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Liberdade com responsabilidade:
                       Ética Cristã nos escritos de São Paulo
                                                                              Darci Luiz Marin, ssp
                                                                                 Sacerdote paulino,
                                                                           mestre em teologia moral
                                                                 pela Academia Alfonsiana de Roma.
                                                                         darcimarin@paulus.com.br



São Paulo lança as bases para a ética da vida cristã nascente. No alvorecer do
cristianismo, a originalidade da proposta desenvolvida pelo apóstolo Paulo consistiu em
aliar a liberdade à responsabilidade: "tudo me é permitido, mas nem tudo convém"
(1Cor 6,12).


Todos os seres humanos prezam a liberdade, tendo sido criados para ela. Para não
diminui-la ou até destruí-la, no entanto, requer-se que se viva com responsabilidade.
Essa foi a grande intuição de São Paulo, defendida em suas cartas dirigidas às primeiras
comunidades cristãs.


Em tempos mais recentes, o Vaticano II resgatou essa intuição, sobretudo, com a
Gaudium et Spes, atribuindo grande valor às consciências das pessoas: "a consciência é
o sacrário das pessoas" (GS 16).


Permeando a ética de São Paulo é possível encontrar um grande desafio lançado a todo
ser humano: saber discernir quais são os melhores caminhos a serem percorridos no dia-
a-dia. É assim que a pessoa se realiza e edifica o mundo à sua volta.


Em tempos de pensamento fraco e de relativismo, onde até o amor (síntese da
mensagem cristã) é tido como líquido, é mais do que oportuno revisitar as intuições
éticas que nos foram legadas pelo apóstolo São Paulo.


1. Passagens éticas relevantes nas cartas de Paulo
O mais antigo escrito do Novo Testamento, 1Tessalonicenses é uma carta de exortação
ética. O apóstolo Paulo lembra que a vida cristã constitui-se em espera ativa do Senhor.
Através de linguagem bastante emotiva, São Paulo lembra seus laços de fraternidade
para com os que abraçaram a mensagem de Jesus Cristo, recomendando-lhes a não
abandonar o que haviam aprendido dele. Tal recomendação era endereçada a cristãos
que viviam em ambiente bastante laxismo ético, de modo particular no que se referia à
vida sexual. Ora, a adesão à mensagem de Jesus Cristo implica em compreender de
maneira nova a si mesmo, aos outros e às relações humanas. Há, nessa passagem de 1
Tessalonicenses, defesa ao respeito do próprio corpo e ao corpo das outras pessoas (cf.
1Ts 4).


Outra carta que traz precioso ensinamento, em ótica cristã, é 1Coríntios: "Quando lemos
essa carta, vemos logo que Paulo usa algumas das mesmas espécies de apelos morais
que em 1Ts. A maneira de ele introduzir esses apelos mostra que as semelhanças não
nascem só dos hábitos do mesmo autor, mas também do fato de Paulo e seus
colaboradores ensinarem crenças e normas semelhantes a novos cristãos nos dois
lugares" (1).


Os destinatários de 1Cor encontram nessa carta importantes balizas éticas de como agir
em situações concretas. Paulo valoriza a liberdade, mas aconselha a prudência: "tomai
cuidado para que a vossa liberdade não se torne ocasião de queda para os fracos" (1Cor
8,9). A recomendação é a de que se mantenha sempre a sadia humildade perante as
outras pessoas. Liberdade, sim! Responsabilidade, também!


Nessa carta encontramos grande incentivo ético à generosidade: "Ninguém procure
satisfazer seus próprios interesses, mas aos do próximo" (1Cor 10,24). Essa linha de
conduta foi bastante sublinhada em encontros do Episcopado Latino-americano.
Bastaria lembrar, por exemplo, Puebla 31-39 (feições concretíssimas, nas quais
deveríamos reconhecer as feições sofredoras de Cristo), Santo Domingo 178 (descobrir
nos rostos sofredores dos pobres o rosto do Senhor), Aparecida 407-430 (rostos
sofredores que doem em nós).


