eles. Você e nós fizemos com a história do patinho feio um tipo de intertextualidade chamada paráfrase. Trata-se da retomada de um texto sem mudar seu fio condutor, a sua lógica. Quando alguém diz: “Parafraseando Fulano de Tal…”, está afirmando que vai se- guir o pensamento do autor citado. Quando você resume o capítulo da novela, ou conta uma piada que você acabou de ouvir, está usando a paráfrase. Resumos, adaptações, traduções tendem a ser paráfrases. Paráfrase é o tipo de intertextualidade em que são conservados a idéia e o fio condutor do original. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 143. A intertextualidade Unidade 4 O patinho realmente feio Era uma vez uma mamãe pata e um papai pato que tinham sete bebês patinhos. Seis eram patinhos normais. O sétimo, porém, era um patinho realmente feio. Todo mundo dizia: “Mas que bando de patinhos tão bonitinhos… todos, menos aque- le ali. Puxa, mas como ele é feio!” O patinho realmente feio ouvia o que as pessoas diziam, mas nem ligava. Sabia que um dia iria crescer e provavelmente virar um cisne, muito maior e mais bonito do que qual- quer outra ave do lago. Bem, só que no fim ele era apenas um patinho realmente feio. E, quando cresceu, tornou-se apenas um pato grande realmente muito feio. FIM. SCIESZKA, Jon. O patinho realmente feio e outras histórias malucas. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997. Atividade 6 141 A – Temos nesse pequeno conto um narrador-observador. Digamos que ele é até objetivo demais: ao contrário do conto de Andersen, em que o narrador tem uma atitude muito favorável ao patinho, aqui, a falta de ligação com a personagem é desconcertante. Atra- vés de que recursos você percebe esse distanciamento? B – Além de claramente dialogar com a narrativa de Andersen, há dentro da própria narrativa acima um outro momento de diálogo com o conto clássico . a) Qual é? b) Esse dado lhe parece aumentar ou diminuir a decepção final? C- Qual foi a única novidade que o crescimento trouxe para o patinho?
  • 144. As várias formas da intertextualidade Jon Scieszka é um escritor norte-americano de grande projeção. A maioria de Secção 2 seus contos reescrevem os clássicos infantis de um ângulo diferente e de forma sem- pre humorística. O seu A verdadeira história dos três porquinhos, por exemplo, é um divertimento. Possivelmente, O Patinho Realmente Feio é muito diferente da história que você contou, um pouco antes: o fio condutor rompeu-se, com relação ao conto matriz. A idéia da compensação do sofrimento, da transformação, por exemplo, desaparece aqui. A narrativa original vem subvertida. Neste caso, temos uma paródia. Paródia é um tipo de processo intertextual em que o texto original perde sua idéia básica, seu fio condutor. A narrativa é invertida, ou subvertida. Freqüentemente, a paródia é crítica e questionadora. A paráfrase e a paródia são processos intertextuais que abarcam o texto todo. Temos, ainda, um outro expediente que, mais do que dialogar com um texto, tenta apropriar-se do tom, da atmosfera, dos recursos de determinado gênero. Não se trata de se apropriar de uma história, mas de uma “fórmula”. Assim, um espetáculo teatral atual pode recriar o teatro ou o cinema chamado “chanchada”, um tipo de comédia feito no Brasil na década de 50, em geral musical, de muita ação e riso fácil, como no gênero “pastelão” de O Gordo e o Magro , ou Os três Patetas. Os Trapalhões aproveitam clara- mente esse humor-pastelão. É o tipo de intertextualidade chamado pastiche. Assim, no pastiche não se procura aproveitar uma personagem ou um fato específico. O interesse é aproveitar os recursos ou clima de outra obra. 142 Jon Scieszka tem uma série de narrativas de ação em que ele imita as novelas de aventura e de cavalaria: o Trio Enganatempo, que tem meios de voltar no tempo, vive na época do famoso Rei Artur e vive peripécias incríveis. Portanto, aproveitando a estrutura e as situações dos romances de cavalaria, Scieszka faz pastiches. Atividade 7 Releia o texto A raposa e as uvas e classifique o processo intertextual nele usado. Justifique. Outros processos da intertextualidade dizem respeito a uma retomada de pontos específicos de determinado texto. Você não só conhece como explora todos eles. Vamos identificá-los. Lá atrás, pedimos que você indicasse ditados ou frases usados por alguém e que você próprio gosta de repetir. Nesse caso, você usou a citação, comum também nos trabalhos científicos, usada sempre que queremos comentar para comprovar ou para reprovar determinada idéia. Depois de expressões como “Bem diz minha mãe que…”, ou “Como dizia meu avô ...”, sempre surge uma citação. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 145. A intertextualidade Unidade 4 Atividade 8 Uma citação freqüente, que virou moda no campo da leitura, é a de Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura das palavras”. Escreva abaixo como você entende essa citação. A epígrafe também é sua conhecida: é um texto, em geral curto, transcrito no início de outro texto, para indicar que o pensamento desenvolvido nesse último tem a ver com o outro, justifica-se a partir do outro. Ela ocorre tanto em textos literários como científi- cos. É um tipo de citação, com a particularidade do espaço em que aparece. A própria citação de Paulo Freire vira epígrafe freqüentemente. A referência, como o nome diz, é a lembrança de passagem ou personagem de um texto. Quando alguém diz que se sentiu o “próprio Romário” ou “a própria rainha da Inglaterra”, está se referindo a um jogador de futebol ou à rainha Elisabeth. A referência bibliográfica, que fazemos em nossos trabalhos, está relacionada tam- bém com essa prática intertextual: estamos dizendo que lemos muito e que não estamos sozinhos na exposição de nossas idéias. Quando dizemos que alguém é referência em 143 alguma coisa, estamos afirmando que seu pensamento orienta a posição de outras pessoas. Existe ainda a alusão, que é o aproveitamento de um dado de determinado texto, sem maiores explicitações. Como a alusão não indica a fonte, é um dado mais vago, e o conhecimento do interlocutor é fundamental para percebê-la ou não. Atividade 9 Em um dos textos da seção anterior há um caso de alusão. Identifique qual é. Vale lembrar que nem sempre temos a consciência de que estamos sendo “intertex- tuais”, da mesma forma que o reconhecimento da intertextualidade pelo interlocutor exige uma razoável “leitura de mundo”. Como sempre é possível ampliar as experiências e as leituras de nossos alunos, é nisso que temos de apostar, na nossa prática pedagógica. É por isso que a diversificação de atividades e de textos se torna crucial para nós.
