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SUMÁRIO                                                                                   SUMMARY
Alimentos preservados com radiação: a vantagem competitiva                                 Food preservation with radiation: the competitive advantage
que falta ao Brasil                                                                  1     that Brazil lacks                                                                    1
   Patricia Wieland, Leonardo Junqueira Lustosa, Teresia Diana Lewe van Aduard de              Patricia Wieland, Leonardo Junqueira Lustosa, Teresia Diana Lewe van Aduard de
   Macedo-Soares                                                                               Macedo-Soares

O treinamento experiencial e sua aplicação no contexto corporativo:                        The experiential training and its corporate context application:
estudo comparativo entre programas de treinamento realizados nos                           comparative study between training programs in the United States
Estados Unidos e no Brasil                                       17                        and Brazil                                                       17
   Zélia Miranda Kilimnik, Eder Menezes Reis                                                   Zélia Miranda Kilimnik, Eder Menezes Reis

A importância dos sistemas de gestão da qualidade: Fmea e Seis                             Quality management sistems regard: Fmae and Six Sigma - an
Sigma - uma abordagem teórica                                  31                          theoric approach                                                                 31
   Elizabeth Giron Cima, Miguel Angel Uribe Opazo                                              Elizabeth Giron Cima, Miguel Angel Uribe Opazo

Custos da qualidade: como medir o impacto dos esforços pela                                The quality cost: how to measure the impact of the efforts for
qualidade                                                                          37      the quality                                                                      37
   Fabiano Goldacker, Rubens Ricardo Franz                                                     Fabiano Goldacker, Rubens Ricardo Franz
Planejamento estratégico e gestão familiar em empresas                                     Strategic planning and family management of enterprises in
paulistanas                                                                        47      São Paulo                                                                        47
   Marilia Branquinho, Maximiliano da Silva Ribeiro, Pedro Rehem Santana, Tito                 Marilia Branquinho, Maximiliano da Silva Ribeiro, Pedro Rehem Santana, Tito
   Olavo Pereira Dancuart, Victor Souza, Adriana Beatriz Madeira, Luciano Augusto              Olavo Pereira Dancuart, Victor Souza, Adriana Beatriz Madeira, Luciano Augusto
   Toledo                                                                                      Toledo

Análise comparativa dos modelos de precificação de ativos Capital                          Comparative analysis of both Capital Asset Pricing Model and
Asset Pricing Model e Downside Capital Asset Pricing Model      65                         Downside Capital Asset Pricing Model                                             65
   Adriana Moreira Bastos de Faria, Lucas Maia dos Santos                                      Adriana Moreira Bastos de Faria, Lucas Maia dos Santos

O uso do cheque especial e do cartão de crédito pelos acadêmicos                           The use of overdraft and credit card by students
da FAE Centro Universitário                                    81                          at FAE Centro Univeritário                                                       81
   Aline Fernanda da Silva Ferreira, Amilton Dalledone Filho                                   Aline Fernanda da Silva Ferreira, Amilton Dalledone Filho

A sustentabilidade e sua relação com as                                                    The sustainability and its relation with
estratégias organizacionais                                                        93      corporate strategies                                                             93
   Valéria da Veiga Dias, Uiara Gonçalves De Menezes, Eliete Pozzobon Palma, Marcia            Valéria da Veiga Dias, Uiara Gonçalves De Menezes, Eliete Pozzobon
   Zampieri Grohmann                                                                           Palma, Marcia Zampieri Grohmann
Empreendedorismo social e sustentabilidade: um estudo de caso sobre o                      Social entrepreneurship and sustainability: a study of in case on the
projeto “mulheres em ação jogando limpo com a natureza”                                    project “women in action playing clean with the nature”
do IFNMG                                                         111                       of IFNMG                                                          111
   Edson Oliveira Neves, Cezar Augusto Miranda Guedes, Kléber Carvalho dos Santos              Edson Oliveira Neves, Cezar Augusto Miranda Guedes, Kléber Carvalho dos Santos

Abertura de capital como fonte de financiamento aos                                        IPO as source of financing of investments in Brazil: analysis of
investimentos no Brasil: análise do período de 2004 a 2007                       125       the 2004-2007 period                                             125
   Leide Albergoni, Guilherme Blanski Küster                                                   Leide Albergoni, Guilherme Blanski Küster

Fatores determinantes na escolha de alunos pela FAE Blumenau                               Factors in the choice of students by FAE Blumenau as an Institution
como Instituição de Ensino Superior                          147                           of Higher Education                                             147
   Simone Cristina Aléssio, Maria José Carvalho de Souza Domingues                             Simone Cristina Aléssio, Maria José Carvalho de Souza Domingues

Diferenciais competitivos dos cursos superiores de tecnologia                              Competitive advantages of technology undergraduate courses
pela percepção dos acadêmicos                                 165                          through the perception of students                                              165
   Adriana Galli Velho                                                                         Adriana Galli Velho

Oportunidades nos mercados globalizados: estudo nas empresas                               Opportunities in global markets: study in the brazilian companies of
brasileiras de consultoria em tecnologia da informação     179                             consulting in information technology                            179
   Bruna Zambel Russo, Carolina Batista de Deus, Simone Cardoso de Almeida                     Bruna Zambel Russo, Carolina Batista de Deus, Simone Cardoso de Almeida
   Marques, Ingrid Araujo Silva, Francisco Américo Cassano                                     Marques, Ingrid Araujo Silva, Francisco Américo Cassano




                                                                            FAE Centro Universitário
                                                               Curitiba, v.13, n.2, jul./dez. 2010 - ISSN 1516-1234
Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus                                 Coordenadores de Curso
Presidente                                                                          Aline Fernanda Pessoa Dias da Silva (Direito)
  Frei Guido Moacir Scheidt, ofm                                                    Tiago Luís Haus (Engenharia Ambiental)
Diretor Geral                                                                       Carlos Roberto Oliveira de Almeida Santos (Informática – Sistema de Informação e
  Jorge Apóstolos Siarcos                                                           Tecnologia em Sistema para Internet)
                                                                                    Cleuza Cecato (Letras)
Centro Universitário Franciscano do Paraná                                          Daniele Cristine Nickel (Psicologia)
Reitor da FAE Centro Universitário                                                  Eliane Cristine Francisco Maffezzolli (Comunicação Social: Publicidade e Propagan-
Diretor Geral da FAE São José dos Pinhais                                           da e Desenho Industrial)
  Frei Nelson José Hillesheim, ofm                                                  Enon Laércio Nunes (Engenharia Mecânica e Engenharia de Produção)
Pró-Reitor Acadêmico                                                                Érico Eleutério da Luz (Ciências Contábeis)
Diretor Acadêmico                                                                   Gilmar Mendes Lourenço (Ciências Econômicas)
  André Luis Gontijo Resende                                                        Jacir Adolfo Erthal (Tecnologia em Logística, Tecnologia em Gestão Financeira,
                                                                                    Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos e Tecnologia em Marketing)
Pró-Reitor Administrativo
                                                                                    Joaquim Almeida Brasileiro (Negócios Internacionais)
  Régis Ferreira Negrão
                                                                                    Marcus Vinicius Guaragni (Administração)
Diretor de Campus – FAE Centro Universitário, Campus Centro
                                                                                    Ney de Lucca Mecking (Educação Física)
  Julio Kiyokatsu Inafuco
                                                                                    Silvia Iuan Lozza (Pedagogia)
Diretor de Campus – FAE Centro Universitário, Campus Cristo Rei
                                                                                    Frei Jairo Ferrandin, ofm (Filosofia)
  Carlos Roberto de Oliveira Almeida Santos
Diretor Acadêmico FAE São José dos Pinhais
  Wagner Rodrigo Weber
Coordenador dos Programas de Pós-Graduação Lato Sensu
                                                                                  Coordenadores dos Núcleos
                                                                                    Adriana Pelizzari (Coordenadora do Núcleo de Extensão Universitária)
  Gilberto Oliveira Souza
                                                                                    Areta Galat (Coordenadora do Núcleo de Relações Internacionais)
Coordenador dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu
                                                                                    Cleonice Bastos Pompermayer (Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Acadêmica)
  José Henrique de Faria
                                                                                    Marcelo de Araújo Cansini (Coordenador do Núcleo de Empregabilidade)
Diretor de Relações Corporativas
                                                                                    Rita de Cássia Marques Kleinke (Coordenadora da Pastoral Universitária)
  Paulo Roberto de Araújo Cruz
                                                                                    Simone Wiens (Coordenadora do Núcleo de Carreira Docente)
Secretário-Geral
  Eros Pacheco Neto
Diretor do Instituto de Ciências Jurídicas
                                                                                  Bibliotecas
                                                                                    Soraia Helena F. Almondes (Biblioteca – Campus Centro)
  Sérgio Luiz da Rocha Pombo
                                                                                    Edith Dias (Biblioteca – Campus Centro)
Ouvidoria
                                                                                    Fernanda Périco Jorge (Biblioteca – São José dos Pinhais)
  Samar Merheb Jordão

Editor
  Frei Nelson José Hillesheim, ofm
                                                                               Comitê Editorial
Coordenação Editorial
                                                                                  Bruno Harmut Kopittke, Dr. (UFSC); Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr. (UFSC); Glauco
  Cleonice Bastos Pompermayer (coordenadora editorial)                            Ortolano, Ph.D (Lauder Institute/Wharton School/University of Phennsylvania); Harry
  Danielle Francesca Lopes Lago (revisão de linguagem)                            J.; Burry, Ph.D (Baldwin Wallace); Heloísa Lück, Ph.D (UFPR); Heloiza Matos, Dra. (USP);
  Mariana Fressato (normalização)                                                 Jair Mendes Marques, Dr. (FAE Centro Universitário, UTP); João Benjamim da Cruz
  Edith Dias (normalização)                                                       Junior, Ph.D (UFSC); Cleverson Vitório Andreoli, Dr. (USP); Mirian Beatriz Schneider
                                                                                  Braun, Dra. (Unioeste); Christin Luiz da Silva, Dr. (UFSC).
  Ewerton Diego Oliveira da Silva (diagramação)
  Braulio Maia Junior (diagramação)



  Pareceristas
    Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Dra. (FAE), Denise Maria Candioto Caselani, Dra. (UNINOVE), Walter Tadahiro Shima, Dr. (UFPR), Nicolau Barth, Ms. (UTFPR),
    Edson Pacheco Paladini, Dr. (UFSC), Najila Rejanne Alencar Juliao Cabral, Phd (IFCE), João Júlio Vitral Amaro, Dr. (UFMG), Anapatrícia Morales Vilha, Dra. (UFABC),
    Júlio Francisco Blumetti Facó, Dr. (ESAGS e FECAP), Eduardo Raupp de Vargas, Dr. (UNB), Antônio André Cunha Callado, Dr. (UFRPE), Pery Francisco Assis Shikida,
    Phd (UEL e UNIOESTE), Lafaiete Santos Neves, Dr. (FAE), Valéria Maria Martins Judice, Dra. (UFSJ), Mario Sérgio Cunha Alencastro, Dr. (UTP), Leonardo Freire de
    Mello, Dr. (UNIVAP), Antonio Carlos Silva Costa, Dr. (UFAL), Carlos Alberto Diehl, Dr. (UNISINOS), Ana Maria Coelho Pereira Mendes, Dra. (FAE), Francisco Antonio
    Pereira Fialho, Dr. (UFSC), Amilton Dalledone Filho, Ms. (FAE), Carla Cristina Dutra Búrigo, Dra. (UFSC), Rosalinda Chedian Pimentel, Phd (UNIFRAN e UNESP), Helder
    Gomes Costa, Dr. (UFF), Joel Souza Dutra, Dr. (USP), João Bosco Ladislau de Andrade, Dr. (UFAM), Sidnei Vieira Marinho, Dr. (UNIVALI), Antônio Lázaro Conte, Ms.
    (FAE), Luiz Carlos Pereira, Ms. (FAE)

                                                                            Indexação
                                                                           CAPES/Qualis
                                                                             Latindex
                                                                         Portal Livre/CNEN
                                                                            GeoDados
                                                                        Distribuição
                                                             Comunidade Científica: 700 exemplares
                                                                  Permuta: 100 exemplares

                                                   Revista da FAE. n.1/2, jan./dez. 1998 -
                                                      Curitiba, 1998 -
                                                           v. 28cm. regular
                                                       Semestral
                                                       Substitui ADECON: revista da Faculdade Católica de
                                                   Administração e Economia.
                                                       ISSN 1516-1234
                                                         1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento.
                                                   I. FAE Centro Universitário . Núcleo de Pesquisa Acadêmica.

                                                                                                    CDD - 001

                               Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões
                                 neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário.
                                         A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.edu
                                                                 Endereço para correspondência:
                                                    FAE Centro Universitário - Núcleo de Pesquisa Acadêmica
                                                         Rua 24 de Maio, 135 - 80230-080 - Curitiba-PR
                                                        Tel.: (41) 2105-4093 - e-mail: pesquisa@fae.edu
Revista da       FAE


Apresentação

          Prezados leitores




          Com os votos de Paz e Bem temos a alegria de disponibilizar à comunidade acadêmica e
          a toda a sociedade mais uma edição da Revista da FAE.
          Para a elaboração deste número da Revista contamos com a colaboração de autores
          representantes de várias áreas e subáreas do conhecimento, assim como, de nacionalidade
          brasileira e internacional, para os quais desejamos expressar nossos agradecimentos.
          As valiosas e importantes reflexões desses autores compõem as temáticas abordadas,
          oscilando desde a preocupação com as inovações, relatos de casos, educação,
          sustentabilidade, competitividade, a métodos específicos para a solução de questões
          sobre gestão empresarial.
          A partir destes temas apresentados, torna-se possível sintetizar os conteúdos aqui
          apresentados por meio de uma breve descrição sobre os artigos.
          Iniciando pelo artigo que relata os vários aspectos de gestão industrial, avanços
          estratégicos, segurança ambiental e regulação da irradiação de alimentos: a vantagem
          competitiva que falta no Brasil.
          O artigo a seguir analisa por meio de uma investigação, de forma comparativa, os resultados
          obtidos em treinamento comportamental tradicional face à opção de treinamento
          experiencial no contexto corporativo.
          Na sequência, três artigos nos oferecem a possibilidade de compreender a importância e
          a relevância dos procedimentos, métodos e programas de gestão na busca da eficiência
          dos ambientes organizacionais, expondo questões como qualidade e planejamento.
          Os dois artigos subsequentes apresentam características e formas de precificação dos
          ativos voltados ao mercado de capitais, e uma pesquisa com jovens acadêmicos sobre o
          conhecimento para o uso adequado do cheque especial e do cartão de crédito.
          A preocupação de como alcançar e manter-se no conceito de sustentabilidade é enfatizado,
          a seguir, nos dois temas citados na revista. Um relatando a percepção de gestores de uma
          indústria do setor de alimentos e bebidas sobre a relação intrínseca entre a sustentabilidade
          e as estratégias organizacionais e o outro apresentando uma análise sobre a importância
          do empreendedorismo social e da sustentabilidade.
          Uma abordagem histórica e econômica nos permite compreender o comportamento da
          abertura de capital como fonte de financiamento dos investimentos no Brasil: uma análise
          do período de 2004 a 2007.
Experiências e preocupações com a educação, especificamente do ensino superior, também
se fazem presentes nos artigos que apresentam os fatores determinantes nas escolhas de
alunos pela FAE na cidade de Blumenau e a percepção dos acadêmicos sobre os diferencias
competitivos dos cursos superiores de tecnologia.
Finalmente, um estudo nas empresas brasileiras de consultoria em tecnologia da informação
nos apresenta a importância e o papel dos mercados globalizados no sucesso dessas
empresas.
Gratos pelo prazer de compartilhar com todos a leitura da obra de cada autor, esperamos
ter contribuído mais uma vez com o pensamento, reflexões e atitudes acadêmicas.




                                      PAZ E BEM!


                            Frei Nelson José Hillesheim, ofm
                                         Editor
Revista da          FAE


Alimentos preservados com radiação: a vantagem competitiva
que falta ao Brasil1

Food preservation with radiation: the competitive advantage
that Brazil lacks
                                                                                               Patricia Wieland*
                                                                                               Leonardo Junqueira Lustosa**
                                                                                               Teresia Diana Lewe van Aduard de
                                                                                               Macedo-Soares***
Resumo

A técnica de preservação de alimentos por radiação vem sendo aplicada
mundialmente para aumentar o tempo de armazenamento e reduzir a
dependência de pesticidas químicos. Apesar dos incentivos governamentais
e do mercado produtor agrícola crescente, o Brasil ainda não entrou no
seleto clube dos exportadores de produtos agrícolas tropicais tratados
com radiação. As dificuldades para oferta regular de um serviço de
irradiação de alimentos independem da tecnologia utilizada. Instalações
semelhantes que esterilizam artigos médicos ou melhoram as propriedades
termo-mecânicas de materiais têm operado no Brasil sem interrupções
e de modo crescente. Este artigo analisa os vários aspectos da gestão
industrial, alianças estratégicas, segurança ambiental e regulação da
irradiação de alimentos e apresenta perspectivas para desenvolvimentos
futuros no Brasil.

Palavras-chave: irradiação; alianças estratégicas; industrialização;
exportação; frutas.



Abstract

Food preservation with radiation is a worldwide technique to increase
storage time and reduce chemical pesticides dependence. In spite of                            *   Doutoranda do Departamento de
governmental support and a growing market, Brazil does not export                                  Engenharia Industrial da PUC-Rio/
                                                                                                   DEI. Pesquisadora Titular U-III da
irradiated food. The difficulties of the irradiation services supply are not
                                                                                                   Comissão Nacional de Energia
related to the technology, given that similar facilities are in full operation,                    Nuclear (CNEN). Rio de Janeiro-RJ.
offering medical aid product sterilization services or improving materials                         E-mail: pwieland@cnen.gov.br.
thermo-mechanical properties. This paper analyses several aspects of the                       ** PhD em Engenharia Industrial pela
industrial management, strategic alliances, environmental safety and                               Stanford University, EUA. Professor
                                                                                                   do Departamento de Engenharia
regulation of food irradiation and presents some perspectives for future
                                                                                                   Industrial da PUC-Rio/DEI. Rio de
developments in Brazil.                                                                            Janeiro-RJ. E-mail: ljl@puc-rio.br
                                                                                               *** PhD em Filosofia Econômica e
Keywords: irradiation; strategic alliances; industrialization; export, fruits.                     Social pela Montréal University,
                                                                                                   Canadá. Professora da Escola
                                                                                                   de Negócios da PUC-Rio/IAG.
                                                                                                   Rio de Janeiro-RJ. E-mail: tdiana.
1
    Os autores agradecem os comentários da Dra. Nélida del Mastro, bolsista de produtividade       vanaduardmacedosoares@gmail.
    em pesquisa do CNPq e professora/orientadora em Tecnologia Nuclear do IPEN e USP               com



Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 1-16, jul./dez. 2010                                                                             |1
Introdução                                                 Este artigo procura examinar diversos aspec-
                                                      tos relevantes para o desenvolvimento industrial
     O tratamento com radiação visa conservar os      da preservação de alimentos no Brasil, com o
alimentos por mais tempo, reduzindo as perdas         uso de radiação ionizante. O propósito não é
causadas por brotamento ou maturação, além de         fazer uma análise detalhada, mas tão somente
reduzir a presença de micro-organismos, parasitas     dar uma visão abrangente e multidisciplinar da
e pragas, sem afetar a qualidade do produto. A        questão que, frequentemente, é investigada com
tecnologia de irradiação já é empregada em mais       base em problemas isolados. Assim, discutem-se
de 50 países e é aplicada, por exemplo, para a pre-   brevemente os aspectos relevantes referentes à
servação de carnes, frutas frescas, condimentos,      qualidade de alimentos, à tecnologia, à gestão, à
ervas medicinais e temperos.                          segurança, à regulação da indústria da irradiação
     Desde a década de 1980, vários estudos de        e ao comércio internacional. Por fim, analisa-se o
viabilidade têm sido realizados para a implantação    conjunto de elementos apresentados com vistas
de unidades industriais de tratamento de alimentos    a sugerir algumas linhas de ação gerais.
no Brasil (GLÓRIA, 1987a, 1987b), (FARIA et al.,           A informação foi coletada por meio de revisão
1999) e (GHOBRIL; DEL MASTRO, 2009). Um               da literatura científica e de relatórios de organi-
estudo recente realizado em cooperação com o          zações internacionais, investigação documental,
Canadá avaliou a qualidade de mangas irradiadas       discussão com peritos de institutos de pesquisa,
após o transporte e também fez uma avaliação de       empresários do setor e especialistas de órgãos de
custos (SABATO et al., 2009).                         regulação. A experiência operacional com sucesso
     No Brasil existem 1376 instalações industriais   de exportação de frutas irradiadas de países tais
que utilizam fontes de radiação para os mais diver-   como Índia e México foram de grande ajuda.
sos fins, e, entre estas, 34 possuem equipamentos
de grande porte para irradiação (MARECHAL,
2009). Apesar do otimismo sobre a exportação          1 Aspectos relacionados à tecnologia
de produtos agrícolas no Brasil, faltam plantas
                                                          de irradiação e à agro-indústria
industriais dedicadas à irradiação de alimentos
para atender às necessidades dos produtores
agrícolas de forma compatível com as ambições
de expansão desse mercado.                            1.1 Necessidade de melhorias na
     Tendo em vista os investimentos que vêm               qualidade de alimentos
sendo feitos nas últimas décadas para o desenvol-
vimento da agricultura no Nordeste, um programa            O agronegócio no Brasil é caracterizado pela
de irradiação de alimentos parece ter um elevado      fartura, regularidade no fornecimento, grande
beneficio-custo. Os fracassos incorridos na tenta-    variedade de produtos, baixo custo de produção
tiva de explorar tal potencial não parecem estar      e boa aceitação dos produtos. Entretanto, no que
relacionados a questões fundamentais de ordem         toca aos perecíveis, várias são as dificuldades para
econômica, tecnológica, social ou ambiental. Ao       a produção de alimentos com qualidade: frequen-
contrário, todos esses aspectos parecem ser alta-     temente, as águas de irrigação e de lavagem pos-
mente favoráveis.                                     suem contaminação microbiana e existe incidência
 2|
Revista da    FAE


de insetos em função do clima tropical. A logística      realizado uma viagem internacional nos dias an-
de acondicionamento é, por vezes, inadequada e,          teriores (CDC, 2005). Baseado nestas ocorrências,
devido à falta de rede de transporte satisfatória e      conclui-se que o risco de adquirir uma infecção
aos longos trajetos, pode haver interrupções de          devido à ingestão de alimentos preparados em
resfriamento ideal. Observa-se ainda, em locais          viagens aéreas de longa duração não pode ser
sem educação agrícola adequada, que o foco é             menosprezado.
no aumento de volume e na redução do custo de                 Considerando este quadro, acredita-se que
produção, em detrimento da qualidade.                    as seguintes metas deveriam ser observadas para
     Mesmo com a disseminação de boas práticas           melhorar a qualidade dos alimentos:
agrícolas e com a aplicação de métodos de                    a) Aspectos sociais:
tratamento como a fumigação, a hidrotermia e
                                                               - reduzir a probabilidade de ocorrência
o congelamento, as estimativas mostram que
                                                                 de doenças transmitidas por alimentos
a perda da produção nacional é ainda cerca de
                                                                 deteriorados ou contaminados;
30% para frutas e hortaliças, o que corresponde
                                                               - promover a educação agrícola e alimentar
ao desperdício de mais de 200 mil hectares
                                                                 para a produção e ingestão de alimentos
cultivados por ano (PEROZZI, 2007). De acordo
                                                                 mais saudáveis.
com a Food and Agriculture Organization of the
United Nations (FAO, 2009), a perda pós-colheita             b) Aspectos econômicos:
varia de 15 a 50%, não só devido à colheita fora               - evitar grandes perdas por deterioração
da época correta, excesso de chuva, seca ou                      de alimentos devido à infestação, con-
extremos de temperatura, contaminação por                        taminação e decomposição;
micro-organismos e danos físicos degradação                    - promover o comércio internacional,
do alimento, mas também por não atender a                        atendendo aos requisitos de controle
rígidos controles de qualidade de supermercados,                 fitossanitário.
com relação a tamanho, existência de manchas,
                                                             c) Aspectos ambientais:
formato desigual etc.
                                                               - reduzir o uso de pesticidas químicos, que
     Com o crescimento da população, o alimento
                                                                 deixam resíduos nos alimentos (ICGFI,
terá que ser transportado para distâncias cada vez
                                                                 1999);
maiores, necessitando de esforços especialmente
                                                               - otimizar as áreas de plantio, consideran-
em infraestrutura de armazenamento e processa-
                                                                 do perdas menores no escoamento da
mento para reduzir a perda de alimentos ao longo
                                                                 produção agrícola.
da cadeia produtiva.
     Alimentos preparados e servidos para a po-
pulação em restaurantes, bares e em transportes          1.2 Tecnologia: o tratamento de alimentos
de longa distância também são motivos de preo-                com radiação
cupação para a saúde. De acordo com um estudo
sobre contaminação alimentar nos Estados Unidos               O tratamento de alimentos com radiação
da América, dos casos de hospitalização reporta-         é feito em irradiadores com fonte radioativa
dos, 63% das pessoas infectadas por Salmonella           intensa de cobalto-60 ou em aceleradores de
e 86% com Escherichia coli (STEC O157) tinham            partículas. O alimento, já na sua embalagem
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final, é exposto à radiação. Como não há             gênicos e aumenta a vida útil em armazenamento
contacto com a fonte radioativa, não há risco de     sem comprometer a qualidade da alimentação.
contaminação radioativa e, após o tratamento,        A técnica também beneficia os pacientes imuno-
não há necessidade de manipulação do alimento,       deprimidos que não podem se expor ao risco de
o que evita uma possível re-infestação bacteriana    contaminação alimentar (IAEA, 2009). Por outro
(ICGFI, 1999). Os aceleradores de elétrons atuam     lado, a radiação não é recomendada para todos
mais superficialmente e são ideais para alimentos    os alimentos. Em alguns pode provocar alterações
com pouca espessura. Os aceleradores possuem         na cor, no odor ou no sabor, como por exemplo,
a vantagem de não necessitarem de recarga de         no leite e em seus derivados e no abacate.
fontes. Em ambos os casos, as caixas com os               Além da vantagem de preservação de ali-
alimentos entram, sobre esteiras transportadoras,    mentos por mais tempo, a radiação também
num recinto blindado onde são irradiados durante     pode contribuir para a melhoria da qualidade e
um tempo pré-determinado e saem por outra            de características intrínsecas do produto. O uso
abertura, prontas para serem despachadas.            de hidrocolóides está se tornando cada vez mais
     A irradiação pretende reduzir ou eliminar as    importante e as propriedades reológicas de adi-
                                                     tivos irradiados é uma das linhas de pesquisa em
bactérias patógenas para o homem tais como
                                                     andamento (DEL MASTRO, 1999). O quadro 01
Escherichia coli, Salmonella, Listeria e Campylo-
                                                     mostra as aplicações e a faixa de dose de radiação
bacter, os fungos formadores de micotoxinas
                                                     para o tratamento de alimentos. No caso de frutas
e insetos (por exemplo, moscas-das-frutas dos
                                                     frescas, como a manga e papaya, o maior interesse
gêneros Ceratitis e Anastrepha) que deterioram
                                                     fitossanitário é a desinfestação de insetos e a dose
os alimentos armazenados. Se aplicada na dose
                                                     média aplicada é 0,4 kGy. No caso de redução de
correta para cada alimento, a radiação não afeta
                                                     micro-organismos até a esterilização de alimentos,
a sua estrutura molecular e, portanto, não modi-
                                                     aplica-se uma dose mais alta, de até 50 kGy.
fica as suas propriedades nutricionais e nem as
sensoriais (ICGFI, 1999). Wieland-Fajardo e Rego
(1993) apresentam um resumo em linguagem
simples sobre a técnica de irradiação de produtos,
a curva dose-sobrevivência de micro-organismos,
os equipamentos, a segurança, a validação e o
controle do processo por determinação de dose
absorvida no produto e outros métodos.
     Não só alimentos in-natura, como as frutas
e os desidratados, como os condimentos, podem
ser irradiados para sua preservação. Há uma
crescente demanda por alimentos preparados,
que necessitam ser estocados temporariamente,
tais como as refeições para membros das forças
armadas em serviço, passageiros em transporte
de longa distância ou alimentos especiais étnicos
ou religiosos. A irradiação elimina agentes pato-
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Revista da        FAE


QUADRO 01 - FAIXAS DE DOSE ABSORVIDA PARA O TRATAMENTO DE ALIMENTOS COM RADIAÇÃO
                                                                                                          Faixa de dose absorvida no
                Função                                               Objetivo
                                                                                                                 produto (kGy)
                                            Inibição de brotamento em batatas, cebolas, alho,
                                                                                                          0,05 – 0,15
                                            gengibre etc.
 Prolongamento do tempo de                                                                                0,25 – 1,0 frutas frescas e
 armazenamento                                                                                            vegetais
                                            Retardo do amadurecimento
                                                                                                          1,0 – 3,0 peixe fresco,
                                                                                                          morangos, cogumelos etc.
                                            Desinfestação de insetos e parasitas em cereais, grãos
                                            leguminosos, carnes e peixes desidratados, frutas frescas e   0,15 – 0,5
                                            desidratadas etc.
 Melhoria da qualidade                      Redução ou eliminação da carga microbiana em frutos do
                                                                                                          1,0 – 7,0
                                            mar ou frangos congelados ou frescos, carnes etc.
                                            Inativação de agentes patogênicos em aditivos e ingredien-
                                                                                                       10 – 50
                                            tes tais como condimentos, enzimas, gomas etc.
                                            Redução do número de micro-organismos até a
 Esterilização em combinação
                                            esterilização: carnes, frangos, frutos do mar, alimentos      30 – 50
 com outros métodos
                                            preparados, alimentos para pacientes imunodeprimidos .
 Desenvolvimento de novas                   Alteração das características intrínsecas (uvas mais
                                                                                                          2,0 – 7,0
 características e produtos                 suculentas, redução do tempo de cozimento de vegetais) .
FONTE: ICGFI (1999)


       Alternativamente à radiação, alguns fume-                          livres, originalmente presentes nas amostras. Os
gantes são usados para preservação de alimentos.                          autores desta pesquisa lembram que alguns mitos
Entretanto, alguns são prejudiciais à saúde huma-                         ainda necessitam ser superados antes que a irra-
na e agridem o meio ambiente. O Brasil tem uma                            diação se torne um método amplamente aceito
legislação bastante rígida a esse respeito, confor-                       pelo público. Para tal, enfatizam que (a) irradiação
me o Decreto 4.074/2002. O brometo de metila,                             não torna o alimento radioativo; e (b) irradiação
muito usado no passado, é depletor da camada de                           não destrói nutrientes em maior extensão que
ozônio e está sendo mundialmente banido. Exceto                           qualquer outro processo de preservação.
para produtos de uso médico, a descontaminação                                  Em pesquisa de opinião pública (ORNELLAS
com óxido de etileno (ETO) está proibida no Brasil                        et al., 2006), ficou evidente que a falta de conhe-
desde 1999 (artigo 7º da Portaria Interministerial                        cimento sobre o processo e seus benefícios é um
n. 482/99 dos Ministérios da Saúde e do Trabalho).                        fator limitante: 89% dos entrevistados consumi-
       Uma pesquisa realizada na Empresa Brasileira                       riam alimentos irradiados se soubessem que a
                                                                          irradiação aumenta a segurança alimentar.
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (MARTIN
NETO; RODRIGUES; TRAGUETTA, 1996) mostrou
a total adequação do uso de radiação ionizante                            1.3 A gestão industrial de instalações de
como um método eficiente e seguro de desconta-
                                                                                 irradiação de alimentos
minação de pimenta do reino. Houve uma redu-
ção, quando não eliminação completa, de micro-                                 As unidades industriais de irradiação são ins-
-organismos e ainda a redução do nível de radicais                        talações compactas onde a máquina, sua estrutura
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com a blindagem da radiação e sistemas auxiliares             A estratégia de entrada no mercado do serviço
podem ser instalados em menos de 100 m2. O              de irradiação de alimentos deve dar atenção
empreendimento é capital intensivo e representa         especial à possibilidade de formação de alianças
um investimento da ordem de US$ 3 milhões.              cooperativas. Seguindo a tipologia de Garcia-Canal
A operação é simples, com pouca manutenção,             et al. (2002), acredita-se que as alianças favoráveis
flexibilidade de produção e reduzido número de          seriam locais e de capacitação. A aliança “local”
operadores, que, entretanto, devem ser qualifica-       com associações de produtores agrícolas, por
dos. A capacidade de produção típica é de 40.000        exemplo, expandiria os mercados de fornecedores
t/ano. No investimento inicial, deve-se prever          e distribuidores. A aliança “de capacitação” com
não só as despesas decorrentes da instalação do         institutos de pesquisa que já atuam nesta área
equipamento, mas, também, as decorrentes de             poderia garantir o cumprimento mais acelerado
marketing e legalização para funcionamento. As          dos vários requisitos de regulação e serviria para
despesas anuais devem prever o recarregamento           obter vantagem competitiva sobre eventuais
parcial da fonte de Co-60 (dispensável para o           concorrentes nacionais ou internacionais. A
acelerador de elétrons), e um fundo de reserva          Food Irradiation Processing Alliance - FIPA (FIPA,
para o descomissionamento da instalação ao fim          2009) é um fórum internacional de representantes
de sua vida útil.                                       industriais com finalidade de discutir e influenciar
     O cálculo do tempo de retorno do investimento      assuntos relacionados à irradiação de alimentos.
depende da estimativa dos custos de investimento        Uma vez que a escala de produção industrial
e operacionais, do esquema de tarifas para o            seja adequada, também uma aliança global com
serviço e da taxa de utilização do equipamento.         outro serviço de irradiação já inserido no mercado
No caso de irradiador, o alto custo da fonte            exterior, poderia ser benéfica para atingir estes
radioativa, que tem meia-vida de cerca de cinco         mercados de modo sustentável.
anos (i.e. devido ao decaimento radioativo, em
cinco anos a atividade cai à cerca da metade do
                                                        1.4 Análise de segurança
valor inicial), faz com que o custo fixo seja ainda
maior, tornando crítica a taxa de utilização. O valor        Segundo recomendações da Agência Interna-
agregado é de especial interesse para o produtor        cional de Energia Nuclear (IAEA), vários requisitos
ou distribuidor do alimento e é calculado com           de segurança intrínsecos de projeto da instalação e
base no aumento da vida útil do alimento, ou            de operação devem ser observados, especialmente
seja, quanto estoque deixou de ser perdido e no         para blindar a radiação da fonte nas áreas comuns
aumento do preço que novos mercados podem               e para evitar a entrada de pessoas no recinto de
proporcionar. Esse cálculo deve considerar a taxa       irradiação durante operação e a consequente
de venda do produto, sua variação sazonal e a           exposição a altos níveis de radiação (IAEA, 1992).
distribuição de probabilidade do tempo que o            Os irradiadores e aceleradores operam no interior
produto permanece sem degradação. No caso               de labirintos com blindagens densas e espessas
de tratamento de mangas com uma dose de 400             suficientes para não expor trabalhadores ou mem-
Gy, o custo de produção é em torno de US$18,00          bros do público a níveis de radiação superiores aos
por tonelada (SABATO et al., 2009).                     limites recomendados.


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Revista da      FAE


     Dentre as instalações não nucleares, os irra-       1.5 Regulação e fiscalização de instalações
diadores e os aceleradores de partículas com capa-            que irradiam alimentos
cidades para preservar alimentos ou esterilizar arti-
gos médicos são classificados como as instalações             As instalações estão sujeitas à legislação
de maior risco (IAEA, 2005). Já ocorreram aciden-        pertinente para obtenção de licenças. A fiscalização
tes graves em instalações deste tipo, ocasionados        é necessária para verificar se os itens de segurança
por falhas humanas decorrentes da pressão para           estão sendo obedecidos. Os requisitos atuais
se resolver problemas mecânicos no irradiador que        evoluíram conforme previsto por Oliveira (2000)
causavam a descontinuidade de produção. A fonte          com a publicação da Resolução nº 21/2001
de radiação é poderosa o suficiente para causar a        da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
síndrome aguda da radiação (SAR). Em 1991, ocor-         (Anvisa), que regula as atividades de irradiação de
reu um acidente em Nesvizh, Belarrúsia, quando           alimentos. Esta resolução permite que qualquer
o operador propositadamente corrompeu vários
                                                         alimento poderá ser tratado por radiação desde
dispositivos de segurança e intertravamentos de
                                                         que a dose máxima absorvida seja inferior àquela
um antigo irradiador usado para esterilização de
                                                         que comprometeria as propriedades funcionais ou
artigos médicos e entrou na câmara de irradiação
                                                         os atributos sensoriais do alimento. Exige também
para desemperrar a correia transportadora (IAEA,
                                                         que a embalagem contenha a informação:
1996). O operador permaneceu a 0,2 m da fonte
                                                         “Alimento tratado por processo de irradiação”.
Co-60 com 28,1 PBq de atividade por menos de
dois minutos e cerca de cinco minutos depois,            No caso de alimentos vendidos a granel, deve-
já sentia os efeitos da SAR, tais como vômitos e         se colocar uma faixa com a indicação citada.
dores no estômago, seguidos, após 50 minutos,            Pode-se também utilizar o símbolo internacional
de diarreia. Pela geometria de exposição e sinto-        correspondente (figura 01).
mas físicos, estimou-se que ele tivesse recebido                 FIGURA 01 - SÍMBOLO INTERNACIONAL DA
                                                                              IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS
uma dose letal superior a 10 Gy, necessitando de
cuidados médicos especializados emergenciais. A
análise deste e de outros acidentes que ocorreram
no passado serviram como base para modificações
no projeto de instalações deste tipo, de modo a
garantir que os princípios de redundância, defesa
em profundidade e independência de dispositivos
de segurança sejam obedecidos em qualquer caso.
     Sob o ponto de vista de proteção ambien-
tal, como a operação de irradiadores não gera
efluentes radioativos, não há impacto ambiental.
Também não gera rejeitos radioativos, pois as fon-
tes de Co-60 exauridas devem ser devolvidas ao                   FONTE:CAC (1991)

fabricante. O benefício ambiental está na redução
do uso de fumegantes nocivos. Mantendo-se os                 O licenciamento para garantir a proteção
controles exigidos, a etapa de maior risco radioló-      radiológica de trabalhadores e do público e a
gico durante a vida do irradiador é o carregamento       segurança das fontes de radiação é conduzido
das fontes de Co-60.                                     pela Comissão Nacional de Energia Nuclear
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 1-16, jul./dez. 2010                                                   |7
(CNEN). O licenciamento de instalações radiativas          A Organização Mundial de Comércio aponta
segue um conjunto de etapas consecutivas que          o Brasil como o quarto país em volume de
inicia com a aprovação do local da instalação         exportação de produtos agrícolas (WTO, 2008).
e segue até a retirada de operação, ao fim da         O Brasil é o terceiro país produtor de frutas, atrás
vida útil da instalação. O Ibama é o órgão que        da China e da Índia. Segundo o Instituto Brasileiro
realiza o licenciamento ambiental das instalações     de Frutas (IBRAF, 2009), em 2008 o Brasil exportou
que também segue etapas de autorizações               888 mil toneladas de frutas frescas, das 43 milhões
desde a aprovação do local. O funcionamento           de toneladas produzidas, com um decréscimo
de uma instalação para irradiação de alimentos        de 3,3% em relação a 2007. Neste período, a
depende ainda da obtenção do Alvará Sanitário         exportação de mangas aumentou ligeiramente,
e o cadastramento nos órgãos competentes do           mas a de papaias caiu.
Ministério da Saúde e Ministério da Agricultura.           Uma das restrições à exportação é, sem
Com todas as exigências dos vários órgãos do          dúvida, o custo do frete, que está relacionado ao
governo, o licenciamento pode durar pelo menos        tempo gasto em transporte. O frete aéreo é mais
2 anos. Durante o período de licenciamento,           caro que o marítimo e a tendência é que o custo do
várias atividades de desenvolvimento do mercado       frete aéreo aumente. A União Européia reconhece
poderiam ser realizadas, por exemplo, campanhas       que o transporte aéreo é um dos principais
de esclarecimento da população e abertura do          emissores de gases que causam o aquecimento
mercado exterior.                                     global e resolveu impor limitações e controles
                                                      baseados no princípio de que “o poluidor paga”
                                                      (EU, 2006). A preservação de manga e papaia com
1.6 Comércio internacional de alimentos
                                                      radiação triplica o tempo de vida útil da fruta,
      irradiados                                      chegando a 21 dias (CENA, 2007), o que viabiliza o
                                                      frete marítimo dessas frutas para alguns mercados
     A tecnologia de irradiação de alimentos para
sua preservação surgiu oportunamente como uma         mais distantes.
alternativa viável de tratamento para atender aos           Apesar do curto prazo para transporte e dis-
requisitos do Acordo na Aplicação de Medidas          tribuição para os consumidores, a União Européia
Sanitárias e Fitosanitárias da Organização Mundial    foi responsável por 72% das exportações brasilei-
do Comércio (WTO, 1995). Esse acordo considera        ras de mangas de janeiro a novembro de 2009,
as recomendações de organizações internacionais,      segundo dados disponíveis no sistema de análise
incluindo a Codex Alimentarius Commission que         das informações de comércio exterior via Internet
trata de irradiação de alimentos (CAC, 2003). A       (ALICEWeb) mantido pela Secretaria de Comércio
Convenção Internacional de Proteção a Plantas
                                                      Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimen-
(IPPC), cujo texto está disponível em www.fao.org/
                                                      to, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
Legal/TREATIES/004s-e.htm, tem como objetivo
assegurar a ação efetiva para prevenir a dissemina-        Entretanto, quando se considera o trata-
ção de pestes e doenças em plantas e produtos e       mento fitossanitário com radiação, nem todos
promover medidas apropriadas para seu controle.       os mercados aceitam os produtos irradiados tão
Dentre as recomendações desta Convenção estão         bem quanto os quase 50 países que já possuem
as diretrizes para o uso de irradiação como medida    regulamentação sobre o tema. Por exemplo, no
fitossanitária (ISPM, 2003).                          Parlamento Europeu, prevaleceu nas décadas pas-
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Revista da     FAE


sadas uma política de atraso e obstrução no uso de       o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares
qualquer tecnologia nuclear, o que contrastou com        (Ipen) e Centro de Desenvolvimento de Tecnologia
o crescente desenvolvimento americano, onde a            Nuclear (CDTN), assim como em algumas
preocupação com a saúde pública impulsionou              universidades. Algumas unidades de esterilização
a aceitação de produtos tratados com radiação            de artigos médicos por radiação existentes no Brasil
(DIEHL, 2002). Os requisitos americanos para im-         também irradiam, eventualmente, condimentos,
portação de produtos tratados com radiação são           atendendo parcialmente a esse mercado.
bastante rígidos e o processo de avaliação pode               As duas iniciativas recentes para irradiar ali-
levar anos. Mudanças estão sendo planejadas pelo         mentos em escala industrial no Brasil fracassaram
Departamento de Agricultura americano (GREEN,            em poucos anos. Na unidade instalada no Rio de
2008), o que irá reduzir o custo de controle sobre a     Janeiro, a causa provável foi a falência da empresa
irradiação para importação pelos Estados Unidos.         matriz americana SureBeam Corp.. Atualmente,
     Farkas (2006) apresenta um resumo do sta-           a unidade é operada por uma empresa nacional,
tus da irradiação de alimentos no mundo e prevê          Acelétrica Com. e Rep. Ltda.. Na unidade de Ma-
avanços na área com a formação de fóruns inter-          naus instalada pela TechIon Industrial Brasil Ltda.,
nacionais para reunir e disseminar informação,           uma ação na justiça decorrente de denúncia de
com base científica, sobre segurança e benefícios        má gestão do financiamento público suspendeu
da irradiação de alimentos. De acordo com o              a operação do irradiador. Em ambos os casos, a
estudo detalhado da situação da irradiação de            localização do serviço não é a ideal, por estarem
alimentos (KUMEA et al., 2009), a quantidade de          distantes dos mercados produtores de alimentos,
alimentos irradiados no mundo em 2005 foi de             e, portanto, os alimentos podem chegar para irra-
405 mil toneladas, com uma estimativa de cres-           diação já em deteriorização avançada. Atualmente,
cimento na Ásia.                                         uma empresa americana que controla totalmente
      Na América Latina, existem unidades indus-         uma subsidiária brasileira, Gamma - Serviços de
triais de irradiação na Argentina, Brasil, Chile,        Irradiação Ltda., está planejando implantar qua-
Cuba, México e Peru. A China tem 101 irradiadores        tro irradiadores no Nordeste, com possibilidade
e está construindo outros dez (WANG; ZHANG;              de expansão para oito unidades (SECUREFOODS,
PENG, 2008). Dos 25 irradiadores da Índia alguns         2009). Embora o nível de competitividade entre
são dedicados à exportação de alimentos. Após            empresas que irradiam alimentos ainda não seja
o governo dos EUA ter aprovado a importação              claro, a empresa americana informa ter obtido
de mangas indianas irradiadas, a tendência é de          os direitos sobre o uso exclusivo no Brasil de um
crescimento nessa área industrial (KOHLI, 2008).         tipo de tecnologia particularmente adequada para
                                                         irradiação de alimentos.

1.7 Irradiação de alimentos no Brasil
                                                         2    Resultados e discussão
     As pesquisas brasileiras na área de preservação
de alimentos vêm sendo conduzidas pela Empresa                Com base na investigação documental re-
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),           alizada e nas entrevistas semi-estruturadas com
Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/          especialistas dos vários setores envolvidos, existem
USP) e por outros institutos de pesquisa como            evidências de que o Brasil possui conhecimento
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 1-16, jul./dez. 2010                                                   |9
acumulado sobre o que é necessário para o uso                e etiquetagem, além de consultoria em
em escala da preservação de alimentos por irra-              certificação para exportação. A gestão
diação (CENA, 2007). Além disso, possui excelente            dos riscos operacionais é fundamental para
infraestrutura em equipamentos e competência                 prevenir contingências e interrupções de
técnica para pesquisa e desenvolvimento da                   fornecimento e para correta definição de
técnica. Os empresários interessados podem se                preço do serviço (WIELAND; DEL MASTRO,
                                                             2008).
beneficiar dessa vantagem e focar os esforços na
produção, aproveitando ao máximo a capacidade              b) Mercado interno – A desmistificação sobre
do equipamento e, assim, aumentando o retorno                 alimentos irradiados deve ser feita em ca-
                                                              nais de comunicação que atinjam a popula-
do investimento. Está prevista a construção de
                                                              ção consumidora, a cadeia de fornecedores
vários irradiadores de alimentos no Nordeste.
                                                              e de distribuidores.
Entretanto, sem uma política de desenvolvimen-
                                                           c) Exportação – Para a exportação dos pro-
to de infraestrutura de transportes, exportação
                                                              dutos tratados com radiação sugere-se
e programa e aceitação de produtos irradiados,
                                                              divulgar no exterior uma marca que sim-
além da simplificação da regulação e do apoio
                                                              bolize a qualidade dos produtos tratados
do Ministério da Agricultura, a produção não irá
                                                              brasileiros, além de esclarecer os produ-
escoar para os mercados consumidores a preços                 tores agrícolas a respeito das exigências
acessíveis.                                                   dos diversos mercados. A certificação pelo
     A investigação das possíveis causas do atraso            Instituto Nacional de Metrologia, Normali-
no desenvolvimento industrial do tratamento de                zação e Qualidade Industrial (Inmetro) da
alimentos com radiação no país revela a necessi-              conformação com critérios de qualidade e
dade de agir de modo integrado especialmente                  fitossanitários é de suma importância para
nas seguintes áreas (quadro 01):                              a plena aceitação dos produtos. Souza e
                                                              Amato Neto (2009) analisaram a inserção
        a) Gestão Industrial - A ação de melhorias
                                                              de mangas e uvas nos mercados inglês e
           deve-se dar, preferencialmente, por meio
                                                              alemão e ressaltam a importância da aná-
           de alianças estratégicas entre os diversos
                                                              lise e distinção da estrutura da cadeia de
           atores envolvidos, incluindo associação de
                                                              valor para cada mercado alvo para garantir
           produtores e cooperativas, processadores,
                                                              maior vantagem competitiva.
           exportadores, distribuidores, bancos fi-
           nanciadores, Instituto Brasileiro de Frutas     d) Educação agrícola – As informações sobre
           (Ibraf), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro     a irradiação de alimentos são publicadas
           e Pequenas Empresas (Sebrae), empresas            em revistas científicas ou limitadas aos
           de logística e institutos de pesquisa. Em         centros de pesquisa. Sugere-se que o tema
           se tratando de uma indústria em fase de           seja divulgado adequadamente nos meios
           crescimento no Brasil, é desejável que esta       educacionais de nível médio e superior e
           forneça assistência aos clientes, a exemplo       tratado como uma realidade economica-
           do que faz a empresa mexicana Benebión            mente competitiva.
           (www.phytosan.com). Esse apoio poderia          e) Financiamento – o empreendimento é ca-
           ser em controle de qualidade da produção           pital intensivo e já houve casos de fracasso
           do alimento, preenchimento dos requisi-            para implantação desta indústria no país,
           tos regulatórios, serviços de transporte,          mesmo com a disponibilidade de financia-
           embalagem, armazenagem intermediária               mento público. A sustentabilidade do ne-
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Revista da             FAE


           gócio não deveria ser comprometida pela                                       realizar mais rapidamente as avaliações de
           má gestão deste tipo de empreendimento,                                       risco necessárias ao processo de tomada
           o que pode impactar negativamente na                                          de decisão em regulação na área de agri-
           reputação do setor nuclear como um todo.                                      cultura, as instituições especializadas, por
       f) Licenciamento - os órgãos governamentais                                       exemplo, a Embrapa ou o Cena, poderiam
          envolvidos, Ministério da Agricultura, se-                                     ser contatadas.
          cretaria estadual e municipal relacionados                                  g) Apoio governamental – vários órgãos do
          ao agronegócio, Ibama e órgãos seccionais,                                    governo estão envolvidos no agronegócio.
          Anvisa e VISAs e CNEN, deveriam tentar                                        O sucesso do empreendimento depende
          simplificar a regulação através de acordo de                                  essencialmente da política governamental
          mútua cooperação, evitando duplicidade                                        favorável à exportação de alimentos.
          de esforços, atrasos e a criação de monopó-
          lios, por dificultar a livre competição. Para

QUADRO 02 - OPORTUNIDADES DE MELHORIAS EM IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS, VISANDO A EXPORTAÇÃO
                     Área                                                          Oportunidades de melhorias
                                                  - Análise e integração dos vários aspectos de gestão industrial para tomada de decisão sobre o
                                                    investimento.
                                                  - Definição da localização e dimensionamento da capacidade de produção.
                                                  - Padronização de parâmetros de irradiação com a elaboração de um manual com as
                                                    faixas de dose e condições de irradiação para os diversos alimentos e flexibilidade para
 a) Gestão industrial do serviço de
                                                    aprimoramentos.
    tratamento com radiação
                                                  - Otimização do tempo de preparação para irradiar diferentes alimentos e programação
                                                    sazonal.
                                                  - Avaliação de riscos.
                                                  - Gestão de alianças estratégicas.
                                                  - Assistência a clientes.
                                                  - Programa de esclarecimento sobre as vantagens dos alimentos tratados com radiação nos
 b) Mercado interno
                                                    grandes canais de comunicação.
                                                  - Atendimentos aos requisitos técnicos, comerciais e da vigilância sanitária dos mercados
                                                    recebedores.
                                                  - Obtenção da certificação da qualidade para a aceitação dos produtos no mercado
 c) Exportação de produtos irradiados
                                                    internacional.
                                                  - Marketing internacional.
                                                  - Divulgação dos benefícios da técnica entre os empresários do agronegócio e exportadores.
                                                  - Maior ênfase do tema nos currículos educacionais de nível médio e superior das escolas
                                                    de tecnologia agrícola e de alimentos, não como uma tecnologia nova, mas como um
 d) Educação agrícola                               procedimento viável.
                                                  - Divulgação das vantagens do tratamento de produtos com radiação pela imprensa
                                                    especializada no agronegócio e demonstrada em feiras e exposições da agroindústria.
                                                  Abertura de crédito para financiamento do empreendimento a cooperativas com dispositivos
 e) Financiamento
                                                  que garantam a longevidade e segurança da instalação.
                                                  - Acordo entre os vários órgãos do governo para agilizar e evitar a duplicação de esforços
 f) Licenciamento                                   e exigências desnecessárias uma vez atendidas as condições de segurança radiológica,
                                                    ambiental e alimentar.
                                                  - Concentração dos esforços das áreas de indústria e comércio e de relações exteriores para
                                                    divulgar e facilitar as exportações.
 g) Apoio governamental
                                                  - Apoio às iniciativas dos estados e municípios para melhoria das vias vicinais de escoamento
                                                    da produção.
FONTE: Os autores (2010)



Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 1-16, jul./dez. 2010                                                                                         |11
Conclusões                                                   Destaca-se a importância do apoio gover-
                                                       namental para divulgar as vantagens da técnica,
     Este trabalho contribui para o desenvolvimen-     facilitar o comércio de alimentos tratados com
                                                       radiação e atualizar os currículos educacionais de
to da indústria de preservação de alimentos com
                                                       escolas agrícolas.
radiação ionizante, fornecendo uma visão abran-
gente e multidisciplinar da questão, e indicando            A preservação de alimentos com radiação é
linhas de ação, calcadas na proposta de alianças       uma técnica bem conhecida pelos pesquisadores
estratégicas e acordos de cooperação, tanto para       da área nuclear, entretanto, não tão divulgada no
acessar e conquistar o mercado interno quanto          agro-negócio. Sugere-se como futuro desenvol-
para o desenvolvimento do comércio exterior.           vimento da área que as atividades de irradiação
                                                       de alimentos seja levada intensivamente a feiras
     Para uma efetiva promoção da conservação de
                                                       e exposições agroindustriais. Futuras pesquisas
alimentos por radiação, a análise das informações
                                                       poderiam ser realizadas para a redução de custo
levantadas sugere que a indústria deve tratar os
                                                       de produção, relacionadas ao desenvolvimento de
vários aspectos técnicos, empresariais, econômicos
                                                       irradiadores e aceleradores nacionais e a simplifi-
e ambientais de forma integrada e coordenada,
                                                       cação de critérios regulatórios, visando à redução
considerando estrategicamente a formação de
                                                       do tempo de obtenção de licenças. O mercado
alianças tanto com entidades relacionadas à sua
                                                       alvo para a exportação de alimentos tratados com
cadeia de suprimentos, quanto com instituições de
                                                       radiação deve ser avaliado em termos de gover-
ensino e pesquisa. As associações de produtores e
                                                       nança do comércio, beneficiando-se da comple-
distribuidores, cooperativas agrícolas e industriais
                                                       mentariedade sazonal da produção agroindustrial
interessados devem focar os esforços na gestão
                                                       de frutas tropicais com outros exportadores, tais
industrial e otimizar a utilização das instalações
                                                       como Índia e México.
e a logística de suprimentos, escoamento e
distribuição da produção.
    O quadro 02 sintetiza as principais ações
propostas em gestão industrial do serviço de tra-
tamento com radiação, desenvolvimento do mer-
cado interno, exportação de produtos irradiados,                                      • Recebido em: 23/07/2010
                                                                                      • Aprovado em: 13/10/2010
educação agrícola, financiamento, licenciamento
e apoio governamental.




 12 |
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V.13 02 2010
Revista da         FAE

O treinamento experiencial e sua aplicação no contexto
corporativo: estudo comparativo entre programas de
treinamento realizados nos Estados Unidos e no Brasil

The experiential training and its corporate context application:
comparative study between training programs in the United
States and Brazil
Resumo                                                                                 Zélia Miranda Kilimnik*
                                                                                       Eder Menezes Reis**
As corporações têm passado por períodos contemporâneos de mudanças e
desafios que as têm levado a adotar ações gerenciais diversas para incremento
no resultado financeiro, na manutenção do resultado financeiro alcançado ou
à sua sobrevivência no mercado. Em escalas diferenciadas e de acordo com
o porte e a cultura, as empresas têm se preocupado com o capital intelectual
dos empregados, apostando no valor intangível das suas organizações. Este
artigo investiga uma opção ao treinamento comportamental tradicional,
avaliando a eficácia, de forma comparativa, da utilização do treinamento
experiencial no contexto corporativo. Foi realizada uma pesquisa qualitativa e
quantitativa, envolvendo diversas técnicas, tais como observação, entrevistas
e questionário de avaliação de efetividade do treinamento (Ropeloc), que
foi aplicado aos funcionários de uma empresa contratante do treinamento
experiencial situada em Huston, Estados Unidos, e em outra situada em
Belo Horizonte, Brasil. Os resultados indicam melhor aproveitamento do
treinamento aplicado no Brasil, sendo que os itens que apresentam melhor
desempenho com a aplicação da metodologia de treinamento experiencial são
busca pela qualidade, pensamento aberto, liderança e lidar com mudanças.
Esses resultados surpreendem, dada a melhor infraestrutura da organização
estudada nos Estados Unidos e seus maiores cuidados com a segurança no
que se refere aos equipamentos utilizados.
Palavras-chave: treinamento comportamental; treinamento experiencial;
metodologia de treinamento experiencial.

Abstract
Corporations have gone through periods of contemporary changes and
challenges that have led then to adopt management actions to increase in
financial results, maintenance of the achieved financial results and their own
survival in the market. In different scales and according to their size and culture,
business has been concerned with the intellectual capital of its employees by
focusing on intangible value of their organizations. This study investigates
an option to traditional behavioral training, evaluating the effectiveness of
a comparative analysis of the use of experiential training in the corporate
context. We performed a qualitative and quantitative research, involving
several techniques such as observation, interviews and a questionnaire on the
                                                                                       *  Doutora em Administração pela
effectiveness of training (ROPELOC), which was applied on the employees of a
                                                                                          Universidade Federal de Minas
contractor of experiential training based in Huston, United States of America
                                                                                          Gerais. Professora na Fundação
and another, located in Belo Horizonte, Brazil. The results show a better use of
                                                                                          Mineira de Educação e Cultura.
applied training in Brazil, and the items that perform better in the application
                                                                                       ** Mestre em Administração pela
of experiential training methodology is the search for quality, open thinking,
                                                                                          Fundação Mineira de Educação e
leadership and dealing with the changes. These results are surprising, given
                                                                                          cultura. Gerente de Fábrica da DSI
the best infrastructure of the organization studied in the United States and
                                                                                          Fosminas (Multinacional ligada a
its better care of safety concerning to equipments used.
                                                                                          mineração). E-mail: ederynca@
Keywords: behavioral training; experiential training; experiential training               yahoo.com.br
methodology.

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010                                                                  |17
Introdução                                            nas modalidades low ropes (cordas baixas) e high
                                                      ropes (cordas altas). Esses termos são utilizados
     Em 1920, a primeira escola que enfocou           nos Estados Unidos para definir os níveis de difi-
responsabilidade, igualdade, justiça social, res-     culdade aos quais as pessoas são expostas.
peito e serviço comunitário surgiu na Alemanha,            Low ropes são atividades aplicadas no solo ou
com o primeiro trabalho realizado por Kurt Hahn       bem próximas a ele, com a função de integração
(educador e filósofo alemão) atuando com edu-         das pessoas que estão em treinamento e também
cação inovativa praticada ao ar livre. Na época,      para que o facilitador avalie o nível de coesão,
as atividades físicas ao ar livre já tinham caráter   comprometimento, envolvimento e auto-suporte
colaborativo.                                         entre os participantes, visando à proposição de
      De acordo com Hammerman (1980), os pri-         forma progressiva de atividades mais desafiadoras
meiros programas de treinamento experiencial ao       para os grupos, nos equipamentos de high ropes,
ar livre em áreas de camping nos Estados Unidos       que geralmente são acessíveis por paredões de es-
começam em 1930. Em 1976, surge a Associa-            calada, escadas e postes inclinados. As atividades
ção para a Educação Experiencial, referindo-se        chamadas high ropes elevam o nível de estresse
ao aprendizado ao ar livre como uma forma de          por estarem posicionadas geralmente a oito, nove
educação experiencial. A indústria de construção      ou mais metros do solo, tornando a percepção
de challenge courses (percursos de desafio), que      de risco maior. São utilizados equipamentos de
são áreas de treinamento ao ar livre compostas        segurança, cordas, cabos de aço, cinturões etc.
de diversos equipamentos, onde acontecem ativi-            As atividades fora do solo podem ser pratica-
dades relacionadas à educação experiencial, teve      das por uma, duas ou mais pessoas, dependendo
crescimento acentuado na década de 1990 e o           do equipamento e de sua configuração. Quando
número de consultores que proviam essa moda-          os equipamentos estão isolados, são chamados
lidade de treinamento também acompanhou esse          por nomes próprios, mas se são utilizados em área
crescimento.                                          próxima ou estão em configuração sequenciada,
     Attarian (2001) afirma que se, em 1992,          são chamados de challenge courses (percursos
havia 300 áreas de treinamento ao ar livre nos        de desafio).
Estados Unidos, em 2001, eram mais de 15 000               A partir do início dos anos 1990, técnicas e
em operação. O governo norte-americano, até os        equipamentos de esportes e atividades não-con-
dias atuais, não regulamentou essas atividades,       vencionais praticados ao ar livre, como escalada
propiciando que a iniciativa privada crie padrões     em rocha, rapel, arvorismo e atividades no solo,
para construção, operação, manutenção e geren-        têm sido utilizados em treinamentos comporta-
ciamento relacionados a essas atividades.             mentais corporativos experienciais, com a fina-
     No Brasil, o Treinamento Experiencial ao Ar      lidade de desenvolver determinadas habilidades
Livre – TEAL – ocorreu pela primeira vez em maio      (liderança, superação de obstáculos, trabalho em
de 1992, em uma área em Teresópolis, Rio de Ja-       time, entre outros), em grupos de trabalho, visan-
neiro, sendo organizado pela Dinsmore Associats       do ao melhor desempenho nas atividades corpo-
e pela empresa americana Pro Action, usando           rativas. Unir as pessoas em torno de uma tarefa,
técnicas desenvolvidas por eles, de acordo com        na qual é esperado que elas atinjam um objetivo
o modelo americano de treinamento ao ar livre         com esforço mútuo, ou expor cada indivíduo a
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Revista da     FAE


situações nas quais a superação de obstáculos             própria. Já outras optam por alugar esse espaço
será incentivada pelo grupo são exemplos de ob-           e utilizar equipamentos próprios. Foi também
jetivos de uma gama de propostas de treinamento           percebido que empresas menores e consultores
que buscam conciliar objetivos e atividades para          adquiriram o hábito de alugar áreas naturais para
gerar um ciclo de aprendizado vivencial dirigido          treinamentos e contratar serviços, tais como o
à proposta do treinamento.                                equipamento de empresa terceira.
     No contexto norte-americano, a padroniza-                 Também foi verificado que é comum que
ção foi fruto da possibilidade de embargo gover-          empresas de ecoturismo expandam suas ativida-
namental às atividades, caso a falta do padrão            des, oferecendo treinamentos experienciais por já
causasse acidentes aos praticantes. Dessa padro-          possuírem área natural e equipamento, mesmo
nização surgiu a Association of chalenge courses          que não possuam capacidade técnica tanto de
tecnology – (ACCT) – Associação para tecnologia           aplicação do treinamento quanto de manuten-
dos percursos de desafio. Atualmente, essa enti-          ção e lida com os treinandos. Essas empresas de
dade é responsável pela criação, pela divulgação          ecoturismo abordam o foco mais recreativo, seu
e pela revisão dos padrões que são utilizados             negócio original, na utilização da vivência obtida
pelas empresas que operam, constroem e que                nas atividades ao ar livre refletidas no treinamento
dão manutenção e suporte. A associação, por sua           organizacional, ao contrário do que ocorre nos Es-
vez, é ligada ao Instituto Nacional Americano de          tados Unidos, de acordo a percepção deste autor,
Padrões – ANSI –, que é responsável por atualizar e       que teve a oportunidade de fazer treinamentos e
divulgar as normas referentes às atividades de pa-        estágios naquele país.
dronização em diversos segmentos das atividades                As maiores empresas mineiras não são muito
industriais, comerciais e de engenharia, visando à        receptivas quando são abordadas sobre a possibili-
segurança para os produtos e para os usuários. O          dade de abertura para um trabalho acadêmico, te-
ANSI desenvolve trabalhos similares aos realizados        mendo o plágio de suas atividades. Seus dirigentes
pelo Instituto Nacional de Metrologia – INMETRO           não são claros quando são inquiridos sobre seus
–, que é o órgão brasileiro responsável pela pa-          métodos e suas principais atividades específicas de
dronização e pela normalização.                           treinamento, descartando a possibilidade de um
     Com o intuito de obter informações relevan-          estudo, sob a alegação de que pessoas externas
tes sobre o treinamento experiencial, obtivemos,          à organização podem criar uma empresa similar,
por meio de entrevista com empresas e com con-            tornando-se concorrentes.
sultores que realizam treinamentos experienciais,              Justifica-se, assim, um estudo exploratório
no período de abril a junho de 2009, informações          em outro país, mais especificamente nos Estados
relevantes de como é esse mercado na realidade            Unidos, visando a obter conhecimento teórico e
local. Observa-se, assim, que, na grande Belo Hori-       prático sobre o tema, e trazê-lo para a realidade
zonte e regiões próximas, existem várias empresas         local, colaborando para a melhoria do conteúdo
que oferecem essa modalidade de treinamento,              dessas atividades com foco corporativo. Os pro-
com grande diversidade de propostas, em ter-              cedimentos de segurança e de organização deve-
mos de duração e de custos. Algumas empresas              rão somar valor para as prestadoras de serviço,
dispõem de toda a estrutura necessária, como:             gerando boas práticas no manuseio e na estoca-
recursos humanos, equipamentos e área natural             gem dos seus equipamentos. Adicionalmente, as
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010                                                  |19
atividades de ecoturismo poderão potencializar        do por obstáculos naturais. De fato, o ambiente
suas atividades por meio da melhoria qualitativa      ao ar livre tem longa história por prover espaços
dos processos internos.                               especiais para que o indivíduo aprenda, de modo
     As corporações contratantes do treinamento       profundo, sobre si mesmo e sobre sua interação
experiencial ao ar livre poderão também avaliar as    social com os outros.
etapas das atividades, baseando-se nas teorias e      FIGURA 01 - A ÁRVORE DA EDUCAÇÃO AO AR LIVRE
conhecendo a fundamentação dos processos do
treinamento. Devido ao fato de o treinamento
experiencial ser utilizado geralmente para reforçar
a missão da empresa ou para modificar compor-
tamentos inadequados à realidade corporativa,
este estudo dará subsídios para que a corporação
obtenha o resultado esperado nessa modalidade
de treinamento. Ou seja, para que o treinamento
torne-se efetivo e não resulte apenas em horas
de lazer.
     Este trabalho teve como objetivo gerar
conhecimentos, colaborando com empresas,
consultores, prestadores de serviço e corporação
contratante, disponibilizando, de forma mais
aprofundada, os fundamentos da atividade de
treinamento ao ar livre e da educação experiencial.   FONTE: Adaptado de Priest e Gass (1983)

                                                            De acordo com Priest e Gass (1983), ilustrado
Teoria da educação ao ar livre                        em seu modelo chamado “árvore da educação ao
                                                      ar livre”, na qual, em sua base (as raízes), estão
     Segundo Barros (2000), Outdoor Education         cognição, afetividade e movimentos como gran-
ou Educação ao Ar Livre é uma vivência edu-           des grupos, e sons, intuição, tato, gosto, visão
cacional que faz uso de desafios presentes em         e olfato são alusivamente relacionados com a
áreas naturais como metodologia educativa. A          essência humana, que deve ser aprimorada pelo
Educação ao Ar Livre é um método de aprendi-          treinamento ao ar livre. Logo acima das raízes,
zagem experiencial que utiliza todos os sentidos      o tronco simboliza a educação ao ar livre como
de uma pessoa, ocorrendo principalmente pela          grande suporte ao ser humano em seu processo
exposição do aluno ou do visitante a ambientes        de treinamento. Mais acima, o frondoso tronco se
naturais. De acordo com Neill (2003), a utilização    desdobra em duas partes, duas vertentes: uma é a
                                                      educação por meio da aventura em áreas abertas
das atividades ao ar livre para fins educativos
                                                      e a outra é a vertente para a educação ambiental.
envolve aventura para propiciar crescimento pes-
                                                      Já os galhos simbolizam as relações intrapessoais
soal, sob a orientação de um instrutor ou líder. Os
                                                      e interpessoais, as relações com os ecossistemas
ambientes de aprendizagem ao ar livre são mais
                                                      e as relações do homem com as ciências da terra.
que uma “sala de aula ao ar livre”, uma vasta área    Nos galhos, também está o processo de aprendi-
de diversão ou um campo de batalha entremea-          zado experiencial.
 20 |
Revista da      FAE


     Beard e Wilson (2002) criaram um modelo no           Na verdade, o primeiro grupo está relacionado
qual incorporaram muitos outros elementos psico-          à área física, ao ambiente onde acontecerá o
lógicos, educacionais, experimentais e específicos        treinamento e a qual atividade será proposta
da educação ao ar livre. Esse modelo, o cadeado           como formato do treinamento. Os sensores estão
de segredo da aprendizagem, faz referência ao             descritos no segundo grupo considerando-se a
sistema de travamento e abertura dos cofres, no           comunicação por meio dos sentidos. Os olhos, os
qual existem engrenagens contendo inúmeros                ouvidos, a boca, o nariz, os nervos e a racionali-
dentes. A combinação desses dentes resultará              dade. Os sensores são responsáveis pela ligação
em processos de aprendizagem. Quando se posi-             entre o ambiente externo e o interno, por meio dos
ciona os dentes na primeira engrenagem, está se           sentidos, da percepção e dos sentimentos. Esta é
fazendo a seleção do ambiente de aprendizagem             considerada uma engrenagem-chave, à qual se
e, consequentemente, todas as engrenagens se-             deve dedicar tempo para fazer a ligação correta
guintes podem ser colocadas em qualquer posição           entre ambiente interno e externo.
desejada. São três grandes grupos de engrena-                 O ambiente interno é o maior grupo, com-
gens: Ambiente externo, Sensores e Ambiente               posto de três engrenagens, sendo elas:
interno, sendo que cada engrenagem representa                 a) Emoções no aprendizado; agressão, medo,
um subgrupo específico e cada dente dela é um                    esperança, tédio, alegria, tristeza.
componente variante.
                                                              b) Inteligências estimuladas; lógica, verbal,
FIGURA 02 - O CADEADO DE SEGREDO DA APRENDIZAGEM
                                                                 corporal, musical, espacial e interpessoal.
                                                              c) Aprendizado e mudança; emergente, sem
                                                                 modificação, participativa, pragmatista,
                                                                 aprendizagem simultânea, aprendizagem
                                                                 contínua.
                                                               Há um mecanismo adicional para que essas
                                                          engrenagens sejam movidas. Trata-se de um
                                                          eixo central que conecta todas as engrenagens e
                                                          permite a combinação ou o arranjo comutativo. A
FONTE: Beard e Wilson (2002)                              linha central do mecanismo do cofre é manuseada
                                                          para atingir uma combinação que o abra, por
                                                          meio da seleção das engrenagens e dos dentes.
     No primeiro grande grupo, a primeira engre-
                                                          Simbolicamente, é o dispositivo que possibilita
nagem, chamada de Ambiente Externo, é relacio-
                                                          o arranjo correto entre os grandes grupos,
nada aos fatores do ambiente, melhor dizendo,
                                                          subgrupos e itens para obter a correta combinação
o “ambiente do aprendizado”, sendo ele descrito
                                                          entre o primeiro grande grupo, o ambiente
como: salas de conferência, salas de relaxamen-
                                                          externo e os demais grupos, subgrupos e itens.
to, ao ar livre, computadores, cafés, aprendizado
virtual, teatros. Também nesse grande grupo, a
segunda engrenagem é denominada “atividades
de aprendizagem”, que se considera a solução
de problemas, desafios, mentalização, sinestesia,
aprendizagem colaborativa, realidade simulada.
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010                                                 |21
Educação experiencial                                                 apresentamos, as saídas de campo ocorrem em
                                                                      grupos pequenos, com no máximo doze integran-
     De acordo com Ewert, Baker e Bissix1 (2004                       tes. A diversidade é o fator de enriquecimento da
apud BARROS, 2000), a Educação Experiencial                           aprendizagem, tão importante quanto a inclusão
é uma forte ferramenta da promoção de com-                            social e a heterogeneidade. Mas não apenas esses
portamentos ambientalmente corretos, em três                          valores são estimulados. Também o mesmo autor
esferas: a construção da consciência ambiental;                       destaca: o educador tem como tarefa básica aju-
a formação de atitude; e a capacitação. Nas vi-                       dar os alunos a superar medos e descobrir que
vências da Educação ao Ar Livre, a sala de aula                       têm muito mais dentro deles do que imaginam.
deixa de ser entre quatro paredes e passa a ser o
                                                                           Sauvé (1997) também contribui para a edu-
ambiente natural.
                                                                      cação experiencial quando afirma que o meio
     Em 1941, a Outward Bound2 foi fundada                            ambiente possibilita o aprendizado experiencial,
por Kurt Hahn3. Sua criação deveu-se à morte                          tornando-se o meio de aprendizado. Beard e Wilson
de marinheiros da marinha mercantil em barcos                         (2002) buscam demonstrar o processo que dá senti-
salva-vidas quando seus navios eram afundados                         do à conexão entre o mundo interno da pessoa e o
no Atlântico Norte pelas forças navais alemãs. O                      mundo externo. O autor demonstra em seu modelo
programa tinha como filosofia que o caráter do                        que a interação entre esses dois mundos dá origem
indivíduo é “lapidado”, pois ao encarar desafios                      ao aprendizado experiencial. Afirma também que
em ambiente natural, ele constrói o senso de au-                      a transferência da aprendizagem para um novo
tovalorização, o grupo aumenta sua consciência                        contexto ocorre devido a uma sequência, sendo
da interdependência humana e todos adquirem                           que a primeira fase é a experiência, quando a pes-
mais envolvimento com a atividade.                                    soa é exposta a regras, seguida do ato de realizar
     É impressionante como os princípios e visões                     alguma tarefa como parte operativa da experiência
são ainda contemporâneos e vão ao encontro                            planejada, sendo que a reflexão e a interpretação
de nossa sociedade atual e futura. Flavin (1996)                      relacionadas à ação são itens do aprendizado vi-
afirma que os princípios da escola de Salém4,                         vencial. Gilbertson et al. (2005) advoga a favor da
aqueles originários da Outward Bound, advogam                         educação experiencial como precursora das ativi-
que a aprendizagem funciona melhor em peque-                          dades de educação ao ar livre referindo-se a elas
nos grupos, nos quais existe confiança, e, como                       como habilidades físicas, educação por meio da
                                                                      aventura, crescimento interpessoal ou habilidades
                                                                      educacionais, ecoturismo, relações com a ecologia,
1
    EWERT, A.; BAKER, D.; BISSIX, G. Integrated resource              educação ambiental (formal) ou interpretativa (in-
    management: the human dimension. Cambridge, MA:
                                                                      formal). A aprendizagem pode ser definida como
    CABI Publishers, 2004.
                                                                      “uma modificação sistemática do comportamento,
2
    Expressão utilizada por marinheiros para descrever o
    momento em que o navio deixa o porto, levando a si e              por efeito da prática ou experiência, com um sen-
    sua tripulação para riscos desconhecidos e aventuras no           tido de progressiva adaptação ou ajustamento”
    mar aberto. Soltar as amarras das pessoas de seus abrigos
                                                                      (CAMPOS,1987, p.30).
    seguros do lar, da família e de rotinas familiares para crescer
    por meio de experiências não-familiares, de dificuldades e
    de aventuras.
3
    Educador nascido em 1886, em Berlim, na Alemanha.
4
    Localizada na cidade de Salém, oeste da Alemanha.

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Revista da     FAE


FIGURA 03 - INTERLIGAÇÕES DA EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL        riência (vivência) adquirida à reflexão de forma
                                                          estruturada por intermédio da educação expe-
                                                          riencial facilitada. A experiência e a reflexão são
                                                          vetores do aprendizado, de acordo com o ciclo
                                                          de dois estágios. Bacon (1987) propõe o Modelo
                                                          Metafórico, que consiste na experiência ao ar livre
                                                          seguida da reflexão, ou seja, a metáfora entre a
                                                          experiência e os fatos do dia a dia, fatos reais,
                                                          profissionais ou pessoais do participante.
                                                               A aprendizagem foi um item acrescido
                                                          ao modelo de dois estágios por intermédio
                                                          das pesquisas de Dewey (1971). A experiência
                                                          complementada pela reflexão relacionada à
                                                          vivencia conduzia ao aprendizado orientado pela
                                                          aplicação da experiência vivida.
FONTE: Gilbertson et al. (2005)
                                                               Juch (1983) coletou 17 ciclos de quatro
                                                          estágios na literatura como sendo base de várias
                                                          teorias relacionadas ao aprendizado experiencial,
Ciclos do aprendizado experiencial                        entre os quais ele destacou o ciclo de Kolb (1983,
                                                          p.4) como sendo o mais completo e que explica
     Os ciclos de aprendizagem experiencial são
                                                          melhor o ciclo de aprendizado experiencial.
modelos que tanto demonstram como o apren-
dizado é transferido da vivência (experiencial)           FIGURA 04 - CICLO DE QUATRO ESTÁGIOS

para a aplicabilidade prática, quanto auxiliam no
entendimento do treinamento baseado na expe-
riência e em programas de educação ao ar livre.
Esses ciclos variam de um a cinco estágios, que
são fases nas quais ocorre o aprendizado, sendo
que o ciclo de quatro estágios é o mais abordado
na literatura. De acordo com Kolb (1984), o ciclo
de um estágio considera a experiência (vivência)
como um estágio único e suficiente para o apren-
                                                          FONTE: Kolb (1983)
dizado. Kolb remonta ao ditado de Confúcio, que
afirma: “Diga-me, e eu esquecerei. Mostre-me e
me lembrarei. Envolva-me, e eu compreenderei”.
                                                          Metodologia
Kolb refere-se à experiência (vivência) como en-
volvimento, que, por ser um ciclo único, leva ao                Trata-se de uma pesquisa de natureza quan-
aprendizado.                                              titativa e qualitativa, envolvendo a utilização de
    O modelo de dois estágios complementa                 diversas técnicas, tais como observação, entrevis-
o primeiro modelo por adicionar a reflexão ao             tas e aplicação de questionários, tanto nos Estados
processo de aprendizagem, relacionando a expe-            Unidos quanto no Brasil.
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010                                                 |23
Inicialmente, foi realizado estudo exploratório       Cada fator é medido por três questões com-
em uma região geográfica que tem cultura de apli-       postas de escala Likert de oito pontos, das quais
cação dessa modalidade de treinamento empresa-          é tirada a média para se obter o escore. O estilo
rial, ou seja, nos Estados Unidos. Foi escolhida a      dos itens, assim como a escala de medição, deriva
região sul do estado do Texas, onde se concentra        do Questionário de Efetividade de Neill, Marsh e
o maior número de indústrias de construção de           Richards (1997), que tem sido amplamente utili-
equipamentos para essas atividades, além de áre-        zado na avaliação dos resultados dos programas
as de treinamento ao ar livre. Por consequência,        de formação experiencial.
nessa área estão diversas empresas que são res-
ponsáveis pela certificação de facilitadores, pela
construção de dispositivos e equipamentos e pela        População, amostra e coleta de dados.
manutenção das áreas de treinamento.
                                                            O estudo foi realizado em dois contextos
     Conforme mencionado, o instrumento para
coleta de dados foi o ROPELOC (NEILL; MARSH;            geográficos distintos, sendo que o primeiro a ser
RICHARDS, 1997). Essa ferramenta de avaliação do        pesquisado foi o da região de Houston, Texas,
programa de treinamento experiencial corporativo        em agosto de 2009. Na oportunidade, foram
é projetada para auxiliar a avaliação de programas      entrevistados um especialista e dois facilitado-
e desenvolvimento dos participantes. O instrumen-       res e foi aplicado um questionário (Ropeloc) em
to permite a mensuração, pré ou pós-treinamento,        amostra não-probabilística de 28 treinandos da
do impacto sobre uma variedade de qualidades            modalidade experiencial. O especialista e os faci-
pessoais, sociais e de trabalho que os programas
                                                        litadores eram funcionários de uma empresa que
de treinamento experiencial corporativo visam a
                                                        oferece treinamento experiencial para empresas,
melhorar. O conteúdo do instrumento é personali-
zável a partir de um conjunto de escalas predeter-      principalmente no âmbito da cidade de Houston
minadas. Os números advindos desse questionário         e proximidades.
possibilitam a análise das dimensões dos principais         O outro contexto foi o da cidade de Belo
domínios psicológico e comportamental nos níveis        Horizonte, Minas Gerais, no Brasil, no período de
pessoal, social e das relações de trabalho. Ele foi     novembro de 2009. Nesta ocasião, foram aplicados
projetado especificamente para ser sensível aos
                                                        28 questionários (Ropeloc) em treinandos. A
tipos de mudanças pessoais que podem ocorrer
                                                        empresa participante deste estudo e contratante
como resultado da participação em programas de
                                                        do treinamento experiencial é da área de vendas
intervenção baseados em vivência experiencial.
                                                        de bens de consumo de alto valor agregado
     O Ropeloc (questionário de efetividade)
                                                        e goza de grande conceito junto ao mercado
consiste de 39 itens e nas medidas de doze áreas
                                                        belo-horizontino em seu segmento. A amostra
específicas da eficácia pessoal, incluindo habi-
                                                        da população à qual foi aplicado o questionário
lidades pessoais (autoconfiança, autoeficácia,
                                                        (Ropeloc) foi propositadamente do mesmo
gerenciamento do estresse, pensamento aberto),
habilidades sociais (eficácia social, trabalho em       tamanho da amostra de Houston, sendo que se
equipe, liderança), competências organizacionais        procurou respeitar a mesma porcentagem entre
(gestão do tempo, busca pela qualidade, lidar com       membros dos sexos masculino e feminino.
mudanças).
 24 |
Revista da                     FAE


Tratamento estatístico dos dados                              Comparação entre programas realizados nos
                                                          Estados Unidos e no Brasil, com base nos fatores
      Os dados qualitativos obtidos na entrevista         do questionário Ropeloc
com o especialista tiveram por objetivo descrever
                                                               Partindo da análise dos dados primários
quais as principais atividades utilizadas no contex-
                                                          obtidos por meio do instrumento de pesquisa
to norte-americano e foi descrita no tópico 2.3.4.
                                                          Ropeloc referentes à avaliação pós-treinamento,
A mesma entrevista com esse especialista tam-             pode-se constatar que as três dimensões de análise
bém gerou outros dados que dizem respeito ao              (competências organizacionais, habilidades sociais
conteúdo técnico e organizativo relevantes dessa          e habilidades pessoais) apresentam diferenças
modalidade de treinamento, devido ao fato de o            significativas entre o contexto americano e o
especialista ser quem treinou e certificou vários         brasileiro, sendo que este apresentou valores
profissionais desta modalidade de treinamento.            mais elevados, de modo geral, indicando melhor
Após a entrevista com ele, foi gerado um roteiro de       resultado, segundo a percepção dos participantes,
entrevista semiestruturada para ser aplicado aos          todos eles líderes ou gerentes de empresas.
facilitadores, visando a verificar se os conteúdos
                                                               Pode-se perceber, no gráfico 01, que:
técnicos e organizativos eram realmente utilizados
                                                               – A dimensão comportamentos organizacio-
na prática do treinamento experiencial.
                                                                 nais apresenta diferença de 21,93% entre
      Já os questionários aplicados nos treinandos               os contextos, sendo favorável ao Brasil.
geraram dados quantitativos que foram analisa-
                                                               – Com diferença de 16,46%, percebe-se
dos por meio da estatística descritiva (média e
                                                                 que as habilidades sociais são mais bem-
percentual) e a comparação entre as médias foi
                                                                 trabalhadas no contexto brasileiro.
confirmada por intermédio do teste T-Student,
                                                               – Verificou-se também diferença sutil entre as
utilizando-se o programa Minitab para análise
                                                                 habilidades pessoais em favor ao contexto
quantitativa.
                                                                 brasileiro, de 16,38%.