Nas origens da teologia cristã deparamos com o apóstolo Paulo, que tem a grande
lucidez de traduzir e testemunhar em concreto o cerne da mensagem de Jesus Cristo:
"este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (cf. Jo 15,12).
No pedido à generosidade presente em 1Cor temos a tradução concreta do mandamento
maior deixado por Jesus.
Outra carta de Paulo, verdadeiro hino de louvor à liberdade humana, é endereçada aos
Gálatas: "É para a liberdade que Cristo nos libertou" (Gl 5,1). A liberdade é um dos
elementos éticos fundamentais do ser humano. São Paulo acentua e valoriza essa
dimensão constitutiva do ser humano. Por outro lado, chama atenção que determinados
comportamentos desencadeados pelo próprio ser humano podem torná-lo escravo.
Alerta, então, para a vigilância. Somente quem é vigilante mantém sólida sua liberdade
e nela cresce.


2. Fazer o que convém
O apóstolo Paulo codifica a originalidade da mensagem ética de Jesus destinada
particularmente aos cristãos -- mas também a todas as pessoas de boa vontade: "tudo me
é permitido, mas nem tudo me convém" (1Cor 6,12; 10,23). No contexto daquilo que
Paulo escreve é possível deduzir o que convém, especialmente aos cristãos: tudo o que
congrega, edifica e tece a vida das pessoas. Agir desse modo é a recomendação!


É preciso, então, discernimento. O texto capital é o seguinte: "E não vos conformeis
com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, e fim de poderdes
discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito" (Rm 12,2). A
esse respeito, o grande mestre da teologia moral contemporânea, Bernhard Häring
afirmou: "Para Paulo, a partir do momento em que consentiu em viver segundo as
exigências do batismo, o crente está capacitado a descobrir por si mesmo a vontade de
Deus no cotidiano de sua vida. E assim chegamos a um dos filões éticos mais
importantes de Paulo, o tema do discernimento... O cristão tem de descobrir e realizar
aquilo que a vontade de Deus lhe propõe no aqui e agora da situação" (2).


Qual é a encruzilhada para assumir esse novo estilo de vida, por parte de quem abraça a
fé cristã?
Isso se dá por ocasião do sacramento do batismo. Quem se dispõe a assumir o
sacramento do batismo está se comprometendo a percorrer os caminhos propostos por
Jesus e a abraçar fielmente o seu evangelho (cf. Rm 6,1-12). O indicativo proposto por
Jesus, passa a ser um imperativo para o batizado. "Pela fé e o batismo, o crente se
incorpora a Cristo, mas o cristão tem de se apropriar dessa realidade através de sua
obediência ativa. Assim, a justificação batismal acarreta conseqüências éticas reais para
a vida do crente" (3).
3. Importância da consciência
Ao longo do século passado, não obstante as duas grandes guerras mundiais, houve um
grande desenvolvimento do mundo moderno. Esse contexto trouxe estímulo à corrente
ética personalista, defensora dos indivíduos. Também a teologia moral deixou-se
alcançar por esse modo de pensar. Com a convocação do Concílio Ecumênico Vaticano
II por parte de João XXIII, ao final dos anos 50, tudo estava posto para que também a
instituição oficial da Igreja católica desse uma resposta em consonância com "os sinais
dos tempos".


Tal resposta deu-se com a Gaudium et Spes. Há passagem relevante, nesse sentido, que
afirma: "A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual se
encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser. Graças à
consciência, revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza no amor de Deus e
do próximo..." (GS 16). Vê-se aí a enorme importância dada pelo Concílio Vaticano II
às decisões individuais das pessoas (4). Até então, o que trazia tranqüilidade moral às
pessoas de fé era o seguimento à normativa. O importante era "enquadrar-se" nas leis. O
que vigorava era a heteronomia moral. De agora em diante, as leis passam a funcionar
como importantes subsídios, mas nunca como elementos decisórios às pessoas. A última
palavra é sempre dada pela pessoa, em consonância com seu contexto vital, seu
desenvolvimento psíquico e sua situação particular. O que passa a vigorar é a defesa de
autonomia moral.


E Gaudium et Spes prossegue: "... Não raro, porém, acontece que a consciência erra, por
ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não se pode
dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem e quando a
consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito de pecar" (GS 16). Admite-
se claramente que o julgamento moral de uma pessoa, no ponto de vista teológico, não
pode ser feito a todos do mesmo modo. Cada um tem seu próprio estágio de vida, que
deve ser respeitado. Por outro lado, há também a lembrança de que todos os seres
humanos têm o dever de se aprofundar ao longo de toda a vida para aperfeiçoar a voz de
sua própria consciência. Nada de acomodação! Nessa decisão conciliar, renova-se a
essência da mensagem ética de São Paulo: liberdade com responsabilidade! O Vaticano
II atualiza o que o apóstolo Paulo recomendou em Romanos 12,2.


