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Como se Constrói o Pensamento Crítico
                                     Por Sergio Navega
                                   snavega@attglobal.net
                           http://www.intelliwise.com.br/snavega.asp
                           Versão editada deste artigo foi publicado na
                                 revista Vencer de Junho de 2003



Você sabe o que significa "aput"? Eu não sabia até alguns minutos atrás: essa palavra, do
vocabulário dos esquimós, significa "neve no chão". E a palavra "gana"? Para os esquimós,
isso significa "neve quando está caindo". Segundo alguns linguistas, há mais de uma
dezena de palavras diferentes utilizadas pelos esquimós para designar "neve", em diversas
situações e contextos. Para nós, brasileiros, é somente "neve" e pronto.

Embora essa seja uma curiosidade linguística frequentemente exagerada (há quem afirme,
erradamente, haver centenas de formas diferentes de dizer "neve" na linguagem dos
esquimós), mesmo assim ela é mais reveladora do que aparenta. Basta pensar um
pouquinho para encontrar alguma coisa de óbvia importância para os esquimós em relação
à neve. Em países tropicais como o nosso, neve é assunto que surge apenas durante o Natal
(e mesmo assim, apenas quando assistimos a filmes estrangeiros) ou então se tivermos uma
rara oportunidade de passar nossas férias em Aspen. Mas para os esquimós, neve é um
assunto do dia-a-dia. Talvez até mais do que corriqueiro, neve é um assunto, para eles, com
importância de vida ou morte. Este é nosso ponto de partida neste artigo: o pensamento dos
esquimós depende muito das experiências da realidade específicas que eles têm. A
percepção dos esquimós (e a nossa também) é fortemente influenciada pelo tipo de
experiências e expectativas que formamos acerca de nosso meio ambiente. Neste artigo,
vamos observar algumas das consequências dessa interessante peculiaridade humana.

Viagem ao Passado do Homo Sapiens

O ser humano não está há muito tempo aqui na Terra. O Homo Sapiens existe em sua forma
atual a menos de 150.000 anos. É muito pouco, se compararmos com o período desde que a
vida brotou na Terra. Mas a herança genética que carregamos tem muito mais tempo,
chegando à casa dos milhões de anos. Durante esse tempo todo nossa espécie (e também
nossos antepassados mais próximos como o Homo Habilis, Homo Ergaster, Homo Erectus,
etc) desenvolveu sofisticados recursos que aproveitam ao máximo a informação captada
pelos sentidos. Nosso cérebro é um sistema extremamente complexo, apto a processar um
fluxo contínuo de sinais sensórios e extrair deles aquilo que é vital para nossa
sobrevivência. Quando vivíamos nas savanas africanas, há mais de 12.000 anos, um ruído
estranho ou um vulto qualquer a se mover por entre as folhagens poderia indicar a presença
de um perigoso predador. Imagine como era importante contar com um aparelho perceptual
bastante desenvolvido: bastaria uma falha e viraríamos facilmente almoço de leopardo.




                                                                                          1
Por essa razão, a evolução de nossa percepção preferiu privilegiar a detecção de padrões,
mesmo que esses padrões pudessem ser apenas ilusórios. Agora já temos subsídios
suficientes para unir este assunto com o tema deste artigo.

Nossa Tendência à Confirmação

Se temos uma propensão a considerar válidos mesmo os padrões ilusórios, estamos dando
grande importância àquilo que achamos que percebemos. Isso tem como consequência
direta o efeito de fazer-nos privilegiar toda interpretação que confirme as nossas suspeitas.
Disso também podemos concluir que raramente vamos nos ocupar em observar
detidamente aquilo que não confirma as nossas suspeitas. Para o ser humano primitivo,
como vimos, essa característica é ótima. Afinal, vale mais se assustar à toa do que não
perceber um perigo real. Mas para o ser humano contemporâneo, essa postura pode ser
ocasionalmente muito ruim. Boa parte do restante deste artigo discorrerá sobre essa
questão.

Já faz muito tempo que procuramos formas de minorar o efeito desse nosso "problema".
Uma das idéias interessantes é considerar hipóteses alternativas. Essa é uma postura que
pode frequentemente reduzir a força daquelas hipóteses que são mais óbvias para nós. Isso
não é tão ruim assim. Proponho que não devemos ter receio em listar essas outras hipóteses,
mesmo que algumas delas possam parecer inicialmente contrárias a nossa própria
experiência. É, no final das contas, uma forma de dar chance as opiniões cultivadas por
outras pessoas, que têm percepções diferentes. Mas existe um "porém" nessa idéia.