                                                          GRÁFICO 01 - COMPARAÇÃO DAS DIMENSÕES DE ANÁLISE
Resultados da pesquisa                                                 RESULTANTES DO TREINAMENTO EXPERIENCIAL
                                                                       ENTRE ESTADOS UNIDOS E BRASIL
     Para o entendimento dos gráficos, ressaltamos
que se foi utilizada uma escala tipo Likert de 1 a 8               Comparação das dimensões de análise resultantes do treinamento experiencial
                                                                                        entre Estados unidos e Brasil
e que todos os resultados obtidos nesse intervalo
foram tratados estatisticamente, aplicando-se
                                                                          8
                                                                          7

cálculos das médias e comparação entre estas,                             6
                                                                          5
realizadas com o testes t em intervalo de confiança                       4
                                                                          3
de 95%. Os questionários aplicados geraram                                2

muitos dados de relevância à compreensão                                  1
                                                                               Comp. Organizacionais     Habilidades sociais:    Habilidades pessoais:

dos efeitos que a modalidade de treinamento                   Estados Unidos           5,226
                                                                                        6,98
                                                                                                                5,123
                                                                                                                6,44
                                                                                                                                         4,812
                                                                                                                                         6,122
                                                              Brasil
experiencial gera aos participantes e quais os itens
                                                          FONTE: Os autores (2009)
são mais relevantes por dimensão de análise e por
contexto.


Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010                                                                                          |25
Comparação entre os itens da dimensão de                GRÁFICO 02 - COMPARAÇÃO ENTRE OS ITENS DA DIMENSÃO
                                                                     DE ANÁLISE COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS
análise competências organizacionais
                                                               Comparação entre os itens da dimensão de análise COMPETÊNCIAS
                                                                                     ORGANIZACIONAIS
     Os dados demonstram que, nesta dimensão
de análise, os três itens tiveram valores mais altos
                                                                      8,00
                                                                      7,00

no contexto brasileiro, com variações em relação
                                                                      6,00
                                                                      5,00

ao contexto americano entre 15% e 31,50%,
                                                                      4,00
                                                                      3,00

passando por 16,46%, sendo demonstrado
                                                                      2,00
                                                                      1,00
                                                                               Busca pela qualidade   Lidar com mudanças     Gestão do tempo

que, no contexto brasileiro, de acordo com os               Estados Unidos             5,00                  5,37                 5,30
                                                            Brasil                     7,52                  6,92                 6,50
resultados, as competências organizacionais são
                                                        FONTE: Os autores (2009)
mais observadas.
     Dentro desses itens, a busca pela qualidade
se destacou devido à diferença de as médias com-        Comparação entre os itens da dimensão de
paradas estarem muito distantes. Verificando o          análise habilidades sociais
desvio-padrão do teste t, temos o valor de 2, 048,
o que explica que a média baixa aferida em desfa-            Observa-se que, de acordo com o resultado da
vor aos Estados Unidos deveu-se à dispersão dos         pesquisa realizada nos dois grupos dos contextos
valores colhidos nos questionários. Pode-se inferir,    americano e brasileiro, a capacidade de liderança
pela análise do gráfico, que, no contexto brasileiro,   se destaca no contexto brasileiro, com 25,88% de
a busca pela qualidade é mais intensa do que no         vantagem com relação ao contexto americano.
contexto americano. Além disso, de acordo com           O mesmo se percebe ao analisar o gráfico 03,
o autor do Ropeloc, a busca pela qualidade é o          ocorrendo aos itens trabalho em equipe e eficácia
desejo de obter o melhor resultado possível.            social, sendo respectivamente as diferenças de
     A segunda competência organizacional é             17,38% e 20,38%.
descrita como a capacidade de ser receptivo
às mudanças que podem ocorrer no ambiente               GRÁFICO 03 - COMPARAÇÃO ENTRE OS ITENS DA DIMENSÃO
da empresa. Verificou-se, então, que lidar com                       DE ANÁLISE HABILIDADES SOCIAIS
mudanças é mais efetivo, também, no contexto                            Comparação entre os itens da dimensão de análise
brasileiro. A gestão do tempo apresenta a menor                                  HABILIDADES SOCIAIS

diferença entre as médias nos dois contextos,                           8,00
                                                                        7,00
                                                                        6,00
sendo de 15% a diferença entre elas.                                    5,00
                                                                        4,00
                                                                        3,00
                                                                        2,00
                                                                        1,00
                                                                                   Liderança      Trabalho em   Eficácia social

                                                             Estados Unidos           5,11            5,25           5,01
                                                             Brasil                   7,18            6,64           6,64


                                                        FONTE: Os autores (2009)




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Revista da           FAE


Comparação entre os itens da dimensão de                                                        As características específicas de cada empre-
análise habilidades pessoais                                                              gado que é submetido à modalidade de treina-
                                                                                          mento experiencial devem ser consideradas para
     No que se refere às habilidades sociais, tem-se                                      que o programa de treinamento não incorra no
diferença muito significativa entre as médias rela-                                       erro de expor pessoas a um treinamento que
cionadas aos contextos estudados, especialmente                                           exija esforço físico ou emocional ao qual elas
no item pensamento aberto, sendo que 33,38%                                               possam apresentar restrições. Na entrevista com
é o percentual de diferença em favor do contexto                                          o especialista norte-americano, ficou claro que:
brasileiro. Contudo, são percebidos valores muito                                         “Antes de iniciar sua atividade é bom que você
próximos no item autoconfiança, sendo a diferen-                                          peça a uma pessoa por vez para segurar a corda
ça de apenas 4,25% entre os contextos. O teste t                                          e suportar seu próprio peso. Durante esse exer-
apontou diferença pouco significativa, afirmando                                          cício, você como facilitador pode observar quem
que as médias são iguais. As médias intermediá-                                           tem facilidade, quem tem dificuldade e quem não
rias são 14,5% e 13,38%, sendo representadas                                              se sente capaz. O facilitador deve, a partir dessa
simultaneamente no gráfico pela autoeficácia e                                            observação, pensar em alguma forma para que o
pelo gerenciamento do estresse.                                                           treinando participe do treinamento, mesmo que a
                                                                                          atividade apresente restrições por algum motivo,
GRÁFICO 04 - COMPARAÇÃO ENTRE OS ITENS DA DIMENSÃO
             DE ANÁLISE HABILIDADES PESSOAIS
                                                                                          físico ou emocional”5.
              Comparação entre os itens da dimensão de análise HABILIDADES                     Portanto, quando o especialista percebe,
                                        PESSOAIS
                                                                                          durante o treinamento, que alguém não tem ca-
                8,00
                7,00                                                                      pacidade física ou emocional para a participação
                6,00
                5,00
                4,00                                                                      nas atividades, o fato é indicador de que a fase de
                3,00
                2,00
                1,00
                                                                                          planejamento não foi eficaz e que expôs a pessoa
                        Pensamento      Autoeficácia   Ger. do estresse   Autoconfiança
     Estados Unidos        4,68             4,63             4,85             5,10        a um possível constrangimento perante os demais
                                                                                          empregados envolvidos no treinamento. Como
     Brasil                7,35             5,79             5,92             5,44


FONTE: Os autores (2009)                                                                  análise posterior, cabe, por parte dos responsáveis
                                                                                          pelo planejamento, averiguar se esse caso ocorreu
                                                                                          em treinamentos experienciais contratados. Na
Fatores que afetam o resultado do
                                                                                          eventualidade de isso ocorrer, deve-se entender
treinamento experiencial nos dois países                                                  a motivação que levou o empregado até o ponto
                                                                                          de ser excluído ou desempenhar papel secundário
      Alguns importantes aspectos com relação
                                                                                          no treinamento.
ao treinamento experiencial foram ressaltados
nas entrevistas e devem ser observados visando à                                              Compreender se o empregado participou
sua aplicação correta e à geração dos resultados                                          do treinamento sem ter condições físicas ou
esperados. As restrições quanto à condição física                                         emocionais por negligência própria ou se por
e emocional devem ser levadas em conta, logo no                                           medo de retaliação por parte dos superiores,
início do processo de planejamento do treinamen-                                          submetendo-se a uma condição desconfortável
to. Milkovick e Boudreau (2000) afirmam também                                            e de risco está ligada a cultura interna da corpo-
que a consideração das diferenças individuais ou
de características específicas de cada empregado                                          5
                                                                                              Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em Trinity, Texas,
contribui para a eficácia do treinamento.                                                     Estados Unidos em 23/07/2008.

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010                                                                                                    |27
ração. A corporação com perfil mais hostil pode      e especialistas, no período de abril a junho de
gerar no empregado este comportamento e é            2009, em Belo Horizonte, indicaram que o co-
função dos responsáveis pelo planejamento, que       nhecimento acerca da metodologia experiencial
devem, a partir desse diagnóstico, propor ações      de treinamento é limitado e que os proprietários
corretivas para planejamentos futuros de treina-     não são abertos para permitir um estudo mais
mento focando a cultura interna e a modalidade       aprofundado em suas organizações.
de treinamento experiencial.                              Uma explicação secundária para os melhores
                                                     resultados do treinamento experiencial obtidos
                                                     na coleta de dados realizada no Brasil relaciona-
Considerações Finais                                 se ao fato de que nos Estados Unidos, esse tipo
                                                     de atividade é muito utilizada com finalidades
     A comparação dos resultados entre o treina-     recreativas e comportamentais, para crianças
mento experiencial realizado no contexto norte-      e adolescentes, sendo que boa parte desse
-americano e o realizado no Brasil, na região de     público passa também, na vida adulta, por um
Belo Horizonte, demonstra que a aplicação dessa      treinamento experiencial com foco de treinamento
modalidade de treinamento para treinamentos          organizacional. Na fase adulta, não é uma
com finalidade de melhorar ou desenvolver com-       completa novidade participar de treinamentos
portamentos em equipes de trabalho é válida. E       experienciais, portanto a avaliação vai ser menos
os resultados apontam para o melhor aproveita-       movida pela emoção e encarada como uma
mento do treinamento aplicado no Brasil.             atividade de treinamento comum.
     A princípio, a explicação mais lógica, de           Os treinamentos muitas vezes são escolhidos em função
acordo com os resultados, para que o estudo no           das técnicas modernas, que por serem participativas,
                                                         vivenciais e lúdicas, fazem com que os participantes se
contexto brasileiro tenha encontrado melhores
                                                         envolvam e gostem muito das técnicas apresentadas.
médias é que, possivelmente, pode estar havendo          Estão classificados nesta categoria de treinamentos:
uma melhor absorção à metodologia em nosso               dinâmicas de grupo, auto-ajuda, treinamentos
país e que essa modalidade de treinamento está           vivenciais ao ar livre (teal, rafting, rapel, corrida de
sendo aplicada com excelência.                           kart, canoagem, sobrevivência na selva), programas
                                                         de aventuras (expedição ao deserto, caçada na África,
      Essa possível explicação pode, porém, ser          etc.), todos eles muito divertidos e emocionantes, mas
questionada, uma vez que alguns autores apon-            de resultado prático muito duvidoso para os negócios
tam para uma estrutura física mais adequada              (SIMÕES, 2009, p.2).
nos Estados Unidos do que no contexto brasilei-
                                                          O fator cultural também pode ser influenciador
ro. Attarian (2001) afirma que, em 1992, havia
                                                     do resultado gerando uma supervalorização desta
300 áreas de treinamento experiencial ao ar livre
                                                     atividade, mais relacionada aos seus aspectos
(challenge courses) nos Estados Unidos. Dinsmore
                                                     lúdicos do que aos pedagógicos. Borges-Andrade
(2004) afirma que, no Brasil, podemos considerar
                                                     e Abbad (1996) apontaram os riscos associados
que o marco inicial do treinamento experiencial ao
                                                     à importação de técnicas de treinamento sem
ar livre ocorreu em maio de 1992, em uma área de
                                                     a observância de determinados fatores que
Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro.
                                                     justamente resultar em um desvirtuamento de
     Outros fatos percebidos durante as entre-
                                                     sua real finalidade.
vistas preliminares realizadas com consultores
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Revista da        FAE


     Na fase de planejamento, o envolvimento dos          incipiente na região focada em nosso estudo.
responsáveis com os especialistas é fundamental                 São sugestões de estudos futuros que in-
para que o treinamento não seja um “pacote de             vestiguem:
treinamento” já padronizado para todo tipo de
                                                              – a utilização de novos instrumentos de cole-
empresa e para que tal pacote não desempenhe
                                                                ta de dados para avaliação de treinamentos
a função de uma panaceia para curar quaisquer
                                                                experienciais, com o intuito de aferir o
males (BORGES-ANDRADE; ABBAD,1996).
                                                                impacto dessa modalidade de treinamento;
     As principais limitações deste estudo devem-
                                                              – a relação entre cada comportamento que
se principalmente:
                                                                se pretende trabalhar e os equipamentos
       a) ao fato de ter sido pesquisada apenas uma             utilizados no treinamento experiencial;
          empresa contratante do treinamento expe-
                                                              – a padronização dos equipamentos e seus
          riencial, em ambos os contextos;
                                                                respectivos nomes;
       b) à não-aplicação prévia do questionário aos          – a aplicação do treinamento experiencial,
          participantes, tal como a aplicação ao final          abrangendo desde o levantamento das
          do treinamento;                                       necessidades de treinamento, planejamen-
       c) aos poucos estudos conduzidos no Brasil               to, execução e avaliação até a teoria e os
          relacionados ao treinamento experiencial;             equipamentos envolvidos na atividade no
       d) às empresas terem sido pouco receptivas               contexto brasileiro.
          à pesquisa.                                         – influência da variável gênero no que se
      O medo da crítica futura dos métodos de                   refere ao aproveitamento dos participantes,
cada empresa e a possibilidade de haver exposi-                 uma vez que que não foi abordada no
ção do seu nome no mercado foi também muito                     presente estudo.
evidente nas entrevistas. A dificuldade de falar
sobre autores correlatos ao tema deveu-se a dois
                                                                                       • Recebido em: 01/08/2010
fatores: número inexpressivo de publicações espe-                                      • Aprovado em: 05/11/2010
cializadas no país e carência da leitura em outro
idioma. Pesquisando sites de algumas empresas,
percebemos que quase todas apresentam conte-
údo similar e, quando comparadas a empresas
em outras regiões, vemos que uma imensidão de
equipamentos, métodos e procedimentos não são
utilizados e tampouco citados.
     As entidades normativas e de classe não são
citadas sob qualquer aspecto e há o desconhe-
cimento de empresas que constroem, treinam
e executam manutenção nessas áreas. A maior
“saia justa” ocorre quando as empresas são
perguntadas quanto ao modo como obtiveram
conhecimento para a organização das atividades,
demonstrando que a fundamentação teórica é
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010                                                   |29
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 30 |
Revista da         FAE


A importância dos sistemas de gestão da qualidade: Fmea e
Seis Sigma - uma abordagem teórica

Quality management sistems regard: Fmae and Six Sigma -
an theoric approach

                                                                                Elizabeth Giron Cima *
                                                                                Miguel Angel Uribe Opazo **
Resumo

Atualmente, mercados e clientes estão exigindo produtos e serviços mais
elaborados, fazendo com que as exigências em termos de qualidade
estejam sempre em um processo de evolução constante. É necessário
que os produtos e serviços comercializados tenham, não só, a qualidade
exigida pelos consumidores (usuários), como também, um custo mínimo
para as empresas. Com a globalização da economia, percebe-se a
disseminação de conceitos abordando a gestão da qualidade tais como:
Fmea e Seis Sigma, os quais abordam de maneira objetiva ações pró-
ativas buscando minimizar prejuízos causados por falhas e deficiências
muitas vezes irreversíveis no processo produtivo das empresas. Este artigo
buscou analisar a importância da aplicabilidade dos sistemas de gestão
da qualidade: Fmea e Seis Sigmas nos processos industriais e produtos
acabados.

Palavras-chave: gestão; qualidade; seis sigmas; indústria.




Abstract

Presently, markets and clients are requiring more work out in details of
products and services, getting the better of quality, requiring of industries
being working out doing the best constantly. It’s necessary that the
products and services sold get the quality that consumers (users) want, and,
minimize cost to companies. The economy globalization is broadcasting
quality management concept, like FMEA and SIX SIGMA, which approach
objectively actions that will minimizing damage caused by wrongs at             *  Mestre em Desenvolvimento
production process at industries. This article analysis how important is           Regional e Agronegócio pela
                                                                                   UNIOESTE. Professora do Instituto
the implement of quality management system: FMAE and SIX SIGMA into
                                                                                   Tecnológico e Educacional –
industrialization process.                                                         Faculdades ITECNE. Cascavel-PR
                                                                                   E-mail: egcima@bol.com.br
Keywords: management; quality; SIX SIGMA; industry.                             ** Doutor em Estatística, pela
                                                                                   Universidade de São Paulo - SP.
                                                                                   Professor Associado do Centro de
                                                                                   Ciências Exatas e Tecnológicas da
                                                                                   UNIOESTE. Cascavel - PR. E-mail:
                                                                                   mopazo@unioeste.br



Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 31-36, jul./dez. 2010                                                          |31
Introdução                                               O artigo está estruturado em cinco sessões.
                                                    Na primeira, encontra-se a introdução onde é
     Os sistemas de qualidade abordam aspectos      relatada a importância do sistema de gestão da
fundamentais de controles e ações de melhorias      qualidade. Na segunda sessão, apresenta-se a revi-
contínuas que agem na prevenção de eventos          são de literatura que contém os tópicos: definição
adversos que possam ocorrer durante o processo      importância e aplicabilidade da fmea; conceitos,
produtivo de determinados produtos (CIMA;           definições e importância do Seis Sigma. Na terceira
URIBE-OPAZO, 2009).                                 sessão apresentam-se a metodologia; Na quarta
                                                    sessão apresentam-se a análise e a discussão dos
     A produção de produtos e serviços com
                                                    resultados e na quinta sessão estão as considera-
qualidade não é uma tarefa fácil de ser conse-
                                                    ções finais.
guida. Faz-se necessário o desenvolvimento e
implantação de sistemas de gestão da qualidade
nas organizações para que se garanta o compro-
metimento de todos com objetivo de conquistar       1 Revisão de literatura
a excelência nos processos e produtos (PALADINI,
2005). Nesta perspectiva pode-se afirmar que o
avanço do conhecimento tecnológico, ou seja, do
saber fazer, está relacionado aos ganhos de pro-
                                                    1.1 Definição, importância e aplicabilidade
dutividade que definem o próprio conceito atual          da Fmea
do crescimento econômico. O efeito principal da
                                                         Técnica utilizada para definir e identificar
evolução dos padrões tecnológico é o de aumen-
                                                    problemas ou erros potenciais ou conhecidos de
tar a capacidade de produção da economia em
                                                    um sistema que pode ser projeto, processo e/ou
relação à quantidade de recursos humanos e de
                                                    serviço antes que eles cheguem ao usuário (cliente);
capital empregados (BATALHA, 2005). Nesta mes-
                                                    também conhecido como método analítico para
ma visão apresenta-se o conceito de FMEA (Failure
                                                    identificar e documentar de forma sistemática
Mode and Effect Analysis), como um método de
                                                    falhas em potencial em produtos ou processos.
análise de produtos ou processos o qual é usado
                                                    Esta dimensão da qualidade tem se tornado cada
para identificar os possíveis modos potenciais de
                                                    vez mais importante para os consumidores, pois
falha e determinar o efeito de cada uma sobre o
                                                    a falha de um produto causa, no mínimo, uma
desempenho do sistema (produto ou processo).
                                                    insatisfação ao consumidor ao privá-lo do uso do
A definição de cliente abordada pela Fmea, não é
                                                    produto por determinado tempo; Foi desenvolvida
simplesmente o usuário final, mas toda a cadeia
                                                    com um enfoque no projeto de novos produtos e
produtiva (desenvolvimento, produção, vendas e
                                                    processos, mas passou a ser utilizada para diminuir
logística), atua como apoio ao gerenciamento do
                                                    as falhas de produtos e processos existentes e para
processo (ROSA; GARRAFA, 2009).
                                                    diminuir a probabilidade de falha em processos
    Este artigo teve como objetivo demonstrar a     administrativos (FERNANDES, 2005).
importância dos sistemas de gestão da qualidade
                                                         A metodologia de análise do tipo efeito
Fmea e Seis Sigma nos processos industriais e
                                                    de falha, conhecida como FMEA (Failure Mode
produtos acabados.
                                                    and Effect Analysis), é uma técnica que busca
                                                    evitar, por meio de análise das falhas potenciais
 32 |
Revista da     FAE


possíveis falhas no projeto do produto ou do              cendo metas constantes de redução de desperdí-
processo, este é o objetivo desta técnica, ou seja,       cio (SANTOS; MARTINS, 2004).
detectar falhas antes que se produza peça e ou                 O nível Seis Sigma de qualidade considera
produto com defeitos. Pode-se dizer que, com sua          a especificidade e natureza do negócio, seu ta-
utilização está diminuindo as chances do produto          manho, suas características específicas, aspectos
ou processo falhar, ou seja, busca-se aumentar as         culturais e sociais dos indivíduos que dele par-
chances de produção de produtos sem defeitos              ticipam. Nessa caracterização, são identificadas
e desta formar aumentar sua confiabilidade,               as necessidades e desejos dos consumidores e as
esta técnica é usada para antecipar as falhas que         atuais capacidades produtivas (WEBER, 2005).
podem ocorrer em um produto, processo ou peça,                 O método Seis Sigma visa alcançar a quali-
permitindo atuar antecipadamente na causa para            dade quase ideal. Ele é um esforço planejado e
que a falha ou o defeito não venha a ocorrer              disciplinado que examina minuciosamente os pro-
(ROSA; GARRAFA, 2009).                                    cessos repetitivos na empresa, tem condições de
      A importância desta técnica de gestão da            minimizar os defeitos nos produtos e serviços para
qualidade está relacionada com o grau de exigência        níveis sem precedentes devido à sua forte ênfase
dos consumidores associado ao lançamento de               nas análises estatísticas e na preocupação com o
novos produtos onde que determinados tipos de             design, a fabricação e todas as áreas relacionadas
falhas podem ter consequências insatisfatória para        aos consumidores (DEFEO, 2006).
o consumidor, tais como aviões, equipamentos                   As possibilidades da aplicação do método seis
hospitalares medicamentos os quais o mau                  sigma resulta em melhoria de qualidade, econo-
funcionamento pode significar até mesmo um risco          mia de custos, satisfação dos clientes, fidelidade
de vida ao usuário. Apesar de ter sido desenvolvida       e desenvolvimento dos funcionários, porém este
com um enfoque no projeto de novos produtos               sucesso somente será possível se houver um com-
e processo, a metodologia fmea, pela sua grande           prometimento de todos os envolvidos. São fatores
utilidade, passou a ser aplicada em diversas áreas        fundamentais para atingir níveis de eficiência
das indústrias, tem sido empregada também                 significativos, através de resultados reais obtidos
em aplicações especificas tais como análises de           (DEFEO, 2006).
fontes de risco em engenharia de segurança e na                 Definir o método seis sigma pode tornar-se
indústria de alimentos (FERNANDES, 2005).                 uma tarefa extensa se for feita uma análise da
                                                          literatura sobre o assunto, em vista da grande
                                                          gama de definições que podem ser encontradas.
1.2 Conceito, definição e importância do
                                                               Perez-Wilson (2000) analisa o seis sigma como
        seis sigma
                                                          sendo muitas coisas, tais como: uma estatística,
     O termo Seis Sigma é considerado uma ex-             uma medida, uma estratégia, um objetivo, uma
tensão dos conceitos da Qualidade com foco na             visão, uma filosofia.
melhoria contínua dos processos, que atingem                 Atualmente o Seis Sigma é considerado
diretamente o cliente. A estratégia Seis Sigma            uma das mais importantes metodologias para
aproveita todas as ações de qualidade que estão           o melhoramento e crescimento dos negócios
em andamento ou que já foram implantadas num              (WATSON, 2000).
sistema industrial, harmonizando-as e estabele-
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 31-36, jul./dez. 2010                                                 |33
Conforme relata Andrietta (2002), o programa          O estudo também demonstrou que as
Seis Sigma é considerado muito mais do que um         técnicas de gestão da qualidade Fmea e Seis Sigma
método de melhoria de qualidade e aumento             aprimorada em suas aplicações são capazes de
de produtividade baseado na estatística, ele          permitir um maior entendimento das variações
causa verdadeira mudança de visão, habito e           que ocorrem num processo produtivo, ambas
comportamento no ambiente empresarial.                oferecem um grande aporte de informações que
    De acordo com a mesma autora é mais do            quando assimiladas e compreendidas podem
que quebrar paradigmas, ele exige total compro-       indicar exatamente onde as falhas e defeitos
metimento e envolvimento, portanto se torna um        estão ocorrendo sinalizando que o processo está
desafio sua implantação.                              precisando de correções ou ajustes.
                                                           Neste sentido, de acordo com a pesquisa
                                                      realizada, entende-se que com a abertura de mer-
                                                      cado, a competitividade entre nações aumentou
2 Metodologia
                                                      a necessidade de adequação das indústrias frente
                                                      a essa nova ordem mundial que impulsionou sig-
     A pesquisa foi realizada sobre a importância
                                                      nificativas mudanças nos processos produtivos.
dos sistemas de qualidade Fmea e Seis Sigma nas
                                                           As técnicas de gestão Fmea e Seis Sigma são
organizações industriais é de natureza qualitativa
                                                      conceitos modernos de qualidade que buscam em
e descritiva. As etapas da pesquisa envolveram
                                                      sua aplicabilidade contribuir de forma sistêmica a
análises reflexivas e posteriormente foram realiza-
                                                      sobrevivência das empresas nos mercados. Dentre
das reflexões teóricas referente ao assunto.
                                                      tantas técnicas de gestão da qualidade, tanto a
                                                      metodologia Fmea quanto a Seis Sigma buscam
                                                      conscientizar as empresas, auxiliando-as através
3 Análise e discussão dos resultados                  do fornecimento de informações e orientações nas
                                                      questões de qualidade, contribuindo desta forma
     Após análise da literatura abordada no pre-      nas questões ambientais, saúde e segurança no
sente estudo, verificou-se a importância de imple-    trabalho. Pode ser considerada uma oportunidade
mentação dos sistemas de gestão da qualidade em       de aperfeiçoamento que podem ser conciliado
processos industriais, no caso aqui estudado Fmea     com outras técnicas, ex: Iso 22000, dentre outras.
e Seis Sigma. Estas técnicas de gestão da qualidade   Todas buscam minimizar ou eliminar riscos
demonstraram sua importância e contribuição nos       potenciais que podem estar agindo nos processos
processos produtivos, uma vez que estas metodolo-     produtivos.
gias estão voltadas para redução de custos, maior          Na análise de Defeo (2006), observa-se que o
lucratividade e satisfação dos clientes.              sucesso quanto à implantação destes métodos só
     A compreensão dos controles e maior              será possível se houver comprometimento de to-
eficiência na busca de resultados apresentados        dos os funcionários de uma organização, partindo
por estas técnicas apresentaram significativa         da alta administração até os níveis operacionais,
possibilidade quanto à produção de produtos           analisando esta idéia nota-se que o desafio da
seguros e com perspectivas de atender as              implantação está relacionado também ao processo
necessidades dos clientes.                            de interação e integração dos envolvidos.
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Revista da         FAE


     Avalia-se outro aspecto importante na visão          da qualidade em sua totalidade. Desta forma o
de Andrietta (2002), quando a mesma relata a              estudo realizado não esgota o assunto e algumas
importância dos sistemas de gestão da qualidade           recomendações podem ser mencionadas.
e os desafios que são enfrentados quanto sua im-              Levando em consideração o foco nos pro-
plantação, tendo em vista que todo processo de            cessos, melhoria da produtividade e redução de
implantação de novos métodos geram custos e               custos observa-se a necessidade de um estudo
significativo grau de incerteza para as organizações.     mais aprofundado a respeito da aplicabilidade
     Neste sentido, e de acordo com a literatura          destas técnicas.
consultada, a importância e contribuição da Fmea               Sugere-se para as indústrias que seja feito
e o Seis Sigma para as organizações industriais           um acompanhamento sistêmico na aplicação das
estão relacionadas aos seguintes indicadores:             técnicas Fmea e Seis Sigma coletando o máximo
Proporcionam um melhor conhecimento dos pro-              de informações possíveis em diferentes etapas
blemas nos processos e produtos; colaboram no             dos processos.
sentido de promover ações de melhorias baseado                 Também, sugere-se para trabalhos futuros
em dados; favorecem a diminuição de custos por            estudos de casos evidenciando a importância de
meio da análise de ocorrências de falhas; impul-          tais métodos.
sionam o trabalho em equipe buscando sempre a
                                                                O trabalho atingiu, portanto, seu objetivo
satisfação dos clientes; melhoria na produtividade;
                                                          proposto na medida em que as técnicas de quali-
aumento da competitividade e crescimento de
                                                          dade Fmea e Seis Sigma demonstraram que é pos-
mercados.
                                                          sível melhorar a qualidade de processo e produtos.



Considerações finais

     De acordo com o estudo realizado verificou-se
que a importância da gestão da qualidade requer
preparo, conhecimento e acompanhamento de                                               • Recebido em: 25/06/2010

todas as atividades desenvolvidas pelas indústrias.                                     • Aprovado em: 20/10/2010

O significativo número de variáveis que interferem
na qualidade de processos e produtos requerem
análises representativas e fiéis de todo o processo,
sobretudo porque há sempre causas novas
surgindo no ambiente.
     Neste estudo ficou caracterizado a importância
das técnicas de gestão da qualidade Fmea e Seis
Sigma aplicados nos sistemas industriais. È
necessário, portanto que tais técnicas quando
aplicadas em algumas etapas do processo possam
ser expandidas para as demais atividades da
indústria a fim de que se consiga atingir a melhoria
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 31-36, jul./dez. 2010                                                    |35
Referências

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Revista da        FAE


Custos da qualidade: como medir o impacto dos esforços pela
qualidade

The quality cost: how to measure the impact of the efforts for
the quality

                                                                                     Fabiano Goldacker*
Resumo                                                                               Rubens Ricardo Franz**

A busca por excelência no mundo globalizado tem acirrado a competição
entre as empresas. Margens de lucro cada vez mais exíguas e a exigência
cada vez mais acentuada dos mercados têm provocado uma verdadeira
corrida à tecnologia e à informação, a fim de manter a competitividade
das organizações. O mesmo acontece com a qualidade. O que outrora era
tolerado pelo mercado começou a ser substituído por concorrentes locais ou
internacionais, mais eficientes, competitivos e baratos. Diante disto, fez-se
necessário o desenvolvimento de uma ferramenta que auxiliasse na mensuração
do quanto custa para a empresa a busca pela qualidade de seus produtos ou
serviços: os custos da qualidade. Contudo, com o apontamento eficaz das
ineficiências e desperdícios e dos investimentos realizados pelas empresas no
seu esforço pela qualidade, a ferramenta de custos da qualidade adquiriu uma
característica interessante. Deixou de ter caráter meramente estatístico para
mostrar sua importância como ferramenta para análise e tomada de decisões
gerenciais, principalmente nas áreas de finanças e custos, pois a qualidade
passou a ser sinônimo de lucro ou prejuízo nas organizações.

Palavras-chave: qualidade; custos; gestão; finanças; lucro.



Abstract
The search for excellence has increased the competition among the
companies. Low profitability and the demands of the consumers have
elicited the importance of technology and information, in order to keep the
competitiveness of the organizations. The same situation happens with the
quality. Things that have always been tolerated by the consumers were replaced
by more efficient, competitive and cheap local or international products. Due to
this situation, it has become necessary the development of a tool that allowed
the measurement of how expensive it is for a company to keep and improve             *  Mestrando em Administração pela
the quality of its products and services: the quality costs. However, this tool         UFSC. Consultor de empresas e
has acquired an interesting characteristic, just by showing the companies´              professor de ensino superior e de
lack of efficiency, the wastefulness and the investments that are made in their         especialização. Blumenau - SC.
efforts for the quality. It is no longer only a statistical-purpose report. It has      E-mail: fgoldacker@yahoo.com.br
shown how important the analysis of the quality costs can be for the decision        ** Mestre em Administração pela
making processes, mainly in the areas of finances and costs, whereas the                FURB. Consultor de empresas e
                                                                                        professor em cursos de ensino
quality has become a synonymous of profit or damage for the organizations.
                                                                                        superior e de especialização.
                                                                                        Balneário Camboriú - SC. E-mail:
Keywords: quality; costs; management; finances; profit.                                 rrf@terra.com.br



Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 37-46, jul./dez. 2010                                                               |37
Introdução                                            pamentos e principalmente no treinamento das
                                                      pessoas envolvidas.
     Os custos de uma empresa podem ser re-                Para a melhor contabilização destas ativida-
presentados de diferentes formas, e diversos          des, há uma ferramenta que informa às organi-
podem ser os sistemas para seu gerenciamento.         zações o quanto a qualidade e tudo o que está
As atividades de inspeção, controle e garantia da     relacionado a ela (testes, inspeções, controles,
qualidade geralmente são encaradas como custos        treinamento, reclamações, satisfação do consu-
fixos e indiretos, uma vez que estas atividades não   midor etc.) representam financeiramente para a
são empregadas na transformação propriamente          empresa.
dita de matéria-prima em produto final.                     O intuito deste artigo é mostrar que com esta
     Em tempos de crise, geralmente as atividades     ferramenta, aliada à quebra de alguns paradigmas
que representam custos fixos e indiretos são as       gerenciais, é possível visualizar que o montante
primeiras que passam por cuidadosas análises a        que as empresas investem nos esforços pela qua-
fim de buscar a redução de seu impacto financeiro     lidade, principalmente nas ações corretivas, pode
para as empresas. Com isso, muitas empresas           ser significativo. O objetivo é evidenciar quais áre-
buscam reduzir as atividades relacionadas à           as necessitam de maior ação e atenção, auxiliando
garantia da qualidade, principalmente aquelas         na tomada de decisões por parte dos gestores.
que têm um caráter preventivo.
     Esta atitude revela que em muitos lugares a
concepção sobre qualidade ainda está equivocada       1 A gestão da qualidade
e que os esforços no intuito de obtê-la e melhorá-
la são vagos. Para amenizar este problema, muitas          Não há dúvidas de que a qualidade é um dos
vezes são promovidos eventos e atitudes isoladas,     conceitos que mais necessitam de atenção nas
como campanhas, slogans e exortações que têm          empresas. Tanto as empresas industriais como
como objetivo melhorar a percepção do mercado         as prestadoras de serviços realizam esforços no
sobre a qualidade dos produtos e serviços das         sentido de que a qualidade produzida e entregue
empresas. Mas as atitudes internas podem deixar       seja satisfatória aos olhos dos clientes.
a desejar. Nestas organizações são necessárias             Mas estes esforços necessitam de uma orga-
mudanças na cultura e na gestão de forma que          nização e estruturação básica. E são necessários
seja possível estabelecer uma perfeita conexão        controles, que possam servir como fonte de in-
entre todos os processos, a fim de se produzir        formações para a tomada de decisões. Os itens a
constantemente altos níveis de qualidade.             seguir irão apresentar a importância do Controle
    Atualmente, organizações que têm como             Estatístico de Processos (CEP) dentro da esfera da
objetivo manter ou ainda explorar novos merca-        gestão da qualidade.
dos estão buscando mudanças significativas na
maneira como os processos internos de controle e
garantia da qualidade são executados. Estas ações
buscam cada vez mais a garantia da qualidade no
fornecimento e transformação da matéria-prima,
na conservação adequada das máquinas e equi-
 38 |
Revista da        FAE


1.1 A importância do controle estatístico                           A competição mundial traz consigo crescentes
                                                                    exigências por parte dos consumidores. Melhor
        de processos para os custos da
                                                                    qualidade, maior variação de modelos, entregas mais
        qualidade                                                   confiáveis e menores custos tornaram-se parte das
                                                                    expectativas dos consumidores.
      Pressupõe-se que para que a metodologia
de avaliação dos custos da qualidade cumpra sua                      Por este motivo, deve-se fazer o apontamento
finalidade e sirva como fonte confiável de informa-             correto dos custos da qualidade a fim de poder
ções para a tomada de decisões, é necessário que                evidenciar de maneira mais objetiva a origem dos
as empresas lancem mão de outras ferramentas                    problemas. Para dar suporte a esta missão, o CEP
de controle da qualidade no ambiente industrial.                pode ser utilizado para aferir os índices de não-
                                                                conformidade de um processo e suas informações
     Boa parte destas ferramentas está contem-
                                                                podem ser transformadas em medidas não-
plada dentro do chamado Controle Estatístico de
                                                                financeiras que podem auxiliar na leitura dos
Processos (CEP), que tem como objetivo identificar
                                                                problemas relacionados à má qualidade.
as variações que ocorrem durante o processo pro-
dutivo e suas causas, a fim de buscar sua correção.                  Por outro lado, Robles Junior (2003, p.117)
Para Slack, Chambers e Johnston (2008, p.564):                  afirma que “as informações de custos da qualida-
       O controle estatístico de processos preocupa-se com
                                                                de não levam por si só a uma melhoria da qualida-
       checar um produto ou serviço durante a sua criação.      de”. Ou seja, a eficiência produtiva somente será
       Se há razões para acreditar que há um problema com       melhorada a partir do momento que os mesmos
       o processo, ele pode ser interrompido (onde é possível   produtos forem manufaturados com custos me-
       e adequado) e os problemas podem ser identificados
                                                                nores, sem prejuízos à qualidade.
       e retificados.

      As empresas utilizam as informações geradas
pelas atividades ligadas ao CEP como uma forma                  1.1.1 O Controle Estatístico de Processos
de diagnosticar os principais problemas em seus                        (CEP)
processos. Mas estas informações podem ser
                                                                     Moreira (2008, p.569) conceitua controle
utilizadas de forma mais abrangente, abastecendo
                                                                como “[...] um processo usado para manter certo
a ferramenta de custos de qualidade a fim de se
                                                                fenômeno dentro de padrões preestabelecidos.”
conhecer com precisão o custo das falhas internas.
                                                                No que diz respeito à qualidade, os controles
     A má qualidade causa um impacto negativo
                                                                existem para garantir que certas características
sobre os processos industriais e, consequentemente,
                                                                básicas dos produtos ou serviços sejam cumpridas.
sobre os custos. No entanto, as metodologias de
                                                                Assim, o controle da qualidade industrial tem
apontamento destes custos não salientam as
                                                                como objetivo medir as características objetivas da
origens exatas destes problemas. Sabe-se apenas
                                                                qualidade de um produto, comparando-as sempre
que são necessários investimentos para a melhoria
                                                                com um padrão desejado.
da qualidade. Porém, para se investir em qualidade
                                                                    Em essência, o CEP é sobre o entendimento da variação
os gestores devem reconhecer que seu retorno                        no processo. Todo processo varia de forma distinta.
compensa o investimento. O mercado clama por                        Alguns processos variam amplamente, alguns variam
esta evolução. A respeito disto, Oliveira Filho                     de maneira tênue (DAVIS; AQUILANO; CHASE, 2001,
(2001, p.27) comenta que:                                           p.191).


Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 37-46, jul./dez. 2010                                                             |39
Com base nisto, pode-se concluir que há va-                            dade do produto. A partir da análise das
riação em todos os processos. Mesmo produtos                                amostras, pode-se inferir se a qualidade
oriundos do mesmo lote apresentarão variações.                              de tudo o que está sendo produzido é
Ballestero-Alvarez (2001) comenta que o CEP parte                           adequada ou não;
do princípio de que sempre há variação, ou seja,                         b) inspeção por amostragem: seu objetivo é
nunca há dois objetos que sejam exatamente iguais.                          concluir se o lote inspecionado (produzido
      O CEP usa em sua definição o termo “esta-                             internamente ou recebido de fornecedores)
tístico” porque se utiliza de diversas ferramentas                          pode ser aprovado ou deve ser rejeitado,
estatísticas para leitura, análise e interpretação                          tendo em vista sempre os padrões de
dos dados encontrados, justamente com a fina-                               qualidade e tolerâncias estabelecidas para
lidade de detectar as variações nos processos                               cada produto.
(MOREIRA, 2008).                                                          Embora exista entre muitos gestores um
    O maior divulgador da análise estatística                        sentimento de que não seja possível definir ou
da qualidade foi William Edwards Deming,                             quantificar a qualidade (RUST; ZAHORIK; KEININ-
que desenvolveu a estatística para a qualidade                       GHAM, 1995), pode-se considerar que o conceito
primeiramente no Japão e depois no mundo                             moderno de controle da qualidade está cada vez
ocidental. Segundo Chiavenato (2005, p.60):                          mais voltado à integração dos processos internos
        A idéia original era aplicar metodologia estatística na
                                                                     com os custos relacionados à obtenção dos níveis
        inspeção de qualidade, passando depois ao controle           de qualidade desejados. Esta visão se opõe à filo-
        estatístico de qualidade e chegando à qualidade              sofia corrente nas empresas ocidentais, em que a
        assegurada a fim de obter conformidade com as                manutenção de altos padrões de qualidade impli-
        especificações e proporcionar alto grau de confiabilidade,
                                                                     ca em adição de custos para o produto (COSTA;
        durabilidade e desempenho nos produtos.
                                                                     ARRUDA, 1999).
    Percebe-se, então, que o CEP “[...] é uma                             Gryna e Juran (1991, p.35) endossam esta
poderosa coleção de ferramentas de resolução                         afirmação ao comentar que “[...] a alta qualidade
de problemas, útil na obtenção da estabilidade                       não pode ser entregue com custos excessivos.” Isto
do processo [...]” (MONTGOMERY, 2004, p.95).                         deve ser levado em consideração no processo de
                                                                     planejamento dos padrões de qualidade, pois uma
1.1.2 Tipos básicos de Controle Estatístico                          vez que determinado padrão de qualidade for defi-
                                                                     nido e atingido, o mercado passará a exigir que os
           de Processos (CEP)
                                                                     produtos e serviços atendam sempre a este padrão.
     Apesar de todo controle estatístico da qua-
lidade atuar com base em amostras, é possível
                                                                     1.2 Novos conceitos da qualidade
afirmar que há duas maneiras de tratá-las, a
partir de dois tipos básicos de controle: controle                        Ao contrário do que se observava no passado,
de processo e inspeção por amostragem. Moreira                       quando o consumidor dava importância essen-
(2008) define estes dois tipos básicos de controle:                  cialmente ao preço dos produtos, preterindo a
        a) controle de processo: seu objetivo é manter               qualidade, o consumidor atual está muito mais
           as variáveis dentro das faixas de tolerâncias             consciente do que deseja adquirir e do que está
           estabelecidas, garantindo a reprodutibili-                disposto a pagar por isto.
 40 |
Revista da      FAE


    A definição de qualidade como um produto                    Foi o primeiro a defender que a qualidade deveria
sem defeito ou em conformidade com suas                         deixar de ser responsabilidade exclusiva de um
especificações (CROSBY, 1994) esteve por muito                  departamento específico (Controle da Qualidade),
tempo em vigor em grande parte das organizações.                e sim obrigação de todas as áreas da organização.
E em algumas ainda está. Esta ideia exclui um                   Atualmente, este conceito é o ponto central da
importante elemento do processo: o cliente.                     gestão da qualidade moderna, em que há divisão
Atualmente as empresas têm que se concentrar                    das responsabilidades e cooperação entre todas
em atender as especificações do cliente, e não as               as áreas envolvidas (FEIGENBAUM, 1994).
suas (DEMING, 1990).                                                 Assim, as políticas de qualidade passaram a
    Esta postura tem a ver com a nova definição                 ser aplicadas desde a compra da matéria-prima e
de mercado e preço, que hoje são definidos                      o desenvolvimento do produto até a realização do
pelos clientes. A globalização tem permitido o                  acompanhamento pós-venda. Nota-se que a tradi-
surgimento de marcas e produtos alternativos                    cional visão da qualidade nas empresas como algo
para os consumidores. Produtos importados são                   essencialmente industrial e voltado às atividades
cada vez mais comuns e marcas nacionais têm                     de inspeção e controle não encontra mais lugar
                                                                nas organizações contemporâneas. Neste sentido,
buscado se fortalecer frente a esta concorrência.
                                                                Peters (2000) identificou a liderança como ponto
Robles Junior (2003, p.15) comenta esta situação
                                                                fundamental da melhoria da qualidade, ao afirmar
quando afirma que
                                                                que os três principais elementos para garantir a
       [...] a globalização é a maneira que as multinacionais
                                                                excelência são: os clientes, a inovação e as pessoas.
       têm encontrado para enfrentar a concorrência de
       pequenas empresas, porém com alto padrão de              E que as três principais atividades do líder são: o
       eficiência.                                              ouvir, o ensinar e o facilitar.

     Desta forma, a qualidade adquire um papel                       Com base nas premissas de que os consumi-
fundamental principalmente para as empresas                     dores estarão dispostos a pagar bem pela quali-
                                                                dade, que as empresas que fornecerem qualidade
nacionais, pois será um diferencial no momento
                                                                terão sucesso, que os trabalhadores querem
em que o consumidor fizer a escolha. Mas é
                                                                oportunidades para fornecer qualidade elevada
importante ressaltar que “[...] a qualidade deve
                                                                e que nenhum produto ou serviço está isento de
ser atingida sem agregar valores aos preços finais
                                                                problemas de qualidade, torna-se necessário tam-
dos produtos, uma vez que preço é determinante
                                                                bém quebrar o paradigma de que as atividades
no mercado” (BONA, 1996, p.6).
                                                                relacionadas à gestão da qualidade representam
     Acompanhando esta nova postura do mercado                  somente um custo indireto para as empresas, sen-
e a nova realidade econômica mundial (sobretudo                 do muitas vezes as primeiras atividades a sofrerem
no Brasil), muitas empresas passaram a investir                 sanções quando da existência de crises internas ou
consideravelmente em suas políticas de qualidade,               deficiência nos processos (PETERS, 2000).
fazendo com que as atividades de gestão e garantia
da qualidade passassem a ter um envolvimento
estratégico cada vez maior nas empresas. Esta
nova postura é perfeitamente consoante com
a teoria proposta por Armand Feigenbaum ao
apresentar o Controle da Qualidade Total (TQC).
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 37-46, jul./dez. 2010                                                         |41
2 A relação da contabilidade com os                   que a maioria das empresas não se estruturou
        custos da qualidade                           de forma a permitir que a contabilidade conheça
                                                      os custos da qualidade. E a relação entre custo
                                                      e qualidade é inevitável: a má qualidade gera
     Por muito tempo o Brasil viveu um período
                                                      retrabalho, desperdícios e consequente perda
em que a instabilidade econômica e a incerteza
ao se fazerem projeções financeiras eram uma          na produtividade. E a perda na produtividade irá
constante e influenciavam toda a cadeia produti-      aumentar os custos de produção. Em suma, os
va nacional. Nesta época, que durou até meados        custos para obtenção do produto irão aumentar à
da década de 1990, as empresas viam-se diante         medida que o processo gerar mais produtos com
de inflações elevadas e de uma realidade que de-      má qualidade.
mandava a constante correção monetária de seus               Conforme observado por Bona (1996, p.5),
ativos. A contabilidade foi uma peça fundamental
                                                             Com a criação de blocos de mercados, com a
neste período. Organizações com departamentos
                                                             globalização da economia e quebras de barreiras para
contábeis e de custos bem estruturados experi-               a importação e exportação, está se exigindo muito mais
mentaram crescimento por muitos anos, graças                 da contabilidade de custos tradicional.
também à possibilidade que as empresas tinham
de maximizar seus ganhos em aplicações no mer-             Diante desta nova realidade, o controlador
cado financeiro.                                      passou a ter um papel mais decisivo e estratégico
     No entanto, com o advento do Real e com a        para as organizações, pois, além da apuração dos
estabilização da economia a partir do controle da     atos e fatos contábeis da empresa, o cálculo dos
inflação, o país passou para uma nova realidade.      custos da qualidade realizado pelo controlador
Ao mesmo tempo, a abertura dos mercados e a           ou contador dá mais credibilidade à informação
globalização fizeram com que somente empresas         (ROBLES JUNIOR, 2003).
bem estruturadas permanecessem competitivas.              Checoli (2000, p.13) também lembra o papel
Muitas organizações tradicionais entraram em
                                                      dos administradores nestes esforços, ao salientar
declínio a partir de então.
                                                      que “[...] deveriam estar motivados para começar a
     Assim como ocorreu com as políticas da           mudança, já que eles possuem compromisso com
qualidade, tornou-se necessário que a contabi-
                                                      a melhoria da eficácia na organização”.
lidade passasse a desempenhar um novo papel
nas organizações, pois até então as informações
relacionadas aos custos da qualidade não eram
conhecidas. Ou seja, a contabilidade desconhecia      3 Os custos da qualidade
o custo da não-conformidade, da ineficiência e dos
reprocessos e da insatisfação dos clientes, pois as
                                                           Campanela1 (1990 apud ZILLI, 2003, p.27)
medidas tradicionais de contabilização do custo
                                                      define custos da qualidade como
não acompanhavam ou identificavam completa-
                                                             [...] aqueles que representam a diferença entre o custo
mente os custos relacionados à baixa qualidade
                                                             atual de um produto ou serviço e o custo ideal, se não
(RUST; ZAHORIK; KEININGHAM, 1995).
                                                             houvesse o serviço fora do padrão, falha de produtos,
     Embora Jennings (2003, p.60) afirme que                 ou defeitos na manufatura.
“As empresas produtivas são abertas com relação
a todos os números e elas registram tudo o que        1
                                                          CAMPANELLA, Jack. Principles of quality costs. 2.ed. Milwaukee:
é importante [...]”, atualmente ainda se observa          ASQC, 1990.

 42 |
Revista da           FAE


       Segundo defendido por Hunt (1993, p.137),                    qualidade em dois grandes blocos: custos de
       [...] os custos da qualidade consistem em todos os           controle (que abrangem os custos de prevenção
       custos envolvidos na manutenção de uma qualidade             e avaliação) e custos de falha de controle (que
       aceitável, somados aos custos decorrentes na falha da
                                                                    abrangem os custos de falhas internas e externas),
       obtenção desta qualidade.
                                                                    conforme pode ser observado na figura 01.
     Esta definição por si só permite enxergar a
                                                                    FIGURA 01 - CLASSIFICAÇÃO DOS CUSTOS DA QUALIDADE
importância que a qualidade adquiriu não só para
as relações comerciais, mas também para a política                                                      Custos de Prevenção
de custos das empresas modernas. Paladini (2008)                         Custos de Controle

salienta que a economia da qualidade trata de                                                           Custos de Avaliação

expressar em unidades monetárias os benefícios
da qualidade. Defende também que:                                                                      Custos de Falha Interna
                                                                         Custos de Falha de
       Há duas maneiras de observar como esta expressão                       Controle
                                                                                                       Custos de Falha Externa
       é desenvolvida. Uma se refere à contribuição positiva
       da qualidade; a segunda, aos ganhos decorrentes
       da redução de custos decorrentes dos esforços para           FONTE: Feigenbaum3 (1991 apud ZILLI, 2003, p. 31).
       otimizar o processo produtivo. Ambas são relevantes,
       embora só a primeira agregue valor à qualidade
       (PALADINI, 2008, p.123).
                                                                         É interessante que os custos de controle
                                                                    sejam superiores aos custos de falha de controle,
     Por muito tempo a qualidade nos processos                      pois estes últimos representam “[...] materiais ou
foi mantida em segundo plano quando se tratava
                                                                    produtos que não atendem as especificações, ou
de informação relevante para a alta administração.
                                                                    as expectativas do consumidor [...].” (DEPEXE,
Atualmente ainda é muito comum encontrar rela-
                                                                    2006, p.65). O problema que os custos de falha de
tórios gerenciais que contemplam as informações
                                                                    controle trazem para a empresa, além do impacto
financeiras e de custos sem levar em consideração
as nuances que estes relatórios sofrem por con-                     negativo na eficiência, produtividade e qualidade,
ta dos problemas relacionados à qualidade. No                       é o eventual prejuízo à imagem da empresa junto
entanto, Deming (2003, p.27) lembra que “os                         ao mercado.
defeitos não são livres de custo”, ou seja, ignorar                      Martins e Laugeni (2005) apresentam uma
o impacto que a má qualidade causa nos custos                       definição dos quatro grandes grupos que com-
pode ser prejudicial à gestão da empresa.                           põem os custos da qualidade:
                                                                           a) custos de falhas internas: são todos os
                                                                              custos oriundos das falhas, defeitos, ou
3.1 Classificação dos custos da qualidade
                                                                              falta de conformidade para com as espe-
     De acordo com Montgomery (2004) os                                       cificações de um produto ou serviço, antes
custos da qualidade são classificados em quatro                               da entrega para o cliente;
categorias distintas: prevenção, avaliação, falhas                         b) custos de falhas externas: são os custos
internas e falhas externas. Já Feigenbaum2 (1991                              relacionados às falhas, defeitos ou falta de
apud ZILLI, 2003, p.31) classificou os custos da



2
    FEIGENBAUM, Armand V. Controle da qualidade total. São Paulo:   3
                                                                        Ibidem
    Makron Books, 1991.

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 37-46, jul./dez. 2010                                                                       |43
conformidade para com as especificações                Porém há certa dificuldade por parte de mui-
          de um produto ou serviço após a entrega          tos gestores em conseguir conjugar as informa-
          ao cliente. Podem ter também um impacto          ções não financeiras e não contábeis, oriundas das
          não mensurável, que é a insatisfação e a         áreas industriais, a fim de torná-las ferramentas
          perda do cliente;                                eficientes para o auxílio no processo de tomada de
        c) custos de avaliação: são os custos relativos    decisões. Hunt (1993, p.21) explica esta situação
           às atividades desenvolvidas para avaliar a      ao afirmar que “[...] muitos gerentes dependem da
           qualidade (medição, avaliação, inspeção e       intuição e de julgamentos baseados na experiência
           auditoria), que servem para garantir que        para resolver os problemas”. Com base nisto, a
           os produtos e serviços atendam as suas          ferramenta de custos da qualidade foi desenvol-
           especificações;                                 vida com o objetivo de transformar informações
                                                           técnicas em informações financeiras, pois
        d) custos de prevenção: são os custos associa-
           dos às atividades desenvolvidas para man-           As informações dos custos da qualidade têm maior
                                                               relevância e utilidade para a tomada de decisões
           ter os custos de falhas (internas e externas)
                                                               quando são avaliadas e divulgadas em termos
           e de avaliação em níveis mínimos. Robles            financeiros (ROBLES JUNIOR, 2003, p.76).
           Junior (2003, p.119) lembra que “[...] os in-
           vestimentos em prevenção podem demorar
           a refletir-se na diminuição das falhas”.
                                                           Considerações Finais

3.2 Os custos da qualidade como                                 Há um consenso no que diz respeito ao su-
        ferramenta de gestão                               cesso das organizações no mercado: a qualidade
                                                           não é mais considerada como uma vantagem
     Os custos da qualidade podem ser evidencia-
                                                           competitiva das empresas. É obrigação. Trata-se
dos em todas as áreas das empresas. No entanto
                                                           de um conceito que deve ser cuidado desde o
muitas organizações utilizam esta ferramenta
                                                           projeto do produto ou serviço.
apenas para buscar soluções para as áreas ope-
                                                                Analisando esta ideia, pode-se observar que
racionais, motivo pelo qual não obtêm resultados
                                                           o mercado não tolera mais absorver a ineficiência
relevantes com programas de custos da qualidade
                                                           ou inoperância das organizações. Tendo em vista
(BONA, 1996).
                                                           a quantidade de opções existentes nos mais
     Esta falha muitas vezes ocorre pela falta de          variados tipos de produtos ou serviços, tornou-se
envolvimento das áreas operacionais da empresa             muito mais fácil para o mercado estabelecer uma
na definição dos investimentos a serem feitos              seleção natural entre os fornecedores, elegendo
para garantir e melhorar a qualidade. Hunt (1993)          aqueles que prezam pela entrega de produtos e
afirma que a melhoria da qualidade é o caminho             serviços com qualidade, pontualidade e preços
mais direto para o aumento dos lucros de uma               competitivos.
empresa e Rust, Zahorik e Keiningham (1995,                     Além disso, vale salientar que toda e qualquer
p.109) observaram que “uma das formas pela qual            atividade, quando executada de forma constante e
a qualidade conduz aos lucros é na economia de             periódica sem que sua real lucratividade e eficiên-
custos acarretada pelo aumento da eficiência”.             cia sejam observadas, tende a gerar uma situação
                                                           financeira perigosa no longo prazo.

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Revista da         FAE


     Diante do exposto, é esperado que o gestor           diz respeito à sua lucratividade. Isto ficou bem
busque a maximização do valor do seu negócio              evidente a partir da afirmação de que a qualidade
por meio do gerenciamento eficaz dos recursos             não pode ser entregue com custos excessivos
disponíveis. Diante desta necessidade, a ferra-           (GRYNA; JURAN, 1991). As organizações que
menta de custos da qualidade pode se encaixar             possuem um sistema de custos da qualidade bem
perfeitamente no ambiente da gestão financeira,           estruturado conseguem evidenciar os desvios e
pois suas informações podem ser utilizadas tanto          exageros no exercício da obtenção da qualidade,
de maneira direta na causa dos problemas, como            permitindo que níveis excelentes de produtos e
podem também ser transformadas em informa-                serviços sejam disponibilizados ao mercado de
ções importantes para a tomada de decisão.                acordo com os padrões exigidos, sempre com
     Em resumo, as empresas devem procurar ado-           custo adequado e preços competitivos.
tar sistemas internos que busquem a excelência
no que diz respeito à qualidade. Porém, devem
também fazê-lo observando sempre o ponto de
equilíbrio entre o nível de excelência que o merca-
do deseja e aquele que a empresa tem condições
de fornecer.
     Por conta disto, fica evidente que as empresas
                                                                                        • Recebido em: 09/03/2010
não têm outra escolha senão resguardar-se no que
                                                                                        • Aprovado em: 04/10/2010




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Revista da           FAE


Planejamento estratégico e gestão familiar em empresas
paulistanas

Strategic planning and family management of enterprises in
São Paulo

                                                                                       Marilia Branquinho1
                                                                                       Maximiliano da Silva Ribeiro 2
Resumo                                                                                 Pedro Rehem Santana3
                                                                                       Tito Olavo Pereira Dancuart4
O estudo do planejamento estratégico em micro e pequenas empresas de gestão            Victor Souza5
familiar é importante devido à representatividade das empresas desse porte             Adriana Beatriz Madeira6
                                                                                       Luciano Augusto Toledo7
para a economia do Brasil: 98% das empresas são classificadas como micro e
pequeno porte e 72% delas apresentam gestão familiar. Este trabalho objetivou
identificar como ocorre o planejamento estratégico neste tipo de empresa, assim
como avaliar a influência da gestão familiar na adoção ou não do planejamento
estratégico. Com este intuito, foi utilizado o estudo de casos múltiplos com
quatro empresas de micro e pequeno porte de diferentes setores. Os resultados
alcançados através da análise dos dados obtidos por meio das entrevistas e o
referencial teórico mostram que todas as empresas pesquisadas fazem uso de
                                                                                       1
                                                                                           Bacharel em Administração de
partes do planejamento estratégico consciente ou inconscientemente. O grau
                                                                                           Empresas pela Universidade
de formalização é diretamente influenciado pela gestão familiar. Cada empresa              Presbiteriana Mackenzie. Gerente de
apresenta peculiaridades, variando de acordo com o nível de profissionalização             Marketing, Acqua Fish. São Paulo-SP.
da estrutura da empresa, o tempo de mercado e do estilo do gestor. Este estudo             Email: 40622045@mackenzista.com.
                                                                                           br
apresenta os benefícios que podem ser gerados pela formalização e utilização das       2
                                                                                           Bacharel em Administração de
ferramentas do planejamento estratégico.
                                                                                           Empresas pela Universidade
                                                                                           Presbiteriana Mackenzie. Estudante
Palavras-chave: planejamento estratégico; gestão familiar; empresas de micro e             na UPM. São Paulo-SP. Email:
                                                                                           40614041@mackenzista.com.br
pequeno porte.
                                                                                       3
                                                                                           Bacharel em Administração de
                                                                                           Empresas pela Universidade
                                                                                           Presbiteriana Mackenzie. Estudante
                                                                                           na UPM.São Paulo-SP. Email:
Abstract                                                                                   40645770@mackenzista.com.br
                                                                                       4
                                                                                           Bacharel em Administração de
The study of strategic planning in family-managed micro- and small companies               Empresas pela Universidade
                                                                                           Presbiteriana Mackenzie. Estudante
is important because of their impact on Brazil’s economy: 98% of businesses are            na UPM. São Paulo-SP. Email:
classified as micro- and small companies, 72% of which are run by families. This           40644499@mackenzista.com.br
work aims to identify how strategic planning plays out in this type of company, as     5
                                                                                           Bacharel em Administração de
well as to assess the influence of family management in determining whether or             Empresas pela Universidade
                                                                                           Presbiteriana Mackenzie. Estudante
not strategic planning is adopted. To this end, we have conducted a multiple case
                                                                                           na UPM. São Paulo-SP. Email:
study on four micro- and small companies from different sectors of industry. Results       40725278@mackenzista.com.br
drawn from data obtained via interviews and the selected theoretical framework         6
                                                                                           Doutor e Mestre em Administração
demonstrate that all of the companies analyzed use elements of strategic planning,         pela FEA – USP. Professor Adjunto
whether consciously or not. The degree of formalization is directly influenced by          da Universidade Presbiteriana
                                                                                           Mackenzie. São Paulo-SP. Email:
the type of family management. Each company has individual characteristics
                                                                                           adri.madeira@mackenzie.br
according to its degree of professionalization, company structure, duration in         7
                                                                                           Doutor em Administração pela
the market, and management style. This study presents the benefits arising from            FEA – USP. Professor Adjunto
formalization and the use of strategic planning tools.                                     da Universidade Presbiteriana
                                                                                           Mackenzie. São Paulo-SP. Email:
                                                                                           luciano@mackenzie.br
Keywords: strategic planning; family management; micro- and small companies.


Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010                                                                      |47
Introdução                                           que por meio do método do caso investiga um
                                                     fenômeno ou situação específica em um cenário
     Este artigo aborda o tema planejamento          particular (empresa), proporcionando assim maior
estratégico nas micro e pequenas empresas de         conhecimento do problema a partir de entrevistas
                                                     com indivíduos familiarizados e inseridos no meio
gestão familiar do estado de São Paulo, conside-
                                                     do problema pesquisado. Segundo Gil (2002) a
rando as oportunidades oferecidas pelo setor e a
                                                     pesquisa exploratória tem como meta criar uma
carência de planejamento, que pode ser uma das
                                                     maior familiaridade com o problema.
causas da grande mortalidade destas empresas.
Segundo o SEBRAE (2007) a taxa de sobrevivên-             O presente trabalho utilizou-se de contornos
cia das pequenas empresas brasileira melhorou        dedutivos, exploratórios e bibliográfico e comple-
consideravelmente passando de 51% em 2002            mentado pelo uso de um estudo de caso múltiplo.
para 78% em 2005 e esta evolução é atribuída         A pesquisa de campo se deu por meio do estudo
a melhoria no ambiente econômico e também a          de quatro empresas de micro e pequeno porte
maior qualidade empresarial, esta última atribu-     com gestão familiar. As empresas estudadas são
ída ao maior nível de instrução de seus gestores.    classificadas como de micro e pequeno porte de
Frente a este panorama e dada a importância das      acordo com os critérios do SEBRAE (2009). São
MPE’s (Micro e Pequenas Empresas) é indiscutível,    caracterizadas com micro empresas do comércio
como se pode verificar nos dados divulgados pelo     e serviços aquelas que possuem até nove funcio-
SEBRAE (2009), que 98% das empresas no Brasil        nários e pequenas empresas, as que têm entre
são classificadas como micro e pequeno porte,        10 e 49 funcionários. Releva-se que o objetivo
sendo que 72% destas empresas apresentam             do estudo foi o de analisar como ocorre o pla-
gestão familiar e 90% das empresas brasileiras são   nejamento estratégico nas empresas de micro e
familiares. Elas representam 28% da receita bruta    pequeno porte de gestão familiar. Para tal, foram
do setor formal e 67% dos trabalhadores formais.     feitas entrevistas com os principais gestores de
                                                     cada uma das quatro empresas de acordo com o
      A investigação se dá por meio de um estudo
                                                     roteiro de entrevista com perguntas abertas. As
de casos múltiplos que contempla a análise dos
                                                     empresas analisadas foram uma fabricante de eti-
conceitos teóricos e uma pesquisa de campo com
quatro empresas de micro e pequeno porte de se-      quetas e rótulos, uma distribuidora de autopeças,
tores diferentes com gestão familiar. Em seguida,    uma joalheria que tem fabricação própria das jóias
são analisados os dados obtidos na pesquisa de       e uma loja de venda de artigos de pesca, camping
campo a luz dos conceitos teóricos a fim de iden-    e aquarismo.
tificar semelhanças e diferenças, peculiaridades          Adotou-se para maior credibilidade do traba-
destas empresas. Por fim, são apresentados os        lho a utilização de um protocolo do estudo de caso
resultados e a conclusão do estudo.                  (TOLEDO, SHIRAISHI, 2009). Yin (2006) cita que no
                                                     contexto do protocolo do estudo deve permear
                                                     procedimentos e as regras gerais que deveriam ser
                                                     seguidas ao utilizar o instrumento. Assim, passa
1 Procedimentos Metodológicos
                                                     a constituir em uma das táticas principais para
                                                     se somar a credibilidade da pesquisa de estudo
    A pesquisa deste trabalho enquadra-se nos        de caso e orientar o pesquisador ao conduzir o
moldes de uma pesquisa qualitativa exploratória      estudo de caso.
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Revista da     FAE


     O protocolo pode ser entre outros itens,             análise SWOT (pontos fortes e fracos, ameaças e
composto por: questões em estudo, objetivos de            oportunidades); plano estratégico (definição de
pesquisa, unidades de análise, coleta de dados,           objetivos, estratégias); seleção e formulação da
análise de evidencias e elaboração do relatório.          estratégia e execução e avaliação.
      Yin (2006) estabelece que, para melhor con-              A análise SWOT ganhou força na década de 60
duzir um estudo de caso, os pesquisadores devem           com a escola do Design, tem grande participação
utilizar alguma estratégia global ou geral para           na escola do planejamento estratégico e consiste
nortear a coleta e interpretação dos dados. O au-         na avaliação de quatro pontos da organização:
tor divide esta estratégia geral em: basear-se em         forças, fraquezas, oportunidades e ameaças em
proposições teóricas, estabelecer uma estrutura           seu ambiente (MINTZBERG; AHLSTRANDE; LAM-
fundamentada em explanações concorrentes ou               PEL, 2000). Com base na missão da organização
desenvolver descrições de caso. Tendo o pesqui-           e análise dos pontos fortes e fracos, que são fruto
sador escolhido sua estratégia geral, irá aplicar as      da análise do ambiente interno da organização, é
técnicas específicas para analisar os estudos de          trilhado um caminho (estratégia) que possibilita
caso, que segundo o autor são cinco: adequação            a empresa aproveitar oportunidades e minimi-
ao padrão, construção da explanação, análise de           zar ameaças identificadas no ambiente externo
séries temporais, modelos lógicos e síntese de            (FISCHMANN; ALMEIDA, 1991; SERRA; TORRES;
casos cruzados. Assim, para o tratamento dos              TORRES, 2004).
dados foi selecionado o padrão combinado de
                                                               A análise interna segundo Oliveira (1987),
Yin (2006), que consiste na observação de um
                                                          Maximiano (2004) e Sertek et al. (2007), consiste
fenômeno em comparação a teoria estudada.
                                                          em avaliar se os recursos financeiros, humanos,
                                                          tecnológicos e materiais que a empresa tem
                                                          são suficientes e satisfatórios para o mercado,
2 Referencial teórico                                     verificando assim pontos fortes ou fracos. Oli-
                                                          veira (1987) acrescenta ainda a importância dos
     Segundo Oliveira (1987, p.46), ao se realizar        pontos neutros que são as variáveis que, quando
um planejamento estratégico, a empresa espera             identificadas pela empresa, não existem critérios
conhecer e melhor utilizar seus pontos fortes,            de avaliação para sua classificação como pontos
conhecer e eliminar ou adequar seus pontos                fortes ou fracos. Os principais fatores analisados
fracos, conhecer e usufruir das oportunidades             na etapa de autoanálise - pontos fortes e fracos
externas, conhecer e evitar as ameaças externas           - são: capacidade de gerenciamento (comprome-
e ter um efetivo plano de trabalho estabelecendo          timento, capacidades e experiências dos principais
premissas, expectativas, caminhos, como e onde            gerentes), capacidades comerciais (capacidade de
os recursos devem ser alocados e o que, como,             promoção, publicidade, criação de marcas pró-
quando, por quem devem ser realizados os planos           prias, relacionamentos com fornecedores etc.),
de ação. Para o autor, o planejamento estratégico         recursos financeiros (fluxo de caixa, capacidade
pode ser dividido em duas etapas: elaboração              de financiar o patrimônio líquido etc.), capacidade
e implementação. Basicamente as etapas do                 de gerenciamento de lojas (qualidade e compro-
planejamento estratégico, segundo Maximiano               metimento dos vendedores, e capacidades ge-
(2004, p.164), são: análise da situação estratégica;      renciais), operações (SIG, qualidade dos sistemas
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010                                                 |49
operacionais, capacidade de distribuição etc.),                     Segundo Porter (1990) as regras que determinam
locais e clientes (fidelidade). Há ainda três formas           as habilidades da empresa obter retornos acima da
principais para se identificar os pontos fortes e              média estão englobadas em cinco forças: entrada
fracos: estudo das áreas funcionais, estudo do                 de novos concorrentes, a ameaça de substitutos,
desempenho e benchmarking (OLIVEIRA, 1987;                     poder de negociação dos compradores, poder
MAXIMIANO, 2004; SERTEK et al., 2007).                         de negociação dos fornecedores e a rivalidade
        Quanto a classificação das variáveis macro-            entre os concorrentes existentes. Porter (1986)
ambientais Hitt, Irelan e Hoskisson (2002) ilustram            esclarece que cada empresa tem seus pontos
o ambiente externo de uma empresa dividido                     fortes e fracos, e entender estes pontos deve ser
em três áreas principais: ambiente geral (que é                o ponto de partida para lidar com e estrutura da
                                                               indústria, que está sempre mudando ao longo
agrupado em seis segmentos ambientais: demo-
                                                               do tempo. Essas mudanças se dão devido as
gráfico, econômico, político-legal, sociocultural,
                                                               diversas características técnicas e econômicas que
tecnológico e global), ambiente do setor (5 forças
                                                               influenciam na intensidade de cada força no setor.
de Porter) e ambiente da concorrência. Oliveira
(1987) semelhantemente a Hitt, Irelan e Hoskis-                      A análise do ambiente do concorrente faz
son 2002), divide a análise do ambiente externo                parte da análise do ambiente externo e para Hitt,
em oito variáveis: econômicas, sociais, políticas,             Irelan e Hoskisson (2002, p.82) realizar a análise
demográficas, culturais, legais, tecnológicas e eco-           dos concorrentes a organização “[...] enfoca cada
lógicas. Segundo Hitt, Irelan e Hoskisson (2002)               uma das empresas com as quais ela concorre dire-
o ambiente externo é constituído por elementos                 tamente [...]” tentando entender cada um desses
                                                               concorrentes, suas estratégias, seus objetivos
com diferentes graus de impacto, que afetam cada
                                                               futuros, suas estratégias atuais, suas suposições
setor e as empresas neles inseridas. Tendo como
                                                               e sua capacidade buscando sempre obter estas
desafio acompanhar e avaliar esses elementos
                                                               informações sobre a concorrência de forma legal.
determinando quais tem maior grau de importân-
                                                               Hitt, Irelan e Hoskisson (2002) comenta ainda que
cia para cada setor, a empresa busca reconhecer
                                                               este tipo de análise é mais intensa em setores cons-
mudanças, tendências, oportunidades e ameaças
                                                               tituídos de empresas com capacidade relativamen-
no ambiente (HITT; IRELAN; HOSKISSON 2002).
                                                               te igual ou onde a concorrência é extremamente
        A análise do ambiente externo deve conter
                                                               intensa, que é o caso do varejo.
a análise do setor, onde a empresa deve levar
em conta o aspecto do ambiente do setor em
que a empresa se encontra para estabelecer as                  2.1 Plano estratégico
estratégias competitivas da organização. As forças
                                                                   Oliveira (1987, p.21) expõe que o plano é o
externas podem afetar todas as empresas do setor,
                                                               arquivamento em forma de documento das infor-
a diferença se dá na forma com que a organização
                                                               mações obtidas e das atividades exercidas durante
usa suas habilidades para lidar com elas (PORTER,
                                                               o processo de planejamento, além de afirmar de
1986). Porter (1986, p.22) diz ainda que
                                                               uma maneira mais simplificada que “[...] plano é
        A estrutura industrial tem uma forte influência na
        determinação das regras competitivas do jogo, assim
                                                               uma visão estática do planejamento”. Maximiano
        como das estratégias potencialmente disponíveis para   (2004) diz que o plano estratégico é o resultado
        a empresa.                                             de uma analise SWOT, e a maneira com que ele
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Revista da     FAE


é tratado varia de acordo com a empresa, cada             ção, bem como sua integração com o ambiente
uma dando importância da maneira que convém               buscando a melhor adequação e levando é claro
para a organização, em aspectos como o grau de            sua missão, visão e valores. Existem alguns tipos
formalidade, controle e abrangência. Segundo              de estratégias genéricas que o administrador
o autor o plano estratégico se fragmenta em 5             deverá escolher, tendo em vista a situação que a
elementos básicos: missão, objetivos, estratégias,        empresa se encontra, visando alcançar o objetivo
execução e avaliação.                                     estabelecido. Estes tipos de estratégias são: de
     Por meio da missão a organização expõe               sobrevivência, de manutenção, de crescimento ou
qual é seu papel perante a sociedade e ela pode           de desenvolvimento (OLIVEIRA, 1987).
permanecer ou sofrer modificações com o passar                 Maximiano (2004) destaca que as etapas
do tempo (MAXIMIANO, 2004). Já segundo Hitt,              de execução e avaliação são as partes mais com-
Irelan e Hoskisson (2002) o enfoque interno da            plicadas do planejamento estratégico, porque a
missão estratégica trata da assimilação das ha-           implementação das estratégias traçadas a partir
bilidades e aptidões encontradas, servindo assim          dos objetivos envolverão mudanças com pessoas
de insumos para que a empresa possa criar ações           e investimento financeiro. Para Bateman e Sneel
estratégicas, e o enfoque externo busca colocar           (2006), o processo de implantação inicia-se com
a razão na qual a organização faz planejamento            a definição das tarefas estratégicas, o que ajudará
estratégico e onde pretendem chegar no que diz            os funcionários a entender como eles contribuem
respeito a produto e mercado. Para Sertek et al.          com a organização, em seguida deve-se avaliar a
(2007, p.53) “[...] a declaração da missão deve ser       capacidade dos funcionários e gerentes da orga-
curta, clara e de fácil compreensão e deve escla-         nização de implementar as tarefas estratégicas,
                                                          o próximo passo é desenvolver um cronograma
recer o propósito da organização [...]”.
                                                          definindo as pessoas e as atividades que são cha-
     Os objetivos são todos os resultados palpáveis
                                                          ves e quais estruturas, medidas e informações que
que as empresas almejam, para assim elaborar o
                                                          sustentarão o comportamento especificado e o ul-
seu planejamento estratégico e posteriormente
                                                          timo passo é elaborar um plano de implementação
focalizar nas estratégias (MAXIMIANO, 2004;
                                                          para acompanhar o progresso da implementação.
THOMPSON; STRICKLAND; GAMBLE, 2008).
                                                          Após implementar o planejamento a empresa deve
Barney e Hesterly (2008, p.8) dizem que os “[...]
                                                          buscar controlar e avaliar as decisões que, segundo
objetivos são alvos específicos e mensuráveis [...]”
                                                          Ackoff (1976), envolve a previsão dos resultados
e a empresa pode se utilizar deles para verificar         obtidos em forma de medidas de desempenho,
se ela está no caminho correto para a realização          reunindo assim informação sobre o desempe-
de sua missão.                                            nho real, comparando se o desempenho real se
     As estratégias são os cursos de ação, as for-        aproximou do previsto no plano, verificando-se
mas de competir ou as políticas de negócios da            as estratégias e políticas estão sendo de fato
organização, ou seja, os caminhos que a organiza-         eficazes buscando sempre identificar as falhas,
ção elege. A formulação da estratégia no processo         erros e problemas que possam desviar o curso
de elaboração do planejamento estratégico é uma           da implementação para corrigi-los e evitar sua
das etapas mais importantes e devem-se consi-             reincidência. Maximiano (2004) completa dizen-
derar inicialmente todas os resultados obtidos            do que as informações geradas nesta etapa irão
com as análises internas e externas da organiza-          servir como instrumento gerencial para manter o
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010                                                 |51
desempenho em todas as fases de acordo com o          (a empresa se situa no mercado da cidade de São
esperado, para minimizar as possíveis perdas que      Paulo, mas o gestor mostrou preocupação para
podem ocorrer devido ao mal gerenciamento do          estender a área de atuação da empresa para as
processo.                                             regiões Sul e Sudeste do Brasil), econômico (a
    Nesta seção foram apresentados todos os           empresa busca produzir produtos para qualquer
conceitos necessários para dar base à pesquisa        cliente independente do seu porte e procura
de campo, abordando todas as etapas do plane-         facilitar as formas de pagamentos oferecendo
jamento estratégico, desde suas origens, etapas       descontos e aumentando prazos), sociocultural
de elaboração até os resultados que podem ser         (a empresa demonstrou estar atenta as mudanças
obtidos com sua boa execução e sua relevância         e tendências do mercado). Os outros fatores não
para as organizações.                                 foram mencionados pelo gestor na sua entrevista.
                                                      Observamos que a organização não formaliza as
                                                      informações obtidas pelo ambiente geral e que
                                                      ela se baseia no conhecimento adquirido pelo
3 Resultado e exibição dos casos
                                                      seu gestor e no feeling que ele possui ao atuar a
                                                      mais de 25 anos nesse mercado. A empresa já está
                                                      consolidada no mercado da cidade de São Paulo
3.1 Caso 1
                                                      e tem como objetivo expandir seus negócios para
     A empresa analisada sempre produziu etique-      a região Sul e Sudeste. O gestor da empresa acre-
tas adesivas. Possui 35 anos de existência e atua     dita que ainda não expandiu a sua empresa para
no mercado de rotulagem e etiquetas na cidade         outras localidades do território nacional devido
de São Paulo. A empresa foi adquirida pelo atual      a comodidade de atuar no mercado paulista e a
gestor há 27 anos, após enfrentar alguns pro-         facilidade de logística encontrada pela organiza-
blemas como o alto endividamento causado por          ção na área. A empresa não sabe e nem procura
má administração do antigo gestor. Após quitar        se informar sobre a sua participação no mercado.
todas as dívidas e se tornar o sócio majoritário da        A empresa tem um conceito bem definido
empresa, o atual gestor reformulou o maquinário       para identificar seus concorrentes. A empresa
da empresa tornando-o mais atual e competitivo        se baseia na similaridade de maquinário entre
com a realidade do mercado e até hoje a empresa       as organizações e também no perfil dos clientes
investe em novas tecnologias, para sempre estar       finais. A organização estudada se considera mais
no mesmo nível que os seus concorrentes ou um         forte que os seus concorrentes no relacionamento
degrau acima. A empresa trabalha com fabrica-         com o cliente já que acredita que, por ser de me-
ção de rótulos e etiquetas adesivas padronizadas      nor porte que os seus rivais, a empresa consegue
e personalizadas contando com o total de cinco        oferecer um serviço mais personalizado para os
funcionários.                                         seus clientes (relacionamento direto com o dono).
     O gestor demonstrou se preocupar com             Além disso, possui maquinário de alta tecnologia
alguns fatores do ambiente geral como o tecno-        que não costuma ser encontrado em empresas de
lógico (onde ficou implícito a busca sucessiva da     pequeno porte no mercado de rótulos e embala-
empresa por novas tecnologias, visando melhorar       gens. O gestor informou que existe um relaciona-
o maquinário para desenvolver rótulos e etiquetas     mento de cooperação entre os concorrentes no
com uma maior qualidade e rapidez), demográfico       mercado. Inclusive existe um auxilio mutuo onde
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Revista da     FAE