  • 146. As várias formas da intertextualidade Secção 2 Avançando na prática Você tem muitos modos de trabalhar a intertextualidade na produção de textos de seus alunos. Levando em conta a experiência e a série de sua turma, você pode propor, por exemplo, a modificação de uma história (verdadeira ou não) que os alu- nos gostariam que fosse diferente. Pode ser uma notícia da imprensa ( televisão, rádio ou jornal). Proceda da seguinte maneira: 1. A partir da discussão de um texto ou de uma notícia, proponha que, em grupos, escolham uma situação ou uma história que gostariam que fosse diferente. Pode ser de um filme, livro, noticiário, composição musical, ou da própria vida deles. 2. Combine com a turma o que vão fazer com a produção de cada grupo: vão expor num painel, um grupo lê e comenta a produção do outro, vão primeiro entregar para você avaliar, para seus comentários em outro dia? (Tente variar as sugestões). 3. Em grupo ainda, os alunos vão planejar as mudanças que gostariam de promover na situação ou história escolhida. Ajude-os a planejar o texto, começando por anotar as idéias do grupo e discutindo-as . Depois, deve ser discutido o plano da produção: como vão fazer a introdução, o desenvolvimento dos fatos, até a conclu- são ou desenlace. 4. Definido esse plano, uma pessoa do grupo começa a escrever , lendo cada frase e cada parágrafo criados, para a avaliação do grupo. 5. Concluído o texto, ele deve ser lido por todos, depois do que podem ser 144 feitas alterações, tanto de conteúdo quanto de correção da linguagem. 6. Refeita a produção, ela chegará ao destinatário combinado pela turma. Vamos resumir o que vimos nesta seção, sobre os vários tipos de intertextualiade. Resumindo 1 – Os processos intertextuais que envolvem o texto inteiro: a) paráfrase: acompanha de perto o texto original, como ocorre nos resumos, adaptações e traduções; b) paródia: inverte ou modifica a narrativa, sua lógica, sua idéia central. Em geral, é crítica; c) pastiche: procura aproveitar a estrutura, o clima, determinados recursos de uma obra. 2 – Os processos intertextuais pontuais, que retomam um ou alguns elementos do texto: a) citação: consiste em apresentar um trecho, um dado da obra. O segundo texto procura deixar claro o texto original. No caso do texto verbal, o autor do original é indicado; TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 147. b) epígrafe: tem as mesmas características da citação, mas tem localização fixa: aparece sempre como abertura do segundo texto; c) referência: é a lembrança de passagem ou personagem de outro texto; d) alusão: é o aproveitamente de um dado de um texto, sem indicações ou explicitações. Depois de tantas retomadas do pensamento alheio, você pode estar se per- guntando: onde fica a originalidade dos textos? Na perspectiva da intertextualida- de, existe plágio? Bem, essas questões são muito importantes, e esperamos respondê-las na próxima seção. Seção 3 O ponto de vista Objetivo 145 da seção Identificar os pontos de vista nas interações humanas. Por que, sempre dialogando com toda a produção cultural anterior, sempre criando a partir de um texto original, também chamado matriz, dizemos que o ato de interação (na sua realização – o texto) é um acontecimento irrepetível? Sabemos que o texto ocorre em determinada situação histórico-social e cultural, o que significa dizer que está sempre exposto a transformações. Cada época e cada lugar assimilam os acontecimentos da vida e os interpretam de acordo com seus próprios dados. Isso, que ocorre com a sociedade, ocorre também com cada indivíduo. Portanto, o diálogo que o sujeito e a sociedade fazem com os textos de outra época e outro lugar apresenta a maneira particular de olhar que têm tal sujeito e tal sociedade. Esse olhar peculiar define o ponto de vista. Vamos desenvolver mais essa idéia. O ponto de vista tem dois sentidos, um concreto e um abstrato. No sentido concreto, ele indica o lugar real, físico, de onde você vê alguma coisa, que também ocupa um lugar. Faça uma experiência: sua casa tem muitos lados, quatro, no mínimo, sem contar o telhado. Dificilmente esses quatro lados serão iguais: mesmo que a construção seja idên- tica nos quatro lados – o que já é pouco provável –, sempre haverá em torno dela plantas, ou cimento, ou a paisagem lá atrás, algum elemento que torne um lado diferente do outro. Possivelmente, você gosta mais de um do que de outro.