Quando falo em avaliar hipóteses alternativas não quero dizer que devemos ser
excessivamente crédulos. Pelo contrário, quero dizer que deve-se usar o bom-senso e o
raciocínio sobre todas as hipóteses que temos em mãos de maneira a excluir as hipóteses
realmente irrelevantes e manter as mais sólidas. Os cientistas frequentemente pensam dessa
forma, principalmente quando o fenômeno que analisam é desconhecido. Eles ponderam
todas as hipóteses aplicáveis ao evento em questão e vão pacientemente "limpando" o
caminho, através do raciocínio e de testes empíricos. É claro que esse processo pode ser
desnecessário quando avaliamos hipóteses muito estapafúrdias. Suponha que alguém diga a
você que o calor do Sol é produzido por "gremlins verdes" que ficam brigando entre si no
interior do astro. É uma hipótese a considerar, mas ninguém em sã consciência irá dar
muita atenção a ela. Entretanto, nem sempre as hipóteses são tão ridículas quanto gremlins
verdes.

A Hora de Rever Nossas Crenças

Suponha que alguém afirme para você que a saúde da população humana tem piorado
sistematicamente. A pessoa poderia lhe dizer que há cem anos o número de mortes por
câncer era muito menor do que hoje em dia. Essa alegação poderia ser suportada por um
relatório mostrando um número proporcionalmente crescente de mortes por câncer, em
relação a outras doenças. Seria essa uma evidência de que a vida moderna é pior do que era
antes? Poderíamos a partir disso concluir que os agrotóxicos, a poluição, os telefones
celulares, os alimentos enlatados, etc., etc., seriam todos agentes que estariam provocando
câncer com maior frequência?


                                                                                                2
A hipótese tem algo de tentador, e algumas pessoas podem simplesmente se recusar a
discutir quaisquer outras alternativas, pois crêem que a vida hoje é pior do que há um
século (mesmo não tendo vivido naquela época...). Minha proposta é avaliar essa idéia e
verificar se é realmente justificável. Vamos considerar hipóteses alternativas?

Quem se recusa a avaliar outras hipóteses pode estar demonstrando que quer acreditar que
a vida atual é mais insatisfatória do que a vida de décadas atrás (uma pessoa ferrenhamente
adepta do naturismo pode se sentir tentada a crer nisso independente de outras
considerações). Para essas pessoas proponho que se abandone por um momento esse
"desejo" de acreditar, e se procure por evidências convincentes, até mesmo contrárias à
hipótese original. Este é o exercício que faremos agora.

Considere esta hipótese alternativa. Até algumas décadas atrás, era comum uma pessoa
morrer de tuberculose. Ou então de pneumonia. Ou de varíola. Nessa época passada,
algumas pessoas também morriam de câncer, mas isso estava "mascarado" pelas mortes
devido a outras doenças. Todas essas doenças foram sistematicamente dizimadas pela
medicina moderna. É muito raro, hoje em dia, alguém morrer de tuberculose. Só mesmo se
não for tratado a tempo ou se o caso for muito grave. Os avanços obtidos através do uso de
antibióticos e vacinas reduziram a proporção de mortes por causa dessas outras doenças. É
claro que, proporcionalmente, o número de mortes por câncer ficou mais alto, pois é o que
falta resolver (embora já tenhamos feito grandes progressos). Além disso, se compararmos
a longevidade das pessoas hoje (veja tabela abaixo) veremos que temos uma expectativa de
vida muito maior. Dessa forma, o câncer afetará um maior número de idosos, mas é preciso
lembrar que esses idosos já teriam morrido de outra coisa, se a medicina não tivesse
evoluído tanto. Portanto, é natural que o número de mortes por câncer seja
proporcionalmente maior, mas isso nada tem a ver com piores condições de vida, mas sim
exatamente o contrário.