é possível encontrar um concorrente utilizando as         postos a fazer o melhor pela empresa e por seus
instalações desta fabricantes de rótulos e etiquetas      colegas de trabalho. Dificilmente identificam-se
para “rodar” algum serviço nas suas máquinas.             gargalos no processo de produção dos rótulos. To-
O contrario também ocorre. Não há nenhuma                 dos possuem um alto grau de comprometimento
formalização referente ao funcionamento do                não somente com a organização, como também
mercado, a empresa não realiza nenhum tipo de             com o gestor da empresa. A empresa possui
pesquisa de preço e não monitora todos os passos          como desvantagem interna o fato de seu gestor
de seus concorrentes. Ou seja, informações que a          não gostar de computadores. Provavelmente é a
empresa obtém são baseadas em conhecimento                razão para não possuir pessoal capacitado para
adquirido por seu gestor e também por seu feeling         operar computadores. Porém, ele vem tentando
de mercado.                                               trazer novas ideias para a empresa por intermé-
      O poder dos clientes é alto, pois há diversas       dio de seu filho. O gestor mostrou na entrevista
empresas neste ramo. Assim sendo, podem barga-            ser altamente centralizador. Tudo o que ocorre
nhar o melhor preço. Os clientes são fiéis a marca,       na empresa necessita da sua autorização e todos
já que admiram a empresa pela confiança que ela           os departamentos estão ligados à ele. Inclusive o
oferece e pelo fato de ela ser bem flexível quanto        acompanhamento do desempenho dos funcio-
as formas de pagamento inclusive realizando par-          nários é realizado por ele que dispensa a forma-
celamento. Existem poucas barreiras de entrada,           lização de relatórios para executar essa tarefa:
já que vem ocorrendo, com certa freqüência, a             observa pessoalmente o desempenho individual
abertura de novas empresas no mercado. Porém,             de cada funcionário.
de acordo com o gestor, essas empresas costumam                O gestor procura realizar o seu benchmarking
ser ilegais e são abertas em sua grande maioria           com visitas esporádicas aos seus concorrentes
por ex-funcionários das organizações do ramo. Ou          percebendo por observação a maneira como os
seja, por serem ilegais conseguem trabalhar com           funcionários de outras organizações efetuam suas
melhores preços e prejudicam empresas como                tarefas. As informações são passadas dentro da
esta que acabam tendo que rever seus preços,              empresa de maneira verbal. Todas elas devem che-
para conseguir competir com essas organizações.           gar ao gestor e não existe nenhuma formalização
Então, foi possível identificar que a empresa não         das intenções. Existe somente a ordem de pedido,
desenvolve nenhum tipo de formalização referen-           que diz respeito ao que foi solicitado pelo cliente
te ao ambiente externo, obtendo integralmente             no processo de compra. A empresa não efetua
todas as informações com seu gestor; e o feeling          nenhum tipo de formalização pensando em seu
que possui para tomada de decisão e conheci-              ambiente interno. Também está centralizada em
mento adquirido.                                          um único pilar que é o seu gestor, o responsável
     As vantagens mencionadas pelo gestor quan-           por todas as tomadas de decisão sejam elas es-
to ao ambiente interno consistem principalmente           tratégicas ou operacionais.
na forma como funcionário da empresa desen-                    A empresa não tem a missão formalizada, já
volve o seu trabalho. A empresa demonstrada               que o gestor não tem esse conhecimento. A en-
preocupação em avaliar se o seu funcionário está          trevista deixa claro que a organização demonstra
motivado, se sentindo útil para a empresa. Todos          uma grande preocupação com os seus clientes, já
possuem espírito de equipe e estão sempre dis-            que oferece as melhores formas de pagamentos e
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010                                                 |53
também todas as informações exigidas pelos clien-      3.2 Caso 2
tes. Possui o entendimento de qual é o seu público
alvo, inclusive define os seus concorrentes por meio        A distribuidora de autopeças em questão
desta informação e procura desenvolver produtos        ainda não completou um ano de funcionamento.
                                                       A razão da sua abertura foi em se tornar parte do
de alta qualidade e diferenciados para o seu cliente
                                                       grupo da empresa Shiniko-Izza do Brasil Produtos
com máquinas de ultima geração que proporcio-
                                                       Automotivos. Surgiu em virtude dos benefícios
nam uma melhor impressão dos rótulos e etiquetas.
                                                       fiscais. O número de funcionário que trabalham
O gestor procura manter todos os seus funcionários
                                                       na empresa somam 15, sendo cinco internos e
informados sobre o que a empresa vem buscando
                                                       10 externos. As principais atividades da empresa
alcançar estrategicamente. O gestor procura não
                                                       são: revenda de autopeças, produtos químicos e
formalizar essas informações e sim transmiti-las aos
                                                       pneumática.
seus funcionários por meio de conversas, pois ele
                                                            Foi possível identificar que a distribuidora de
acredita que assim os funcionários se sintam mais
                                                       autopeças conhece a região (sudeste, sul e nor-
integrados a organização. Os objetivos da organi-
                                                       deste) e o mercado na qual atua, pela experiência
zação normalmente visam o longo prazo pensando
                                                       e prática, apesar de não conseguir saber sua par-
em medidas que fiquem estabelecidas por um bom
                                                       ticipação de mercado, tem alguma idéia sem ter
tempo na empresa, mas o gestor tem a preocupa-
                                                       nenhum dado concreto. Os seus concorrentes são
ção de também avaliar medidas em curto prazo,
                                                       identificados a partir do critério de serem aqueles
para assim estar atualizado a mudanças repentinas
                                                       que oferecem os mesmos tipos de produtos e
que possam ocorrer no mercado. Na entrevista não
                                                       buscam o mesmo tipo de clientes. A organização
foi informado pelo gestor como são realizados os
                                                       também afirma que os próprios produtos são
planos de curto e longo prazo.
                                                       uma vantagem em relação à seus concorrentes,
      As estratégias normalmente são implemen-         pois possui certificados de qualidade e garantia
tadas pela organização, mas não ocorre nenhum          da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sani-
tipo de formalização. O monitoramento dessas           tária) e ANP (Agência Nacional do Petróleo) , além
estratégias implantadas na organização é realiza-      experiência de mercado, por volta de 30 anos. As
do de acordo com os resultados obtidos financei-       informações sobre os concorrentes, Wurth, Rycal
ramente e avaliados pelo gestor e também pelo          e Uniforte, não são formalizadas. São adquiridas
contador da empresa. O controle das estratégias        quando ocorre o contato com o consumidor. Por
implantadas é feito mensalmente e procura ava-         meio deste contato se dá a comparação com ou-
liar as entradas e saídas do mês (bens que foram       tras empresas. Apesar da falta de documentação
adquiridos pela empresa para a realização dos          nesse aspecto, a empresa se mostra preparada
rótulos e etiquetas e também as vendas realiza-        para reagir a mudanças no ambiente externo e se
das no período). O gestor procura compreender          organizar contra seus concorrentes, pois o diretor
a representatividade do mês em comparação com          levanta informações sobre eles, por meio de visi-
outros já passados, para assim definir a estratégia    tas, e consultas com a própria equipe de vendas.
que será utilizada. Na entrevista foi citado como           Agora, sobre seus clientes, foi analisado que
estratégia a redução de custos e também a iden-        a distribuidora de autopeças procura manter sua
tificação de possíveis perdas e prejuízos que a        fidelidade, sempre procurando se relacionar de
organização possa estar tendo.                         maneira a atingir suas expectativas e necessidades,
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Revista da     FAE


realizando entregas no tempo prometido, prazos                 Identificou-se no ambiente interno que são
de pagamento flexíveis e mantendo contato mesmo           realizados treinamentos de seus funcionários,
após a venda, pessoalmente ou pelo SAC (Serviço           busca-se a motivação interna e a criação de um
de Atendimento ao Consumidor), para saber se o            ambiente sem conflitos por meio da confiança
produto atendeu suas expectativas. Também há              dos gestores em seus empregados. A empresa
um relacionamento com os fornecedores, que                dá autonomia aos funcionários, principalmente
entregam produtos que são considerados pela               para a equipe de vendas, deixando assim uma
empresa de qualidade porém a empresa busca                liberdade maior para realizarem seu trabalho. A
conhecer outros fornecedores para que esteja              organização nota também a importância da ino-
preparada a qualquer imprevisto, como por                 vação no ambiente interno, mesmo que não tendo
exemplo o não cumprimento na data de entrega              isso como um processo formalizado. A empresa
de um pedido. Assim, percebe-se que o risco de            tem softwares desenvolvidos especialmente para
prejuízo em função do fornecedor é pequeno, pois          ela, facilitando os operadores dos programas,
não depende dele. O diferencial da empresa é a            normalmente os gestores, a tomarem decisões
linha de produtos oferecidos que são considerados         mais precisas e rápidas. Quando necessário, de-
novos e inovadores no mercado, como o xampu               senvolve novos softwares, para se manter a par
em pastilha biodegradável para automóveis e               das mudanças e tentar encontrar a maneira mais
o higienizador de ar condicionado, dificilmente           rápida e eficaz para a solução de problemas. De
encontrados em outras empresas do ramo.                   maneira geral, o investimento no capital intelec-
      Apesar do diferencial e o conhecimento              tual é alto, nota-se a importância que a empresa
sobre as outras empresas do segmento, foi ve-             dá no desenvolvimento do funcionário, fazendo
rificado que há um alto grau de rivalidade entre          muito treinamento e oferecendo cursos como web
os principais concorrentes. Isto ocorre, pois os          designer e Inglês. Contudo existe a ocorrência de
vendedores fazem um grande esforço e é preciso            um ponto fraco, citado pelo entrevistado, que se
uma grande equipe para que seja possível entrar           da ao fato de os clientes de determinadas regiões
em contato com a maior parte possível de clientes         não possuírem atendimento, por falta de cober-
até conseguirem concluir a venda. Verificou-se            tura por parte dos vendedores.
também que a barreira de entrada é um aspec-                   Mesmo que a empresa não possua um plano
to a ser levado em conta pela distribuidora de            estratégico, ela formaliza muitos de seus processos
autopeças, já que abrem muitas empresas do                que são analisados visando a sua melhoria, como a
mesmo segmento. Então a organização, para se              avaliação de desempenho dos funcionários. Existe
manter competitiva, procura promover algumas              também a interligação entre os departamentos
facilidades para seus clientes: flexibilidade na for-     da empresa (que não são formalizados) para a
ma de pagamento, descontos, parcerias com os              circulação e compartilhamento das informações
fornecedores e acompanhamento das inovações               entre todos. A sua missão está definida pelo
do mercado(lançamento de produtos novos ou                Diretor, apesar dele não ter consciência do conceito
serviço que atraia o consumidor). A empresa for-          de missão e nem ter registrado em nenhum lugar,
maliza o processo de acompanhamento de novos              como sendo: “Entregar serviços de qualidade e
entrantes em forma de, relatórios sobre preço e           ter um bom relacionamento com seus clientes,
mercado concorrente feitos bimestralmente para            funcionários e fornecedores, trabalhando sempre
acompanhar as mudanças e tendências.                      para oferecer o melhor para nossos clientes [...]
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010                                                  |55
e funcionários”. Há a formalização dos objetivos      espera desenvolver uma lucrativa organização,
e metas em forma de planilhas para a equipe           classificada entre as melhores do ramo por volta
de vendas, avaliando seu desempenho e assim,          de 10 anos. Verifica-se que não há dados concretos
estabelecendo metas a serem atingidas, sempre         sobre a posição da empresa ao longo do tempo.
visando o curto prazo. Como a empresa está no         Apesar disso, a distribuidora de autopeças possi-
estágio de crescimento por estar conquistando         bilita o crescimento profissional dos empregados,
mercado, ela realiza ações para conseguir ganhar      proporcionando um plano de carreira para aqueles
participação de mercado, com avaliações de            que se destacam e são julgados como merecedores
gerentes, que identificam se a empresa deve           de uma posição melhor dentro da empresa.
mudar ou manter determinado processo.                      A empresa faz o controle de todas as estra-
     No que diz respeito aos concorrentes, a em-      tégias que são implementadas, como as de custo,
presa estabelece algumas maneiras para se manter      preço, alcance aos clientes, mix de produtos e o
competitiva, adotando estratégias, como prazos        serviço de televendas, e faz isso verificando as
de pagamentos aumentados, preços menores,             informações, se os objetivos foram atingidos, e
mix de produtos, e até utilizando algumas vezes       esses controles são realizados mensalmente, feitas
praticas parecidas com as dos concorrentes, como      reuniões para discussões, tomadas de decisões e
brindes. Outra estratégia adotada e que é uma         desenvolvimento de melhorias, para que sejam
vantagem competitiva é a grande quantidade            realizadas posteriormente mudanças necessárias
de vendedores espalhados por vários Estados           nas estratégias.Apesar de o diretor dizer que al-
(atuação fora de São Paulo) e a utilização de tele-   gumas estratégias não são implementadas, não
vendas. A maior parte das estratégias da empresa      foi possível verificar quais seriam.
fica por conta da área de vendas, pois isso muda
diretamente a lucratividade da organização, além
                                                      3.3 Caso 3
de procurar reduzir custos para poder também
eventualmente mudar sua estratégia de preços.               O início do funcionamento da joalheria
Então os funcionários dessa área acabam se en-        aconteceu em 1967 no centro de São Paulo. Lá
volvendo mais na busca de estratégias contra os       comercializava apenas pedras preciosas e sou-
concorrentes. Para que seja desenvolvida uma es-      venires e era voltada para o publico estrangeiro.
tratégia nessa área, os vendedores primeiramente      Após algum tempo e depois de algumas parcerias
conhecem as estratégias dos concorrentes, para        com outras empresas, adotou a personalização da
que assim possam escolher ou alterá-las. Um dos       jóia, onde o cliente escolhia a pedra e criava a sua
custos é o estoque. A empresa toma cuidado com        própria jóia. No ano de 1984, abriu uma loja na
suas decisões relacionadas ao estoque e formaliza     cidade de São José dos Campos, onde em 1997
seu processo de pedidos de compras, utilizando        se fundiu a atual empresa e uniu as duas marcas.
um software para a reposição programada de            Hoje conta com o total de 22 funcionários (15
produtos, não ultrapassando o limite máximo nem       funcionários da fábrica e 7 da loja física). Desde
o mínimo de produtos em estoque.                      então a empresa vem segmentando seu trabalho
     A visão de empresa, diferentemente da mis-       para alianças personalizadas, onde atende pessoas
são, é apenas uma ideia de como e onde ela quer       do mundo inteiro, por meio do site da empresa
estar daqui um determinado período. O Diretor         www.reisman.com.br e clientes da região com a
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Revista da      FAE


loja física localizada no Vale do Paraíba. O gestor       para ser possível oferecer um preço bom para o
demonstrou se preocupar com alguns fatores do             cliente e manter boas margens de lucro. A facili-
ambiente geral como o demográfico (a empresa              dade de imitação dos produtos leva a empresa a
abrange todo o território nacional), econômico            proporcionar freqüentemente o lançamento de
(a empresa busca produzir alianças para todas             novos produtos para atender as preferências e
as classes econômicas e flexibiliza o pagamento,          necessidade dos cliente e as tendências de mer-
mas não citou a saúde econômica do país), tec-            cado e assim diferenciar-se dos concorrentes. O
nológico (produção de qualidade) e sociocultural          gestor mostrou-se ciente do nível de concorrência
(a empresa parece bem preocupada com a ten-               do seu setor e as causas que levam a isso, mos-
dência das preferências dos clientes e mudanças           trou conhecer bem seus clientes e concorrentes e
do mercado). Já fatores como político-legal e             mostrou também que responde rapidamente às
global não foram enfatizados, o gestor não citou          ações dos concorrentes e mudanças dos clientes
nenhum sindicato, lei, ou órgão que influencie            e do mercado. Mas novamente a maior parte das
as atividades da empresa. Observamos, portanto            decisões são tomadas com base principalmente
que a análise do ambiente geral, nos moldes do            no feeling do gestor e poucas das pesquisas são
planejamento estratégico, é feita parcialmente,           formalizadas e arquivadas, a maior parte é feita
pois nenhuma das informações são formalizadas             no boca a boca entre os players do ramo que
e a maior parte das conclusões sobre os fatores           já se conhecem. O gestor demonstra perceber
do ambiente geral são baseadas no feeling do              e aproveitar as oportunidades no mercado, por
gestor. A ameaça de entrantes potenciais na loja          meio da loja virtual recentemente montada, mas
física é baixo devido ao alto custo de entrada e a        com a característica reativa, as adequações às ne-
necessidade de conhecer bem o mercado, já no              cessidades dos clientes e alterações dos produtos
mercado virtual a ameaça é maior devido ao baixo          conforme tendências do mercado. Parece estar
custo de montagem.                                        ciente também das ameaças e tenta de defender
     Em relação ao poder dos fornecedores, a              dessas com a maior rapidez possível.
joalheria produz suas próprias alianças, depen-                No referente a forças e fraquezas o gestor se
dendo assim somente de matérias primas (ouro)             mostrou bem confiante com seus recursos internos
que tem seu preço padrão no mercado. O poder              principalmente no tocante a conhecimento na
dos compradores, segundo o gestor, quanto aos             área de jóias e a vantagem de produzir suas
preços é baixo já que por ser uma loja que fabrica        próprias alianças (esta é ressaltada como a maior
as próprias jóias os preços são mais em conta o           força da empresa), também foi ressaltada por ele
que possibilita a não concessão de descontos,             como vantagem ou força a baixa burocratização.
porém quanto a forma de pagamento tem que                 O único fator citado como desvantagem em
haver flexibilidade, por ser um produto de alto           relação aos concorrentes foi o número de lojas
valor e nem sempre os clientes dispões do valor           que a empresa não possui para não elevar seu
de imediato. Como a empresa tem seu foco na               custo fixo e não ter que dispor de mais pessoas
comercialização de alianças, não existem os pro-          com o conhecimento e qualidade da marca, o
dutos substitutos. O gestor percebe o ambiente            que é difícil de encontrar. A empresa busca estar
externo com uma forte concorrência devido a alta          sempre treinando seus funcionários para mantê-
volatilidade dos preços do ouro, e sendo assim, a         los como diferencial e o gestor procura também
compra tem que ser feita da melhor forma possível         sempre conversar com seus funcionários para
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saber se estão satisfeitos e para saber o que os         dos principais concorrentes. A empresa, por ser
clientes estão comentando sobre a loja ou os             fabricante, muitas vezes lança novos modelos no
produtos que estão procurando, entre outros, e           mercado que seus concorrentes copiam.
isso se mostra bem eficiente para saber as forças             Na entrevista percebe-se que todas as
e fraquezas da empresa. São feitos relatórios            estratégias são implementadas rapidamente e
mensais sobre o desempenho dos integrantes               controladas por meio de relatórios mensais ou
da equipe de vendas para medir o benefício               semanais, e se são identificadas falhas o gestor
que cada vendedor representa para a empresa              busca ajustá-las o mais rápido possível para
e quanto aos ourives da produção são emitidos            otimizar os resultados. Percebe-se que o gestor
relatórios semanais para manter a qualidade dos          tem uma experiência muito grande de mercado
produtos. A empresa busca frequentar feiras,             o que o torna consciente sobre as suas forças
cursos e conseguir estudos na área para melhorar
                                                         (fabricação própria de alianças, o que possibilita a
seu desempenho em processos e desempenho dos
                                                         criação de jóias com qualidade superior, a tradição
funcionários. No ambiente interno os processos
                                                         da empresa e a grande experiência de mercado do
são bem formalizados, todas as informações são
                                                         gestor) e devido ao grande tempo de mercado os
registradas em computadores ou documentos
                                                         concorrentes já são conhecidos tornando a busca
assim como os relatórios de desempenho também
                                                         de informações mais fácil, mas isto leva o gestor a
são arquivados.
                                                         tomar decisões baseadas no seu conhecimento de
     A empresa possui missão formalizada e               mercado sem realizar pesquisas mais profundas.
publicada no site: “Concretizar sonhos e eternizar       Quanto a formalização dos processos da empresa,
sentimentos”, porém o conceito de missão para            a pesquisa de preços e informações de como
a empresa não está claro para o gestor, já que           os clientes acharam a Reisman foram uns dos
ele citou a missão inconscientemente ao dizer
                                                         poucos processos percebidos que são feitos
que: “[...] nós fornecemos um produto de alta
                                                         frequentemente, da mesma maneira e arquivados
qualidade por preços de fábrica [...] para casais
                                                         em planilhas.
de todas as classes sociais de todo Brasil [...] ” e o
gestor reconhece que houve mudança do papel
da empresa no mercado em relação ao público              3.4 Caso 4
alvo (“estrangeiros para o público interno) e o
produto (“de pedras preciosas para jóias para                 Trata-se de uma empresa nova que atua no
alianças”). No tocante aos objetivos e metas são         segmento de aquário e pesca. Surgiu no ano de
informais e divulgados em reuniões internas com          2008 com a proposta de oferecer a seus clientes
os funcionários e normalmente visam o curto              produtos por meio de parcerias com os principais
prazo, mas o gestor não citou nenhum alvo                fornecedores do segmento, grande variedade de
específico ou mensurável, mas o gestor mostrou           produtos e atendimento de qualidade com fortes
que busca envolver todos da organização em               relacionamentos com os clientes. Sua instalação
busca do bom funcionamento da empresa. As                inicial foi feita a partir de uma loja no Shopping
estratégias da empresa visam o crescimento e             de Campo Limpo e posteriormente mudou-se para
a diferenciação (criação de novos modelos de             uma loja de rua próxima ao shopping, devido
alianças principalmente), mas são modificadas e          ao alto custo fixo e a necessidade de um espaço
melhoradas de maneira reativas às ações e decisões       maior. Com isso, o leque de produtos foi ampliado
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e a empresa passou a focar-se principalmente em           experiências com os fornecedores com o objetivo
produtos de pesca. Hoje conta com 6 funcionários          de identificar mudanças no mercado e ajustar seus
na busca de oferece uma grande variedade destes           preços. Para não errar a empresa acompanha as
produtos, além de trabalhar com equipamentos              tendências e iniciativas da concorrência e passa a
para camping, náutica e ainda mergulho.                   utilizá-las na empresa. O segmento apresenta alta
     Do mesmo modo que qualquer empresa                   barreira de entrada já que o investimento inicial
iniciante se depara com dificuldades de adentrar          é alto e é necessário um bom conhecimento dos
em um segmento, seja por falta de conhecimento            consumidores, principalmente de seus hábitos
do seu público-alvo, feeling de mercado, conhe-           de consumo. A satisfação dos clientes é medida
cimento dos produtos, concorrentes, tributos, a           por meio da frequência e retorno dos clientes, ou
loja pesquisada está passando por um período              mesmo da indicação da loja por parte dos consu-
estabilização no mercado. O segmento de aquá-             midores para amigos, familiares e conhecidos. Os
rio e principalmente de pesca possui uma forte            funcionários mantêm um registro dos melhores
concorrência, devido à presença de empresas               clientes e freqüentemente através do contato
tradicionais além de empresas grandes redes que           telefônico apresentam novidades de produtos
criam promoções que dificilmente pode ser acom-           ou mesmo realizam avaliações de necessidades e
panhadas por empresas de pequeno porte. Assim,            contentamento para com a loja.
a empresa busca conquistar o mercado por meio                  A empresa possui como vantagem interna a
de uma administração eficaz e um atendimento              recente formação dos gestores em administração
diferenciado. A loja, além da facilidade da locali-       de empresas. Com isso acredita-se que ela conse-
zação, possui um amplo espaço com diversas va-            guirá identificar falhas nos processos internos, de
gas, o que garante aos clientes da empresa maior          funcionários e mesmo na gestão e rapidamente
conforto para fazerem suas compras em relação as          corrige-los de forma adequada, guiando assim a
lojas da região. Por falta de informações e dados         empresa rumo ao sucesso e o planejamento ne-
relevantes sobre o setor a empresa não sabe qual          cessário para alcançá-lo. Os funcionários recebem
é sua participação de mercado, mas comparativos           treinamento através de troca de experiências por
por faturamento mostra que a empresa possui no            parte dos funcionários mais velhos com os mais
momento uma participação pequena de mercado.              novos, além de apostilas, livros e vídeos do assun-
     Uma grande dificuldade identificada pela             to. A empresa busca também uma parceria com
empresa é o fato de ainda não haver pessoas na            os fornecedores, para que estes possam instruir a
parte da direção da empresa que entendam efe-             equipe de venda a respeito dos produtos por eles
tivamente dos produtos e conheçam os hábitos              oferecidos. Como muitos clientes do segmento
de consumo dos clientes, tornando a empresa               possuem um conhecimento considerável sobre os
vulnerável em comparação a concorrentes tradi-            produtos, a loja busca manter uma equipe com
cionais. Os fornecedores são considerados fortes          alto conhecimento dos produtos e dessa forma
aliados para a empresa, já que eles possuem               poder sanar dúvidas e identificar necessidades
contato direto com a concorrência e possuem               dos clientes, consequentemente transformando-
grande experiência no mercado, além de terem              -as em vendas.
conhecimento do preço praticado por eles. Assim
sendo, a empresa realiza constantemente troca de


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Por meio das vendas individuais a empresa      de crescimento no longo prazo, tanto da loja
consegue identificar o desempenho dos funcioná-      como dos funcionários. Dessa forma a empresa
rios, acompanhando assim melhoras ou dificulda-      encontra-se no estagio de crescimento, já que
des encontradas por cada um deles, que tentam        existe um grande mercado a ser explorado tanto
ser ajustadas com aumento de treinamento ou          na loja física quanto em planos de loja virtual.
recursos para capacitação. O perfil dos profissio-   Porém uma grande dificuldade encontrada pela
nais da empresa são vendedores que possuam ex-       empresa é a respeito da reposição de estoque, que
periência no assunto, tenham vontade de aprender     ainda não é totalmente informatizada.
ainda mais e que almejam crescer juntamente com            Os preços dos produtos são atualizados cons-
a loja. Como a gerência possui ainda pouca expe-     tantemente através de pesquisas com clientes e
riência e conhecimento a respeito dos produtos e     fornecedores, além da observação das lojas dos
mercado, a empresa encontra grande dificuldade       concorrentes e de sites do segmento, para que a
para comprar produtos certos e que atendam as        empresa possa ter preços compatíveis com seus
necessidades dos clientes, e ainda contato com       concorrentes, já que seus clientes são muito sensí-
estes fornecedores, tornando a empresa vulnerável    veis ao preço. Por isso, a empresa busca conseguir o
em comparação com os tradicionais concorrentes.      melhor custo possível de seus produtos para ter uma
Como a empresa é de pequeno porte os departa-        margem melhor e transmite. Por meio das informa-
mentos são liderados por pessoas próximas, tendo     ções transmitidas pelos clientes a empresa busca os
suas vantagens como rápido tempo de resposta e       melhores canais de divulgação para atingi-los.
desvantagens como problemas da informalidade
                                                          Analisando as estratégias discutidas ao lon-
nas atividades.
                                                     go da pesquisa (custo, qualidade, diferenciação),
     No inicio da atividade da empresa, o produto    a empresa realiza hoje pouca implementação,
principal seria aquarismo, mas com a mudança         focando-se principalmente ou quase exclusiva-
de localização da loja o core business passou a      mente na estratégia de preços, feita principal-
ser a comercialização de produtos para pesca. A      mente por meio da observação da reação dos
empresa tem a missão declarada no site: garantir
                                                     clientes. A empresa preocupa-se em organizar-se
a excelência na comercialização de produtos de
                                                     internamente, formalizando os processos internos
pesca, aquário e camping, agregando valor ao
                                                     e treinando os funcionários de forma à atender as
cliente e garantindo a sua plena satisfação. O
                                                     necessidade dos clientes. Por meio de observação
conceito, porém, está incompleto, pois falta citar
                                                     dos concorrentes e troca de informações com
o público alvo, e a área de atuação. Identificou-
                                                     os fornecedores, a empresa consegue implantar
se que a Acqua fish aponta como ponto a ser
                                                     estratégias que já foram testadas no segmento e
melhorado o atendimento aos clientes por parte
                                                     obtiveram sucesso.
dos vendedores, pessoas que lidam diretamente
com todos os compradores, mostrando assim
um ponto crucial para o alcance da proposta          3.5 Análise comparativa dos resultados
da empresa que é oferecer um diferencial no               apurados
atendimento ao cliente por meio de funcionários
que efetivamente entendam dos produtos. A                Analisando conjuntamente os casos percebe-
loja preocupa-se que os vendedores saibam            mos que as empresas realizam diversas pesquisas
do almejo que a direção da empresa possui            no ambiente externo, principalmente no tocante
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Revista da     FAE


aos concorrentes, mas poucas destas pesquisas                  Embora todas as empresas conheçam seu
são formalizadas e feitas de maneira padronizada.         público alvo, a região de atuação e o papel que
A formalização é muito enfatizada na pesquisa             a empresa desempenha no mercado, nenhuma
de preços pelas empresas, com exceção da fabri-           possui um conceito formalizado que seja completo
cante de etiquetas e rótulos que não formaliza            sobre a missão. A joalheria tem sua missão
este processo. As empresas mostraram conhecer             declarada no site, porém está conceitualmente
bem o setor e os seus concorrentes, com exceção           errada, as outras não possuem nenhuma missão
da fabricante de etiquetas e rótulos e da loja de         declarada. Todas as empresas estão buscando o
artigos de pesca, camping e aquarismo que não             crescimento, embora a fabricante de etiquetas
conhecem muito bem seu setor, mas conhecem                e rótulos tenha declarado que se encontra em
seus concorrentes. Todas têm ciência sobre os             uma fase de estagnação, ela mostrou o claro
entrantes potenciais no ramo e as barreiras que           interesse (de curto e longo prazo) em voltar a
existem e que podem utilizar para evitar estes            crescer. Os gestores parecem não ter o conceito
entrantes. De uma maneira geral todas as em-              de objetivo muito claro já que nenhuma empresa
presas fazem análises do ambiente externo, mas            apresenta objetivos mensuráveis, somente metas
a formalização é praticamente inexistente.                predominantemente de curto prazo. A fabricante
                                                          de etiquetas e rótulos foi a única empresa que
     Quanto as práticas de mercado, todas as
                                                          se mostrou preocupada com objetivos de longo
empresas buscam imitar as melhores (benchma-
                                                          prazo, embora não mensuráveis.
rking), observando seus concorrentes e adaptando
estas às suas empresas. Em todos os casos este                  Como a maior parte das estratégias não são
processo é feito de forma informal. Os pontos             formalizadas, a maior parte das empresas não per-
fortes e fracos são percebidos pelas empresas e a         cebe o momento exato da implementação o que
maior parte delas aproveita os fortes e trabalha          dificulta estabelecer métodos e critérios de análise
os fracos. Esses pontos são identificados pela            para aquela estratégia. Apenas a joalheria mostrou
                                                          utilizar o processo de implementar, controlar e
observação da empresa e dos concorrentes e
                                                          realizar um feedback para arrumar as falhas.
verificando-se o que a empresa tem de melhor no
tocante a processos e recursos internos, mas esta
pesquisa também é feita de maneira informal. No
ambiente interno é onde as empresas mostraram             Considerações finais
maior nível de formalização, vimos que a BR 101,
emite relatórios semanais de desempenho dos                    Em detrimento da literatura preconizada nes-
seus vendedores, a joalheria também faz relatórios        te trabalho se pode ventilar que o planejamento
semanais sobre o desempenho dos funcionários              estratégico corteja a mobilização de todos os
da fábrica, relatórios mensais sobre o desempenho         recursos da empresa no âmbito global externo e
dos vendedores e todos os novos processos que             interno visando atingir objetivos definidos previa-
são adotados pela empresa são passados para os            mente. Tem-se ai uma metodologia gerencial que
funcionários e todos assinam que estão cientes.           permite estabelecer o caminho a ser seguido pela
Na loja de artigos de pesca, camping e aquarismo          empresa, visando elevar o grau de interações com
e na fabricante de etiquetas e rótulos não foram          os ambientes internos e externos. O planejamento
identificados processos que sejam formalizados.           estratégico procura responder a questões básicas,
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como: Por que a organização existe? O que e como            Finalmente pode se elencar que pelo fato
ela faz? E aonde ela quer chegar? O planejamen-        de a gestão das empresas ser familiar, há uma
to estratégico deve comportar decisões sobre o         grande resistência dos gestores em aceitar novos
futuro da organização. Nesse aspecto tem-se: os        conceitos administrativos, de modelo de negócio,
objetivos organizacionais de longo prazo; as ati-      e uma centralização das atividades e processos que
vidades escolhidas, isto é, os produtos (bens ou       ocorrem na organização o que dificulta a formali-
serviços) que a organização pretende produzir;         zação e elaboração do planejamento estratégico.
os consumidores ou clientes que se pretende            A pesquisa deixa espaço para outros pesquisa-
abranger; os lucros esperados para cada uma            dores buscarem comprovar os resultados desta,
de atividades desempenhadas pela organização;          com pesquisas mais abrangentes ou em setores
alternativas estratégicas quanto ao manter o pro-      específicos, assim como podem se aprofundar em
duto atual, maior penetração no mercado atual e        temas mais específicos do trabalho para identificar
desenvolvimento de novos mercados; e finalmen-         sua relação com os resultados desta pesquisa.
te novos investimentos em recursos (materiais,
financeiros, máquinas e equipamentos, recursos         Limitações
humanos, tecnologia etc.)
                                                            A primeira limitação refere-se à abordagem
     No presente trabalho exposto acima, ao se         metodológica utilizada. Por se tratar de uma
realizar a investigação de campo com o objetivo de     pesquisa de natureza exploratória, os resultados
verificar como ocorre o planejamento estratégico       encontrados não devem ser generalizados. As
nas micro e pequenas empresas de gestão familiar,      considerações finais só podem ser estabelecidas
pode-se perceber que em todas as empresas pes-         para o caso estudado. Além disto, as diferenças
quisadas ocorre, consciente ou inconscientemente,      encontradas das atividades refletem somente a
uma etapa ou mais do planejamento estratégico.         concordância ou discrepância em relação à revi-
A ausência de formalização dos vários processos        são bibliográfica, não sendo válidas comparações
nessas empresas parece ser consequência do estilo      sobre a eficácia e eficiência entre estas empresas.
centralizador de gestão adotado pelos gestores. A      As considerações observadas foram feitas a partir
estrutura é muito influenciada pela gestão familiar.   da interpretação em torno das declarações dos
Percebe-se que nenhuma empresa define de ma-           entrevistados e de outras fontes de evidências
neira conceitualmente correta sua missão, embora       consultadas, sendo, portanto, guiadas pela per-
todas tenham clara consciência do seu papel no         cepção do pesquisador e ocasionalmente passíveis
mercado, região de abrangência, público alvo e         de vieses em algumas colocações.
os produtos oferecidos e seus objetivos não são
declarados de maneira mensurável. Nos ambientes
interno e externo, as empresas demonstraram re-
agir às ameaças e fraquezas e também aproveitar
as oportunidades e forças que possuem, para de
adaptar às mudanças do mercado e do setor. O
feedback e controle, nas empresas pesquisadas,
não é muito presente principalmente por estas não
terem o conceito claro de qual seja a estratégia                                      • Recebido em: 10/09/2010
adotada pela empresa ou sobre os objetivos.                                           • Aprovado em: 27/10/2010

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Revista da     FAE


Referências

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 64 |
Revista da          FAE


Análise comparativa dos modelos de precificação de ativos
Capital Asset Pricing Model e Downside Capital Asset Pricing
Model

Comparative analysis of both Capital Asset Pricing Model and
Downside Capital Asset Pricing Model
                                                                                         Adriana Moreira Bastos de Faria*
                                                                                         Lucas Maia dos Santos**

Resumo
Neste estudo discutiremos dois modelos de equilíbrio: o CAPM convencional e
uma de suas variações, o Downside Capital Asset Pricing Model. Foram utilizados
dados secundários obtidos da base de dados Economática Software para
Investimentos Ltda. Utilizaram-se o preço de fechamento das cotações diárias
de 21 ações escolhidas aleatoriamente negociadas na Bolsa de Valores de São
Paulo, correspondendo ao período entre 01/09/2006 a 21/06/2010, com 935
observações de rentabilidade. Utilizou-se como proxy da carteira de mercado o
índice Ibovespa e quanto ao ativo livre de risco, a taxa Selic. No geral, percebeu-
se que o downside beta foi inferior ao beta tradicional indicando que a análise a
partir da semi-covariância e semi-variância possibilitou a redução do risco sistêmico
do ativo, o que foi corroborado pela redução dos retornos esperados para os
mesmos ativos. No entanto realizando o teste t de student, verificou-se que não
existe diferença significativa entre os betas. Concluindo, pode-se observar que a
volatilidade negativa dos ativos é bastante significativa na composição do risco
do ativo, o que mostra a importância do downside beta como fator explicativo
do verdadeiro risco sistêmico.

Palavras-chaves: CAPM; DCAPM; Finanças.



Abstract
In this study we discuss two models of balance: the conventional CAPM and its
variations, the Downside Capital Asset Pricing Model. Secondary data were obtained
from the database Economática Software Investimentos Ltda. We used the closing
                                                                                         *  Mestranda em Administração
daily prices of 21 randomly selected stocks traded on the Bolsa de Valores de São
                                                                                            com ênfase em Finanças pela
Paulo, corresponding to the period from 01/09/2006 to 21/06/2010, with 935
                                                                                            Universidade Federal de Minas
observations. It was used as a proxy of market the Ibovespa index and as a risk             Gerais, . Analista do Banco Central
free asset the Selic rate. The downside beta was lower than the traditional beta            do Brasil, com atuação na área de
indicating that the analysis from the semi-variance and semi-covariance allowed             Planejamento, Orçamento e Custos.
for the reduction of systemic risk of the assets, which was corroborated by the             Brasília - Distrito Federal. E-mail:
reduction of the expected returns for the same assets. However performing the               adrianambf@gmail.com
t test, it was found that there is no significant difference between the betas. In       ** Mestrando em Administração
conclusion, we can observe that the negative volatility of assets is quite significant      com ênfase em Finanças pela
in the composition of risk assets, which shows the importance of downside beta              Universidade Federal de Minas
                                                                                            Gerais. Belo Horizonte - Minas
as an explanatory factor of the real systemic risk.
                                                                                            Gerais. E-mail: admlucasmaia@
                                                                                            hotmail.com
Keywords: CAPM; DCAPM; Finance;

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010                                                                     |65
Introdução                                           o próprio CAPM, representando, na verdade,
                                                     variações do mesmo.
     O desenvolvimento de modelos de previsão              Neste estudo discutiremos dois modelos: o
de retorno de ativos financeiros tem sido alvo de    CAPM convencional e uma de suas variações, o
grandes discussões pelos teóricos da administração   Downside Capital Asset Pricing Model ou D-CAPM.
financeira. Entre os vários modelos desenvolvidos,   Este segundo veio como uma alternativa que visa
os trabalhos de Markowitz (1952), Tobin (1958),      propor adaptações ao tradicional CAPM, com a
Sharpe (1964), Lintner (1965) e Mossin (1966)        finalidade de corrigir imperfeições provocadas pela
resultaram no modelo mais utilizado tanto no         falta de liquidez e a alta volatilidade do mercado
meio acadêmico quanto no meio empresarial.           de capitais dos países emergentes. O modelo
Este foi denominado Capital Asset Pricing Model      D-CAPM propõe-se estimar o retorno requerido
(CAPM). Sua simplicidade teórica e prática é a       utilizando uma medida de downside risk, a fim de
principal razão de seu sucesso.                      corrigir vieses na mensuração da medida de risco,
     Investimentos financeiros podem ser previs-     provocados especialmente pela assimetria dos
tos a partir de uma relação linear com o fator de    retornos das ações. Assim, usa como alternativa
mercado. Para isso, supõe-se que todos os inves-     o downside beta, que utiliza a semivariância no
tidores possuam um mesmo conjunto de infor-          lugar da variância como medida de dispersão.
mações; por conseguinte, todos eles desenhariam      Desta forma, tentaremos responder a seguinte
um mesmo conjunto eficiente de ativos com risco.     pergunta: Existem diferenças significativas entre
Em tal situação, o mercado atingiria o que se cha-   os modelos CAPM e DCAPM para precificação e
mou de equilíbrio entre cada risco e retorno. Este   medida de risco das ações do mercado brasileiro?
é o principal pressuposto da teoria do CAPM: o            Uma das vantagens da semivariância é que
equilíbrio do mercado. Autores como Damodaran        ela considera indesejável apenas os retornos que
(2002), Ross, Westerfield e Jaffe (2002), Damoda-    estão abaixo do esperado, enquanto a variância
ran (2007) e Assaf Neto et al. (2008) argumentam     considera igualmente indesejáveis todos os extre-
sobre o assunto.                                     mos dos retornos. Segundo Elton et al. (2003), o
     Nas últimas duas décadas evidenciou-se o        D-CAPM é um modelo que centra seu foco uni-
crescimento do número de estudos empíricos           camente no risco não desejado, ou seja, analisa
que examinam a capacidade preditiva da versão        apenas os retornos que estão abaixo do retorno
estática do CAPM (BONOMO, 2002; RIBENBOIM,           esperado (desvio negativo), pois, de acordo com
2002; PAIVA, 2005; TAMBOSI FILHO et al., 2010).      Estrada (2000), os investidores se preocupam ape-
Os resultados obtidos nesses estudos mostram         nas com a parte negativa do risco, uma vez que
que a versão estática é incapaz de explicar          esta é indesejável para os investidores.
razoavelmente a variação cross-sectional do                Assim, este estudo terá como objetivo prin-
retorno médio dos portfólios analisados. Para        cipal comparar os modelos de precificação CAPM
tentar explicar essas e outras questões, surgem      e DCAPM para um mesmo grupo de ações do
então adaptações mais complexas ao modelo            mercado brasileiro. Para isso este estudo está di-
CAPM. A partir das limitações encontradas no         vidido em cinco partes, incluindo esta Introdução.
CAPM, passaram a ser desenvolvidas novas             Na segunda parte faremos uma breve revisão da
modelagens, tendo muitas delas tido como base        literatura para explicar a construção dos dois mo-
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Revista da      FAE


delos de equilíbrio. Essa parte será seguida pelos        pouco mais que afirmações. A sua preocupação
métodos e procedimentos aplicados e pela análise          era que não existia realmente um meio significa-
dos resultados com informações de uma amostra             tivo de relacionar retorno e risco.
de ações negociadas na BMF & Bovespa. Por fim,                 Outro trabalho na mesma linha foi o publicado
tem-se a conclusão com as principais comparações          por Lintner (1965), também sobre a mensuração
entre os modelos, buscando identificar a maior            do risco envolvido nos retornos de ativos de
correlação com o retorno dos ativos e o que obteve        capital. Este trabalho expunha o problema de
melhor desempenho para as ações analisadas.               se selecionar uma carteira ótima de ativos por
                                                          investidores com aversão a risco, os quais tinham a
                                                          alternativa de investir em ativos livres de risco com
1 Referencial teórico                                     retorno positivo. Lintner (1965), do mesmo modo
                                                          que Sharpe (1964), também baseou seu estudo
                                                          em diferentes expressões contendo elementos
1.1 Capital Asset Pricing Model                           de desvio-padrão, variância e covariância dos
                                                          retornos dos ativos, de modo a obter diferentes
     O estudo da relação risco e retorno em finanças      combinações de expectativa de resultados, tal
teve um de seus trabalhos seminais representado           como no modelo CAPM, que será utilizado como
pelo artigo de Sharpe (1964). O autor, através            base para o presente estudo.
desse trabalho, deu um passo importante na                     Uma terceira abordagem independente e
busca da compreensão do comportamento dos                 contemporânea sobre precificação de ativos foi
retornos dos ativos financeiros em condições de           feita por Mossin (1966) que se propôs a investigar
risco, tornando-se um dos pilares da moderna              as propriedades dos ativos de risco de mercado
administração financeira. Seu modelo ficou                baseado no modelo simples de equilíbrio geral de
conhecido pela sigla CAPM (Capital Asset Pricing          câmbio. Baseou sua teoria na existência de uma
Model) e até hoje tem sido muito utilizado nos            linha de equilíbrio de mercado, onde discutiu
estudos sobre estratégias de investimento nos             o conceito de prêmio de risco em termos da
mercados financeiros. No caso do mercado                  inclinação desta linha.
acionário brasileiro, a fim de testar a aplicabilidade
                                                              Baseado nas ideias de Markowitz (1952),
do CAPM, muitos estudos recentes têm sido
                                                          Sharpe (1964) desenvolveu o CAPM, atualmente
realizados, destacando-se os de autores como:
                                                          consagrado um dos modelos mais utilizados
Costa Jr. e Neves (2000), Ribenboim (2002), Hagler
                                                          para avaliação de ativos financeiros, dado sua
(2003), Paiva (2005), Mussa, Rogers e Securato
                                                          simplicidade e reduzido número de cálculos.
(2008) e Tambosi et al. (2010).
                                                          As premissas assumidas por Sharpe (1964) na
    Sharpe (1964) manifestou à época a dificul-           construção deste modelo foram as seguintes:
dade existente de predizer o comportamento do
                                                              – Os investidores são indivíduos que tem
mercado de capitais devido à ausência de conceito
                                                                aversão ao risco. Eles compõem seus por-
microeconômicos adequados. Mas, devido à influ-
                                                                tfólios segundo o critério de maximização
ência do risco nos mercados, os administradores
                                                                do retorno e de minimização da variância
eram obrigados a adotar modelos de compor-
                                                                das rentabilidades;
tamento de preços que significavam apenas um


Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010                                                   |67
– Todos os investidores são tomadores de               Essa relação supõe que o retorno esperado
          preços e possuem expectativas homogêne-         de qualquer ativo com risco seja igual à taxa de
          as em relação aos rendimentos dos ativos;       retorno do ativo livre de risco, mais um prêmio
        – Existência de um ativo livre de risco. Os       pelo risco, que é o segundo termo da equação. O
          investidores podem tomar empréstimos e          prêmio pelo risco é o retorno que os investidores
          emprestar sem limites e à mesma taxa;           exigem pelo risco e é obtido pelo preço de
                                                          mercado do risco multiplicado pela quantidade de
        – Todos os ativos são perfeitamente divisíveis;
                                                          risco (ELTON et al., 2003). Segundo Silva (2007),
        – Não há custo de transação nem impostos;
                                                          essa relação também pode ser escrita da seguinte
        – As quantidades de todos os ativos são           forma:
          dadas e fixas e a informação está ao alcance
          de todos os investidores.                           Retorno esperado = Preço do tempo +
                                                              Quantidade de risco * Preço do risco        (2)
     Consideradas essas premissas, o modelo de
Sharpe (1964) estabelece que o retorno médio                   O preço do risco é a diferença entre a taxa de
esperado de um ativo é função apenas do seu risco         retorno esperada na carteira de mercado e a taxa
não diversificável (também conhecido como risco           de retorno livre de risco. A quantidade de risco é
sistemático) relacionado às flutuações do sistema         chamada de beta (ß). O beta é, segundo Brigham
econômico como um todo, já que o risco não                et al. (2001), a tendência de uma ação se mover
sistemático depende de fatores que podem afetar           para cima ou para baixo, com o mercado e pode
o desempenho da empresa, como estrutura de                ser calculado pela seguinte fórmula:
capital, performance da administração, campo de
atuação entre outros, e que, por sua vez, pode ser                   σ iM       Cov (Ri, RM)
                                                              ßi =          =                             (3)
eliminado por meio da diversificação da carteira                     σ 2M       Var (RM )
proposta por Markowitz (1952). Desta forma,
o relacionamento entre o risco sistemático e o                em que:
retorno de títulos é dado por uma relação linear, e
                                                              ßi é o beta do ativo i;
esta pode ser explicada por um índice de mercado.
                                                               Cov (Ri, RM) é a covariância entre o retorno do
   A forma básica do CAPM pode ser escrita
                                                          ativo i e o retorno do mercado;
como:
                                                              Var (RM) é a variância do retorno do mercado.
        E(Ri )= RF + ß [ E(RM) - RF ]               (1)        Assim, quanto mais elevada a covariância en-
                                                          tre o retorno de um ativo e o retorno do mercado,
                                                          maior será o beta deste ativo e, conseqüentemen-
        Onde:
                                                          te, maior será seu risco.
    E(Ri): taxa de retorno esperado de um ativo
                                                               Nas carteiras diversificadas, o beta torna-
qualquer em situação de equilíbrio;
                                                          se a medida correta do risco dos ativos. Nesses
        RF: taxa livre de risco;                          casos, segundo Elton et al. (2003), o risco não-
        ß: coeficiente beta ou risco sistemático;         sistemático tende a zero e o único risco relevante
    E(RM): taxa de retorno esperado a ser paga            é o medido pelo beta. Então supondo-se as
pelo mercado.                                             expectativas homogêneas e uma possibilidade
                                                          limitada de empréstimos, todo investidor irá

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Revista da     FAE


optar pela carteira de mercado, pois sua opção            como alternativa para superar as limitações da
será por uma carteira muito bem diversificada.            variância, indicando a semivariância como medida
Logo, assumindo-se que o investidor tem interesse         apropriada nesses casos.
apenas nos retornos e riscos esperados, as únicas              De acordo com López e Garcia (2010), se a
dimensões do ativo necessárias para tomada de             distribuição das rentabilidades dos ativos é simé-
decisão são os retornos esperados e o beta (ELTON         trica, não há problema algum em medir o risco
et al., 2003).                                            pelo desvio-padrão e pela variância, pois, quando
                                                          a distribuição é simétrica, a probabilidade de ocor-
                                                          rerem desvios negativos e positivos da média é a
1.2 Downside Capital Asset Pricing Model
                                                          mesma. Mas, se a distribuição é assimétrica, como
        (D-CAPM)                                          ocorre normalmente nos mercados emergentes,
                                                          em virtude da alta volatilidade de seus mercados,
     O modelo de mensuração de ativos financei-
                                                          o desvio-padrão e a variância deixam então de ser
ros CAPM, como visto anteriormente, foi criado
                                                          medidas eficazes de risco, pois a probabilidade de
na década de 1960 e, deste então, vem sendo
                                                          se obter um rendimento acima da média é diferen-
protagonista de fervorosos embates teóricos em
                                                          te da probabilidade de se atingir um rendimento
todo o mundo. Um dos questionamentos mais
                                                          abaixo da média (ou vice-versa). Em substituição,
usuais é se a medida de risco beta é a ferramenta
                                                          adotam-se a semivariância e o semidesvio-padrão
mais apropriada para mensurar o risco.
                                                          como medidas de dispersão ideais.
     Segundo Estrada (2002), porém, a discussão
                                                               Para Hogan e Warren (1974), o principal fator
sobre a validade do CAPM não deve girar em
                                                          que motiva o uso da semivariância no lugar da
torno do beta, e sim, da base de sustentação
                                                          variância é que a minimização da semivariância
teórica do beta. Em outras palavras, investidores
                                                          se concentra na redução das perdas, ao passo
procuram maximizar sua função de utilidade, que,
                                                          que a variância identifica como indesejáveis tanto
por sua vez, depende da média e da variância dos
                                                          ganhos extremos como perdas extremas. Ou seja,
retornos de seu portfólio. Ou seja, a utilização
                                                          o retorno esperado talvez seja sacrificado na eli-
da variância como medida de risco é passível de
                                                          minação de ambos os extremos.
ser questionada, principalmente em mercados
                                                              A medida de risco semivariância pode ser
emergentes, em razão da assimetria dos retornos
                                                          expressa da seguinte forma:
das ações.
     Segundo Markowitz (1959), a definição sobre              S²=E(Min((Rx-T),0)²)                        (3)
qual medida de dispersão adotar na análise de por-
                                                              Onde:
tfólio dependerá do formato da distribuição dos
retornos das ações. Se esta possuir um formato                Se (Rx-T)>0, (Rx-T)=0
simétrico, ou se todos os ativos possuírem o mes-
mo grau de desvio, sugere-se utilizar a variância             Se (Rx-T)<0,(Rx-T)<0
como medida de risco. Porém, se o formato da
distribuição dos retornos dos ativos for assimétri-
co ou se os ativos possuírem graus de dispersão
diferentes uns dos outros, Markowitz (1959) su-
gere que se utilize uma medida de downside risk
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010                                                  |69
Recentemente, Estrada (2000) desenvolveu              No mercado brasileiro, caracterizado por
um modelo para substituir o tradicional CAPM.         grande volatilidade dos ativos torna-se interessan-
Esse modelo foi nomeado de Downside Capital           te utilizar o D-CAPM como medida alternativa de
Asset Pricing Model (D-CAPM). O que difere o mo-      risco sistêmico, considerando apenas as variações
delo criado por Estrada do convencional CAPM é a      dos retornos negativos. Ademais, os retornos ne-
medida de sensibilidade, que aqui é denominada        gativos são as verdadeiras possibilidades de perda
downside beta.                                        para um investidor, tornado o modelos ainda mais
     Contudo, não se trata da mesma medida de-        interessante no uso prático de análise de mercado.
senvolvida por Hogan e Warren (1974). O D-CAPM
pode ser calculado pela razão entre o semidesvio
dos retornos do ativo e o semidesvio dos retornos     2 Metodologia
do mercado, ou seja, pela co-semivariância dividida
pela semivariância dos retornos do mercado. De
                                                           Para execução deste estudo foram utilizados
acordo com Estrada (2000), essa medida de do-
                                                      somente dados secundários obtidos da base de
wnside risk possui um maior poder de explicação
                                                      dados Economática Software para Investimentos
dos retornos dos ativos em mercados emergentes
                                                      Ltda. Utilizaram-se o preço de fechamento
que o tradicional beta do CAPM.
                                                      das cotações diárias de 21 ações escolhidas
     Estrada apoiou-se nas mesmas suposições do       aleatoriamente negociadas na Bolsa de Valores de
CAPM para construir seu modelo de precificação        São Paulo (BOVESPA), correspondendo ao período
de ativos financeiros. Segundo Elton et al. (2003),   compreendido entre 01 de setembro de 2006 a
o D-CAPM é um modelo que centra seu foco              21 de junho de 2010. Este período possibilitou
unicamente no risco não desejado, ou seja, analisa    analisar 935 observações de rentabilidade. O
apenas os retornos que estão abaixo do retorno        retorno das ações foram calculados pelo regime de
esperado (desvio negativo), pois, de acordo com       capitalização contínua de acordo com a seguinte
Estrada (2000), os investidores se preocupam          equação:
apenas com a parte negativa do risco, uma vez
que esta é indesejável para os investidores.                 Pt- Pt-1

    Sendo assim, o D-CAPM consegue estimar                     Pt-1                                  (6)
melhor o retorno que o investidor efetivamente
espera por estar investindo seu capital em ativos
de um país emergente. O cálculo do retorno                Onde:
esperado pelo D-CAPM é dado pela seguinte                 Pt - preço da ação no período t
fórmula:                                                  Pt-1 - preço da ação no período t-1

        ri= rf + (rM- rf ) ßD                  (4)
                                                           Utilizou-se como proxy da carteira de mer-
    O cálculo do beta é revelado pela seguinte        cado o índice da Bolsa de Valores de São Paulo
equação,                                              (Ibovespa). O Ibovespa é o principal índice do
                                                      mercado brasileiro de ações e sua determinação
                                                      baseia-se no volume de negócios de uma cesta
                                                      de títulos de empresas com alto valor agregado,

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Revista da   FAE


o que o torna, portanto, representativo do com-                          Com as variáveis apostas partiu-se para a
portamento geral do mercado acionário brasilei-                    construção dos modelos de precificação. Para o
ro. Cabe ressaltar que alguns dos artigos citados                  cálculos dos modelos utilizou da ferramenta de
anteriormente como Paiva (2005) e Tambosi et al.                   regressão linear univariada para o cálculo do beta
(2010), também usaram o Ibovespa como proxy.                       de risco sistêmico. A equação 3 exibe a regressão
     Quanto ao ativo livre de risco, na literatura ele             utilizada
é aquele que possui retornos com desvio padrão
                                                                       Ri - Rf = α + ß × (Rm- Rf)                  (8)
igual a zero. Entretanto, não existe consenso entre
os pesquisadores sobre qual seria a taxa livre de
risco apropriada na economia brasileira, visto que                     Ri - Rf - excesso de risco do ativo i
não existe ativo com tal padrão de desvios no País.
                                                                       Rm- Rf - excesso de risco do mercado
Neste estudo optou-se por utilizar a taxa Selic.
                                                                       α – Coeficiente linear
     A utilização da Selic, como aproximação
                                                                       ß - beta representativo do risco sistêmico
da taxa livre de riscos, é corroborada por Hull1
(1995), citado por Fraletti (2004), que sugere o                       No calculo do D-CAPM, os excessos de retorno
rendimento de operações compromissadas com                         do ativo e de mercado foram calculados de acordo
prazo de um dia como equivalente à taxa livre de                   com a seguinte equação:
todos os riscos (crédito, liquidez e mercado, dado
                                                                       Ri - Rf = α+ ßD × (Rm- Rf)                  (9)
o curtíssimo prazo). No âmbito doméstico, pode-
se, portanto, adotar a remuneração da poupança                         Onde ßD representa o downside beta sob as
e a taxa Selic como aproximações da taxa livre                     seguintes condições:
de riscos ou, pelo menos, como parâmetro de
“taxa de retorno de mínimo risco da economia”,                         Se Ri - Rf )>0 → Ri - Rf )= 0 ou

conforme proposto por Fraletti (2004). Além
disso, a taxa Selic tem um spread praticamente                         Se Ri - Rf < 0 → Ri - Rf ) = Ri - Rf e;
nulo para emprestar e tomar emprestado, o que
a aproxima de uma das premissas colocadas por                          Se Rm - Rf > 0 → Rm - Rf =0 ou;
Sharpe (1964) ao pressupor a existência de uma
taxa de juros pura, disponível aos investidores para                   Se Rm - Rf < 0 → R m - Rf = Rm - Rf
tomar e emprestar recursos.
                                                                        Este estudo teve caráter exploratório, pois
     A Taxa Selic foi transformada para seu valor
                                                                   as informações necessárias para o conhecimento
diário segundo a seguinte equação:
                                                                   das características dos modelos de precificação
       Selic diária=Selic anual1/360)                       (7)    foram obtidas pela coleta secundária. Também
                                                                   pode ser considerado descritivo, visto que mos-
                                                                   trou as estatísticas das rentabilidades deste ativos
                                                                   possibilitando caracterizá-los e compará-los de
                                                                   acordo com a relação risco e retorno. Quanto à
                                                                   abordagem do problema e operacionalização das
1
    HULL, J. Introdução ao mercado de futuros e de opções. 2.ed.
                                                                   variáveis, a pesquisa foi quantitativa no levanta-
    São Paulo: BMF, 1995.                                          mento e tabulação dos dados e qualitativa na
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010                                                            |71
análise e comparação desses dados para identificar      dependência dos riscos sistemáticos encontrados.
as especificidades do objeto de pesquisa, bem           Como característica do mercado de ações brasi-
como comparar os dois modelos de equilíbrios            leiro, observa-se pelo coeficiente de variação e
demonstrados neste estudo: CAPM e D-CAPM.               desvio padrão das ações, a grande volatilidade,
                                                        tanto destas ações como da proxy de mercado,
                                                        ou seja, o IBOVESPA. Mesmo a proxy de risk free
                                                        utilizada neste trabalho possui uma volatilidade de
3 Resultados
                                                        aproximadamente 15% para cada unidade média
                                                        de retorno. No geral observa-se pelo coeficiente
      Para iniciar a discussão dos resultados, exibe-
                                                        de variação que a volatilidade destas ações cor-
-se na tabela 01 as estatísticas descritivas dos
                                                        responde a mais de 1000 vezes o valor de cada
retornos das ações utilizadas na amostra em aná-
                                                        unidade do retorno médio, sugerindo um alto
lise. Observa-se que as ações escolhidas provém
                                                        risco de investimento.
de setores heterogêneos, pressupondo menor
TABELA 01 - ESTATÍSTICA DESCRITIVA DAS RENTABILIDADES DAS AÇÕES
                                                                                   Desvio-     Coeficiente
                   Tipo        Empresa     Mínimo        Máximo        Média
                                                                                   padrão      de variação
AMBV4         PN           Ambev             -11,2750      11,5233       0,1099       2,1425       19,5018
ITUB4         PN           Itaubanco         -12,1399      23,3727       0,0987       2,9257       29,6418
BRAP4         PN           Bradespar          -0,1901       2,7157       0,0042       0,0944       22,2811
BRKM5         PN           Braskem            -0,1184       0,7258       0,0011       0,0380       33,3227
ELPL6         PN           Eletropaulo        -0,1333       1,4203       0,0029       0,0530       18,5211
GOAU4         PN           Gerdau Met         -0,1475       0,1933       0,0013       0,0324       24,1828
TBLE3         ON           Tractebel          -0,6188       0,1619      -0,0001       0,0312     480,4370
VIVO4         PN           Vivo               -1,7647       0,1381      -0,0006       0,0657     104,6354
VALE3         ON           Vale               -0,1858       3,1277       0,0047       0,1068       22,7956
UGPA4         PN           Ultrapar           -0,0893       1,1960       0,0025       0,0456       18,2994
CMIG3         ON           Cemig              -0,8205       0,1236      -0,0003       0,0345     114,9162
TCSL4         PN           Tim Part S/A       -0,8147       0,2479      -0,0005       0,0410       81,5366
LIGT3         ON           Light S/A          -0,1145       2,2170       0,0035       0,0770       22,3059
GOLL4         PN           Gol                -1,3339       0,2432      -0,0019       0,0571       29,8367
NATU3         ON           Natura             -0,1374       2,2500       0,0033       0,0778       23,2685
PSSA3         ON           Porto Seguro       -0,1134       1,0989       0,0017       0,0413       24,1317
USIM3         ON           Usiminas           -0,1297       0,9772       0,0021       0,0463       22,1945
BBAS3         ON           Brasil             -0,1537       3,5636       0,0051       0,1204       23,7987
RENT3         ON           Localiza           -1,4118       0,2725      -0,0004       0,0579     137,5865
EMBR3         ON           Embraer            -0,1108       1,1236       0,0008       0,0453       53,9059
SBSP3         ON           Sabesp             -0,1492       1,0860       0,0019       0,0460       24,2551
IBOVESPA      -            -                 -11,3931      14,6592       0,0878       2,2623       25,7630
SELIC         -            -                   0,0230       0,0368       0,0298       0,0045        0,1505
FONTE: Os autores (2010)




 72 |
Revista da          FAE


     Para validade dos modelos de regressão,                              teste Pesarán-Pesarán. Sua forma, segundo Corrar,
todos as pressuposições foram analisadas e verifi-                        Paulo e Dias Filho (2007) consiste em regredir os
cadas para que os próximos resultados possam ser                          quadrados dos resíduos padronizados em função
significantemente interpretados. Porém é impor-                           do quadrado dos valores estimados padronizados.
tante ressaltar que, segundo Corrar, Paulo e Dias                         Como os valores padronizados apresentaram sig-
Filho (2007), a análise de regressão requer testes                        nificância superior a 5% o modelo é considerado
de suposições para as variáveis separadas e em                            homocedástico, ou seja, as variâncias dos resíduos
conjunto e cada técnica apresenta seu conjunto                            não se alteram ao longo da distribuição das vari-
de suposições e pressupostos. Os principais pres-                         áveis dependentes preditoras.
supostos aqui testados serão os de normalidade                                 Pela simplicidade da exibição das estatísticas,
dos resíduos, homocedasticidade dos resíduos e                            o teste de Durbin Waltson foi o único exibido nas
correlação entre os resíduos.                                             tabelas. Este teste possibilita identificar a existên-
     Para testar a normalidade dos resíduos foi uti-                      cia de correlação entre a distribuição dos resíduos.
lizado o teste Kolmogorov-Smirnov, que examina                            É pressuposição na regressão que não existem
se determinada série está conforme a distribuição                         correlações entre os resíduos.
esperada. Inicialmente os resíduos não apresenta-                              Após verificados a maioria dos pressupostos
ram normalidade (CORRAR; PAULO; DIAS FILHO,                               da regressão é possível analisar de forma válida
2007). Após utilização da padronização (escores                           os resultados e estatísticas. A tabela 02 fornece a
z) de todos os resíduos obteve-se significâncias                          correlação entre o excesso de retorno do ativo e
superiores a 5% para o teste, assim, não rejeitando                       excesso de retorno do mercado. Ademais pode-se
a hipótese nula de normalidade da distribuição.                           conferir nesta tabela o R² e R² ajustado, os coefi-
    Para testar se a variância dos resíduos                               cientes de Durbin Watson e o teste F. Mais relevan-
mantém-se em todo o espectro das variáveis                                te para esta análise, os testes F foram significativos
independentes, ou seja, examinar a existência de                          a 5%, podendo afirmar que os coeficientes de
homocedasticidade dos resíduos, foi utilizado o                           correlação (R) não são iguais a 0.

TABELA 02 - REGRESSÃO DO MODELO CAPM                                                                                   Continua
                                                                           Desvio        Durbin-
     Ações            Correlação                 R²         R² ajustado                                   F            Sig.
                                                                           padrão        Watson
 AMBV4                        0,5941               0,3529        0,3522       1,7245         2,113       508,303         0,000
 ITUB4                        0,8342               0,6958        0,6955       1,6145         2,003      2131,911         0,000
 BRAP4                        0,3041               0,0925        0,0915       0,0902         1,927        95,004         0,000
 BRKM5                        0,4795               0,2299        0,2291       0,0338         1,973       278,265         0,000
 ELPL6                        0,2879               0,0829        0,0819       0,0510         1,842        84,205         0,000
 GOAU4                        0,4283               0,1835        0,1826       0,0549         2,098       209,428         0,000
 TBLE3                        0,3386               0,1147        0,1137       0,0296         1,617       120,727         0,000
 VIVO4                        0,2857               0,0816        0,0806       0,0631         1,760        82,807         0,000
 VALE3                        0,3086               0,0952        0,0943       0,0437         1,869        98,104         0,000
 UGPA4                        0,2636               0,0695        0,0685       0,1033         1,620        69,581         0,000
 CMIG3                        0,3212               0,1032        0,1022       0,0329         1,946       107,205         0,000
 TCSL4                        0,4774               0,2279        0,2271       0,0363         1,863       275,107         0,000
 LIGT3                        0,2053               0,0421        0,0411       0,0755         1,791        41,000         0,000

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010                                                                       |73
TABELA 02 - REGRESSÃO DO MODELO CAPM                                                             Conclusão
                                                        Desvio       Durbin-
    Ações      Correlação      R²        R² ajustado                                 F           Sig.
                                                        padrão       Watson
GOLL4               0,3088      0,0954        0,0944       0,0546        1,729       98,237         0,000
NATU3               0,1592      0,0253        0,0243       0,0770        1,982       22,227         0,000
PSSA3               0,2723      0,0741        0,0731       0,0401        1,760       74,623         0,000
USIM3               0,5580      0,3114        0,3106       0,0388        1,662      421,438         0,000
BBAS3               0,2022      0,0409        0,0398       0,1182        1,823       39,718         0,000
RENT3               0,3415      0,1166        0,1157       0,0546        1,977      123,040         0,000
EMBR3               0,3044      0,0926        0,0917       0,0435        1,859       95,147         0,000
SBSP3               0,4158      0,1729        0,1720       0,0421        1,663      194,860             0,00
FONTE: Os autores (2010)

     A tabela 03 mostra os testes t para os coefi-     dos betas, apenas o ß do ativo ITUB4 foi maior que
cientes da regressão bem como o cálculo do re-         1. Todos os outros apresentaram valores abaixo
torno esperado para cada ativo em valores diários.     de 1, mostrando que essas ações possuem risco
Observa-se que o teste t para todos os betas foram     inferior ao mercado. Assim, uma variação brusca
significativos, mostrando que este coeficiente é       no mercado não influenciaria com a mesma força
diferente de zero. Com relação ao valor absoluto       esses ativos, exceto o ativo ITUB4.

TABELA 03 - BETAS DO MODELO CAPM
                                                                                                Retorno
               Coeficiente
                             Valor t        Sig.         Beta        Valor t       Sig.       esperado do
                 linear
                                                                                                 ativo
AMBV4               0,0470      0,8400        0,4010       0,5630      22,5460       0,0000        0,0625
ITUB4               0,0063      0,1196        0,9047       1,0787      46,1726       0,0000        0,0924
BRAP4              -0,0263     -8,9232        0,0000       0,0127       9,7470       0,0000        0,0306
BRKM5              -0,0292    -26,3366        0,0000       0,0082      16,6813       0,0000        0,0303
ELPL6              -0,0274    -16,3823        0,0000       0,0068       9,1764       0,0000        0,0302
GOAU4              -0,0004     -0,2421        0,8087       0,0115      14,4716       0,0000        0,0305
TBLE3              -0,0302    -31,0928        0,0000       0,0047      10,9876       0,0000        0,0301
VIVO4              -0,0309    -14,9881        0,0000       0,0083       9,0999       0,0000        0,0303
VALE3              -0,0277    -19,3915        0,0000       0,0063       9,9048       0,0000        0,0302
UGPA4              -0,0259     -7,6523        0,0000       0,0125       8,3415       0,0000        0,0306
CMIG3              -0,0304    -28,2929        0,0000       0,0049      10,3540       0,0000        0,0301
TCSL4              -0,0308    -25,9799        0,0000       0,0087      16,5864       0,0000        0,0303
LIGT3              -0,0268    -10,8370        0,0000       0,0070       6,4032       0,0000        0,0302
GOLL4              -0,0322    -18,0265        0,0000       0,0078       9,9115       0,0000        0,0303
NATU3              -0,0268    -10,6326        0,0000       0,0055       4,9221       0,0000        0,0302
PSSA3              -0,0284    -21,6691        0,0000       0,0050       8,6385       0,0000        0,0301
USIM3              -0,0284    -22,3974        0,0000       0,0115      20,5290       0,0000        0,0305
BBAS3              -0,0254     -6,5648        0,0000       0,0108       6,3022       0,0000        0,0305
RENT3              -0,0308    -17,2055        0,0000       0,0088      11,0923       0,0000        0,0303
EMBR3              -0,0294    -20,6007        0,0000       0,0061       9,7543       0,0000        0,0302
SBSP3              -0,0284    -20,6190        0,0000       0,0085      13,9592       0,0000        0,0303
FONTE: Os autores (2010)

 74 |
Revista da        FAE


     Realizadas as etapas de preparação dos dados                         são assimétricas, o que reforça a utilização do
para efetivação dos testes empíricos dos modelos                          D-CAPM.
de precificação de ativos, procedeu-se ao teste                                Analisando a tabela 04 pode-se verificar que
para verificar o formato da distribuição dos prê-                         os testes F também foram significativos. Valores
mios esperados de risco das ações, comparando-                            de Durbin Watson próximos de 2 indicam a ine-
-se a média com a mediana, e comprovou-se que                             xistência de correlação entre os resíduos.
todas as distribuições dos retornos das ações

TABELA 04 - ESTATÍSTICAS DA REGRESSÃO DO MODELO D-CAPM
                                                                            Desvio
                                                                                        Durbin-
                      Correlação                 R²         R² ajustado   padrão das                   F           Sig
                                                                                        Watson
                                                                          estimativas
 AMBV4                        0,5635               0,3175        0,3168        1,0052      1,9906     433,600        0,000
 ITUB4                        0,7979               0,6367        0,6363        0,9717      1,8467   1,633,479        0,000
 BRAP4                        0,8152               0,6646        0,6642        0,0156      1,8815    1846,392        0,000
 BRKM5                        0,5806               0,3371        0,3364        0,0196      1,8608     473,920        0,000
 ELPL6                        0,5255               0,2762        0,2754        0,0184      2,0331     355,615        0,000
 GOAU4                        0,4286               0,1837        0,1828        0,0286      1,9462     209,766        0,000
 TBLE3                        0,3101               0,0961        0,0952        0,0276      1,4926      99,132        0,000
 VIVO4                        0,2185               0,0477        0,0467        0,0617      1,9200      46,716        0,000
 VALE3                        0,5147               0,2649        0,2642        0,0168      1,8798     335,939        0,000
 UGPA4                        0,8106               0,6571        0,6567        0,0153      1,9127    1785,600        0,000
 CMIG3                        0,2850               0,0812        0,0803        0,0318      1,8090      82,415        0,000
 TCSL4                        0,3969               0,1576        0,1566        0,0339      1,7849     174,299        0,000
 LIGT3                        0,5240               0,2746        0,2738        0,0192      2,0418     352,824        0,000
 GOLL4                        0,2777               0,0771        0,0761        0,0505      1,8510      77,871        0,000
 NATU3                        0,3903               0,1523        0,1514        0,0206      2,0233     167,501        0,000
 PSSA3                        0,5340               0,2852        0,2844        0,0159      1,7532     371,823        0,000
 USIM3                        0,6995               0,4893        0,4887        0,0199      1,7851     829,863        0,000
 BBAS3                        0,6910               0,4775        0,4769        0,0184      1,8739     851,685        0,000
 RENT3                        0,2650               0,0702        0,0692        0,0520      1,2009      70,406        0,000
 EMBR3                        0,4600               0,2116        0,2108        0,0201      1,9342     250,138        0,000
 SBSP3                        0,5943               0,3532        0,3526        0,0200      1,8414     509,038        0,000
FONTE: Os autores (2010)


    A tabela 05 mostra os downside betas, di-                             esperanças de retorno para as ações a partir do
ferentes de zero conforme resultados do teste                             modelo de precificação D-CAPM. Neste caso, não
Z. Nesta Tabela também é possível verificar as                            houve nenhum downside beta superior a 1.




Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010                                                                  |75
TABELA 05 - DOWNSIDE BETAS
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               Coeficiente
    Ações                           Valor t          Sig.          D-Beta       Valor t          Sig.       esperado do
                 linear
                                                                                                               ativo
 AMBV4             -0,3610            -9,6418            0,0000       0,4962      20,8231          0,0000        0,4022
 ITUB4             -0,2699            -7,4568            0,0000       0,9311      40,4163          0,0000        0,7284
 BRAP4             -0,0196           -33,6959            0,0000       0,0159      42,9697          0,0000        0,0418
 BRKM5             -0,0248           -33,9328            0,0000       0,0101      21,7697          0,0000        0,0374
 ELPL6             -0,0240           -35,0483            0,0000       0,0082      18,8578          0,0000        0,0360
 GOAU4             -0,0159           -14,8811            0,0000       0,0098      14,4833          0,0000        0,0372
 TBLE3             -0,0265           -25,7209            0,0000       0,0065          9,9565       0,0000        0,0347
 VIVO4             -0,0263           -11,4271            0,0000       0,0100          6,8349       0,0000        0,0373
 VALE3             -0,0244           -38,9063            0,0000       0,0073      18,3286          0,0000        0,0353
 UGPA4             -0,0196           -34,2394            0,0000       0,0154      42,2564          0,0000        0,0414
 CMIG3             -0,0260           -21,9518            0,0000       0,0069          9,0783       0,0000        0,0350
 TCSL4             -0,0253           -20,0345            0,0000       0,0106      13,2022          0,0000        0,0378
 LIGT3             -0,0242           -33,8570            0,0000       0,0085      18,7836          0,0000        0,0362
 GOLL4             -0,0280           -14,8945            0,0000       0,0106          8,8244       0,0000        0,0378
 NATU3             -0,0258           -33,5873            0,0000       0,0063      12,9422          0,0000        0,0346
 PSSA3             -0,0247           -41,7735            0,0000       0,0073      19,2827          0,0000        0,0353
 USIM3             -0,0218           -29,3552            0,0000       0,0141      29,8808          0,0000        0,0404
 BBAS3             -0,0217           -31,6585            0,0000       0,0127      29,1836          0,0000        0,0394
 RENT3             -0,0262           -13,5219            0,0000       0,0103          8,3908       0,0000        0,0376
 EMBR3             -0,0264           -35,3450            0,0000       0,0075      15,8158          0,0000        0,0355
 SBSP3             -0,0234           -31,4231            0,0000       0,0107      22,5619          0,0000        0,0379
FONTE: Os autores (2010)


    De acordo com a Tabela 6, a variação dos                      da semi-covariância e semi-variância possibilitou
betas mostrou-se negativa, exceto para os ati-                    a redução do risco sistêmico do ativo, o que foi
vos AMBV4 e ITUB4. Para todos os outros ativos                    corroborado pela redução dos retornos esperados
percebe-se que o downside beta foi inferior ao                    para os mesmos ativos.
beta tradicional indicando que a análise a partir

TABELA 06 - VARIAÇÃO DO DOWNSIDE BETA                                                                           Continua
                                                                            Retorno                         Variações
                      Beta               D-beta          Retorno CAPM                     Variação Betas
                                                                            DCAPM                           Retornos
 AMBV4                     0,5630               0,4962      0,062476942         0,4022           0,0668         -0,3397
 ITUB4                     1,0787               0,9311      0,092374794         0,7284           0,1476         -0,6360
 BRAP4                     0,0127               0,0159      0,030574235         0,0418          -0,0032         -0,0112
 BRKM5                     0,0082               0,0101      0,030310412         0,0374          -0,0019         -0,0071
 ELPL6                     0,0068               0,0082      0,030229802         0,0360          -0,0014         -0,0058
 GOAU4                     0,0115               0,0098      0,030503243         0,0372           0,0017         -0,0067
 TBLE3                     0,0047               0,0065      0,030110169         0,0347          -0,0018         -0,0046
 VIVO4                     0,0083               0,0100      0,030318437         0,0373          -0,0017         -0,0070


 76 |
Revista da        FAE


TABELA 06 - VARIAÇÃO DO DOWNSIDE BETA                                                                                  Conclusão
                                                                                    Retorno                        Variações
                                Beta                  D-beta       Retorno CAPM                  Variação Betas
                                                                                    DCAPM                          Retornos
 VALE3                              0,0063                0,0073    0,030199614         0,0353          -0,0011          -0,0051
 UGPA4                              0,0125                0,0154    0,030559738         0,0414          -0,0029          -0,0108
 CMIG3                              0,0049                0,0069    0,030122212         0,0350          -0,0019          -0,0049
 TCSL4                              0,0087                0,0106    0,030341593         0,0378          -0,0019          -0,0075
 LIGT3                              0,0070                0,0085    0,030242608         0,0362          -0,0015          -0,0060
 GOLL4                              0,0078                0,0106    0,030290689         0,0378          -0,0027          -0,0075
 NATU3                              0,0055                0,0063    0,030155005         0,0346          -0,0008          -0,0044
 PSSA3                              0,0050                0,0073    0,030127225         0,0353          -0,0023          -0,0052
 USIM3                              0,0115                0,0141    0,030504473         0,0404          -0,0026          -0,0099
 BBAS3                              0,0108                0,0127     0,03046187         0,0394          -0,0020          -0,0089
 RENT3                              0,0088                0,0103    0,030345244         0,0376          -0,0016          -0,0072
 EMBR3                              0,0061                0,0075    0,030193087         0,0355          -0,0014          -0,0053
 SBSP3                              0,0085                0,0107    0,030330267         0,0379          -0,0022          -0,0075
FONTE: Os autores (2010)

     No entanto realizando o teste t de student,                          tais como: taxa de câmbio, balança comercial, re-
indicado para amostras pequenas, abaixo de 25                             servas internacionais, taxa Selic, índices de preços,
indivíduos (CORRAR; PAULO; DIAS FILHO, 2007),                             inflação, nível de desemprego, etc.
verificou-se que não existe diferença significativa                            Observou-se relativa diferença absoluta entre
entre os betas, ou seja, não se rejeita a hipótese                        o beta tradicional do modelo CAPM e o downside
de que os betas são iguais. Obteve-se um valor t                          beta do modelo D-CAPM. Observa-se que os valores
1,12 e o valor p 0,274.                                                   para o downside beta foram inferiores ao beta tra-
                                                                          dicional. No entanto, pelo teste t, verificou-se que
                                                                          não é possível rejeitar a hipótese de igualdade das
Conclusão                                                                 médias. A partir desses resultados pode-se observar
                                                                          que a volatilidade negativa dos ativos é bastante
     O presente trabalho teve como objetivo                               significativa na composição do risco do ativo, o que
principal de estudo avaliar qual dos modelos de                           mostra a importância do downside beta como fator
precificação de ativos financeiros, o Capital Asset                       explicativo do verdadeiro risco sistêmico.
Pricing Model ou o Downside Capital Asset Pricing                              Julga-se que este trabalho teve como prin-
Model, comporta-se como o melhor previsor de                              cipal limitação, um número pequeno de obser-
retornos dos ativos do mercado brasileiro. Diante                         vações considerando todo mercado de ações.
disso, chegou-se a algumas conclusões relevantes.                         Contudo, como as ações foram escolhidas aleato-
     Primeiramente, os resultados obtidos na pes-                         riamente, encontraram-se ações com lançamento
quisa indicam que no mercado acionário da Bolsa                           relativamente recente no mercado. Sugere-se que
de Valores de São Paulo uma boa parte da varia-                           para futuros estudos a utilização de uma amostra
bilidade média dos ativos não está relacionada                            maior, com um espaço temporal superior ao obti-
aos riscos sistemáticos dos mesmos, em razão da                           do e com valores mensais para que as diferenças
ineficiência e pouca liquidez do mercado de ca-                           dos retornos esperados possam ser mais captadas.
pitais brasileiro. Outros fatores macroeconômicos                                                         • Recebido em: 12/08/2010
podem contribuir para a explicação dos retornos,                                                          • Aprovado em: 04/11/2010

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010                                                                      |77
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V.13 02 2010
Revista da        FAE


O uso do cheque especial e do cartão de crédito pelos
acadêmicos da FAE Centro Universitário
The use of overdraft and credit card by
students at FAE Centro Univeritário

Resumo                                                                           Aline Fernanda da Silva Ferreira*
                                                                                 Amilton Dalledone Filho**
O cartão de crédito e o cheque especial são modalidades de financiamento
oferecidas por instituições financeiras - bancos comerciais e múltiplos - para
clientes pessoa física ou pessoa jurídica. O crescimento da participação
destes produtos no mercado pode por um lado dinamizar a economia, mas
também pode aumentar o endividamento geral da população, provocando
grandes problemas financeiros e sociais. Pretende-se, com este estudo,
verificar o conhecimento sobre a correta utilização do cheque especial
e do cartão de crédito pelos alunos dos terceiros e quartos anos dos
cursos de graduação da FAE Centro Universitário, buscando verificar se os
acadêmicos, após terem estudado e conhecido questões financeiras que
envolvem estes produtos bancários, sabem utilizá-los de forma adequada.
Os resultados encontrados demonstram que os alunos estão conscientes
dos produtos bem como sua correta forma de utilização, pois a maioria dos
acadêmicos da FAE Centro Universitário têm um perfil mais conservador em
suas finanças pessoais e não utilizam o limite do cheque especial durante
o mês nem pagam a fatura do cartão de crédito com atraso.