E quem não adere à fé cristã pode ser salvo?
Paulo tem palavras de esperança também a essa pessoas: "Os pagãos não têm Lei. Mas,
embora não a tenham, se eles fazem espontaneamente o que a Lei manda, eles próprios
são Lei para si mesmos. Eles assim mostram que os preceitos da Lei estão escritos em
seus corações" (Rm 2,14s). A proposta de Jesus está aberta a todos! O que importa
moralmente é agir segundo a voz da própria consciência, tendo sempre presente que
enquanto se vive há a obrigação de aperfeiçoar essa voz, em consonância com o querer
de Deus para o presente histórico de cada pessoa.


4. Compromisso com o outro
A teologia e a pastoral da América Latina das últimas décadas abriram novas
perspectivas também para a ética fundamental. Do personalismo defensor da autonomia
do ser humano, passou-se a defender a solidariedade compassiva. Diante de tanto
sofrimento e carência de milhões de seres humanos, levantou-se o grito profético de
muitas pessoas.


O apóstolo Paulo estimula essa proposta de sensibilidade compassiva e atuante perante
o rosto do outro: "Ainda que eu falasse línguas, a dos homens e as dos anjos, se eu não
tivesse a caridade, seria como bronze que soa... Agora, portanto, permanecem fé,
esperança e caridade. A maior delas, porém, é a caridade" (1Cor 13, 1;13).


Os ventos eclesiais pelos quais passamos não são nada animadores. Prefere-se percorrer
caminhos mais suaves, acompanhados de letras de melodias menos transformadoras das
desigualdades existentes. Em parte, isso se deve também à cultura das imagens na qual
nos encontramos, "que trocou a reflexão pela emoção, o espírito crítico pelo espetáculo
animado" (5). Essa cultura estimula o individualismo, desarticulando iniciativas éticas
dos que procuram se organizar para atender às necessidades dos outros. De qualquer
modo, sempre há quem continue a acreditar no valor permanente da caridade
compassiva.
Em meio ao crepúsculo do dever de um mundo hiperindividualista (6), também há lugar
para iniciativas de pessoas mais ousadas. "Ousar é mover-se e agir com destemor. Ousar
é desprender-se do lugar onde se está. Ousar é desamarrar-se, é lançar-se, é atirar-se a
um projeto. É atitude corajosa, é ímpeto arriscado... Ousar é promover a dignidade da
pessoa humana que está sendo violentada pela crueldade e envergonhada pela miséria.
Ousar é abrir clareiras que permitem enxergar horizontes fecundos para o futuro da
humanidade" (7).


Essa perspectiva da ousadia de abrir-se para a alteridade, exige desprendimento: "O
caráter misterioso da experiência de Deus é um importante elemento de seu poder de
sedução... Essa sedução 'altera' radicalmente o homem: expropriando-o da segurança de
todas as normalidades pessoais ou sociais, da possibilidade de prever o futuro e planejar
o presente, arrastando-o para algo que parece ser loucura insana aos olhos do mundo...
Ao viver e sofrer essa entrega e suas conseqüências, no entanto, o homem percebe que o
que é loucura para o mundo é sabedoria de Deus (cf. 1Cor 1,18ss)... é perceber, como o
apaixonado Paulo de Tarso, ter 'perdido' até mesmo a própria identidade para
reencontrá-la, renovada, cristificada, no rosto de amor que o possui e o habita por
inteiro" (8).


5. Tempo de indiferentismo
Nos últimos anos, alastra-se mundo afora determinada cultura defensora do
indiferentismo. Livros que defendem o ateísmo são bastante veiculados. Se à nossa
volta a imensa maioria das pessoas afirmam crer, na prática vive-se infantilismo na fé.
Essa postura reflete-se também na moral cristã. Declarações oficiais da Igreja são
relativizadas ou ignoradas até mesmo por pessoas que têm prática religiosa com certa
regularidade.   A   superficialidade   religiosa   reflete-se   na   superficialidade   dos
comportamentos morais.