  • 148. O ponto de vista Imagine, agora, você no alto de um edifício de 30 andares: lá embaixo, tudo fica Secção 3 “achatado”, pequenino. No entanto, quando era bem novinho, começando a andar, você, como todas as crianças dessa idade, deveria achar que os adultos à sua volta eram gigantes. É que tudo que é visto de baixo para cima passa a impressão de ser maior do que na realidade é. Importante Os diretores de cinema, os fotógrafos, os pintores, que entendem muito bem dessas coisas, escolhem cuidadosamente de onde vão filmar ou pintar, para dar ao “leitor” a impressão de algum objeto ou pessoa muito grande ou muito pequena. Em outras palavras, eles escolhem o ponto de vista, ou o ângulo de onde vão fazer o leitor ver determinada cena. Com isso, criam a sensação de força e poder, ou de insignificância e desamparo. Aliás, a arte trabalha essencialmente com interpretações, e as grandes obras de arte estão sempre nos convidando a rever o mundo a partir de uma nova ótica. Assim como todos os seres animados ou inanimados têm lados, concreta- mente falando, os acontecimentos também podem ser observados de lados ou ângulos diferentes. O mesmo fato vai ser percebido, portanto, de maneira um pouco diferente, conforme o lugar de onde esteja sendo analisado. 146 Imagine a cena de um atropelamento, numa rua movimentada de uma cida- de grande, cheia de apartamentos: dependendo da posição (direita, esquerda, atrás ou adiante) e da distância de cada prédio, da altura de cada janela, em relação aos envolvidos diretamente no acidente, as pessoas terão visto coisas que outras não viram. Tudo isso que estamos imaginando é bastante objetivo: os ângulos criam possibilidades de visão, mas também impedem outras. Pense , agora, que o ponto de vista tem também um sentido abstrato: a visão que você tem de qualquer pessoa ou acontecimento, em decorrência da sua his- tória, de suas experiências ao longo da vida, de seus valores, pode ser totalmente diferente da de outra pessoa, que tem forçosamente outra história. Atividade 10 Observe essa charge de Quino, cartunista já nosso conhecido. É muito difícil fazer o que Quino consegue: num único quadro, mostrar com tanta clareza reações variadas, portanto, pontos de vista diferentes com relação a um fato ou cena. Vamos interpretar a figura? TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 149. A intertextualidade Unidade 4 147 QUINO. Não me grite! Lisboa: Dom Quixote, 1985 A – O primeiro ponto a considerar é o aproveitamento de uma cena célebre do cinema, com um dos diretores/atores mais importantes de todos os tempos, criador de uma perso- nagem ao mesmo tempo lírica e poética, a que aparece na tela da charge. a) Quem é o diretor/ator? b) Quem é a personagem? c) De que filme é a cena? d) Que tipo de intertextualidade encontramos aqui? Justifique. B – O que mostra a cena do filme?
  • 150. O ponto de vista C – Na charge, percebemos três grupos reagindo à cena do filme. Observe os seguintes Secção 3 elementos: a) a localização dos três grupos; b) o preço de cada balcão; c) o aspecto dos balcões; d) o número de pessoas em cada balcão; e) o aspecto de cada grupo. 148 D – A cena pertence a uma comédia. A própria cena é cômica, pelo inusitado, ou absurdo: o homem está comendo o cadarço da bota, como se fosse um macarrão. Por que os três grupos reagem à cena de modo tão diferente? Os ângulos diferentes de ver o mundo e suas ocorrências devem nos ajudar a pen- sar e valorizar a democracia: se a mesma coisa tem muitos lados, não podemos simples- mente determinar que o lado que nós vemos é o melhor, muito menos o único. Essa é uma ilusão autoritária, que nos cabe combater. Importante Como professor, é importante que não só suas atitudes, mas também suas propos- tas, incentivem seus alunos a saírem do lugar onde estão para ocuparem o lugar do outro, para então tentarem enxergar as coisas de mais de um ângulo. Quanto mais cada um se deslocar, para tentar entender a lógica dos outros, tanto mais ele perceberá que tudo é relativo: é (ou parece ser) de determinado jeito, em relação a um ponto de vista. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 151. A intertextualidade Unidade 4 Atividade 11 Veja a situação interessante proposta por este texto. O nome feio Entrei para o seminário com 12 anos, me ordenei padre com 24, aos 30 dei baixa. De modo que fui, boa parte da vida, um profissional de rituais de passagem, do batizado à extrema-unção. Então, não gostaria de falar dos rituais mais clássicos. Gostaria de falar de certas liturgias pessoais, únicas. De bobos momentos em que uma pequena, pobre coisa se deu, marcante para sempre. Meu primeiro nome feio. Uma vez, no seminário, um colega quase foi expulso porque sugeriu, no piano, a possibilidade de um nome feio. No caso, muito feio mesmo. É que numa tarde de domingo de chuva ele tocou os primeiros acordes de um tango cuja letra, a certa altura, continha, segundo um dedo-duro pre- sente, a palavra lupanar. Um nome muito feio mesmo. O padre-diretor ordenou uma pesquisa da letra do tango; o tal lupanar de fato pintava e o menino quase foi expulso. Eu, que estava perto, fui chamado para depor e tergiversei ao máximo. Eu já achava nome feio uma coisa muito bo- nita. Tudo por causa do meu primeiro nome feio. Ele se deu nos campos da minha infância, numa chacrinha per- dida entre Lavras e Bagé, em pleno pampa gaúcho. Na 149 frente da casa. Embaixo de um sinamomo, mateavam al- guns tosquiadores de ovelha quando lá no alto da coxilha despontou um homem a cavalo. Um pontinho que veio crescendo, crescendo e chegou. Era um gauchito desempenado, barba meio crescida, dentes muito brancos. Eu nunca tinha visto o mar, mas me pareceu, menino, que aquele homem tinha vindo do mar. Antes mesmo de apear, deu um toque no aba-larga, riu largo e esporeou: – Buenas tardes, fiadasputa. Eu achei aquela saudação tão leal, tão cristã, tão limpa e tão terna, que nunca mais pude achar feio um nome feio. A não ser lupanar, cartório, inadimplência, essas coisas. MORAES. Carlos. Desliturgias. In Ritos de passagem de nossa infância e adolescência. São Paulo: Summus, 1985, p. 17. Carlos Moraes é gaúcho. Escreveu livros especialmente interessantes para turmas do 3º e 4º ciclos do fundamental, como A vingança do timão e Tidão, o Justiceiro dos Pampas. Atualmente, dedica-se sobretudo ao jornalismo. Aqui, mesmo sem poder desfazer-se da vocação literária, o que ele faz é o relato de uma passagem de sua vida. A – A cena apresentada (e, portanto, o vocabulário do texto) traz claras indicações da região do autor. Transcreva abaixo os elementos mais significativos disso.