Palavras-chave: cartão de crédito; cheque especial; crédito bancário;
endividamento; produtos bancários.


Abstract

The credit card and overdraft are financing arrangements offered by
financial institutions – commercial and multibank - to individuals or
corporations. The participation growth of these products in the market
may stimulate the economy in one hand but, in the other, may increase the
general indebtedness of the population, causing large financial and social
problems. This study intends to verify the knowledge about the correct
use of overdraft and credit cards by students in the third and fourth years
of undergraduate courses at FAE Centro Universitário; moreover, it also
                                                                                 *  Graduanda em Ciências
seeks to verify whether the scholars, after having studied about financial
                                                                                    Econômicas da FAE Centro
matters related to these banking products, learn how to use them properly.          Universitário.E-mail: aline_nda@
The results review that students are familiar with the products as well as          hotmail.com.
the correct way of using them; most students at FAE Centro Universitário         ** Mestre em Administração pela
have a more conservative profile in dealing with personal finances and              UFSC. Professor da FAE Centro
avoid overdraft during the month or pay their credit card bill in due time.         Universitário Curitiba-PR e da
                                                                                    FALEC. E-mail: adalledone@
Keywords: credit card, overdraft, bank loan, indebtedness, bank products.           yahoo.com.br.


Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 81-92, jul./dez. 2010                                                          |81
Introdução                                              acadêmico proporcionado aos alunos de gradu-
                                                        ação dos terceiros e quartos anos da FAE Centro
     O cheque especial e o cartão de crédito são as     Universitário proporcionou uma gestão eficaz de
modalidades de crédito fácil mais utilizadas, uma       suas finanças pessoais e o correto uso do cheque
vez que suas características de disponibilidade         especial e do cartão de crédito no seu dia-a-dia?”
fazem com que eles não pareçam empréstimos.                   Buscando resolver a problemática desta
Há casos de pessoas que adotam o cartão de              pesquisa, foi estabelecido como objetivo geral a
crédito e o limite do cheque especial como parte        realização de uma pesquisa junto aos acadêmicos
de seus salários.                                       dos terceiros e quartos anos dos cursos de
      Dados da pesquisa Tracking de Cartões, do         graduação da FAE Centro Universitário, buscando
Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística   levantar informações quanto ao correto uso
– Ibope Inteligência, referentes a setembro de          do cartão de crédito e do cheque especial após
2008, revelam que 20% dos portadores de cartões         conhecerem os conceitos básicos de finanças
de crédito possuem dívidas que se configuram            estudados nos diversos cursos de graduação. Para
no crédito rotativo, parcelamento da fatura ou          isso, deverão ser alcançados os seguintes objetivos
inadimplência.                                          específicos: (i) apresentar a estrutura do sistema
     Acerca do cheque especial, no mês de julho         financeiro nacional e suas especificidades; (ii)
de 2008, os bancos emprestaram quase R$ 21              pesquisar as características do cheque especial e
bilhões a uma taxa de juros média de 160% ao            do cartão de crédito no mercado, seus custos e
ano, conforme dados do Banco Central do Brasil          peculiaridades; (iii) efetuar uma pesquisa de campo
(ENDIVIDAMENTO, 2008).                                  quanto à utilização do cartão de crédito e cheque
    Sendo assim, por mais que o uso dessas              especial junto aos acadêmicos dos terceiros e
modalidades de crédito tenha o benefício da             quartos anos dos cursos de graduação, verificando
comodidade, o crescimento da participação               se estes sabem diferenciar essas modalidades de
destes produtos no mercado pode aumentar o              crédito e se sabem utilizar esses produtos; e (iv)
endividamento geral da população, provocando            identificar os resultados alcançados sugerindo
grandes problemas financeiros e sociais.                ações de esclarecimentos a todos acadêmicos da
     Para não entrar num endividamento espiral,         FAE Centro Universitário.
conhecido como “juros em cima de juros” é                    Quanto à metodologia, a pesquisa apresenta
essencial que se tenha a consciência de gastar          aspectos descritivos, exploratórios e explicativos.
no máximo o que se ganha, adaptando as                  O caráter exploratório tenderá estar mais presente
necessidades e desejos ao salário mensal. Também        na revisão da literatura, buscando aumentar
se carece compreender que o uso do cheque               o grau de familiaridade com o problema (GIL,
especial e do cartão de crédito deve ocorrer            1991). Pretende-se alcançar os demais objetivos
somente em caso extremo, pois as taxas de               específicos por meio de um levantamento de
juros cobradas pelas instituições financeiras que       dados. Assim, desenvolveu-se um instrumento
oferecem estes serviços são muito altas, conforme       de coleta de dados na forma de questionário,
verificaremos no decorrer deste artigo.                 para ser utilizado em uma amostra probabilística
    A pergunta que se pretende responder com            intencional, representativa dos segmentos
a efetivação deste estudo é: “O conhecimento            alvos. Por fim, conforme apontar o resultado da
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Revista da     FAE


pesquisa, sugerir ações que venham a esclarecer           FIGURA 01 - O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
as pessoas sobre a utilização do cheque especial,
do cartão de crédito e a melhor forma de uso e
controle destes produtos.



1 O sistema financeiro nacional
                                                          FONTE: Os autores (2009)

     Para entender o funcionamento dos produ-
tos cheque especial e cartão de crédito, faz-se
necessária uma breve abordagem a respeito do              2 O cartão de crédito
Sistema Financeiro Nacional- SFH, que refletirá
como essas modalidades de crédito estão inseridas              Conforme dados da Associação Brasileira das
no mercado financeiro.                                    Empresas de Cartão de Crédito e serviços (ABECS,
     Para Assaf Neto (2009), o Sistema Financeiro         2009a), referentes ao ano de 2008, o Brasil é
Nacional (SFN) pode ser definido como o conjunto          um dos países com maior número de cartões de
de instituições financeiras que geram a política e        crédito, com cerca de 547 milhões de unidades e
a instrumentação econômico-financeira do país,            mais de 5,5 bilhões de transações por ano.
visando, em última análise, transferir recursos dos            A história do cartão de crédito inicia em 1950,
agentes econômicos - pessoas, empresas, governo           quando Frank MacNamara e alguns convidados,
- superavitários para os deficitários, mantendo o         executivos financeiros de Nova York, saíram para
fluxo monetário entre poupadores e investidores.          jantar em um restaurante e, quando receberam
     Fazem parte do SFN: o Subsistema Normativo,          a conta, perceberam que haviam esquecido o di-
constituído pelas instituições que regulamentam e         nheiro e o talão de cheque. Mediante discussão, o
fiscalizam o mercado financeiro e o Subsistema de         dono do estabelecimento concordou que o execu-
Intermediação, composto de instituições bancárias         tivo pagasse o jantar posteriormente e solicitou a
e não bancárias que atuam em operações de                 assinatura do mesmo na nota de despesas.
intermediação financeira.                                      Após o episódio, MacNamara concebeu a
     Como se pode verificar na figura 01, o cartão        ideia do cartão de crédito. Em 1950, foi emitido
de crédito e o cheque especial estão inseridos            o primeiro cartão denominado Diners Club Card,
dentro do Subsistema de Intermediação, nas                aceito inicialmente como meio de pagamento em
carteiras das Instituições Financeiras Bancárias,         vinte e sete restaurantes. Cerca de duzentas pes-
ou seja, os bancos comerciais, bancos múltiplos           soas, a maioria amigos de MacNamara, aderiram
e caixas econômicas, que executam operações de            ao cartão naquele ano. Dois anos depois foi emi-
crédito, transferência de recursos e prestações de        tido o primeiro cartão de validade internacional,
serviços financeiros.                                     expandindo o mercado de cartões, e, no início
                                                          da década de 1960, o Diners Club Card foi aceito
                                                          em mais de 50 países em todos os continentes
                                                          (ABECS, 2009b).


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2.1 Conceito, Utilização e Características                        – Bandeira marca do cartão. Responsável
        do Cartão de Crédito                                        pela comunicação da transação entre a ad-
                                                                    quirente e o emissor do cartão de crédito.
      O cartão de crédito é uma forma de pagamen-                   As maiores bandeiras no Brasil são Visa,
to eletrônico de bens e serviços que o cliente da                   MasterCard e Hipercard.
instituição financeira pode adquirir para executar
                                                                  – Emissor do cartão. Instituição financeira
o pagamento de suas compras. Mensalmente, ele
                                                                    que emitirá o cartão de crédito. O emissor
receberá em seu endereço uma fatura detalhando
as transações efetuadas. O usuário poderá pagar a                   será o responsável pela aprovação ou
fatura até a data do vencimento ou solicitar o finan-               recusa da transação, conforme o limite de
ciamento da dívida, mediante cobrança de juros.                     compras disponível. Também é responsável
     Normalmente, os cartões de crédito possuem                     pela emissão e entrega da fatura, cobrança
um limite estabelecido pela instituição financeira,                 e recebimento.
através da análise do perfil financeiro e compor-                 O tramite das transações realizadas com
tamental do usuário. Quando este realiza uma                 cartão de crédito inicia-se no estabelecimento
compra, o valor do bem ou serviço adquirido reduz            comercial, quando o cartão é inserido em um
o limite disponível e se o valor da nova aquisição           equipamento eletrônico chamado POS (Point of
ultrapassar o saldo disponível, novas compras                Sale), comum no mercado de varejo, ou um equi-
serão bloqueadas até o pagamento da fatura.                  pamento denominado TEF (transferência eletrônica
     As transações com cartões de crédito são                de fundos), autorizador acoplado ao caixa usado
figuradas pelos seguintes elementos:                         na maioria dos supermercados e lojas de depar-
                                                             tamentos. O cliente escolherá a opção de crédito
        – Portador do cartão. Usuário do cartão de
                                                             ou débito, o número de parcelas e o tipo de par-
          crédito. Aquele que efetua aquisições de
                                                             celamento – parcelado pelo estabelecimento ou
          bens e/ou serviços através de pagamento
                                                             pelo emissor – e o responsável pelo recebimento
          eletrônico. Há duas modalidades de usuá-
                                                             no estabelecimento comercial digitará as opções
          rio, o titular e o adicional. O titular é o res-
                                                             escolhidas no POS ou no equipamento acoplado
          ponsável financeiro do cartão e o usuário
                                                             ao TEF. O aparelho iniciará a comunicação, descrita
          adicional é a pessoa indicada pelo titular
                                                             conforme fluxo da figura 02.
          que fará uso de um cartão adicional, que
          também está sob responsabilidade finan-            FIGURA 02 - FLUXO DA TRANSAÇÃO DE PAGAMENTO COM
                                                                         CARTÃO DE CRÉDITO
          ceira do titular.
        – Estabelecimento comercial. Organização
          que permite pagamento de produtos ou
          prestação de serviço através do cartão de
          crédito. São exemplos supermercados,               FONTE: Os autores (2009)

          lojas, farmácias, clubes, entre outros.
        – Rede adquirente. Rede de captação de tran-              O equipamento eletrônico no estabelecimen-
          sações responsável pela comunicação entre          to fará a comunicação via rede com a Adquirente,
          o estabelecimento e a bandeira. As maiores         para que esta envie a transação para a Bandeira.
          adquirentes no Brasil são a Redecard, a Cielo      Esta, por sua vez, comunicar-se-á com o Emissor
          – antiga VisaNet – e a Hipercard.                  para que a transação seja autorizada. Após a au-
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Revista da      FAE


torização, a transação percorre o caminho inverso         percebe na comparação dos gráficos 01 e 02, a
até retornar ao estabelecimento. Desta forma,             participação dessa modalidade nos empréstimos
o equipamento fará a emissão de dois compro-              apresenta crescimento contínuo. É importante
vantes, uma via do estabelecimento e outra do             salientar que a inadimplência nas operações rea-
comprador.                                                lizadas com cartões de crédito também é maior
     No caso do cartão de crédito possuir apenas          que nas outras operações de crédito. Conforme
a tarja magnética, o cliente deverá assinar a via do      dados do Banco Central do Brasil - Bacen, em ju-
                                                          lho de 2009, 28,3% das transações tinham atraso
comprovante do estabelecimento, apresentando
                                                          superior a 90 dias e o uso do crédito rotativo,
um documento oficial com foto, para conferência
                                                          parcelamento com juros e saque somou R$ 14,56
das assinaturas.
                                                          bilhões neste mês (NAKAGAWA, 2009).
     Atualmente, os emissores estão adicionando
                                                          GRÁFICO 01 - TAXA DE JUROS CARTÃO DE CRÉDITO
aos cartões de crédito a tecnologia do chip. Neste
caso, não é necessária a assinatura no comprovan-
te, pois o sistema solicitará a senha do cartão ao
usuário, para efetivação da transação.


2.2 Taxa do Cartão de Crédito
                                                          FONTE: Adaptado de ANEFAC (2010)
     Em pesquisa realizada por Felipe Frisch
(2010), publicada no jornal O Globo, em janeiro de
2010, constatou-se a desigualdade entre as taxas
de juros cobradas pelas instituições financeiras,         3 O cheque especial
conforme a renda dos clientes.
     Os clientes que possuem cartões de crédito                O cheque especial é o crédito vinculado à
                                                          conta corrente que as instituições financeiras -
dos segmentos de alta renda pagam taxas bem
                                                          bancos comerciais ou múltiplos – disponibilizam
menores quando da utilização do cartão de cré-
                                                          aos clientes correntistas, mediante análise das
dito, comparadas às taxas pagas pelos clientes do
                                                          informações cadastrais e do relacionamento entre
varejo, dessas mesmas instituições.
                                                          a instituição e o cliente. Este produto pode ser
     No levantamento citado na mesma matéria de
                                                          considerado um empréstimo pré-aprovado, pois
O Globo, realizado em vários bancos do país que
                                                          está sempre à disposição do cliente e não exige
possuem agências especiais para atendimento de            que este solicite o produto no momento do uso.
clientes com alta renda (Itaú Unibanco, Bradesco,
                                                              O produto pode ser utilizado para a cobertura
Santander Real, HSBC e Banco do Brasil) observou-
                                                          de cheques, DOC’s, TED’s, compras com o cartão
se que, enquanto os clientes do varejo chegam a
                                                          de débito, pagamentos de taxas e encargos etc.
pagar taxas de juros na casa dos 14% ao mês, os
                                                               Esta modalidade de crédito está sujeita
clientes dos segmentos especiais contam com taxas
                                                          cobrança de juros sobre o valor utilizado, além
mensais inferiores a 10% ao mês.
                                                          de encargos como IOF. A utilização do cheque
     Apesar de a taxa de juros do cartão ser mais         especial deve ser racional e eventual, restringindo-
alta até que a do cheque especial, conforme se            se ao curto prazo, isto é, poucos dias.
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A adesão da disponibilização do cheque es-       e deixou de utilizar o limite do cheque especial
pecial ocorre mediante contrato entre o banco e        e consequentemente encerrou-se a cobrança de
o cliente, que pode ser feito na abertura da conta     juros e encargos.
corrente, ou, posteriormente, mediante solicitação     TABELA 01 - SIMULAÇÃO UTILIZAÇÃO CHEQUE ESPECIAL
e o aceite das partes.                                 Valor utilizado do limite                      R$ 200,00
                                                       Tempo de utilização do limite em dias                  30
     Os contratos de cheque especial estabelecem:
as condições e valor do crédito, o prazo de validade
                                                                                      Taxa            Valor
da disponibilização, a taxa de juros, encargos,
                                                       IOF*                          0,0082%             R$ 0,49
vencimento, multas, renovação automática etc.          IOF adicional**                  0,38%            R$ 0,76
O banco poderá mudar unilateralmente essas             Juros bancários ao mês             10%          R$ 20,00
condições, mediante aviso prévio ao cliente.
     A utilização do cheque especial se dá pelo        Valor total da dívida                          R$ 221,25

uso do limite disponibilizado na conta corrente        FONTE: Os autores (2010)
                                                       * Imposto cobrado sobre o valor utilizado do limite,
do cliente, e que, se utilizado, deverá ser devol-        multiplicado pela quantidade de dias utilizados.
vido com o acréscimo de juros e outros encargos        ** Imposto cobrado sobre o valor utilizado do limite, em
                                                          única parcela mensal.
financeiros.
     Para exemplificar, supondo que um cliente
                                                            Conforme apresentado, é necessário compre-
possui em 01/01/2009 um saldo de R$ 1000,00 e
                                                       ender que o cheque especial deve ser empregado
um limite do cheque especial de R$ 500,00, apa-
                                                       somente em caso extremo e o cartão de crédito
recerá a seguinte informação no extrato bancário:
                                                       deve ser usado de forma responsável, pois a cor-
        01/01/2009                                     reta utilização dos mesmos poderá reduzir a co-
        Saldo Disponível: R$ 1.000,00                  brança das altas taxas que estes serviços possuem.
        Limite de Crédito: R$ 500,00
        Disponível + Limite: R$ 1.500,00
                                                       3.1 Taxa do Cheque Especial
    Se o cliente realizar uma compra de R$
1200,00 em 01/01/2009, este fará uso de R$                  Apesar dos benefícios que o cheque especial
200,00 do limite de seu cheque especial. Conside-      pode proporcionar, tais como agilidade e como-
rando que a taxa de juros naquele período seja de      didade para o consumidor que necessita de uma
10% ao mês, e o IOF (imposto sobre operação fi-        linha de crédito rápida e sem burocracia, este pro-
nanceira) de 0,0082% ao dia, acrescidos de 0,38%       duto poderá implicar em problemas provenientes
do valor do limite utilizado (GRANER, 2008), o         do não planejamento de sua utilização.
pagamento dos juros provenientes da utilização              Os problemas aparecem quando o consumidor
do cheque especial durante um mês, ou seja, de         passa a utilizar o limite do cheque especial como
01/01/2009 a 01/02/2009, será de R$ 21,25, cujo        se fosse parte de suas receitas.
pagamento será feito na data de vencimento,                  Tendo em vista esta realidade, os bancos
conforme disposto em contrato.                         cobram valores astronômicos pelo valor dispo-
    A cobrança de juros incidirá sobre o prazo de      nibilizado, aplicando taxas de juros que fogem
duração do uso do limite. Neste caso, o cliente efe-   à realidade econômica brasileira (ENDIVIDADO,
tuou um depósito de R$ 221,25 no dia 02/02/2009        2009), pois tanto o cheque especial quanto o
 86 |
Revista da    FAE


cartão de crédito não possuem garantias reais,            GRÁFICO 03 - EVOLUÇÃO DA TAXA DE JUROS DO CHEQUE
                                                                       ESPECIAL
sendo, desta forma, operações de risco elevado de
inadimplência para as instituições financeiras. No
gráfico 02, podem-se identificar as taxas de juros
cobradas pelas maiores instituições financeiras
do país, acerca da utilização do cheque especial.
GRÁFICO 02 - TAXA DE JUROS CHEQUE ESPECIAL POR
             INSTITUIÇÃO FINANCEIRA



                                                          FONTE: Adaptado de BACEN (2009a)




                                                          4 Metodologia

                                                               A metodologia adotada para esta pesquisa
FONTE: Adaptado de BACEN (2009b)                          será, do ponto de vista de sua natureza, de caráter
                                                          aplicado, com o objetivo de gerar conhecimentos
     Pode-se verificar, através do gráfico 03, que        novos e/ou úteis para aplicação prática dirigidos à
as taxas de juros são elevadas. Através do gráfico        solução de problemas específicos, tais como a de-
visualiza-se a evolução da mesma no período de            ficiência no nivelamento dos conhecimentos sobre
1999 a 2009.                                              os produtos cheque especial e cartão de crédito e
     Em entrevista publicada pelo portal G1, em           a melhor forma de utilização dos mesmos, pelos
junho de 2009, o Chefe do Departamento Econô-             acadêmicos da FAE Centro Universitário.
mico do Banco Central, Altamir Lopes, afirmou que              Quanto aos procedimentos técnicos (GIL,
o cheque especial tem uma taxa muito elevada,             1991), os tipos de pesquisa utilizados foram: (i)
e que é a modalidade de crédito mais cara (o              pesquisa bibliográfica, elaborada a partir de ma-
valor registrado em maio foi de 167,8% ao ano),           terial já publicado, como livros sobre o sistema
por isso ele considera que “a taxa é proibitiva” e        financeiro nacional, notícias e dados divulgados
afirma que a utilização do cheque especial não é          por instituições e associações - tais como a ABECS
recomendada, pois com a alta taxa de juros ha-            e Banco Central - do setor financeiro, artigos de
verá um grande comprometimento da renda do                periódicos e outros materiais disponibilizados na
usuário (MARTELLO, 2008).                                 Internet; (ii) levantamento de dados através da
                                                          aplicação de questionário específico que pretende
                                                          traduzir os objetivos específicos desta pesquisa,
                                                          através de treze perguntas fechadas ou de múltipla
                                                          escolha sobre a utilização do cheque especial e do
                                                          cartão de crédito.




Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 81-92, jul./dez. 2010                                                 |87
4.1 Amostra e População                                 com um nível de confiança de 90% e um erro
                                                        máximo de 7% por curso, conforme se verifica
    Para realização da pesquisa foi estabelecido o      na tabela 02.
tamanho da amostra representativa da população,

TABELA 02 - POPULAÇÃO E AMOSTRA ESTABELECIDA
                       Ciências Contábeis      Ciências Econômicas        Administração         Total
Questionários
                     3º Ano        4º Ano     3º Ano        4º Ano     3º Ano      4º Ano
População              80            89         58           67         227            224      745
Amostra                36            40         31           35          54            53       249
FONTE: Os autores (2010)



5 Resultados da pesquisa                                     Com a segunda etapa de distribuição dos
                                                        questionários concluída, alcançaram-se os valores
                                                        definidos na amostra, que foram utilizados para
     Foram feitas duas etapas de distribuição dos
                                                        a análise do levantamento de dados, conforme
questionários. Na primeira etapa, foram distribuí-
                                                        tabela 03. Para estas amostras trabalhou-se com
dos 265 questionários, dos quais retornaram 199
                                                        um erro máximo de 8% para o curso de Ciências
preenchidos. Como a amostra total estabelecida
                                                        Contábeis e de 7% para os cursos de Administração
não foi atingida, foi feita uma segunda distri-
                                                        e Ciências Econômicas, considerando um nível de
buição dos questionários. Nesta segunda etapa,
                                                        confiança de 90%.
foram distribuídos 55 questionários, dos quais
retornaram 54.

TABELA 03 - POPULAÇÃO E AMOSTRA ESTABELECIDA
                       Ciências Contábeis      Ciências Econômicas        Administração         Total
Questionários
                     3º Ano        4º Ano     3º Ano        4º Ano     3º Ano      4º Ano
População              80            89         58           67         227            224      745
Amostra                30            36         30           37          51            54       238
FONTE: Os autores (2010)



                                                             Quanto à divisão por cursos, dos 238 alunos
5.1 Análise da Amostra Total                            44,1% são do curso de Administração, 28,2% são
                                                        do curso de Ciências Econômicas e 27,7% são do
     Os gráficos de 04 a 12 apresentam os resul-
                                                        curso de Ciências Contábeis.
tados do levantamento de dados. Os gráficos são
compostos pelas perguntas do questionário, pelas             Quanto ao ano da graduação, 46,6% estão
tabelas com os resultados em números e pelos            cursando o terceiro ano da graduação e 53,4%
gráficos com os resultados em porcentagem. A            estão cursando o quarto ano da graduação.
elaboração dos gráficos e tabelas de análise foi fei-        A maioria dos alunos que responderam ao
ta através de um software específico de estatística.    questionário possui uma ou mais contas bancárias,
    A amostra total é composta por 238 alunos,          a maior participação em números é de alunos que
dos quais 52,9% são do sexo masculino e 47,1%           possuem conta corrente, seguida pela participação
do sexo feminino.                                       dos alunos que possuem conta universitária.
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Revista da     FAE


GRÁFICO 04 - CONTAS BANCÁRIAS                             GRÁFICO 07 - UTILIZAÇÃO DO CHEQUE ESPECIAL




FONTE: Os autores (2010)                                  FONTE: Os autores (2010)


     Dos 238 alunos que responderam à pesquisa,                 Quando ao conhecimento das taxas cobradas,
159 deles – 66,8% – afirmam que possuem                   19,5% dos alunos que possui limite do cheque
limite do cheque especial e, 193 deles – 81,1% –          especial não sabem quais taxas são cobradas pela
possuem cartão de crédito. Os gráficos a seguir           utilização do mesmo. Há ainda aqueles – menos
podem auxiliar na verificação da correta utilização       de 1% da amostra total – que acreditam que ta-
dos produtos pelos acadêmicos.                            xas como Imposto de Renda (IR) ou Contribuição
GRÁFICO 05 - CHEQUE ESPECIAL                              Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão
                                                          de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Fi-
                                                          nanceira (CPMF), porém, na realidade, essas taxas
                                                          não são cobradas para a utilização deste produto.
                                                              Apenas 60 alunos, ou seja, 37,7% dos alunos
FONTE: Os autores (2010)
                                                          que utilizam o cheque especial marcaram as duas
                                                          opções corretas, o Imposto sobre Operações Fi-
GRÁFICO 06 - CARTÃO DE CRÉDITO                            nanceiras (IOF) e os Juros Bancários.
                                                          GRÁFICO 08 - TAXAS DO CHEQUE ESPECIAL




FONTE: Os autores (2010)



     Dos alunos que utilizam o cheque especial,
66,7% têm um perfil mais conservador em suas
finanças pessoais e não utilizam o limite do che-
                                                          FONTE: Os autores (2010)
que especial durante o mês. Porém, percebe-se
que quase 20% dos alunos utilizam seu limite por
mais de cinco dias por mês, ou seja, muitas vezes             Quanto ao cartão de crédito, mais de 50%
os alunos acabam excedendo o valor do salário             dos alunos sempre utilizam o cartão de crédito
ou bolsa-auxílio mensal e utilizando o limite para        na compra de bens e serviços.
efetuar compra de produtos e serviços.




Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 81-92, jul./dez. 2010                                                 |89
GRÁFICO 09 - FREQUÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE    GRÁFICO 12 - AVALIAÇÃO DAS TAXAS
             CRÉDITO




FONTE: Os autores (2010)                              FONTE: Os autores (2010)


     Os acadêmicos demonstraram responsabi-
lidade no pagamento da fatura, pois 83,5% dos
                                                      Considerações finais
alunos afirmaram que sempre pagam a fatura
em dia. E cerca de 2% dos alunos demonstram
                                                           Conclui-se que a maioria os acadêmicos da
dificuldade para pagar a conta até o vencimento.
                                                      FAE Centro Universitário tem um perfil mais con-
GRÁFICO 10 - PAGAMENTO DA FATURA DO CARTÃO DE
             CRÉDITO
                                                      servador em suas finanças pessoais e não utilizam
                                                      o limite do cheque especial durante o mês nem
                                                      pagam a fatura do cartão de crédito com atraso.
                                                           Porém, percebe-se que há dificuldade por par-
                                                      te dos alunos quanto ao conhecimento das taxas
                                                      incidentes sobre o cheque especial, pois 19,5% dos
                                                      alunos que possui limite do cheque especial não
FONTE: Os autores (2010)
                                                      sabem quais taxas são cobradas pela utilização
                                                      do mesmo e apenas 26% dos alunos marcaram as
    Porém, cerca de 13% dos acadêmicos já utili-      duas opções corretas, o Imposto sobre Operações
zaram o crédito rotativo, ou seja, o financiamento
                                                      Financeiras (IOF) e os Juros Bancários.
de uma parte da fatura, e mais de 85% dos alunos
                                                          Sobre o uso do cartão de crédito os pro-
procuram pagar a fatura integralmente.
                                                      blemas diminuem, uma vez que apenas 2% dos
GRÁFICO 11 - UTILIZAÇÃO DO CRÉDITO ROTATIVO
                                                      acadêmicos demonstram dificuldade para pagar
                                                      a conta até o vencimento.
                                                          De acordo com os resultados da pesquisa,
                                                      nota-se que os alunos de Administração são os
                                                      mais cautelosos na utilização do cheque especial e
FONTE: Os autores (2010)
                                                      do cartão de crédito. Os alunos que apresentaram
                                                      maior dificuldade na utilização do cheque especial
     Ao serem questionados sobre as taxas de          foram os do curso de Ciências Econômicas, sendo
juros cobradas pelas instituições financeiras, mais   que 27,5% dos pesquisados utilizam o limite por
de 80% dos alunos avaliaram as taxas como altas       mais de cinco dias por mês.
e quase 11% afirmam não saber se as taxas são             Quando a análise é feita com base no ano de
abusivas ou não.
                                                      graduação, nota-se um comportamento diferente
                                                      para cada produto, uma vez que os alunos do
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Revista da         FAE


terceiro ano são mais cuidadosos na utilização do         tração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas
cheque especial, e os alunos do quarto ano tomam          da FAE Centro Universitário.
mais cuidado com o uso do cartão de crédito.                  Os resultados encontrados demonstram que
     Sendo assim, observa-se que a pesquisa re-           os alunos estão conscientes dos produtos bem
alizada cumpriu o seu objetivo quanto ao levan-           como sua correta forma de utilização.
tamento de informações referentes ao conheci-
mento e forma de utilização dos produtos cartão
de crédito e cheque especial pelos alunos dos                                          • Recebido em: 07/05/2010
terceiros e quartos anos dos cursos de Adminis-                                        • Aprovado em: 05/07/2010




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Revista da         FAE


A sustentabilidade e sua relação com as estratégias
organizacionais

The sustainability and its relation with corporate
strategies
Resumo                                                                                Valéria da Veiga Dias1
                                                                                      Uiara Gonçalves De Menezes2
O presente artigo visa conhecer a percepção dos gestores de uma indústria do setor    Eliete Pozzobon Palma3
de alimentos e bebidas, quanto à sustentabilidade e qual sua relação na formulação    Marcia Zampieri Grohmann4
de estratégias da empresa, visando verificar se a empresa faz uso de práticas
sustentáveis e se estas estão claramente definidas nas estratégias; e qual sua
importância na percepção dos gestores. O conceito de desenvolvimento sustentável
tem se aprimorado num processo contínuo de reavaliação da relação existente entre
as dimensões econômica, ambiental e social e as estratégias da organização. Para
avaliar a percepção dos gestores foi utilizado o modelo de conceitual de Tachizawa,
que propõe um modelo de gestão ambiental e responsabilidade social que leva
em conta o delineamento estratégico de uma organização. Como resultado deste
estudo, que busca relacionar as práticas sustentáveis e a gestão estratégica da
organização, é possível dizer que a organização não relaciona os dois aspectos, ou
seja, as ações sociais não visam trazer uma melhoria de desempenho nos negócios.
Quanto à percepção, os gestores apresentam-se dispersos quanto aos conceitos
e práticas de sustentabilidade.

Palavras-chave: sustentabilidade; estratégia; gestão.


Abstract

The present work aims to assess the perception of managers from a industry of
the food and drinks sector, about the sustainability and it’s relationship in the     1
                                                                                          Mestranda em Administração pela
formulation of strategies to the company, aiming to check whether the company             UFSM. Gestora de Marketing. Santa
makes use of sustainable practices and whether these practices are clearly defined        Maria - Rio Grande do Sul. E-mail:
in the company strategies and also the importance of the sustainability in the            valeria-adm@hotmail.com
perception of these managers. The concept of sustainable development has been         2
                                                                                          Mestranda em Administração
improved in a continuous process of reassessment of the relationship between              pela UFSM. Tutora do Curso de
the economic and environmental dimensions and the social strategies of the                Bacharelado em Administração-
                                                                                          UFSM. Caxias do Sul - Rio Grande do
organization. To assess the perception of these managers, it was used the Tachizawa
                                                                                          Sul. E-mail: uiara.menezes@gmail.
conceptual model, which proposes a model of environmental management                      com
and social responsibility which takes into account the strategic design of an         3
                                                                                          Mestranda em Administração pela
organization. As a result of this study, which aims to establish a relation between       UFSM. Santa Maria - Rio Grande do
the sustainable practices and the strategic management of the organization, it is         Sul. E-mail: elietepalma-rs@ibest.
possible to confirm that the organization did not link the two aspects, since the         com.br
social actions do not seek to bring any improvement to the business performance.      4
                                                                                          Doutora em Administração pela
Regarding to the managers perception, they present themselves scattered about             UFSC. Professora do Departamento
                                                                                          de Administração da UFSM. Santa
concepts and sustainability practices.
                                                                                          Maria - Rio Grande do Sul. E-mail:
                                                                                          marciazg@gmail.com
Keywords: sustainability; strategy; management.

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010                                                                  |93
Introdução                                            melhoria da qualidade de vida. Nos países desen-
                                                      volvidos, o debate sobre responsabilidade social
     No momento do surgimento das organi-             e sustentabilidade toma importância, na medida
zações elas foram vistas como organismos que          em que parece surgir um novo paradigma das
promoviam ações sociais, já que ao se instala-        relações empresariais. No Brasil, embora o tema
rem, geravam empregos, moviam a economia e            esteja em discussão, à mudança do empresariado
dinamizavam relações entre outras empresas. No        ainda é bastante reduzida. O que mostra que o
entanto, com o passar do tempo, tais aspectos         tema precisa ser muito mais estudado para que
passaram a ser vistos como parte das obrigações       existam bases sólidas a respeito de conceitos,
mínimas de uma organização e não como mani-           teorias, percepções e práticas.
festações da consciência social por parte da gestão        Como ainda não existe o consenso a respeito
da empresa.                                           da utilização de uma nomenclatura única que re-
     Mudanças profundas, tais como a preocupa-        presente questões como governança corporativa,
ção com a qualidade de vida dos colaboradores,        sustentabilidade, responsabilidade social, respon-
clientes, consumidores, a tecnologia ligada ao        sabilidade socioambiental, responsabilidade cor-
aperfeiçoamento de produtos e redução de im-          porativa e sabe-se que existe complementaridade
pactos ambientais, alteraram o foco estratégico       entre eles, para fins de compreensão deste tema
das empresas. Para melhorar a sua competitivida-      que será abordado ao longo do artigo utilizar-se-
de as empresas podem desenvolver um modelo            -á o conceito de sustentabilidade proposto por
integrativo de gestão e práticas que relacione as     Elkington (1998) que se refere à interação das
áreas, processos e stakeholders num contexto          esferas social, ambiental e econômica.
sustentável.                                               Dessa forma, o presente artigo visa conhecer a
     A concepção de que é responsabilidade            percepção dos gestores de uma indústria do setor
somente da empresa apoiar o desenvolvimento           de alimentos e bebidas, quanto à sustentabilidade
da comunidade e preservar o meio ambiente não         e qual sua relação na formulação de estratégias da
é mais suficiente para atribuir a uma empresa a       empresa, com o objetivo de verificar se a empresa
condição de socialmente responsável. É necessário     faz uso de práticas sustentáveis e se estas estão
investir no bem estar dos seus funcionários e num     claramente definidas nas estratégias; e qual sua
ambiente de trabalho saudável, além de promover       importância na percepção dos gestores.
comunicações transparentes, dar retorno aos                Para tanto, o artigo esta estruturado em
acionistas, assegurar sinergia com seus parceiros     seis seções, a primeira seção é a introdução, a
e garantir a satisfação dos seus clientes e/ou        segunda aborda as associações e diferenças en-
consumidores (MELO NETO; FROES, 1999).                tre estratégias e planejamento, a terceira trata
      Nesses termos uma empresa socialmente           de definir sustentabilidade e estratégia, a quarta
responsável é aquela pautada por uma política         seção aborda a metodologia baseada no modelo
institucional firme, ética, dinâmica e empreende-     conceitual de Tachisawa, que propõe um modelo
dora. É aquela que, com criatividade, gerencia e      de gestão ambiental e responsabilidade social
contribui com projetos sociais bem administrados,     que leva em conta o delineamento estratégico
atuando ao lado de entidades da sociedade civil e     de uma organização; a quinta seção apresenta
do poder público, na busca de alternativas para a     os resultados subdivididos em caracterização da
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Revista da     FAE


empresa e influência das práticas sustentáveis na          que seguem um curso de ações previamente de-
percepção dos gestores e a última seção refere-se          terminadas (pretendidas), como também um curso
às conclusões.                                             de ações não previstas (emergentes), originadas
                                                           ao longo do tempo. Os planos que conseguem
                                                           combinar a mistura destas estratégias refletindo
1 Planejamento estratégico e                               as condições existentes serão mais eficazes em
                                                           prever e reagir a eventos inesperados. A percepção
      estratégia
                                                           de complexidade do sistema organizacional nos
                                                           leva a reflexão de Capra (2002) afirmando que
     O planejamento de longo prazo foi uma
                                                           no mundo vivo existem dois tipos de estruturas,
ferramenta desenvolvida nos Estados Unidos a
                                                           as planejadas e as emergentes, que também são
partir da década de 50 (ALDAY, 2000), mas foi na
                                                           indispensáveis para uma organização. As estru-
metade dos anos 60 que Igor Ansoff introduziu a
                                                           turas planejadas que são as bases formais da
metodologia do planejamento estratégico. Kotler
                                                           organização, compostas dos documentos oficiais,
(1997) defende a utilização do planejamento
                                                           proporcionam regras e rotinas, necessárias para
estratégico e conceitua como uma metodologia
                                                           seu correto funcionamento e proporcionam a
gerencial que proporciona o estabelecimento da
                                                           otimização dos processos de produção e venda,
direção a ser seguida pela organização, além de
                                                           produzindo estabilidade organizacional, e as es-
visar maior interação com o ambiente. Mintzberg
                                                           truturas emergentes (não planejadas) incitam a
(2004, p.34) na análise das várias respostas sobre
                                                           novidade, flexibilidade e criatividade.
o que é planejamento, defende os argumentos
levantados por Mariann Jelinek, que a formalização              Seguindo a abordagem de Mintzberg (2004)
do planejamento é uma forma “de criar e também             a estratégia como plano, também pode ser um
operacionalizar a estratégia”.                             pretexto, uma manobra específica para desconser-
                                                           tar um concorrente, configurando uma ameaça e
     Segundo Oliveira, Terence e Escrivão Filho
                                                           não uma estratégia real. Estratégia como posição
(2008, p.2) “o modelo racional do processo de
                                                           é a definição de determinados produtos em deter-
criação de estratégia está fortemente relacionado
                                                           minados mercados, ou seja, “nicho” de atuação
com o sistema de planejamento estratégico” e
                                                           da empresa, e estratégia como perspectiva é a
afirmam que mesmo após três décadas continua               maneira como a organização faz as coisas.
sendo uma ferramenta amplamente utilizada
                                                                Segundo Porter (1986) estratégia competitiva
pelas empresas. Mintzberg, Ahlstrand e Lampel
                                                           significa ser diferente criando um conjunto de ati-
(2006) inferem que a formulação da estratégia
                                                           vidades diferentes para integrar um mix único de
se trata de um processo formal e afirmam que
                                                           valores, ou seja, ocupar uma posição não explora-
os planos são desenvolvidos para que não haja              da. Essas posições surgem de três fontes distintas
flexibilidade, devendo, assim, estabelecer direções        (custo, diferenciação e enfoque) que definem que
claras, propor estabilidade e equilíbrio para a            tipo de vantagem a empresa quer alcançar. A cria-
organização.                                               ção e escolha de um posicionamento estratégico
     Para Mintzberg (2004), estratégia está emba-          dependem da eficácia operacional, capacidade de
sada em cinco conceitos (5 Ps da estratégia): como         ajustes estratégicos e um planejamento de longo
plano, padrão, pretexto, posição e perspectiva. Es-        prazo, para garantir uma vantagem competitiva
tratégia como planos desenvolvidos para o futuro,          e sustentabilidade empresarial.
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010                                                 |95
A integração das estratégias organizacionais   2 Sustentabilidade e estratégia
com o ambiente em que a empresa está inseri-
da se torna um desafio que pode ser atenuado              Nos conceitos sobre a sustentabilidade ou
com a administração estratégica, sendo definida      responsabilidade social empresarial (RSE) ainda
como “um processo contínuo e interativo que          não há consenso. Diversos autores a relacionam
visa manter uma organização como um conjunto         com as responsabilidades legais, com filantropia,
apropriadamente integrado ao seu ambiente”           com ética e transparência. O Instituto Ethos a
(ALDAY, 2000, p.13). O que também se reflete em      define como uma forma de gestão que pautada
todo o comportamento organizacional através          pela relação ética e transparente da empresa com
do comportamento estratégico, que é definido         todos os públicos com os quais ela se relaciona
por Ansoff (1983, p.16) como um “processo de         em busca do desenvolvimento sustentável da
interação com o ambiente acompanhado de um           sociedade, através da preservação de recursos
processo de promover a modificação das configu-      ambientais e culturais e respeito à diversidade.
rações e dos aspectos internos dinâmicos”. Com            Porém o entendimento de sustentabilidade
essa visualização dinâmica e altamente compe-        não se resume somente ao contexto social, pois
titiva da formulação estratégica e utilização da     o objetivo de uma empresa é a obtenção de lucro
ferramenta de planejamento torna-se mais fácil       e o retorno aos seus acionistas. Dessa forma
para a organização entender todas as mudanças,       a utilização estratégica desses conceitos pode
sendo uma empresa que acompanha as transfor-         proporcionar vantagens às organizações frente
mações, baseia suas ações nessas transformações      aos seus concorrentes, em forma de diferenciação
percebidas ou propõe inovações ao meio.              ou até mesmo em redução de custos.
     A inserção da sustentabilidade dentro das            Bowen (1953) foi o primeiro autor a publicar
estratégias da organização pode ocorrer de duas      sobre o tema. Ele afirma que os objetivos da in-
formas, ou seja, a organização pode executar         dústria e da sociedade precisam estar alinhados,
ações que se referem à responsabilidade social       de forma que as empresas estejam a serviço da
e ambiental de maneira pouco organizada ou           sociedade. Ao contrário do proposto por Bowen,
planejada, apenas visando à prática da ação, ou      Friedman (1970) afirma que as empresas apresen-
ainda pode formular estratégias sustentáveis e       tam somente a responsabilidade da maximização
incorporá-las aos objetivos da organização de        do lucro dos proprietários e acionistas. De maneira
forma que afetem o andamento e os resultados da      que a utilização de recursos organizacionais para
mesma. A organização pode, por exemplo, lançar       outros fins, resultaria em uma interrupção da efi-
uma linha de produtos “verdes”, ou desenvolver       ciência da economia da organização, pois reflete
um novo segmento que não maltrate o meio             em um “imposto ilegal”, na visão do autor.A partir
ambiente, criar uma vinculação responsável a         desta visão global do comportamento destes ele-
sua marca ou ainda alterar valores internos que      mentos, pode-se verificar o quanto as ações das
fiquem externados ao consumidor. O sucesso de        empresas refletem na sociedade, na economia e
estratégias depende de se fazer bem várias coisas    no meio ambiente, de maneira que atualmente
e da integração entre elas, possibilitando ajustes   são percebidos muitos reflexos do sistema de
estratégicos, para que a organização cria um         produção desenfreada em que se encontravam e
diferencial competitivo e sustentável.               se encontram muitas empresas.
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Revista da     FAE


     Em consequência da necessidade de inter-              Na perspectiva econômica tem-se a preservação
pretação das relações que surgem a partir da               da lucratividade da organização e o não com-
interação dos diversos ambientes, surge um novo            prometimento do desenvolvimento econômico
paradigma, o paradigma da sustentabilidade,                da mesma. E por fim a esfera social, que inclui a
que é proposto por Tachizawa (2005) e engloba              questão da justiça social, onde o objetivo maior
as mudanças que têm ocorrido no mundo e nas                é o desenvolvimento de um mundo mais justo,
                                                           através das relações com todos os stakeholders
relações entre as organizações e seus stakeholders,
                                                           (colaboradores, clientes, fornecedores, governo).
referente ao reflexo dos padrões de crescimento
econômico desenfreado, sem considerar os demais                 Sachs (1986) entende que o equilíbrio entre
aspectos da sociedade. Esse paradigma é caracte-           crescimento econômico, equidade social e cui-
rizado por um novo modo de administrar, através            dado ecológico, gera maior poder de efetivar as
de uma consciência sustentável. As organizações            estratégias de desenvolvimento. Mas conclui que
passam a incluir em seus objetivos, a gestão am-           a sustentabilidade vai além das três dimensões
biental e a responsabilidade social, indo além do          mencionadas (SACHS, 2002), pois considera ainda
simples cumprimento da legislação, pois resultam           a questão cultural, territorial, política nacional e
em uma mudança na cultura e valores organiza-              política internacional.
cionais, transformando esse novo conceito em um                 Outros autores ainda debatem sobre a abran-
critério de desenvolvimento dos negócios e uma             gência da sustentabilidade e quais as verdadeiras
oportunidade que pode ser aproveitada para criar           responsabilidades das organizações. Os temas que
ou sustentar um diferencial competitivo.                   são mais relacionados à sustentabilidade são fi-
                                                           lantropia, ética, cumprimento da legislação, lucro,
     Ashley (2002) propõe, para a inserção dessas
                                                           transparência com stakeholders, cuidado com o
mudanças de valores e cultura, um modelo de                meio ambiente e atenção à sociedade, explorando
interação de quatro dimensões organizacionais,             os conceitos com foco mais nas ações praticadas
que são: as relações de produção e distribuição            e seus beneficiários.
interna; as relações econômicas, objeto e meio
                                                                Srour (1998) considera que uma empresa
de negócio (Core Business); as relações político-          socialmente responsável, desenvolve produtos de
sociais; e de tempo e espaço, denominado por               qualidade com preços competitivos, investindo
ela como Modelo Relacional Multidimensional                em pesquisa tecnológica de processos e produtos,
para a Responsabilidade Social nos Negócios                com a preocupação na preservação ambiental,
(RMRSN). Essas dimensões se relacionam de forma            sem esquecer o investimento no desenvolvimento
multidimensional, sistêmica e interdependente.             profissional dos trabalhadores e também em me-
     A sustentabilidade tem sido discutida tanto           lhores condições de trabalho e benefícios sociais.
na comunidade empresarial como acadêmica, e                Ele identifica três beneficiários das ações da em-
ainda não apresenta um conceito completamente              presa, além de seus clientes: a comunidade, o meio
definido. O conceito, desenvolvido por Elkington           ambiente e o trabalhador, seja ele empregado da
(1998), sobre o Triple Bottom Line, se refere às           própria empresa, terceirizado ou temporário.
esferas social, ambiental e econômica. Na esfera                Na concepção de Oliveira (1984) são acres-
ambiental, ressalta-se a utilização dos recursos           centados outros grupos de beneficiários: os acio-
de forma a não prejudicar as gerações futuras,             nistas, sócios ou proprietários. Carrigan e Attalla
reduzindo impactos da ação das indústrias e uti-           (2001) identificam que existem divergências entre
lizando de forma sustentável os recursos naturais.         o interesse dos acionistas, sócios ou proprietários
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que visam à maximização do lucro, e o interesse                      retrata a aceitação das operações da empresa pe-
dos demais grupos, gerando uma contradição                           los stakeholders. Por último a reputação, que liga
para a empresa ao tentar atender às diferentes                       a RSC à imagem da organização, fortalecimento da
expectativas de todos os seus stakeholders.                          marca e valorização das ações. Os autores defen-
     Mintzberg (1983) afirma que uma das gran-                       dem que as questões de responsabilidade social,
des dificuldades para uma empresa ser social-                        sendo visualizadas de forma estratégica, tendem
mente responsável, não apenas no papel, mas de                       a proporcionar grande avanço social, porque a
fato, é sua estrutura e sistema de funcionamento.                    organização aplica seus recursos em questões
Uma empresa, explica o autor, tem a natureza de                      que a sociedade necessita. Com esta mesma visão
perseguir objetivos econômicos. Estes objetivos                      alguns autores inferem a necessidade da inclusão
econômicos são definidos pela alta gestão e são                      da variável sustentabilidade ao planejamento es-
propagados hierarquia abaixo, de forma que                           tratégico como Nascimento, Lemos e Mello (2008)
permita aos trabalhadores realizarem tarefas al-                     e Tachizawa (2005).
tamente formais de acordo com os preceitos da                              Outros estudos atentam para os efeitos da
divisão do trabalho. Para assegurar que as tarefas                   sustentabilidade, no que se refere às atitudes de
sejam cumpridas o sistema prevê várias formas de                     colaboradores e consumidores. Quanto ao com-
controles formais para que as pessoas não se des-                    portamento dos colaboradores, Melo Neto e Froes
viem dos objetivos econômicos. Arlow e Gannon1
                                                                     (2001) argumentam que ações de sustentabilidade
(1982 apud MOSTARDEIRO; FERREIRA, 2005)
                                                                     aumentam a produtividade no trabalho, motivam
entendem que as empresas buscam formalizar
                                                                     e melhoram a auto-estima dos mesmos, impac-
a inserção da sustentabilidade em sua estrutura,
                                                                     tando positivamente na sua qualidade de vida.
porém este é um processo que pode levar anos,
                                                                     Quanto ao comportamento do consumidor, uma
devido a questões como falhas e revisões na sua
                                                                     pesquisa merece destaque, a conduzida por Brown
implementação e que efetivamente atendam às
                                                                     e Dacin (1997) que busca fazer uma correlação
questões sociais.
                                                                     positiva entre preferência dos consumidores pelos
     Porter e Kramer (2006) utilizam o termo res-                    produtos das empresas e suas práticas sustentá-
ponsabilidade social corporativa (RSC) e voltam às
                                                                     veis, não associando aos atributos de qualidade de
atenções da questão da RSC para um foco mais
                                                                     seus produtos, porém identificando a construção
estratégico. Afirmam que existem quatro princi-
                                                                     de uma avaliação mais favorável por parte dos
pais argumentos que motivam a adoção de uma
                                                                     consumidores. A motivação das empresas, além
gestão voltada para a RSC nas organizações. São
                                                                     do cumprimento das obrigações sociais impostas
eles o apelo ou dever moral, a sustentabilidade, a
                                                                     pela lei, também pode ser proveniente da questão
licença para operar e a reputação. O dever moral
                                                                     da sustentabilidade pautada em ações éticas e
se relaciona com “fazer a coisa certa”, ou seja, a
                                                                     filantrópicas (OLIVEIRA, 1984).
organização precisa agir conforme valores consi-
derados corretos pela sociedade. A sustentabili-                          Em face da identificação desses conceitos e
dade se traduz na eficiência operacional de forma                    constatações, a capacidade de inovação tecnoló-
que não se comprometa os recursos existentes                         gica, capacidade produtiva e certificados de qua-
para as gerações futuras. A “licença para operar”                    lidade não bastam como diferencial competitivo,
                                                                     e as empresas começam a enxergar a necessidade
                                                                     de uma participação mais direta em assuntos que,
1
    ARLOW, Peter; GANNON, Martin. Social responsiveness, corporate
    structure, and economic performance. Academy of Management
                                                                     até então, não faziam parte do interesse dos negó-
    Review, v.7, n.2, p.235-241, 1982.                               cios. Esses desafios associados à sustentabilidade
    98 |
Revista da     FAE


podem ajudar as empresas a identificar estraté-            influências das práticas sustentáveis. Para Triviños
gias e práticas que resultem em maior valor aos            (1987) a entrevista semi-estruturada, em geral,
acionistas e contribuam, simultaneamente, para             é aquela que parte de alguns questionamentos
um mundo mais sustentável.                                 básicos, aparados em teorias e hipóteses que inte-
                                                           ressam à pesquisa, e que fornecem amplo campo
                                                           de questionamentos, fruto de novas hipóteses que
                                                           vão surgindo, à medida que se recebe as respostas
3 Metodologia                                              do entrevistado. Desta maneira, o entrevistado,
                                                           seguindo a linha de seu pensamento e de suas
     O presente estudo pretende analisar a per-            experiências dentro do foco de pesquisa, começa a
cepção dos gestores de uma indústria de bebidas            participar na elaboração do conteúdo da pesquisa.
santamariense sobre a sustentabilidade e a influ-               Na visão de Minayo e Sanches (1993) a entre-
ência das práticas sustentáveis na formulação das          vista é a palavra na forma da fala cotidiana que
estratégias. A escolha da empresa foi intencional,         se torna uma revelação das condições estruturais,
baseada em seu histórico de atuação em projetos            de sistemas de valores, normas e símbolos e ainda
de cunho social na cidade de Santa Maria.                  possui a magia de transmitir, através do entrevista-
     A pesquisa caracteriza-se como uma investi-           do, as representações de grupos determinados em
gação de natureza qualitativa, através do método           condições históricas, sócio-econômicas e culturais
de estudo de caso, utilizando como instrumento             específicas. Desta forma, através do estudo de
de coleta de dados entrevistas semi-estruturadas           caso, que conforme Yin (2001) pode ser utilizado
com perguntas abertas, não obedecendo a uma                quando o foco é um fenômeno contemporâneo
estrutura formal preestabelecida, mas utilizando           dentro de um contexto da vida real, foi possível
um roteiro onde o pesquisador pôde tomar por               identificar as visões que cada um dos entrevista-
base o comportamento do entrevistado e ques-               dos apresenta sobre o tema estudado.O estudo
tionar o respondente quanto às modificações                buscou identificar e explicar os efeitos da implan-
decorrentes da inserção de práticas sustentáveis           tação de práticas sustentáveis na formulação das
nas estratégias organização. As entrevistas foram          estratégias empresariais e para tanto, foi utilizado
realizadas individualmente com seis gestores.              um modelo analítico conceitual para investigar a
Para melhor compreensão acerca das informa-                influência da adoção de estratégias sustentáveis
ções dispostas pelos entrevistados optou-se por            em empresas regionais que adotam esta política.
identificá-los pelas áreas de atuação de cada um                Tachizawa (2005) propõe um modelo de
e criar uma sigla para referenciá-los. G1,gerente          gestão ambiental e responsabilidade social que
de recursos humanos; G2, diretor- presidente da            leva em conta o delineamento estratégico de
organização; G3, gerente de marketing; G4, geren-          uma organização, considerando a existência de
te de T.I. (Tecnologia de Informação); G5, gerente         estratégias genéricas (do setor) e estratégias es-
financeiro e responsável pela controladoria e o            pecíficas (da organização), consequentemente,
G6, gerente de vendas.                                     estratégias sociais e ambientais. Deste conjunto
     Para compreender o padrão de mudanças es-             há a formulação de estratégias próprias de cada
tratégicas, sejam estas incrementais ou quânticas          organização. O modelo da Figura 1 retrata a or-
(MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2006) as per-               ganização inserida no ambiente em que opera
guntas formuladas buscaram identificar aspectos            e ilustra a influência e a interação das variáveis
observáveis que pudessem caracterizar a visão dos          ambientais com os seus diferentes stakeholders. O
gestores da empresa em relação às estratégias e            autor ainda ressalta a importância dessa interação,

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pois as organizações, que são caracterizadas por                                  QUADRO 01- ASPECTOS AVALIADOS A PARTIR DO
relações complexas, necessitam de “esquemas                                                  MODELO CONCEITUAL
classificatórios” (TACHIZAWA, 2005, p.112) que                                    Aspectos       • Impactos do processo produtivo da
expressem essa complexidade. Além disso, existe a                                 ambientais       empresa no meio ambiente, considerando
                                                                                                   todos os impactos tanto do processo
necessidade de adaptação do modelo aos diversos
                                                                                                   industrial como de divulgação, transporte
tipos de organização, já que, através do exposto                                                   etc., que possam prejudicar o meio
pelo autor                                                                                         ambiente e a qualidade de vida da
                                                                                                   sociedade.
        cada empresa precisa determinar suas exigências
                                                                                                 • Programas ambientais ou de proteção
        de estratégia social e ambiental, usando a referida
                                                                                                   ambiental desenvolvidos pela organização
        classificação como uma possibilidade de orientação a
                                                                                                   e praticados pela mesma interna e
        sua determinação (TACHIZAWA, 2005, p.113).                                                 externamente, que visam à proteção e/ou
                                                                                                   redução dos impactos ambientais.
      Não existindo uma única forma de gestão
                                                                                  Aspectos       • Inserção dos aspectos de preocupação
sustentável, pois cada decisão é “fruto das esco-                                 sociais          social (bem-estar da sociedade, qualidade
lhas dos gestores e suas interações organização                                                    de vida do colaborador e incentivo à
versus ambiente” (TACHIZAWA, 2005, p.113).                                                         participação dos colaboradores em
                                                                                                   projetos sociais e ambientais) e ambiental
FIGURA 01 - MODELO CONCEITUAL DA PESQUISA                                                          (proteção do ambiente) na cultura interna
                                                                                                   da organização, visando à construção de
 Variáveis ambientais             Stakeholders
                                                                                                   uma consciência sustentável.
                                                                                  Aspectos       • Investimentos em práticas sustentáveis,
                                                                                  econômicos       considerando a aplicação e realocação
            Decisões estratégicas:                             Indicadores de
                                                               negócio                             de recursos e pessoas em projetos
            - objetivo corporativos
            - estratégias genéricas                                                                sustentáveis e o quanto isso impactou no
                                                                                                   orçamento organizacional.
                                                                                                 • Economia interna, enfocando nos
                                                               Indicadores                         consumo de insumos, matérias-primas,
            Decisões ambientais sociais:                       ambientais
            - projetos ambientais                              e sociais
                                                                                                   energia, reaproveitamentos, re-trabalho,
            - ptojetos de resposabilidade social                                                   entre outros aspectos
                                                                                  Aspectos       • Inserção de práticas sustentáveis no
                                                                                  Estratégicos     planejamento e estratégias já existentes;
                                                                                                 • Impactos e mudanças surgidas a partir
    Cadeia produtiva           Processos produtivos                                                do uso de práticas sustentáveis dentro da
                                                                       Clientes
    Fornecedores                          Processos de apoio                                       organização;
                                                                                                 • Divulgação interna e externa das práticas
FONTE: Tachisawa (2005)                                                                            sustentáveis da organização;
                                                                                                 • Resultados que a organização espera com
                                                                                                   o uso das práticas sustentáveis e os tipos
                                                                                                   de resultados que foram obtidos;
     Considerando as decisões socioambientais,                                                   • Imposição e influência externa que levam
que se referem aos projetos sociais e ambientais,                                                  a organização a focar em uma postura
e as decisões estratégicas, que se baseiam nos                                                     sustentável através da adoção de práticas
                                                                                                   sustentáveis;
objetivos organizacionais e estratégias genéricas,                                               • Inovações surgidas a partir do uso das
foi possível identificar, através da análise do mo-                                                práticas sustentáveis
delo proposto por Tachizawa (2005) e do conceito                                  FONTE: Tachizawa (2005)
do triple bottom line, sobre a interação das três
dimensões da sustentabilidade; social, ambiental
e econômica, e estratégia, visualizados no quadro
abaixo, estão os quatro aspectos analisados.
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Revista da     FAE


4 Análise dos resultados                                   4.2 A influência das práticas sustentáveis
                                                                na percepção dos gestores
       Os resultados da pesquisa estão organizados
                                                                 A partir das entrevistas realizadas com os
em duas seções: a caracterização da empresa e a
                                                           dirigentes da empresa estudada foi possível iden-
influência das práticas sustentáveis na percepção          tificar a compreensão das práticas sustentáveis,
dos gestores.                                              através de suas experiências dentro da organi-
                                                           zação. Os resultados destas discussões foram
                                                           sumarizados nas seguintes categorias de análise:
4.1 Caracterização da empresa
                                                           influência externa na adoção das práticas susten-
                                                           táveis; influência das ações de sustentabilidade nas
       A empresa estudada é fabricante de bebidas,
                                                           decisões organizacionais e influência na cultura.
como refrigerantes, sucos, água mineral e chás
de uma marca multinacional e está situada na
região central do Rio Grande do Sul. Com produ-            4.2.1 Influência Externa nas Decisões sobre
ção anual de 400 milhões de litros de bebidas nas                Sustentabilidade
embalagens de vidro, pet e lata, distribui para as
                                                                A principal motivação da organização em
regiões do centro e oeste do Estado. Apresenta             desenvolver programas sustentáveis foi à solicita-
uma equipe de vendas que atua em 200 cidades               ção dos acionistas, que sentiram a necessidade da
do Rio Grande do Sul, e abastece cerca 16.000              organização estar mais próxima da comunidade e
pontos de venda. Iniciou suas atividades há 25             agir proativamente frente aos acontecimentos e
anos e atualmente conta com aproximadamente                projetos locais, em busca do desenvolvimento des-
500 funcionários.                                          ta comunidade. Essa assertiva pode ser conferida
       A empresa desenvolve vários programas               na colocação do G2: [...] nós tomamos algumas
                                                           decisões baseadas pelas intenções dos acionistas
ambientais interna e externamente, publica seu
                                                           em interagir com a comunidade, de se relacionar
balanço social periodicamente e mantém um pro-
                                                           mais fortemente com a comunidade e de manter
grama social criado há sete anos em que são rea-
                                                           um elo com essa comunidade.
lizadas atividades a fim de auxiliar e desenvolver
                                                                 Outro motivador foi a construção de uma
organizações. Tem sido pioneira no atendimento
                                                           imagem positiva, pois o mercado tem valorizado
das novas imposições legais onde os aspectos de
                                                           as organizações voltadas para a preservação do
sustentabilidade são abordados, como a digitali-
                                                           ambiente e sociedade. O G4 assim se posiciona
zação de toda a documentação fiscal, reduzindo             quando questionado sobre quais as intenções da
substancialmente o consumo de papel, coleta                organização com as práticas de sustentabilidade:
seletiva de lixo, método exclusivo para consumo            [...] para melhorar a imagem empresa, pois a
de energia, entre outras ações desta ordem, con-           empresa não se sustenta sem uma boa imagem.
tribuindo para criação de uma cultura sustentável          Essa preocupação é compartilhada com a mul-
entre seus colaboradores e melhorando a quali-             tinacional, detentora da marca, o que vêm con-
dade de vida dos colaboradores e comunidade.               tribuindo para que a empresa insira no seu mix,
                                                           produtos como sucos e chás, que são percebidos
                                                           como produtos naturais e saudáveis. Somado a
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010                                                  |101
projetos e campanhas institucionais com apelo           4.2.2   Influência das Ações de Sustentabilidade
social e ambiental bancados pela multinacional.                 nas Decisões Organizacionais
        Incentivo da empresa quanto as práticas sus-
                                                             Os entrevistados demonstraram através de
tentáveis dos seus colaboradores fora da empresa,
                                                        suas falas a preocupação da organização em rela-
através do reconhecimento da organização através
                                                        ção à apresentação de ações e resultados do uso
de um programa de premiação, fica claro na visão
                                                        de práticas sustentáveis perante a comunidade.
do G2 quando: Então temos aí uma oportunidade,          Para o G3 a organização inseriu em seus planos o
que é uma forma de valorizar as pessoas que fa-         desenvolvimento, como uma das formas de estar
zem trabalho voluntário e interagir positivamente       em contato e promovendo a melhoria para so-
com a sociedade, para nós valorizarmos ela aqui         ciedade, através do apoio a eventos e programas
dentro. O que se traduz em uma estratégia para          que seria [...] uma contribuição pra fomentar o
engajar ainda mais seus funcionários nas questões       empreendedorismo na cidade, [...] Está muito claro
de conscientização da sustentabilidade.                 pra nós a questão da sustentabilidade [...]. O G6
        Percepção que as práticas sustentáveis para     corrobora com essa idéia [...] Hoje nós estamos
reduzir os impactos ambientais trazem economia          contribuindo de forma direta ou indireta através
de recursos. Porém sobre as atividades desenvol-        da realização de uma série de eventos, que fazem
vidas em âmbito social não há mensuração, pois          com a proximidade com a comunidade seja per-
a empresa não apresenta indicadores suficientes,        cebida como algo muito forte. Então sem dúvida
conforme G2: Nós não encontramos o formato              nenhuma, refletem em uma imagem positiva nos
certo e a medida certa. Na origem nós queríamos         nossos negócios.
encontrar o projeto que desse maior retorno para              A empresa tem a preocupação de promover
cada real investido, mas é uma dinâmica que não é       eventos que agreguem valor a comunidade, pois,
fácil. Sobre as atividades sociais internas, focadas    segundo o G3: [...] nos preocupamos em ajudar,
para os funcionários, foi possível verificar que há o   em desenvolver, e quando falo em ajudar e desen-
entendimento, por parte dos gestores, de que os         volver não só dar dinheiro, mas ver se ele é bem
                                                        aplicado e acho que é isso que o Programa Social da
funcionários percebem esse esforço organizacio-
                                                        organização faz, tem esse foco [...] dá pra aquelas
nal que se reflete em pesquisa de clima, conforme
                                                        instituições que querem e que se preparam pra
colocação do G1: interferem tanto no público
                                                        poder receber recursos e aplicar isso bem [...]
interno e externo, tanto nas pesquisas de clima,
como nas pesquisas de satisfação com clientes.               Este interesse no tipo de resultado esperado
                                                        é reforçado pelo G5 [...] existe a compreensão
        A inversão da forma de elaboração do pla-
                                                        da participação da organização em programas
nejamento estratégico que era feito de cima para
                                                        sociais [...] quem mais ganha com a participação
baixo, partindo dos interesses dos acionistas, para
                                                        da organização em projetos sociais é a sociedade
a elaboração de baixo para cima também incorre
                                                        como um todo. Mesmo partindo de uma visão
em na mudança de visão que os gestores têm do           bastante filantrópica, a empresa pode ser conside-
negócio, pois há maior envolvimento dos colabo-         rada como uma organização inovadora, pois não
radores da organização e melhora a comunicação          foram encontrados programas ligados às questões
interna das decisões.                                   sustentáveis, desenvolvidos por outras empresas
                                                        do mesmo ramo e com o mesmo objetivo.
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Revista da       FAE


     A preocupação ambiental surge a princí-               tange a refrigeração [...], temos assim, um contro-
pio como uma imposição legal, da matriz e da               le inteligente de energia, que tem um sensor de
sociedade. A organização passou a desenvolver              presença, que após o fechamento do estabeleci-
programas, alguns vinculados a matriz e outros             mento, a geladeira passa a não ser tanto aberta,
desenvolvidos dentro da organização com a                  ele lê que o estabelecimento está fechado e passa
idéia de disseminar uma cultura sustentável, mas           a consumir menos energia. Foi um sistema que a
percebe-se uma preocupação muito maior em                  matriz desenvolveu com os fabricantes, e então
ações de “ajuda social” do que de inserção dentro          por um tempo temos a exclusividade nisso [...]
da cultura organizacional ou inserção estratégica.              Conforme o G2 as questões ligadas ao
    O G1 demonstra a influência da matriz                  investimento, mensuração e retorno dos programas
quando diz que [...] trabalhamos dentro de uma             sociais ainda são uma incógnita, apesar de haver
plataforma da matriz, com proposta saudável                plano de investimentos, é tudo encarado como um
e sustentável, que procura colocar a empresa,              investimento, sem projeções de retorno, além da
mostrando a nossa responsabilidade com o                   imagem ética e responsável perante a sociedade,
planeta.                                                   claro que pequenas economias de energia, água e
    De acordo com o G3 a questão ambiental                 outros materiais são mencionados [...] queríamos
era primeiramente vista como cumprimento                   encontrar o projeto que desse maior retorno para
de normas legais e de certificação [...] olhando           cada real investido, mas é uma dinâmica que não
pela parte ambiental, tem toda certificação ISO            é fácil. Não é fácil traduzir tudo nesse objetivo [...]
14001 que prega toda essa gestão ambiental [...]               O G3 reforça essa dificuldade ao afirmar
somado a [...] preocupação com vários indicadores          que [...] os ganhos, a gente entra num campo
ambientais seja, tratamento da água, consumo de            subjetivo, de difícil mensuração, ao cuidar da
energia, redução de gases, manejo de resíduos.             água, da energia [...]
     Com o cumprimento das normas e imposições                  Destacando-se desta forma que a mensuração
legais e com a emergente demanda por empresas              do retorno para esses investimentos em ações sus-
ecologicamente corretas, a organização buscou              tentáveis não são tão relevantes para a organiza-
apoiar alguns programas e desenvolveu algumas              ção que considera isso um investimento necessário
ações internas para reduzir os impactos provocados         e não ações inseridas na cultura organizacional.
por seus produtos na natureza e na sociedade.                   Sabe-se que o retorno dos investimentos
      O G3 destaca programas de reciclagem e               em sustentabilidade são de longo prazo em sua
um grupo chamado ECO que trabalha questões                 maioria, como mudança de hábitos, economia de
ambientais [...] temos o programa de reciclagem,           recursos, tempo, dinheiro, preocupação com uma
[...] pra que seja encaminhada pra um destino              realidade sustentável, que garanta a sobrevivência
correto de manejo desses resíduos.                         das futuras gerações, etc., no entanto muito pode
     A matriz multinacional desta organização,             ser mensurado, apesar disso, nota-se ainda nessa
buscando redução de impactos e custos que                  questão uma despreocupação da organização
refletem em economia de recursos, desenvol-                pelo fato de se tratar de uma questão dissociada
veu um sistema inovador ligado diretamente á               dos planos estratégicos e sim por se tratar de
preocupação sustentável, conforme G3 [...] uma             uma questão necessária, mas muito vinculada à
preocupação agora, nos investimentos no que                filantropia organizacional.
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010                                                     |103
4.2.3 Influência na Cultura                                   No entanto, percebeu-se que quando se trata
                                                         da visão objetiva da organização sobre o papel da
     As empresas começam a desenvolver uma               sustentabilidade fica claro que dentro da cultura
cultura própria no que diz respeito à sustentabi-        da organização predomina a visão do G2 [...] Eu
lidade, baseadas em sua própria forma de gestão,         não enxergo uma organização, com fins lucrativos,
objetivos e compreensão do tema.                         fazendo atividade socioambiental se ela não tem
      A cultura da organização pesquisada está pas-      o seu maior objetivo a sobrevivência, participação
sando por transformações no sentido da inclusão          de mercado, ganho de mercado e de lucratividade.
de valores e idéias novas, inclusive, no que tange       Porque se a visão socioambiental cresce mais que
a participação dos colaboradores na elaboração           a empresa, isso pode acabar engolindo a empresa
dos planos, como pode ser percebido através              e, acabando com a empresa, vai ‘acabar’ acabando
dos trechos dos entrevistados: O G5 afirma que a         com o retorno social. Então a visão empresarial de
participação de um mediador externo já faz parte         lucro e resultado é a visão que capacita a organiza-
da cultura da organização [...] o planejamento           ção para poder dar mais retorno. E o maior retorno
ocorre com auxílio de um facilitador externo, que        social que uma empresa pode dar é o imposto.
faz a mediação e a coordenação das atividades,                Mais um fato que demonstra isso é quando
e houveram mudanças na formulação dos planos             se percebe que o fator econômico é quase irrele-
estratégicos que possibilitaram a participação das       vante quando se fala de sustentabilidade dentro
equipes dos setores [...], e o G2 [...] nós invertemos   da empresa, pois como não consideram uma fonte
os fluxos em um planejamento de baixo para cima.         de retorno ou como algo agregado a natureza
Estamos concluindo uma primeira fase de busca            estratégica da empresa o fator econômico passa
de dados de fechamento de um planejamento                a ser irrelevante, assim como a mensuração do
com toda a equipe de gestores e coordenadores.           quanto às práticas e mudanças nesse sentido
                                                         podem afetar o negócio.
     Em relação aos novos valores e idéias, estão
as questões sustentáveis. O G4 propõe uma visão               Uma mudança que seja profunda a ponto de
sustentável e estratégica [...] a responsabilidade       alterar aspectos da cultura é difícil, como destaca
sócio-ambiental, tem que fazer parte do negócio,         o G3 [...] acho que não é natural, e digo que não
assim como o negócio da empresa que é desen-             é natural em nenhuma empresa, mas quando é de
volver e sustentar marcas de valor [...]                 cima pra baixo todos acabam se engajando nessa
                                                         causa [...] como todo mundo fala disso, acaba
     Inicialmente a proposta de mudanças den-
                                                         incorporando e a gente vê como necessidade de
tro dos valores organizacionais seria incluir esses
                                                         fazer melhor com menos impacto [...]
valores e ações sustentáveis com intenção de
                                                              A questão sustentável está sendo desen-
maior interação com a comunidade e melhoria da
                                                         volvida dentro da organização a partir da visão
imagem da empresa e do produto, como afirma
                                                         de seus gestores, conforme alguns é bastante
o G2 [...] dentro desse processo de planejamento
                                                         ampla e envolve os pilares da sustentabilidade e
socioambiental nós já, desde o primeiro plane-
                                                         desenvolvimento e, para outros refere-se a ações
jamento, tomamos algumas decisões baseadas
                                                         filantrópicas e legais, pela emergência do tema
pelas intenções dos acionistas em interagir com
                                                         e pela diversidade de compreensão do mesmo
a comunidade.
                                                         pode-se dizer que a cultura da organização está

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Revista da     FAE


em formação no que se refere ao mesmo. Essa                forma, vemos pessoas físicas se agrupando pra ter
construção aparece nas declarações do G2, [...]            projetos que eles tocam, porque enxergam que
o Programa Social entrou como processo da                  podem fazer alguma coisa, isso toca as pessoas e
mudança da cultura de gestão das organizações              eles percebem que podem fazer alguma coisas, um
sociais, e G3: [...] como praticante do conceito           grupo começa e depois outro. Segundo o G6 [...]
socioambiental, precisa ser correto, no sentido de         o RH, tem várias ações e campanhas que fazem
ética para recolhimento de tributos, trate bem os          com que as pessoas ao participar dessas atividades
funcionários, competição ética [...]                       aumentem o grau de consciência em relação a essa
      As mudanças em relação à inserção da                 questão da sustentabilidade.[...] várias iniciativas
sustentabilidade na cultura da organização são             visam melhorar a qualidade de vida das pessoas.
graduais e muito delas se deve às transformações                As questões sustentáveis fazem parte das
da sociedade e do mercado. Conforme G1 [...],              discussões internas, mas como um projeto ou pro-
quando que imaginávamos que iríamos vender                 grama paralelo, de forma que sejam programas
suco. Dentro da estrutura nova construída temos            legais ou sociais a serem cumpridos e que deman-
que, sustentar marcas de valor [...] A matriz é            dam investimento, mas não que fazem parte dos
bem interessante porque mostra bem o nosso                 planos estratégicos como um todo.
foco, que é o mercado e como nosso produto é                    Uma de suas principais contribuições desta
muito dinâmico, a concorrência é forte e pesada.           pesquisa é a identificação de variáveis que pode-
[...] agora com essa revisão do planejamento               rão ser exploradas em futuros trabalhos sobre o
estratégico, começamos a observar outros nichos.           tema. Dessa forma, o quadro, a seguir, apresenta
     Esse ponto também é destacado pelo G6 [...]           um resumo dos principais pontos levantados pelos
a mudança se dá na sociedade como um todo. [...]           gestores entrevistados, sobre as ações de susten-
estamos trabalhando sistematicamente no intuito            tabilidade adotadas pela organização.
de fazer ações e atividades que ampliem essa ques-
tão da consciência, eu não vejo dificuldade e sim
um aliado, mas é um processo que vai demandar
de mudanças em hábitos e comportamentos.
      O que vem sendo desenvolvido dentro da
organização pode ser sentido pelos colaborado-
res, que vão participando dessas novas propostas
conforme seu entendimento e interesse inicial-
mente. Novos comportamentos e atitudes são
incentivados pela organização como parte da
nova cultura social. G1 afirma que [...] de dentro
da empresa tem os que ajudam mais, mas não
é uma participação homogênea, é mais os que
trazem essa cultura de casa. E a empresa também
faz a sua parte, temos uma boa evolução, mas
temos que trabalhar, conscientizar mais. Para G3
[...] os colaboradores vêem a empresa de outra

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010                                                  |105
QUADRO 02 - PRINCIPAIS ASPECTOS INFLUENCIADORES                 Considerações finais
            DA SUSTENTABILIDADE DA ORGANIZAÇÃO
                     •   Acionistas
                     •   Necessidade de criar imagem positiva
                                                                     A análise qualitativa das questões levantadas
Influência externa
                     •   Atender às questões legais             possibilitou perceber as diferenças na percepção
na adoção
                     •   Campanhas institucionais do tema       dos gestores, quando se trata de definir sustenta-
das práticas
                     •   Economia de recursos
sustentáveis
                     •   Pesquisas de clima
                                                                bilidade e como esta é percebida na prática desta
                     •   Pesquisas de satisfação dos clientes   organização.
                     • Fomentar o empreendedorismo na                Os gestores entrevistados compreendem a
                       cidade
                     • Participação em eventos                  importância e a necessidade da sustentabilidade
                     • Criação de empresa para desenvolver      para a organização e a encaram como inevitável
Influência             os programas sociais
das ações de                                                    dentro da cultura organizacional. Porém, as dife-
                     • Plataforma socioambiental da matriz
sustentabilidade     • Certificação ISO 14001                   renças aparecem no entendimento do que vem
nas decisões         • Tratamento da água                       a ser práticas sustentáveis para a organização. A
organizacionais      • Redução de gases
                     • Programa de reciclagem                   questão sustentabilidade aborda aspectos nos âm-
                     • Controle inteligente de energia          bitos social, econômico e ambiental e cada gestor
                     • Os programas ocorrem paralelos às
                                                                percebe com mais intensidade um, no máximo dois,
                       estratégias
                     • Ações sociais desvinculadas das
                                                                dentre os três aspectos, o que interfere na forma
                       estratégias                              como enxergam as ações da empresa, que estão
                     • Mediador externo no planejamento         dispostos de forma resumida no quadro abaixo.
                     • Desenvolver e sustentar marcas de
                       valor                                    QUADRO 03 - ASPECTOS MAIS RELEVANTES NA
                     • Maior interação com a comunidade                     PERCEPÇÃO DOS GESTORES
                     • Imagem positiva da empresa               Âmbitos             G1   G2   G3   G4     G5   G6
                     • Objetivo continua sendo ganho de
                                                                Social              X              X      X
                       mercado e lucratividade
Influência na        • Produzir causando menos impacto          Econômico                X    X           X    X
cultura                ambiental                                Ambiental           X         X    X
                     • Inserção do Programa Social              FONTE: Os autores
                     • Introdução de novos produtos em
                       novos nichos, como sucos e chás               A organização desenvolve projetos na área
                     • Mudanças de hábitos e
                       comportamentos
                                                                ambiental e social. Os projetos sociais estão em
                     • Cultura levada pessoal para dentro       fase de desenvolvimento e amadurecimento,
                       da empresa                               mas não é possível verificar um alinhamento e
                     • Ações de estímulo à participação de
                       atividades sociais e filantrópicas
                                                                interação com toda a organização e as demais
FONTE: Os autores                                               dimensões da sustentabilidade (econômica e
                                                                ambiental). Esse caráter é visível principalmente
                                                                nos projetos que visam filantropia. Dentro dos
                                                                projetos ambientais a maior parte dos gestores
                                                                percebe que existe um retorno financeiro, embora
                                                                não significativo e, portanto, não há interesse em
                                                                mensurar adequadamente seu retorno.
                                                                     Os projetos, além de cumprir as obrigações
                                                                legais, visam proporcionar desenvolvimento da

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Revista da         FAE


comunidade como um todo, porém estes projetos              lhoria de desempenho nos negócios. O que ficou
são desenvolvidos paralelamente às estratégias e           evidente, é que as ações sociais visam resultados
planejamento estratégico da empresa. A cultura             relacionados à sua imagem como propulsora de
da empresa prega que o objetivo maior da empre-            atividades sociais perante a comunidade, no sen-
sa é a sobrevivência, ganho de mercado e lucrativi-        tido de uma organização que auxilia as demais a
dade, que é visto como ser sustentável, colocando          se estruturarem, assim como também, fomenta o
o aspecto ambiental e social em segundo plano.             desenvolvimento empreendedor na cidade.
     Alguns gestores percebem que isto é apenas                 A organização tem grande interesse em de-
obrigação da empresa e que sustentabilidade                senvolver questões sustentáveis dentro de sua cul-
inclui a manutenção dos recursos naturais e de-            tura, mas sabe-se que é uma inserção gradual, que
senvolvimento de ações que possam impulsionar              exige mudança comportamental e de consciência
e possibilitar melhor qualidade de vida à comu-            dos colaboradores. No momento, a visão compar-
nidade onde a empresa está inserida. Mesmo                 tilhada pelos gestores, é da importância do tema
com esse paradoxo sobre as ações sustentáveis              diante do mercado, da sociedade e do planeta, no
da organização é possível verificar que a mesma            entanto sua prática é basicamente centrada nos
tem procurado desenvolver e compreender o que              quesitos legais e atuação mais expressiva em ações
é ser sustentável.                                         sociais externas, com pouca relação estratégica
     Como resultado deste estudo, que busca                ou visando mensuração de resultados e retornos
relacionar as práticas sustentáveis e a gestão             para o negócio da organização.
estratégica da organização, é possível dizer que
a organização não relaciona os dois aspectos, ou                                         • Recebido em: 07/07/2010
seja, as ações sociais não visam trazer uma me-                                          • Aprovado em: 24/09/2010




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V.13 02 2010
Revista da           FAE


Empreendedorismo social e sustentabilidade: um estudo de
caso sobre o projeto “mulheres em ação jogando limpo com a
natureza” do IFNMG

Social entrepreneurship and sustainability: a study of in
case on the project “women in action playing clean with the
nature” of IFNMG
                                                                                        Edson Oliveira Neves*
Resumo                                                                                  Cezar Augusto Miranda Guedes**
                                                                                        Kléber Carvalho dos Santos***
O presente artigo tem por objetivo analisar a evolução e importância do
empreendedorismo social no atual cenário brasileiro e relatar as ações
empreendedoras de um grupo organizado de mulheres da cidade de Januária-
MG, protagonistas de um projeto social denominado “Mulheres em Ação:
Jogando Limpo com a Natureza” desenvolvido e operacionalizado pelo IFNMG e
que contribuiu para a melhoria da qualidade de vida de muitas famílias a partir
do incentivo e facilitação da produção comunitária de sabão em barra caseiro,
utilizando como matéria-prima o óleo vegetal comestível usado, contribuindo e
influenciando diretamente na redução do descarte inadequado destes resíduos no
meio ambiente. Ou seja, geração de renda numa perspectiva de sustentabilidade
ambiental e não-agressão ao meio ambiente. O projeto teve como foco o
desenvolvimento sustentável comunitário e caracteriza-se por ser uma intervenção
empreendedora social de forte impacto que se fundamentou na capacitação e
fortalecimento de um grupo comunitário ativo na região, visando fomentar a
geração de emprego e renda, sob bases sustentáveis e de auto-gestão.