                        Expectativa Média de Vida (idade em anos;
                         para a população do Reino Unido; valores
                       similares repetem-se para americanos, suíços,
                          japoneses, etc.) Fonte: Human Mortality
                            Database http://www.mortality.org/

                          Ano    Mulheres Homens      Total
                         1841    42.33    40.26      41.27
                         1860    44.03    41.75      42.86
                         1880    45.21    41.91      43.53
                         1900    48.15    44.23      46.16
                         1920    58.86    54.23      56.57
                         1940    63.90    58.50      61.28
                         1960    74.15    68.22      71.25
                         1980    76.77    70.74      73.80
                         1998    79.99    75.09      77.60




                                                                                          3
A investigação de uma hipótese alternativa providenciou uma confiança na conclusão
oposta à idéia original. Agora, podemos afirmar que nossas condições de vida (e nosso
risco de desenvolver câncer) já não parecem estar associados a nenhum dos fatores
levantados pela idéia original. Fizemos, com esse exemplo, um típico exercício de
Pensamento Crítico. Mas o que faremos com essa informação daqui para frente é que é a
parte importante da história. Temos agora evidências para acreditar no contrário daquilo
que estávamos considerando de início. Por isso, devemos ajustar nossas crenças, revendo-
as, reformando-as. Este é o ponto que enfatizo: o ajuste de nossas crenças deve ser feito
conforme novas evidências sólidas chegam até nós.

Receita Para Enganar Alguém

Se não me falha a memória, foi o jornalista Joelmir Beting que, ironicamente, mostrou
como a Estatística pode ser enganadora. Dizia ele que "...se eu como um frango e você
come nenhum, ambos comemos, em média, meio frango cada um". Estatística é uma
matéria que pode ser facilmente usada para provocar distorções impressionantes.

Uma das regras mais tradicionais dos Estatísticos (sérios!) é uma frase para a qual
recomendo especial atenção. Desconhecê-la (ou desobedecê-la) costuma provocar inúmeros
problemas. Eis o que diz essa regra: "Correlação não implica em causalidade". Em outras
palavras, se um evento sempre sucede outro (ou se varia em conjunto com outro) isto não
significa que esse evento seja necessariamente a causa do outro. Um clássico exemplo é a
correlação das vendas de sorvete com o número de assaltos. Quando se vende mais picolés,
também aumentam os crimes. Outra correlação fortíssima relaciona o consumo de pão com
manteiga com o ato de praticar crimes violentos (98% dos bandidos encarcerados por
cometerem crimes violentos são ávidos consumidores de pão com manteiga). Ora, mas isso
não quer dizer que tomar o café da manhã com essa iguaria seja a causa de comportamento
violento (eu seria, por força dessa regra, um grande marginal). É natural que esses
exemplos todos façam você sorrir, afinal eles são realmente ridículos (embora cumpram seu
papel didático). A coisa começa a se complicar quando o que se infere a partir de
correlações não é tão ridículo assim.

Em novembro de 2001 um grupo de psicólogos da University College de Londres publicou
um trabalho no qual se investigou a associação entre o comportamento social de
adolescentes e o contato que eles tiveram com seus pais (ou outra figura paterna) nos
primeiros meses de vida. Pelo estudo, ficou claro que existe uma forte correlação entre o
fato de bebês terem sido regularmente banhados pelos seus papais e um futuro
comportamento social mais ajustado durante a adolescência. Alguns jornalistas relataram o
fato como sendo evidência suportando a idéia de que os pais deveriam se empenhar em dar
mais banhos em seus bebês, não deixando essa tarefa apenas para as mamães. Parece uma
recomendação óbvia, certo? Contudo, esse estudo não pode ser usado para suportar essa
conclusão.

Começamos repetindo a fatal regrinha: Correlação não implica em causalidade. O que a
correlação descoberta pelo estudo mostra é que pais que banham seus bebês parecem estar
associados a adolescentes mais ajustados. Mas será que essa melhor performance social foi



                                                                                            4
conseguida através dos "banhos dados pelos papais"? Seriam os banhos a causa do melhor
ajustamento social?

Há uma outra hipótese igualmente plausível, a de que pais que espontaneamente banhem
seus bebês sejam justamente aqueles que irão ter, também espontaneamente, maior
"proximidade emocional" de seus filhos adolescentes. Essa proximidade emocional seria a
real causa do melhor ajustamento dos filhos, e não o simples fato de terem sido banhados.
Portanto, o estudo poderia apenas mostrar que pais próximos de seus filhos provocam um
melhor ajuste durante a adolescência. Hum...não me parece ser uma grande descoberta!

Observe que o simples fato de termos elencado uma outra hipótese igualmente plausível
coloca em dúvida o argumento original. Em outras palavras, não temos razões
suficientemente fortes para acreditar na tese original. A hipótese do banho precisaria ser
sustentada por outras evidências.