Em instâncias que se auto-denominam científicas, há defesa de mão única à ciência.
Somente ela bastaria para a vida e o progresso do ser humano. Essa postura já
conquistou muitos corações e mentes, mas sem deixá-los satisfeitos.


É a fé em Deus que humaniza o ser humano. Lançar bases em volta desse princípio
ajuda o ser humano a ter esperanças num mundo melhor para mais gente. Uma
sociedade só é sólida se os membros que a formam forem portadores de valores sólidos.
Para isso é necessária a preocupação com os valores éticos que oxigenam a vida da
sociedade.
Mesmo em meio a uma cultura que propaga o indiferentismo, é possível construir
pontes de resistência. As propostas que nos vêm do apóstolo Paulo são importantes
alavancas para o fortalecimento da caminhada. Partindo de tais propostas torna-se
menos árdua a missão de testemunhar a Boa Nova de Jesus Cristo no hoje da história.
Que este ano paulino nos anime a assumir esse desafio!


Notas:
(1) Meeks, Wayne, O mundo moral dos primeiros cristãos, São Paulo, Paulus, 1996, p.
120.
(2) Häring, B., Práxis Cristã (moral fundamental), Vol. 1, São Paulo, Paulus, 1983, p.
51.
(3) Idem, p. 52s.
(4) Cf. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (Série Documentos da Igreja --
Vol. 1), São Paulo, Paulus, 2001, p. 556.
(5) Lipovetsky, Gilles, A sociedade da decepção, Barueri (SP), Manole, 2007, p. 57.
(6) Expressões defendidas por Lipovetsky, G., em várias de suas obras, entre as quais:
Le crépuscule du devoir, Paris, Gallimard, 1992; O império do efêmero, São Paulo,
Companhia das Letras, 1989; Os tempos hipermodernos, São Paulo, Barcarolla, 2004; A
era do vazio, Barueri(SP), Manole, 2006.
(7) Arduini, Juvenal, Antropologia -- Ousar para reinventar a humanidade, São Paulo,
Paulus, 2002, p. 40.
(8) Bingemer, Maria Clara L., Alteridade e vulnerabilidade, São Paulo, Loyola, 1993,
pp. 82; 84. Ver também M. Bolda da Silva, Rosto e Alteridade -- pressupostos de ética
comunitária, São Paulo, Paulus, 1995.
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=33711
24.10.08

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Liberdade com responsabilidade