Palavras-chave: empreendedorismo social; desenvolvimento comunitário; geração
de renda; sustentabilidade.

Abstract
The present work has for objective to analyze the evolution and importance
of the social entrepreneurship in the current Brazilian scenery and to tell the
entrepreneurial actions of an organized group of women of the city of Januária-         *   Mestre em Educação Agrícola pela
MG, protagonists of a social project denominated “Women in Action: Playing Clean            UFRRJ, Professor e Coordenador
with the Nature” developed and executed by IFNMG and that it contributed to the             do Curso de Bacharelado em
improvement of the quality of life of a lot of families starting from the incentive         Administração do IFNMG. Januária –
                                                                                            MG. E-mail: edsoneves@ibest.com.br.
and facilitation of the community production of soap in bar caretaker, using as raw
                                                                                        ** Pós-Doutor pela Universidade Técnica
material the eatable vegetable oil used, contributing and influencing directly in the
                                                                                            de Lisboa. Professor Associado da
reduction of the inadequate discard of these residues in the environment. In other
                                                                                            UFRRJ. Diretor do Núcleo de Estudos
words, generation of income in a maintainable perspective and no-aggression of the          da Sociedade, Trabalho e Território
environment. The project had as focus the community maintainable development                (NESTTE / UFRRJ). Rio de Janeiro – RJ.
and it is characterized by being a social entrepreneurial intervention of strong            E-mail: cguedes@ufrrj.br
impact that was based in the training and invigoration of an active community           *** Doutorando em Desenvolvimento
group in the area seeking to foment the employment generation and income,                   Rural pela UFRGS. Pró-Reitor de
under maintainable                                                                          Administração e Professor do Curso
                                                                                            Bacharelado em Administração
Keywords: social entrepreneurship; community development; generation of                     do IFNMG. Januária – MG. E-mail:
                                                                                            kleberjanuaria@hotmail.com
income; maintainable.


Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010                                                                     |111
Introdução                                             promovam o bem estar social e a exclusão de pes-
                                                       soas das condições de risco social. É o indivíduo
     A partir dos anos 1990, o Brasil começa a         que foca o coletivo e não o individual, que faz do
experimentar um considerado aumento das ini-           inconformismo uma arma para desenvolver estra-
                                                       tégias para o desenvolvimento humano.
ciativas voltadas às causas sociais impetradas por
grupos organizados como: empresas, organiza-                O empreendedorismo social está inserido nes-
ções não-governamentais, instituições públicas         te novo paradigma da economia, a socioeconomia
etc. Esse quadro pode ser explicado pelo cenário       solidária, e se concretiza na
existente, caracterizado pelo baixo investimento           contribuição efetiva de empreendedores sociais
                                                           inovadores cujo protagonismo na área social produz
público no campo social, pela inflexão no mercado
                                                           desenvolvimento sustentável, qualidade de vida e
de trabalho desde os anos noventa, pelo conside-           mudança de paradigma de atuação em benefício de
rado aumento do nível de pobreza e desigualdade            comunidades menos privilegiadas (ROUER; PÁDUA,
social e que se refletia na lenta evolução dos ín-         2001, p.13).
dices de desenvolvimento humano do país. Neste
                                                             As ações empreendedoras sociais no Brasil
período houve um crescimento do número de or-
                                                       foram essenciais para as recentes e sensíveis
ganizações do terceiro setor e o fortalecimento de
                                                       melhoras nos indicadores de desenvolvimento
formas de organização alternativas ao mercado de       humano nos últimos anos. Estas iniciativas, em
trabalho formal onde se encaminharam práticas          grande parte, populares e com impactos locais,
de gestão social.                                      atuam muitas vezes, como parceiras do estado
      Esse cenário resultou no desenvolvimento da      e de grandes organizações públicas e privadas.
chamada economia solidária ou socioeconomia            É com essa perspectiva de parcerias em prol do
solidária que, conforme Dowbor (2006), concentra       social que apresentamos neste trabalho o projeto
sistemas de autogestão, cooperativas de nova           desenvolvido pelo Instituto Federal de Educação,
geração, produções conveniadas de diversos             Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais –
tipos, iniciativas organizadas com fins coletivos. A   IFNMG que teve como atores um grupo organizado
economia solidária pode ser entendida como um          de mulheres – senhoras donas de casa - da cidade
fenômeno social e compreende a organização e           de Januária - MG. O grupo se destacou por suas
movimentos sociais visando a geração de renda,         iniciativas empreendedoras para geração de renda
distribuição de riquezas, produção e consumo a         para suas famílias e comunidade com ética e
partir de sistemas de autogestão. Fundamenta-se        respeito aos valores humanos e ao meio ambiente.
no associativismo e no cooperativismo e envolve a           O projeto denominado de “Mulheres em
administração e gerenciamento dos mecanismos de        Ação: Jogando Limpo com a Natureza” teve
produção de forma democrática, com igualdade de        como foco o desenvolvimento sustentável comu-
direitos e de responsabilidades (DOWBOR, 2006).        nitário e caracterizou-se por ser uma intervenção
    É neste contexto onde se desenvolvem dife-         empreendedora social de forte impacto que se
rentes ações de protagonismo social que ganha          fundamentou na capacitação e fortalecimento de
destaque a figura do empreendedor social, pessoa       um grupo comunitário ativo na cidade de Janu-
que assume o papel de agente transformador, que        ária, norte do Estado de Minas Gerais. O projeto
a partir de uma postura visionária e inovadora,        buscou fomentar a geração de emprego e renda
busca idealizar e desenvolver mecanismos que           a partir do incentivo e facilitação da produção
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Revista da         FAE


comunitária de sabão em barra caseiro, utilizando           tem sido imputada a responsabilidade pelo
como matéria-prima o óleo vegetal comestível                crescimento econômico e pelo desenvolvimento
usado, contribuindo e influenciando diretamente             social de comunidades e de nações.
na redução do descarte inadequado destes resí-                  O empreendedorismo tem sido entendido
duos no meio ambiente. Fundamentou-se dessa                 como uma alternativa a mais frente às grandes
forma em dois pilares básicos: geração de renda             questões econômicas e sociais que assolam o
e sustentabilidade ambiental.                               mundo contemporâneo, como o desequilíbrio
     Juntamente com o empreendedorismo                      econômico, recessões, geração e distribuição de
social, vale dizer que no encaminhamento das                renda, desenvolvimento humano, sustentabilidade,
ações estiveram presentes as práticas de gestão             qualidade de vida, dentre outras.
social, uma vez que predominou um processo                        O termo empreendedorismo deriva de uma
gerencial dialógico onde a autoridade decisória             livre tradução da palavra “entrepreneurship” que
foi compartilhada entre os participantes da ação,           está relacionada às ideias de iniciativa e inovação,
o que pode ocorrer em qualquer tipo de sistema              “é um termo que implica uma forma de ser, uma
social – público, privado ou de organizações não            concepção de mundo, uma forma de se relacionar”
governamentais (TENÓRIO, 2008).                             (DOLABELA, 2008, p.24). Hoje, é utilizado para
      Este trabalho desenvolve uma conceituação             designar os estudos relativos ao empreendedor,
                                                            seu perfil, suas origens, seu sistema de atividades,
inicial e discussão sobre a importância do empre-
                                                            seu universo de atuação.
endedorismo social no atual cenário brasileiro e,
posteriormente, passa-se à caracterização do grupo               Uma corrente do empreendedorismo ganhou
                                                            grande visibilidade e destaque em função da
de senhoras empreendedoras e do projeto desen-
                                                            contribuição para o desenvolvimento social no
volvido e operacionalizado pelo IFNMG que buscou
                                                            Brasil. É o chamado empreendedorismo social,
sua emancipação, capacitação e fortalecimento.
                                                                emerge no cenário dos anos 1990, ante a crescente
                                                                problematização social, a redução dos investimentos
                                                                públicos no campo social, o crescimento das
1 Empreendedorismo social:                                      organizações do terceiro setor e da participação das
                                                                empresas no investimento e nas ações sociais (OLIVEIRA,
      conceituação e importância                                2004, p.9).

                                                                 Oportunamente, Oliveira (2004, p.10) observa
     O empreendedorismo é um tema que, nas                  que “o tema empreendedorismo social é novo
últimas décadas, tem sido objeto de intenso estudo          em sua atual configuração, mas na sua essência
e pesquisa, presente nas principais discussões              já existe há muito tempo”. Melo Neto e Fróes
sociais, políticas e econômicas do mundo.                   (2002, p.17), sobre o surgimento e disseminação
Dolabela (2008) observa que isso se deve à grande           do empreendedorismo social no Brasil, observam
importância que este assumiu no atual cenário               que este
e que pode ser explicada pela sua contribuição                  surgiu como um avanço, uma nova proposta de
para o desenvolvimento político, econômico e                    desenvolvimento social. É algo que só pode ocorrer
                                                                mediante a intermediação da sociedade, por ser esta
social. O empreendedorismo funciona como um
                                                                o motor da atual ativação, em colaboração com a
importante fator de equilíbrio econômico, de
                                                                administração pública, e a principal responsável pelo
geração de empregos, de inovação, de dinamismo                  direcionamento de comportamentos empreendedores
no mercado e na sociedade. Ao empreendedor                      [sic].

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010                                                        |113
O empreendedorismo social refere-se às                                 Para Dolabela (2008), o empreendedor é
iniciativas empreendedoras voltadas às causas                          alguém que acredita que pode contribuir, um
sociais. Difere do empreendedorismo tradicional                        visionário, que com atos busca alterar a realidade.
(empresarial ou corporativo) – mais conhecido,                                O empreendedor é um insatisfeito que transforma seu
pois este busca maximizar retornos sociais ao invés                           inconformismo em descobertas e propostas positivas
                                                                              para si mesmo e para os outros. É alguém que prefere
do lucro. Baseia-se na cooperatividade, é centrado
                                                                              seguir caminhos não percorridos, que define a partir
no desenvolvimento autônomo, autogestionário                                  do indefinido, acredita que seus atos podem gerar
de cada pessoa, comunidade e nação. Evidencia                                 consequências. Em suma, alguém que acredita que
a sustentabilidade, o respeito ao meio, apoia-                                pode alterar o mundo. É protagonista e autor de si
se na dimensão indivíduo-grupo-coletividade-                                  mesmo e, principalmente, da comunidade em que vive
                                                                              (DOLABELA, 2008, p.24).
comunidade-sociedade e tem os membros da
comunidade como os principais agentes ou                                    O empreendedor social possui um perfil
sujeitos do desenvolvimento.                                           diferenciado, assemelha-se em alguns aspectos
   Nesta perspectiva mais abrangente de                                com o empreendedor tradicional, porém
empreendedorismo, Franco 1 (2000 apud                                         não é qualquer um que pode ser um empreendedor
                                                                              social. O empreendedorismo social é um misto de
DOLABELA, 2003, p.32) salienta que o
                                                                              ciência e arte, racionalidade e intuição, ideia e visão,
            Empreendedorismo significa protagonismo social,                   sensibilidade social e pragmatismo responsável, utopia
            ruptura de lanços de dependência, crença dos indivíduos           e realidade, força inovadora e praticidade (MELO NETO;
            e das comunidades na própria capacidade de construir o            FRÓES, 2002, p.34).
            seu desenvolvimento pela cooperação entre os diversos
            âmbitos político-sociais que a caracterizam. Em poucas          Vieira e Gauthier2 (2000 apud SILVA, 2009,
            palavras: assumir a responsabilidade pela construção       p.5) observam que
            de seu próprio destino. Aqui, estão embutidos dois
                                                                              Os empreendedores sociais são aqueles que criam
            conceitos importantes: a capacidade da comunidade de              valores sociais através da inovação e da força de recursos
            tornar dinâmicas as suas potencialidades e a localidade           financeiros, independente da sua origem, visando o
            como palco do desenvolvimento, isto é, como espaço                desenvolvimento social, econômico e comunitário
            para o exercício de novas formas de solidariedade,                [...] têm a visão, a criatividade, e a determinação para
            parceria e cooperação.                                            redefinirem os seus campos [...] são os pioneiros na
                                                                              inovação de soluções para os problemas sociais e não
     Nesse sentido, o empreendedor social atua                                podem descansar até mudarem todo o modelo existente
como um agente de transformação. Ele reconhece                                da sociedade.

os problemas sociais e busca soluções utilizando-se                        Há uma grande diferença entre o empre-
de estratégias de intervenção baseadas no mercado                      endedorismo social e o empresarial. Este último
como a combinação de práticas, conhecimentos                           fundamenta-se nos princípios econômicos do
e inovação, a criação de novos procedimentos e                         mercado. Nesses termos o empreendedorismo
serviços, a realização de parcerias, o planejamen-                     empresarial é definido como sendo
to de formas/meios de autossustentabilidade dos                               Um processo dinâmico pelo qual os indivíduos
projetos dentre outras atividades de caráter empre-                           identificam idéias e oportunidades econômicas e
endedoras (MELO NETO; FRÓES, 2002).                                           atuam desenvolvendo-as, transformando-as em



                                                                       2
                                                                           VIEIRA, Renata M.F.; GAUTHIER, Fernando A.O. Introdução
                                                                           ao empreendedorismo social. In: ENCONTRO NACIONAL
1
     FRANCO, A. de. Por que precisamos de desenvolvimento local            DE EMPREENDEDORISMO, 2., 2000, Florianópolis. Anais...
     integrado e sustentável? Brasília: Instituto de Política, 2000.       Florianópolis, 2000.

    114 |
Revista da        FAE


       empreendimentos e, portanto, reunindo capital,                     empresas contempla as ações das organizações
       trabalho e outros recursos à produção de bens
                                                                          de fins lucrativos no campo social, porém não
       e serviços. Trata-se, portanto, de uma atividade
       econômica geradora de bens e serviços para a venda
                                                                          podem ser desvinculadas dos objetivos e interesses
       (MELO NETO; FRÓES, 2002, p.6).                                     corporativos, seja direta ou indiretamente.
                                                                               Oliveira (2004, p.448) traz a seguinte carac-
     Já o empreendedorismo social, como observa
                                                                          terização de responsabilidade social:
Melo Neto e Fróes (2002, p.9) “não é direcionado
                                                                              a responsabilidade social empresarial se caracteriza por
para mercados, mas para segmentos populacionais
                                                                              objetivos específicos e relações interligadas de forma
em situações de risco social (exclusão social,                                interna e externa aos objetivos da empresa. A sua
pobreza, miséria, risco de vida)”. Complementa:                               intervenção, seja direta ou indireta, não se caracteriza
       O que o empreendedorismo social busca, na verdade,                     por ser de empreendedorismo social, por não ter uma
       não é o seu sucesso de vendas, como o faz o                            ação voltada e focada no desenvolvimento sustentável e
       empreendedor privado, sua medida de sucesso é                          potencialização da comunidade, e isso de forma direta,
       o impacto social. Ou seja, o número de pessoas                         e que envolva os três setores.
       beneficiadas com a solução proposta no programa
                                                                               Melo Neto e Fróes (1999) apresentam a res-
       ou projeto de empreendedorismo social (MELO NETO;
       FRÓES, 2002, p.11).                                                ponsabilidade social das empresas como sendo
                                                                          um conjunto de ações, que podem ser de ordem
     No quadro 01 são apresentadas as principais
                                                                          interna, junto aos funcionários, e de ordem
diferenças entre o empreendedorismo tradicional,
                                                                          externa, junto à comunidade. Pode ocorrer de
empresarial ou corporativo e o empreendedorismo
                                                                          forma direta, quando a empresa elabora ações e
social.
                                                                          projetos em que ela, através de uma fundação ou
    O empreendedorismo social também difere da                            ONG, presta serviços à comunidade, ou, de forma
responsabilidade social empresarial, em crescente                         indireta, realizando investimentos sociais, através
ascensão no Brasil. A responsabilidade social das                         de doações ou parcerias com instituições que já
QUADRO 01 - DIFERENÇAS ENTRE O EMPREENDEDORISMO
                                                                          atuam no campo social.
            EMPRESARIAL E O SOCIAL
                                               Empreendedorismo
 Empreendedorismo Empresarial
                                               Social
                                                                          2 O projeto mulheres em ação e
 Perspectiva individual                        Perspectiva coletiva
                                               Produz bens e                  o seu protagonismo social em
 Produz bens e serviços                        serviços em prol da            Januária – Minas Gerais
                                               comunidade
                                               Foco na busca de
 Tem o foco no mercado                         soluções para os                O projeto “Mulheres em Ação: Jogando
                                               problemas sociais          Limpo com a Natureza” surgiu de um ideal de
                                               Sua medida de              desenvolvimento comunitário sustentável prota-
 Tem como medida de                            desempenho é o
                                                                          gonizado por um grupo organizado de senhoras
 desempenho o lucro                            impacto social de suas
                                               ações                      empreendedoras, donas de casa, de bairros da
 Fundamenta-se em satisfazer                   Fundamenta-se em           periferia da cidade de Januária, norte do Estado
 as necessidades dos clientes e                respeitar pessoas da       de Minas Gerais. As ações empreendedoras na
 ampliar as potencialidades do                 situação de risco social   comunidade ganharam status de projeto social
 negócio                                       e promovê-las
                                                                          com maior abrangência e repercussão com a
FONTE: Adaptado de Melo Neto e Fróes (2002, p.11)

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010                                                                       |115
parceria do Instituto Federal de Educação, Ciência   de 0,610 em 1991, para 0,699 em 2000. Das três
e Tecnologia do Norte de Minas Gerais – IFNMG,       dimensões utilizadas para mensuração do IDH, a
que atuou como incentivador das ações empre-         que mais contribuiu para este crescimento foi a
endedoras do grupo comunitário.                      longevidade, com 44,2%, seguida pela educação,
     A partir desse momento caracterizaremos o       com 43,1%. A contribuição da dimensão renda foi
projeto em questão respaldados nas informações       a menor, 12,6%. O que denota uma carência de
advindas do documento enviado ao Ministério da       políticas e estratégias para geração e distribuição
Educação – MEC pelo IFNMG (2008).                    de renda na região.

     O projeto buscou o fortalecimento e a ca-            Os bairros Jussara, Eldorado e Alto dos
pacitação em diferentes aspectos de um grupo         Poções acolhem como moradores principalmente
comunitário organizado denominado de “Mulhe-         os januarenses provenientes da zona rural do
res em Ação”. O grupo, formado em sua maioria        município. Em sua maioria, estão na condição
por donas-de-casa atuantes dos bairros Jussara,      de desempregados, exercendo esporadicamente
Eldorado e Alto dos Poções, produz sabão em          serviços avulsos ou informais. Há uma presença
barra, reutilizando o óleo vegetal comestível,       significativa de aposentados e, principalmente,
com o objetivo de auxiliar na composição da          de beneficiários das transferências do Governo
                                                     Federal. A bolsa família atinge 279 famílias,
renda familiar. A ação do Instituto foi efetivada
                                                     número significativo, próximo da metade das
através da disponibilização de assessoria técnica
                                                     famílias da comunidade, o que denota uma
através de equipe multidisciplinar que viabilizou
                                                     intensa dependência de políticas públicas de
a efetiva implantação e funcionamento de uma
                                                     assistência social.
microindústria comunitária de sabão em barra
como uma estratégia de fortalecimento de gru-             Cerca de 80% das mulheres residentes nos
pos comunitários que busquem a autonomia e a         bairros considerados no estudo trabalham em casa
sustentabilidade econômica e ambiental.              devido às oportunidades reais de emprego formal
                                                     ser bastante escassas na cidade. Esse quadro indica
     O município de Januária tem sido historica-
                                                     a possibilidade e, mais ainda, a necessidade da
mente caracterizado pela situação de miséria e
                                                     implantação de projetos alternativos que estimulem
pobreza, na qual se encontra a maior parte de
                                                     a organização e produção na comunidade, visando
sua população. Segundo o PNUD (2000), o muni-
                                                     à geração de renda.
cípio está entre as regiões consideradas de médio
desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8).
Pela classificação do Programa, em relação aos
outros 5.564 municípios do país, Januária ocupa      3 Histórico
a 3003ª posição, já em relação aos municípios do
Estado, ocupa a 545ª posição. No ano 2000, o              Os registros de ações protagonizadas por
índice de desenvolvimento humano (IDH) do mu-        grupos organizados, que buscam alternativas
nicípio era de 0,699, que mesmo sendo o maior        sustentáveis de desenvolvimento, são raros em
entre os municípios da microrregião que está         Januária. No bairro Jussara, desde 31 de agosto de
inserido (16 municípios), está abaixo da média       2003, um grupo composto por 16 donas de casa
do Estado (0,773) e do país (0,766). De 1991 a       do bairro se organizou com o propósito de buscar
2000, o IDH de Januária cresceu 14,59% passando      alternativas para a produção e o aumento da renda
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Revista da     FAE


de suas famílias. Entre as diferentes atividades do         mês, sendo comercializada a R$ 0,50 a unidade),
grupo (produção de doces, bordados, marmitas)               a aparência do sabão (as barras murchavam),
ocupava o lugar de pouco destaque a produção                inexistência de padrão das barras (tamanho e
de sabão em barra caseiro.                                  peso das barras), as dificuldades em adentrar em
     O início da produção de sabão caseiro foi              um mercado extremamente competitivo (vender
repleto de dificuldades. Era realizada com o que            para supermercados, escolas e outras mercearias
cada uma das participantes tinha em casa. A partir          locais), dificuldades em articular com outros
da experiência de uma das moradoras na produção             grupos locais a fim de que recolham e doem
do sabão, o processo foi repassado às demais                o óleo a ser usado para produção do produto
componentes do grupo. Em seguida, iniciaram o               (as famílias e as empresas descartam o material
recolhimento nas casas dos bairros do óleo vegetal          jogando o óleo em quintais e ralos das residências)
comestível usado e, com ele, produziam o sabão              e o desconhecimento da legislação específica
com a tecnologia que conheciam.                             aplicada ao setor.

     Parte da produção inicial era vendida na                    Tendo em vista a relevância dessa iniciativa
comunidade, de porta em porta e na feira livre              comunitária e o grau de dificuldades enfrentadas
municipal, e a outra parte era destinada ao uso             pelo grupo, o IFNMG, a partir de uma parceria
das famílias do grupo produtor. Não havia até ali           iniciada em meados de 2007, realizou uma
nenhuma preocupação em aproveitar as oportu-                intervenção consentida no trabalho realizado
nidades ou de minimizar os riscos do negócio. A             pelo grupo comunitário que se materializou no
intenção se restringia em demonstrar a capacidade           projeto: “Mulheres em Ação: Jogando Limpo
das mulheres em produzir e melhorar as condições            com a Natureza” iniciado fevereiro de 2008 e
de vida de cada uma.                                        operacionalizado no mesmo ano. O projeto, que
     Com o reconhecimento local o grupo passou              foi enquadrado nas atividades de extensão do
a estender suas ações para as comunidades                   Instituto, teve como objetivo principal capacitar
circunvizinhas. Passaram a ensinar outras donas             e fortalecer o grupo comunitário empreendedor
de casa, ministravam cursos de produção de sabão            contribuindo assim para a geração de renda
caseiro utilizando apenas o que dispunham de                observados os princípios da sustentabilidade e,
capital humano e materiais – há de ponderar que             ainda, fazer deste grupo um multiplicador das
boa parte das senhoras empreendedoras do grupo              iniciativas empreendedoras sociais na região.
comunitário não detinham alto grau de instrução,            Outros objetivos compunham a proposta do
em sua maioria eram semianalfabetas.                        projeto, entre eles:
    O grupo enfrentava muitas dificuldades para                 – promover a organização comunitária,
prosseguimento de suas atividades relacionadas                    visando particularmente à implantação
com a comercialização do produto, a aceitação do                  de um programa para o recolhimento do
mesmo em outras esferas sociais, local adequado                   óleo vegetal comestível utilizado em esta-
para produção e beneficiamento, transporte                        belecimentos comerciais, educacionais e
do produto, custos envolvidos no processo de                      residências;
produção dentre outros.
                                                                – promover a capacitação das integrantes
    Graves problemas foram evidenciados no                        do grupo “Mulheres em Ação” em temas
processo produtivo, como a baixa produção (a                      ligados à organização comunitária, econo-
produção total é de 500 barras de sabão por
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mia solidária, cooperativismo, cidadania,       residências do município não possuem rede de
          geração de renda e terceiro setor;              esgoto (IFNMG, 2008).
        – promover a capacitação das integrantes do             O descarte inadequado do óleo vegetal
          grupo comunitário em temas ligados ao           utilizado pode causar sérios problemas ao meio
          desenvolvimento sustentável relacionados,       ambiente, uma vez que o óleo dificilmente
          em particular, à reutilização de óleos          se decompõe, chegando intacto aos rios e às
          vegetais comestíveis;                           represas, podendo ainda contaminar solos e
        – prestar assessoria técnica e jurídica para a    lençóis freáticos. Sendo mais leve que a água, o
          implementação, gestão e funcionamento           óleo tende a permanecer na superfície, criando
          da microindústria de sabão em barra a par-      uma barreira que dificulta a penetração de luz e
          tir da utilização de óleo vegetal comestível;   oxigenação da água. Deste modo, ao atingir os
                                                          rios, o óleo ocasionará a mortandade de peixes,
        – melhoria do processo produtivo do sabão,
                                                          fitoplânctons e outros organismos essenciais para
          observando importantes aspectos como
                                                          a cadeia alimentar aquática. Por outro lado, o
          a padronização, aromas, cor e demais
                                                          óleo ao se decompor emite metano na atmosfera,
          atributos;
                                                          como todo material orgânico, contribuindo para
        – promover a conscientização e comprome-          o superaquecimento terrestre (efeito estufa).
          timento da comunidade januarense, com o
                                                               Uma vez descartados nos ralos, pias e vasos
          projeto, especificamente quanto à recolha
                                                          sanitários, os óleos formam uma crosta gordurosa
          do óleo vegetal comestível usado;
                                                          nas paredes dos canos, o que dificulta a passagem
        – promover a capacitação do grupo visando         da água; ao chegar nas redes coletoras de esgoto,
          ao empoderamento deste e                        causam problemas de drenagem, retenção de
        – promover estudos de viabilidade econômica       sólidos, mau cheiro, refluxo do esgoto e até
          do produto – sabão em barra, tendo como         rompimentos nas redes de coleta. Nas estações de
          foco o mercado regional.                        tratamento, um maior esforço será exigido para o
     A proposta de fomentar a geração de renda            tratamento ideal da água.
através das iniciativas populares embasada numa                Geralmente, quando as tubulações domésti-
proposta de sustentabilidade ambiental e não-             cas estão entupidas, as famílias utilizam objetos
agressão ao meio ambiente foi abraçada pelo               pontiagudos, como fios e arames que podem vir a
IFNMG que buscou assistir o grupo durante um              danificar os canos; não resolvendo, a utilização de
ano e capacitá-los tecnicamente, para produção,           soda cáustica e ácido muriático é bastante comum.
administração, vendas e gestão do novo negócio.           Estes produtos químicos são tóxicos, portanto
     Sobre o óleo vegetal comestível, é importante        não são indicados para tal finalidade, pois além
considerar que este, após 6,25 horas da fritura           de causar corrosão nas tubulações, alcançam os
de alimentos, apresenta substâncias nocivas ao            rios ou as estações de tratamento, desencadeando
ser humano. Desta forma, sua reutilização não é           efeitos negativos sobre o ambiente.
indicada para tal finalidade. Em sua maioria, seu
descarte é feito em quintais, terrenos baldios e               Um aspecto importante considerado no
ralos. Como agravante tem-se o fato de que 100%           projeto “Mulheres em Ação: Jogando Limpo com
das residências do bairro e mais da metade das            a Natureza” foi justamente buscar a conscienti-
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Revista da     FAE


zação das famílias da região quanto ao descarte             informática, letras, pedagogi etc.) e de diferentes
inadequado do óleo e promover através de par-               formações como docentes, discentes e técnicos
cerias e organização comunitária a implantação              foi essencial para fazer frente às inúmeras dificul-
de um programa para o recolhimento do óleo                  dades e desafios do projeto. O caráter transdisci-
vegetal comestível utilizado em estabelecimentos            plinar do projeto exigia uma troca constante de
comerciais, educacionais e residências que, por             informações e uma intensa interação entre todos
sua vez, seria utilizado como matéria-prima na              os envolvidos.
produção do sabão caseiro.                                       Na concepção do projeto, buscou-se traba-
                                                            lhar e desenvolver no grupo a pré-disposição para
                                                            a auto-gestão. A partir do desenvolvimento de
4 Desenvolvimento do projeto                                cursos direcionados para o planejamento estraté-
                                                            gicos de ações e de gerenciamento de negócios,
     Para consecução do projeto foi formada                 pretendeu-se engendrar no grupo a capacidade
uma grande equipe multidisciplinar. Esta se deu             de auto-gestão do empreendimento.
com uma chamada pública no IFNMG. Recorreu-                      A equipe coordenadora multidisciplinar tra-
se a uma lista de adesão voluntária, tendo                  balhou no período de um ano utilizando a infra-es-
recebido 37 adesões em uma população de 137                 trutura e recursos do Instituto Federal e prestando
servidores. Realizou-se o encontro de servidores            contínua assistência ao grupo. A partir da plena
comprometidos com a ação e deu-se início a                  estruturação das operações da microindústria na
um processo de seleção de profissionais nesse               comunidade (bairro Jussara) e da consolidação
universo para compor a equipe multidisciplinar.             do mercado consumidor, o grupo passou a ter
A escolha dos professores participantes, num                plena autonomia, entendida como a auto-gestão
total de nove, se deu pelo grau de interesse em             e auto-financiamento de suas atividades.
trabalhar em comunidades, pelo conhecimento                      O trabalho junto ao grupo envolveu três gran-
e habilidades específicas com o foco do projeto.            des fases compostas de uma série de atividades
     Concomitantemente à definição da equipe de             como viagens para troca de experiências em nível
professores, iniciou-se a divulgação do processo            estadual com atividades semelhantes que tenham
seletivo junto aos alunos dos cursos técnicos e             apresentado sucesso na geração de emprego com
superiores do IFNMG. Foram selecionados 15                  a produção de sabão artesanal; estudo de viabi-
alunos, privilegiando a multidisciplinaridade,              lidade econômica do produto - sabão em pedra;
formação e conhecimento que possa contribuir com            realização de concurso com os graduandos do Cur-
as ações do projeto e a completa disponibilidade            so de Administração com vistas a uma campanha
para as ações e atividades planejadas.                      publicitária focando a comercialização do sabão
     A equipe coordenadora multidisciplinar era             em barra produzido pelo grupo; conscientização
composta por 11 professores de diferentes áreas,            da população quanto à responsabilidade ambien-
sendo a coordenação geral do projeto exercida               tal no que se refere à importância do recolhimento
por dois professores ligados ao departamento                do óleo vegetal comestível usado; realização de
de extensão da Instituição. O engajamento de                cursos sobre gestão de negócios, cooperativas po-
profissionais de diferentes especialidades (bioquí-         pulares, desenvolvimento sustentável, reutilização
mica, engenharia agrícola, direito, administração,          de óleos vegetais comestíveis e regulamentação
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010                                                  |119
do Terceiro Setor; aquisição de equipamentos                 FIGURA 01 - PRODUÇÃO ARTESANAL
permanentes para utilização pelo grupo comuni-
tário através do edital MEC/PROEXT - Programa
de Apoio à Extensão Universitária.



5 Resultados primários

     Transcorrido pouco mais de dois anos de
implementação do projeto “Mulheres em Ação:                  FONTE: Os autores (2008)

Jogando Limpo com a Natureza”, os primeiros
                                                             FIGURA 02 - EVOLUÇÃO NO PROCESSO
resultados já podem ser observados. O processo                           PRODUTIVO DO SABÃO
de produção artesanal foi melhorado para atender
de forma mais adequada às exigências do merca-
do consumidor local e regional. Novas formas de
produção foram testadas e implantadas, contudo,
sem se desligar da perspectiva de respeito ao meio
ambiente, que caracteriza as ações do grupo. No-
vas cores, odores e formas foram testadas e inse-
ridas, a partir de então, no processo de produção.
     Com a nova configuração o produto foi aceito            FONTE: Os autores (2008)
nos comércios e supermercados e aumentou
sua venda nas comunidades antes atendidas.
                                                          A produção foi padronizada, a pequena “fa-
Com o apoio do Instituto o sabão em pedra foi
                                                     briqueta” caseira com instrumentos artesanais
devidamente registrado e hoje é comercializado na
                                                     foi substituída por instalações e equipamentos
região com o nome de “Ação”. As figuras abaixo
                                                     mais adequados e específicos para a produção de
mostram a evolução do processo produtivo e o
                                                     sabão. As figuras abaixo apresentam momentos
resultado no sabão caseiro.
                                                     de capacitação do grupo comunitário no processo
                                                     de produção mecanizado do sabão com auxílio
                                                     dos profissionais da equipe coordenadora mul-
                                                     tidisciplinar do projeto. Essas capacitações que
                                                     envolveram também temas ligados à organização
                                                     comunitária, economia solidária, cooperativismo,
                                                     cidadania, geração de renda e terceiro setor,
                                                     permitiram ao grupo continuarem com os pro-
                                                     gramas que já desenvolvia nas cidades vizinhas
                                                     de orientação de donas de casas na produção do
                                                     sabão caseiro, ou seja, fortalecendo o papel de
                                                     multiplicador de ações empreendedoras sociais
                                                     nas comunidades da região.
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Revista da      FAE


              FIGURA 03 - PERÍODO DE CAPACITAÇÃO                   FIGURA 05 - APRESENTAÇÃO DO SABÃO
                                                                               À COMUNIDADE LOCAL




              FONTE: Os autores (2008)
                                                                    FONTE: Os autores (2008)

              FIGURA 04 - INÍCIO DA PRODUÇÃO
                         ORIENTADA
                                                                     F I G U R A 0 6 - G R AVA Ç Ã O D E
                                                                                       REPORTAGEM DA
                                                                                       TV NORTE E TV
                                                                                       GRANDE MINAS




              FONTE: Os autores (2008)


     Com o projeto as ações empreendedoras                          FONTE: Os autores (2008)
do grupo comunitário, foram amplamente re-
conhecidas. A aceitação do sabão fabricado a                     As atividades de produção de sabão caseiro
partir do óleo comestível reciclável foi grande. O          têm gerado renda de forma direta para cerca de
trabalho realizado pelo Instituto Federal visando           20 famílias ou 86 pessoas, e indiretamente para
à conscientização da população para a questão               cerca de 2.500 pessoas que é o número estimado
da reciclagem do óleo e colaboração da comu-                de moradores dos Bairros Jussara, Eldorado
nidade no recolhimento dos resíduos, teve forte             e Alto dos Poções (bairros alvo do projeto).
impacto social e culminou em novas parcerias e              Entretanto o impacto do projeto foi muito maior
apoio de diferentes setores da sociedade local,             e mais abrangente. Os trabalhos e campanhas
como comerciantes, instituições públicas, escolas,          de conscientização ambiental e divulgação das
empresas de telecomunicações e outros.                      ações empreendedoras do grupo ultrapassaram
     As figuras a seguir apresentam um momento              as “fronteiras” comunitárias. Quando observadas
de gravação de reportagem da TV Norte de                    a população de Januária - 63.605 habitantes – e
Januária e TV Grande Minas, divulgando o projeto            de toda microrregião de Januária, 16 municípios -
e o produto para a região Norte de Minas Gerais.            257.072 habitantes, segundo o IBGE (2000), pode
                                                            se ter noção do impacto do projeto na região.




Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010                                                  |121
Considerações finais                                              dialógicas de encaminhamento e tomada de de-
                                                                  cisões. O empreendedorismo social tem relação
                                                                  com esta forma alternativa de gestão na medida
     O projeto “Mulheres em Ação: jogando limpo
                                                                  em que seus desígnios não são os impulsos cegos
com a natureza” deixou a valiosa lição de que é
                                                                  das forças de mercado, dinâmicas onde há mais
possível e necessário estabelecer parcerias segu-
                                                                  renda, conhecimento e poder. Ao contrário, trata-
ras e promissoras entre as Instituições públicas e
                                                                  -se de resgatar para o mundo do trabalho e da
as organizações comunitárias locais. Neste caso,
                                                                  cidadania a população que vive precariamente em
a parceria com o IFNMG foi fundamental para o
                                                                  termos de renda e ocupação. Este último aspecto
sucesso das ações empreendedoras das donas de
                                                                  será objeto de estudo num próximo artigo.
casa em Januária. O Instituto assume um papel
                                                                      Os impactos sociais de ações empreendedoras
de extrema relevância para o desenvolvimento
                                                                  como as do grupo de senhoras de Januária são
regional. Por ser um berço de tecnologia e conhe-
                                                                  muito benéficos para a região do Norte do Esta-
cimento, sua influência e suas ações na comunida-
                                                                  do de Minas Gerais. Essa região que está inserida
de trazem grande impacto para os projetos desta
                                                                  numa mesorregião do semiárido mineiro é reco-
natureza e para tantas outras iniciativas populares
                                                                  nhecidamente carente de investimentos sociais,
que propiciam a melhoria da qualidade de vida da
                                                                  apresenta baixos indicadores de desenvolvimento
população e o desenvolvimento local.
                                                                  humano, principalmente relacionados à saúde,
    Nessa oportunidade, vislumbrou-se no tra-                     renda e educação.
balho junto ao grupo “Mulheres em Ação” a
                                                                        Diante do que demonstrou este projeto, as
possibilidade de contribuir para a melhoria da
                                                                  iniciativas populares voltadas para o social devem
qualidade de vida de muitas famílias e também
                                                                  ser sempre incentivadas, assim como indivíduos e
incentivar as iniciativas populares para geração de
                                                                  grupos que buscam através do empreendedorismo
renda e desenvolvimento social. A proposta de se
                                                                  social condições para melhoria da qualidade de
trabalhar com o eixo desenvolvimento sustentável
                                                                  vida e desenvolvimento de suas comunidades e
comunitário facilitou a adesão, a aceitação e o
                                                                  territórios. Devem ser fortalecidos, tornando-se
desenvolvimento do projeto, já que a comunidade                   alvos de investimentos e políticas públicas que
escolar tem grande identificação com a questão.                   visem à valorização e promoção dessas ações.
    Como observam Rouer e Pádua (2001, p.17),
estas iniciativas e estratégias relacionadas ao
empreendedorismo social são muitos relevantes
para o desenvolvimento local, pois
        visam dotar as comunidades de capacidades e
        habilidades empreendedoras (abrir e gerir seus próprios
                                                                                                • Recebido em: 20/04/2010
        negócios), conscientizá-los, mobilizá-los para as
                                                                                                • Aprovado em: 24/11/2010
        mudanças com base numa educação libertadora, sem
        no entanto, violar suas culturas e tradições.

     Embora não fosse objeto nesse artigo, a for-
ma de gestão social implementada, distingue-se
da gestão estratégica onde estão presentes apenas
as lógicas de mercado e estão ausentes as formas
122 |
Revista da      FAE


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V.13 02 2010
Revista da         FAE


Abertura de capital como fonte de financiamento aos
investimentos no Brasil: análise do período de 2004 a 2007

IPO as source of financing of investments in Brazil: analysis of
the 2004-2007 period
Resumo
                                                                                 Leide Albergoni*
                                                                                 Guilherme Blanski Küster**
Na teoria econômica, o mercado de capitais é considerado fundamental
ao financiamento produtivo de longo prazo e ao crescimento econômico.
No Brasil historicamente esse mercado não teve um papel significativo
no financiamento das empresas, dadas as limitações ao seu crescimento.
No entanto, o aquecimento recente do mercado de capitais no Brasil
levanta a necessidade de se analisar a contribuição dos recursos captados
para a realização de investimentos. A proposta deste artigo é analisar as
aberturas de capital realizadas no período de 2004 a 2007 para identificar
a destinação planejada dos recursos captados. A análise é realizada para as
empresas não financeiras que realizaram oferta primária e a hipótese que
permeia a pesquisa é a de que os recursos captados por essas empresas
foram usados predominantemente para a realização de investimentos
produtivos. A pesquisa tem caráter exploratório e se baseia em dados
secundários divulgados pela CVM e Bovespa.

Palavras-chave: mercado de capitais; estrutura de capital; abertura de
capital; Brasil.

Abstract

The capital market is considered as fundamental to finance production
in long term and to economic growth. Traditionally in Brazil this market
never played a significant role in financing companies, due to the existing
limitations to its growth. Nevertheless, the recent acceleration in Brazilian
capital market brings the necessity to analyze whether the captured
resources contributed into the realization of productive investments. This
article intent to analyze the IPO’s (Initial Public Offering) occurred between
2004 and 2007, in order to identify the planned allocation to the raised
funds. The analysis is performed to the non-financial companies which
made primary offer and the hypothesis of the research is that the resources
captured by these companies were mainly used to perform productive               * Mestre em Política Científica
investments. The research is exploratory and is based on secondary data             e Tecnológica pela Unicamp.
                                                                                    Professora da Universidade
published by CVM and Bovespa.
                                                                                    Positivo. Curitiba-PR. E-mail:
                                                                                    lalbergoni@up.com.br
Keywords: capital market; capital structure; IPO (Initial Public Offering);      ** Mestrando em Ciências
Brazil.                                                                             Econômicas pela UFPR. Analista
                                                                                    de Logística e Transportes da
                                                                                    Exxonmobil BSC Brasil. Curitiba-
                                                                                    PR. E-mail: guilhermeblanski@
                                                                                    hotmail.com


Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010                                                       |125
Introdução                                           maior parte dos recursos captados via abertura
                                                     de capital foram usados para a realização de
     Na discussão sobre o papel do investimento      investimentos nas empresas.
para o crescimento econômico, a análise das fontes        O trabalho se divide em três partes, além
de financiamento empresarial tem um papel de         de introdução e conclusão: primeiro, discute-se
destaque. O debate pauta-se na importância do        o papel do mercado de capitais para o financia-
mercado de capitais como provedor de recursos        mento empresarial, com uma revisão bibliográ-
de longo prazo e os menores custos de capital        fica sobre a importância do mercado de capitais
relativos a essa fonte. Sendo assim, teóricos e      para o financiamento e crescimento econômico,
participantes do mercado de capitais têm discutido   as alternativas de financiamento empresarial, a
sobre a importância do estabelecimento de um         estrutura de capital no Brasil, além de uma breve
forte e estruturado mercado de ações e outras        análise do desenvolvimento recente do mercado
formas de captação de recursos nesse mercado,        de capitais no Brasil; em seguida apresentam-se
argumentando sobre os impactos positivos destas      os procedimentos metodológicos utilizados na
medidas para a economia.                             pesquisa; finalmente, na seção 3, analisam-se os
     Historicamente no Brasil o mercado de capi-     dados coletados em fontes secundárias.
tais nunca predominou como fonte principal de
financiamento aos investimentos, devido a fato-
res como a característica familiar da maioria das    1 Mercado de capitais e
empresas nacionais, a regulação tardia no setor,
                                                         financiamento empresarial
a presença mais significativa de fontes de finan-
ciamento da produção via empréstimos estatais,
                                                          Esta seção está dividida em quatro partes.
dentre outros. Não obstante, em períodos mais
                                                     Primeiro discute-se o papel do mercado financeiro
recentes tem-se observado um considerável forta-
                                                     para o crescimento econômico e investimentos.
lecimento deste mercado, em especial no período
                                                     Em seguida abordam-se as alternativas de finan-
de 2004 a 2007, quando o número de abertura
                                                     ciamento empresarial e a forma como as empre-
de capital foi recorde. Sendo assim, coloca-se a
                                                     sas compõem sua estrutura de capital. A terceira
seguinte questão: qual a contribuição dos recursos
                                                     seção discute a estrutura de capital no Brasil. Por
captados em aberturas de capital para a realização
                                                     último analisa-se a trajetória do mercado de capi-
de investimentos produtivos?
                                                     tais brasileiro na década de 2000 destacando-se
     Dentro desse contexto, o presente artigo
                                                     as medidas institucionais que contribuíram para
tem o objetivo de analisar esta recente tendência
                                                     seu fortalecimento.
de crescimento do mercado de capitais brasileiro
e identificar a utilização dos recursos captados
em abertura de capital para a realização de          1.1 A importância do mercado financeiro
investimentos produtivos. Delimita-se a análise           para o crescimento econômico
para o período de 2004 a 2007, pois foram os
anos com maior número de abertura de capital              A disponibilidade de fontes de financiamen-
e intensa negociação no mercado de capitais. A       to e sua relação com o crescimento econômico
hipótese que permeia esse trabalho é a de que a      foi abordada por diversos autores como Keynes,
126 |
Revista da        FAE


Schumpeter, Wicksell e Tobin, e continua em pau-            Ao mencionar a teoria de Rogers, Studart (1993)
ta em trabalhos acadêmicos atuais. Do ponto de              afirma que:
vista neoclássico, o mercado de capitais é formado                 A introdução da moeda no esquema neoclássico da
por dois agentes maximizadores de suas respec-                     teoria dos fundos emprestáveis, portanto, não modifica
tivas satisfações intertemporais: os investidores                  essencialmente a visão sobre o mercado financeiro
                                                                   enquanto mero intermediador de poupanças. O crédito
(demandantes de capital) e os poupadores (ofer-
                                                                   acima (ou abaixo da “poupança voluntária”) é tratado
tantes de capital). O mercado financeiro é visto                   como um fenômeno de desequilíbrio e/ou ligado a
puramente como o local de intermediação destes                     imperfeições na intermediação financeira, tais como
agentes, e a taxa de juros serve como o elemento                   estruturas não competitivas ou distribuição ineficiente
de estímulo às transações financeiras entre eles                   de informações (STUDART, 1993, p.103).

(CARDIM DE CARVALHO, 2007).                                      Em concordância com estas teorias o modelo
     Nesta concepção, a realização de investimen-           teórico de desenvolvimento -McKinnon Model
tos exige a existência de uma poupança prévia               (SMM) desenvolvido em 1973 defendia a teoria
(ex-ante), o que significa, portanto, que para o            de crescimento exógeno e a hipótese de mercados
crescimento econômico é necessário que se esti-             financeiros eficientes, ou seja, com ausência de
mule a poupança. Esta perspectiva do mercado                arbitragens. Em relação a este modelo, Hermann3
financeiro, rotulada como “visão convencional”,             (2002 apud CASTRO, 2008, p.288) afirma que:
tem sido defendida por instituições e agências de                  O SMM estabelece uma relação direta entre poupança
desenvolvimento como o Fundo Monetário Inter-                      e crescimento econômico. A mais importante diferença
nacional e o Banco Mundial, as quais recomendam                    (em relação à teoria convencional) é o tratamento
                                                                   conferido à propensão a poupar, que deixa de ser vista
que os países, sobretudo aqueles em desenvolvi-
                                                                   como algo estrutural para ser uma variável influenciável
mento, pratiquem a liberalização financeira de
                                                                   através de políticas.
modo a eliminar a repressão financeira criada
por políticas de juros baixos e de crédito seletivo              Este modelo aborda também a questão do
(STUDART, 1993; CASTRO, 2008).                              avanço tecnológico como significativo na pro-
      Ligada à visão convencional está a teoria dos         moção do crescimento econômico, e argumenta
fundos emprestáveis desenvolvida pelo neoclás-              que o desenvolvimento e desregulamentação dos
sico Knut Wicksell. Nas economias modernas as               mercados financeiros aumentam sua competiti-
instituições financeiras que captam depósitos à             vidade, proporcionam taxas de juros reais mais
vista têm o poder para criar meios de pagamento             elevadas e estimulam a poupança. Uma maior
através de uma simples operação contábil. Ape-              disponibilidade de recursos emprestáveis amplia
sar da maior complexidade agregada ao sistema               o acesso das empresas a técnicas mais avançadas
financeiro com os bancos, Wicksell1 (1936 apud              e eleva a taxa de progresso tecnológico.
STUDART, 1993), assim como Rogers2 (1989 apud                  A esse respeito, Schumpeter já destacava
STUDART, 1993), ratificam a teoria convencional.            em 1912 o papel do mercado financeiro como


1
    WICKSELL, K. Interests and prices. New York: Augustus
    Kelly, 1936.                                            3
                                                                HERMANN, J. Liberalização e crises financeiras: o debate
                                                                teórico e a experiência brasileira nos anos 1990. 2002. Tese
2
    ROGERS, C. Money, interest and capital. Cambridge:
                                                                (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
    Cambridge University Press, 1989.
                                                                de Janeiro, 2002.

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010                                                             |127
provedor de recursos para empreendedores                           uma equalização entre poupança e investimento
desenvolver e difundir suas inovações. Contudo,                    ex-post. Para o autor, a elevação dos juros pode
Schumpeter se desprende da ideia de poupança                       ter o efeito contrário do esperado pela visão
prévia e argumenta que os bancos financiam as                      clássica: ao invés de se estimular a poupança, os
empresas, criando “poder de compra” a partir de                    juros altos elevam o custo do financiamento dos
recursos inexistentes (CASTRO, 2008).                              investimentos empresariais, podendo inviabilizar
     Uma visão alternativa à neoclássica é apre-                   projetos e retrair o produto no longo prazo.
sentada por Keynes em 1937 na Teoria Geral dos                           O modelo idealizado por Keynes tem a ex-
Juros, Moeda e Emprego, bem como em obras se-                      pansão da demanda agregada como fator chave
guintes. Keynes traz o conceito da preferência pela                para o crescimento da renda. Com desemprego
liquidez e argumenta que os agentes econômicos                     de recursos, um aumento de demanda causado
demandam moeda não só pelos motivos de tran-                       por um acréscimo na renda faz com que as famí-
sação e precaução, expostos pelos neoclássicos,                    lias consumam mais, estimulando o aumento da
mas também pelo motivo especulação. Para ele,                      produção. Em um processo que se propaga para
não é irracional manter ativos monetários para                     outros setores, as empresas contratam mais traba-
satisfazer as oportunidades especulativas, pois                    lhadores, aumentando o nível de renda e estimu-
a incerteza sobre as taxas de juros futuras e sua                  lando o aumento do consumo. Cria-se assim uma
relação com o preço dos títulos torna a retenção                   onda de gastos, que alcançará por fim um novo
de moeda uma atitude coerente e racional.                          ponto de equilíbrio no lado real da economia com
     Também é introduzido o motivo financeiro                      um nível de renda mais elevado (STUDART, 1993).
(finance motive) para demanda por moeda, con-                           Este processo é conhecido como o efeito
forme explicado por Cardim de Carvalho (2007):                     multiplicador keynesiano, responsável pela gera-
        O motivo financeiro (finance motive) refere-se à           ção de renda através da expansão da demanda
        demanda por moeda antecipada a alguma despesa              agregada e do investimento. Nesta concepção, a
        discricionária planejada, sendo o gasto deste tipo         poupança torna-se um subproduto do processo
        mais vultoso e menos rotineiro – o investimento
                                                                   multiplicador, o que significa que o crescimento
        em bens de capital. Neste caso, saldos monetários
        são mantidos em antecipação à compra de bens de            não exige a existência de poupança prévia, pois há
        investimento. Esta demanda pode ser satisfeita pela        uma equalização entre poupança e investimento
        venda de bens e serviços ou de ativos líquidos por parte   ao final deste movimento (STUDART, 1993).
        do empresário ou com dinheiro tomado emprestado
        junto aos bancos. O pressuposto é que o investimento
                                                                        A partir da premissa de que os bancos não
        planejado (ex ante) pode precisar garantir sua provisão    são meros intermediários de poupança, mas que
        financeira antes que ocorra o investimento, gerando        criam meios de pagamento por meio do crédito
        uma demanda temporária e antecipada de moeda               sem a necessidade de uma poupança prévia, o
        para uma despesa excepcional. Conseqüentemente, a
                                                                   investimento na visão de Keynes é viável graças à
        demanda por moeda pelo motivo financeiro resulta – ao
        nível agregado – da taxa de investimento (CARDIM DE        existência da alavancagem financeira, como uma
        CARVALHO, 2007, p.52-53).                                  fonte alternativa ao autofinanciamento. Chick
                                                                   (1994) explica que:
     Keynes inverte a causalidade entre poupança,
                                                                       Na teoria keynesiana, o investimento originava a
investimento e renda, defendendo que na realidade
                                                                       poupança através da geração de renda: a iniciativa
é o nível de investimento que determina a renda e                      vinha dos empresários e dependia de suas expectativas
posteriormente a poupança da economia, pois há                         quanto ao potencial de lucros no longo prazo. Se suas

128 |
Revista da        FAE

       expectativas estivessem corretas, os investimentos    para que este processo funcione de forma efetiva
       feitos seriam suficientemente rentáveis para pagar    é necessária
       os empréstimos tomados para financiá-los: essa é
                                                                    [...] a existência de fundos que permitam às empresas
       a essência do ato de investir até o ponto em que a
                                                                    reembolsar suas dívidas aos bancos credores, a partir da
       eficiência marginal (esperada) do capital investido
                                                                    venda de títulos (papéis de longo prazo e/ ou direitos
       iguala-se à taxa de juros (CHICK, 1994, p.18-19).
                                                                    de propriedade), para que possa haver um ajuste
     Neste sentido, Keynes também quebra o pa-                      temporal adequado à maturação do investimento e
                                                                    sua amortização. Em suma, como condição necessária
radigma do papel dos juros como simples variável
                                                                    para o aumento da capacidade de financiamento e
fruto do cruzamento entre investimento e poupan-                    para a proteção do sistema financeiro em momentos
ça, expondo a visão de que os juros são resultado                   de crescimento econômico deve existir um arranjo
da demanda por moeda do lado dos detentores                         institucional que permita a “transformação do estoque
                                                                    de dívidas herdado do passado em diversas formas de
de renda e da oferta monetária (CHICK, 1994).
                                                                    ativos financeiros de longo prazo” (COSTA4 , 1999 apud
     A partir dessas concepções, Keynes explica a                   LOBO, 2005, p.244).
relação entre o mercado financeiro e crescimento
                                                                  Há uma convergência entre a teoria dos fun-
econômico com o Circuito Finance-Investimento-
                                                             dos emprestáveis e a visão keynesiana da preferên-
Poupança-Funding:
                                                             cia pela liquidez na teoria de James Tobin de 1958
       – para realizar investimentos, as empresas            e ampliada posteriormente por outros autores.
         demandam moeda pelo motivo financeiro               Tobin5 (1958 apud CARDIM DE CARVALHO, 2007)
         (finance motive);                                   traz o conceito da avaliação de risco na alocação
       – além de meios próprios, as empresas uti-            de recursos e escolha de portfólio de investimen-
         lizam recursos advindos de emissão de               tos. O autor explica que o investidor diversifica
         obrigações e da tomada de empréstimos               sua carteira de ativos de acordo com os retornos
         bancários (geração de meios de pagamento            dos títulos com seu grau de aversão a riscos, oti-
         via crédito);                                       mizando o portfólio ao seu perfil. Portanto, para
                                                             se promover crescimento econômico, as políticas
       – os investimentos realizados criam a “onda
                                                             monetárias devem reduzir a atratividade do ativo
         de gastos” e o processo multiplicador
                                                             monetário, fazendo com que seu espaço na car-
         da renda, a partir do qual a poupança
                                                             teira ótima seja substituído por ativos de capital.
         agregada é determinada de acordo com a
         propensão marginal a poupar;                             A despeito das divergências conceituais en-
                                                             tre as diferentes linhas de pensamento da teoria
       – a poupança gerada é alocada entre ativos
                                                             econômica, pode-se convencionar que a existência
         monetários e em títulos no mercado finan-
                                                             de fontes de financiamento da produção é um
         ceiro de acordo com a preferência pela liqui-
                                                             elemento necessário para promoção do cresci-
         dez, e devido à possibilidade das empresas
                                                             mento econômico. A disponibilidade de recursos
         emitirem títulos financeiros de longo prazo
         (funding), elas podem pagar seus emprés-
         timos bancários de curto prazo.
     O crescimento econômico, portanto, pode
                                                             4
                                                                 COSTA, Fernando N. Economia monetária e financeira:
                                                                 uma abordagem pluralista. São Paulo: Makron, 1999.
ocorrer sem uma contrapartida inicial de poupança
                                                             5
                                                                 TOBIN, J. Liquidity preference as behavior toward risk. The
prévia, por meio deste processo de financiamento                 Review of Economic Studies, Briston, GB v.25, n.2, p.65-
do investimento. De acordo com Lobo (2005),                      86, Feb.1958.

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010                                                             |129
financeiros é um fator necessário para que se                 A visão de que a estrutura de capital da em-
engendre o processo de geração de renda por              presa não interfere em seu valor ou custo de capital
intermédio da realização de investimentos empre-         tomou força com o teorema de Modigliani-Miller
sariais. Destaca-se, nesse caso, o papel das fontes      (1958), o qual afirma que o valor de uma firma
de financiamento de longo prazo.                         financiada somente por capital próprio possui o
                                                         mesmo valor de uma firma alavancada. Para esse
                                                         modelo, os autores se baseiam nas seguintes su-
1.2 Alternativas de financiamento de                     posições: 1) presença de concorrência perfeita no
            investimentos empresarial                    mercado de capitais; 2) graus de risco equivalentes
                                                         entre as empresas; 3) perfeita informação disponí-
            Estrutura de capital é a composição de en-   vel aos agentes no mercado financeiro; e 4) ausên-
dividamento e capital próprio utilizado para o           cia de impostos sobre os lucros (ALDRIGHI, 2006).
financiamento empresarial. Os tipos de capital                A conclusão para esse teorema, no âmbito
podem ser próprio, como lucros retidos e emis-           macroeconômico, implica que para o crescimento
são de ações, ou de terceiros, como empréstimos          econômico de um país pouco importa se o seu
bancários e emissão de títulos (GITMAN6, 1997            financiamento é baseado no mercado de capitais,
apud SOUSA; MENEZES, 1997).                              crédito bancário ou endividamento externo,
            Os primeiros estudos sobre estrutura de      quando a hipótese de mercados eficientes é
capital foram feitos pelos autores denominados           respeitada (CASTRO, 2008).
tradicionalistas. Estes dividem o custo total de               Como crítica e visão alternativa à tradicional
capital da empresa em custo do capital acionário         da estrutura ótima de capital e ao teorema de
e custo da dívida e analisam a variação do custo         Modigliani-Miller, há a abordagem histórico-
total de acordo com mudanças na composição do            institucional, que explica que não há uma estrutura
                                                         financeira ideal, atemporal e aplicável a todos os
capital. Inicialmente, a maior alavancagem finan-
                                                         países, mas que cada configuração dos mercados
ceira reduz o custo total de capital da empresa,
                                                         financeiros em seu peculiar local e tempo possui
pois o pagamento de juros é contabilizado como
                                                         seu grau de eficácia. As estruturas financeiras são
despesa, reduzindo a base de tributação (FAMÁ;           de difícil comparação entre os países e por isso
GRAVA, 2000).                                            a eficácia deve ser medida pela sua capacidade
            Porém, sabendo que quanto maior o risco de   em fomentar o crescimento e desenvolvimento
insolvência maior o retorno pago aos acionistas, o       econômico em seu local (CASTRO, 2008).
custo total de capital das empresas passa a se elevar         Um aspecto importante a ser destacado é a
com a crescente proporção de endividamento. A            importância das instituições no mercado: embora
partir disto, a abordagem tradicional defende uma        de instituições fortes possam trazer estabilidade
                                                         e funcionalidade ao mercado, elas também
estrutura ótima de capital, que proporciona maior
                                                         podem trazer ineficiências à medida que se não
valor à empresa.
                                                         se adaptam às novas circunstâncias conjunturais
                                                         e se tornam obsoletos neste sentido.
                                                             Ao longo da história é possível verificar a
                                                         presença de “mix” diferentes na estrutura fi-
6
     GITMAN, Lawrence J. Princípios de administração
                                                         nanceira dos países, e ao mesmo tempo taxas
     financeira. São Paulo: Harbra, 1997.

    130 |
Revista da        FAE


de crescimento e desenvolvimento econômico                              A teoria da pecking order desenvolvida por
satisfatórias. É o caso das diferenças entre a                     Myers8 (1984 apud BRITO; CORRAR; BATISTELLA,
Alemanha e Inglaterra do século XX; enquanto                       2004) explica que as empresas seguem uma hierar-
a Alemanha teve seu crescimento com presença                       quia de opções preferenciais para o financiamento
de forte intermediação financeira via bancos, os                   dos investimentos: as empresas escolhem primeiro
ingleses desenvolveram um forte mercado de                         o autofinanciamento, seguido do endividamento
capitais (MOREIRA; PUGA, 2000).                                    ou financiamento via crédito e, em último lugar
     Observando as diferentes formas de organi-                    a opção por emissão de ações, para evitar sinali-
zação financeira e fomento ao crescimento nos                      zação negativa no mercado.
países Castro (2008) cita as três classificações de                     As empresas mais lucrativas, de acordo com
sistemas financeiros criadas por Zysman7 (1983                     esta teoria, recorrem menos aos empréstimos, e
apud CASTRO, 2008, p.292):                                         as menos lucrativas, por não terem disponíveis
       O primeiro se baseia em mercados de capital, com            fundos internos suficientes para custearem seus
       preços refletindo alocações de livre mercado; o segundo     investimentos, buscam primeiramente o endivi-
       se baseia em crédito, com preços administrados pelo
                                                                   damento como fonte de financiamento externo
       governo; e, finalmente, instituições financeiras privadas
       dominam o terceiro (sistema com base em crédito             (DIAS, 2007).
       bancário privado).                                               De acordo com Cherobim (2008), devido à
     Cardim de Carvalho (2007) corrobora essa vi-                  assimetria de informação
são ao destacar as diferenças entre o sistema finan-                      [...] gestores da empresa sabem mais sobre seus
ceiro norte americano (baseado em financiamento                           projetos, seus riscos e sua valorização do que o
                                                                          investidor externo. Além de o custo do endividamento
direto, ou desintermediado) e o japonês e alemão
                                                                          ser menor, é dispendioso e arriscado convencer
(baseado em crédito, ou intermediado), salientando                        acionistas sobre as boas perspectivas de retorno dos
que os três países conseguem prover recursos de                           projetos da empresa; em função disso, eles deveriam
longo prazo para suas empresas, não obstante as                           comprar as ações das empresas a preço justo. É
diferenças em seus arranjos institucionais.                               mais interessante reaplicar os lucros da empresa nos
                                                                          novos projetos do que fazer novas captações junto
     Outra visão crítica foi a vasta análise feita ao
                                                                          a acionistas. A divulgação é trabalhosa e tem custos,
longo dos anos por Stiglitz, o qual concluiu de seus                      além de municiar a concorrência com informações sobre
estudos empíricos que a aplicação do teorema e                            produtos a serem lançados, sobre novas tecnologias
a consequente visão de neutralidade da política                           e sobre detalhes do planejamento (CHEROBIM, 2008,
financeira da empresa sobre seu valor                                     p.49-50).

       [...] depende de condições muito restritivas, entre              No entanto, a principal característica da
       as quais caberiam destacar: a probabilidade nula de
                                                                   emissão de ações no mercado de capitais não
       falência, igual acesso dos investidores a informações
       sobre os retornos da empresa, a neutralidade da             são os custos e sim o prazo do financiamento e
       política financeira das empresas sobre os incentivos e      a flexibilidade da remuneração do capital. Como
       a propensão ao risco de seus diretores, e expectativas      a remuneração dos acionistas depende do resul-
       sobre o valor da empresa independentes da política
       financeira (ALDRIGHI, 2006, p.7).



7
    ZYSMAN, J. Governments, markets, and growth financial          8
                                                                        MYERS, S.C. The capital structure puzzle. Journal of
    systems and the politics of industrial change. Ithaca,             Finance, Chicago: American Finance Association, v.39,
    N.Y.: Cornell University Press, 1983.                              n.3, July 1984.

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010                                                                |131
tado da empresa, não existe um compromisso                    dos acionistas assim como crescimento de
fixo como a amortização de dívida mobilizando                 investidores potenciais;
recursos que poderiam ser usados em projetos de            e) reestruturação societária: capacidade de
expansão da empresa. Além disso, não há prazo                 fazer arranjos societários como processos
de vencimento da obrigação, tendo em vista que                sucessórios mais facilmente, através de
o acionista é sócio da firma.                                 novas emissões de ações;
     Assim, a decisão de abrir capital ou utilizar         f) profissionalização da empresa: alteração
empréstimos inclui não apenas a análise do custo              na cultura da administração, por haver a
de capital, como também a existência de obriga-               necessidade de transparência na relação
ções fixas e o prazo de vencimento de tal obriga-             com investidores
ção. De acordo com Casagrande Neto (2000), a
                                                           g) mudança no relacionamento com funcio-
composição da estrutura de capital é definida pela
                                                              nários: maior participação dos funcionários
ponderação de fatores como:
                                                              na empresa quando estes passam a obter
        – custo e disponibilidade de capital próprio          ações da mesma.
          e de terceiros;
                                                            Em contrapartida às vantagens já mencionadas,
        – grau de risco aceito pelo empresário;        surgem novas obrigações e custos relativos às
        – importância dos investimentos planejados;    companhias abertas. Torna-se obrigatória a
        – índices comparativos setoriais.              divulgação de informações econômico-financeiras,
     A abertura deve levar em conta a análise tanto    passa a existir uma auditoria externa e requer-se
                                                       o estabelecimento de um setor de Relações com
destes fatores técnicos - como os custos, análises
                                                       Investidores (RI). Também deve ser constituído
de viabilidade, taxas de retorno do investimento
                                                       um Conselho de Administração e Conselho Fiscal,
– quanto dos subjetivos, tais como aceitação de
                                                       além de se cobrar profissionalismo do corpo
novos acionistas, disposição para prestação de
                                                       dirigente da empresa e transparência junto aos
contas e incorrência de riscos. Assim, na visão de
                                                       investidores, bem como os adicionais custos legais
Casagrande Neto (2000) as principais razões para
                                                       e administrativos e a necessidade de distribuição
a abertura de capital seriam:
                                                       de resultados aos novos acionistas (CASAGRANDE
        a) captação de recursos para investimentos:
                                                       NETO, 2000).
           abertura de um canal permanente para
           obtenção de recursos;
        b) reestruturação de passivos: forma de re-    1.3 A estrutura de capital no Brasil
           posição de passivos através dos recursos
                                                            Até a década de 1970, a maioria do investi-
           obtidos via mercado no lugar de passivos
                                                       mento no país adveio da intervenção estatal e do
           de perfil inadequado;
                                                       endividamento externo, devido à baixa capacida-
        c) aprimoramento da imagem institucional:      de de investimentos do capital privado nacional.
           conquista de maior credibilidade para       Quando realizados, os investimentos privados
           com seus stakeholders e maior poder de      eram viabilizados por subsídios governamentais
           negociação no mercado;                      ou financiamentos do Banco Nacional de Desen-
        d) criação de liquidez patrimonial: maior      volvimento Econômico e Social - BNDES (BRESSER
           mobilidade de negociação do patrimônio      PEREIRA, 1987).
132 |
Revista da        FAE


    O mercado de capitais brasileiro somente se                níveis de inflação relevantes (ASSAF NETO9, 2003
tornou mais organizado a partir de 1964 com o                  apud BRITO; CORRAR; BATISTELLA, 2004).
Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG),                          Alguns estudos empíricos já foram realizados
do qual um dos efeitos positivos foi a reforma do              sobre a estrutura de capital no Brasil. Brito, Corrar
mercado de capitais, cujo objetivo é explicado por             e Batistella (2004) analisaram uma amostra de
Macarini (2008, p.154):                                        empresas, abrangendo o período de 1998 a 2002,
       A reforma do mercado de capitais (Lei nº4. 728, de      e concluíram que o endividamento médio das
       1965) buscou atacar aquele conjunto de problemas        empresas brasileiras era de 52,8%, com dívidas
       – modernizando as Bolsas, extinguindo o monopólio
                                                               de curto prazo na proporção de 30,2% e de longo
       dos corretores públicos etc. – e criar um sistema de
       distribuição de valores mobiliários, composto de        prazo em 22,6%. Os autores evidenciaram a
       corretoras e distribuidoras (com atuação no “varejo”)   tendência de restrição de recursos de longo prazo
       e dos bancos de investimento (dotados da atribuição     no país. Neste trabalho, porém, não se verificou
       de agentes “atacadistas” do mercado)”.
                                                               uma tendência ao comportamento explicado pela
     Após esta regulamentação do mercado de                    teoria de pecking order.
capitais, o movimento no mercado acionário expe-                    O mesmo estudo verificou que quanto maior
rimentou uma significativa expansão. O auge ocor-              o risco de uma empresa, maior seu grau de
reu em 1971 quando se quadruplicou o volume                    endividamento. Também se confirmou a evidência
de transações nas bolsas brasileiras, gerando uma              empírica de que no Brasil as grandes empresas
grande bolha especulativa no período, precedida                têm mais facilidade em captar recursos de longo
de um posterior desaquecimento continuado no                   prazo do que as menores.
mercado acionário que perdurou pela década de                        Schnorrenberger (2004) estudou a influência
1980 (MACARINI, 2008).                                         da estrutura de controle acionário nas decisões
    Mesmo após a estruturação do mercado de                    de estrutura de capital das empresas brasileiras
capitais brasileiro, o padrão de financiamento                 listadas na Bolsa de Valores de São Paulo - Bovespa
das empresas brasileiras ainda é mais voltado                  de 1995 a 2000 e concluiu que as empresas de
ao autofinanciamento e ao crédito do que ao                    maior concentração acionária têm tendência a se
mercado. Esta tendência pode ser explicada devido              endividarem menos e a evitarem riscos. Observou
ao porte reduzido e caráter familiar da maioria das            também que as empresas que retêm maiores
empresas brasileiras (MACARINI, 2008).                         lucros utilizam em maior proporção recursos
      Conforme explica a abordagem histórico-                  próprios para a realização de investimentos.
institucional referente às teorias de estrutura de                   Outros estudos sobre estrutura de capital no
capital, cada país possui suas peculiaridades que              Brasil foram realizados. Matsuo, Rochman e Eid
dificultam a avaliação de uma melhor estrutura                 Junior (2008, p.87-88) apontam que no período
financeira para o desenvolvimento econômico.                   de 1988 a 2005 foram publicados 96 trabalhos
Algumas das particularidades do Brasil são as                  sobre o assunto em eventos e periódicos nacionais
taxas de juros heterogêneas às internacionais,                 e internacionais. Após uma detalhada revisão de
a presença de controles artificiais de mercado e               tais trabalhos, os autores resumem que:


                                                               9
                                                                   ASSAF NETO, A. Finanças corporativas e valor. São Paulo:
                                                                   Atlas, 2003.

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010                                                            |133
– as empresas preferem financiamento pe-          1.4 O desenvolvimento do mercado de
          los lucros retidos, dívida e capital próprio,        capitais do Brasil na década de 2000
          seguindo a pecking order. Contudo, as
          escolhas são bastante limitadas devido às            Conforme observado na seção anterior, o
                                                          mercado de capitais brasileiro nunca desempe-
          restrições do mercado de capitais e, con-
                                                          nhou um papel significativo no financiamento
          sequentemente, o seu crescimento;
                                                          produtivo e desde a bolha especulativa do início
        – lucros retidos são a principal fonte de fi-     da década de 1970 mergulhou em um período de
          nanciamento, mais do que 50% do total,          fraca atividade que perfurou até a década de 1990,
          seguido pela dívida e capital próprio;          quando houve uma breve recuperação.
        – mesmo na ausência de mercados secun-                 A respeito dessa recuperação observada a
          dários, a importância das debêntures vem        partir do início dos anos 1990, um estudo do
          aumentando. Razão para o sucesso são            comportamento do mercado de capitais brasileiro
          as sofisticadas restrições e garantias para     do período contido na publicação da Bovespa
          ambos: empresas e investidores;                 “Desafios e oportunidades para o mercado de
        – exposição aos mercados externos por meio        capitais brasileiro”, traz a seguinte conclusão:
                                                              O mercado de capitais brasileiro, em especial o
          de ADRs reduz a assimetria de informação,
                                                              mercado acionário, passou por uma fase de aparente
          reduzindo a volatilidade, e retornos anor-          florescimento nos anos 90. Neste período observamos
          mais negativos.                                     grande aumento da capitalização bursátil, volume
                                                              transacionado e emissões primárias. Este crescimento
        Os autores ainda comentam que alguns
                                                              é fortemente influenciado pela entrada expressiva de
estudos indicam que a opção por alavancagem                   capitais estrangeiros (BOVESPA, 2000, p.47).
ocorre quando há restrições financeiras em dívida
                                                               As mudanças da década de 1990, como a
e capital próprio. “Este caso te sido muito comum
                                                          abertura comercial e financeira e o controle da
no Brasil e explica o volume de lucros retidos das        inflação colaboraram para reavivar o mercado de
empresas” (MATSUO; ROCHMAN; EID JUNIOR,                   capitais nacional, mas outras medidas macroe-
2008, p.88).                                              conômicas e institucionais faziam-se necessárias
        O estudo das estruturas de capital apresentadas   para fortalecer o mercado.
no Brasil ainda é campo fértil para pesquisa,                  Após um período de sucessivas perdas de
devido ao caráter dinâmico do mercado e às                expressão do mercado de capitais nacional em
possíveis alterações no padrão de financiamento           virtude das crises asiática e russa ocorridas em
ao longo do tempo. Diversas pesquisas já foram            1997 e 1998, seguidas da crise cambial no país
                                                          em 1999, a crise argentina de 2001 e outros
realizadas sobre o assunto e, de maneira geral,
                                                          eventos como os ataques terroristas aos Estados
observa-se que o financiamento via mercado de
                                                          Unidos, o mercado de capitais brasileiro encolheu
capitais ainda perde para o endividamento e para
                                                          consideravelmente. Medidas governamentais
o autofinanciamento, tendo, portanto, muito               de tributação das aplicações de capital também
espaço ainda a ser conquistado na participação            reforçaram este movimento negativo.
da estrutura de capital.                                      A partir disto a Bovespa liderou a chamada
                                                          “Ação Cívica pelo Fortalecimento do Mercado
                                                          de Capitais” que tinha a participação de outras
134 |
Revista da      FAE


45 entidades, entre elas a FEBRABAN (Federação                    recursos, ajuste fiscal de longo prazo e
Brasileira das Associações de Bancos), a ANBID                    redução da vulnerabilidade externa para
(Associação Nacional dos Bancos de Investimento),                 reduzir taxa de juros básica, ampliação da
a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São                regulação dos participantes do mercado.
Paulo) e o IBMEC (Instituto Brasileiro de Mercado                Na introdução do Plano Diretor em 2002,
de Capitais). Nesse movimento foram lançadas                foram lançadas 50 medidas específicas, as quais
diretrizes e ações voltadas ao fortalecimento               exigiam ações tanto das empresas quanto dos
do mercado de capitais, as quais incluíam a                 investidores e governo. Devido ao comprometi-
política macroeconômica, ações para empresas,               mento das entidades envolvidas e do constante
investidores, agentes de mercado, além de                   acompanhamento do progresso na implementa-
medidas de regulação, mobilização e divulgação              ção do Plano, diversas medidas já foram efetiva-
do mercado de capitais (BOVESPA, 2005).                     mente cumpridas, dentre as quais destacam-se
      Foi então elaborado o Plano Diretor do Merca-         (IBMEC, 2008):
do de Capitais com o objetivo de criar condições de             – adoção de normas de governança corpo-
isonomia competitiva em relação às práticas inter-                rativa, transparência e cumprimento de
nacionais e condições de eficiências. As diretrizes               regras;
e ações do Plano focavam o mercado de capitais
                                                                – reformulação da lei que regulamenta a re-
como fonte de liquidez e recursos para empresas
                                                                  cuperação judicial, extrajudicial e a falência
e como melhor alternativa de investimento para
                                                                  do empresário e da sociedade empresária;
investidores, bem como a regulação para preservar
                                                                – criação do Comitê de Pronunciamentos
a credibilidade e promover o desenvolvimento de
                                                                  Contábeis – CPC em 2005 com fins de
instituições, mercados e produtos.
                                                                  trazer convergência internacional das nor-
      O Plano foi dividido em 12 diretrizes e 50                  mas contábeis e centralização na emissão
ações específicas, com o intuito de sobrepujar os                 de normas, e a determinação do Banco
obstáculos observados e promover o desenvolvi-                    Central de que os Bancos publiquem suas
mento do mercado de capitais. Em resumo, as di-                   demonstrações no padrão internacional
retrizes podem ser organizadas da seguinte forma:                 (IFRS) até 2010;
       – estímulo à oferta de recursos: implemen-               – regulamentação e incentivo à atuação de
         tação de fundos de pensão aos servidores                 fundos de private equity e venture capital por
         públicos, difusão do mercado a maior par-                meio da Instrução CVM nº 209/94 e 391/03;
         cela da população, avanço nas medidas de               – estímulo ao investimento estrangeiro nas
         proteção ao investidor, adoção de critérios              bolsas brasileiras por meio de projetos
         de tributação condizentes com as práticas                como o Projeto BEST Brazil;
         internacionais;
                                                                – implementação de um critério de tributa-
       – estímulo à demanda: promoção do acesso                   ção do mercado de capitais em harmonia
         ao mercado; redução do custo de capital;                 com as práticas internacionais através da
       – macroeconômicos/Institucionais: incor-                   extinção da CPFM (Contribuição Provisória
         poração do desenvolvimento do mercado                    sobre a Movimentação ou Transmissão de
         nos planos governamentais, substituição                  Valores e de Créditos de Natureza Financei-
         do governo pelo mercado na alocação de                   ra) em 2007 e da possibilidade de adesão
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010                                                  |135
a regimes de tributação regressiva do im-   GRÁFICO 01 - BOVESPA: VOLUME FINANCEIRO X NÚMERO
                                                                  DE NEGÓCIOS (2000-2007)
         posto de renda na fonte de rendimentos
         advindos de planos previdenciários de
         longo prazo (Lei 11053/04).
     A partir de 2004, como resultado das pri-
meiras ações, mas também acompanhando a
trajetória internacional, o mercado de capitais
brasileiro apresentou um crescimento significa-
tivo, indicando um fortalecimento do setor. O
bom desempenho é percebido em dados como o
crescimento significativo do volume de negócios      FONTE: Bovespa (2008)
realizados, o desempenho do Índice Bovespa,               O volume médio diário negociado cresceu de
o nível de capitalização das empresas e outros       R$746,7 milhões em 2000 para R$ 4,9 bilhões no
indicadores.                                         fim de 2007, mantendo a trajetória ascendente
     O número de empresas listadas em bolsa          ao longo de 2008 até o mês de maio, no qual o
apresentou crescimento de 3,4% em 2006 e 13,7%       volume médio diário chegou a R$ 7 bilhões.
em 2007, passando de 381 empresas em 2005                 Houve também um grande fluxo de capital
para o número de 394 em 2006 e 448 em 2007. O        estrangeiro para as bolsas brasileiras na negocia-
número de empresas que abriram capital também        ção direta de ações na Bovespa e em aquisições
cresceu consideravelmente no período de 2004 a       realizadas nas ofertas públicas de ações (IPOs). De
2007, conforme os dados abaixo:                      acordo com dados da Bovespa, a participação dos
TABELA 01 - BOVESPA: NÚMERO DE ABERTURAS DE          investidores estrangeiros no volume financeiro total
            CAPITAL (2004-2007)                      negociado passou de 29,1% em janeiro de 2002
        Ano       2004    2005     2006       2007   para 37,98% em dezembro de 2007. Em termos ab-
 Número de IPO      7       9       26         64    solutos, o ingresso de capital estrangeiro aumentou
FONTE: Bovespa (2008)                                de R$ 5,4 bilhões em janeiro de 2002 para R$ 75,
                                                     5 bilhões em dezembro de 2007, evidenciando a
     O índice Ibovespa passou dos 11.268 pontos      grande expansão do mercado no período.
ao final de 2002 para 63.886 pontos em 2007,              O conjunto de informações recentes do mer-
um crescimento de 466,97%. Entre 2004 e 2007         cado de capitais brasileiro mostra que a atividade
a maioria dos demais índices da BM&FBOVESPA          econômica do setor tem crescido consideravel-
cresceu anualmente, com destaque para o IBrX-
                                                     mente nos últimos anos. Esta expansão torna
50, que avalia o desempenho das 50 ações mais
                                                     apropriada a análise da destinação dos recursos
negociadas na Bovespa em termos de liquidez; e o
                                                     captados para verificar sua contribuição para os
IGC – Índice de Ações com Governança Corporativa
                                                     investimentos produtivos.
Diferenciada, cujo crescimento foi de 167,19% no
período (BOVESPA, 2008).
    O gráfico 01 ilustra a evolução do mercado,
apresentando o volume financeiro total e o núme-
ro de negócios efetuados na Bovespa no período
de 2000 a 2007, apresentados no gráfico 01:
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Revista da      FAE


2 Metodologia                                                                   ção secundária, as ações ofertadas são de
                                                                                propriedade de sócios e os recursos desti-
                                                                                nados somente aos mesmos. A distribuição
     A pesquisa é de caráter exploratório baseada
                                                                                mista tem os dois propósitos, mas entraria
em dados secundários. Os dados foram obtidos nas
                                                                                na análise também a destinação de recur-
seções referentes às empresas listadas disponíveis
                                                                                sos para remuneração dos sócios. Portanto,
no site da Bovespa, e nos prospectos de abertura
                                                                                para os fins de análise dos impactos da
de capital das empresas selecionadas registrados
                                                                                abertura de capital no setor produtivo, a
na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
                                                                                distribuição primária é de maior relevância;
     A princípio, o universo de análise constituía-
                                                                             – por fim, foram retiradas as empresas clas-
se em 106 empresas que abriram o capital no
                                                                               sificadas como “Instituições Financeiras”
período de 2004 a 2007. No entanto, para maior
                                                                               com o objetivo de manter somente as
homogeneidade de características e utilização dos
                                                                               empresas cujos recursos teriam a possibi-
recursos, esse universo foi delimitado a partir dos
                                                                               lidade de ser empregados exclusivamente
seguintes critérios:
                                                                               no âmbito produtivo.
       – foram excluídas empresas do segmento
                                                                              Sendo assim, a população constituía-se em
         de listagem Brazilian Depositary Receipts
                                                                         empresas nacionais não financeiras que abriram
         (BDR), referente a empresas estrangeiras
                                                                         capital no período de 2004 a 2007, com oferta pri-
         que ofertam valores mobiliários no mercado
                                                                         mária e nos segmentos de governança corporativa
         nacional. O critério para exclusão é o de
                                                                         Novo Mercado, pois nenhuma das empresas sele-
         que os recursos captados seriam usados
                                                                         cionadas estava em outro segmento de listagem.
         no país de origem e não no Brasil;
                                                                         A aplicação do filtro totalizou 25 empresas. Como
       – excluiu-se as empresas cuja natureza da                         a definição de uma amostragem probabilística
         oferta era secundária ou mista, mantendo-                       totalizaria 24 empresas, decidiu-se utilizar todos
         -se apenas as ofertas primárias. Na distri-                     os elementos da população para melhorar o nível
         buição primária, ofertam-se novas ações ao                      de confiança da pesquisa.
         mercado e os recursos advindos da venda
                                                                             As empresas selecionadas para análise são
         são dirigidos às empresas. Já na distribui-
                                                                         apresentadas no quadro 01.