Aprendendo a Reavaliar

Em nossa vida profissional e pessoal, somos constantemente bombardeados por toda sorte
de alegações. Para desenvolver uma visão equilibrada do mundo, precisamos saber julgar
aquilo que os outros nos informam. Muitas vezes, concordamos com o que é dito. Outras
vezes, discordamos. Às vezes, ficamos em dúvida. Em qualquer um desses casos, é
importante saber justificar nosso pensamento. Para isso, vale uma exposição clara de nossas
razões, ou seja, uma argumentação sobre quais os suportes de nossas crenças. E aqui relato
um ponto importante: se não dispomos de boas razões para selecionar uma hipótese dentre
várias disponíveis, então é mais racional suspender nosso julgamento acerca do assunto.
Isto não quer dizer que devemos "cruzar nossos braços" e ficar esperando alguma coisa cair
do céu. Esta é a hora de tomar a dianteira, iniciando um ativo processo de investigação e
pesquisa.

Ilusões Afetando Expectativas

Talvez o pior aspecto relacionado às ilusões seja o fato de que elas afetam nossas
expectativas e julgamentos. Se você tem um desses bebedouros com botijões de água
mineral em seu escritório, provavelmente já enfrentou um drama muito comum. Você pode
se considerar "um azarado", ou então perseguido por uma forte maldição: toda vez que
você está morrendo de sede, chega no bebedouro só para constatar que a água acabou. É
muito azar, não é mesmo? Mas na verdade, não é azar, é apenas uma ilusão.

Quando você vai ao bebedouro e se serve de água, isso é um evento "normal". É tão normal
que você nem percebe, nem se dá conta. Afinal, satisfez sua necessidade, e provavelmente
você tem coisas mais importantes ocupando a sua mente. Portanto, esse episódio todo não
fica registrado em sua memória, fazendo parte das milhares de "coisas que funcionaram
como esperado e que esquecemos durante nossa vida cotidiana". Mas quando você encontra
o bebedouro vazio, então as suas expectativas são frustradas. Você não conseguiu seu
intento da maneira que sempre faz. Isto torna esse evento "one of a kind", um evento único,
relevante, distinto, especial, infelizmente memorável.



                                                                                             5
É claro que isso vai afetar o seu julgamento, pois parece que sempre que você está com
muita sede, encontra o bebedouro nessa situação. Mas isso só ocorre porque existe uma
forte ilusão de que esse evento excepcional ocorre com grande frequência. Garanto a você
que isso é uma ilusão. Mas se você não quiser acreditar em mim, basta fazer assim: esconda
os copos que você usa em uma gaveta, atrás de um pequeno bloco de anotações. Isto vai
evitar que você pegue nos copos de forma distraída. Agora, durante dois ou três dias, toda
vez que você for beber água, apanhe o bloco e anote se você foi bem sucedido ou não. Isto
irá lhe dar uma indicação estatística real desse processo, e daí vai ser possível verificar que
realmente a frequência da exceção é muito baixa. Saber dessas características de nossa
percepção nos faz considerar por que precisamos confrontar certas hipóteses com as
evidências que as suportam. Se deixarmos tudo a cargo de nossa "intuição", podemos estar
apenas fomentando o auto-engano.

Buscando a Maturidade

Uma das características importantes das pessoas maduras é o fato de conhecerem o
suficiente de si mesmas para poder reconhecer quando acertaram e quando erraram. Há
também muitos aspectos emocionais envolvidos, e para isso o autoconhecimento é
fundamental. Mas podemos também interpretar a maturidade de uma pessoa em relação a
suas habilidades intelectuais. É madura a pessoa que sabe justificar as suas crenças, dizer
porque faz isso e não aquilo ou então porque está em dúvida, porque está suspendendo seu
julgamento.

Também demonstra maturidade a pessoa que sabe mudar de opinião na medida em que ela
tome contato com informações mais relevantes e sustentadas, mesmo que eventualmente
contrárias às suas visões originais. Para isso, é fundamental contar com uma forte
honestidade intelectual consigo mesmo.

Contudo, como vimos neste breve artigo, essa maturidade intelectual é uma característica
que não nasce conosco, ela precisa ser desenvolvida. Precisamos aprender a pensar dessa
forma, pois nosso comportamento natural é ficar à mercê das diversas idiosincrasias
perceptuais do Homo Sapiens. A maturidade que estou propondo aqui é muito mais do que
uma "conveniência moderna", é na verdade um fator essencial para que a pessoa consiga
ser intelectualmente livre, decidindo por si própria no que deve e no que não deve acreditar.
É, no final das contas, mais uma das liberdades individuais essenciais aos seres humanos,
uma liberdade que certamente nos distingue do restante dos animais deste planeta.