  • 152. O ponto de vista B – No incidente do seminário, considere: Secção 3 a) Os seminaristas exploravam “lupanar” como nome feio? b) O fato, na sua opinião, era digno de expulsão? Justifique. c) Que sentimento parecia ter o autor com relação ao denunciante? d) Você concorda com a opinião do autor, com respeito à saudação final? Por quê? C – Você concorda com a classificação do autor para nome feio? Justifique. 150 Avançando na prática Os acontecimentos de sua sala com toda certeza apresentam muitas possibilida- des de trabalho com a questão do ponto de vista. Conforme seja encaminhada, você tem aí uma excelente oportunidade de exercitar o debate, o poder de argumentação e sobretudo as atitudes dos alunos diante do diferente. Um outro procedimento que não pode ser esquecido, pelo envolvimento do prazer, é a leitura de obras literárias que enfocam as diferenças de pontos de vista. Se suas turmas são de 5ª ou 6ª série, sugerimos dois livros muito bons: A) Flávio de Souza. Domingão jóia! Editora Companhia das Letrinhas. O livro apresenta em cada capítulo o relato que uma personagem faz do passeio de uma família paulistana a uma praia da cidade de Santos: o menino, o avô, o pai, a mãe, a empregada, a vizinha, o cachorro. O resultado é uma narrativa muito engra- çada, com a perspectiva e a linguagem típica dos envolvidos. Se for possível, peça a cada aluno (ou grupo de alunos) que prepare a leitura de um capítulo, procurando o tom mais adequado para cada personagem. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 153. A intertextualidade Unidade 4 B) Jorge Amado. O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá - uma história de amor. Editora Record. Esta jóia narrativa fala do amor impossível e dos nossos preconceitos. Pela riqueza de recursos e tons, em que pontuam o humor, a poesia e certo erotismo, presentes nas melhores obras de Jorge Amado, sugerimos que você mesmo leia a história em capítu- los, a cada dia, lembrando sempre os cuidados que exigem esse tipo de leitura. Se seus alunos são de 7ª ou 8ª série, proponha-lhes a leitura de um conto excelen- te de Orígenes Lessa, abordando uma situação um pouco parecida com a de Dom Casmurro: o marido relata seus primeiros anos de casado e as suspeitas em torno do comportamento da esposa. O conto intitula-se Os viajantes e está publicado pela editora José Olympio na obra Um rosto perdido. Conforme o nível da turma, e devidamente acompanhados, os alunos poderiam ler o próprio Dom Casmurro, ou São Bernardo, de Graciliano Ramos. Poderiam também, depois da leitura e das discussões sobre as obras, produzir o relato de uma passagem de um dos textos lidos, utilizando outro ponto de vista. Lembramos, lá atrás, como os artistas – diretores de cinema, pintores, fotógrafos – dão importância ao ponto de vista. De propósito, lá não mencionamos os artistas da palavra: os literatos. Chegou a hora de dizer que esse assunto será abordado minuciosa- mente mais adiante, quando tratarmos em especial de gêneros narrativos. Aqui, quere- mos lembrar que, a literatura tem também a sua maneira de destacar determinados ângulos das personagens e dos fatos: o autor da narrativa, por exemplo, cria um ser para funcionar como o pintor, o fotógrafo, ou o diretor do filme. Trata-se do narrador, de quem 151 vimos tratando um pouco a cada unidade, através de quem “enxergamos” os acontecimentos e os seres. O ponto de vista na narrativa ficcional é também chamado foco narrativo. E a originalidade? E o plágio? Esperamos que tenha ficado claro que o olhar diferente lançado sobre um texto cria um texto diferente, em alguma medida, original. Se houver uma pura e simples cópia do texto, sem a agregação de nenhum ângulo novo, nenhuma diferença (ainda que seja a síntese) significativa, então temos o plágio, que pode ser mais, ou menos, consciente. Diante do plágio, o melhor é buscar o origi- nal, ainda que para usá-lo em outro contexto, não é mesmo? Resumindo Esta unidade tratou de dois pontos importantes não só da história da nossa cultu- ra, mas também das nossas interações. A intertextualidade é a presença, subjacente ao nosso texto, de outras vozes e outros textos, com os quais dialogamos o tempo todo, mesmo sem ter consciência