QUADRO 01 - IPOS DE NATUREZA PRIMÁRIA DE EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS (2004-2007)                                       Continua
                  NOME DA EMPRESA                           NOME NO PREGÃO     ANO DE ABERTURA     SEGMENTO DE LISTAGEM
 MPX Energia S/A                                             MPX ENERGIA             2007               Novo Mercado
 Helbor Empreendimentos S.A.                                    HELBOR               2007               Novo Mercado
 Marisa S.A.                                                    MARISA               2007               Novo Mercado
 Construtora Tenda S/A                                          TENDA                2007               Novo Mercado
 Trisul S/A                                                     TRISUL               2007               Novo Mercado
 General Shopping Brasil S/A                                 GENERALSHOPP            2007               Novo Mercado
 Companhia Providencia Ind. e Comercio                       PROVIDENCIA             2007               Novo Mercado
 Açúcar Guarani S/A                                            GUARANI               2007               Novo Mercado
 Invest Tur Brasil Des. Imob e Turístico                      INVESTTUR              2007               Novo Mercado


Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010                                                              |137
QUADRO 01 - IPOS DE NATUREZA PRIMÁRIA DE EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS (2004-2007)                         Conclusão
             NOME DA EMPRESA                  NOME NO PREGÃO     ANO DE ABERTURA      SEGMENTO DE LISTAGEM
EZ TEC Empreendimentos e Participações S.A.       EZTEC                2007               Novo Mercado
Inpar S/A                                        INPAR S/A             2007               Novo Mercado
CR2 Empreendimentos Imobiliários S/A               CR2                 2007               Novo Mercado
JHSF Participações S.A.                          JHSF PART             2007               Novo Mercado
BR Malls Participações S/A                     BR MALLS PAR            2007               Novo Mercado
Even Construtora e Incorporadora S.A.              EVEN                2007               Novo Mercado
GVT (Holding) S.A.                             GVT HOLDING             2007               Novo Mercado
Iguatemi Empresa de Shopping Centers S.A         IGUATEMI              2007               Novo Mercado
Rodobens Negócios Imobiliários SA             RODOBENSIMOB             2007               Novo Mercado
Brasil Ecod Ind Com Biocomb Oleos Veg SA        ECODIESEL              2006               Novo Mercado
Abyara Planejamento Imobiliário S.A               ABYARA               2006               Novo Mercado
MMX Mineração E Metálicos S/A                   MMX MINER              2006               Novo Mercado
BrasilAgro Cia Bras Propriedades Agricol        BRASILAGRO             2006               Novo Mercado
Cia. de Saneamento de Minas Gerais               COPASA                2006               Novo Mercado
Cosan S.A. Indústria e Comércio                   COSAN                2005               Novo Mercado
Renar Maçãs S/A                                   RENAR                2005               Novo Mercado
FONTE: Bovespa (2008)

     Para identificar a destinação dos recursos das             A pesquisa se limita a fazer uma análise de
empresas, a pesquisa se baseou na análise dos              caráter subjetivo dos dados levantados com o ob-
prospectos definitivos de distribuição pública de          jetivo de identificar a parcela de recursos captados
ações de cada empresa disponível na CVM. Foram             destinados aos investimentos.
extraídos os seguintes dados: nome da empresa;
data do prospecto definitivo; valor total da ofer-
ta; valor total da oferta descontadas as diversas
comissões; valor líquido deduzidos os demais               3 Análise dos dados
custos da oferta; capital social antes da abertura
e informações dos planos para destinação dos re-                Ao se analisar as aberturas de capital na Bo-
cursos. Em que pese a existência de uma estrutura          vespa no período de 2004 a 2007, verifica-se que
única e consolidada dos prospectos definitivos             71% das empresas optaram pelo segmento de
de distribuição pública de ações, na coleta dos            listagem Novo Mercado, indicando a tendência de
dados selecionados para análise, observou-se a
                                                           adesão a altos níveis de governança corporativa
possibilidade de melhoria na padronização das
                                                           pelas novas participantes do mercado acionário.
informações fornecidas pelas empresas para cada
                                                           Em volume, o segmento Novo Mercado represen-
item do prospecto.
                                                           tou 77% do total captado. O número de empresas
     A análise foi realizada individualmente por
                                                           que abriram capital no Novo Mercado e no Nível
empresa e os dados mais relevantes foram agre-
                                                           2, os mais altos níveis de governança corporativa,
gados para a elaboração de gráficos e tabelas com
                                                           representa 86% do total de empresas. Na tabela
o objetivo de comparar o comportamento das
                                                           02 pode-se observar os dados referentes ao seg-
empresas para verificação de um possível padrão
                                                           mento de listagem:
na proporção de realização de investimentos em
relação ao capital adquirido.
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Revista da          FAE


TABELA 02 - NÚMERO DE ABERTURAS POR SEGMENTO DE LISTAGEM E NATUREZA DA OFERTA (2004-2007)
  Segmento de                Nº de                                    Volume (R$                           Nº de
                                                        %                                   %                                  %
    Listagem                Empresas                                   milhões)                         investidores
 BDR                                       8                7,55%         4.231,00              5,23%         40.965               3,34%
 Nível 1                                   8                7,55%         4.992,00              6,17%         74.621               6,08%
 Nível 2                                 15                 14,15%        9.428,00           11,65%          144.791            11,79%
 Novo Mercado                            75                 70,75%       62.310,00           76,96%          967.767            78,80%
 TOTAL                                  106             100,00%          80.961,00         100,00%         1.228.144          100,00%
FONTE: Bovespa (2008)

    Percebe-se que as aberturas de natureza pri-                                     A tabela abaixo apresenta os dados de aber-
mária foram realizadas por 31% das empresas,                                    tura, bem como a relação entre a captação efetiva
mas o volume de recursos captados representa                                    e o capital social antes do IPO das 25 empresas
aproximadamente 25% do total.                                                   da amostra.

TABELA 03 - OFERTA INICIAL X VOLUME CAPTADO X CAPITAL SOCIAL ANTES DO IPO                                                      Continua
                                                                VOLUME
                                    VALOR DA                                       CAPTADO/        CAPITAL SOCIAL         CAPTAÇÃO
  EMPRESA (NOME NO                                           EFETIVAMENTE
                                  OFERTA INICIAL                                 OFERTA INICIAL     ANTES DO IPO       EFETIVA/ CAPITAL
      PREGÃO)                                                 CAPTADO (R$
                                   (R$ milhões)                                       (%)            (R$ milhões)         SOCIAL (%)
                                                                milhões)
 MPX ENERGIA                                 1.916,36                2.035,00            106,19              10,58           19.233,63
 MMX MINER                                   1.029,01                1.119,00            108,75              23,62             4.737,58
 GVT HOLDING                                   936,00                1.076,00            114,96           1.220,71                 88,15
 INVESTTUR                                     840,00                 945,00             112,50               0,10          935.643,56
 COSAN                                         770,23                 886,00             115,03             300,00              295,33
 COPASA                                        723,08                 813,00             112,44           1.818,78                 44,70
 INPAR S/A                                     661,50                 756,00             114,29              29,92             2.527,14
 GUARANI                                       665,76                 666,00             100,04             344,99              193,05
 BR MALLS PAR                                  605,28                 657,00             108,55             517,72              126,90
 TENDA                                         603,00                 603,00             100,00              89,70              672,24
 BRASILAGRO                                    518,40                 583,00             112,46               1,02           56.933,59
 IGUATEMI                                      477,11                 549,00             115,07             216,00              254,17
 EZTEC                                         471,43                 542,00             114,97             181,92              297,93
 MARISA                                        440,00                 506,00             115,00              44,63             1.133,65
 PROVIDÊNCIA                                   468,75                 469,00             100,05             419,77              111,73
 EVEN                                          400,00                 460,00             115,00              99,67              461,54
 RODOBENSIMOB                                  390,00                 449,00             115,13              63,94              702,24
 JHSF PART                                     376,00                 432,00             114,89              69,33              623,07
 ECODIESEL                                     378,93                 379,00             100,02              10,02             3.780,62
 TRISUL                                        318,84                 330,00             103,50             107,69              306,45
 CR2                                           307,58                 308,00             100,14              61,86              497,92
 GENERALSHOPP                                  273,00                 287,00             105,13              31,08              923,28
 HELBOR                                        232,46                 252,00             108,41              89,11              282,80
 ABYARA                                        163,75                 164,00             100,15               1,30           12.615,38


Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010                                                                           |139
TABELA 03 - OFERTA INICIAL X VOLUME CAPTADO X CAPITAL SOCIAL ANTES DO IPO                          Conclusão
                                            VOLUME
                        VALOR DA                            CAPTADO/        CAPITAL SOCIAL      CAPTAÇÃO
 EMPRESA (NOME NO                        EFETIVAMENTE
                      OFERTA INICIAL                      OFERTA INICIAL     ANTES DO IPO    EFETIVA/ CAPITAL
     PREGÃO)                              CAPTADO (R$
                       (R$ milhões)                            (%)            (R$ milhões)      SOCIAL (%)
                                            milhões)
RENAR                            16,00           16,00             100,00            26,40             60,61
TOTAL                       13.982,47        15.282,00             109,29         5.779,87            264,40
MÉDIA                           559,30          611,28             108,51           231,19            264,40
FONTE: Adaptado de CVM (2008)


     O volume captado pelas empresas analisadas          GRÁFICO 02 - RECURSOS EFETIVAMENTE CAPTADOS PELAS
representa 17,3% do total levantado no período,                     EMPRESAS DA AMOSTRA POR SETOR DE
apresentado na tabela 02. O total de recursos                       ATUAÇÃO

brutos ofertados inicialmente pelas 25 empresas
da amostra foi de quase R$14 bilhões, porém o
total efetivamente captado foi 9,29% maior (pouco
mais de R$ 15 bilhões) devido à possibilidade de
emissão de ações adicionais na proporção de até
15% do total das ações inicialmente ofertadas.
Observou-se que todas as empresas da amostra
tiveram suas ações absorvidas pelo mercado
integralmente ou acima do valor ofertado inicial,
o que seria explicado pela adesão de 24 das 25
empresas ao regime de colocação de garantia
firme, a qual obriga a instituição coordenadora
da oferta a adquirir eventuais ações não vendidas
no mercado.
     O grau de diluição da composição societária
das empresas após a abertura foi comparado
pela proporção do valor da oferta em relação ao
capital social antes do IPO, e observou-se que
22 empresas realizaram ofertas primárias em
valores acima do capital social prévio à abertura,
mostrando tendência à considerável diluição da
composição societária a partir da abertura de
capital. Os destaques são Investtur, Brasilagro,
MPX e Abyara, cujo volume captado foi mais de
100 vezes maior do que o capital social.
    O gráfico 02 apresenta a distribuição de
recursos de acordo com o setor de atividade
econômica.
                                                         FONTE: Adaptado de CVM (2008)

140 |
Revista da     FAE


       O setor de construção civil, composto por                               Na primeira categoria foram classificadas
10 empresas, representou 28% do total, seguido                            destinações para redução de recursos de terceiros,
do setor agrícola. Outros setores expressivos são                         financiamento de aquisições feitas, assim como
o energético e o setor de administração e par-                            pagamento de obrigações com sócios, com desti-
ticipação em shoppings centers e imóveis, que                             nações em 13 empresas da amostra, cujos valores
correspondem, respectivamente, a 13% e aproxi-                            identificados representavam 11,4% do total.
madamente 10% do total de recursos.                                            Na classificação “capital de giro ou financia-
                                                                          mento a clientes” foram listadas 16 empresas,
       Quanto à destinação dos recursos, as infor-
                                                                          sendo que destas 3 não explicitaram valores exatos
mações existentes nos prospectos foram dividas
                                                                          a serem empregados (MMX Mineração e Metálicos
nas 5 categorias a seguir:                                                S.A., MPX Energia S.A. e INPAR S.A). Os volumes
       a) alongamento do perfil de endividamento                          identificados mostram que o valor destinado a
           ou redução de passivo;                                         esse fim representa quase 7% do total levantado.

       b) capital de giro ou financiamento a clientes;                         A classificação de “investimentos produtivos”
                                                                          abrange investimentos em capacidade instalada,
       c) investimentos produtivos (implantação de
                                                                          projetos como de incorporação e construção, ex-
           projetos, investimentos em imobilizado,                        pansão de redes de venda, aquisição de terrenos
           infraestrutura);                                               e equipamentos, entre outros. A proporção de
       d) investimento ou aquisição de participações                      recursos com destinação identificada como inves-
           societárias;                                                   timentos produtivos seria cerca de 40% em relação
                                                                          ao total de empresas da amostra. A tabela a seguir
       e) reestruturação, modernização e recupera-
                                                                          apresenta os valores aproximados coletados do
           ção empresarial.                                               prospecto destinado a investimentos produtivos:

TABELA 04 - DESTINAÇÃO DOS RECURSOS - “INVESTIMENTOS PRODUTIVOS”                                                     continua
                                                                                            ESTIMATIVA PARA INVESTIMENTO
                     EMPRESA                            VALOR DA OFERTA (R$)      %
                                                                                                   PRODUTIVO (R$)
 RENAR                                                         16.000.000,00      17,33%                        2.773.333,33
 PROVIDÊNCIA                                                  468.750.000,00      25,00%                      117.187.500,00
 BR MALLS PAR                                                 605.278.845,00      30,00%                      181.583.653,50
 TRISUL                                                       318.835.000,00      35,00%                      111.592.250,00
 ECODIESEL                                                    378.932.220,00      37,00%                      140.204.921,40
 EZTEC                                                        471.431.147,00      37,50%                      176.786.680,13
 GUARANI                                                      665.758.062,00      40,00%                      266.303.224,80
 GENERAL SHOPP                                                273.000.000,00      40,00%                      109.200.000,00
 MARISA                                                       440.000.000,00      41,00%                      180.400.000,00
 IGUATEMI                                                     477.110.820,00      45,00%                      214.699.869,00
 GVT HOLDING                                                  936.000.000,00      46,65%                      436.644.000,00
 HELBOR                                                       232.458.919,00      73,00%                      169.695.010,87
 RODOBENS IMOB                                                390.000.000,00      80,00%                      312.000.000,00
 ABYARA                                                       163.750.000,00      80,53%                      131.867.875,00
 TENDA                                                        603.000.000,00      82,00%                      494.460.000,00
 EVEN                                                         400.000.003,50      85,00%                      340.000.002,98

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010                                                               |141
TABELA 04 - DESTINAÇÃO DOS RECURSOS - “INVESTIMENTOS PRODUTIVOS”                                  conclusão
                                                                          ESTIMATIVA PARA INVESTIMENTO
                EMPRESA               VALOR DA OFERTA (R$)      %
                                                                                 PRODUTIVO (R$)
INVESTTUR                                   840.000.000,00     88,60%                       744.240.000,00
COPASA                                      723.076.928,50     90,00%                       650.769.235,65
CR2                                         307.575.000,00    100,00%                       307.575.000,00
BRASILAGRO                                  518.400.000,00    100,00%                       518.400.000,00
JHSF PART                                   376.000.000,00   < 38,20%                    < 143.632.000,00
INPAR S/A                                   661.500.000,00      < 80%                    < 529.200.000,00
COSAN                                       770.232.480,00   < 88,19%                    < 679.268.024,11
MMX MINER                                 1.029.010.850,00          N/A                               N/A
MPX ENERGIA                               1.916.364.816,09          N/A                               N/A
Subtotal 1- excluindo JHSF, INPAR,        9.229.356.945,00     60,75%                     5.606.382.556,65
COSAN, MMX e MPX
Subtotal 2 – excluindo MMX e MPX          9.229.356.945,00     63,00%                     6.958.482.580,76
FONTE: Adaptado de CVM (2008)


        O subtotal 1 abrange as empresas cujas infor-        No quarto critério foram listadas destinações
mações do prospecto eram mais claras e mostra           de recursos a compras de instalações de proprie-
que o total destinado a investimentos produtivos        dade de terceiros, incorporação de empreendi-
representava quase 61% do volume captado por            mentos, aquisição de maiores participações em
essas empresas. O subtotal 2 inclui a estimativa        companhias e aquisição de empresas em setores
das outras 3 outras companhias cujas informa-           complementares, com participação de 7 empresas
ções não estavam suficientemente explícitas no          da amostra. Dos recursos identificados, o volume
prospecto, mas que continham indicações de pro-         destinado a esse fim representa quase 9%.
porção de alocação em investimento produtivo.                A última classificação se refere a investi-
Nesse caso, percebe-se que o percentual destinado       mentos em melhorias em sistemas produtivos,
a investimentos produtivos das empresas analisa-        estruturação de novas cadeias de matérias-primas,
das representaria 63% do total captado por elas.        logística, tecnologia da informação, pesquisa e
Na comparação com o total captado por todas as          desenvolvimento, modernização dos pontos de
empresas da amostra, o subtotal 2 representaria         venda, dentre outros, destinação apresentada
50% das destinações de recursos.                        somente em 3 das empresas. O volume destinado
                                                        a investimentos nessa rubrica representa 1,5% do
        A exclusão das companhias MMX e MPX pre-
                                                        total ofertado.
judica uma análise mais precisa, mas é importante
                                                             Em algumas empresas, considerável parte
lembrar que tais empresas eram recém-criadas na
                                                        dos recursos totais não pode ser identificada em
época da abertura de capital e, portanto, possivel-
                                                        valores monetários nas classificações lançadas.
mente pretendiam usar seus recursos em capital
                                                        Esses recursos não identificados são significativos
de giro e investimentos em projetos do setor            na amostra analisada, pois representam 31,5% da
energético e minerador. Nesse caso, o percentual        oferta inicial total das empresas da amostra, o que
de recursos dessas empresas destinado a investi-        compromete a precisão da análise da destinação
mentos produtivos seria, potencialmente, elevado.       dos recursos por parte das empresas.
142 |
Revista da     FAE


     Contudo, uma análise parcial da tendência de           e recuperação empresarial” apresenta proporção
destinação dos recursos da amostra pode ser feita           baixa devido a sua especificidade.
ao excluírem-se os recursos com destinação não                   Percebe-se que embora o destino investimen-
identificada, configurando-se então as proporções           tos produtivos seja menos da metade do total
conforme o gráfico 03:                                      captado, eles são significativos e constituem a
GRÁFICO 03 - DESTINAÇÃO PROPORCIONAL DOS                    principal destinação dos recursos captados pelas
             RECURSOS IDENTIFICADOS                         empresas analisadas. Quando se inclui a estimativa
                                                            de investimentos produtivos das empresas JHSF,
                                                            INPAR e COSAN na análise, a rubrica atinge 50% do
                                                            volume total captado pelas empresas da amostra.
                                                                  A utilização de recursos para alongamento do
                                                            perfil de endividamento indicaria uma substituição
                                                            de dívidas de curto prazo para longo prazo. Isso
                                                            significaria que parte dos recursos destinados
                                                            a alongamento do perfil de endividamento
                                                            ou redução de passivo estaria relacionada a
                                                            investimentos produtivos, pois é possível que as
                                                            empresas captem recursos via abertura de capital
                                                            com o intuito de compatibilizar fluxo de caixa de
                                                            longo prazo com financiamento adequado, ou
                                                            seja, substituição de endividamento de curto prazo
                                                            em possíveis investimentos produtivos passados.



                                                            Conclusões

                                                                 Conforme discutido anteriormente, no Brasil
                                                            o mercado de capitais, especialmente bolsa de
                                                            valores, não desempenhou um papel significativo
                                                            como fonte de financiamento empresarial. As
                                                            explicações mais frequentes para tal situação é
                                                            o modelo de financiamento do país baseado em
                                                            crédito, do qual parte predominante dos recursos
                                                            provém de financiamento público (BNDES).
                                                                 No entanto, buscando ampliar as fontes de
FONTE: Adaptado de CVM (2008)                               financiamento das empresas e fortalecer o merca-
     O emprego de recursos em aquisições de par-            do de capitais, as instituições do setor financeiro
ticipações societárias caracteriza somente inver-           buscaram desenvolver ações para ampliar a cana-
sões financeiras e possui significativa participação        lização de recursos dos investidores ao mercado
em conjunto com o uso para capital de giro. Já              de capitais, além de estimular a demanda por
a classificação de “reestruturação, modernização            recursos nesse segmento pelas empresas. Para
                                                            incentivar a oferta de recursos, buscou-se estabe-
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010                                                 |143
lecer medidas que reduzissem o risco dos ativos,           Não obstante, dos recursos identificados nos
aumentasse a transparência de informações e           prospectos para as destinações elencadas, obser-
melhorasse sua rentabilidade relativamente aos        vou-se que pelo menos 61% do volume captado
títulos públicos, além de atrair um maior número      pelas empresas tinham como destinação planejada
de investidores como fundos de previdência pri-       a realização de investimentos produtivos. Sendo
vada e pequenos poupadores.                           assim, as captações por essas empresas refletem
      Medidas macroeconômicas também foram            em parte as concepções teóricas de que o mercado
indicadas nas diretrizes do Plano Diretor do Mer-     de capitais é fonte de recursos para financiamento,
cado de Capitais para reduzir o risco sistêmico e     principalmente, de investimentos produtivos.
melhorar a atratividade dos ativos de renda variá-          Além disso, ao se analisar a demais destinação
vel. Além disso, medidas institucionais foram ado-    percebe-se que embora não utilizados direta-
tadas para melhorar a proteção aos investidores,      mente no financiamento produtivo, tais recursos
ampliar os canais de captação de recursos (fundos     foram alocados em operações de longo prazo,
de private equity, venture capital e previdência      como alongamento do perfil de endividamento
privada), além de facilitar o acesso das empresas     para longo prazo e investimento ou aquisição de
ao mercado de capitais.                               participações societárias. Embora não sejam dire-
     Tais medidas resultaram na expansão do mer-      tamente aplicados a investimento produtivo, os
cado, na medida em que o número de empresas           recursos teriam impacto nessa rubrica na medida
e o volume negociado aumentaram consideravel-         em que alongamento de perfil de endividamento,
mente na década de 2000.                              por exemplo, provém da necessidade de se conci-
                                                      liar fluxo de caixa de possíveis investimentos pro-
     A análise realizada para o período de 2004 a
                                                      dutivos de longo prazo realizados anteriormente
2007 mostra que a maior parte das empresas abriu
                                                      com recursos de curto prazo. Ao proceder desta
capital no segmento Novo Mercado, com maior
                                                      maneira, o mercado de capitais estaria cumprindo
transparência e benefícios para o investidor. Os
                                                      seu papel primordial de funding ou financiamento
dados mostram que a maior parte das aberturas
                                                      dos investimentos empresariais de longo prazo.
foi de natureza mista, o que significa a utilização
do mercado de capitais para realização do retorno          Ressalta-se, porém, o tamanho limitado da
do investimento realizado pelos sócios. A análise     amostra frente à dimensão total do mercado de
da destinação dos recursos, no entanto, foi           capitais brasileiro, que apresenta diferentes natu-
realizada apenas em empresas com natureza de          rezas de oferta, segmentos de listagem de ações e
oferta primária, que representou 25% do volume        mercados além do acionário, como por exemplo
captado no período.                                   o de debêntures. Esta pesquisa analisou somente
                                                      um corte específico do mercado acionário, com-
     Constatou-se a necessidade de maior padro-
                                                      posto pelas ofertas de natureza primária, de em-
nização nas informações prestadas pelas compa-
                                                      presas não-financeiras, excluindo-se o segmento
nhias em seus prospectos, principalmente no que
                                                      BDR. Uma análise de escopo maior, abrangendo
tange à apresentação de valores quantitativos na
                                                      outros tipos de produtos, poderia trazer resultados
destinação de recursos. Este fator é nítido nos
                                                      mais conclusivos e concretos quanto à importância
dados da pesquisa, pois não foi possível analisar a
                                                      do mercado de capitais brasileiro em seu papel de
destinação de aproximadamente 30% dos recursos
                                                      financiador dos investimentos produtivos, ou na
ofertados inicialmente, já que os prospectos não
identificavam a destinação.                           estrutura de capital das empresas.

                                                                                     • Recebido em: 01/09/2010
                                                                                     • Aprovado em: 30/11/2010

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Revista da     FAE


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Revista da           FAE


Fatores determinantes na escolha de alunos pela FAE
Blumenau como Instituição de Ensino Superior

Factors in the choice of students by FAE Blumenau as an
Institution of Higher Education

                                                                                Simone Cristina Aléssio*
Resumo                                                                          Maria José Carvalho de Souza
                                                                                Domingues**
O presente artigo tem a intenção de investigar os fatores de atração que
levaram alunos ingressantes no ensino superior a escolher uma instituição
privada de Blumenau – SC como Instituição de Ensino Superior responsável
por sua formação. A pesquisa caracteriza-se por ser descritiva, com
abordagem quantitativa. Para a coleta dos dados foram aplicados 362
questionários, com 42 questões, usando o método adaptado de Mainardes
(2007), tendo como foco todos os alunos regularmente matriculados nos
cursos: Direito, Administração de Empresas, Tecnologia em Gestão de
Recursos Humanos, Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas,
Logística e Ciências Contábeis. O resultado indica motivações diferentes
na escolha do aluno quando comparadas as respostas com o curso
freqüentado. Nota-se que os cursos superiores em tecnologia e também
o curso de Logística, apresentam perfil de aluno diferente dos alunos dos
cursos de Administração e Direito, sendo isto evidenciado pela avaliação
dos itens propostos.

Palavras-chave: atração de alunos; satisfação dos alunos; qualidade
educacional.



Abstract

This article intends to investigate the factors that led to lure new students
in higher education to choose a private institution in Blumenau - SC Higher
Education Institution as responsible for their formation. The research is
characterized by being descriptive and quantitative approach. To collect
the data were applied 362 questionnaires with 42 questions, using the
method adapted from Maine (2007), focusing on all students enrolled
in courses: Law, Business, Technology, Human Resources, Technology
Analysis and Systems Development, Logistics and Accounting. The result          *  Especialista em Gestão de Recursos
                                                                                   Humanos pela Universidade Regional
indicates different motivations in the choice of student responses when
                                                                                   de Blumenau. Professora universitária.
compared with the course taken. Note that the higher education courses             Blumenau – SC. E-mail: profa.
in technology and also the course of logistics, have different student             salessio@gmail.com.
profile of students of Business and Law, evidenced by evaluation of the         ** Doutora em Engenharia de
proposed items                                                                     Produção pela UFSC. Professora
                                                                                   da Universidade Regional de
                                                                                   Blumenau/FURB. Blumenau – SC.
Keywords: attracting students, student satisfaction, quality of education
                                                                                   E-mail: mjcsd2008@gmail.com



Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010                                                           |147
Introdução                                                         O ensino superior atualmente encontra-se
                                                              em um período de transição, com enfoque para
     Num passado não tão distante, o foco das                 a diversidade: há grande oferta de ensino técnico,
questões e pesquisas de competitividade eram                  cursos superiores de tecnologia e cursos sequen-
as organizações tradicionais como comércio e                  ciais, cursos a distância, além dos tradicionais.
indústria.                                                    Todas estas abordagens apresentam objetivos
                                                              muito parecidos: oferecer ao aluno conhecimento
     Com o aumento progressivo na abertura de
                                                              prático, teórico e específico, considerando-se um
novas Instituições de Ensino Superior (IES) e novos
                                                              tempo de duração viável em relação à situação
cursos de Graduação e Pós-graduação, ganha evi-
                                                              econômica do aluno. Sob este aspecto, cursos que
dência a acirrada concorrência entre este tipo de
                                                              formam tecnólogos têm um custo financeiro me-
organização, exigindo das mesmas, gestores mais
                                                              nor do que a abordagem dos cursos tradicionais,
capacitados na condução de sua sobrevivência,
                                                              sendo um atrativo para muitos alunos.
levando em conta aspectos como infra-estrutura,
                                                                   Neste processo de transição, as IES vêm se
relacionamento entre envolvidos (alunos, profes-
                                                              transformando para atender às novas exigências
sores, coordenação), valorização e divulgação da
                                                              dos alunos; mudanças estas, geradas muitas vezes
marca, aspectos financeiros, entre outros.
                                                              pelo próprio mercado educacional, pelo contexto
      Após finalizar o ensino médio, muitos jovens
                                                              social e mercado de trabalho.
se apóiam nas experiências familiares ou em seu
                                                                   Até a última década, imaginava-se que a pro-
interesse ou domínio em conteúdos específicos
                                                              cura por cursos superiores sempre seria maior do
para dar sequência aos estudos. A maioria procura
                                                              que a quantidade de vagas ofertadas, tornando
IES e cursos que possibilitem maior visibilidade e
                                                              a situação muito confortável para as IES. Atual-
crescimento profissional, independente da classe
                                                              mente, pode-se considerar uma situação oposta,
social à qual pertencem. Muitos optam pela
                                                              com o número de vagas crescendo rapidamente
instituição e curso considerando a grade curricular,
                                                              e a procura decrescendo na mesma velocidade.
o fator financeiro, a marca da instituição que
possibilitará melhores oportunidades de trabalho,                   O Brasil apresenta um mercado de educação
entre outros. Para Mainardes (2007, p.19),                    evidenciado pelo crescimento e pela concorrência
        a educação constante tem se mostrado como a única     acirrada das IES, principalmente quando o foco
        maneira de se chegar o sucesso e, em um momento em    é a rede privada de ensino, forçando estas
        que o conhecimento é tão importante, estudar sempre   instituições a desenvolverem novas habilidades e
        é uma necessidade.
                                                              em consequência novas formas de abordagem de
     A formação no ensino médio há muito tempo                alunos, a fim de se tornarem mais eficientes no
não é mais considerada suficiente para ingresso no            processo de atração dos mesmos.
mercado de trabalho, e, dependendo da função                      Dentro deste contexto de oferta e de procura,
a ser exercida, esta formação deixou de ser um                a educação por muitas vezes passa a ser vista
diferencial para se tornar requisito indispensável,           como serviço e o aluno como cliente. E, a partir
exigindo do jovem formação complementar a                     deste conceito, torna-se indispensável que as IES
ser proporcionada por algum curso técnico ou                  mudem sua abordagem em relação ao aluno,
superior, direcionado à área de atuação deste                 identificando suas carências e necessidades e
profissional.                                                 investindo fortemente nos fatores que mais o
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Revista da        FAE


atraem para a sua estrutura física e educacional,           Para Mainardes (2007, p.38),
focando suas estratégias no “cliente aluno” e nos               igual a qualquer outro negócio, as IES privadas
serviços que serão prestados a ele, entendendo                  passaram a conviver com a constante necessidade
                                                                de ‘disputar’ os novos acadêmicos, devido à maior
principalmente o que o motiva no momento
                                                                facilidade de acesso e de disponibilidade de vagas
da escolha da instituição responsável por sua                   oferecidas pelas IES.
formação.
                                                                 Em acordo, Alves (1999) argumenta que se
     Por isso, é de grande relevância avaliar os
                                                            as IES estão inseridas num contexto de concor-
fatores determinantes na escolha da IES, por
                                                            rência declarada, que afeta sua estrutura e impõe
parte do aluno cliente e comprador de curso
                                                            restrições financeiras aos processos de gestão, o
superior, pois assim será possível avaliar seu perfil
                                                            futuro das mesmas está diretamente relacionado
e de outros potenciais clientes estabelecendo               à sua capacidade de atrair e reter alunos, sendo
entre estes e a instituição vínculos de confiança,          fundamental que entendam quem é o seu cliente
credibilidade e lealdade.                                   e o que ele espera dela.
                                                                 A abertura do mercado educacional coloca as
                                                            IES em ambiente de acirrada concorrência, e para
1 Desenvolvimento teórico                                   Mainardes (2007, p.41):
                                                                Possibilita aos estudantes, um maior leque de opções,
                                                                dificultando a escolha deles. O aluno sofre pressões
                                                                econômicas e profissionais que o obrigam a refinar as
1.1 Mercado, produto e clientes das                             suas expectativas e analisar com cuidado, as diversas
                                                                propostas das IES concorrentes no mercado.
        instituições de ensino superior
                                                                 Para Alves (2000), o estudante irá perceber a
      Se por um lado houve um aumento considerável          relevância da sua formação acadêmica, optando
do número de IES, possibilitando acesso ao ensino           por uma IES que lhe proporcione as melhores
superior de uma grande quantidade de pessoas                oportunidades de emprego.
excluídas destas estatísticas, por outro, este                    Mainardes (2007) aponta que os clientes de
aumento ocasionou um problema para as próprias              instituições universitárias são estudantes, empre-
IES, principalmente as mais tradicionais, que               gadores, famílias e sociedade de um modo geral.
tiveram que acordar para uma nova realidade: a                   Na visão de Yanaze (2010), o mercado de IES
institucionalização do ensino superior, motivo de           é caracterizado pelo aluno, sua família, a comuni-
grande disputa principalmente no setor privado.             dade e as empresas que absorvem a mão-de-obra
     Este processo divide as instituições em dois           por elas formada, além do próprio governo.
grupos distintos: as universidades tradicionais,                 Os alunos e todos aqueles que direta ou
que se mantêm focadas no aluno de qualidade,                indiretamente são afetados pelo processo educa-
e outro grupo de instituições amparadas em ca-              cional, mesmo que não pertencendo ao universo
racterísticas “clientelistas”, que abordam outro            acadêmico, como a família, as indústrias, a socie-
nicho de mercado priorizando valores de men-                dade nacional e internacional, governo, professo-
salidades inferiores, agressivas campanhas de               res, funcionários e os próprios gestores das IES,
marketing, entre outros aspectos que atraem os              ou seja, todos que de alguma forma recebem e se
alunos apenas por conveniência ou comodismo.                beneficiam dos serviços prestados por estas ins-
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010                                                      |149
tituições, são clientes da mesma pela abordagem        é recém saído do ensino médio), compensando
de Mezomo (1997).                                      e equilibrando, de certa maneira, a oferta e a
      Sob outro ponto de vista, os autores Tachizawa   procura.
e Andrade (1999) caracterizam o aluno como um               A pesquisa de Lima (2006) também aponta a
cliente intermediário, e dão importância a todos       redução do número de estudantes da faixa etária
os outros clientes que sustentam à existência da       ideal para ingressar no ensino superior, de acordo
instituição, destacando a empresa ou organização       com estimativas que evidenciam que a população
como o cliente final, pois as mesmas são as            da faixa etária entre 18 e 24 anos encolheu em
contratantes do público que recebe a formação          torno de 24%, diminuindo consideravelmente
acadêmica, e desta forma são determinantes nas         o universo de estudantes com idade de grande
atribuições e habilidades que esperam deles. Sob       interesse para as IES.
esta abordagem, quanto mais as IES contribuírem            De acordo com Mainardes (2007, p.43):
para as necessidades destas organizações
                                                           As escolas de ensino superior no Brasil tendem a ser
consumidoras de mão-de-obra especializada, mais            freqüentadas por públicos muito diversos: jovens
alunos seus serão contratados, tornando a mesma            em formação inicial, graduada e pós-graduada;
referência em qualidade, gerando maior procura             profissionais em formação contínua; adultos em busca
                                                           de uma atualização de conhecimentos ou de uma
por seus cursos.
                                                           valorização profissional.
     O produto educacional final da escola está
focado no desenvolvimento das habilidades do                Uma análise feita por Alves (2003) propõe
estudante, na sua forma de pensar, raciocinar,         que alunos que já têm experiência profissional
escrever e resolver problemas (MEZOMO, 1997).          são mais exigentes quando se fala em valor nas
                                                       relações de troca, tendo muito claro o que desejam
     Nesse contexto, alguns estudos, entre eles
                                                       receber. Em contra partida, têm baixa expectativa
os realizados por Navarro, Iglesias e Torres (2005)
                                                       em relação à IES que frequentam.
percebem uma diminuição de acesso ao ensino
superior da faixa etária entre 18 e 24 anos, sendo          De certa forma há uma maior democratização
majoritário o perfil de estudantes mais maduros e      do ensino, evidenciada pela procura de um
em idade superior à faixa ideal estabelecida. Este     crescente número de alunos de classes sociais mais
novo perfil de aluno traz consigo necessidades e       baixas e com menor poder aquisitivo (KALSBEK,
motivações muito diferentes dos alunos tradicio-       2003). Este mesmo autor também aponta o grande
nais, exigindo, em consequência, um formato de         número de alunos em idades mais avançadas
educação diferente da tradicionalmente oferecida.      aderindo ao ensino superior, indicando este fator
Este estudo aponta o grupo de estudantes mais          como determinante de grandes oportunidades
maduros, como sendo indivíduos já alocados no          para as IES.
mundo profissional, mas que têm forte necessi-              As IES estão enquadradas no segmento
dade de se manterem atualizados.                       serviços, possuindo características especificas
    Este mesmo apontamento já havia sido feito         diferenciando-se umas das outras, pela estrutura,
por Michael (1997), que complementa afirmando          qualidade de ensino, processos democráticos, e
que com a decrescente demanda do aluno tradi-          corpo docente, entre outros aspectos de igual
cional também é possível perceber o aumento da         importância. Portanto, ter bons professores e
procura do aluno não tradicional (aquele que não       estrutura satisfatória não é mais diferencial para
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Revista da     FAE


a clientela que tem seu perfil modificado seja                   Um longo caminho é percorrido entre a
por necessidades pessoais ou por imposição                  decisão de prestar vestibular e o momento de
de forças e movimentos sociais, ou do próprio               efetivar a matrícula. Pesam incertezas em relação
mercado de trabalho. Pode-se considerar que se              à escolha do curso e da IES. Isso sem considerar
a IES não tem boa estrutura e bons professores,             aspectos importantes para o jovem como o
certamente terá desvantagem competitiva séria.              histórico da sua escolarização, sua condição
Mas, evidenciando e tendo estes fatores, também             social e econômica. Para a maioria dos alunos,
não leva vantagem alguma, pelo fato de que estes            geralmente não existe um processo de escolha,
são considerados indispensáveis.                            mas sim, um momento de adaptação a uma nova
      Atualmente, as IES têm consciência do mer-            realidade.
cado concorrencial em que estão inseridas. Isto                  A vida acadêmica constitui uma experiência
fica evidenciado pelas campanhas de marketing               social complexa e única, colocando ao jovem
vinculadas nos mais diversos meios de comunica-             ingressante um conjunto de expectativas, respon-
ção e das mais variadas tecnologias de propagan-            sabilidades e novos desafios. Este período permi-
da existentes no momento.                                   te o desenvolvimento não somente do quesito
      Mesmo as organizações mais tradicionais que           intelectual, mas também a elaboração de outros
de certa forma são até contrárias a este tipo de            valores, atitudes, crenças, sonhos.
disputa, sabem que terão que fazer algo para se                 O momento da escolha da profissão, da IES
manter atrativas. A procura está caindo muito e as          e do curso escolhido é decisivo para o futuro do
salas estão ficando vazias, obrigando as próprias
                                                            jovem e visto pela família, pela sociedade e por ele
instituições a realizarem mais processos de seleção
                                                            próprio como uma necessidade. A “necessidade”
e tornando-os mais flexíveis.
                                                            da escolha segundo (LUCCHIARI, 1993) não afeta
     Portanto, visando-se o futuro, não é difícil
                                                            apenas o jovem. A família também é afetada,
perceber que somente as IES mais estruturadas
                                                            pelo fato de alguns pais buscarem sua realização
terão condições de manter suas atividades, e que a
                                                            pessoal por meio dos filhos. Outros pais sofrem
principal vantagem competitiva será mudar o foco
                                                            junto com os filhos por causa do momento de
para a sala de aula, para a qualidade do produto
final oferecido, usando recursos tecnológicos               indecisão.
atuais, mantendo a gerência interna, cumprindo                  Para o adolescente, o processo de escolha irá
metas acadêmicas e financeiras e inovando nos               guiar seus caminhos futuros. E o ato de escolher
processos de gestão.                                        requer decisão e abdicação, tornando necessário
                                                            deixar para trás várias opções que foram descar-
                                                            tadas durante todo este processo.
1.2 A trajetória do jovem até o ensino
        superior
                                                            1.3 Fatores de atração
     Com a conclusão do ensino médio, os jovens
se deparam com uma dúvida, gerada muitas vezes                   Atrair e reter alunos não uma tarefa fácil para
pela escassez de recursos financeiros: ingressar no         as IES, considerando-se o nível de disputa entre
mercado de trabalho ou dar continuidade à vida              as mesmas e a perceptível redução na procura
acadêmica escolhendo uma IES para completar a               dos serviços de educação superior, por parte
sua formação?                                               dos alunos. Com base nisso, torna-se de grande
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010                                                  |151
importância conhecer os pontos favoráveis ou         informações (publicações das escolas, visitas às
não das mesmas no que se refere principalmente       instalações); avaliação da decisão (reputação,
ao momento de atração do público. Este estudo        currículo, corpo docente, instalações, localização,
segue as características de outras abordagens        preço, tamanho da escola, outros atributos);
conforme detalhado pelas pesquisas referenciadas     execução da decisão (assistência ao aluno,
na sequencia.                                        informações adicionais); avaliação pós-decisão
     Alves (1999) foca a escolha da IES no prestí-   (publicações da escola, informações adicionais,
gio acadêmico e aponta família e amigos como         mala direta, feiras e eventos escolares).
meio de divulgação e apreciação de instituições            A imagem da instituição surge em trabalho
e cursos. Seguindo a mesma linha, Franco (2000)      executado por Palácio, Meneses e Pérez (2002),
destaca o status como forma de reconhecimento        e destacam a influência da marca no comporta-
para a escolha e que estes alunos vêem neste sta-    mento de quem vai comprar o serviço educacio-
tus uma grife ligada ao ensino, para que a mesma     nal. A imagem é considerada por eles como um
se torne um meio garantido e seguro para um          forte fator de decisão, atraindo os mais diversos
bom reconhecimento no mercado de trabalho,           públicos, sendo de grande relevância para as ins-
assegurando-lhes boas remunerações.                  tituições que querem se permanecer competitivas
      Localização, qualidade de ensino, marketing,   no mercado. A marca está associada ao prestígio
valor das mensalidades bem como valorização de       e à qualidade.
outras formas de ingresso que não seja o vestibu-         Para Hides, Davies e Jackson (2004), a imagem
lar, reconhecimento do mercado de trabalho e da      é construída a partir da qualidade dos serviços
sociedade como um todo, nível de conhecimento        prestados e buscam uma definição para o que
do corpo docente com valorização de sua titula-      seria excelência em ensino superior. Para eles o
ção são fatores que fundamentaram a pesquisa         auge seria alcançado através de fatores como:
elaborada por Mund, Durieux e Tontini (2001).        as melhores práticas pedagógicas e de gestão,
     Carvalho (1999), apoiado nos estudos de         vínculos e compromissos com a sociedade ou
Stafford em 1994, e de Kotler e Fox, também de       comunidade na qual a IES está inserida, boa
1994, cita alguns grupos de valores específicos      relação custo-benefício, incentivo às boas práticas,
para a escolha: o valor funcional (expectativas      aperfeiçoamento do uso dos mais variados
dos estudantes no sucesso que possam estar           recursos, além de ambiente educacional tranqüilo.
relacionadas a futuros empregos); o valor social          Alves (2003) enumera os fatores que mais
(escolha de instituições onde já se encontrem        influenciam a marca de uma instituição: corpo
conhecidos da pessoa); o valor emocional (depende    docente; conteúdo do curso; qualidade do ensi-
totalmente da pessoa e seus gostos pessoais);        no; reputação; preço e acessibilidade em termos
o valor epistêmico (inovações no curso, por          de preço; facilidade de conclusão da graduação;
exemplo, a grade curricular); o valor condicional    preparação para a carreira; peso das atividades
(fatores acadêmicos para a graduação).               extracurriculares; localização; ambiente acadêmi-
     O trabalho de Kotler e Fox (1994) aponta as     co; atenção pessoal dada ao aluno; colocação no
influências do processo de escolha: (mala direta,    emprego; modo de atuação da IES; ética da IES;
notícias e relações públicas, propaganda, eventos,   responsabilidade social da IES.
orientação educacional, pais, colegas); coleta de
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Revista da     FAE


     Estrutura, funcionamento da IES, utilização            gem da IES; benefícios dos serviços educacionais
de recursos são fatores destacados por Trevisan             oferecidos; professores com mestrado e douto-
(2002), que aponta a importância de sua aplicabi-           rado; estrutura física da instituição; possibilidade
lidade e funcionalidade na prática para não passar          de realização profissional; biblioteca diversificada
uma imagem de algo que na verdade, não existe,              e informatizada; reconhecimento da IES pela co-
ou não funciona direito.                                    munidade, como sendo de qualidade; localização
     Alfinito e Granemann (2003), em pesquisa               da IES (próxima à casa ou ao trabalho); facilidade
realizada com alunos em fase de vestibular,                 na obtenção de estágios; indicações por amigos,
procuraram identificar a relevância de fatores              familiares ou profissionais da área. Campanhas
como: localização (instituição estar situada próxima        de marketing da IES e valor de mensalidade não
da residência ou local de trabalho); tradição ou            foram considerados fatores determinantes na
status da IES; infraestrutura e instalações; preço;         escolha da instituição ou curso.
avaliação do Ministério de Educação e Cultura                    Inovação é um fator citado em estudo reali-
(MEC) - o conhecido Exame Nacional de Cursos                zado por Mavondo, Chimhanzi e Stewart (2005).
(Provão) -; cursos oferecidos; aceitação da IES             Para os autores este é um quesito relevante para
no mercado de trabalho; horários disponíveis;               que uma IES se mantenha situada no mercado,
método de ensino; segurança no campus. Sendo                pois possibilita a geração e implantação de ideias
apontado como resultado que fatores como                    novas agregando desta forma valor ao produto e
infra-estrutura e instalações, tradição ou status           serviço ofertado, sendo decisivo para instituições
da IES, cursos oferecidos e proximidade de casa             que desejam manter a visibilidade da marca no
ou do trabalho são os atributos mais citados pelos          mercado.
participantes.                                                   Para Silva (2005), estas campanhas fazem com
     A família é destaque no estudo de Lanzer               que a imagem da instituição seja lembrada, pela
(2004), evidenciando a dependência financeira do            assimilação dos valores vinculados na propaganda.
jovem em relação a este grupo social. Familiares            Apontam que alguns destes valores como desde
que já frequentaram a IES em questão também                 que bem comunicados, podem se tornar fatores
influenciam diretamente a decisão.                          de atração de alunos para a IES.
      No estudo de Piñol (2004) destacam-se como                 Em sua pesquisa Thies et al. (2005) destaca
fatores importantes da escolha as instalações               fatores como: conhecimento teórico e prático;
físicas da instituição, a tradição da instituição,          colegas de classe; biblioteca; relação aluno-
a titulação do corpo docente, a experiência                 professor; corpo docente; ambiente e instalações
profissional do corpo docente, o relacionamento             físicas; incentivo a pesquisas; participação em
com a coordenação, o atendimento pré-matrícula,             seminários. No final do estudo, conclui-se que a
a qualidade dos meios utilizados para divulgação            assimilação dos conteúdos teóricos e a relação
do curso, o tempo de duração do curso, o valor              professor/aluno são os fatores mais positivos na
da mensalidade, as visitas técnicas, a composição           escolha do curso e da IES.
das disciplinas e opinião de terceiros sobre o curso.           O tema sustentabilidade é fator de destaque
    No estudo Bronemann e Silveira (2004) são               no estudo de Ciurana e Leal Filho (2006), que
identificados fatores considerados fundamentais             sendo adicionada à grade curricular ou adotada
para escolha de uma IES: empregabilidade; ima-              como estratégia organizacional, pode ser um
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diferencial na atração de alunos se focados os             Qualidade de ensino e localização da insti-
aspectos de regulamentação e adaptação de             tuição próxima à residência ou local de trabalho
espaços, administração do desperdício, correta        foram fatores pesquisados por Miranda e Domin-
utilização de recursos e despertar da consciência     gues. (2006). Através desta pesquisa constatou-se
dos alunos quanto à sustentabilidade. A orientação    55% de importância para a qualidade de ensino e
para sustentabilidade se reflete na melhoria da       30% para a localização da instituição. A pesquisa
imagem das IES que aderem a este assunto.             não aborda o preço, provavelmente considerando
    A reputação acadêmica é apontada como             que se o mesmo for exposto, certamente será in-
um dos principais fatores na tomada de decisão        dicado como fator importante e decisivo. Pode-se
e foi evidenciada pela pesquisa de Seeman e           observar entre tantas pesquisas com foco no tema,
O’hara (2006). Outros fatores também foram            que o mesmo é variável e que o resultado depende
identificados como a colocação no mercado de          da instituição pesquisada, do público envolvido na
trabalho, satisfação de outros alunos da IES e taxa   amostra e também de fatores externos.
de aprovação em exames.
     Em outro estudo, Holanda Jr., Farias e Gomes
(2006) abordam outro grupo de fatores impor-          2 Método de pesquisa
tantes: expectativa em relação ao grau de nível
superior; influência da família e mercado de tra-          Como o trabalho tem o objetivo principal de
balho, percepção de profissionais de sucesso que      apontar os fatores ou motivos que influenciaram
frequentam a IES, vocação pessoal para o curso        a escolha da instituição de ensino superior para
escolhido, a confiança e infraestrutura da IES;       dar sequência à trajetória acadêmica e também de
qualificação do corpo docente e discente; o valor     história de vida, optou-se por utilizar uma pesquisa
das mensalidades; o reconhecimento pelo MEC e         descritiva quantitativa transversal, cujo método é
mercado, entre outros. Como resultado, nota-se        baseado em indicadores capazes de resultar em
que na percepção dos entrevistados, a obtenção        informações que contribuam satisfatoriamente
do grau de nível superior é importante para o         para o entendimento do resultado da pesquisa
sucesso da carreira profissional. Como resultado      aplicada.
oposto a outras pesquisas a opinião de família ou          Para a coleta dos dados, utilizou-se um ques-
amigos não foi considerada fator determinante na      tionário adaptado de Mainardes (2007) e que está
escolha. Outros fatores importantes apontados         apoiado em um escala Likert de sete pontos. Esta
pelo estudo são a tendência de mercado; o exem-       escala foi desenvolvida por Rensis Likert em 1932
plo de profissionais bem-sucedidos; a vocação         e tem como base a coleta de opiniões objetivas
do aluno para uma determinada área e a opinião        das pessoas envolvidas na pesquisa, a respeito de
própria na escolha do curso e da instituição. Es-     um objeto de estudo apoiando-se em um conjunto
trutura física e os serviços prestados pela IES não   de afirmações proposto pelo modelo em questão.
são decisivos na escolha, bem como mensalidade,            Com base no método proposto, a pessoa
qualificação do corpo docente, localização, entre     respondente da pesquisa deve dar uma nota com
outros. Campanhas de marketing são percebidas,        peso de um a sete, justificando o nível de impor-
mas têm pouca influência na escolha.                  tância da questão para sua decisão na escolha
                                                      da IES.
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Revista da     FAE


     A pesquisa quantitativa é uma forma de inves-               Pela fórmula de Barbetta (2001) chega-se à
tigação empírica que permite analisar fenômenos             amostra mínima de 146 alunos, de uma população
e isolar variáveis. Este tipo de pesquisa utiliza-se        de 362. A intenção da pesquisa foi a de realização
da abordagem quantitativa para estabelecer pro-             de um censo, porém, foram obtidos, como
porções ou relações entre as variáveis investigadas         resultado final, 191 questionários respondidos.
possibilitando a comprovação de hipóteses (OLI-                   Para a coleta de dados realizou-se a aplicação
VEIRA, 2001). Adota-se como procedimento deste              aleatória de um questionário com perguntas fe-
trabalho a verificação de correlações e proporções          chadas, o que configura o método como survey,
entre as variáveis do questionário.                         sendo o mesmo administrado pelo autor pes-
      Em conjunto, a pesquisa descritiva possibi-           quisador. O método survey também possibilita a
lita a interpretação e conhecimento da realidade            pesquisa através de entrevistas. Considerando-se
exposta pelos dados quantitativos explorados                a quantidade de alunos pesquisados, optou-se por
pelas proporções ou correlação. Com isso, o tipo            utilizar questionários, que possibilitam coletar da-
de pesquisa proposto permite melhor compre-                 dos quantitativos abordando um número maior de
ensão dos fatores que influenciam o fenômeno                pessoas de forma mais ágil (HAIR JR. et al., 2005).
estudado. Por envolver a coleta de dados de uma                  Inicialmente, o questionário foi estruturado
amostra de elementos de uma população total,                para caracterizar a amostra através de informações
sendo isto feito uma única vez, esta pesquisa é             como: idade, sexo, profissão e curso frequentado
considerada transversal (MALHOTRA, 2001). Os                na instituição. Em seguida, direcionou-se o
dados coletados são considerados primários, por             questionário para aspectos focando os fatores
não haver outro registro de coleta dos mesmos               de atração dos alunos para os seguintes critérios:
em outros períodos (HAIR Jr. et al., 2005).                 atributos da instituição de ensino, atributos
    Como instituição para análise, foi escolhida            relacionados com mercado de trabalho, atributos
uma instituição de ensino superior privada de               ligados a motivos pessoais, atributos do curso
Blumenau - SC. Para a pesquisa de campo foram               escolhido. Para configuração do questionário
considerados todos os alunos regularmente                   adaptou-se e replicou-se o método utilizado por
matriculados no ano de 2010, caracterizando a               Emerson Wagner Mainardes em dissertação que
população em 362 alunos. Os cursos de graduação             teve como tema de estudo a atração e retenção
envolvidos foram: Direito, Administração de                 de alunos de cursos de graduação em instituições
Empresas, Administração de Recursos Humanos,                particulares da cidade de Joinville, SC. Este método
Análise e Desenvolvimento de Sistemas, e Logística.         foi replicado por ter sido considerado completo
     Para validação da amostra mínima utilizou-se           e por abordar todos os fatores necessários para a
a fórmula de Barbetta (2001, p.60), onde o número           elaboração deste estudo.
de elementos da população é representado por                    Para análise dos dados foi utilizado o método
N, o número de elementos da amostra por n; n0               Stepwize, através do qual foram analisadas
representa uma primeira aproximação para o tama-            todas as variáveis independentes, obtendo-se
nho da amostra e finalmente E0 representa o erro            um modelo com onze variáveis relevantes. Os
amostral tolerável. Nesta pesquisa, o erro amostral         dados coletados foram inseridos no software
tolerável foi de, no máximo, 5% (E = 0,05).                 SSP2. No processo de análise, primeiramente,
                                                            foram realizadas as proporções de respostas
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de cada variável, possibilitando-se chegar aos         ticas pedagógicas da universidade; preocupação
primeiros apontamentos. Na segunda etapa, foi          da universidade com seus alunos; propensão da
utilizada uma técnica estatística de regressão         universidade com a inovação; regulamentação e
linear envolvendo a variável dependente e as seis      adaptação de espaços para uso dos alunos, fun-
categorias de variáveis independentes.                 cionários e comunidade; segurança no campus
    A adaptação do modelo de Mainardes (2007)          da universidade; sua percepção da qualidade do
permitiu a aplicação de um questionário contendo       serviço educacional prestado pela universidade;
42 questões fechadas, gerando um conjunto de           valor da mensalidade; instituição de ensino de
111 variáveis.                                         uma forma geral. Nesta classe de variáveis os
     A nota geral de influência de todos os fatores    respondentes assinalaram cinco dos itens mais
citados na escolha dos alunos participantes foi        importantes identificados por eles.
considerada como a variável dependente. Esta                A terceira classe de variável foca-se nos
variável aborda uma avaliação geral dos fatores        atributos de interesse sob a visão do mercado
em relação ao curso e instituição de ensino.           de trabalho: aceitação da universidade pelo
Compõem o grupo das variáveis independentes            mercado de trabalho; empregabilidade do curso
um total de 110 questões que são separadas em          escolhido; opinião da comunidade com relação
seis categorias de variáveis que diferenciam entre     à universidade; participação da universidade em
si no aspecto da abordagem.                            assuntos atuais (desenvolvimento sustentável, res-
     A primeira classe de variável compõe a carac-     ponsabilidade social, meio ambiente); reputação
terização do entrevistado, onde foram levantadas       do curso e da universidade, tradição e status da
informações como: sexo, função profissional            universidade; valor do diploma da universidade
(operacional, supervisão, gerência média, alta ge-     no mercado de trabalho; visibilidade e reconhe-
rência, direção, proprietário/acionista, se trabalha   cimento da universidade e do curso escolhido
ou não, e outros). Também foi apurado o curso          perante a sociedade. Nesta fase foi solicitado que
frequentado na instituição.                            os respondentes assinalassem apenas os três itens
     A segunda classe de variável se propõe a          que consideravam mais importantes e decisivos
identificar os atributos de atração com foco           no momento da escolha.
para a instituição de ensino de uma forma geral,            Motivos pessoais compõem a quarta classe de
destacando-se fatores como: atendimento dos            variáveis, com destaque para os fatores: horários
funcionários da instituição; campanha de marke-        disponíveis de aulas no curso escolhido; imagem
ting realizada pela universidade; compromisso da       criada por você da universidade; proximidade
universidade com o serviço educacional prestado        da universidade de sua casa ou de seu trabalho;
pela mesma; compromisso da universidade com a          satisfação com a universidade de ensino por
comunidade e suas relações com sociedade e natu-       parentes, amigos, conhecidos; seus familiares,
reza, cursos oferecidos pela universidade; geração,    amigos, colegas de trabalho na escolha do curso
aceitação e implantação na universidade de novas       e da universidade; suas experiências anteriores
idéias; processos, produtos ou serviços; imagem        nesta universidade; seus motivos pessoais de uma
da universidade oferecida a você por alunos que já     forma geral. Esta etapa também foi caracterizada
estão cursando uma graduação nesta instituição;        pela escolha dos três fatores de maior relevância
infraestrutura e instalações da universidade; prá-     para o aluno.
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Revista da       FAE


     Como foco da quinta classe encontra-se                          intermediário(18%) e alta gerência ou di-
o curso escolhido, com as seguintes opções:                          retoria(4%);.
atividades do curso escolhido realizadas em sala                   – 85% dos alunos não recebem qualquer tipo
de aula e fora dela de simulação da vida real;                       de auxílio financeiro, sendo responsáveis
coerência e interação entre teoria e prática no                      por custear os estudos
curso escolhido por você; comentários realizados
                                                                 Os dados levantados na caracterização con-
pelos alunos atuais com o curso da instituição;
                                                            vergem com a teoria, uma vez que os estudantes
corpo de professores do curso escolhido por você;
                                                            estão mais maduros, sendo que a maior incidência
satisfação de alunos formados na instituição de
                                                            de idade encontrava-se na faixa etária acima de
ensino; sua percepção de qualidade de ensino no
                                                            24 anos, observada em apontamentos feitos por
curso; curso de uma forma geral. Como critério
                                                            Navarro, Iglesias e Torres (2005), Michael (1997)
de escolha, o aluno deveria nesta etapa, marcar
                                                            e Lima (2006), caracterizando a diferença dos
apenas os dois itens mais importantes.
                                                            estudantes atuais dos alunos ingressantes em IES
     A sexta classe aponta para questões gerais             até um passado não tão distante.
como: fui atraído para o curso e para a instituição
                                                                As estatísticas da regressão para este modelo
de ensino que escolhi para estudar; entre as minhas
                                                            são demonstradas no quadro 01.
opções de cursos e instituições de ensino, acredito
ter escolhido a melhor opção; pensei muito antes            QUADRO 01 - ESTATÍSTICAS GERAIS DO MODELO
de escolher este curso e esta instituição de ensino.                                    R quadrado    Erro padrão
                                                               R        R quadrado
                                                                                         ajustado     da regressão
                                                              0,865             0,693         0,673         0,581
                                                            FONTE: Os autores
3 Análise de dados
                                                                 O modelo aponta 67,3% de significância da
                                                            variável dependente.
                                                                 No resultado, o modelo apresentou-se com
3.1 Caracterização dos respondentes
                                                            a rejeição da hipótese nula dos coeficientes das
    Como resultado da caracterização dos alunos,            variáveis independentes em conjunto serem iguais
tem-se:                                                     a zero, com um valor do teste F igual a 24, 635 e
                                                            com Sig igual a 0,000.
       – idade média dos respondentes é de 22,04
         anos (mediana – 22 anos; moda – 20 anos);               As características do grupo como sexo, idade
         78 (casos), sendo que o mais jovem conta           e função não foram consideradas determinantes
         com 17 anos e o mais velho com 46 anos;            na escolha da instituição, apontando significância
                                                            do Teste T > 0,05.
       – Predominância do gênero masculino, com
         61% dos alunos participantes;
       – 7% dos alunos não trabalham; 5% traba-
         lham em negócios familiares e 3% têm
         negócio próprio; O restante de 85% está
         divido entre as funções operacionais(43%),
         de supervisão(20%), gerentes de nível

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010                                                     |157
3.2 Atributos da instituição de ensino                3.3 Atributos relacionados ao mercado de
                                                           trabalho
    Para o grupo de atributos da instituição de
ensino, foram encontradas as seguintes variáveis          Para o grupo de atributos relacionados ao
independentes constantes do quadro 02.                mercado de trabalho, foram encontradas as
QUADRO 02 - COEFICIENTES – ATRIBUTOS DA INSTITUIÇÃO   seguintes variáveis independentes constantes do
            DE ENSINO                                 quadro 03.
                             Std.                     QUADRO 03 - COEFICIENTES – ATRIBUTOS RELACIONADOS
Coeficientes        Beta               T       Sig
                             Error                                AO MERCADO DE TRABALHO
Segurança no
                                                                                     Std.
campus da           0,136    0,027   2,725    0,000   Coeficientes           Beta              T      Sig
                                                                                     Error
universidade
                                                      Aceitação da
Infraestrutura e
                                                      universidade pelo      0,087   0,018   2,146   0,031
instalações da      0,147    0,046   3,671    0,000
                                                      mercado de trabalho
universidade
                                                      Tradição e status da
Valor da                                                                     0,126   0,045   3,117   0,014
                    -0,093   0,034   -2,923   0,005   universidade
mensalidade
                                                      FONTE: Os autores
Importância
do item
preocupação da      0,317    0,168   2,631    0,009
                                                           Os índices apresentaram relevâncias estatísticas
universidade com
seus alunos                                           boas, com Sig inferior a 5%. As variáveis sobre
Importância                                           valor do diploma da universidade no mercado
do item             -0,328   0,123   -2,321   0,037   de trabalho e tradição e status da universidade,
sustentabilidade                                      foram itens identificados como atrativos para
FONTE: Os autores
                                                      a escolha da IES, indicando que a instituição já
     Os índices apresentaram relevâncias estatísti-   possui uma marca reconhecida pelo mercado de
cas boas, com Sig inferior a 5%. As variáveis sobre   trabalho e comunidade. Em tabulações paralelas
segurança no campus da universidade, infraestru-      ao software SSP2, verificou-se que o item que
tura e instalações da universidade e localização,     mede a aceitação da universidade pelo mercado de
foram itens apontados como atrativos na escolha       trabalho teve como respondentes 71% dos alunos
da IES, colaborando com os dados levantados           dos cursos superiores em Tecnologia em Análise
por Mund, Durieux e Tontini (2001); Alfinito e        de Sistemas e Recursos Humanos (79%), além dos
Granemann (2003); Bronemann e Silveira (2004).        graduandos de Logística (93%). Do outro lado,
Valor da mensalidade e sustentabilidade impac-        os itens tradição e status da instituição, foram
tam de maneira negativa, divergindo da pesquisa       apontados por 89% dos alunos de Administração
realizada por Mund, Durieux e Tontini (2001), e       e 81% dos alunos de Direito, indicando interesses
colaborando fortemente com os resultados en-          distintos, se considerados os cursos frequentados.
contrados por Bronemann e Silveira (2004). Valor      Mesmo percebendo-se motivações diferentes
da mensalidade merece destaque uma vez que            entre os cursos, o resultado converge com os
apenas 14% dos entrevistados se julgam pertencer      apontamentos feitos em pesquisa realizada por
às classes média e média alta.                        Alfinito e Granemann (2003). Responsabilidade
                                                      social é um item percebido, porém de baixo

158 |
Revista da       FAE


impacto no momento da decisão, sendo este                                   3.5 Atributos do curso escolhido
resultado diferente do encontrado por Alves
(2003).                                                                         Para o grupo de atributos do curso escolhido,
                                                                            foram encontradas as seguintes variáveis indepen-
                                                                            dentes constantes do quadro 05.
3.4 Atributos relacionados aos motivos
                                                                            QUADRO 05 - COEFICIENTES – ATRIBUTOS DO CURSO
         pessoais                                                                       ESCOLHIDO
                                                                                                          Std.
    Para o grupo de atributos ligados a motivos                             Coeficientes          Beta              T      Sig
                                                                                                          Error
pessoais, foram encontradas as seguintes variáveis                          Curso de uma forma
                                                                                                  0,387   0,063   4,661   0,000
independentes constantes do quadro 04.                                      geral

QUADRO 04 - COEFICIENTES – ATRIBUTOS RELACIONADOS                           Sua percepção da
            AOS MOTIVOS PESSOAIS                                            qualidade de ensino   0,324   0,051   3,991   0,000
                                                                            do curso
                                               Std.
 Coeficientes                      Beta                       T      Sig    FONTE: Os autores
                                               Error
 Seus motivos                                                                    Os índices apresentaram relevâncias estatís-
 pessoais de uma                  0,198        0,072        2,918   0,000   ticas boas, com Sig inferior a 5%. A variável que
 forma geral
                                                                            trata do curso de uma forma geral foi um item
 Importância do
 item satisfação com
                                                                            percebido como atrativo para a escolha de um
 a universidade de                0,231        0,183        2,466   0,041   curso de graduação, e isto demonstra que de
 ensino por parentes,                                                       uma formal geral o estudante está satisfeito com
 amigos, conhecidos                                                         a Instituição.
FONTE: Os autores


                                                                            3.6 Questões genéricas
     Os índices apresentaram relevâncias estatísti-
cas boas, com Sig inferior a 5%. As variáveis sobre                              Nesta análise destacou-se o item: curso de
seus motivos pessoais de uma forma geral e satis-                           uma forma geral, sendo que os demais itens não
fação com a universidade de ensino por parentes,                            obtiveram importância significativa.
amigos, conhecidos, foram itens percebidos como                             QUADRO 05 - COEFICIENTES – ATRIBUTOS DO CURSO
atrativos para a escolha da IES, demonstrando                                           ESCOLHIDO
que o estudante tem opinião própria e que con-                                                            Std.
                                                                            Coeficientes          Beta              T      Sig
sidera opiniões de grupos próximos no processo                                                            Error

da escolha. Deve-se considerar a probabilidade                              Curso de uma forma
                                                                                                  0,387   0,063   4,661   0,000
                                                                            geral
deste grupo de alunos influenciarem através de
                                                                            FONTE: Os autores
sua opinião sobre a instituição, outro grupo de
alunos e assim sucessivamente, conforme pesqui-
sas de Bronemann e Silveira (2004); Piñol (2004)
e Lanzer (2004).




Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010                                                                   |159
Considerações finais                                  por alunos de Administração e Direito. Os outros
                                                      cursos manifestaram-se positivamente em relação
     Analisando-se os resultados apresentados,        ao item localização da instituição. Estes foram os
pode-se perceber que os alunos são predomi-           fatores de destaque do quesito. Pela análise dos
nantemente do sexo masculino, atuando como            outros fatores do questionário, percebeu-se uma
colaboradores do setor privado, principalmente        importância relativa e generalizada dos mesmos,
na função operacional. A idade encontra-se no         com médias variando entre 3,97 e 4,68, indicando
intervalo de 17 a 46 anos, havendo maior predo-       que o aluno realmente pensa e avalia as possibili-
minância da faixa etária acima de 24 anos, indi-      dades no momento da decisão.
cando um público diferenciado e mais maduro.                Pela abordagem feita em relação ao mercado
Quase a totalidade dos alunos não recebe auxílio      de trabalho há destaque para três itens: aceitação
financeiro, assumindo a responsabilidade por sua      da instituição pelo mercado de trabalho, tradição
formação. Os que recebem, frequentam respec-          e status da instituição e importância do item
tivamente os cursos de Administração e Direito.       responsabilidade social e meio ambiente. Nova-
     Este foi o primeiro objetivo do estudo que as-   mente apontamentos diferentes entre os cursos:
pirava caracterizar o grupo de estudantes e aponta    ao primeiro item foram atribuídos notas entre 5
para características distintas: alunos dos cursos     e 7, com predominância dos cursos de Tecnolo-
superiores em Tecnologia de Análise e Desenvol-       gia em Análise de Sistemas, Recursos Humanos e
vimento de Sistemas e Tecnologia em Gestão de         Logística. Tradição e status da instituição foram
Recursos Humanos, juntamente com o curso de           positivamente percebidos pelos alunos de Admi-
Logística, não possuem alunos beneficiados por        nistração e Direito, com predominância da nota 7.
auxílios financeiros.                                 Responsabilidade social é percebida, porém, não
     Em relação aos atributos da Instituição de       decisiva. Alguns questionários (36 deles) apresen-
Ensino as variáveis que focam a segurança no          tavam observações ao lado da questão, indicando
campus da universidade, infraestrutura e insta-       que a organização não utiliza adequadamente os
lações da universidade e localização, foram itens     recursos e como exemplo foi citado o exagero no
apontados como atrativos na escolha da IES. Valor     uso de papel, que poderia ser prontamente subs-
da mensalidade e sustentabilidade influenciam         tituído por correio eletrônico. Outra colocação
de maneira negativa. Deve-se destacar o item          é que a instituição gasta muito com panfletos e
valor da mensalidade uma vez que a maioria dos        que este valor deveria ser mais bem investido na
alunos é o próprio responsável financeiro pela        instituição.
formação. Isso indica que impulsionado pela                O quesito motivos pessoais evidenciou os
maturidade do grupo, e quase que totalmente           itens: motivos pessoais de forma geral e percep-
inserida no mercado de trabalho, deixou de ser        ção de família, amigos conhecidos em relação à
um atrativo em decorrência do peso de outros          instituição. Novamente identificam-se posicio-
fatores mais impactantes na realidade deste novo      namentos diferenciados: os cursos superiores
perfil de aluno. A sustentabilidade é percebida,      em tecnologia destacam a opinião pessoal, em
porém não se apresenta forte o suficiente para        contraste com a percepção de alunos de Direito
influenciar a decisão. Cabe ressaltar que o item      e Administração que valorizam mais a visão que
segurança no campus foi maciçamente apontado          outras pessoas têm da instituição.
160 |
Revista da         FAE


      Os atributos do curso escolhido permitiram                 No entanto, percebem-se motivações diferen-
a verificação da convergência de opiniões entre os          tes na escolha ao se cruzar os dados estatísticos
cursos da instituição com destaque para os itens:           com o curso frequentado. Nota-se que os cursos
o curso de forma geral e a percepção pessoal em             superiores em tecnologia e também o curso de
relação ao curso.                                           Logística, apresentam perfil de aluno diferente
    Nas questões genéricas, destaca-se o item:              dos alunos dos cursos de Administração e Direito,
curso de forma geral. Há consenso entre os res-             sendo isto evidenciado pela avaliação dos itens
pondentes de todos os cursos, indicando que o               propostos.
curso de forma geral, com sua grade, estrutura,                  Como contribuição, este estudo permite que
corpo docente é um fator importante e decisivo              a instituição elabore estratégias distintas para a
no processo de escolha, sem deixar de lados os              atração de alunos, com abordagens diferenciadas
demais atributos analisados, uma vez que os mes-            e direcionadas aos cursos ofertados.
mos apresentaram média geral de 5,3.
     É importante ressaltar que o objetivo princi-
pal deste trabalho é apontar os fatores mais im-
portantes na atração de alunos para a instituição
sob análise, e que isto foi devidamente alcançado.
Não é objetivo deste estudo apontar ou analisar
                                                                                          • Recebido em: 10/08/2010
os fatores de pior desempenho no processo de                                              • Aprovado em: 28/10/2010
escolha dos alunos.




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Diferenciais competitivos dos cursos superiores de tecnologia
pela percepção dos acadêmicos

Competitive advantages of technology undergraduate courses
through the perception of students


                                                                               Adriana Galli Velho*
Resumo

Este trabalho teve por finalidade fazer um estudo das expectativas e
percepções dos acadêmicos dos Cursos Superiores de Tecnologia, servindo
de subsídio para a construção de diferenciais competitivos. Para tanto,
apresenta resultados de uma investigação utilizada através de pesquisa
qualitativa de cunho exploratório, onde alunos ingressos e egressos destes
cursos expressaram sua opinião. Com base nas respostas foram construídas
categorias com o objetivo de identificar as razões de escolha destas pessoas
por esta modalidade de ensino. A partir das categorizações realizadas e
do referencial teórico utilizado neste trabalho, são apresentadas algumas
possibilidades de construção de diferenciais competitivos que possam
contribuir para a construção de um posicionamento estratégico exclusivo
para a modalidade de ensino superior de tecnologia, visto que o atual
cenário da educação superior aliado às demandas do mercado são
extremamente propícios para este novo profissional.

Palavras-chave: cursos superiores de tecnologia; diferenciais competitivos.



Abstract

This paper aims to study the expectations and perceptions of undergraduate
students Technology Courses, serving as a subsidy for the construction of
competitive advantages. For such, it presents the results of a qualitative
research of exploratory nature where former and undergraduate students
of these courses expressed their opinions. Based on the responses given,
categories were devised in order to identify the reasons for selecting
this type of education. Based on the established categorizations and the
theoretical framework used in this study, we have presented a number
of possibilities for building competitive advantages that can contribute
to building a unique strategic positioning for technology undergraduate
studies, as the current scenario of higher education and market demands
are extremely conducive to this new professional.

Keywords: technology undergraduate courses; competitive advantages.            *   Pós-graduada em marketing pela
                                                                                   PUC-RS. Professora da FAE sévigné.
                                                                                   Porto Alegre - RS. E-mail: agalli@
                                                                                   ig.com.br



Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010                                                        |165
Introdução                                           e como o profissional egresso se sente diante
                                                     desse novo cenário. Percebe-se que a procura
    Hoje, o mundo vive na era da globalização,       pelos Cursos de Tecnólogos vem crescendo em
                                                     grandes proporções nos últimos anos, bem como
e as empresas que querem sobreviver neste
                                                     o oferecimento destes cursos, vide Censo Superior
mercado têm que se ajustar aos novos métodos
                                                     de 2004:
de gestão que possam atender a sua demanda.
                                                         Há apenas 6 anos, em 1999, os Centros de Educação
Dessa forma, as exigências que o mercado impõe
                                                         Tecnológica e as Faculdades de Tecnologia ofereciam
necessitam de profissionais mais qualificados em         no País 74 cursos. Dois anos mais tarde, em 2001, já
áreas específicas. A educação, que é setor de base       havia 183 cursos, representando um crescimento de
neste processo, tem papel fundamental, pois é o          147,3%. O crescimento não parou aí. Mais dois anos se
condutor destas transformações.                          passaram e em 2003 foi possível constatar que já havia
                                                         495 cursos, representando um crescimento de 170,5%
     Ora, se a educação é a base dessas mudanças,        com relação ao ano de 2001 e de 568,9% em relação
ela também tem que se modernizar e criar vanta-          ao ano de 1999. O Censo da Educação Superior de
gens competitivas. No caso do ensino superior já         2004 revela que os Centros de Educação Tecnológica e
                                                         Faculdades de Tecnologia ofereceram 758 cursos - um
existe uma aceleração com a cadeia globalizada,
                                                         crescimento de 53,1% no ano. Isto indica que, em seis
que abrange o ensino a distância, universidades          anos, o Brasil decuplicou o número de cursos oferecidos
virtuais, de conhecimento específico e aplicação         por esta modalidade de organização acadêmica (INEP,
de novas tecnologias. Tudo isso é um celeiro de          2004, p. 37).

aprendizagem. Neste sentido, as Instituições de           Cabe ressaltar o fato de que estes cursos
Ensino Superior terão de acompanhar a evolução       devem estar vinculados ao mundo do trabalho,
do mercado, prestar atenção nos cenários para        portanto o tecnólogo deve estar em sintonia com
terem condições de exercer uma gestão eficiente.     as novas tecnologias e as complexidades deste
     As IES precisam se adequar a esse novo          ambiente. As propostas apresentadas pelos Planos
ambiente. Existe uma demanda por formação            de Desenvolvimentos Institucionais - PDIs - são de
educacional capaz de conferir novas habilidades      que o próprio corpo docente seja valorizado por
e competências aos profissionais que estão sendo     profissionais com grande experiência no mundo
buscados pelo mercado. Aliado a isso, a desbu-       do trabalho e que tragam aos discentes, além do
rocratização do ensino superior, seguindo uma        conhecimento acadêmico, o que existe de mais
tendência mundial dos países desenvolvidos e em      moderno em relação às novas práticas e novas
desenvolvimento faz com que o tempo de duração       tecnologias.
seja fator determinante na escolha pelos cursos           A possibilidade de evidenciar as expectativas
de tecnologia. Eles foram criados para atender a     dos participantes poderá alavancar o processo
demandas atuais e potenciais do mercado. Sendo       de efetividade dos cursos superiores de curta
o mercado cíclico e dinâmico, os cursos também       duração, pois poderá alicerçar o planejamento e
têm mais facilidade para se adaptar e atualizar      o desenvolvimento dos mesmos, contribuindo,
suas ementas.                                        dessa forma, para que eles possam obter um po-
     A proliferação desta modalidade de ensino e a   sicionamento estratégico valioso e exclusivo no
abertura de novas Instituições de Ensino Superior    mercado altamente competitivo, tendo sempre
promovem um questionamento quanto a quais            em mente que “o ajuste estratégico, entre mui-
são as expectativas dos que procuram estes cursos    tas atividades, é fundamental não apenas para a
166 |
Revista da      FAE


vantagem competitiva mas também para a sus-                  nesta época e até 1820, os cursos se estendiam
tentabilidade dessa vantagem” (PORTER1, 1996                 ao Rio de Janeiro e à Bahia e iam de economia à
apud MITZBERG et al., 2006, p.38). Para tanto, é             agricultura, passando por química e matemática,
necessário ouvir as pessoas que estão ingressando            história e filosofia. Os cursos de direito foram
e terminando estes cursos.                                   criados após a Independência, já em São Paulo,
                                                             em 1827, por D. Pedro I.
                                                                   Com o fim do Império e a Proclamação da
1 Breve histórico da educação                                República começou a formar-se uma consciência
                                                             em relação à educação, que a tratava como o
      superior tecnológica e a prestação
                                                             ressurgimento da identidade nacional. Assim, em
      de serviço educacional neste                           1912 surgia a Universidade Livre de São Paulo, a
      contexto                                               primeira com moldes populares ligada a uma Ins-
                                                             tituição de Ensino Superior. Já em 1920 inicia-se
                                                             um processo de re-organização e reunião desses
                                                             cursos criados por D. João VI, dando origem, só
1.1 Histórico da educação superior                           nos meados dos anos 20, às primeiras IES. Nesta
        tecnológica no Brasil                                época foi criada pelo governo federal a Universi-
                                                             dade do Rio de Janeiro, tendo por base a incor-
     A definição de Universidade dentro da histó-
                                                             poração das escolas profissionais Politécnica, de
ria pode-se dizer que iniciou com o termo Acade-
                                                             Medicina e de Direito.
mia, que foi fundada por Platão em 387 a.C.. De
                                                                  Em 1932 foi lançado um Manifesto ao Povo
fato, as primeiras IES, com uma formatação mais
                                                             e ao Governo, contendo programa de reforma da
definida, surgiram na Europa, no século XII, com
                                                             educação, criando universidades de “verdade”.
os cursos de Direito, Medicina e Teologia.
                                                             Universidades estas de cunho realmente científi-
     Segundo Ana Walesca Mendonça (2000), na
                                                             co, popular, das ciências e das artes. Desta nova
América Latina, enquanto as colônias espanholas
                                                             mentalidade de educadores surgiu, em 1934, a
já possuíam universidades, o Brasil não oportu-
                                                             Universidade de São Paulo (USP) e, em 1935, a
nizava este benefício. Quem quisesse seguir os
                                                             Universidade do Distrito Federal (UDF). Com esta
estudos leigos (distintos dos do Clero) só vislum-
                                                             última rompe-se o modelo até então utilizado de
braria essa possibilidade se atravessasse o mar até
                                                             agregação de escolas profissionalizantes. As es-
a metrópole, em Portugal (Coimbra e Évora). Só
                                                             colas aí reunidas propõem-se a unificar o ensino.
em 1808, com a transferência da corte portuguesa
                                                                  Todo este movimento oriundo do Manifesto
para o Rio de Janeiro, começaram as movimenta-
                                                             de 32 dá origem à Escola Nova. Em 1937 surge
ções em torno da criação de cursos de anatomia,
                                                             a Universidade do Brasil, modelo de universidade
cirurgia e engenharia, porém todos de cunho
                                                             ao qual todas as instituições deveriam se adequar.
militar, com a intenção da defesa do rei. Também
                                                             Porém, com o passar dos anos, a UB perdeu o
                                                             seu foco principal de unificação e as instituições
                                                             passaram novamente a se expandir isoladamente.
1
    PORTER, Michael E. Vantagem competitiva: criando e       Já dos anos 50 a 60, com o governo populista, as
    sustentando um desempenho superior. São Paulo: Campus,   IES passaram a se expandir de forma acelerada.
    1996.