                                                                                              6

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  • 1. Como se Constrói o Pensamento Crítico Por Sergio Navega snavega@attglobal.net http://www.intelliwise.com.br/snavega.asp Versão editada deste artigo foi publicado na revista Vencer de Junho de 2003 Você sabe o que significa "aput"? Eu não sabia até alguns minutos atrás: essa palavra, do vocabulário dos esquimós, significa "neve no chão". E a palavra "gana"? Para os esquimós, isso significa "neve quando está caindo". Segundo alguns linguistas, há mais de uma dezena de palavras diferentes utilizadas pelos esquimós para designar "neve", em diversas situações e contextos. Para nós, brasileiros, é somente "neve" e pronto. Embora essa seja uma curiosidade linguística frequentemente exagerada (há quem afirme, erradamente, haver centenas de formas diferentes de dizer "neve" na linguagem dos esquimós), mesmo assim ela é mais reveladora do que aparenta. Basta pensar um pouquinho para encontrar alguma coisa de óbvia importância para os esquimós em relação à neve. Em países tropicais como o nosso, neve é assunto que surge apenas durante o Natal (e mesmo assim, apenas quando assistimos a filmes estrangeiros) ou então se tivermos uma rara oportunidade de passar nossas férias em Aspen. Mas para os esquimós, neve é um assunto do dia-a-dia. Talvez até mais do que corriqueiro, neve é um assunto, para eles, com importância de vida ou morte. Este é nosso ponto de partida neste artigo: o pensamento dos esquimós depende muito das experiências da realidade específicas que eles têm. A percepção dos esquimós (e a nossa também) é fortemente influenciada pelo tipo de experiências e expectativas que formamos acerca de nosso meio ambiente. Neste artigo, vamos observar algumas das consequências dessa interessante peculiaridade humana. Viagem ao Passado do Homo Sapiens O ser humano não está há muito tempo aqui na Terra. O Homo Sapiens existe em sua forma atual a menos de 150.000 anos. É muito pouco, se compararmos com o período desde que a vida brotou na Terra. Mas a herança genética que carregamos tem muito mais tempo, chegando à casa dos milhões de anos. Durante esse tempo todo nossa espécie (e também nossos antepassados mais próximos como o Homo Habilis, Homo Ergaster, Homo Erectus, etc) desenvolveu sofisticados recursos que aproveitam ao máximo a informação captada pelos sentidos. Nosso cérebro é um sistema extremamente complexo, apto a processar um fluxo contínuo de sinais sensórios e extrair deles aquilo que é vital para nossa sobrevivência. Quando vivíamos nas savanas africanas, há mais de 12.000 anos, um ruído estranho ou um vulto qualquer a se mover por entre as folhagens poderia indicar a presença de um perigoso predador. Imagine como era importante contar com um aparelho perceptual bastante desenvolvido: bastaria uma falha e viraríamos facilmente almoço de leopardo. 1
  • 2. Por essa razão, a evolução de nossa percepção preferiu privilegiar a detecção de padrões, mesmo que esses padrões pudessem ser apenas ilusórios. Agora já temos subsídios suficientes para unir este assunto com o tema deste artigo. Nossa Tendência à Confirmação Se temos uma propensão a considerar válidos mesmo os padrões ilusórios, estamos dando grande importância àquilo que achamos que percebemos. Isso tem como consequência direta o efeito de fazer-nos privilegiar toda interpretação que confirme as nossas suspeitas. Disso também podemos concluir que raramente vamos nos ocupar em observar detidamente aquilo que não confirma as nossas suspeitas. Para o ser humano primitivo, como vimos, essa característica é ótima. Afinal, vale mais se assustar à toa do que não perceber um perigo real. Mas para o ser humano contemporâneo, essa postura pode ser ocasionalmente muito ruim. Boa parte do restante deste artigo discorrerá sobre essa questão. Já faz muito tempo que procuramos formas de minorar o efeito desse nosso "problema". Uma das idéias interessantes é considerar hipóteses alternativas. Essa é uma postura que pode frequentemente reduzir a força daquelas hipóteses que são mais óbvias para nós. Isso não é tão ruim assim. Proponho que não devemos ter receio em listar essas outras hipóteses, mesmo que algumas delas possam parecer inicialmente contrárias a nossa própria experiência. É, no final das contas, uma