  • 1. Liberdade com responsabilidade: Ética Cristã nos escritos de São Paulo Darci Luiz Marin, ssp Sacerdote paulino, mestre em teologia moral pela Academia Alfonsiana de Roma. darcimarin@paulus.com.br São Paulo lança as bases para a ética da vida cristã nascente. No alvorecer do cristianismo, a originalidade da proposta desenvolvida pelo apóstolo Paulo consistiu em aliar a liberdade à responsabilidade: "tudo me é permitido, mas nem tudo convém" (1Cor 6,12). Todos os seres humanos prezam a liberdade, tendo sido criados para ela. Para não diminui-la ou até destruí-la, no entanto, requer-se que se viva com responsabilidade. Essa foi a grande intuição de São Paulo, defendida em suas cartas dirigidas às primeiras comunidades cristãs. Em tempos mais recentes, o Vaticano II resgatou essa intuição, sobretudo, com a Gaudium et Spes, atribuindo grande valor às consciências das pessoas: "a consciência é o sacrário das pessoas" (GS 16). Permeando a ética de São Paulo é possível encontrar um grande desafio lançado a todo ser humano: saber discernir quais são os melhores caminhos a serem percorridos no dia- a-dia. É assim que a pessoa se realiza e edifica o mundo à sua volta. Em tempos de pensamento fraco e de relativismo, onde até o amor (síntese da mensagem cristã) é tido como líquido, é mais do que oportuno revisitar as intuições éticas que nos foram legadas pelo apóstolo São Paulo. 1. Passagens éticas relevantes nas cartas de Paulo O mais antigo escrito do Novo Testamento, 1Tessalonicenses é uma carta de exortação ética. O apóstolo Paulo lembra que a vida cristã constitui-se em espera ativa do Senhor. Através de linguagem bastante emotiva, São Paulo lembra seus laços de fraternidade para com os que abraçaram a mensagem de Jesus Cristo, recomendando-lhes a não abandonar o que haviam aprendido dele. Tal recomendação era endereçada a cristãos
  • 2. que viviam em ambiente bastante laxismo ético, de modo particular no que se referia à vida sexual. Ora, a adesão à mensagem de Jesus Cristo implica em compreender de maneira nova a si mesmo, aos outros e às relações humanas. Há, nessa passagem de 1 Tessalonicenses, defesa ao respeito do próprio corpo e ao corpo das outras pessoas (cf. 1Ts 4). Outra carta que traz precioso ensinamento, em ótica cristã, é 1Coríntios: "Quando lemos essa carta, vemos logo que Paulo usa algumas das mesmas espécies de apelos morais que em 1Ts. A maneira de ele introduzir esses apelos mostra que as semelhanças não nascem só dos hábitos do mesmo autor, mas também do fato de Paulo e seus colaboradores ensinarem crenças e normas semelhantes a novos cristãos nos dois lugares" (1). Os destinatários de 1Cor encontram nessa carta importantes balizas éticas de como agir em situações concretas. Paulo valoriza a liberdade, mas aconselha a prudência: "tomai cuidado para que a vossa liberdade não se torne ocasião de queda para os fracos" (1Cor 8,9). A recomendação é a de que se mantenha sempre a sadia humildade perante as outras pessoas. Liberdade, sim! Responsabilidade, também! Nessa carta encontramos grande incentivo ético à generosidade: "Ninguém procure satisfazer seus próprios interesses, mas aos do próximo" (1Cor 10,24). Essa linha de conduta foi bastante sublinhada em encontros do Episcopado Latino-americano. Bastaria lembrar, por exemplo, Puebla 31-39 (feições concretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer as feições sofredoras de Cristo), Santo Domingo 178 (descobrir nos rostos sofredores dos pobres o rosto do Senhor), Aparecida 407-430 (rostos sofredores que doem em nós). Nas origens da teologia cristã deparamos com o apóstolo Paulo, que tem a grande lucidez de traduzir e testemunhar em concreto o cerne da mensagem de Jesus Cristo: "este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (cf. Jo 15,12). No pedido à generosidade presente em 1Cor temos a tradução concreta do mandamento maior deixado por Jesus.
  • 3. Outra carta de Paulo, verdadeiro hino de louvor à liberdade humana, é endereçada aos Gálatas: "É para a liberdade que Cristo nos libertou" (Gl 5,1). A liberdade é um dos elementos éticos fundamentais do ser humano. São Paulo acentua e valoriza essa dimensão constitutiva do ser humano. Por outro lado, chama atenção que determinados comportamentos desencadeados pelo próprio ser humano podem torná-lo escravo. Alerta, então, para a vigilância. Somente quem é vigilante mantém sólida sua liberdade e nela cresce. 