  • 154. O ponto de vista Secção 3 disso. Apesar de ser enfocada sobretudo nas artes e ser um estudo relativamente recente, a intertextualidade sempre esteve presente em todas as interações humanas. Os processos intertextuais são muito variados e nem sempre fáceis de classificar. No entanto, pela freqüência e algumas características mais constantes, podemos enu- merar como formas mais visíveis de intertextualidade: a paráfrase, a paródia, o pasti- che, a citação, a epígrafe, a alusão e a referência. A originalidade dos processos intertextuais deve-se muito ao ponto de vista , questão das mais importantes em qualquer forma de interação. O ponto de vista é o lugar ou o ângulo de onde cada interlocutor participa do processo de interação. Ele não revela simplesmente as posições do locutor: pode ser usado para criar posições e emoções no interlocutor. Daí a importância de sua análise, quando estamos interpretando e avaliando as situações de comunicação. O trabalho com esses dois assuntos é fundamental, no sentido de tornar nossos olhos e ouvidos mais sensíveis e mais críticos com relação à própria vida. 152 TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 155. A intertextualidade Unidade 4 Leituras sugeridas PAULINO, G. Literatura - participação & prazer. São Paulo: FTD,1988. Embora dirigida ao ensino médio, esta obra é extremamente interessante, no trata- mento de questões de literatura. O capítulo sobre intertextualidade é muito atualizado e apresenta exercícios que ajudam a discutir as noções mais importantes. ____& Walty, I (orgs.). Teoria da Literatura na Escola: atualização para professores de I e II graus. Belo Horizonte: UFMG/FALE/Departamento de Semiótica e Teoria da Literatura, 1992. Essa obra enfoca, nos seus vários capítulos , questões muito importantes ligadas ao trabalho dos professores , como , por exemplo, a seleção de leituras, a literatura nos livros didáticos. O capítulo terceiro - Intertextualidade: noções básicas - é de fácil com- preensão e trata mesmo dos pontos fundamentais do assunto. FUNDESCOLA-SEED/MEC. O diálogo entre textos. In Proformação.Módulo II. Unidade 6. Brasília: 2000. FUNDESCOLA-SEED/MEC. O ponto de vista. In Proformação. Módulo III. Unidade 3. Brasília: 2000. Esses dois volumes , voltados para o ensino médio-magistério, apresentam muitas sugestões de atividades que podem perfeitamente ser aproveitadas em sua turma. Vale a pena conferir. 153
  • 156. Bibliografia BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiésvski. Rio de Janeiro: Forense, 1981. CURY, Maria Zilda. Intertextualidade: uma prática contraditória. In Ensaios de Semiótica. n° 10. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 1982. PAULINO, Graça et all. Intertextualidades: teoria e prática. Belo Horizonte: Lê, 1997. SANT’ANNA, Affonso R. de. Paráfrase, paródia & Cia. São Paulo: Ática, 1985. 154 TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 159. A intertextualidade Unidade 4 Correção das atividades Atividade 1 A resposta é pessoal. Conforme nossas experiências e nossas atividades, podemos ver com mais clareza a questão. De todo modo, houve muitas mudanças de hábitos e de comportamentos, por causa do ataque terrorista. Nas viagens sobretudo de avião viu-se a mudança de revista, nos aeroportos. Muitas viagens foram canceladas. Há gente que ainda tem medo de tomar um avião, ou de viajar para determinados lugares. A economia também mudou em muitos lugares, e até hoje ainda se fala na alta de preços de muitos produtos, também por causa desse acontecimento. Atividade 2 A – Depoimento, relato pessoal. O importante é ficar claro que, quanto mais ampla for a ação, menos haverá autores individuais, ou os “heróis”. B – Citação pessoal. Da nossa parte, podemos citar dois ditados que marcaram nossa vida. O primeiro: “Quem não tem competência não se estabelece”. Entendíamos duas coisas. Não deveríamos dar um passo muito maior que as pernas, e , depois do compro- misso, tínhamos de honrá-lo. O outro: “Muito riso é sinal de pouco siso”, que acabou nos tornando “mais sérios”, talvez mais do que o necessário. Atividade 3 Lembrança pessoal. Pode ser citada, por exemplo, a tal frase do rapaz do Big Bro- 157 ther: “Faz parte…” Ou o “bordão” (frase que alguém repete, como sua marca) de Boris Casoy: “Isto é uma vergonha!” Quanto à sua opinião sobre as frases lembradas, cabe a você refletir sobre elas e expor seu pensamento. No caso das que nós lembramos, temos a seguinte opinião: a primeira é apenas um modismo, surgido de um programa e de uma figura que passarão. Não terão maior significação na nossa cultura. A frase de Casoy, ao contrário, vem sendo usada há anos, e sempre de maneira muito pertinente. É pena que ele tenha de usá-la tanto, com relação a fatos da sociedade brasileira, sobretudo políticos. Atividade 4 A – Essa fábula está relacionada com outra de mesmo nome, que tem várias versões, desde os gregos, passando por La Fontaine (francês) e Monteiro Lobato. B – O título do livro parece dar uma indicação de que vamos ler fábulas “especiais”: fabulosas tanto pode nos sugerir “excelentes” como “mentirosas”, mais que as outras. O título é irônico, como as fábulas do livro. C – A primeira grande diferença está na moral da história, que, na fábula antiga, é “Quem desdenha quer comprar”. Na fábula “matriz”, a raposa não consegue pegar as uvas, nem se esforça muito para isso. No texto de Millôr, a raposa se esforça, e até consegue as uvas. Daí a frustração, sentimento que não aparece na primeira história. D – É interessante a forma de indicar uma necessidade natural (fome) e o defeito, um dos sete pecados capitais (gula) : uma tem quatro dias, a outra é de todos os tempos.