forma de dar chance as opiniões cultivadas por outras pessoas, que têm percepções diferentes. Mas existe um "porém" nessa idéia. Quando falo em avaliar hipóteses alternativas não quero dizer que devemos ser excessivamente crédulos. Pelo contrário, quero dizer que deve-se usar o bom-senso e o raciocínio sobre todas as hipóteses que temos em mãos de maneira a excluir as hipóteses realmente irrelevantes e manter as mais sólidas. Os cientistas frequentemente pensam dessa forma, principalmente quando o fenômeno que analisam é desconhecido. Eles ponderam todas as hipóteses aplicáveis ao evento em questão e vão pacientemente "limpando" o caminho, através do raciocínio e de testes empíricos. É claro que esse processo pode ser desnecessário quando avaliamos hipóteses muito estapafúrdias. Suponha que alguém diga a você que o calor do Sol é produzido por "gremlins verdes" que ficam brigando entre si no interior do astro. É uma hipótese a considerar, mas ninguém em sã consciência irá dar muita atenção a ela. Entretanto, nem sempre as hipóteses são tão ridículas quanto gremlins verdes. A Hora de Rever Nossas Crenças Suponha que alguém afirme para você que a saúde da população humana tem piorado sistematicamente. A pessoa poderia lhe dizer que há cem anos o número de mortes por câncer era muito menor do que hoje em dia. Essa alegação poderia ser suportada por um relatório mostrando um número proporcionalmente crescente de mortes por câncer, em relação a outras doenças. Seria essa uma evidência de que a vida moderna é pior do que era antes? Poderíamos a partir disso concluir que os agrotóxicos, a poluição, os telefones celulares, os alimentos enlatados, etc., etc., seriam todos agentes que estariam provocando câncer com maior frequência? 2
  • 3. A hipótese tem algo de tentador, e algumas pessoas podem simplesmente se recusar a discutir quaisquer outras alternativas, pois crêem que a vida hoje é pior do que há um século (mesmo não tendo vivido naquela época...). Minha proposta é avaliar essa idéia e verificar se é realmente justificável. Vamos considerar hipóteses alternativas? Quem se recusa a avaliar outras hipóteses pode estar demonstrando que quer acreditar que a vida atual é mais insatisfatória do que a vida de décadas atrás (uma pessoa ferrenhamente adepta do naturismo pode se sentir tentada a crer nisso independente de outras considerações). Para essas pessoas proponho que se abandone por um momento esse "desejo" de acreditar, e se procure por evidências convincentes, até mesmo contrárias à hipótese original. Este é o exercício que faremos agora. Considere esta hipótese alternativa. Até algumas décadas atrás, era comum uma pessoa morrer de tuberculose. Ou então de pneumonia. Ou de varíola. Nessa época passada, algumas pessoas também morriam de câncer, mas isso estava "mascarado" pelas mortes devido a outras doenças. Todas essas doenças foram sistematicamente dizimadas pela medicina moderna. É muito raro, hoje em dia, alguém morrer de tuberculose. Só mesmo se não for tratado a tempo ou se o caso for muito grave. Os avanços obtidos através do uso de antibióticos e vacinas reduziram a proporção de mortes por causa dessas outras doenças. É claro que, proporcionalmente, o número de mortes por câncer ficou mais alto, pois é o que falta resolver (embora já tenhamos feito grandes progressos). Além disso, se compararmos a longevidade das pessoas hoje (veja tabela abaixo) veremos que temos uma expectativa de vida muito maior. Dessa forma, o câncer afetará um maior número de idosos, mas é preciso lembrar que esses idosos já teriam morrido de outra coisa, se a medicina não tivesse evoluído tanto. Portanto, é natural que o número de mortes por câncer seja proporcionalmente maior, mas isso nada tem a ver com piores condições de vida, mas sim exatamente o contrário. Expectativa Média de Vida (idade em anos; para a população do Reino Unido; valores similares repetem-se para americanos, suíços, japoneses, etc.) Fonte: Human Mortality Database http://www.mortality.org/ Ano Mulheres Homens Total 1841 42.33 40.26 41.27 1860 44.03 41.75 42.86 1880 45.21 41.91 43.53 1900 48.15 44.23 46.16 1920 58.86 54.23 56.57 1940 63.90 58.50 61.28 1960 74.15 68.22 71.25 1980 76.77 70.74 73.80 1998 79.99 75.09 77.60 3