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010                                                 |167
Este “boom” do ensino superior propiciou, em          mais contestadas que possam ser as tendências
1968, a Reforma Universitária, com a Lei 5.540/68,         de mercado, com o uso intensivo de tecnologias,
que visava à adequação do ensino superior devido           comunicação e informação e a revolução da Inter-
ao novo panorama econômico-social do Brasil. Aí            net, elas chegaram para integrar o modelo antigo
começa a se desenvolver a ideia de departamento            de IES ao conceito atual e virtual.
e o sistema de créditos, com o surgimento dos                   Para que se possa buscar um entendimento
primeiros cursos de Pós-Graduação e também com             entre estas novas linhas de ensino, precisa-se
o direcionamento da universidade para o mercado            também analisar a postura das Instituições em
de trabalho. A nova universidade toma forma, os            relação à prestação de serviço, levando em conta
professores passam a ter melhores condições de             a estratégia, inovação e diferenciação que são
trabalho e o ensino superior passa a ter uma visão         necessárias para sua sustentabilidade. A seguir
mais humanista. A reforma é também curricular.             procurou-se mapear este assunto.
     Já nos anos 70, através do Conselho Federal
de Educação, o ensino superior sofre um processo
de massificação, com as instituições se alastrando         1.2 Evolução do serviço educacional:
através do aval da iniciativa privada. Esta é a terceira        estratégia, inovação e diferenciação
geração das IES, que se expande até os anos 90,
                                                                Estratégia é um conjunto de decisões que
quando há uma demanda crescente em torno
                                                           orientam as ações organizacionais, dentro do
do ensino superior e muita facilidade propiciada
                                                           contexto em que está inserida. Segundo Porter
pelo governo, gerando uma comercialização do
                                                           (1996), as organizações devem ser flexíveis para
ensino. A partir de meados dos anos 90, este novo
                                                           atingir as melhores práticas, através das mudanças
modelo de IES visava atingir, além da expansão,
                                                           competitivas que se apresentam.
a diversificação, aliadas à avaliação, supervisão,
                                                               A estratégia competitiva significa ser diferente. Significa
qualificação e modernização (MENDONÇA, 2000,
                                                               escolher deliberadamente um conjunto de atividades
p.132-149).                                                    diferentes para entregar um mix único de valores
    No final do século XX houve uma expansão                   (PORTER, 1996, p.36).
de novos Cursos e novas Instituições, iniciando                 A análise deste contexto é muito importante
o processo da quarta geração de IES, inclusive             para se formar um prognóstico sobre os riscos
oferecendo uma nova modalidade, os chamados                e oportunidades a serem enfrentados. Aspectos
Cursos a Distância, técnica que permite que o              legais, econômicos, políticos, sociais, demográfi-
estudante não esteja fisicamente no ambiente               cos, culturais e tecnológicos devem ser avaliados.
de ensino, usando como ferramenta a tecnologia             Deve-se conhecer profundamente a concorrência
da Internet. Outra modalidade surgida foram                dentro de aspectos como qualidade, estrutura,
os Cursos Tecnológicos, cujo tempo de duração              desempenho, estratégia, recursos e capital inte-
é menor que o dos Cursos de Bacharelado,                   lectual. O reconhecimento das forças e fraquezas
permitindo uma rápida absorção do profissional             internas é fundamental para atingir vantagem
pelo mercado.                                              competitiva. A satisfação do cliente é premissa
     Somado a isso, existe uma tendência de re-            para a permanência no mercado.
novação mercadológica que imprime a também                     Trazendo estes conceitos para o mundo
proliferação de novos cursos. O fato é que, por            educacional, visualiza-se que, no século XIX, o

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Revista da      FAE


modelo de gestão adotado nas Instituições de                   com o planejamento contínuo e deve-se “[...] agir
Ensino era o da Administração Científica – Taylo-              rumo a objetivos inovadores e relevantes para a
rismo –, baseado no planejamento, preparação,                  comunidade na qual está inserido” (grifo nosso).
controle e execução, ainda hoje utilizado, porém                    Conseguir vantagem competitiva neste am-
já considerado por muitos ultrapassado. Atual-                 biente é tarefa árdua nos dias atuais, é enxergar
mente, as organizações estão mais voltadas para                onde se pode atuar, em quais mercados, de que
o conhecimento.                                                maneira. Neste contexto, as Instituições de Ensino
      O sistema educacional acompanha os mo-                   devem observar o baixo custo no desenvolvimento
delos capitalistas de gestão, portanto sempre se               de seus cursos e a conseqüente oferta de preços
buscou uma equivalência também entre termos                    atrativos ao seu cliente, aliando qualidade no
utilizados, então, quando se lê sobre os modelos               serviço e benefícios aos alunos.
de Taylor e também sobre os modelos de Fayol,                       As Instituições de Ensino Superior não fogem
tem-se em mente que                                            a esta análise apresentada. E, além disso, ainda
       [...] conceitos e práticas normalmente utilizados na    são geridas por normas e leis governamentais
       indústria como direção por objetivos, administração     que, a partir dos anos 80 (Constituição Federal
       científica etc. passaram a ser habituais nos tratados
                                                               de 1988), vêm se intensificando na condução de
       de pedagogia e nos programas de formação em
       administração escolar” (VIEIRA, 2003, p.39).            políticas educacionais indicadas pelo Governo,
                                                               como a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
    Aí se confirma a necessidade que a educação                Nacional – LDB (Lei 9394/1996).
tem de estar em constante atualização, inclusive
                                                                    Consequentemente o perfil da educação su-
com o mundo empresarial, onde as mudanças
                                                               perior no país vem se transformando e se expan-
corporativas ocorrem com frequência.
                                                               dindo. É visível a política de expansão promovida
     Os fatores econômicos também regem estas                  pelo governo brasileiro, alavancada por recursos
mudanças e conduzem a uma maior flexibiliza-                   oriundos do Banco Interamericano de Desenvol-
ção nos mercados de trabalho. As Instituições                  vimento (BID), o qual fomenta a reforma educa-
de Ensino devem ser vistas como empresas, até                  cional, através de políticas de disseminação de
para sua própria sobrevivência, porque além do                 novos currículos, desenvolvimento de estratégias
aspecto pedagógico que norteia o negócio, elas                 e planos de expansão.
devem ter estruturalmente um Planejamento Es-
                                                                    O cenário hoje é de uma maior oferta de
tratégico, estar voltadas para a competitividade,
                                                               serviços, preços diferenciados, metodologias no-
produzir ações de marketing.
                                                               vas e estratégias mercadológicas diferentes para
       As decisões estratégicas são aquelas que determinam a
                                                               cada Instituição. O foco atual é no mercado, no
       direção geral de um empreendimento e sua viabilidade
       final à luz das mudanças possíveis, imprevisíveis e     negócio, no cliente, nos serviços e na qualidade.
       irreconhecíveis que podem ocorrer nos principais        Outro dado importante a ser considerado é a
       ambientes adjacentes (MINTZBERG; LAMPEL; QUINN,         globalização, segundo a qual o que rege os siste-
       2006, p. 29).
                                                               mas é a tecnologia, a rapidez da informação e os
     Segundo Colombo (2004, p.18), a estratégia                novos modelos de gestão. Há uma necessidade
cria condições para se atingir “uma posição                    de adequação, uma demanda social em busca de
exclusiva, competitiva e sustentável ao longo do               um maior dinamismo.
tempo”. Mas a sustentabilidade só é atingida
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010                                                   |169
É neste novo contexto que as Instituições                fazendo parcerias com outras IES), otimi-
de Ensino Superior – IES, amparadas por novas                  zação das instalações (utilização dos três
leis, vêm se adaptando e inovando de uma forma                 turnos), corte de pessoal (reengenharia),
mais arrojada para oferecer um novo ambiente                   informatização e automação de processos,
a quem busca o conhecimento de forma mais                      redução da jornada de professores, terceiri-
direta, capaz de oferecer vantagem competiti-                  zação e quarteirização, criação de unidades
va. Assim, manter-se neste âmbito não é tarefa
                                                               estratégicas de negócios;
fácil. A concorrência cresce de forma acelerada,
                                                             c) ampliar geograficamente, com novas uni-
criando um mercado tão atrativo e, com facili-
dade de acesso como o Ensino a Distância – EAD                  dades (novos campi), o que depende da
e os cursos superiores de curta duração – Cursos                capacidade de investimento da instituição.
Superiores de Tecnologia. Portanto, ter destaque                A localização é muitas vezes elemento- cha-
e sustentabilidade requer ajustes.                              ve na escolha do aluno pela Instituição;
     Os currículos dos cursos também sofrem                  d) desenvolver o mercado: descobrir novos
constantes readequações para atender as mu-                     usos para os produtos que já existem;
danças dessa nova tendência, com novos campos                e) desenvolver produtos e serviços: novos
profissionais e áreas específicas. Todas essas mu-              cursos;
danças que o setor educacional vem promovendo
                                                             f) diversificar: novas modalidades de produ-
no mercado devem ser permeadas por variáveis
                                                                tos (EAD, educação corporativa, ensino
que garantam sua sustentabilidade. Dessa forma,
não podemos deixar de falar em estratégias, com-                técnico);
petitividade e qualidade em serviços educacionais.           g) ampliar o target: atrair novos públicos,
      A administração de sucesso prospecta à Ins-               como, por exemplo, clientes nas classes D
tituição antecipar-se às ameaças e problemas que                e E, mais velhos, executivos;
possam surgir, podendo aproveitar oportunidades              h) inovar: inovação é a estratégia de cres-
para seu desenvolvimento. Ao pensar seu plane-                  cimento mais abrangente e significativa,
jamento estratégico, a IES pode investir numa                   quando obtém êxito. Ela vem ao encontro
série de estratégias que, de acordo com seu perfil              das necessidades do mercado e é ele que
e de acordo com o perfil de seus clientes, podem                deve regê-la.
ajudá-la a obter a maior precisão para as ações a
                                                              Os autores também listam estratégias de
serem realizadas.
                                                         diferenciação com base:
     Ryon Braga e Carlos Monteiro, através da Re-
                                                             a) na tecnologia;
vista Aprender Virtual (2008) enumeram algumas
                                                             b) no relacionamento com o aluno;
destas estratégias:
                                                             c) no fortalecimento da marca;
        a) aumentar a penetração no mercado: cap-
                                                             d) na educação continuada;
           tando alunos que tradicionalmente iriam
           para a concorrência, ou seja, aumentar sua        e) na especialização dos cursos;
           fatia de mercado (market share), através de       f) na criação de cursos para atender a deman-
           ações de marketing e vendas;                         das específicas;

        b) reduzir preços a partir de redução dos cus-       g) nas parcerias com a iniciativa privada;
           tos, ou seja, utilizando economia de escala       h) no prolongamento do relacionamento com
           (otimizando serviços administrativos ou              o cliente;
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Revista da     FAE


       i) na formação de uma estrutura de pesquisa;         cidade na informação. A partir daí foram abertas
       j) nos cursos diferenciados.                         as perspectivas para a criação dos Cursos Técnicos
     Algumas ações de marketing também devem                de Nível Superior, hoje denominados Cursos Supe-
ser citadas, como: atendimento aos alunos por               riores de Tecnologia, que preparam o profissional
meio de Central de Atendimento; criação de um               para ingresso imediato no mercado de trabalho.
Centro de Contato para prospecção de alunos;                Existe uma legislação cada vez mais definida sobre
criação de unidades estratégicas de negócios                o assunto, regulamentando e assegurando certos
(UEN) para ações de comunicação, promoção e                 deveres e direitos às IES que oferecem Cursos de
relacionamento; programas de relacionamento                 Tecnologia.
com escolas e empresas, etc.
                                                                 A Lei 9394/96 (Lei das Diretrizes Básicas –
    Tudo isso deve ser bem avaliado, principal-             LDB) trata da questão da educação profissional
mente porque, no caso dos Cursos de Tecnólogos,
                                                            integrada ao trabalho, ciência e tecnologia. “O
a competitividade do setor vem crescendo, em
                                                            Decreto 2208/97 fixa os objetivos da educação
função dos incentivos, por parte do governo,
                                                            profissional” (BRASIL, 1996, p.3). Dentre eles, o de
que esta modalidade de ensino superior vem
                                                            maior destaque é “Promover a transição entre a
recebendo.
                                                            escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens
                                                            e adultos com conhecimentos e habilidades gerais
                                                            e específicas para o exercício das atividades pro-
1.3 Cenário do ensino superior no                           dutivas.” (BRASIL, 1996, p.3). Em nível tecnológico
      Brasil                                                são os Cursos Superiores de Tecnologia oferecidos
                                                            a egressos do ensino médio e técnico, previstos
     O mundo vive ciclos de ordem econômica,                para áreas especializadas, que os diplomam como
política e social, e a sociedade se adapta a esses          Tecnólogos.
ciclos, visando suprir as necessidades vigentes                   O que é evidente nesta análise é que a socie-
do período. A educação está inserida de forma               dade começou a demandar uma maior agilidade
direta nestas transformações. Na sociedade Pós-             nos processos educacionais e a integrá-los cada
Moderna o que se busca é flexibilidade, novas               vez mais às necessidades mercadológicas. Com
formas de trabalho e educação. E um novo aluno              esta linha de raciocínio, as faculdades de Tecno-
também surge e se adapta às novas tendências                logia são vistas como facilitadoras, podendo criar
de ensino e mercado.                                        cursos específicos conforme requer a necessidade
      No Brasil, a preocupação em rever os con-             do momento e, ao mesmo tempo, extinguir cursos
ceitos e premissas na Educação Superior vem dos             que já não estão mais de acordo com a atual de-
anos 60, quando a Lei 5.540/68, que fixa as nor-            manda do mercado. Esta agilidade aliada à espe-
mas de organização e funcionamento do Ensino                cificidade dos cursos pontua a favor do Tecnólogo.
Superior, já previa a abertura de novos cursos                   Outro ponto favorável está no valor das men-
(art. 18) e mudanças na duração destes (art. 23),           salidades; os cursos de curta duração oferecem
atendendo às exigências específicas do mercado              ao aluno um menor número de parcelas a pagar,
de trabalho.                                                despendendo menor valor para sua formação. A
    Esta Reforma Universitária oportunizou ao               acessibilidade neste sentido atinge uma maior
Ensino Superior uma maior agilidade e especifi-             parte da população do que os tradicionais cursos
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010                                                  |171
de graduação, em que o aluno despende de mais                     Alves (2003, p.52), este tipo de pesquisa permite
tempo e dinheiro para completar seus estudos. De                  o uso de entrevistas com pessoas que já tiveram
qualquer forma, a graduação em nível de bacha-                    experiência com o objeto estudado.
relado encaminha o profissional para o lado mais                       Os resultados são aqui apresentados con-
científico, com uma formação mais abrangente.                     forme os dados que foram coletados através de
     Mas existem diversas dificuldades enfrenta-                  entrevistas estruturadas com alunos ingressos e
das pelos profissionais graduados nos cursos de                   egressos de Cursos Superiores de Tecnologia. Tais
curta duração como:                                               dados, neste momento, serviram de parâmetro
        [...] rejeição por parte do mercado de trabalho,          para elucidar quais são as expectativas dos alunos
        não aceitação pelas instituições, órgãos de classe        ingressos e quais são as percepções dos egressos
        e profissionais e pelas próprias empresas; número         quanto a sua escolha por esta modalidade de
        crescente de alunos desejando continuar seus estudos
                                                                  ensino superior. Dessa forma foi feita uma análise
        em nível de graduação, etc. [...] (BASTOS, 1991, p.24).
                                                                  de conteúdo com o objetivo de analisar categorias
    Contudo, um avanço aparentemente peque-                       e, assim, ter uma visão mais específica do que era
no, por se tratar da troca de denominação de                      mais evidente. A partir disso observou-se, então,
Centro de Educação Tecnológica para Faculdade                     que as variáveis que mais se destacaram ao longo
de Tecnologia disposta no artigo 3º do Decreto                    das entrevistas foram: tempo, foco, mercado de
5225/2004, tornou-se decisiva para a consolidação                 trabalho e valor (no sentido financeiro).
do profissional em não ser mais visto como um                          Tanto os alunos ingressantes quanto os que
Técnico de Nível Superior, e sim um respeitável                   estão finalizando, ou já são egressos dos Cursos
Graduado.                                                         Superiores de Tecnologia, afirmam que o fator
                                                                  tempo é o principal determinante na sua escolha.
                                                                  O fato de poderem concluir um curso superior em
2 Resultados da pesquisa                                          dois anos em média é muito estimulante quando
                                                                  vão optar por este tipo de curso.
                                                                      Algumas percepções surgidas referentes ao
     A pesquisa elaborada para o desenvolvimento
                                                                  tempo:
deste artigo foi qualitativa de cunho exploratório,
pois tem como alicerce a indagação à realida-                         Ingressos:
de, baseada em teoria e método, neste caso, a                          “A possibilidade de concluir um curso supe-
identificação das percepções dos indivíduos em                    rior num curto período conta bastante. Como
relação à forma como os Cursos de Tecnólogos                      o mercado está bastante competitivo, tem-se a
vão projetá-los no mercado.                                       vantagem de, em quatro anos, se especializar em
     A pesquisa qualitativa visa à construção da                  duas áreas distintas.”
realidade, sem quantificá-la. Considera o ambien-                     Egressos:
te como principal elemento gerador de dados.                           “... carga horária adequada, tornando a
É meramente descritiva, não utiliza métodos                       conclusão do curso mais rápida, e automaticamente
estatísticos. É baseada em pequenas amostras,                     implica também em[sic] curso reduzido em relação
que proporcionam percepções e compreensão                         aos cursos de bacharelado e licenciatura...”
do contexto do problema. O método utilizado foi
o da pesquisa exploratória, pois, de acordo com
172 |
Revista da     FAE


    “O tempo para conclusão é um dos grandes                          “... foi o fato de ser um curso específico,
motivos (diferencial) que me levou a escolher                     focado em uma área apenas, não havendo, assim,
um curso tecnólogo; por ter curta duração, te                     uma abrangência demasiada, como o curso de
qualificar para o mercado, ofertar com mais                       Administração, por exemplo. Em segundo lugar,
brevidade a oportunidade de ingressar em uma                      a área que eu escolhi é uma área que está em
                                                                  defasagem, com falta de profissionais habilitados
Pós-Graduação, enfim, quem gosta de uma vida
                                                                  e focados a suprir necessidades de recursos
dinâmica com certeza entenderá o motivo de
                                                                  humanos.”
quem escolhe um curso tecnólogo.”
                                                                      Egressos:
       Conforme Niskier e Nathanael (2006, p.32),
                                                                       “É um curso focado no mercado, com profes-
       o mercado tradicional para graduados está saturado.
                                                                  sores altamente ligados no mercado de trabalho,
       Nossos jovens universitários perderam a paciência com os
       cursos longos, que não garantem nada ao seu término.       e muitas vezes funcionários de grandes empresas,
                                                                  e de decisões estratégicas, pessoas com alto grau
    O autor adverte para o fato de que nada                       de informação e praticidade em colocar em prática
garante a empregabilidade, nem os tradicionais                    conhecimentos jamais passados em um bachare-
cursos de bacharelado. O mercado está saturado,                   lado, a experiência,...”
então demanda áreas específicas, não trabalha
                                                                      É notório que as pessoas aliam uma categoria
mais com o generalismo. Para atender a esta
                                                                  a outra. Vimos aí que, do tempo, aliado ao
nova demanda é necessário focar em categorias
                                                                  foco, passamos a observar que os entrevistados
específicas e desenvolvê-las ao máximo, e isso o
                                                                  passam também a vincular o foco ao mercado
tecnólogo consegue rapidamente, seguindo um
                                                                  de trabalho, trazendo uma nova categoria à
curso de curta duração com uma grade curricular
                                                                  pesquisa.
focada na sua escolha.
                                                                       Porém, neste item, percebe-se que quem
     Podemos constatar que o foco, que é a segun-                 optou por Cursos de Graduação Tecnológica tem
da variável mais citada, está diretamente ligado                  a percepção de que o mercado ainda está despre-
à escolha pelo tempo, pois as duas categorias                     parado para absorvê-lo. Há o sentimento de que
andam juntas, estão atreladas. Os alunos e os                     existe um despreparo, uma falta de entendimento
egressos afirmam que, durante o período em que                    de que este profissional possui um curso superior
estão cursando, estão direcionados estritamente                   e que possui alta qualificação em áreas específicas.
para o que pretendem aprender. A especificidade                   Outra preocupação foi quanto ao fato de a forma-
dos cursos de tecnólogos cria expectativas de uma                 ção nestes cursos não permitir aos profissionais
inserção mais rápida no mercado de trabalho, visto                concorrer a concursos públicos.
que as disciplinas oferecidas são voltadas ao mun-
                                                                      Vejamos algumas percepções quanto ao
do do trabalho e às exigências atuais do mercado.
                                                                  mercado de trabalho:
    Seguem algumas considerações que fixam o
                                                                      Ingressos:
foco como determinante:
                                                                      “Apesar de saber que este tipo de curso, por
       Ingressos:
                                                                  ser muito novo no mercado, sofre ainda muito
     “A dinâmica do curso é bastante atrativa.                    preconceito por acharem que ele não possui o
As aulas são mais diretas e nos dá [sic] uma base                 mesmo “peso” de um curso normal de faculdade,
sólida para atuarmos com mais conhecimento                        espero criar base para o mercado de trabalho,
dentro da área escolhida.”                                        de abrir novas portas, pois ele traz muitas idéias
                                                                  inovadoras.”
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010                                                        |173
Egressos:
     “...os cursos não têm muita aceitação no mer-        Egresso:
cado de trabalho (principalmente em programas             “Também acredito que estes cursos sejam
de estágio e trainee de grandes organizações);...     uma tendência de mercado, não só pelos pontos
preconceito em relação aos cursos de tecnólogos       que já mencionei, mas também em relação a
(existem pessoas que comparam um curso de             custos e deslocamentos cada vez mais crítico[sic].”
tecnólogo com cursos técnicos, achando que é a
                                                           É inegável que estes cursos sejam mais aces-
mesma coisa.”
                                                      síveis em relação aos valores, mas isso se justifica
    “Tenho conhecimento que o tecnólogo não           pela própria condição de tempo mais reduzido
me permite prestar concursos públicos...”             para a sua conclusão. Então, o custo do curso
     De acordo com Bastos (1991, p.50-51), os         ficaria em segundo plano, não sendo condição
Cursos Superiores de Tecnologia não são meros         relevante na busca por este tipo de graduação.
cursos profissionalizantes, pois, através de seus          O resultado da pesquisa foi extremamente
currículos, selecionam os conhecimentos essen-        significativo para perceber que os alunos que op-
ciais para as bases tecnológicas para atender à       tam por Cursos Superiores de Tecnologia querem
demanda do mercado em “aproximar as funções           agilidade nos processos e inserção mais rápida
de concepção e execução, do técnico e do prático      no mercado de trabalho. Já o preço, que antes
e, conseqüentemente, diminuir a distância entre       poderia ser determinante, apareceu como pouco
o trabalho intelectual e o manual.”                   importante no peso da escolha.
     Bastos (1991) chega a citar que as associações
profissionais consideram o tecnólogo como um
“concorrente indesejável no campo profissional.”
                                                      3 Algumas reflexões
Mas ele encara isso como positivo, visto que os
tecnólogos carregam consigo uma formação que
                                                           Os acadêmicos entrevistados, tanto ingressos
consegue projetar a teoria sobre a prática, o que
                                                      quanto egressos, demonstraram uma coesão nas
lhes possibilita desenvolver pensamento crítico
                                                      suas respostas, evidenciando, curiosamente, que
e lhes dá condições para enfrentar desafios,
                                                      as expectativas dos entrantes transformaram-se
visto que eles celebram as vivências do mercado       em percepções ao término do curso. Ou seja, os
constantemente em sua formação.                       dois pólos pesquisados estão bem afinados na sua
     Por último, a pesquisa revelou o quesito valor   escolha por esta modalidade de ensino.
(no sentido de custo) como condicionante para a            Realmente percebe-se que os Cursos Supe-
procura dos cursos de tecnólogos. O que durante       riores de Tecnologia encontraram seu espaço no
o trabalho se pensava ser um dos principais deter-    mercado educacional, possibilitam a muitos a
minantes de escolha apareceu como apenas uma          obtenção de um curso superior em menor tem-
observação por parte de dois dos entrevistados.       po, variável esta condicionante para sua escolha,
                                                      conforme se justificou na pesquisa.
        Ingresso:
                                                          A especificidade deste ensino, focado numa
    “... e com um valor mais acessível que os
                                                      área determinante, também surgiu nas percep-
outros cursos existentes, buscando ampliar meus
                                                      ções dos tecnólogos como fator especial nesta
conhecimentos profissionais e pessoais, dividir
                                                      modalidade. Já a variável valor, no sentido de
experiências para o aprendizado.”
174 |
Revista da          FAE


custo, mostrou-se pouco significativa para a es-                A educação profissional tem por objetivos: I -
                                                                promover a transição entre escola e o mundo
colha destes cursos, contrariando a idéia inicial,
                                                                do trabalho, capacitando jovens e adultos com
segundo a qual se pensava que custo fosse um                    conhecimentos e habilidades gerais e específicas para
condicionante.                                                  o exercício de atividades produtivas: II - proporcionar
    O que foi apontado na pesquisa, causando                    a formação de profissionais, aptos a exercerem
                                                                atividades específicas no trabalho, com escolaridade
preocupação, é a percepção de que os cursos
                                                                correspondente aos níveis médio, superior e de pós-
ainda não são bem recebidos pelo mercado.                       graduação; III - especializar, aperfeiçoar e atualizar o
Neste sentido cabe salientar a importância de                   trabalhador em seus conhecimentos tecnológicos; V -
desenvolver um trabalho esclarecedor junto ao                   qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos
                                                                trabalhadores, com qualquer nível de escolaridade
mercado, para que seja fechada esta lacuna. O
                                                                visando a sua inserção e melhor desempenho no
que poderia ser feito em parceria entre as IES e o              exercício do trabalho (BRASIL, 1996).
mundo empresarial.
                                                                 De acordo com a Revista Aprender Virtual
    O Curso Superior de Tecnologia não veio
                                                            (2008), existem faculdades, como a IBTA (São
para substituir o Curso de Bacharelado, mas sim
                                                            Paulo) e o SENAI, que firmam parcerias com as
para transitar junto com este último como opção
                                                            empresas para que elas ajudem a compor as
de ensino superior. Até porque são modalidades
                                                            bases curriculares dos cursos, adaptando-os às
completamente diferentes no seu foco.
                                                            suas necessidades, tornando-os extremamente
     A partir destas percepções pode-se sugerir
                                                            focados no que o mercado demanda. Isso torna
às Instituições que organizem um trabalho em
                                                            o egresso um profissional em potencial para a
conjunto com o mercado de trabalho, trazendo
                                                            inserção nestas empresas depois de formado. São
as empresas para dentro das faculdades para que
ajudem, inclusive, a montar os currículos dos cur-          ações assim que se esperam das instituições, pois
sos ofertados. As exigências do mercado podem               isso dará maior visibilidade ao tecnólogo e maior
ditar quais os cursos devem permanecer e quais              entendimento por parte do empresariado. Outra
devem ser substituídos. É muito importante que se           forma de estímulo seria trazer estas empresas para
faça este trabalho até mesmo para conscientizar o           ministrarem palestras dentro das faculdades aos
empresariado e aproximá-lo do tecnólogo. O novo             alunos para permear um intercâmbio entre eles.
muitas vezes precisa ser adaptado, e as parcerias               Por outro lado, a pesquisa também sugere
são essenciais para que o sucesso ocorra para               parâmetros significativos para ações de marketing
ambos. Já é tempo de quebrar o paradigma do                 para captação de um público interessado nesta
ensino superior, adaptar os modelos mentais, pois a         modalidade de ensino superior. A necessidade
verdade é que existe um novo perfil de trabalhador          de atender às necessidades, desejos e demandas
e um novo mercado, que clama por uma forte es-              deste público ficou evidente na pesquisa quando
pecialização. Os Cursos de Graduação Tecnológica            os próprios alunos trouxeram o tempo, o foco e
surgem, então, como a porta para a inserção para            o mercado de trabalho como determinantes na
estes novos moldes de mercado de trabalho.                  sua escolha.
     Para tanto é dever da educação promover                    Segundo Kottler e Fox (1994, p.47):
a transição entre a faculdade e o mundo do                      Marketing destaca a satisfação dos consumidores
trabalho, conforme o que reza o Artigo 1º da                    ao responder a suas necessidades e desejos. Uma
Lei nº 9.394/96, regulamentada pelo Decreto nº                  instituição educacional que responde ao mercado faz
                                                                todos os esforços para sentir, atender e satisfazer às
2.208/97:
                                                                necessidades e aos desejos de seus consumidores e

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010                                                            |175
públicos dentro das restrições de missão e orçamento.          Afinal, se foi um ensino aprovado pelos ór-
        Cada instituição deve determinar qual nível de resposta
                                                                  gãos competentes, e se há público para absorver
        deseja e, depois, implementar programas para alcançar
        este nível de satisfação.
                                                                  esta demanda, devemos nos preocupar em inserir
                                                                  esses profissionais respeitadamente no mercado.
      O que também realmente é necessário é cons-
tituir uma literatura urgente neste sentido, para
que se tenha mais embasamento para continuar
tratando deste assunto e dar mais respaldo ao                                                  • Recebido em: 27/06/2010
profissional que opta por este ensino.                                                         • Aprovado em: 30/11/2010




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176 |
Revista da    FAE


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V.13 02 2010
Revista da               FAE


Oportunidades nos mercados globalizados: estudo nas
empresas brasileiras de consultoria em tecnologia da
informação1

Opportunities in global markets: study in the brazilian
companies of consulting in information technology
                                                                                 Bruna Zambel Russo1
Resumo                                                                           Carolina Batista de Deus2
                                                                                 Simone Cardoso de Almeida
Este artigo teve como objetivo verificar, a partir de uma pesquisa em            Marques3
quatro empresas de consultoria em Tecnologia da Informação, se o                 Ingrid Araujo Silva4
                                                                                 Francisco Américo Cassano5
processo de internacionalização desse setor ocorre em função da busca
de oportunidades em mercados globalizados. O estudo adotou uma
abordagem qualitativa, através da coleta de dados por questionário,
respondido por executivos de nível gerencial. A análise dos dados coletados
foi feita por análise de conteúdo, sob a categorização das dimensões
de acordo com os objetivos a serem alcançados, verificando-se que as
empresas analisadas obtiveram, de uma forma geral, mais vantagens                1
                                                                                     Bacharel em Administração com ênfase
do que desvantagens com o processo de internacionalização e que as                   em Comércio Exterior pela Universidade
                                                                                     Presbiteriana Mackenzie e em Secretariado
estratégias adotadas tiveram participação importante no sentido de dar               Executivo pela FATEC/SP. Vivência em
suporte a este processo. Pelos resultados obtidos, concluiu-se que de fato a         processos de recrutamento e seleção,
internacionalização das empresas brasileiras de consultoria em Tecnologia            integração institucional, programa de
                                                                                     estágio, programa de inclusão de pessoas
da Informação foi decorrente da busca de oportunidades nos mercados                  com deficiência e outplacement, na Pepsico
globalizados.                                                                        do Brasil Ltda. E-mail: brurusso@yahoo.com.
                                                                                 2
                                                                                     Bacharel em Administração com ênfase
Palavras-chave: internacionalização de empresas; tecnologia da                       em Comércio Exterior na Universidade
                                                                                     Presbiteriana Mackenzie. Vivência em análise
informação; mercados globalizados.                                                   documental nas áreas de importação e
                                                                                     exportação aérea e marítima, na ITATRANS
                                                                                     RL Logística Internacional S/A. E-mail: ea1.
Abstract                                                                             sao@itatransrl.com.br.
                                                                                 3
                                                                                     Bacharel em Administração com ênfase
This study aimed to verify if internationalization process comes from                em Comércio Exterior na Universidade
search of opportunity in global markets. The study adopts a quality                  Presbiteriana Mackenzie. Vivência em análise
                                                                                     de sistemas, na Telefônica S/A. E-mail:
method through data base that was answered by managers executive that                marques_sissa@hotmail.com.
kindly fill up a questionary. The data base was analyzed through content         4
                                                                                     Bacharel em Administração com ênfase
analyses and checked that interviewed companies have been aquiring                   em Comércio Exterior na Universidade
                                                                                     Presbiteriana Mackenzie. Vivência na área de
more advantages than disadvantages after internationalization process.               compras e de logística, na ARROW BRASIL
The adopt strategies were crucial to succeed the process. For obtained               S/A. E-mail: araujo.ingrid@hotmail.com.
result the study conclude that internationalization process from Brazilian       5
                                                                                     Doutor em Ciências Sociais concentração
                                                                                     em Relações Internacionais, pela Pontifícia
Consulting in Information Technology Company was decurrent of the
                                                                                     Universidade Católica de São Paulo. Vivência
search of opportunity in global search.                                              empresarial em comércio exterior, com
                                                                                     atuação em empresas do tipo Trading
Keywords: internationalization of companies; information of technology;              Company e em consultoria de empresas nas
                                                                                     áreas de finanças internacionais e de gestão.
global markets.
                                                                                     Professor Adjunto e Professor Responsável pela
                                                                                     Linha de Formação Específica em Comércio
1
    Artigo aprovado e apresentado no XII SEMEAD – Seminários em Administração,       Exterior na Universidade Presbiteriana
                                                                                     Mackenzie. E-mail: famcassano@uol.com.br.
    Universidade de São Paulo – USP, agosto de 2009.


Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010                                                                    |179
Introdução                                                 I. conhecer as possibilidades de negócios
                                                              para as consultorias de TI existentes nos
     É senso comum que a relevância das ativida-              mercados globalizados;
des de serviços na geração de renda nas econo-             II. analisar o processo de internacionalização
mias modernas vem se ampliando. As atividades                  nas empresas identificadas acima;
terciárias promovem o desenvolvimento econô-               III. avaliar se as oportunidades nos mercados
mico, pois aumentam a competitividade interna                  globais influenciam no processo de inter-
e internacional, geram empregos qualificados e                 nacionalização.
aceleram o progresso tecnológico.                           Para orientar o estudo em torno dos objetivos
     Durante vários anos consecutivos, as exporta-     definidos, o problema de pesquisa foi caracteriza-
ções brasileiras de serviços não superaram a marca     do da seguinte forma: como as oportunidades de
de 10% do valor das exportações brasileiras de         negócios nos mercados globalizados influenciam
bens. Apenas a partir de 2004 esta marca foi su-       o processo de internacionalização das empresas
perada e o Brasil passou a ampliar as exportações      brasileiras de consultoria em TI?
de serviços, se comparadas ao restante do mundo,
                                                            O estudo adotou uma abordagem qualitativa,
alcançando em 2005 o ápice de 28% de crescimen-
                                                       através da coleta de dados por questionário,
to em relação ao ano anterior (BRASIL, 2008).
                                                       respondido por executivos de nível gerencial. A
     Dada a relevância do setor de serviços e a sig-   análise dos dados coletados foi feita por análise
nificativa contribuição dos serviços de tecnologia     de conteúdo, sob a categorização das dimensões
da informação para o incremento do setor, este         de acordo com os objetivos a serem alcançados.
estudo visou se aprofundar no tema, buscando
informações relevantes que possam servir como
base para novos empreendedores. Além disso,
também tem como foco tornar-se material de
                                                       1 Referencial teórico
apoio e consulta para empresas da área de tecno-
logia da informação que estejam se preparando                Pelo que foi apresentado na Introdução, a
para entrar em novos mercados.                         temática abordada no estudo se relaciona com
     Em termos acadêmicos, este estudo se propôs       as oportunidades de negócios nos mercados
a enriquecer as pesquisas voltadas para assuntos       globalizados e com a internacionalização das
relacionados à internacionalização de empresas.        empresas. Neste item foi desenvolvida a revisão da
A sua proposta foi descobrir se a dinâmica da in-      literatura desses dois temas, buscando obterem-
ternacionalização deste setor no Brasil está ligada    se elementos que permitam verificar se na prática
à busca por oportunidades no mercado global.           estão sendo utilizados os mesmos conceitos.

     O objetivo geral, portanto, foi descobrir se
o processo de internacionalização das empresas         1.1 Oportunidades de negócios nos
brasileiras de consultoria em Tecnologia da Infor-
                                                            mercados globalizados
mação – TI é decorrente da busca de oportunida-
des nos mercados globalizados.                             Porter (1989) apresentou um fator deter-
    A fim de se atingir tal objetivo, foram defini-    minante para que as empresas obtivessem êxito
dos alguns objetivos específicos:                      em longo prazo com o processo de internacio-
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Revista da      FAE


nalização: o desenvolvimento de uma vantagem                     Essa visão de Kotler foi corroborada por
competitiva sustentável.                                    Brito e Lencastre (2000), que complementaram e
     A vantagem competitiva pode se apresentar              agruparam esses fatores em motivações proativas
em dois tipos, como menor custo ou diferenciação.           e reativas na busca de oportunidades de entrada
O menor custo, ainda segundo Porter (1989),                 no mercado global.
consiste na capacidade da empresa desenvolver                   Brito e Lencastre (2000) discorreram sobre cada
e comercializar um produto ou serviço com                   um dos estímulos, explicando-os separadamente:
mais eficiência do que seus concorrentes e com                  I.    estratégias de crescimento: o objetivo
o mesmo preço ou menor. Esta redução de                               principal das empresas que tencionam
custo transforma-se em lucros superiores. Já a                        buscar oportunidades nos mercados
diferenciação é a habilidade da empresa propiciar                     globais é crescer. Geralmente encontram
um valor exclusivo ao cliente em relação à                            dificuldades de crescimento no mercado
qualidade ou característica do produto ou serviço.                    interno por diversas razões, como a falta
Com esta vantagem a empresa, ao manter os                             de sofisticação dos consumidores locais
custos comparáveis aos concorrentes, consegue                         ou a entrada de novos concorrentes, e, em
aumentar o preço do produto ou serviço e obter                        função disto, veem a internacionalização
um lucro maior.                                                       como alternativa;
     Por outro lado, para Kotler (2000), um dos                 II.   aproveitamento de oportunidades
principais motivos que levam uma empresa a se                         criadas em um novo mercado: muitas
decidir pela internacionalização é a percepção de                     empresas têm representantes ou mes-
que terá mais oportunidades em novos mercados,                        mo distribuidores de seus produtos em
uma vez que o mercado interno não é grande o                          mercados externos e se aproveitam do
suficiente para absorver tanta oferta. Relaciona                      fato de sua marca já estar consolidada
ainda outros fatores que influenciam a busca por                      nesse mercado para passar a distribuir
mercados globais quando:                                              diretamente sem intermediários, usu-
       I. o mercado internacional oferece condições                   fruindo todos os benefícios desta nova
          de lucro maiores do que o mercado interno;                  configuração de negócio;
       II. há necessidade de a empresa aumentar                 III. proximidade geográfica e afinidades
           sua carteira de clientes a fim de atingir                 culturais e linguísticas: consideram que
           economias de escala;                                      a proximidade dos mercados é um fator
       III. é necessário fazer com que a empresa                     facilitador na percepção de oportunida-
           se torne menos dependente de um só                        des de internacionalização, pois permite
           mercado;                                                  um conhecimento maior de um mercado
       IV. muitas vezes empresas globais entram no                   sobre o outro, o que traz segurança e di-
          mercado nacional oferecendo produtos                       minui as incertezas durante esse processo;
          mais interessantes a preços mais baixos e             IV. redução do risco: a internacionalização
          é necessário que a empresa contra-ataque                  proporciona a diluição dos riscos, pois
          esses concorrentes em seus mercados                       a empresa deixa de ser dependente de
          internos.                                                 apenas um mercado e possivelmente
                                                                    de poucos clientes, passando a ampliar
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010                                                 |181
sua área de atuação para mercados               VII. apoios governamentais: muitas empresas
             diversos. Com isto um resultado abaixo               são atraídas por incentivos oferecidos
             do esperado em um dos países pode ser                pelo governo, ou instituições de seu
             equilibrado com um bom resultado em                  país de origem ou de destino do inves-
             outro país;                                          timento, e, por esta razão, decidem se
        V.   redução de custos e aproveitamento de                internacionalizar;
             economias de escala: algumas empresas           VIII. internacionalização por arrastamento:
             aproveitam-se do fácil acesso e do custo              geralmente empresas prestadoras de ser-
             reduzido da mão-de-obra, ou matéria-                  viços acabam por acompanhar seus clien-
             prima, encontrados em outros mercados                 tes quando estes optam por se instalar
             para realocar seu local de operação,                  em novos mercados a fim de continuar
             além, também, de muitas vezes encontrar               prestando serviços aos mesmos;
             nesses novos mercados uma legislação            IX. imperativos do próprio negócio: ocorrem
             menos restritiva. Fica evidenciado que              quando o segmento de atuação da
             muitas vezes essa realocação não oferece            empresa a obriga a ter instalações em
             apenas vantagens à empresa, podendo,                diferentes mercados, como é o caso de
             por outro lado, aumentar alguns custos              uma empresa de transporte aéreo, que
             tais quais os de transporte ou os que               serve tanto ao mercado interno quanto
             estão relacionados à instalação da                  ao externo. Uma outra forma também
             empresa neste novo mercado. Esta                    ocorre quando a demanda no próprio
             decisão pode ainda estar atrelada ao                mercado interno não é mais suficiente
             fato da empresa almejar atingir uma                 para impulsionar o desenvolvimento da
             escala de produção maior do que a que               empresa.
             trabalha no momento, e muitas vezes
                                                              Nessa mesma linha de pensamento, Sousa
             encontrar facilidades na centralização de
                                                         e Palacios (2004) confirmaram a existência de
             suas operações em outro mercado como
                                                         motivações proativas – como um atrativo para se
             citado anteriormente. Esta resolução
                                                         alcançar um objetivo estratégico – e motivações
             deve sempre levar em consideração todos
                                                         reativas – como uma reação da empresa a mu-
             os pontos negativos citados até aqui e,
                                                         danças que já estão em andamento no mercado.
             também, o fato de que a empresa pode
                                                              Assim como Brito e Lencastre (2000), Sousa
             enfrentar neste novo mercado o risco
                                                         e Palacios (2004) listam essas motivações a seguir
             político, as oscilações cambiais e as
                                                         no quadro 01.
             barreiras tarifárias e não-tarifárias;
        VI. aproveitamento da imagem do país: a
            visibilidade positiva que um determinado
            país tem perante o mercado externo, pode
            facilitar e fortalecer as oportunidades de
            suas empresas adentrarem em outros
            mercados. O mesmo pode ocorrer de
            forma contrária, caso o país tenha uma
            imagem negativa no mercado externo;

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Revista da     FAE


QUADRO 01 - ESTÍMULOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO                                    I. vantagem de liderança em custos: ocorre
            EMPRESARIAL
                                                                                   quando a empresa, em mercados abran-
        PROATIVOS                                REATIVOS
                                                                                   gentes ou perante ampla oferta de mix
            Lucro                         Pressões competitivas
                                                                                   de produtos, fundamenta o valor do seu
       Produto único                      Excesso de produção
 Vantagem tecnológica               Vendas no mercado em queda                     produto ou serviço no baixo custo. Com
  Informação exclusiva             Excesso de capacidade instalada                 isso, o preço final do produto ou serviço
     Benefícios fiscais                Mercado interno saturado                    pode ser menor, o que aumenta seu valor
   Economias de escala           Proximidade de clientes e mercado
                                                                                   na percepção do cliente;
FONTE: Sousa e Palacios (2004, p.30)
                                                                                II. diferenciação: ocorre quando o produto
                                                                                    ou serviço é percebido como único pelos
    Apresentadas essas motivações para a inter-                                     clientes em um mercado amplo. Este tipo
nacionalização, Sousa e Palacios (2004) conside-                                    de estratégia permite que o preço cobrado
raram que as empresas que obtêm melhor desem-                                       seja mais elevado e que a empresa mante-
penho no mercado internacional são aquelas que                                      nha sua posição de mercado.
optam por uma postura proativa em relação às                                     Já as estratégias de mercado restrito são
oportunidades, não esperando que estas cheguem                              classificadas em:
àquela, mas sim indo à busca das mesmas.
                                                                                I. diferenciação focalizada: ocorre quando
     Keegan (2006) complementou afirmando                                          a empresa tem como alvo um mercado
que, baseando-se nestas duas fontes de vantagem                                    mais reduzido e definido, criando um valor
competitiva, Porter desenvolveu um modelo de                                       diferenciado para este público. A utilização
estratégias genéricas para empresas, conforme                                      desta estratégia possibilita que a empresa
demonstrado na figura 01.                                                          compreenda melhor as necessidades e
FIGURA 01 - ESTRATÉGIAS GENÉRICAS                                                  desejos de seus clientes;
                                      VANTAGEM COMPETITIVA                      II. foco de custo: ocorre quando a empresa,
                                                                                    considerando um mercado-alvo restrito,
                     Alvo
                    Amplo
                             Liderança de Custos            Diferenciação           consegue fornecer aos seus clientes um
  ÂMBITO
COMPETITIVO                                                                         produto ou serviço com preços mais baixos
                    Alvo
                           Enfoque nos Custos
                                                            Diferenciação           se comparado à concorrência.
                  Limitado                                   Focalizada
                                                                                 Craig e Grant (1999) corroboraram o modelo
FONTE: Porter (1989, p.50)
                                                                            apresentado por Porter e procuraram explicar a
                                                                            razão de duas empresas que fabricam produtos
     Esse modelo, segundo Keegan (2006), ao
                                                                            similares apresentarem diferenças de custos
combinar custo e diferenciação com o escopo do
                                                                            unitários. Para isso, demonstraram as fontes de
mercado-alvo atendido (classificado em limitado
                                                                            vantagem de custos evidenciadas a seguir:
ou amplo) e com a dimensão do mix de produto
(dividido em limitado ou amplo), possibilitou o                                 I. economias de aprendizagem: o custo de
desenvolvimento das quatro estratégias genéricas:                                  um produto tende a diminuir conforme
liderança de custo, diferenciação, foco em custos                                  as empresas fabricantes aumentam seu
e diferenciação focalizada. De acordo com esta                                     know-how, ou seja, seu conhecimento
classificação, as estratégias amplas de mercado                                    sobre a fabricação de um determinado
subdividem-se em:                                                                  produto. O que se percebe é que quanto

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mais se fabrica um determinado produto,              VII. fatores administrativos: apesar de se ter
          mais qualificados estarão os envolvidos                   apresentado diversos fatores para a dimi-
          no processo, o que acarretará em maior                    nuição de custos, muitas vezes a vanta-
          rapidez e redução do tempo do funcionário                 gem de algumas empresas está na forma
          por unidade produzida;                                    como os recursos são administrados.
        II. economias de escala: apresenta-se na medi-          Já em relação à diferenciação, Craig e Grant
            da em que a quantidade dos insumos em-         (1999) optaram por demonstrar a singularidade
            pregados na fabricação de um determinado       desta vantagem, que pode se apresentar não
            produto aumenta a quantidade final da pro-     somente em produtos como também nos serviços
            dução sem que os custos fixos aumentem.        atrelados a ele. A empresa que decide ter um
            Neste caso, por mais que os custos variáveis   diferencial deve não somente se comprometer
            aumentem, juntamente com a produção, os        com o cliente como também compreender suas
            custos fixos como, por exemplo, os custos      reais necessidades e conhecer sua capacidade de
            de publicidade, permanecem os mesmos           unir ambas as habilidades. A diferenciação não
            diminuindo o custo final;                      pode ser generalizada, uma vez que cada empresa
        III. custos dos insumos: a empresa pode re-        tem uma percepção única para o desenvolvimento
            duzir seus custos com mão-de-obra para         desses diferenciais, o que gerará características
            alcançar a vantagem de custo;                  distintas no produto ou serviço.

        IV. tecnologia de processo: o investimento em           Craig e Grant (1999) ainda consideraram
           inovação tecnológica acarreta em redução        que, devido a esta singularidade, a vantagem de
           de custos nos processos organizacionais;        diferenciação tende a ser mais sustentável que a
                                                           de custos, já que a segunda pode ser facilmente
        V. projeto do produto: a integração dos pro-
                                                           copiada pela concorrência, além de ser influencia-
           fissionais responsáveis por um projeto de
                                                           da por variações de câmbio, por exemplo.
           desenvolvimento de produto é de extre-
           ma importância no sentido de repensar a             Diferente da visão exposta pelos autores
           estrutura do mesmo, de forma a reduzir          anteriores, Barney e Hesterly (2008) apresentaram
           o número de componentes e facilitar sua         a vantagem competitiva por uma nova ótica. O
           montagem. Desta maneira, tem-se como            modelo descrito é a Visão Baseada em Recursos
           objetivo reduzir etapas desnecessárias e        – VBR, que foca nos recursos e capacidades
           retrabalho;                                     controladas por uma empresa como fontes de
                                                           vantagem competitiva.
        VI.utilização da capacidade: em alguns ramos
          empresariais boa parte dos custos unitários           A VBR define recursos como ativos que podem
          é fixa, ou seja, se a empresa utilizar 1% ou     ser tangíveis ou intangíveis e que são controlados
          100% de sua capacidade, o custo de pro-          pela empresa podendo ser utilizados com o
          dução será o mesmo. Assim, para reduzir          objetivo de desenvolver e estabelecer estratégias.
          o custo unitário do produto, é necessário        Como exemplo, é possível citar os produtos da
          que a empresa utilize o máximo de sua            empresa como ativos tangíveis e a reputação da
          capacidade para baixar custos e aumentar         empresa como ativo intangível.
          os lucros;                                          Capacidades são partes dos recursos de uma
                                                           empresa e permitem que estes sejam utilizados na
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Revista da          FAE


criação e implementação de estratégias. Barney e                 Segundo Maia (2006), o comércio interna-
Hesterly (2008) consideraram que a capacidade               cional está inserido em um cenário muito maior,
e os recursos devem ser utilizados em conjunto,             a Economia Internacional, que abrange outros
pois são complementares, podendo ser divididos              fatores como domínio de tecnologia e transportes,
em quatro categorias:                                       movimentação de capitais e pessoas e abertura de
       I. recursos financeiros: incluem todos os            novos mercados.
          valores financeiros, advindos de qualquer              Essa constante movimentação justifica que
          fonte lícita, utilizados pela empresa para        pequenas e grandes empresas visualizem seu mer-
          criar e implantar estratégias;                    cado como um todo e não se restrinjam somente
       II. recursos físicos: englobam desde insumos         ao seu mercado local, fazendo assim com que a
           até o espaço físico em que a empresa se          internacionalização seja uma condição necessária
           encontra;                                        para a posição competitiva bem como à própria
                                                            sobrevivência (LORGA, 2003).
       III. recursos humanos: reúne todo capital
                                                                 O processo de internacionalização distingue-
           humano da empresa considerando suas
                                                            se por duas grandes perspectivas: a econômica
           atividades e contribuições individuais à
                                                            e a comportamental. A econômica, identificada
           organização;
                                                            por Welch e Luostarinen, deve ser equacionada
       IV. recursos organizacionais: são representados      de forma precisa, com base na avaliação das
          pela cultura e políticas organizacionais,         vantagens e desvantagens da suposta decisão.
          pelas relações formais e informais entre          Os recursos financeiros podem funcionar como
          os grupos, bem como pelo planejamento,            barreira à decisão da internacionalização, mesmo
          controle e coordenação dessas relações.           que não constituam um fator determinante. A
     Essa perspectiva de Barney e Hesterly (2008)           comportamental, de Bjorkman e Fosgren, baseia-
                                                            se no processo de como as empresas iniciam a
complementa a visão de Craig e Grant (1999) de
                                                            sua internacionalização. Contrária à perspectiva
que uma empresa que possui recursos e capacida-
                                                            econômica, a perspectiva comportamental aplica-
des de grande valor, frente às empresas que não
                                                            se melhor às empresas menores e no início do
compartilham disto e que acreditam ser muito                processo (LORGA, 2003).
custoso imitar esses recursos e capacidades, pode-
                                                                Para orientar o estudo, adotou-se um modelo
rá obter uma vantagem competitiva sustentável.
                                                            teórico que descreve as principais etapas do
                                                            processo de internacionalização.
1.2 O processo de internacionalização das                       Iniciando-se pela definição, e ao contrário do
        empresas                                            que muitos pensam, Cintra e Mourão2 (2005 apud
                                                            ALMEIDA, 2007) afirmam que o processo de inter-
     Os primeiros a estudar as transações interna-          nacionalização é muito mais do que exportação
cionais foram os mercantilistas, tendo em seguida           e/ou importação de bens. Para uma empresa ser
o advento do liberalismo econômico que cedia                reconhecida internacionalmente, tem que estar
tal privilégio às Nações, porém, com o constante
papel impulsionador das empresas, estas assumi-
ram os fluxos de bens e capitais impondo-se como            2
                                                                CINTRA, R.; MOURÃO, B. Perspectivas e estratégias na internacio-
unidade de análise nas questões de internaciona-                nalização de empresas brasileiras. São Paulo: Focus RI Assessoria
lização (ROCHA, 2002).                                          e Consultoria em Relações Internacionais, 2005.

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inserida em um processo no qual exista uma re-                               De acordo com Almeida (2007), é necessário
lação maior com as partes envolvidas no país de                          que a empresa esteja inteiramente alinhada com
origem e no exterior. Abertura de filiais, parcerias                     as necessidades do mercado interno antes de se
comerciais, investimentos entre as empresas, bem                         projetar para o mercado exterior. Passada esta
como cooperação industrial/comercial, são alguns                         etapa, as empresas iniciam o processo de alianças,
exemplos de atividades que a empresa deve “ga-                           abertura de “filiais” no exterior e joint-ventures.
rantir” para ser chamada de internacional.                                   Analisando-se tais alternativas, constatam-se
    De acordo com Almeida (2007), o simples                              que algumas atitudes são mais pró-ativas e outras
processo de importação e/ou exportação é somente                         mais reativas, reações essas decorrentes dos estí-
uma fase desse processo de internacionalização.                          mulos de oportunidades e ameaças que giram no
     O modelo de Upsalla defende duas grandes                            mercado (LORGA, 2003).
proposições para o entendimento do processo. A                                Embora a internacionalização não deva ser
primeira é de que a ordem de seleção de países                           encarada como solução de todos os males que
seguiria uma relação inversa com a distância psí-                        as empresas enfrentam, a mesma tem se tor-
quica entre o país alvo e o país de origem. A se-                        nado condição necessária para reforçar a ação
gunda dá-se através do estabelecimento da cadeia                         competitiva. A expansão internacional é apenas
em mercados estrangeiros, estágios intermediários                        uma dentre as diversas formas de estratégias de
para assim seguir a um maior comprometimento                             crescimento (PRESCOTT; WELFORD4, 1994 apud
de recursos (ROCHA, 2002).                                               LORGA, 2003).
     Seguindo essa lógica, as atividades das em-                              No entanto, Almeida (2007) afirmou que a
presas iniciariam no mercado doméstico e somen-                          liberação dos processos comerciais e financeiros
te depois se inseriam no mercado externo.                                tem levado as empresas ao inevitável processo de
      Para Welch e Luostarien3 (1988 apud ROCHA,                         internacionalização.
2002), internacionalização pode ser definida como                             Assim, admite-se que a estratégia de servir
um processo de crescente envolvimento com ope-                           mercados externos deve ser submetida a diferentes
rações internacionais, sendo que essas operações                         decisões que condiz com o pensamento da empresa.
podem ser de dois tipos: para dentro (inward) e
para fora (outward). A internacionalização para
dentro se realiza através de importações, obtenção
                                                                         2 Metodologia
de licenças de fabricação, compra de tecnologia
ou contratos de franquia de empresas estrangei-
                                                                             A partir das características apresentadas e do
ras. Já a internacionalização para fora ocorre por
                                                                         objetivo de estudo, para esta pesquisa foi definido
meio de exportações, concessão de licenças ou
                                                                         o método qualitativo.
franquias e investimento direto no exterior. As
                                                                              As pesquisas de campo têm outra classifica-
duas direções combinadas permitem maior apro-
                                                                         ção, que varia conforme o tipo de estudo: estudos
fundamento do processo de internacionalização
                                                                         exploratórios, estudos descritivos e estudos explica-
de empresas.
                                                                         tivos. Tais estudos se caracterizam pelos diferentes

3
     WELCH, L. S.; LUOSTARIEN, R. Internationalization: evolution of a
     concept. Journal of General Management, Henley-on-Thames, Eng.      4
                                                                             WELFORD, R.; PRESCOTT, K. European Business: an issue based
     v.14, n.2, p.34-55, 1988.                                               approach. London: Pitman, 1994.

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Revista da     FAE


níveis de aprofundamento, objetivos desejados,              população restringiu-se às consultorias brasileiras
perspectiva do objeto de estudo e a qualificação            de TI que se internacionalizaram.
do pesquisador (CERVO; BERVIAN, 2004).                           Com relação à amostra, Richardson (2008)
     Os estudos exploratórios são recomendados              definiu como um subconjunto da população.
quando há pouco conhecimento sobre o assunto a              Sampieri, Collado e Lucio (2006) consideraram
ser pesquisado. Realizam-se descrições precisas do          que, para os estudos qualitativos, a amostra
assunto e buscam-se as relações existentes entre os         corresponde ao conjunto dos contextos, eventos
elementos encontrados (CERVO; BERVIAN, 2004).               ou fatos sobre o qual são extraídas informações
    Assim sendo, este estudo seguiu o tipo de               que não necessariamente representam o universo.
pesquisa exploratória.                                           Para este estudo, quatro empresas da popu-
     Por outro lado, Lakatos e Marconi (2008)               lação de consultorias, que prestam serviços inter-
afirmam que são utilizados entrevistas, questio-            nacionais, receberam o questionário abrangendo
                                                            todos os tópicos necessários para as respostas do
nários e formulários para a coleta de dados e que,
                                                            problema de pesquisa e o alcance do objetivo geral.
neste tipo de pesquisa, emprega-se bastante o
procedimento de amostragem.
                                                            2.1.2 Instrumento de Coleta de Dados

2.1 Pesquisa de campo                                            Podem ser utilizados diversos instrumentos de
                                                            coleta de dados para se obter informações acerca
     A pesquisa de campo permitiu a constatação             de grupos sociais e os instrumentos de largo uso
prática daquilo que a revisão da literatura apon-           são: a entrevista, o formulário e o questionário
tou como sendo o caminho para as empresas                   (CERVO; BERVIAN, 2004).
aproveitarem as oportunidades nos mercados
                                                                 A entrevista é utilizada quando não se podem
globalizados.
                                                            encontrar dados em registros documentais e po-
                                                            dem ser fornecidos por certas pessoas, recorrendo
2.1.1 Plano Amostral                                        a este instrumento os pesquisadores em ciências
                                                            sociais e psicológicas (CERVO; BERVIAN, 2004).
     O plano amostral de uma pesquisa de campo
                                                                 Cervo e Bervian (2004) também afirmaram
origina-se com a seleção de um universo a que se
                                                            que o questionário pode ser enviado pelo correio,
refere o estudo, da população que será estudada e
da unidade amostral, objeto sobre o qual o estudo           entregue ao respondente ou aplicado por elemen-
concentrará os seus objetivos.                              tos preparados e selecionados.

     Segundo Sampieri, Collado e Lucio (2006), o                 Richardson (2008), no entanto, alertou que
universo consiste no agrupamento dos elementos              a interação face a face é a melhor situação para
que possuem características comuns. Assim, o uni-           participar na mente de outro ser humano, permi-
verso deste estudo é representado pelo mercado              tindo uma estreita relação entre as pessoas.
brasileiro de consultoria em TI, que é formado por               Por outro lado, um formulário, destinado à
empresas de diferentes portes.                              coleta de dados resultantes de observações feitas
    Richardson (2008) considerou universo e                 pelo próprio investigador, pode ser aplicado a
população definições bastante próximas, como                grupos heterogêneos, inclusive analfabetos,
sendo o conjunto de eventos com as mesmas                   diferente do que acontece com o questionário, e,
especificações. Para o enfoque deste estudo, a              após isso, o formulário é codificado em gráficos,
Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010                                                 |187
mapas e então analisados, interpretados (CERVO;       QUADRO 02 - DADOS E CARACTERÍSTICAS DAS EMPRESAS
BERVIAN, 2004).                                                   DA AMOSTRA
    Além disso, o questionário, mais comum                                                           Início de
                                                                        Área de
                                                                                   Diferencial de   atuação no
entre os instrumentos de coleta de dados, tem           Empresa       atuação no
                                                                                      serviço        mercado
a função de descrever as características e medir                         Brasil
                                                                                                      externo
determinadas variáveis de um grupo social                                           Softwares de
(RICHARDSON, 2008).                                                                  aplicativos
                                                         Sonda         Todas as                     Entre 1991 e
                                                                                   Complementa-
     Visando atender ao objetivo geral deste            Procwork        regiões                         2000
                                                                                    res a sistema
estudo, foi utilizado como instrumento de coleta                                       de ERP
de dados o questionário de questões fechadas                                        Consultoria
que, segundo Richardson (2008), é composto                HR
                                                                                    e produtos
por indagações ou afirmações cujas alternativas                        Todas as     específicos     Entre 2001 e
                                                       Developers
                                                                        regiões    para Recursos        2008
de resposta já estão estabelecidas, sendo que          Consultoria
                                                                                   Humanos no
o respondente deverá optar pela opção mais                                           SAP ERP
adequada à sua realidade.                                                            Consultoria
     Sampieri, Collado e Lucio (2006) afirmaram                        Todas as      e venda de     Entre 1971 e
                                                       Datasul S/A
                                                                        regiões    software como        1980
ainda que os questionários fechados são mais                                        ERP, HCM, BI
fáceis de serem aceitos pelos indivíduos, pois                        Nordeste,
levam menos tempo de serem respondidos e,                              Centro-
                                                       Stefanini IT                                 Entre 1991 e
portanto, se obtém mais respostas.                                      oeste,      Consultoria
                                                        Solutions                                       2000
                                                                      Sudeste e
                                                                         Sul

2.1.3 Análise de Tratamento dos Dados                 FONTE: Os autores (2008)


    Richardson (2008) observou que as definições           Para a categorização dos dados obtidos
de análise de conteúdo sofreram alterações ao         nas entrevistas, foram escolhidas quatro cate-
longo do tempo, à medida que as técnicas foram        gorias: motivos e oportunidades que levaram à
aprimoradas e o campo de aplicação diversificado.     internacionalização; incentivos para a atuação
                                                      de empresas estrangeiras no mercado externo;
     Para Bardin (2000), a análise de conteúdo
                                                      estratégias adotadas pela empresa no processo
consiste em um conjunto de instrumentos meto-
                                                      de internacionalização; resultados da internacio-
dológicos em constante desenvolvimento e que
                                                      nalização da empresa. Tais categorias, sem que
se aplicam a diversos tipos de discursos. A maioria
                                                      haja qualquer hierarquização, permitiram que os
dos processos de análise de conteúdo é baseada na
                                                      resultados obtidos pudessem ser analisados de
categorização, não sendo um processo obrigatório.
                                                      forma agrupada e que possibilitassem maior clare-
    A categorização consiste em classificar, sob
                                                      za na análise das respostas que cada respondente
um título genérico, os elementos que constituem
                                                      ofereceu à pesquisa.
um conjunto de elementos por diferenciação e
reagrupamento segundo o gênero, tendo por base
a definição de critérios (BARDIN, 2000).
    Previamente à categorização, foi elaborado o
quadro 02 que apresenta as características gerais
das empresas que compuseram a amostra.


188 |
Revista da         FAE


QUADRO 03 - CATEGORIA 1: MOTIVOS E OPORTUNIDADES QUE LEVARAM À INTERNACIONALIZAÇÃO
       EMPRESA                                                             RESPOSTA
                             A oportunidade para a internacionalização surgiu porque a empresa foi procurada por clientes do
                             exterior. Além disso, os motivos que mais influenciaram na internacionalização da empresa foram:
                             obter oportunidades em novos mercados; necessidade de aumentar a carteira de clientes a fim de
                             atingir economias de escala; ter menor dependência de um só mercado; atender os clientes que
                             se internacionalizaram. Outros motivos que tiveram uma influência média foram: possibilidade de
   Sonda Procwork
                             lucros maiores que os do mercado interno, pois as vendas neste estavam em queda; desenvolvimento
                             de produto único; vantagem tecnológica; pressões competitivas. Os motivos que tiveram pouca ou
                             nenhuma influência no processo de internacionalização foram: contra-ataque a novos entrantes no
                             mercado interno; informação exclusiva; benefícios fiscais; excesso de produção; excesso de capacidade
                             instalada; proximidade de clientes e do mercado de forma geral.
                             A oportunidade para a internacionalização surgiu tanto da busca da empresa por novos clientes, quanto
                             da demanda pela empresa de clientes do exterior. Além disso, os motivos que mais influenciaram
                             na internacionalização da empresa foram: obter oportunidades em novos mercados; necessidade de
                             aumentar a carteira de clientes a fim de atingir economias de escala; ter menor dependência de um só
    HR Developers            mercado; atender os clientes que se internacionalizaram. Outros motivos que tiveram uma influência
     Consultoria             média foram: possibilidade de lucros maiores que os do mercado interno; contra-ataque a novos
                             entrantes no mercado interno; desenvolvimento de produto único; vantagem tecnológica; informação
                             exclusiva; benefícios fiscais; pressões competitivas; proximidade de clientes e mercado. Já motivos que
                             tiveram pouca ou nenhuma influência no processo de internacionalização foram: excesso de produção;
                             vendas no mercado interno em queda; excesso de capacidade instalada.
                             A oportunidade para a internacionalização surgiu tanto da busca da empresa por novos clientes quanto
                             da demanda pela empresa de clientes do exterior. Além disso, os motivos que mais influenciaram na
                             internacionalização da empresa foram: contra-ataque a novos entrantes no mercado interno; atender os
                             clientes que se internacionalizaram; desenvolvimento de produto único. Outros motivos que tiveram uma
                             influência média foram: obter oportunidades em novos mercados; possibilidade de lucros maiores que os
      Datasul S/A
                             do mercado interno; necessidade de aumentar a carteira de clientes a fim de atingir economias de escala;
                             ter menor dependência de um só mercado; vantagem tecnológica; informação exclusiva; benefícios
                             fiscais; pressões competitivas; proximidade de clientes e mercado. Já motivos que tiveram pouca ou
                             nenhuma influência no processo de internacionalização foram: excesso de produção; vendas no mercado
                             interno em queda; excesso de capacidade instalada.
                             A oportunidade para a internacionalização surgiu da busca da empresa por novos clientes. Além disso, os
                             motivos que mais influenciaram na internacionalização da empresa foram: obtenção de oportunidades
                             em novos mercados; ter menor dependência de um só mercado; contra-ataque a novos entrantes no
                             mercado interno; atender os clientes que se internacionalizaram; pressões competitivas; proximidade
      Stefanini IT
                             de clientes e mercado. Outros motivos que tiveram uma influência média foram: possibilidade de
       Solutions
                             lucros maiores; necessidade de aumentar a carteira de clientes a fim de atingir economias de escala;
                             excesso de capacidade instalada. Já motivos que tiveram pouca ou nenhuma influência no processo
                             de internacionalização foram: desenvolvimento de produto único; vantagem tecnológica; informação
                             exclusiva; benefícios fiscais; excesso de produção; vendas no mercado interno em queda.
FONTE: Os autores (2008)



     Nesta primeira categoria, todos os respon-                             Além disso, o motivo que mais impulsionou
dentes afirmaram que a oportunidade de interna-                         a maioria das empresas respondentes a se inter-
cionalização surgiu com a busca da empresa por                          nacionalizar foi a obtenção de oportunidades
novos clientes e a maioria também se internacio-                        em novos mercados seguido pela necessidade de
nalizou por conta da demanda de novos clientes                          aumentar a carteira de clientes, ter menor depen-
no exterior.                                                            dência de um só mercado e atender aos clientes
                                                                        que se internacionalizaram.

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010                                                                       |189
QUADRO 04 - CATEGORIA 2: OS INCENTIVOS PARA A              QUADRO 05 - CATEGORIA 3: ESTRATÉGIAS ADOTADAS
            ATUAÇÃO DE EMPRESAS ESTRANGEIRAS NO                        PELA EMPRESA NO PROCESSO DE
            MERCADO EXTERNO                                            INTERNACIONALIZAÇÃO
        EMPRESA                  RESPOSTA                        EMPRESA                     RESPOSTA
                    A empresa atua na América Latina                            As estratégias utilizadas pela
                    e não contou com nenhum tipo                                empresa foram: eficiência,
  Sonda Procwork
                    de incentivo do mercado onde se                             qualidade, inovação e diferenciação
                                                              Sonda Procwork
                    instalou.                                                   do produto. A empresa tem
                    A empresa atua na Europa                                    projetos para continuar/ampliar sua
                    Ocidental, América do Norte e                               atividade.
  HR Developers
                    Latina e não contou com nenhum                              As estratégias utilizadas pela
   Consultoria
                    tipo de incentivo para se instalar                          empresa foram: preço, eficiência,
                    nesses mercados.                          HR Developers     qualidade e diferenciação do
                    A empresa atua na América do               Consultoria      produto. A empresa tem projetos
                    Norte e Latina e contou com                                 para continuar/ampliar sua
    Datasul S/A     incentivos fiscais e processos menos                        atividade.
                    burocráticos para instalação nesses                         As estratégias utilizadas pela
                    mercados.                                                   empresa foram: preço, eficiência
                    A empresa atua na África, América           Datasul S/A     e qualidade. A empresa tem
    Stefanini IT    do Norte e Latina e não contou com                          projetos para continuar/ampliar sua
     Solutions      nenhum tipo de incentivo para se                            atividade.
                    instalar nesses mercados.                                   As estratégias utilizadas pela
FONTE: Os autores (2008)                                                        empresa foram: eficiência, qualidade
                                                                Stefanini IT
                                                                                e diferenciação de produto.
                                                                 Solutions
                                                                                A empresa tem projetos para
    Na categoria dois, todas as empresas respon-                                continuar/ampliar sua atividade.
dentes atuam na América Latina e a maioria não             FONTE: Os autores (2008)
contou com nenhum incentivo para instalação
no mercado.                                                     Nesta categoria três, as empresas respondentes
     Em contrapartida, uma das empresas que                confirmaram que as estratégias mais utilizadas
atua também na América do Norte contou com                 para a internacionalização foram a eficiência e
incentivos fiscais e com processos menos buro-             a qualidade dos serviços e produtos e todas têm
cráticos.
                                                           projetos para continuar e/ou ampliar sua atividade
                                                           internacional.

QUADRO 06 - CATEGORIA 4: RESULTADOS DA INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA                                        Continua
        EMPRESA                                                 RESPOSTA
                      A empresa enfrentou algumas dificuldades, tais como: a burocracia para entrada no mercado
                      externo e a economia desses mercados. Em contrapartida obteve resultados satisfatórios, pois
   Sonda Procwork     com o processo de internacionalização conquistou diversos benefícios como ganhos financeiros,
                      maior poder de marca, crescimento da empresa, ampliação e abertura para a atuação em novos
                      mercados, novas possibilidades de relacionamentos empresariais e ganho de credibilidade.
                      A empresa enfrentou algumas dificuldades tais como: a burocracia para entrada no mercado
                      externo e sua carga tributária. Em contrapartida obteve resultados satisfatórios, pois com o
    HR Developers
                      processo de internacionalização conquistou diversos benefícios como ganhos financeiros, maior
     Consultoria
                      poder de marca, crescimento da empresa, ampliação e abertura para a atuação em novos
                      mercados.

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Revista da       FAE


QUADRO 06 - CATEGORIA 4: RESULTADOS DA INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA                                                 Conclusão
         EMPRESA                                                          RESPOSTA
                                A empresa enfrentou algumas dificuldades, tais como: a burocracia para entrada no mercado
                                externo e as diferenças culturais. Em contrapartida obteve resultados satisfatórios, pois com
       Datasul S/A              o processo de internacionalização conquistou diversos benefícios como ganhos financeiros,
                                maior poder de marca, crescimento da empresa, ampliação e abertura para a atuação em novos
                                mercados e novas possibilidades de relacionamentos empresariais.
                        A empresa enfrentou algumas dificuldades tais como: as diferenças culturais e econômicas.
                        Em contrapartida obteve resultados satisfatórios, pois com o processo de internacionalização
 Stefanini IT Solutions
                        conquistou diversos benefícios como maior poder de marca, crescimento da empresa, ampliação
                        e abertura de novos mercados e novas possibilidades de relacionamentos empresariais.
FONTE: Os autores (2008)


     Na categoria quatro, as empresas respondentes                   por exemplo, maiores ganhos financeiros, maior
apontaram como maior dificuldade no processo                         poder de marca, crescimento da empresa, amplia-
de internacionalização a burocracia, seguida de                      ção e abertura para atuação em novos mercados,
diferenças culturais e a economia dos países-alvo.                   possibilidade de relacionamentos empresariais e
     Por outro lado, os resultados foram satisfa-                    ganho de credibilidade.
tórios, pois houve benefícios como: ganhos finan-                         Já alguns benefícios mencionados no re-
ceiros, maior poder de marca, crescimento da em-                     ferencial teórico como a redução de riscos de
presa, ampliação e abertura de novos mercados.                       investimento, disputa de mercado, aumento de
                                                                     produtividade e redução de custos de produção,
                                                                     não configuraram a realidade das empresas.

Conclusão                                                                 Para entrar em novos mercados as empresas
                                                                     analisadas utilizaram diversas estratégias para
                                                                     se destacar frente à concorrência, e, entre elas,
    Pela análise de conteúdo sobre os dados
                                                                     as mais importantes são: eficiência; qualidade
coletados, verificou-se que todas as empresas
                                                                     de produto e serviço; inovação; diferenciação
estudadas obtiveram resultados satisfatórios no
                                                                     de produto ou serviço; preço. A única estratégia
processo de internacionalização e têm interesse
                                                                     verificada na teoria e não empregada pelas
em manter ou ampliar suas atividades no exterior.
                                                                     empresas é a utilização da marca corporativa.
     No decorrer desse processo, as empresas se
                                                                         As empresas estudadas foram mais fortemente
depararam com alguns obstáculos que foram
                                                                     impulsionadas por motivações pró-ativas ao se
superados como, por exemplo, a burocracia em
                                                                     decidirem pela internacionalização, entretanto,
excesso para a entrada de empresas estrangeiras
                                                                     algumas motivações reativas também foram
nos países-alvo, a economia de mercado, a carga
                                                                     importantes neste processo. No quadro 07 é
tributária e as diferenças culturais. Embora os
                                                                     possível observar-se com mais clareza o grau de
autores apresentados mencionem, também,
                                                                     importância dessas motivações.
questões políticas como uma barreira, nenhuma
das empresas teve empecilhos desta natureza.
    Essas dificuldades, porém, foram suplantadas
por benefícios obtidos durante o processo como,

Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010                                                                 |191
QUADRO 07 - ESCALA DE IMPORTÂNCIA PARA AS MOTIVAÇÕES             aumento da carteira de clientes, menor dependên-
            PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO                           cia de um só mercado e atendimento internacional
                        Motivações
                                                     Grau de     aos clientes do mercado interno.
                                                   importância
                                                                      Em vista disto é possível verificar que a
              Contra-ataque a novos entrantes no
              mercado interno                                    maioria das empresas, por ter motivações pró-
                                                      ALTA       ativas muito mais fortes que as reativas, buscou
              Desenvolvimento de produto único
 PRÓ-ATIVAS




              Vantagem tecnológica                               novas oportunidades em mercados externos.
              Informação exclusiva                                    Com isso, conclui-se que o processo de in-
                                                     MÉDIA
              Benefícios fiscais                                 ternacionalização das empresas brasileiras de
              Há pressões competitivas                           Consultoria em Tecnologia da Informação decorre
              Obtenção de oportunidades em
                                                                 da busca de oportunidades nos mercados globali-
              novos mercados                          ALTA
                                                                 zados, embora, em alguns casos, tais oportunida-
              Há proximidade de clientes e
              mercado                                            des surgissem para as empresas sem que fossem
 REATIVAS




              Há excesso de produção                             pró-ativas, como, por exemplo, o caso de clientes
              Vendas no mercado estão em queda       BAIXA       que demandaram seus serviços.
              Há excesso de capacidade instalada
FONTE: Os autores (2008)




     Desta forma é possível entender que, de fato,
o que foi apresentado na teoria reflete-se na rea-
lidade das empresas estudadas, pois as respostas
demonstraram que a maioria das motivações
apresentadas pelos autores influenciou de alguma
forma o processo de internacionalização.
     Existem também outras motivações definidas
como de alta relevância pelas empresas, mas que
                                                                                              • Recebido em: 15/08/2010
não foram categorizadas como reativas ou pró-                                                 • Aprovado em: 24/09/2010
-ativas na literatura: obtenção de lucros maiores,




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Revista da       FAE


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Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010                                       |193
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Revista da        FAE


Orientações aos colaboradores da Revista da FAE


Histórico e missão                                                de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a partir
                                                                  de uma abordagem multidisciplinar das áreas de ciências
                                                                  sociais aplicadas (administração, contábeis e economia),
      A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço
                                                                  jurídica (direito) e exatas (engenharias).
para divulgação da produção científica e acadêmica de temas
multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de             Já com o tema organizações e desenvolvimento, o
administração, contabilidade, economia, direito, engenharia,      objetivo é analisar o papel e a interação da organização,
educação, sistemas de informação, psicologia e filosofia, com     qualquer que seja sua origem ou situação societária, no
o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o       processo de sustentabilidade econômica, social, ambiental
desenvolvimento local.                                            e política.

      Por ter como missão fomentar a produção e a dis-                  Além de trabalhos puramente teóricos, serão aceitos
seminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão         para apreciação artigos resultantes de estudos de casos
sobre a gestão de negócios e o posicionamento das organi-         ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam
zações no processo de desenvolvimento local, entre nossos         experiências, fundamentadas teoricamente, e que contribuam
leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e         com o debate estimulado pelo objetivo da revista.
pós-graduação, consultores, empresários e profissionais de             Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem as
empresas públicas e privadas.                                     normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores, espe-
                                                                  cialmente as referentes ao limite de tamanho. Os trabalhos
                                                                  serão publicados de acordo com a ordem de aprovação,
Objetivo                                                          porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar do debate.
                                                                       Todos os artigos estão disponíveis para download,
     O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação         exceto a última edição.
de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção
das organizações no processo de desenvolvimento local.
      A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus          Focos
leitores a compreenderem o papel das organizações no
processo de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão
                                                                        O principal requisito para publicação na Revista da FAE
de temas atuais e relevantes para definição estratégica e
                                                                  consiste em que o artigo represente, de fato, contribuição
operacional das organizações.
                                                                  científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos seguintes
     Assim, será dada prioridade à publicação de artigos que,
                                                                  tópicos:
além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem sobre
                                                                       • O tema tratado deve ser relevante e pertinente
o papel das organizações no desenvolvimento local e discutam
                                                                         ao contexto e ao momento e, preferencialmente,
sobre temas contemporâneos da gestão de negócios.
                                                                         pertencer à orientação editorial.
                                                                       • O referencial teórico-conceitual deve refletir o
Orientação editorial                                                     estado da arte do conhecimento na área.
                                                                       • O desenvolvimento do artigo deve ser consistente,
      Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão                com princípios de construção científica do
aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo,                  conhecimento.
ou seja, que se refiram a ferramentas, técnicas e teorias rela-        • A conclusão deve ser clara e concisa e apontar
cionadas à gestão de negócios e à função das organizações                implicações do trabalho para a teoria e/ou para a
no processo de desenvolvimento local.                                    prática administrativa.
     Com o tema gestão de negócios, visa-se contribuir com             Espera-se, também, que os artigos publicados na
o debate sobre sistemas de gestão de produção e gestão
                                                                  Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas
econômica de sistemas produtivos, com o intuito de discutir
                                                                  estabelecidas com perspectivas provocativas e inovadoras.
o processo de desenvolvimento da organização. Trata-se


Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p.195-196, jul./dez. 2010                                                                   |195
Escopo                                                                     ordem alfabética no final do texto, de acordo com as
                                                                           normas da ABNT (NBR-6023).
     A Revista da FAE tem interesse na publicação de artigos           • Diagramas, quadros, figuras e tabelas devem ser
de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos.                        numerados seqüencialmente, apresentar título e fonte,
      Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser                    bem como ser referenciados no corpo do artigo.
sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem propor            • Os artigos deverão ser enviados em disquete ou CD,
novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes                 acompanhados de duas vias impressas ou via e-mail
com relação à gestão de negócios e à interação das organiza-             em arquivo eletrônico anexo. O autor receberá a
ções no desenvolvimento local.                                           confirmação de recebimento.

     Os trabalhos empíricos devem fazer avançar o conheci-
mento na área, por meio de pesquisas metodolo-gicamente
                                                                   Permuta
bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas e adequa-
damente analisadas.
                                                                         A Revista da FAE faz permuta com as principais
                                                                   faculdades e universidades do país.