  • 160. Correção Atividade 5 Construção pessoal. A nossa, bem resumida, está no próprio texto. Atividade 6 A – O narrador tenta a objetividade a partir do adverbial “realmente”. Quer dizer: não é uma opinião, é realidade, um “fato”. B – a) O narrador sugere que o patinho feio conhece o conto de Andersen, pelo que espera o final feliz. b) O final não é feliz, e a decepção fica subentendida, como se não coubesse a um narrador tão objetivo mencioná-la. C – Como ele ficou grande, sua feiúra ficou maior. O narrador usa o superlativo “muito feio” para indicar isso. Atividade 7 Foi usada a paródia, uma vez que foi invertida a situação do texto original. Atividade 8 Produção pessoal. Gostaríamos que você não só dissesse que o processo de alfabe- tização é posterior e depende das várias experiências vividas pelo sujeito, mas visse a relação com a nossa unidade: lemos o mundo em função de pontos de vista, e em função das leituras anteriores. 158 Atividade 9 É a lembrança do patinho feio, com relação ao conto tradicional. Atividade 10 A – a) O diretor/ator é o inglês Charlie Chaplin. b) A personagem é Carlitos, um mendigo meio trapalhão, meio sabido, meio poeta. c) A cena é de Em busca do ouro, e outra parecida está em Luzes da cidade. d) Temos aqui uma referência: por intermédio da imagem, há uma indicação da persona- gem e do filme. É preciso conhecer o filme e a cena para se divertir verdadeiramente com a charge. B – A cena mostra Carlitos , com fome, comendo o cadarço da bota, como se fosse um gostoso macarrão. C – a) A localização mostra uma posição diferente para cada grupo ver o filme: a de baixo é muito melhor do que as outras. A de cima é claramente desconfortável. b) O preço de cada balcão está indicando os três níveis de espectadores. c) O aspecto dos balcões é muito diferenciado: o de baixo é muito “bordado”, requinta- do, o que vai-se modificando até a simplicidade do de cima. d) O número de pessoas em cada balcão tem a ver com a “qualidade” do balcão: o mais caro tem pouca gente, porque é caro e porque essas pessoas “não se misturam”. TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 161. A intertextualidade e) As roupas e os “cuidados” com o corpo vão diminuindo de balcão para balcão. Unidade 4 D – A cena é muito mais cômica para quem não tem problemas na compra de alimen- tos. Para os do último balcão, é como se a refeição de Carlitos fosse bem aproveitável. Atividade 11 A – O texto fala do pampa gaúcho, de tosquiadores, de gente tomando mate. Além desses nomes, há ainda coxilha, matear, gauchito. O diminutivo em –ito, mais comum no Sul, pela proximidade com os países de língua espanhola. Por isso também, o “bue- nas”, do espanhol. B – a) Os seminaristas apenas cantavam uma música, a palavra não tinha nenhuma força especial para eles. Possivelmente, nem saberiam seu significado, como acontece conos- co, quando cantamos uma canção. Com as crianças, então, isso é comuníssimo. b) A opinião é sua , e tem de ser respeitada. Na nossa opinião, a expulsão é um exagero sem tamanho. c) O termo “dedo-duro”, tão freqüente na época da ditadura, mostra o desprezo que o autor tem pelo “delator” de uma insignificância. d) O nome feio é um dos pontos mais complicados, na nossa educação. Você, portanto, pode ter uma opinião diferente da do autor. Mas é comum que, em determinado contex- to, o dito “palavrão” tenha até conotação positiva, amistosa. Um exemplo: em várias partes do mundo, para desejar boa sorte na estréia de um espetáculo, é comum que os amigos digam ao ouvido do artista: “Merda”.O cumprimento no relato era, de todo modo, muito fraterno. 159 C – Nome feio é, pois, uma questão de opinião. A ironia do autor classifica como “nomes feios” palavras que sugerem situações desagradáveis, e a própria palavra lupa- nar, que tem sinônimos bem mais conhecidos.