2. Fazer o que convém O apóstolo Paulo codifica a originalidade da mensagem ética de Jesus destinada particularmente aos cristãos -- mas também a todas as pessoas de boa vontade: "tudo me é permitido, mas nem tudo me convém" (1Cor 6,12; 10,23). No contexto daquilo que Paulo escreve é possível deduzir o que convém, especialmente aos cristãos: tudo o que congrega, edifica e tece a vida das pessoas. Agir desse modo é a recomendação! É preciso, então, discernimento. O texto capital é o seguinte: "E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, e fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito" (Rm 12,2). A esse respeito, o grande mestre da teologia moral contemporânea, Bernhard Häring afirmou: "Para Paulo, a partir do momento em que consentiu em viver segundo as exigências do batismo, o crente está capacitado a descobrir por si mesmo a vontade de Deus no cotidiano de sua vida. E assim chegamos a um dos filões éticos mais importantes de Paulo, o tema do discernimento... O cristão tem de descobrir e realizar aquilo que a vontade de Deus lhe propõe no aqui e agora da situação" (2). Qual é a encruzilhada para assumir esse novo estilo de vida, por parte de quem abraça a fé cristã? Isso se dá por ocasião do sacramento do batismo. Quem se dispõe a assumir o sacramento do batismo está se comprometendo a percorrer os caminhos propostos por Jesus e a abraçar fielmente o seu evangelho (cf. Rm 6,1-12). O indicativo proposto por Jesus, passa a ser um imperativo para o batizado. "Pela fé e o batismo, o crente se incorpora a Cristo, mas o cristão tem de se apropriar dessa realidade através de sua obediência ativa. Assim, a justificação batismal acarreta conseqüências éticas reais para a vida do crente" (3).
  • 4. 3. Importância da consciência Ao longo do século passado, não obstante as duas grandes guerras mundiais, houve um grande desenvolvimento do mundo moderno. Esse contexto trouxe estímulo à corrente ética personalista, defensora dos indivíduos. Também a teologia moral deixou-se alcançar por esse modo de pensar. Com a convocação do Concílio Ecumênico Vaticano II por parte de João XXIII, ao final dos anos 50, tudo estava posto para que também a instituição oficial da Igreja católica desse uma resposta em consonância com "os sinais dos tempos". Tal resposta deu-se com a Gaudium et Spes. Há passagem relevante, nesse sentido, que afirma: "A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser. Graças à consciência, revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza no amor de Deus e do próximo..." (GS 16). Vê-se aí a enorme importância dada pelo Concílio Vaticano II às decisões individuais das pessoas (4). Até então, o que trazia tranqüilidade moral às pessoas de fé era o seguimento à normativa. O importante era "enquadrar-se" nas leis. O que vigorava era a heteronomia moral. De agora em diante, as leis passam a funcionar como importantes subsídios, mas nunca como elementos decisórios às pessoas. A última palavra é sempre dada pela pessoa, em consonância com seu contexto vital, seu desenvolvimento psíquico e sua situação particular. O que passa a vigorar é a defesa de autonomia moral. E Gaudium et Spes prossegue: "... Não raro, porém, acontece que a consciência erra, por ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito de pecar" (GS 16). Admite- se claramente que o julgamento moral de uma pessoa, no ponto de vista teológico, não pode ser feito a todos do mesmo modo. Cada um tem seu próprio estágio de vida, que deve ser respeitado. Por outro lado, há também a lembrança de que todos os seres humanos têm o dever de se aprofundar ao longo de toda a vida para aperfeiçoar a voz de sua própria consciência. Nada de acomodação! Nessa decisão conciliar, renova-se a
  • 5. essência da mensagem ética de São Paulo: liberdade com responsabilidade! O Vaticano II atualiza o que o apóstolo Paulo recomendou em Romanos 12,2. E quem não adere à fé cristã pode ser salvo? Paulo tem palavras de esperança também a essa pessoas: "Os pagãos não têm Lei. Mas, embora não a tenham, se eles fazem espontaneamente o que a Lei manda, eles próprios são Lei para si mesmos. Eles assim mostram que os preceitos da Lei estão escritos em seus corações" (Rm 2,14s). A proposta de Jesus está aberta a todos! O que importa moralmente é agir segundo a voz da própria consciência, tendo sempre presente que enquanto se vive há a obrigação de aperfeiçoar essa voz, em consonância com o querer de Deus para o presente histórico de cada pessoa. 