  • 4. A investigação de uma hipótese alternativa providenciou uma confiança na conclusão oposta à idéia original. Agora, podemos afirmar que nossas condições de vida (e nosso risco de desenvolver câncer) já não parecem estar associados a nenhum dos fatores levantados pela idéia original. Fizemos, com esse exemplo, um típico exercício de Pensamento Crítico. Mas o que faremos com essa informação daqui para frente é que é a parte importante da história. Temos agora evidências para acreditar no contrário daquilo que estávamos considerando de início. Por isso, devemos ajustar nossas crenças, revendo- as, reformando-as. Este é o ponto que enfatizo: o ajuste de nossas crenças deve ser feito conforme novas evidências sólidas chegam até nós. Receita Para Enganar Alguém Se não me falha a memória, foi o jornalista Joelmir Beting que, ironicamente, mostrou como a Estatística pode ser enganadora. Dizia ele que "...se eu como um frango e você come nenhum, ambos comemos, em média, meio frango cada um". Estatística é uma matéria que pode ser facilmente usada para provocar distorções impressionantes. Uma das regras mais tradicionais dos Estatísticos (sérios!) é uma frase para a qual recomendo especial atenção. Desconhecê-la (ou desobedecê-la) costuma provocar inúmeros problemas. Eis o que diz essa regra: "Correlação não implica em causalidade". Em outras palavras, se um evento sempre sucede outro (ou se varia em conjunto com outro) isto não significa que esse evento seja necessariamente a causa do outro. Um clássico exemplo é a correlação das vendas de sorvete com o número de assaltos. Quando se vende mais picolés, também aumentam os crimes. Outra correlação fortíssima relaciona o consumo de pão com manteiga com o ato de praticar crimes violentos (98% dos bandidos encarcerados por cometerem crimes violentos são ávidos consumidores de pão com manteiga). Ora, mas isso não quer dizer que tomar o café da manhã com essa iguaria seja a causa de comportamento violento (eu seria, por força dessa regra, um grande marginal). É natural que esses exemplos todos façam você sorrir, afinal eles são realmente ridículos (embora cumpram seu papel didático). A coisa começa a se complicar quando o que se infere a partir de correlações não é tão ridículo assim. Em novembro de 2001 um grupo de psicólogos da University College de Londres publicou um trabalho no qual se investigou a associação entre o comportamento social de adolescentes e o contato que eles tiveram com seus pais (ou outra figura paterna) nos primeiros meses de vida. Pelo estudo, ficou claro que existe uma forte correlação entre o fato de bebês terem sido regularmente banhados pelos seus papais e um futuro comportamento social mais ajustado durante a adolescência. Alguns jornalistas relataram o fato como sendo evidência suportando a idéia de que os pais deveriam se empenhar em dar mais banhos em seus bebês, não deixando essa tarefa apenas para as mamães. Parece uma recomendação óbvia, certo? Contudo, esse estudo não pode ser usado para suportar essa conclusão. Começamos repetindo a fatal regrinha: Correlação não implica em causalidade. O que a correlação descoberta pelo estudo mostra é que pais que banham seus bebês parecem estar associados a adolescentes mais ajustados. Mas será que essa melhor performance social foi 4
  • 5. conseguida através dos "banhos dados pelos papais"? Seriam os banhos a causa do melhor ajustamento social? Há uma outra hipótese igualmente plausível, a de que pais que espontaneamente banhem seus bebês sejam justamente aqueles que irão ter, também espontaneamente, maior "proximidade emocional" de seus filhos adolescentes. Essa proximidade emocional seria a real causa do melhor ajustamento dos filhos, e não o simples fato de terem sido banhados. Portanto, o estudo poderia apenas mostrar que pais próximos de seus filhos provocam um melhor ajuste durante a adolescência. Hum...não me parece ser uma grande descoberta! Observe que o simples fato de termos elencado uma outra hipótese igualmente plausível coloca em dúvida o argumento original. Em outras palavras, não temos razões suficientemente fortes para acreditar na tese original. A hipótese do banho precisaria ser sustentada por outras evidências. Aprendendo a Reavaliar Em nossa vida profissional e pessoal, somos constantemente bombardeados por toda sorte de alegações. Para desenvolver uma visão equilibrada do mundo, precisamos saber julgar aquilo que os outros nos informam. Muitas vezes, concordamos com o que é dito. Outras