  • 163. PARTE II TEORIA E PRÁTICA 1 LIÇÃO DE CASA
  • 165. Lição de casa 1 Lição de casa Nas unidades 1 e 2, sugerimos-lhe, nos vários Avançando na prática, uma série de atividades para você desenvolver com seus alunos. Escolha uma dessas atividades para realizar com sua turma. Depois, escreva o relato da experiência e entregue-o ao Formador, na próxima oficina, quando você vai também comentar a atividade com seus colegas 163
  • 167. Lição de casa 2 Lição de casa Você aproveitou pelo menos um Avançando na prática das unidades 3 e 4, para realizar com seus alunos, não foi? Agora, faça por escrito o relato da atividade: o que deu certo, o que não funcionou; a reação dos alunos; os objetivos alcançados. Você vai entregar o relato ao Formador, na próxima reunião do grupo, para fazer a oficina. Prepare-se para o relato se a discussão da experiência com seus colegas. 165
  • 169. PARTE III TEORIA E PRÁTICA 1 OFICINAS
  • 171. Oficina 1 Unidade 2 Como você já sabe, ao final das unidades pares, apresentamos-lhe nossa proposta para a oficina que você fará com seus colegas e com o Formador e que tem a duração de 4 horas. Todas as atividades da oficina procuram levá-lo a discutir e aperfeiçoar a sua prática pedagógica. Parte I - (40 minutos) Leve para a reunião da quinzena as questões das unidades que não ficaram claras para você ou que considera passíveis de crítica e discussões. Inclua suas observações sobre o texto de referência, lido na unidade anterior. Lembre-se de que vocês terão muitos assun- tos a tratar. Seja, portanto, econômico e criterioso na escolha desses pontos. Parte II - (40 minutos) Comente com os colegas a experiência escolhida para realizar com seus alunos, entre as sugeridas nos Avançando na prática das duas unidades. Você entregará ao Formador o relato escrito dessa experiência. Parte III - (120 minutos) Desenvolva com seus colegas as atividades que propomos em torno da crônica abaixo. A outra senhora 169 A garotinha fez esta redação no ginásio: “Mammy, hoje é dia das Mães e eu desejo-lhe milhões de felicidades e tudo mais que a Sra. sabe. Sendo hoje o dia das Mães, data sublime conforme a professora expli- cou o sacrifício de ser Mãe que a gente não está na idade de entender mas um dia estaremos, resolvi lhe oferecer um presente bem bacaninha e ver as vitrines e li as revis- tas. Pensei em dar à Sra. o radiofono Hi-Fi de som estereofônico e caixa acústica de 2 alto-falantes amplificador e transformador mas fiquei em dúvida se não era preferível um tv legal e cinescópio multirreacionário e som frontal, antena telescópica embutida, mas o nosso apartamento é um ovo de tico-tico, talvez a Sra. adorasse o transistor de 3 faixas de ondas e 4 pilhas de lanterna bem simplesinho, levava ele para a cozinha e se divertia enquanto faz comida. Mas a Sra. se queixa tanto de barulho e dor de cabeça, desisti desse projeto musical, é uma pena, enfim trata-se de um modesto sacrifício de sus filhi- nha em intenção da melhor Mãe do Brasil. Falei em cozinha, estive quase te escolhendo o grill automático de 6 utilidades porta de vidro refratário e completo controle visual dão prazer uma semana, chateação o resto do mês, depois encosta-se eles no só não comprei-o porque diz que esses negócios eletrodomésticos dão prazer uma semana, chateação o resto do mês, depois encosta-se eles no armário da copa. Como a gente não tem armário de copa nem copa, me lembrei de dar um, serve de copa, despensa e bar, chapeado de aço tecnicamente subdesenvol- vido. Tinha também um conjunto para cozinha de pintura porcelanizada, fecho magné- tico ultra-silencioso puxador de alumínio anodizado, um amoreco. Fiquei na dúvida e depois tem o refrigerador de 17 pés cúbicos integralmente utilizáveis, congelador caben- do um leitão ou peru inteiro, esse eu vi que não cabe lá em casa, sai dessa?
  • 172. Oficina Me virei para a máquina de lavar roupa sistema de tambor rotativo mas a Sra. podia ficar ofendida deu querer acabar com a sua roupa lavada no tanque, alvinha que nem pomba branca. Mammy bate e esfrega com tanto capricho enquanto eu estou no cinema ou tomo sorvete com a turma. Quase entrei na loja para comprar o aparelho de ar condicionado de 3 capacidades, nosso apartamentinho de fundo embaixo do terraço é um forno, mas a Sra. vive espirrando, o melhor é não inventar moda. Mammy, o braço dói, e tinha um liqüidificador de 3 velocidades, sempre quis que a Sra. não tomasse trabalho de espremer laranja, a máquina de tricô faz 500 pontos, a Sra. sozinha faz muito mais. Um secador de cabelo para Mammy! gritei, com capacete plástico mas passei adiante, a Sra. não é desses luxos, e a poltrona anatômica me tentou, é um estouro, mas eu sabia que a minha Mãezinha nunca tem tempo de sentar. Mais o quê? Ah, sim, o colar de pérolas acetinadas, caixa de talco de plástico perolizado, par de meias, etc. Acabei achando tudo meio chato tanta coisa para uma garotinha só comprar e uma pessoa só usar mesmo sendo a Mãe mais bonita e merecedora do Universo. E depois, Mammy, eu não tinha nem 80 cruzeiros, eu pensava que na véspera deste Dia a gente recebesse não sei como uma carteira cheia de notas amarelas, não recebi nada e te ofereço este beijo bem beijado e carinhosão de tua filhinha Isabel.” ANDRADE, C.D. de. Cadeira de balanço. Rio de Janeiro: Record, 1996, p.143-146. Estudo do texto Depois da leitura, em grupos de no máximo 3 pessoas, discuta e responda às questões 170 abaixo. Se acharem