4. Compromisso com o outro A teologia e a pastoral da América Latina das últimas décadas abriram novas perspectivas também para a ética fundamental. Do personalismo defensor da autonomia do ser humano, passou-se a defender a solidariedade compassiva. Diante de tanto sofrimento e carência de milhões de seres humanos, levantou-se o grito profético de muitas pessoas. O apóstolo Paulo estimula essa proposta de sensibilidade compassiva e atuante perante o rosto do outro: "Ainda que eu falasse línguas, a dos homens e as dos anjos, se eu não tivesse a caridade, seria como bronze que soa... Agora, portanto, permanecem fé, esperança e caridade. A maior delas, porém, é a caridade" (1Cor 13, 1;13). Os ventos eclesiais pelos quais passamos não são nada animadores. Prefere-se percorrer caminhos mais suaves, acompanhados de letras de melodias menos transformadoras das desigualdades existentes. Em parte, isso se deve também à cultura das imagens na qual nos encontramos, "que trocou a reflexão pela emoção, o espírito crítico pelo espetáculo animado" (5). Essa cultura estimula o individualismo, desarticulando iniciativas éticas dos que procuram se organizar para atender às necessidades dos outros. De qualquer modo, sempre há quem continue a acreditar no valor permanente da caridade compassiva.
  • 6. Em meio ao crepúsculo do dever de um mundo hiperindividualista (6), também há lugar para iniciativas de pessoas mais ousadas. "Ousar é mover-se e agir com destemor. Ousar é desprender-se do lugar onde se está. Ousar é desamarrar-se, é lançar-se, é atirar-se a um projeto. É atitude corajosa, é ímpeto arriscado... Ousar é promover a dignidade da pessoa humana que está sendo violentada pela crueldade e envergonhada pela miséria. Ousar é abrir clareiras que permitem enxergar horizontes fecundos para o futuro da humanidade" (7). Essa perspectiva da ousadia de abrir-se para a alteridade, exige desprendimento: "O caráter misterioso da experiência de Deus é um importante elemento de seu poder de sedução... Essa sedução 'altera' radicalmente o homem: expropriando-o da segurança de todas as normalidades pessoais ou sociais, da possibilidade de prever o futuro e planejar o presente, arrastando-o para algo que parece ser loucura insana aos olhos do mundo... Ao viver e sofrer essa entrega e suas conseqüências, no entanto, o homem percebe que o que é loucura para o mundo é sabedoria de Deus (cf. 1Cor 1,18ss)... é perceber, como o apaixonado Paulo de Tarso, ter 'perdido' até mesmo a própria identidade para reencontrá-la, renovada, cristificada, no rosto de amor que o possui e o habita por inteiro" (8). 5. Tempo de indiferentismo Nos últimos anos, alastra-se mundo afora determinada cultura defensora do indiferentismo. Livros que defendem o ateísmo são bastante veiculados. Se à nossa volta a imensa maioria das pessoas afirmam crer, na prática vive-se infantilismo na fé. Essa postura reflete-se também na moral cristã. Declarações oficiais da Igreja são relativizadas ou ignoradas até mesmo por pessoas que têm prática religiosa com certa regularidade. A superficialidade religiosa reflete-se na superficialidade dos comportamentos morais. Em instâncias que se auto-denominam científicas, há defesa de mão única à ciência. Somente ela bastaria para a vida e o progresso do ser humano. Essa postura já conquistou muitos corações e mentes, mas sem deixá-los satisfeitos. É a fé em Deus que humaniza o ser humano. Lançar bases em volta desse princípio ajuda o ser humano a ter esperanças num mundo melhor para mais gente. Uma
  • 7. sociedade só é sólida se os membros que a formam forem portadores de valores sólidos. Para isso é necessária a preocupação com os valores éticos que oxigenam a vida da sociedade. Mesmo em meio a uma cultura que propaga o indiferentismo, é possível construir pontes de resistência. As propostas que nos vêm do apóstolo Paulo são importantes alavancas para o fortalecimento da caminhada. Partindo de tais propostas torna-se menos árdua a missão de testemunhar a Boa Nova de Jesus Cristo no hoje da história. Que este ano paulino nos anime a assumir esse desafio! Notas: (1) Meeks, Wayne, O mundo moral dos primeiros cristãos, São Paulo, Paulus, 1996, p. 120. (2) Häring, B., Práxis Cristã (moral fundamental), Vol. 1, São Paulo, Paulus, 1983, p. 51. (3) Idem, p. 52s. (4) Cf. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (Série Documentos da Igreja -- Vol. 1), São Paulo, Paulus, 2001, p. 556. (5) Lipovetsky, Gilles, A sociedade da decepção, Barueri (SP), Manole, 2007, p. 57. (6) Expressões defendidas por Lipovetsky, G., em várias de suas obras, entre as quais: Le crépuscule du devoir, Paris, Gallimard, 1992; O império do efêmero, São Paulo, Companhia das Letras, 1989; Os tempos hipermodernos, São Paulo, Barcarolla, 2004; A era do vazio, Barueri(SP), Manole, 2006. (7) Arduini, Juvenal, Antropologia -- Ousar para reinventar a humanidade, São Paulo, Paulus, 2002, p. 40. (8) Bingemer, Maria Clara L., Alteridade e vulnerabilidade, São Paulo, Loyola, 1993, pp. 82; 84. Ver também M. Bolda da Silva, Rosto e Alteridade -- pressupostos de ética comunitária, São Paulo, Paulus, 1995. http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=33711 24.10.08