vezes, discordamos. Às vezes, ficamos em dúvida. Em qualquer um desses casos, é importante saber justificar nosso pensamento. Para isso, vale uma exposição clara de nossas razões, ou seja, uma argumentação sobre quais os suportes de nossas crenças. E aqui relato um ponto importante: se não dispomos de boas razões para selecionar uma hipótese dentre várias disponíveis, então é mais racional suspender nosso julgamento acerca do assunto. Isto não quer dizer que devemos "cruzar nossos braços" e ficar esperando alguma coisa cair do céu. Esta é a hora de tomar a dianteira, iniciando um ativo processo de investigação e pesquisa. Ilusões Afetando Expectativas Talvez o pior aspecto relacionado às ilusões seja o fato de que elas afetam nossas expectativas e julgamentos. Se você tem um desses bebedouros com botijões de água mineral em seu escritório, provavelmente já enfrentou um drama muito comum. Você pode se considerar "um azarado", ou então perseguido por uma forte maldição: toda vez que você está morrendo de sede, chega no bebedouro só para constatar que a água acabou. É muito azar, não é mesmo? Mas na verdade, não é azar, é apenas uma ilusão. Quando você vai ao bebedouro e se serve de água, isso é um evento "normal". É tão normal que você nem percebe, nem se dá conta. Afinal, satisfez sua necessidade, e provavelmente você tem coisas mais importantes ocupando a sua mente. Portanto, esse episódio todo não fica registrado em sua memória, fazendo parte das milhares de "coisas que funcionaram como esperado e que esquecemos durante nossa vida cotidiana". Mas quando você encontra o bebedouro vazio, então as suas expectativas são frustradas. Você não conseguiu seu intento da maneira que sempre faz. Isto torna esse evento "one of a kind", um evento único, relevante, distinto, especial, infelizmente memorável. 5
  • 6. É claro que isso vai afetar o seu julgamento, pois parece que sempre que você está com muita sede, encontra o bebedouro nessa situação. Mas isso só ocorre porque existe uma forte ilusão de que esse evento excepcional ocorre com grande frequência. Garanto a você que isso é uma ilusão. Mas se você não quiser acreditar em mim, basta fazer assim: esconda os copos que você usa em uma gaveta, atrás de um pequeno bloco de anotações. Isto vai evitar que você pegue nos copos de forma distraída. Agora, durante dois ou três dias, toda vez que você for beber água, apanhe o bloco e anote se você foi bem sucedido ou não. Isto irá lhe dar uma indicação estatística real desse processo, e daí vai ser possível verificar que realmente a frequência da exceção é muito baixa. Saber dessas características de nossa percepção nos faz considerar por que precisamos confrontar certas hipóteses com as evidências que as suportam. Se deixarmos tudo a cargo de nossa "intuição", podemos estar apenas fomentando o auto-engano. Buscando a Maturidade Uma das características importantes das pessoas maduras é o fato de conhecerem o suficiente de si mesmas para poder reconhecer quando acertaram e quando erraram. Há também muitos aspectos emocionais envolvidos, e para isso o autoconhecimento é fundamental. Mas podemos também interpretar a maturidade de uma pessoa em relação a suas habilidades intelectuais. É madura a pessoa que sabe justificar as suas crenças, dizer porque faz isso e não aquilo ou então porque está em dúvida, porque está suspendendo seu julgamento. Também demonstra maturidade a pessoa que sabe mudar de opinião na medida em que ela tome contato com informações mais relevantes e sustentadas, mesmo que eventualmente contrárias às suas visões originais. Para isso, é fundamental contar com uma forte honestidade intelectual consigo mesmo. Contudo, como vimos neste breve artigo, essa maturidade intelectual é uma característica que não nasce conosco, ela precisa ser desenvolvida. Precisamos aprender a pensar dessa forma, pois nosso comportamento natural é ficar à mercê das diversas idiosincrasias perceptuais do Homo Sapiens. A maturidade que estou propondo aqui é muito mais do que uma "conveniência moderna", é na verdade um fator essencial para que a pessoa consiga ser intelectualmente livre, decidindo por si própria no que deve e no que não deve acreditar. É, no final das contas, mais uma das liberdades individuais essenciais aos seres humanos, uma liberdade que certamente nos distingue do restante dos animais deste planeta. 6