interessante, podem juntar duas perguntas em uma só resposta. Elas têm o objetivo de chamar a atenção de vocês para alguns pontos, e eles nem sempre são independentes. Escolham um relator, para apresentar as posições do grupo, no momento da discussão em conjunto. A – Sua expectativa e a de seus colegas, com relação à linguagem, foi correta? B – Mesmo com relação ao registro da criança, a carta apresenta uma evolução muito interessante. Observe as mudanças principais que vão ocorrendo na carta, com relação ao tratamento, aos presentes, etc. C – Além do dialeto/registro da criança, a carta mostra traços de outros. a) Quais são? b) Qual a intenção desse uso? D – Que efeito criam no leitor dois níveis tão diferentes de linguagem? E – Vocês já devem ter apontado que a carta apresenta “problemas” de pontuação. Vocês os atribuiriam exclusivamente ao fato de se tratar de uma criança que ainda não domina todos os elementos da escrita? (Pensem no material que ele utiliza para “comprar” o presente”.) F – Vocês acham que a criança domina o vocabulário técnico presente na sua carta? Dê exemplos que confirmem sua opinião. G – E vocês dominam esse vocabulário? Nas propagandas, que intenção tem essa lingua- gem técnica? TP1 - Linguagem e Cultura - Parte III
  • 173. H – Na sua opinião, que intenção teria o autor, ao fazer essa crônica? I – Independentemente de sua opinião, parecem claras duas críticas do autor. Quais são elas? J – Além do humor e das críticas, bem ao jeito de Drummond, há uma valorização bastante interessante aí. Qual é? L – Afinal, vocês observaram no texto uma mistura de gêneros (a crônica que é uma carta), de dialetos e de registros. A que conclusões vocês chegam, com relação: a) a cada realização momentânea da língua? b) à construção do texto literário? M – Qual sua opinião sobre essa crônica? (Procurem dizer sinceramente por que gosta- ram ou não do texto.) Parte IV - (20 minutos) Avaliação da oficina, a partir do alcance dos objetivos e das atividades realizadas. Discuta com colegas e Formador os pontos positivos e negativos da oficina. Se for o caso, faça sugestões. Parte V - (20 minutos) O que nos espera, na próxima unidade. Você e seus colegas acabaram de ler uma crônica de Drummond, na qual ele se faz passar por uma garotinha que, segundo os critérios mais rígidos, apresenta pro- blemas de escrita. 171 Para já começarmos uma preparação para a próxima unidade, cujo título é Os textos como centro do ensino da língua, sugerimos a seguinte discussão: Você trabalharia essa crônica com seus alunos de 5 a a 8 a séries? Justifique sua opinião.
  • 174. Oficina 2 Unidade 4 Como sempre, após o estudo das unidades pares, você e seus colegas se reúnem com o Formador para realizar uma oficina que retoma as questões da prática pedagógi- ca, a partir dos dois últimos conteúdos. São seus objetivos: 1 – Rever e sistematizar as informações essenciais em torno do uso do texto no ensino da língua (incluindo a intertextualidade). 2 – Avaliar a prática docente, com relação a atividades ligadas à leitura e à produ- ção de textos. Sabemos que algumas atividades da oficina já estão indicadas: Parte I (40 minutos) Discussão dos pontos que apresentaram dificuldades de entendimento, ou que lhes pare- cem merecer um comentário, pela relevância ou pela discordância de pontos de vista. Aqui, a própria escolha do tema dos textos pode ser avaliada, assim como o texto de referência da Unidade 3. Não se esqueça de que seus colegas também trarão dúvidas e comentários. Por isso, selecione suas questões mais importantes para discussão. 172 Parte II (40 minutos) Relato da experiência desenvolvida com sua turma de uma das sugestões feitas, nas duas últimas unidades, no item Avançando na Prática. Lembre-se de que o relato escrito será entregue ao Formador, para posterior comentário. Parte III (120 minutos) Sugerimos que você com mais dois colegas façam o plano de uma atividade de leitura do texto abaixo, relacionando-o com o assunto de nossa unidade. Proponha também uma produção de texto. A língua Um senhor de muitas posses e pouca sabedoria chamou seu servo mais velho, homem de poucas posses e muita sabedoria, e ordenou-lhe que fosse ao açougue e lhe trouxesse o melhor bocado de carne que encontrasse. O servo foi, e voltou trazendo uma língua, com a qual foi preparado um fino jantar. Alguns dias depois, o senhor ordenou a seu servo que fosse novamente ao açougue e lhe trouxesse o bocado de carne mais ordinário que encontrasse, para alimentar os cães. O servo foi, e voltou trazendo uma língua. O senhor, que era um homem de muitas posses e pouca sabedoria, enfureceu-se: – Mas, então, para qualquer recomendação que dou me trazes sempre uma língua? TP1 - Linguagem e Cultura - Parte I
  • 175. – O servo, que era um homem de poucas posses e muita sabedoria, res- pondeu: – A língua, meu senhor, é o me- lhor pedaço quando usada com bon- dade e sabedoria, e de todos o pior, quando usada com arrogância e male- dicência. Língua (Fábula da tradição judai- ca). In Fábulas… em Cartão Postal. Belo Horizonte: Autêntica. s/d. Parte IV (20 minutos) Avaliação da oficina, a partir do alcan- ce dos objetivos e do interesse das ati- vidades propostas. Parte V (20 minutos) O que nos espera, no próximo TP? O próximo TP trabalha os conteú- dos de leitura e produção de textos. Que aspectos desses dois assuntos você con- sidera mais importantes discutir, para aperfeiçoar a sua prática pedagógica? 173