Notas para colaboradores
                                                                   Assinatura
      A Revista da FAE está aberta a colaborações do Brasil
e do exterior. A pluralidade de abordagens e perspectivas é
                                                                       Periodicidade: Anual
incentivada.
                                                                       Valor: R$ 50,00
      Podem ser publicados artigos de desenvolvimento
teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5.000            •    Para assinar, favor entrar em contato pelo telefone
a 8.000 palavras).                                                          (41) 2105-4093 ou pesquisa@fae.edu

      A aceitação e publicação dos textos implicam a
transferência de direitos do autor para a Revista. Não são
                                                                   Envio de artigos
pagos direitos autorais.
     Os textos enviados para publicação são apreciados por
                                                                       Os artigos deverão ser encaminhados para:
pareceristas pelo sistema blind review.
     Os artigos deverão ser encaminhados para o Núcleo de                  FAE Centro Universitário
Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes características:                 Núcleo de Pesquisa Acadêmica
                                                                           Rua 24 de Maio, 135
        • Em folha de rosto deverão constar o título do
                                                                           80230-080 Curitiba/PR
          trabalho, o(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es),
                                                                           E-mail: pesquisa@fae.edu
          acompanhado (s) de breve currículo, relatando
                                                                           Fone: (41) 2105-4093 - Fax (41) 2105-4195
          experiência profissional e/ou acadêmica, endereço,
          números do telefone e do fax e e-mail.
        • A primeira página do artigo deve conter o título
                                                                       Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e
          (máximo de dez palavras), o resumo em português
                                                                       esperamos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente.
          (máximo de 250 palavras) e as palavras-chave
          (máximo de cinco), assim como os mesmos tópicos
          vertidos para o inglês (title, abstract, keywords).
        • A formatação do artigo deve ser: tamanho A4, editor
          de texto Word for Windows, margens 2,5 cm, fonte
          times new roman 13 e/ou arial 12 e espaçamento
          1,5 linha.
        • As referências bibliográficas devem ser citadas no
          corpo do texto pelo sistema autor-data. As referências
          bibliográficas completas deverão ser apresentadas em


196 |

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V.13 02 2010

  • 1. SUMÁRIO SUMMARY Alimentos preservados com radiação: a vantagem competitiva Food preservation with radiation: the competitive advantage que falta ao Brasil 1 that Brazil lacks 1 Patricia Wieland, Leonardo Junqueira Lustosa, Teresia Diana Lewe van Aduard de Patricia Wieland, Leonardo Junqueira Lustosa, Teresia Diana Lewe van Aduard de Macedo-Soares Macedo-Soares O treinamento experiencial e sua aplicação no contexto corporativo: The experiential training and its corporate context application: estudo comparativo entre programas de treinamento realizados nos comparative study between training programs in the United States Estados Unidos e no Brasil 17 and Brazil 17 Zélia Miranda Kilimnik, Eder Menezes Reis Zélia Miranda Kilimnik, Eder Menezes Reis A importância dos sistemas de gestão da qualidade: Fmea e Seis Quality management sistems regard: Fmae and Six Sigma - an Sigma - uma abordagem teórica 31 theoric approach 31 Elizabeth Giron Cima, Miguel Angel Uribe Opazo Elizabeth Giron Cima, Miguel Angel Uribe Opazo Custos da qualidade: como medir o impacto dos esforços pela The quality cost: how to measure the impact of the efforts for qualidade 37 the quality 37 Fabiano Goldacker, Rubens Ricardo Franz Fabiano Goldacker, Rubens Ricardo Franz Planejamento estratégico e gestão familiar em empresas Strategic planning and family management of enterprises in paulistanas 47 São Paulo 47 Marilia Branquinho, Maximiliano da Silva Ribeiro, Pedro Rehem Santana, Tito Marilia Branquinho, Maximiliano da Silva Ribeiro, Pedro Rehem Santana, Tito Olavo Pereira Dancuart, Victor Souza, Adriana Beatriz Madeira, Luciano Augusto Olavo Pereira Dancuart, Victor Souza, Adriana Beatriz Madeira, Luciano Augusto Toledo Toledo Análise comparativa dos modelos de precificação de ativos Capital Comparative analysis of both Capital Asset Pricing Model and Asset Pricing Model e Downside Capital Asset Pricing Model 65 Downside Capital Asset Pricing Model 65 Adriana Moreira Bastos de Faria, Lucas Maia dos Santos Adriana Moreira Bastos de Faria, Lucas Maia dos Santos O uso do cheque especial e do cartão de crédito pelos acadêmicos The use of overdraft and credit card by students da FAE Centro Universitário 81 at FAE Centro Univeritário 81 Aline Fernanda da Silva Ferreira, Amilton Dalledone Filho Aline Fernanda da Silva Ferreira, Amilton Dalledone Filho A sustentabilidade e sua relação com as The sustainability and its relation with estratégias organizacionais 93 corporate strategies 93 Valéria da Veiga Dias, Uiara Gonçalves De Menezes, Eliete Pozzobon Palma, Marcia Valéria da Veiga Dias, Uiara Gonçalves De Menezes, Eliete Pozzobon Zampieri Grohmann Palma, Marcia Zampieri Grohmann Empreendedorismo social e sustentabilidade: um estudo de caso sobre o Social entrepreneurship and sustainability: a study of in case on the projeto “mulheres em ação jogando limpo com a natureza” project “women in action playing clean with the nature” do IFNMG 111 of IFNMG 111 Edson Oliveira Neves, Cezar Augusto Miranda Guedes, Kléber Carvalho dos Santos Edson Oliveira Neves, Cezar Augusto Miranda Guedes, Kléber Carvalho dos Santos Abertura de capital como fonte de financiamento aos IPO as source of financing of investments in Brazil: analysis of investimentos no Brasil: análise do período de 2004 a 2007 125 the 2004-2007 period 125 Leide Albergoni, Guilherme Blanski Küster Leide Albergoni, Guilherme Blanski Küster Fatores determinantes na escolha de alunos pela FAE Blumenau Factors in the choice of students by FAE Blumenau as an Institution como Instituição de Ensino Superior 147 of Higher Education 147 Simone Cristina Aléssio, Maria José Carvalho de Souza Domingues Simone Cristina Aléssio, Maria José Carvalho de Souza Domingues Diferenciais competitivos dos cursos superiores de tecnologia Competitive advantages of technology undergraduate courses pela percepção dos acadêmicos 165 through the perception of students 165 Adriana Galli Velho Adriana Galli Velho Oportunidades nos mercados globalizados: estudo nas empresas Opportunities in global markets: study in the brazilian companies of brasileiras de consultoria em tecnologia da informação 179 consulting in information technology 179 Bruna Zambel Russo, Carolina Batista de Deus, Simone Cardoso de Almeida Bruna Zambel Russo, Carolina Batista de Deus, Simone Cardoso de Almeida Marques, Ingrid Araujo Silva, Francisco Américo Cassano Marques, Ingrid Araujo Silva, Francisco Américo Cassano FAE Centro Universitário Curitiba, v.13, n.2, jul./dez. 2010 - ISSN 1516-1234
  • 2. Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus Coordenadores de Curso Presidente Aline Fernanda Pessoa Dias da Silva (Direito) Frei Guido Moacir Scheidt, ofm Tiago Luís Haus (Engenharia Ambiental) Diretor Geral Carlos Roberto Oliveira de Almeida Santos (Informática – Sistema de Informação e Jorge Apóstolos Siarcos Tecnologia em Sistema para Internet) Cleuza Cecato (Letras) Centro Universitário Franciscano do Paraná Daniele Cristine Nickel (Psicologia) Reitor da FAE Centro Universitário Eliane Cristine Francisco Maffezzolli (Comunicação Social: Publicidade e Propagan- Diretor Geral da FAE São José dos Pinhais da e Desenho Industrial) Frei Nelson José Hillesheim, ofm Enon Laércio Nunes (Engenharia Mecânica e Engenharia de Produção) Pró-Reitor Acadêmico Érico Eleutério da Luz (Ciências Contábeis) Diretor Acadêmico Gilmar Mendes Lourenço (Ciências Econômicas) André Luis Gontijo Resende Jacir Adolfo Erthal (Tecnologia em Logística, Tecnologia em Gestão Financeira, Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos e Tecnologia em Marketing) Pró-Reitor Administrativo Joaquim Almeida Brasileiro (Negócios Internacionais) Régis Ferreira Negrão Marcus Vinicius Guaragni (Administração) Diretor de Campus – FAE Centro Universitário, Campus Centro Ney de Lucca Mecking (Educação Física) Julio Kiyokatsu Inafuco Silvia Iuan Lozza (Pedagogia) Diretor de Campus – FAE Centro Universitário, Campus Cristo Rei Frei Jairo Ferrandin, ofm (Filosofia) Carlos Roberto de Oliveira Almeida Santos Diretor Acadêmico FAE São José dos Pinhais Wagner Rodrigo Weber Coordenador dos Programas de Pós-Graduação Lato Sensu Coordenadores dos Núcleos Adriana Pelizzari (Coordenadora do Núcleo de Extensão Universitária) Gilberto Oliveira Souza Areta Galat (Coordenadora do Núcleo de Relações Internacionais) Coordenador dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu Cleonice Bastos Pompermayer (Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Acadêmica) José Henrique de Faria Marcelo de Araújo Cansini (Coordenador do Núcleo de Empregabilidade) Diretor de Relações Corporativas Rita de Cássia Marques Kleinke (Coordenadora da Pastoral Universitária) Paulo Roberto de Araújo Cruz Simone Wiens (Coordenadora do Núcleo de Carreira Docente) Secretário-Geral Eros Pacheco Neto Diretor do Instituto de Ciências Jurídicas Bibliotecas Soraia Helena F. Almondes (Biblioteca – Campus Centro) Sérgio Luiz da Rocha Pombo Edith Dias (Biblioteca – Campus Centro) Ouvidoria Fernanda Périco Jorge (Biblioteca – São José dos Pinhais) Samar Merheb Jordão Editor Frei Nelson José Hillesheim, ofm Comitê Editorial Coordenação Editorial Bruno Harmut Kopittke, Dr. (UFSC); Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr. (UFSC); Glauco Cleonice Bastos Pompermayer (coordenadora editorial) Ortolano, Ph.D (Lauder Institute/Wharton School/University of Phennsylvania); Harry Danielle Francesca Lopes Lago (revisão de linguagem) J.; Burry, Ph.D (Baldwin Wallace); Heloísa Lück, Ph.D (UFPR); Heloiza Matos, Dra. (USP); Mariana Fressato (normalização) Jair Mendes Marques, Dr. (FAE Centro Universitário, UTP); João Benjamim da Cruz Edith Dias (normalização) Junior, Ph.D (UFSC); Cleverson Vitório Andreoli, Dr. (USP); Mirian Beatriz Schneider Braun, Dra. (Unioeste); Christin Luiz da Silva, Dr. (UFSC). Ewerton Diego Oliveira da Silva (diagramação) Braulio Maia Junior (diagramação) Pareceristas Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Dra. (FAE), Denise Maria Candioto Caselani, Dra. (UNINOVE), Walter Tadahiro Shima, Dr. (UFPR), Nicolau Barth, Ms. (UTFPR), Edson Pacheco Paladini, Dr. (UFSC), Najila Rejanne Alencar Juliao Cabral, Phd (IFCE), João Júlio Vitral Amaro, Dr. (UFMG), Anapatrícia Morales Vilha, Dra. (UFABC), Júlio Francisco Blumetti Facó, Dr. (ESAGS e FECAP), Eduardo Raupp de Vargas, Dr. (UNB), Antônio André Cunha Callado, Dr. (UFRPE), Pery Francisco Assis Shikida, Phd (UEL e UNIOESTE), Lafaiete Santos Neves, Dr. (FAE), Valéria Maria Martins Judice, Dra. (UFSJ), Mario Sérgio Cunha Alencastro, Dr. (UTP), Leonardo Freire de Mello, Dr. (UNIVAP), Antonio Carlos Silva Costa, Dr. (UFAL), Carlos Alberto Diehl, Dr. (UNISINOS), Ana Maria Coelho Pereira Mendes, Dra. (FAE), Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr. (UFSC), Amilton Dalledone Filho, Ms. (FAE), Carla Cristina Dutra Búrigo, Dra. (UFSC), Rosalinda Chedian Pimentel, Phd (UNIFRAN e UNESP), Helder Gomes Costa, Dr. (UFF), Joel Souza Dutra, Dr. (USP), João Bosco Ladislau de Andrade, Dr. (UFAM), Sidnei Vieira Marinho, Dr. (UNIVALI), Antônio Lázaro Conte, Ms. (FAE), Luiz Carlos Pereira, Ms. (FAE) Indexação CAPES/Qualis Latindex Portal Livre/CNEN GeoDados Distribuição Comunidade Científica: 700 exemplares Permuta: 100 exemplares Revista da FAE. n.1/2, jan./dez. 1998 - Curitiba, 1998 - v. 28cm. regular Semestral Substitui ADECON: revista da Faculdade Católica de Administração e Economia. ISSN 1516-1234 1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento. I. FAE Centro Universitário . Núcleo de Pesquisa Acadêmica. CDD - 001 Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário. A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.edu Endereço para correspondência: FAE Centro Universitário - Núcleo de Pesquisa Acadêmica Rua 24 de Maio, 135 - 80230-080 - Curitiba-PR Tel.: (41) 2105-4093 - e-mail: pesquisa@fae.edu
  • 3. Revista da FAE Apresentação Prezados leitores Com os votos de Paz e Bem temos a alegria de disponibilizar à comunidade acadêmica e a toda a sociedade mais uma edição da Revista da FAE. Para a elaboração deste número da Revista contamos com a colaboração de autores representantes de várias áreas e subáreas do conhecimento, assim como, de nacionalidade brasileira e internacional, para os quais desejamos expressar nossos agradecimentos. As valiosas e importantes reflexões desses autores compõem as temáticas abordadas, oscilando desde a preocupação com as inovações, relatos de casos, educação, sustentabilidade, competitividade, a métodos específicos para a solução de questões sobre gestão empresarial. A partir destes temas apresentados, torna-se possível sintetizar os conteúdos aqui apresentados por meio de uma breve descrição sobre os artigos. Iniciando pelo artigo que relata os vários aspectos de gestão industrial, avanços estratégicos, segurança ambiental e regulação da irradiação de alimentos: a vantagem competitiva que falta no Brasil. O artigo a seguir analisa por meio de uma investigação, de forma comparativa, os resultados obtidos em treinamento comportamental tradicional face à opção de treinamento experiencial no contexto corporativo. Na sequência, três artigos nos oferecem a possibilidade de compreender a importância e a relevância dos procedimentos, métodos e programas de gestão na busca da eficiência dos ambientes organizacionais, expondo questões como qualidade e planejamento. Os dois artigos subsequentes apresentam características e formas de precificação dos ativos voltados ao mercado de capitais, e uma pesquisa com jovens acadêmicos sobre o conhecimento para o uso adequado do cheque especial e do cartão de crédito. A preocupação de como alcançar e manter-se no conceito de sustentabilidade é enfatizado, a seguir, nos dois temas citados na revista. Um relatando a percepção de gestores de uma indústria do setor de alimentos e bebidas sobre a relação intrínseca entre a sustentabilidade e as estratégias organizacionais e o outro apresentando uma análise sobre a importância do empreendedorismo social e da sustentabilidade. Uma abordagem histórica e econômica nos permite compreender o comportamento da abertura de capital como fonte de financiamento dos investimentos no Brasil: uma análise do período de 2004 a 2007.
  • 4. Experiências e preocupações com a educação, especificamente do ensino superior, também se fazem presentes nos artigos que apresentam os fatores determinantes nas escolhas de alunos pela FAE na cidade de Blumenau e a percepção dos acadêmicos sobre os diferencias competitivos dos cursos superiores de tecnologia. Finalmente, um estudo nas empresas brasileiras de consultoria em tecnologia da informação nos apresenta a importância e o papel dos mercados globalizados no sucesso dessas empresas. Gratos pelo prazer de compartilhar com todos a leitura da obra de cada autor, esperamos ter contribuído mais uma vez com o pensamento, reflexões e atitudes acadêmicas. PAZ E BEM! Frei Nelson José Hillesheim, ofm Editor
  • 5. Revista da FAE Alimentos preservados com radiação: a vantagem competitiva que falta ao Brasil1 Food preservation with radiation: the competitive advantage that Brazil lacks Patricia Wieland* Leonardo Junqueira Lustosa** Teresia Diana Lewe van Aduard de Macedo-Soares*** Resumo A técnica de preservação de alimentos por radiação vem sendo aplicada mundialmente para aumentar o tempo de armazenamento e reduzir a dependência de pesticidas químicos. Apesar dos incentivos governamentais e do mercado produtor agrícola crescente, o Brasil ainda não entrou no seleto clube dos exportadores de produtos agrícolas tropicais tratados com radiação. As dificuldades para oferta regular de um serviço de irradiação de alimentos independem da tecnologia utilizada. Instalações semelhantes que esterilizam artigos médicos ou melhoram as propriedades termo-mecânicas de materiais têm operado no Brasil sem interrupções e de modo crescente. Este artigo analisa os vários aspectos da gestão industrial, alianças estratégicas, segurança ambiental e regulação da irradiação de alimentos e apresenta perspectivas para desenvolvimentos futuros no Brasil. Palavras-chave: irradiação; alianças estratégicas; industrialização; exportação; frutas. Abstract Food preservation with radiation is a worldwide technique to increase storage time and reduce chemical pesticides dependence. In spite of * Doutoranda do Departamento de governmental support and a growing market, Brazil does not export Engenharia Industrial da PUC-Rio/ DEI. Pesquisadora Titular U-III da irradiated food. The difficulties of the irradiation services supply are not Comissão Nacional de Energia related to the technology, given that similar facilities are in full operation, Nuclear (CNEN). Rio de Janeiro-RJ. offering medical aid product sterilization services or improving materials E-mail: pwieland@cnen.gov.br. thermo-mechanical properties. This paper analyses several aspects of the ** PhD em Engenharia Industrial pela industrial management, strategic alliances, environmental safety and Stanford University, EUA. Professor do Departamento de Engenharia regulation of food irradiation and presents some perspectives for future Industrial da PUC-Rio/DEI. Rio de developments in Brazil. Janeiro-RJ. E-mail: ljl@puc-rio.br *** PhD em Filosofia Econômica e Keywords: irradiation; strategic alliances; industrialization; export, fruits. Social pela Montréal University, Canadá. Professora da Escola de Negócios da PUC-Rio/IAG. Rio de Janeiro-RJ. E-mail: tdiana. 1 Os autores agradecem os comentários da Dra. Nélida del Mastro, bolsista de produtividade vanaduardmacedosoares@gmail. em pesquisa do CNPq e professora/orientadora em Tecnologia Nuclear do IPEN e USP com Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 1-16, jul./dez. 2010 |1
  • 6. Introdução Este artigo procura examinar diversos aspec- tos relevantes para o desenvolvimento industrial O tratamento com radiação visa conservar os da preservação de alimentos no Brasil, com o alimentos por mais tempo, reduzindo as perdas uso de radiação ionizante. O propósito não é causadas por brotamento ou maturação, além de fazer uma análise detalhada, mas tão somente reduzir a presença de micro-organismos, parasitas dar uma visão abrangente e multidisciplinar da e pragas, sem afetar a qualidade do produto. A questão que, frequentemente, é investigada com tecnologia de irradiação já é empregada em mais base em problemas isolados. Assim, discutem-se de 50 países e é aplicada, por exemplo, para a pre- brevemente os aspectos relevantes referentes à servação de carnes, frutas frescas, condimentos, qualidade de alimentos, à tecnologia, à gestão, à ervas medicinais e temperos. segurança, à regulação da indústria da irradiação Desde a década de 1980, vários estudos de e ao comércio internacional. Por fim, analisa-se o viabilidade têm sido realizados para a implantação conjunto de elementos apresentados com vistas de unidades industriais de tratamento de alimentos a sugerir algumas linhas de ação gerais. no Brasil (GLÓRIA, 1987a, 1987b), (FARIA et al., A informação foi coletada por meio de revisão 1999) e (GHOBRIL; DEL MASTRO, 2009). Um da literatura científica e de relatórios de organi- estudo recente realizado em cooperação com o zações internacionais, investigação documental, Canadá avaliou a qualidade de mangas irradiadas discussão com peritos de institutos de pesquisa, após o transporte e também fez uma avaliação de empresários do setor e especialistas de órgãos de custos (SABATO et al., 2009). regulação. A experiência operacional com sucesso No Brasil existem 1376 instalações industriais de exportação de frutas irradiadas de países tais que utilizam fontes de radiação para os mais diver- como Índia e México foram de grande ajuda. sos fins, e, entre estas, 34 possuem equipamentos de grande porte para irradiação (MARECHAL, 2009). Apesar do otimismo sobre a exportação 1 Aspectos relacionados à tecnologia de produtos agrícolas no Brasil, faltam plantas de irradiação e à agro-indústria industriais dedicadas à irradiação de alimentos para atender às necessidades dos produtores agrícolas de forma compatível com as ambições de expansão desse mercado. 1.1 Necessidade de melhorias na Tendo em vista os investimentos que vêm qualidade de alimentos sendo feitos nas últimas décadas para o desenvol- vimento da agricultura no Nordeste, um programa O agronegócio no Brasil é caracterizado pela de irradiação de alimentos parece ter um elevado fartura, regularidade no fornecimento, grande beneficio-custo. Os fracassos incorridos na tenta- variedade de produtos, baixo custo de produção tiva de explorar tal potencial não parecem estar e boa aceitação dos produtos. Entretanto, no que relacionados a questões fundamentais de ordem toca aos perecíveis, várias são as dificuldades para econômica, tecnológica, social ou ambiental. Ao a produção de alimentos com qualidade: frequen- contrário, todos esses aspectos parecem ser alta- temente, as águas de irrigação e de lavagem pos- mente favoráveis. suem contaminação microbiana e existe incidência 2|
  • 7. Revista da FAE de insetos em função do clima tropical. A logística realizado uma viagem internacional nos dias an- de acondicionamento é, por vezes, inadequada e, teriores (CDC, 2005). Baseado nestas ocorrências, devido à falta de rede de transporte satisfatória e conclui-se que o risco de adquirir uma infecção aos longos trajetos, pode haver interrupções de devido à ingestão de alimentos preparados em resfriamento ideal. Observa-se ainda, em locais viagens aéreas de longa duração não pode ser sem educação agrícola adequada, que o foco é menosprezado. no aumento de volume e na redução do custo de Considerando este quadro, acredita-se que produção, em detrimento da qualidade. as seguintes metas deveriam ser observadas para Mesmo com a disseminação de boas práticas melhorar a qualidade dos alimentos: agrícolas e com a aplicação de métodos de a) Aspectos sociais: tratamento como a fumigação, a hidrotermia e - reduzir a probabilidade de ocorrência o congelamento, as estimativas mostram que de doenças transmitidas por alimentos a perda da produção nacional é ainda cerca de deteriorados ou contaminados; 30% para frutas e hortaliças, o que corresponde - promover a educação agrícola e alimentar ao desperdício de mais de 200 mil hectares para a produção e ingestão de alimentos cultivados por ano (PEROZZI, 2007). De acordo mais saudáveis. com a Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO, 2009), a perda pós-colheita b) Aspectos econômicos: varia de 15 a 50%, não só devido à colheita fora - evitar grandes perdas por deterioração da época correta, excesso de chuva, seca ou de alimentos devido à infestação, con- extremos de temperatura, contaminação por taminação e decomposição; micro-organismos e danos físicos degradação - promover o comércio internacional, do alimento, mas também por não atender a atendendo aos requisitos de controle rígidos controles de qualidade de supermercados, fitossanitário. com relação a tamanho, existência de manchas, c) Aspectos ambientais: formato desigual etc. - reduzir o uso de pesticidas químicos, que Com o crescimento da população, o alimento deixam resíduos nos alimentos (ICGFI, terá que ser transportado para distâncias cada vez 1999); maiores, necessitando de esforços especialmente - otimizar as áreas de plantio, consideran- em infraestrutura de armazenamento e processa- do perdas menores no escoamento da mento para reduzir a perda de alimentos ao longo produção agrícola. da cadeia produtiva. Alimentos preparados e servidos para a po- pulação em restaurantes, bares e em transportes 1.2 Tecnologia: o tratamento de alimentos de longa distância também são motivos de preo- com radiação cupação para a saúde. De acordo com um estudo sobre contaminação alimentar nos Estados Unidos O tratamento de alimentos com radiação da América, dos casos de hospitalização reporta- é feito em irradiadores com fonte radioativa dos, 63% das pessoas infectadas por Salmonella intensa de cobalto-60 ou em aceleradores de e 86% com Escherichia coli (STEC O157) tinham partículas. O alimento, já na sua embalagem Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 1-16, jul./dez. 2010 |3
  • 8. final, é exposto à radiação. Como não há gênicos e aumenta a vida útil em armazenamento contacto com a fonte radioativa, não há risco de sem comprometer a qualidade da alimentação. contaminação radioativa e, após o tratamento, A técnica também beneficia os pacientes imuno- não há necessidade de manipulação do alimento, deprimidos que não podem se expor ao risco de o que evita uma possível re-infestação bacteriana contaminação alimentar (IAEA, 2009). Por outro (ICGFI, 1999). Os aceleradores de elétrons atuam lado, a radiação não é recomendada para todos mais superficialmente e são ideais para alimentos os alimentos. Em alguns pode provocar alterações com pouca espessura. Os aceleradores possuem na cor, no odor ou no sabor, como por exemplo, a vantagem de não necessitarem de recarga de no leite e em seus derivados e no abacate. fontes. Em ambos os casos, as caixas com os Além da vantagem de preservação de ali- alimentos entram, sobre esteiras transportadoras, mentos por mais tempo, a radiação também num recinto blindado onde são irradiados durante pode contribuir para a melhoria da qualidade e um tempo pré-determinado e saem por outra de características intrínsecas do produto. O uso abertura, prontas para serem despachadas. de hidrocolóides está se tornando cada vez mais A irradiação pretende reduzir ou eliminar as importante e as propriedades reológicas de adi- tivos irradiados é uma das linhas de pesquisa em bactérias patógenas para o homem tais como andamento (DEL MASTRO, 1999). O quadro 01 Escherichia coli, Salmonella, Listeria e Campylo- mostra as aplicações e a faixa de dose de radiação bacter, os fungos formadores de micotoxinas para o tratamento de alimentos. No caso de frutas e insetos (por exemplo, moscas-das-frutas dos frescas, como a manga e papaya, o maior interesse gêneros Ceratitis e Anastrepha) que deterioram fitossanitário é a desinfestação de insetos e a dose os alimentos armazenados. Se aplicada na dose média aplicada é 0,4 kGy. No caso de redução de correta para cada alimento, a radiação não afeta micro-organismos até a esterilização de alimentos, a sua estrutura molecular e, portanto, não modi- aplica-se uma dose mais alta, de até 50 kGy. fica as suas propriedades nutricionais e nem as sensoriais (ICGFI, 1999). Wieland-Fajardo e Rego (1993) apresentam um resumo em linguagem simples sobre a técnica de irradiação de produtos, a curva dose-sobrevivência de micro-organismos, os equipamentos, a segurança, a validação e o controle do processo por determinação de dose absorvida no produto e outros métodos. Não só alimentos in-natura, como as frutas e os desidratados, como os condimentos, podem ser irradiados para sua preservação. Há uma crescente demanda por alimentos preparados, que necessitam ser estocados temporariamente, tais como as refeições para membros das forças armadas em serviço, passageiros em transporte de longa distância ou alimentos especiais étnicos ou religiosos. A irradiação elimina agentes pato- 4|
  • 9. Revista da FAE QUADRO 01 - FAIXAS DE DOSE ABSORVIDA PARA O TRATAMENTO DE ALIMENTOS COM RADIAÇÃO Faixa de dose absorvida no Função Objetivo produto (kGy) Inibição de brotamento em batatas, cebolas, alho, 0,05 – 0,15 gengibre etc. Prolongamento do tempo de 0,25 – 1,0 frutas frescas e armazenamento vegetais Retardo do amadurecimento 1,0 – 3,0 peixe fresco, morangos, cogumelos etc. Desinfestação de insetos e parasitas em cereais, grãos leguminosos, carnes e peixes desidratados, frutas frescas e 0,15 – 0,5 desidratadas etc. Melhoria da qualidade Redução ou eliminação da carga microbiana em frutos do 1,0 – 7,0 mar ou frangos congelados ou frescos, carnes etc. Inativação de agentes patogênicos em aditivos e ingredien- 10 – 50 tes tais como condimentos, enzimas, gomas etc. Redução do número de micro-organismos até a Esterilização em combinação esterilização: carnes, frangos, frutos do mar, alimentos 30 – 50 com outros métodos preparados, alimentos para pacientes imunodeprimidos . Desenvolvimento de novas Alteração das características intrínsecas (uvas mais 2,0 – 7,0 características e produtos suculentas, redução do tempo de cozimento de vegetais) . FONTE: ICGFI (1999) Alternativamente à radiação, alguns fume- livres, originalmente presentes nas amostras. Os gantes são usados para preservação de alimentos. autores desta pesquisa lembram que alguns mitos Entretanto, alguns são prejudiciais à saúde huma- ainda necessitam ser superados antes que a irra- na e agridem o meio ambiente. O Brasil tem uma diação se torne um método amplamente aceito legislação bastante rígida a esse respeito, confor- pelo público. Para tal, enfatizam que (a) irradiação me o Decreto 4.074/2002. O brometo de metila, não torna o alimento radioativo; e (b) irradiação muito usado no passado, é depletor da camada de não destrói nutrientes em maior extensão que ozônio e está sendo mundialmente banido. Exceto qualquer outro processo de preservação. para produtos de uso médico, a descontaminação Em pesquisa de opinião pública (ORNELLAS com óxido de etileno (ETO) está proibida no Brasil et al., 2006), ficou evidente que a falta de conhe- desde 1999 (artigo 7º da Portaria Interministerial cimento sobre o processo e seus benefícios é um n. 482/99 dos Ministérios da Saúde e do Trabalho). fator limitante: 89% dos entrevistados consumi- Uma pesquisa realizada na Empresa Brasileira riam alimentos irradiados se soubessem que a irradiação aumenta a segurança alimentar. de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (MARTIN NETO; RODRIGUES; TRAGUETTA, 1996) mostrou a total adequação do uso de radiação ionizante 1.3 A gestão industrial de instalações de como um método eficiente e seguro de desconta- irradiação de alimentos minação de pimenta do reino. Houve uma redu- ção, quando não eliminação completa, de micro- As unidades industriais de irradiação são ins- -organismos e ainda a redução do nível de radicais talações compactas onde a máquina, sua estrutura Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 1-16, jul./dez. 2010 |5
  • 10. com a blindagem da radiação e sistemas auxiliares A estratégia de entrada no mercado do serviço podem ser instalados em menos de 100 m2. O de irradiação de alimentos deve dar atenção empreendimento é capital intensivo e representa especial à possibilidade de formação de alianças um investimento da ordem de US$ 3 milhões. cooperativas. Seguindo a tipologia de Garcia-Canal A operação é simples, com pouca manutenção, et al. (2002), acredita-se que as alianças favoráveis flexibilidade de produção e reduzido número de seriam locais e de capacitação. A aliança “local” operadores, que, entretanto, devem ser qualifica- com associações de produtores agrícolas, por dos. A capacidade de produção típica é de 40.000 exemplo, expandiria os mercados de fornecedores t/ano. No investimento inicial, deve-se prever e distribuidores. A aliança “de capacitação” com não só as despesas decorrentes da instalação do institutos de pesquisa que já atuam nesta área equipamento, mas, também, as decorrentes de poderia garantir o cumprimento mais acelerado marketing e legalização para funcionamento. As dos vários requisitos de regulação e serviria para despesas anuais devem prever o recarregamento obter vantagem competitiva sobre eventuais parcial da fonte de Co-60 (dispensável para o concorrentes nacionais ou internacionais. A acelerador de elétrons), e um fundo de reserva Food Irradiation Processing Alliance - FIPA (FIPA, para o descomissionamento da instalação ao fim 2009) é um fórum internacional de representantes de sua vida útil. industriais com finalidade de discutir e influenciar O cálculo do tempo de retorno do investimento assuntos relacionados à irradiação de alimentos. depende da estimativa dos custos de investimento Uma vez que a escala de produção industrial e operacionais, do esquema de tarifas para o seja adequada, também uma aliança global com serviço e da taxa de utilização do equipamento. outro serviço de irradiação já inserido no mercado No caso de irradiador, o alto custo da fonte exterior, poderia ser benéfica para atingir estes radioativa, que tem meia-vida de cerca de cinco mercados de modo sustentável. anos (i.e. devido ao decaimento radioativo, em cinco anos a atividade cai à cerca da metade do 1.4 Análise de segurança valor inicial), faz com que o custo fixo seja ainda maior, tornando crítica a taxa de utilização. O valor Segundo recomendações da Agência Interna- agregado é de especial interesse para o produtor cional de Energia Nuclear (IAEA), vários requisitos ou distribuidor do alimento e é calculado com de segurança intrínsecos de projeto da instalação e base no aumento da vida útil do alimento, ou de operação devem ser observados, especialmente seja, quanto estoque deixou de ser perdido e no para blindar a radiação da fonte nas áreas comuns aumento do preço que novos mercados podem e para evitar a entrada de pessoas no recinto de proporcionar. Esse cálculo deve considerar a taxa irradiação durante operação e a consequente de venda do produto, sua variação sazonal e a exposição a altos níveis de radiação (IAEA, 1992). distribuição de probabilidade do tempo que o Os irradiadores e aceleradores operam no interior produto permanece sem degradação. No caso de labirintos com blindagens densas e espessas de tratamento de mangas com uma dose de 400 suficientes para não expor trabalhadores ou mem- Gy, o custo de produção é em torno de US$18,00 bros do público a níveis de radiação superiores aos por tonelada (SABATO et al., 2009). limites recomendados. 6|
  • 11. Revista da FAE Dentre as instalações não nucleares, os irra- 1.5 Regulação e fiscalização de instalações diadores e os aceleradores de partículas com capa- que irradiam alimentos cidades para preservar alimentos ou esterilizar arti- gos médicos são classificados como as instalações As instalações estão sujeitas à legislação de maior risco (IAEA, 2005). Já ocorreram aciden- pertinente para obtenção de licenças. A fiscalização tes graves em instalações deste tipo, ocasionados é necessária para verificar se os itens de segurança por falhas humanas decorrentes da pressão para estão sendo obedecidos. Os requisitos atuais se resolver problemas mecânicos no irradiador que evoluíram conforme previsto por Oliveira (2000) causavam a descontinuidade de produção. A fonte com a publicação da Resolução nº 21/2001 de radiação é poderosa o suficiente para causar a da Agência Nacional de Vigilância Sanitária síndrome aguda da radiação (SAR). Em 1991, ocor- (Anvisa), que regula as atividades de irradiação de reu um acidente em Nesvizh, Belarrúsia, quando alimentos. Esta resolução permite que qualquer o operador propositadamente corrompeu vários alimento poderá ser tratado por radiação desde dispositivos de segurança e intertravamentos de que a dose máxima absorvida seja inferior àquela um antigo irradiador usado para esterilização de que comprometeria as propriedades funcionais ou artigos médicos e entrou na câmara de irradiação os atributos sensoriais do alimento. Exige também para desemperrar a correia transportadora (IAEA, que a embalagem contenha a informação: 1996). O operador permaneceu a 0,2 m da fonte “Alimento tratado por processo de irradiação”. Co-60 com 28,1 PBq de atividade por menos de dois minutos e cerca de cinco minutos depois, No caso de alimentos vendidos a granel, deve- já sentia os efeitos da SAR, tais como vômitos e se colocar uma faixa com a indicação citada. dores no estômago, seguidos, após 50 minutos, Pode-se também utilizar o símbolo internacional de diarreia. Pela geometria de exposição e sinto- correspondente (figura 01). mas físicos, estimou-se que ele tivesse recebido FIGURA 01 - SÍMBOLO INTERNACIONAL DA IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS uma dose letal superior a 10 Gy, necessitando de cuidados médicos especializados emergenciais. A análise deste e de outros acidentes que ocorreram no passado serviram como base para modificações no projeto de instalações deste tipo, de modo a garantir que os princípios de redundância, defesa em profundidade e independência de dispositivos de segurança sejam obedecidos em qualquer caso. Sob o ponto de vista de proteção ambien- tal, como a operação de irradiadores não gera efluentes radioativos, não há impacto ambiental. Também não gera rejeitos radioativos, pois as fon- tes de Co-60 exauridas devem ser devolvidas ao FONTE:CAC (1991) fabricante. O benefício ambiental está na redução do uso de fumegantes nocivos. Mantendo-se os O licenciamento para garantir a proteção controles exigidos, a etapa de maior risco radioló- radiológica de trabalhadores e do público e a gico durante a vida do irradiador é o carregamento segurança das fontes de radiação é conduzido das fontes de Co-60. pela Comissão Nacional de Energia Nuclear Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 1-16, jul./dez. 2010 |7
  • 12. (CNEN). O licenciamento de instalações radiativas A Organização Mundial de Comércio aponta segue um conjunto de etapas consecutivas que o Brasil como o quarto país em volume de inicia com a aprovação do local da instalação exportação de produtos agrícolas (WTO, 2008). e segue até a retirada de operação, ao fim da O Brasil é o terceiro país produtor de frutas, atrás vida útil da instalação. O Ibama é o órgão que da China e da Índia. Segundo o Instituto Brasileiro realiza o licenciamento ambiental das instalações de Frutas (IBRAF, 2009), em 2008 o Brasil exportou que também segue etapas de autorizações 888 mil toneladas de frutas frescas, das 43 milhões desde a aprovação do local. O funcionamento de toneladas produzidas, com um decréscimo de uma instalação para irradiação de alimentos de 3,3% em relação a 2007. Neste período, a depende ainda da obtenção do Alvará Sanitário exportação de mangas aumentou ligeiramente, e o cadastramento nos órgãos competentes do mas a de papaias caiu. Ministério da Saúde e Ministério da Agricultura. Uma das restrições à exportação é, sem Com todas as exigências dos vários órgãos do dúvida, o custo do frete, que está relacionado ao governo, o licenciamento pode durar pelo menos tempo gasto em transporte. O frete aéreo é mais 2 anos. Durante o período de licenciamento, caro que o marítimo e a tendência é que o custo do várias atividades de desenvolvimento do mercado frete aéreo aumente. A União Européia reconhece poderiam ser realizadas, por exemplo, campanhas que o transporte aéreo é um dos principais de esclarecimento da população e abertura do emissores de gases que causam o aquecimento mercado exterior. global e resolveu impor limitações e controles baseados no princípio de que “o poluidor paga” (EU, 2006). A preservação de manga e papaia com 1.6 Comércio internacional de alimentos radiação triplica o tempo de vida útil da fruta, irradiados chegando a 21 dias (CENA, 2007), o que viabiliza o frete marítimo dessas frutas para alguns mercados A tecnologia de irradiação de alimentos para sua preservação surgiu oportunamente como uma mais distantes. alternativa viável de tratamento para atender aos Apesar do curto prazo para transporte e dis- requisitos do Acordo na Aplicação de Medidas tribuição para os consumidores, a União Européia Sanitárias e Fitosanitárias da Organização Mundial foi responsável por 72% das exportações brasilei- do Comércio (WTO, 1995). Esse acordo considera ras de mangas de janeiro a novembro de 2009, as recomendações de organizações internacionais, segundo dados disponíveis no sistema de análise incluindo a Codex Alimentarius Commission que das informações de comércio exterior via Internet trata de irradiação de alimentos (CAC, 2003). A (ALICEWeb) mantido pela Secretaria de Comércio Convenção Internacional de Proteção a Plantas Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimen- (IPPC), cujo texto está disponível em www.fao.org/ to, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Legal/TREATIES/004s-e.htm, tem como objetivo assegurar a ação efetiva para prevenir a dissemina- Entretanto, quando se considera o trata- ção de pestes e doenças em plantas e produtos e mento fitossanitário com radiação, nem todos promover medidas apropriadas para seu controle. os mercados aceitam os produtos irradiados tão Dentre as recomendações desta Convenção estão bem quanto os quase 50 países que já possuem as diretrizes para o uso de irradiação como medida regulamentação sobre o tema. Por exemplo, no fitossanitária (ISPM, 2003). Parlamento Europeu, prevaleceu nas décadas pas- 8|
  • 13. Revista da FAE sadas uma política de atraso e obstrução no uso de o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares qualquer tecnologia nuclear, o que contrastou com (Ipen) e Centro de Desenvolvimento de Tecnologia o crescente desenvolvimento americano, onde a Nuclear (CDTN), assim como em algumas preocupação com a saúde pública impulsionou universidades. Algumas unidades de esterilização a aceitação de produtos tratados com radiação de artigos médicos por radiação existentes no Brasil (DIEHL, 2002). Os requisitos americanos para im- também irradiam, eventualmente, condimentos, portação de produtos tratados com radiação são atendendo parcialmente a esse mercado. bastante rígidos e o processo de avaliação pode As duas iniciativas recentes para irradiar ali- levar anos. Mudanças estão sendo planejadas pelo mentos em escala industrial no Brasil fracassaram Departamento de Agricultura americano (GREEN, em poucos anos. Na unidade instalada no Rio de 2008), o que irá reduzir o custo de controle sobre a Janeiro, a causa provável foi a falência da empresa irradiação para importação pelos Estados Unidos. matriz americana SureBeam Corp.. Atualmente, Farkas (2006) apresenta um resumo do sta- a unidade é operada por uma empresa nacional, tus da irradiação de alimentos no mundo e prevê Acelétrica Com. e Rep. Ltda.. Na unidade de Ma- avanços na área com a formação de fóruns inter- naus instalada pela TechIon Industrial Brasil Ltda., nacionais para reunir e disseminar informação, uma ação na justiça decorrente de denúncia de com base científica, sobre segurança e benefícios má gestão do financiamento público suspendeu da irradiação de alimentos. De acordo com o a operação do irradiador. Em ambos os casos, a estudo detalhado da situação da irradiação de localização do serviço não é a ideal, por estarem alimentos (KUMEA et al., 2009), a quantidade de distantes dos mercados produtores de alimentos, alimentos irradiados no mundo em 2005 foi de e, portanto, os alimentos podem chegar para irra- 405 mil toneladas, com uma estimativa de cres- diação já em deteriorização avançada. Atualmente, cimento na Ásia. uma empresa americana que controla totalmente Na América Latina, existem unidades indus- uma subsidiária brasileira, Gamma - Serviços de triais de irradiação na Argentina, Brasil, Chile, Irradiação Ltda., está planejando implantar qua- Cuba, México e Peru. A China tem 101 irradiadores tro irradiadores no Nordeste, com possibilidade e está construindo outros dez (WANG; ZHANG; de expansão para oito unidades (SECUREFOODS, PENG, 2008). Dos 25 irradiadores da Índia alguns 2009). Embora o nível de competitividade entre são dedicados à exportação de alimentos. Após empresas que irradiam alimentos ainda não seja o governo dos EUA ter aprovado a importação claro, a empresa americana informa ter obtido de mangas indianas irradiadas, a tendência é de os direitos sobre o uso exclusivo no Brasil de um crescimento nessa área industrial (KOHLI, 2008). tipo de tecnologia particularmente adequada para irradiação de alimentos. 1.7 Irradiação de alimentos no Brasil 2 Resultados e discussão As pesquisas brasileiras na área de preservação de alimentos vêm sendo conduzidas pela Empresa Com base na investigação documental re- Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), alizada e nas entrevistas semi-estruturadas com Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/ especialistas dos vários setores envolvidos, existem USP) e por outros institutos de pesquisa como evidências de que o Brasil possui conhecimento Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 1-16, jul./dez. 2010 |9
  • 14. acumulado sobre o que é necessário para o uso e etiquetagem, além de consultoria em em escala da preservação de alimentos por irra- certificação para exportação. A gestão diação (CENA, 2007). Além disso, possui excelente dos riscos operacionais é fundamental para infraestrutura em equipamentos e competência prevenir contingências e interrupções de técnica para pesquisa e desenvolvimento da fornecimento e para correta definição de técnica. Os empresários interessados podem se preço do serviço (WIELAND; DEL MASTRO, 2008). beneficiar dessa vantagem e focar os esforços na produção, aproveitando ao máximo a capacidade b) Mercado interno – A desmistificação sobre do equipamento e, assim, aumentando o retorno alimentos irradiados deve ser feita em ca- nais de comunicação que atinjam a popula- do investimento. Está prevista a construção de ção consumidora, a cadeia de fornecedores vários irradiadores de alimentos no Nordeste. e de distribuidores. Entretanto, sem uma política de desenvolvimen- c) Exportação – Para a exportação dos pro- to de infraestrutura de transportes, exportação dutos tratados com radiação sugere-se e programa e aceitação de produtos irradiados, divulgar no exterior uma marca que sim- além da simplificação da regulação e do apoio bolize a qualidade dos produtos tratados do Ministério da Agricultura, a produção não irá brasileiros, além de esclarecer os produ- escoar para os mercados consumidores a preços tores agrícolas a respeito das exigências acessíveis. dos diversos mercados. A certificação pelo A investigação das possíveis causas do atraso Instituto Nacional de Metrologia, Normali- no desenvolvimento industrial do tratamento de zação e Qualidade Industrial (Inmetro) da alimentos com radiação no país revela a necessi- conformação com critérios de qualidade e dade de agir de modo integrado especialmente fitossanitários é de suma importância para nas seguintes áreas (quadro 01): a plena aceitação dos produtos. Souza e Amato Neto (2009) analisaram a inserção a) Gestão Industrial - A ação de melhorias de mangas e uvas nos mercados inglês e deve-se dar, preferencialmente, por meio alemão e ressaltam a importância da aná- de alianças estratégicas entre os diversos lise e distinção da estrutura da cadeia de atores envolvidos, incluindo associação de valor para cada mercado alvo para garantir produtores e cooperativas, processadores, maior vantagem competitiva. exportadores, distribuidores, bancos fi- nanciadores, Instituto Brasileiro de Frutas d) Educação agrícola – As informações sobre (Ibraf), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro a irradiação de alimentos são publicadas e Pequenas Empresas (Sebrae), empresas em revistas científicas ou limitadas aos de logística e institutos de pesquisa. Em centros de pesquisa. Sugere-se que o tema se tratando de uma indústria em fase de seja divulgado adequadamente nos meios crescimento no Brasil, é desejável que esta educacionais de nível médio e superior e forneça assistência aos clientes, a exemplo tratado como uma realidade economica- do que faz a empresa mexicana Benebión mente competitiva. (www.phytosan.com). Esse apoio poderia e) Financiamento – o empreendimento é ca- ser em controle de qualidade da produção pital intensivo e já houve casos de fracasso do alimento, preenchimento dos requisi- para implantação desta indústria no país, tos regulatórios, serviços de transporte, mesmo com a disponibilidade de financia- embalagem, armazenagem intermediária mento público. A sustentabilidade do ne- 10 |
  • 15. Revista da FAE gócio não deveria ser comprometida pela realizar mais rapidamente as avaliações de má gestão deste tipo de empreendimento, risco necessárias ao processo de tomada o que pode impactar negativamente na de decisão em regulação na área de agri- reputação do setor nuclear como um todo. cultura, as instituições especializadas, por f) Licenciamento - os órgãos governamentais exemplo, a Embrapa ou o Cena, poderiam envolvidos, Ministério da Agricultura, se- ser contatadas. cretaria estadual e municipal relacionados g) Apoio governamental – vários órgãos do ao agronegócio, Ibama e órgãos seccionais, governo estão envolvidos no agronegócio. Anvisa e VISAs e CNEN, deveriam tentar O sucesso do empreendimento depende simplificar a regulação através de acordo de essencialmente da política governamental mútua cooperação, evitando duplicidade favorável à exportação de alimentos. de esforços, atrasos e a criação de monopó- lios, por dificultar a livre competição. Para QUADRO 02 - OPORTUNIDADES DE MELHORIAS EM IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS, VISANDO A EXPORTAÇÃO Área Oportunidades de melhorias - Análise e integração dos vários aspectos de gestão industrial para tomada de decisão sobre o investimento. - Definição da localização e dimensionamento da capacidade de produção. - Padronização de parâmetros de irradiação com a elaboração de um manual com as faixas de dose e condições de irradiação para os diversos alimentos e flexibilidade para a) Gestão industrial do serviço de aprimoramentos. tratamento com radiação - Otimização do tempo de preparação para irradiar diferentes alimentos e programação sazonal. - Avaliação de riscos. - Gestão de alianças estratégicas. - Assistência a clientes. - Programa de esclarecimento sobre as vantagens dos alimentos tratados com radiação nos b) Mercado interno grandes canais de comunicação. - Atendimentos aos requisitos técnicos, comerciais e da vigilância sanitária dos mercados recebedores. - Obtenção da certificação da qualidade para a aceitação dos produtos no mercado c) Exportação de produtos irradiados internacional. - Marketing internacional. - Divulgação dos benefícios da técnica entre os empresários do agronegócio e exportadores. - Maior ênfase do tema nos currículos educacionais de nível médio e superior das escolas de tecnologia agrícola e de alimentos, não como uma tecnologia nova, mas como um d) Educação agrícola procedimento viável. - Divulgação das vantagens do tratamento de produtos com radiação pela imprensa especializada no agronegócio e demonstrada em feiras e exposições da agroindústria. Abertura de crédito para financiamento do empreendimento a cooperativas com dispositivos e) Financiamento que garantam a longevidade e segurança da instalação. - Acordo entre os vários órgãos do governo para agilizar e evitar a duplicação de esforços f) Licenciamento e exigências desnecessárias uma vez atendidas as condições de segurança radiológica, ambiental e alimentar. - Concentração dos esforços das áreas de indústria e comércio e de relações exteriores para divulgar e facilitar as exportações. g) Apoio governamental - Apoio às iniciativas dos estados e municípios para melhoria das vias vicinais de escoamento da produção. FONTE: Os autores (2010) Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 1-16, jul./dez. 2010 |11
  • 16. Conclusões Destaca-se a importância do apoio gover- namental para divulgar as vantagens da técnica, Este trabalho contribui para o desenvolvimen- facilitar o comércio de alimentos tratados com radiação e atualizar os currículos educacionais de to da indústria de preservação de alimentos com escolas agrícolas. radiação ionizante, fornecendo uma visão abran- gente e multidisciplinar da questão, e indicando A preservação de alimentos com radiação é linhas de ação, calcadas na proposta de alianças uma técnica bem conhecida pelos pesquisadores estratégicas e acordos de cooperação, tanto para da área nuclear, entretanto, não tão divulgada no acessar e conquistar o mercado interno quanto agro-negócio. Sugere-se como futuro desenvol- para o desenvolvimento do comércio exterior. vimento da área que as atividades de irradiação de alimentos seja levada intensivamente a feiras Para uma efetiva promoção da conservação de e exposições agroindustriais. Futuras pesquisas alimentos por radiação, a análise das informações poderiam ser realizadas para a redução de custo levantadas sugere que a indústria deve tratar os de produção, relacionadas ao desenvolvimento de vários aspectos técnicos, empresariais, econômicos irradiadores e aceleradores nacionais e a simplifi- e ambientais de forma integrada e coordenada, cação de critérios regulatórios, visando à redução considerando estrategicamente a formação de do tempo de obtenção de licenças. O mercado alianças tanto com entidades relacionadas à sua alvo para a exportação de alimentos tratados com cadeia de suprimentos, quanto com instituições de radiação deve ser avaliado em termos de gover- ensino e pesquisa. As associações de produtores e nança do comércio, beneficiando-se da comple- distribuidores, cooperativas agrícolas e industriais mentariedade sazonal da produção agroindustrial interessados devem focar os esforços na gestão de frutas tropicais com outros exportadores, tais industrial e otimizar a utilização das instalações como Índia e México. e a logística de suprimentos, escoamento e distribuição da produção. O quadro 02 sintetiza as principais ações propostas em gestão industrial do serviço de tra- tamento com radiação, desenvolvimento do mer- cado interno, exportação de produtos irradiados, • Recebido em: 23/07/2010 • Aprovado em: 13/10/2010 educação agrícola, financiamento, licenciamento e apoio governamental. 12 |
  • 17. Revista da FAE Referências CAC. Codex General Standard for Irradiated Foods. Codex Alimentarius Commission. CODEX STAN 106-1983. rev.1, 2003. _____ Codex General Standard For The Labelling Of Prepackaged Foods. CODEX ALIMENTARIUS COMMISSION. CODEX STAN 1-1985. rev. 1, 1991. CDC. FoodNet Surveillance Report 2005. EUA: Center for Disease Control and Prevention. 2005. Disponível em: <http://www.cdc.gov/foodnet/annual/2005/2005_AR_Report.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2009. CENA. Divulgação da tecnologia de irradiação de alimentos e outros materiais. Piracicaba: Centro de Energia Nuclear na Agricultura, 2007. Disponível em: <http://www.cena.usp.br/irradiacao/index. asp>. Acesso em: 30 dez. 2009. DEL MASTRO, N. Development of food irradiation in Brazil. Progress in Nuclear Energy, New York, v.35, n.3-4, p.229-248, 1999. DIEHL, J. F. Food irradiation: past, present and future. Radiation Physics and Chemistry, Oxford NY, v. 63, p.211-215, 2002. EU. European Parliament Resolution on Reducing the Climate Change Impact of Aviation. P6_TA(2006)0290. 4 jul. 2006. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?ur i=OJ:C:2006:303E:0119:0123:EN:PD. Acesso em: 03 jan. 2010. FAO. Post-harvest losses aggravate hunger: Improved technology and training show success in reducing losses. Food and Agriculture Organization of the United Nations. Disponível em: <http:// www.fao.org/news/story/en/item/36844/icode/>. Acesso em: 30 dez. 2009. FARIA, E. F. et al. Viabilidade técnica, econômica e ambiental da implantação de um irradiador de materiais. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 19., 1999, Rio de Janeiro. Anais...Rio de Janeiro, 1999. FARKAS, J. Irradiation for better foods. Trends in Food Science and Technology, Guildford, GB, v.17. p.148-152, Apr. 2006. FOOD IRRADIATION PROCESSING ALLIANCE – FIPA. Disponível em: <http://www.fipa.us/>. Acesso em: 15 set. 2009. GARCIA-CANAL, E. et al. Accelerating international expansion through global alliances: A typology of cooperative strategies. Journal of World Business, Greenwich, Conn., v.37, n.2, p. 91-107, Summer 2002. GLORIA, M. B. Estudo de viabilidade técnico-econômica para implantação de uma instalação industrial de grande porte na Amazônia Legal. Rio de Janeiro: IRD, 1987a (Separata, n.152). _____. Estudo de viabilidade técnico-econômica para implantação de uma instalação industrial de irradiação de grade porte no Vale do São Francisco. Rio de Janeiro: IRD, 1987b (Separata, n.153). Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 1-16, jul./dez. 2010 |13
  • 18. GREEN, A. USDA’s operational experience in the growing use of irradiation as a plant quarentine treatment for safe trade. In: International Meeting on Radiation Processing (IMRP2008). London, 2008. Disponível em: <http//:www.iiaglobal.org/uploads/documents/imrp2008/Alan%20 Green.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2009. GHOBRIL, C.; DEL MASTRO, N. The socioeconomic aspects of the construction of an industrial gamma irradiator in the Ribeira Valley, Sao Paulo, Brazil. International Journal of Nuclear Governance, Economy and Ecology, Olney, GB, v.2, n.3, p.250-261, June 2009. INSTITUTO BRASILEIRO DE FRUTAS - IBRAF. Comparativo de exportações brasileiras de frutas frescas 2008-2007. Disponível em: <htt://www.ibraf.org.br/estatisticas/exportação/ ComparativoExportacoesBrasileiras2008-2007.pdf>. Acesso em: 04 out. 2009. IAEA. Categorization of radiation sources. Viena: International Atomic Energy Agency, 2005. ______. Irradiation to ensure the safety and quality of prepared meals. Viena: International Atomic Energy Agency, 2009. ______.The Radiological accident at the irradiation facility in Nesvizh. Viena: International Atomic Energy Agency, 1996. ______.Radiation safety of gamma and electron irradiation facilities. Viena: International Atomic Energy Agency, 1992 (IAEA Safety Series n.107). ICGFI. Facts about food irradiation. International Consultative Group on Food Irradiation, 1999. Disponível em: <http://www.iaea.org/nafa/d5/public/foodirradiation.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2009. ISPM. Guidelines for the use of irradiation as a phytosanitary measure. International Standards for Phytosanitary Measures. ISPM No. 18: Secretariat of the International Plant Protection Convention, 2003. KOHLI, A. K. New opportunities of radiation rrocessing in India. In: International Meeting on Radiation Processing (IMRP2008). London, 2008. Disponível em: <http://www.iiaglobal.org/ uploads/IMRP2008/186%20Kohli.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2009. KUMEA, T. et al. Status of food irradiation in the world. Radiation Physics and Chemistry, Oxford, NY, v.78, n.3, p.222–226, Mar. 2009. MARECHAL, M. H. H. Licenciamento de instalações médicas e industriais. In: ENCONTRO NACIONAL DE INFORMAÇÃO REGULATÓRIA, 2., 2009, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <www.cnen.gov.br/hs_enir2009/palestras/02_CGMI.pps>. Acesso em: 30 dez. 2009. MARTIN NETO, L.; RODRIGUES, H. R.; TRAGHETTA, D. G. Uso de radiação ionizante para esterilizar alimentos e detecção de radicais livres por EPR. São Carlos, 1996. Disponível em: <http.://www. infoteca.cnptia.embrapa.br/handle/CNPDIA/9815>. Acesso em: 30 dez. 2009. OLIVEIRA, L. C. Present situation on food irradiation in South America and the regulatory perspectives for Brasil. Radiation Physics and Chemistry, Oxford, NY, v.57, p.249-252, 2000. 14 |
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  • 21. Revista da FAE O treinamento experiencial e sua aplicação no contexto corporativo: estudo comparativo entre programas de treinamento realizados nos Estados Unidos e no Brasil The experiential training and its corporate context application: comparative study between training programs in the United States and Brazil Resumo Zélia Miranda Kilimnik* Eder Menezes Reis** As corporações têm passado por períodos contemporâneos de mudanças e desafios que as têm levado a adotar ações gerenciais diversas para incremento no resultado financeiro, na manutenção do resultado financeiro alcançado ou à sua sobrevivência no mercado. Em escalas diferenciadas e de acordo com o porte e a cultura, as empresas têm se preocupado com o capital intelectual dos empregados, apostando no valor intangível das suas organizações. Este artigo investiga uma opção ao treinamento comportamental tradicional, avaliando a eficácia, de forma comparativa, da utilização do treinamento experiencial no contexto corporativo. Foi realizada uma pesquisa qualitativa e quantitativa, envolvendo diversas técnicas, tais como observação, entrevistas e questionário de avaliação de efetividade do treinamento (Ropeloc), que foi aplicado aos funcionários de uma empresa contratante do treinamento experiencial situada em Huston, Estados Unidos, e em outra situada em Belo Horizonte, Brasil. Os resultados indicam melhor aproveitamento do treinamento aplicado no Brasil, sendo que os itens que apresentam melhor desempenho com a aplicação da metodologia de treinamento experiencial são busca pela qualidade, pensamento aberto, liderança e lidar com mudanças. Esses resultados surpreendem, dada a melhor infraestrutura da organização estudada nos Estados Unidos e seus maiores cuidados com a segurança no que se refere aos equipamentos utilizados. Palavras-chave: treinamento comportamental; treinamento experiencial; metodologia de treinamento experiencial. Abstract Corporations have gone through periods of contemporary changes and challenges that have led then to adopt management actions to increase in financial results, maintenance of the achieved financial results and their own survival in the market. In different scales and according to their size and culture, business has been concerned with the intellectual capital of its employees by focusing on intangible value of their organizations. This study investigates an option to traditional behavioral training, evaluating the effectiveness of a comparative analysis of the use of experiential training in the corporate context. We performed a qualitative and quantitative research, involving several techniques such as observation, interviews and a questionnaire on the * Doutora em Administração pela effectiveness of training (ROPELOC), which was applied on the employees of a Universidade Federal de Minas contractor of experiential training based in Huston, United States of America Gerais. Professora na Fundação and another, located in Belo Horizonte, Brazil. The results show a better use of Mineira de Educação e Cultura. applied training in Brazil, and the items that perform better in the application ** Mestre em Administração pela of experiential training methodology is the search for quality, open thinking, Fundação Mineira de Educação e leadership and dealing with the changes. These results are surprising, given cultura. Gerente de Fábrica da DSI the best infrastructure of the organization studied in the United States and Fosminas (Multinacional ligada a its better care of safety concerning to equipments used. mineração). E-mail: ederynca@ Keywords: behavioral training; experiential training; experiential training yahoo.com.br methodology. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010 |17
  • 22. Introdução nas modalidades low ropes (cordas baixas) e high ropes (cordas altas). Esses termos são utilizados Em 1920, a primeira escola que enfocou nos Estados Unidos para definir os níveis de difi- responsabilidade, igualdade, justiça social, res- culdade aos quais as pessoas são expostas. peito e serviço comunitário surgiu na Alemanha, Low ropes são atividades aplicadas no solo ou com o primeiro trabalho realizado por Kurt Hahn bem próximas a ele, com a função de integração (educador e filósofo alemão) atuando com edu- das pessoas que estão em treinamento e também cação inovativa praticada ao ar livre. Na época, para que o facilitador avalie o nível de coesão, as atividades físicas ao ar livre já tinham caráter comprometimento, envolvimento e auto-suporte colaborativo. entre os participantes, visando à proposição de De acordo com Hammerman (1980), os pri- forma progressiva de atividades mais desafiadoras meiros programas de treinamento experiencial ao para os grupos, nos equipamentos de high ropes, ar livre em áreas de camping nos Estados Unidos que geralmente são acessíveis por paredões de es- começam em 1930. Em 1976, surge a Associa- calada, escadas e postes inclinados. As atividades ção para a Educação Experiencial, referindo-se chamadas high ropes elevam o nível de estresse ao aprendizado ao ar livre como uma forma de por estarem posicionadas geralmente a oito, nove educação experiencial. A indústria de construção ou mais metros do solo, tornando a percepção de challenge courses (percursos de desafio), que de risco maior. São utilizados equipamentos de são áreas de treinamento ao ar livre compostas segurança, cordas, cabos de aço, cinturões etc. de diversos equipamentos, onde acontecem ativi- As atividades fora do solo podem ser pratica- dades relacionadas à educação experiencial, teve das por uma, duas ou mais pessoas, dependendo crescimento acentuado na década de 1990 e o do equipamento e de sua configuração. Quando número de consultores que proviam essa moda- os equipamentos estão isolados, são chamados lidade de treinamento também acompanhou esse por nomes próprios, mas se são utilizados em área crescimento. próxima ou estão em configuração sequenciada, Attarian (2001) afirma que se, em 1992, são chamados de challenge courses (percursos havia 300 áreas de treinamento ao ar livre nos de desafio). Estados Unidos, em 2001, eram mais de 15 000 A partir do início dos anos 1990, técnicas e em operação. O governo norte-americano, até os equipamentos de esportes e atividades não-con- dias atuais, não regulamentou essas atividades, vencionais praticados ao ar livre, como escalada propiciando que a iniciativa privada crie padrões em rocha, rapel, arvorismo e atividades no solo, para construção, operação, manutenção e geren- têm sido utilizados em treinamentos comporta- ciamento relacionados a essas atividades. mentais corporativos experienciais, com a fina- No Brasil, o Treinamento Experiencial ao Ar lidade de desenvolver determinadas habilidades Livre – TEAL – ocorreu pela primeira vez em maio (liderança, superação de obstáculos, trabalho em de 1992, em uma área em Teresópolis, Rio de Ja- time, entre outros), em grupos de trabalho, visan- neiro, sendo organizado pela Dinsmore Associats do ao melhor desempenho nas atividades corpo- e pela empresa americana Pro Action, usando rativas. Unir as pessoas em torno de uma tarefa, técnicas desenvolvidas por eles, de acordo com na qual é esperado que elas atinjam um objetivo o modelo americano de treinamento ao ar livre com esforço mútuo, ou expor cada indivíduo a 18 |
  • 23. Revista da FAE situações nas quais a superação de obstáculos própria. Já outras optam por alugar esse espaço será incentivada pelo grupo são exemplos de ob- e utilizar equipamentos próprios. Foi também jetivos de uma gama de propostas de treinamento percebido que empresas menores e consultores que buscam conciliar objetivos e atividades para adquiriram o hábito de alugar áreas naturais para gerar um ciclo de aprendizado vivencial dirigido treinamentos e contratar serviços, tais como o à proposta do treinamento. equipamento de empresa terceira. No contexto norte-americano, a padroniza- Também foi verificado que é comum que ção foi fruto da possibilidade de embargo gover- empresas de ecoturismo expandam suas ativida- namental às atividades, caso a falta do padrão des, oferecendo treinamentos experienciais por já causasse acidentes aos praticantes. Dessa padro- possuírem área natural e equipamento, mesmo nização surgiu a Association of chalenge courses que não possuam capacidade técnica tanto de tecnology – (ACCT) – Associação para tecnologia aplicação do treinamento quanto de manuten- dos percursos de desafio. Atualmente, essa enti- ção e lida com os treinandos. Essas empresas de dade é responsável pela criação, pela divulgação ecoturismo abordam o foco mais recreativo, seu e pela revisão dos padrões que são utilizados negócio original, na utilização da vivência obtida pelas empresas que operam, constroem e que nas atividades ao ar livre refletidas no treinamento dão manutenção e suporte. A associação, por sua organizacional, ao contrário do que ocorre nos Es- vez, é ligada ao Instituto Nacional Americano de tados Unidos, de acordo a percepção deste autor, Padrões – ANSI –, que é responsável por atualizar e que teve a oportunidade de fazer treinamentos e divulgar as normas referentes às atividades de pa- estágios naquele país. dronização em diversos segmentos das atividades As maiores empresas mineiras não são muito industriais, comerciais e de engenharia, visando à receptivas quando são abordadas sobre a possibili- segurança para os produtos e para os usuários. O dade de abertura para um trabalho acadêmico, te- ANSI desenvolve trabalhos similares aos realizados mendo o plágio de suas atividades. Seus dirigentes pelo Instituto Nacional de Metrologia – INMETRO não são claros quando são inquiridos sobre seus –, que é o órgão brasileiro responsável pela pa- métodos e suas principais atividades específicas de dronização e pela normalização. treinamento, descartando a possibilidade de um Com o intuito de obter informações relevan- estudo, sob a alegação de que pessoas externas tes sobre o treinamento experiencial, obtivemos, à organização podem criar uma empresa similar, por meio de entrevista com empresas e com con- tornando-se concorrentes. sultores que realizam treinamentos experienciais, Justifica-se, assim, um estudo exploratório no período de abril a junho de 2009, informações em outro país, mais especificamente nos Estados relevantes de como é esse mercado na realidade Unidos, visando a obter conhecimento teórico e local. Observa-se, assim, que, na grande Belo Hori- prático sobre o tema, e trazê-lo para a realidade zonte e regiões próximas, existem várias empresas local, colaborando para a melhoria do conteúdo que oferecem essa modalidade de treinamento, dessas atividades com foco corporativo. Os pro- com grande diversidade de propostas, em ter- cedimentos de segurança e de organização deve- mos de duração e de custos. Algumas empresas rão somar valor para as prestadoras de serviço, dispõem de toda a estrutura necessária, como: gerando boas práticas no manuseio e na estoca- recursos humanos, equipamentos e área natural gem dos seus equipamentos. Adicionalmente, as Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010 |19
  • 24. atividades de ecoturismo poderão potencializar do por obstáculos naturais. De fato, o ambiente suas atividades por meio da melhoria qualitativa ao ar livre tem longa história por prover espaços dos processos internos. especiais para que o indivíduo aprenda, de modo As corporações contratantes do treinamento profundo, sobre si mesmo e sobre sua interação experiencial ao ar livre poderão também avaliar as social com os outros. etapas das atividades, baseando-se nas teorias e FIGURA 01 - A ÁRVORE DA EDUCAÇÃO AO AR LIVRE conhecendo a fundamentação dos processos do treinamento. Devido ao fato de o treinamento experiencial ser utilizado geralmente para reforçar a missão da empresa ou para modificar compor- tamentos inadequados à realidade corporativa, este estudo dará subsídios para que a corporação obtenha o resultado esperado nessa modalidade de treinamento. Ou seja, para que o treinamento torne-se efetivo e não resulte apenas em horas de lazer. Este trabalho teve como objetivo gerar conhecimentos, colaborando com empresas, consultores, prestadores de serviço e corporação contratante, disponibilizando, de forma mais aprofundada, os fundamentos da atividade de treinamento ao ar livre e da educação experiencial. FONTE: Adaptado de Priest e Gass (1983) De acordo com Priest e Gass (1983), ilustrado Teoria da educação ao ar livre em seu modelo chamado “árvore da educação ao ar livre”, na qual, em sua base (as raízes), estão Segundo Barros (2000), Outdoor Education cognição, afetividade e movimentos como gran- ou Educação ao Ar Livre é uma vivência edu- des grupos, e sons, intuição, tato, gosto, visão cacional que faz uso de desafios presentes em e olfato são alusivamente relacionados com a áreas naturais como metodologia educativa. A essência humana, que deve ser aprimorada pelo Educação ao Ar Livre é um método de aprendi- treinamento ao ar livre. Logo acima das raízes, zagem experiencial que utiliza todos os sentidos o tronco simboliza a educação ao ar livre como de uma pessoa, ocorrendo principalmente pela grande suporte ao ser humano em seu processo exposição do aluno ou do visitante a ambientes de treinamento. Mais acima, o frondoso tronco se naturais. De acordo com Neill (2003), a utilização desdobra em duas partes, duas vertentes: uma é a educação por meio da aventura em áreas abertas das atividades ao ar livre para fins educativos e a outra é a vertente para a educação ambiental. envolve aventura para propiciar crescimento pes- Já os galhos simbolizam as relações intrapessoais soal, sob a orientação de um instrutor ou líder. Os e interpessoais, as relações com os ecossistemas ambientes de aprendizagem ao ar livre são mais e as relações do homem com as ciências da terra. que uma “sala de aula ao ar livre”, uma vasta área Nos galhos, também está o processo de aprendi- de diversão ou um campo de batalha entremea- zado experiencial. 20 |
  • 25. Revista da FAE Beard e Wilson (2002) criaram um modelo no Na verdade, o primeiro grupo está relacionado qual incorporaram muitos outros elementos psico- à área física, ao ambiente onde acontecerá o lógicos, educacionais, experimentais e específicos treinamento e a qual atividade será proposta da educação ao ar livre. Esse modelo, o cadeado como formato do treinamento. Os sensores estão de segredo da aprendizagem, faz referência ao descritos no segundo grupo considerando-se a sistema de travamento e abertura dos cofres, no comunicação por meio dos sentidos. Os olhos, os qual existem engrenagens contendo inúmeros ouvidos, a boca, o nariz, os nervos e a racionali- dentes. A combinação desses dentes resultará dade. Os sensores são responsáveis pela ligação em processos de aprendizagem. Quando se posi- entre o ambiente externo e o interno, por meio dos ciona os dentes na primeira engrenagem, está se sentidos, da percepção e dos sentimentos. Esta é fazendo a seleção do ambiente de aprendizagem considerada uma engrenagem-chave, à qual se e, consequentemente, todas as engrenagens se- deve dedicar tempo para fazer a ligação correta guintes podem ser colocadas em qualquer posição entre ambiente interno e externo. desejada. São três grandes grupos de engrena- O ambiente interno é o maior grupo, com- gens: Ambiente externo, Sensores e Ambiente posto de três engrenagens, sendo elas: interno, sendo que cada engrenagem representa a) Emoções no aprendizado; agressão, medo, um subgrupo específico e cada dente dela é um esperança, tédio, alegria, tristeza. componente variante. b) Inteligências estimuladas; lógica, verbal, FIGURA 02 - O CADEADO DE SEGREDO DA APRENDIZAGEM corporal, musical, espacial e interpessoal. c) Aprendizado e mudança; emergente, sem modificação, participativa, pragmatista, aprendizagem simultânea, aprendizagem contínua. Há um mecanismo adicional para que essas engrenagens sejam movidas. Trata-se de um eixo central que conecta todas as engrenagens e permite a combinação ou o arranjo comutativo. A FONTE: Beard e Wilson (2002) linha central do mecanismo do cofre é manuseada para atingir uma combinação que o abra, por meio da seleção das engrenagens e dos dentes. No primeiro grande grupo, a primeira engre- Simbolicamente, é o dispositivo que possibilita nagem, chamada de Ambiente Externo, é relacio- o arranjo correto entre os grandes grupos, nada aos fatores do ambiente, melhor dizendo, subgrupos e itens para obter a correta combinação o “ambiente do aprendizado”, sendo ele descrito entre o primeiro grande grupo, o ambiente como: salas de conferência, salas de relaxamen- externo e os demais grupos, subgrupos e itens. to, ao ar livre, computadores, cafés, aprendizado virtual, teatros. Também nesse grande grupo, a segunda engrenagem é denominada “atividades de aprendizagem”, que se considera a solução de problemas, desafios, mentalização, sinestesia, aprendizagem colaborativa, realidade simulada. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010 |21
  • 26. Educação experiencial apresentamos, as saídas de campo ocorrem em grupos pequenos, com no máximo doze integran- De acordo com Ewert, Baker e Bissix1 (2004 tes. A diversidade é o fator de enriquecimento da apud BARROS, 2000), a Educação Experiencial aprendizagem, tão importante quanto a inclusão é uma forte ferramenta da promoção de com- social e a heterogeneidade. Mas não apenas esses portamentos ambientalmente corretos, em três valores são estimulados. Também o mesmo autor esferas: a construção da consciência ambiental; destaca: o educador tem como tarefa básica aju- a formação de atitude; e a capacitação. Nas vi- dar os alunos a superar medos e descobrir que vências da Educação ao Ar Livre, a sala de aula têm muito mais dentro deles do que imaginam. deixa de ser entre quatro paredes e passa a ser o Sauvé (1997) também contribui para a edu- ambiente natural. cação experiencial quando afirma que o meio Em 1941, a Outward Bound2 foi fundada ambiente possibilita o aprendizado experiencial, por Kurt Hahn3. Sua criação deveu-se à morte tornando-se o meio de aprendizado. Beard e Wilson de marinheiros da marinha mercantil em barcos (2002) buscam demonstrar o processo que dá senti- salva-vidas quando seus navios eram afundados do à conexão entre o mundo interno da pessoa e o no Atlântico Norte pelas forças navais alemãs. O mundo externo. O autor demonstra em seu modelo programa tinha como filosofia que o caráter do que a interação entre esses dois mundos dá origem indivíduo é “lapidado”, pois ao encarar desafios ao aprendizado experiencial. Afirma também que em ambiente natural, ele constrói o senso de au- a transferência da aprendizagem para um novo tovalorização, o grupo aumenta sua consciência contexto ocorre devido a uma sequência, sendo da interdependência humana e todos adquirem que a primeira fase é a experiência, quando a pes- mais envolvimento com a atividade. soa é exposta a regras, seguida do ato de realizar É impressionante como os princípios e visões alguma tarefa como parte operativa da experiência são ainda contemporâneos e vão ao encontro planejada, sendo que a reflexão e a interpretação de nossa sociedade atual e futura. Flavin (1996) relacionadas à ação são itens do aprendizado vi- afirma que os princípios da escola de Salém4, vencial. Gilbertson et al. (2005) advoga a favor da aqueles originários da Outward Bound, advogam educação experiencial como precursora das ativi- que a aprendizagem funciona melhor em peque- dades de educação ao ar livre referindo-se a elas nos grupos, nos quais existe confiança, e, como como habilidades físicas, educação por meio da aventura, crescimento interpessoal ou habilidades educacionais, ecoturismo, relações com a ecologia, 1 EWERT, A.; BAKER, D.; BISSIX, G. Integrated resource educação ambiental (formal) ou interpretativa (in- management: the human dimension. Cambridge, MA: formal). A aprendizagem pode ser definida como CABI Publishers, 2004. “uma modificação sistemática do comportamento, 2 Expressão utilizada por marinheiros para descrever o momento em que o navio deixa o porto, levando a si e por efeito da prática ou experiência, com um sen- sua tripulação para riscos desconhecidos e aventuras no tido de progressiva adaptação ou ajustamento” mar aberto. Soltar as amarras das pessoas de seus abrigos (CAMPOS,1987, p.30). seguros do lar, da família e de rotinas familiares para crescer por meio de experiências não-familiares, de dificuldades e de aventuras. 3 Educador nascido em 1886, em Berlim, na Alemanha. 4 Localizada na cidade de Salém, oeste da Alemanha. 22 |
  • 27. Revista da FAE FIGURA 03 - INTERLIGAÇÕES DA EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL riência (vivência) adquirida à reflexão de forma estruturada por intermédio da educação expe- riencial facilitada. A experiência e a reflexão são vetores do aprendizado, de acordo com o ciclo de dois estágios. Bacon (1987) propõe o Modelo Metafórico, que consiste na experiência ao ar livre seguida da reflexão, ou seja, a metáfora entre a experiência e os fatos do dia a dia, fatos reais, profissionais ou pessoais do participante. A aprendizagem foi um item acrescido ao modelo de dois estágios por intermédio das pesquisas de Dewey (1971). A experiência complementada pela reflexão relacionada à vivencia conduzia ao aprendizado orientado pela aplicação da experiência vivida. FONTE: Gilbertson et al. (2005) Juch (1983) coletou 17 ciclos de quatro estágios na literatura como sendo base de várias teorias relacionadas ao aprendizado experiencial, Ciclos do aprendizado experiencial entre os quais ele destacou o ciclo de Kolb (1983, p.4) como sendo o mais completo e que explica Os ciclos de aprendizagem experiencial são melhor o ciclo de aprendizado experiencial. modelos que tanto demonstram como o apren- dizado é transferido da vivência (experiencial) FIGURA 04 - CICLO DE QUATRO ESTÁGIOS para a aplicabilidade prática, quanto auxiliam no entendimento do treinamento baseado na expe- riência e em programas de educação ao ar livre. Esses ciclos variam de um a cinco estágios, que são fases nas quais ocorre o aprendizado, sendo que o ciclo de quatro estágios é o mais abordado na literatura. De acordo com Kolb (1984), o ciclo de um estágio considera a experiência (vivência) como um estágio único e suficiente para o apren- FONTE: Kolb (1983) dizado. Kolb remonta ao ditado de Confúcio, que afirma: “Diga-me, e eu esquecerei. Mostre-me e me lembrarei. Envolva-me, e eu compreenderei”. Metodologia Kolb refere-se à experiência (vivência) como en- volvimento, que, por ser um ciclo único, leva ao Trata-se de uma pesquisa de natureza quan- aprendizado. titativa e qualitativa, envolvendo a utilização de O modelo de dois estágios complementa diversas técnicas, tais como observação, entrevis- o primeiro modelo por adicionar a reflexão ao tas e aplicação de questionários, tanto nos Estados processo de aprendizagem, relacionando a expe- Unidos quanto no Brasil. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010 |23
  • 28. Inicialmente, foi realizado estudo exploratório Cada fator é medido por três questões com- em uma região geográfica que tem cultura de apli- postas de escala Likert de oito pontos, das quais cação dessa modalidade de treinamento empresa- é tirada a média para se obter o escore. O estilo rial, ou seja, nos Estados Unidos. Foi escolhida a dos itens, assim como a escala de medição, deriva região sul do estado do Texas, onde se concentra do Questionário de Efetividade de Neill, Marsh e o maior número de indústrias de construção de Richards (1997), que tem sido amplamente utili- equipamentos para essas atividades, além de áre- zado na avaliação dos resultados dos programas as de treinamento ao ar livre. Por consequência, de formação experiencial. nessa área estão diversas empresas que são res- ponsáveis pela certificação de facilitadores, pela construção de dispositivos e equipamentos e pela População, amostra e coleta de dados. manutenção das áreas de treinamento. O estudo foi realizado em dois contextos Conforme mencionado, o instrumento para coleta de dados foi o ROPELOC (NEILL; MARSH; geográficos distintos, sendo que o primeiro a ser RICHARDS, 1997). Essa ferramenta de avaliação do pesquisado foi o da região de Houston, Texas, programa de treinamento experiencial corporativo em agosto de 2009. Na oportunidade, foram é projetada para auxiliar a avaliação de programas entrevistados um especialista e dois facilitado- e desenvolvimento dos participantes. O instrumen- res e foi aplicado um questionário (Ropeloc) em to permite a mensuração, pré ou pós-treinamento, amostra não-probabilística de 28 treinandos da do impacto sobre uma variedade de qualidades modalidade experiencial. O especialista e os faci- pessoais, sociais e de trabalho que os programas litadores eram funcionários de uma empresa que de treinamento experiencial corporativo visam a oferece treinamento experiencial para empresas, melhorar. O conteúdo do instrumento é personali- zável a partir de um conjunto de escalas predeter- principalmente no âmbito da cidade de Houston minadas. Os números advindos desse questionário e proximidades. possibilitam a análise das dimensões dos principais O outro contexto foi o da cidade de Belo domínios psicológico e comportamental nos níveis Horizonte, Minas Gerais, no Brasil, no período de pessoal, social e das relações de trabalho. Ele foi novembro de 2009. Nesta ocasião, foram aplicados projetado especificamente para ser sensível aos 28 questionários (Ropeloc) em treinandos. A tipos de mudanças pessoais que podem ocorrer empresa participante deste estudo e contratante como resultado da participação em programas de do treinamento experiencial é da área de vendas intervenção baseados em vivência experiencial. de bens de consumo de alto valor agregado O Ropeloc (questionário de efetividade) e goza de grande conceito junto ao mercado consiste de 39 itens e nas medidas de doze áreas belo-horizontino em seu segmento. A amostra específicas da eficácia pessoal, incluindo habi- da população à qual foi aplicado o questionário lidades pessoais (autoconfiança, autoeficácia, (Ropeloc) foi propositadamente do mesmo gerenciamento do estresse, pensamento aberto), habilidades sociais (eficácia social, trabalho em tamanho da amostra de Houston, sendo que se equipe, liderança), competências organizacionais procurou respeitar a mesma porcentagem entre (gestão do tempo, busca pela qualidade, lidar com membros dos sexos masculino e feminino. mudanças). 24 |
  • 29. Revista da FAE Tratamento estatístico dos dados Comparação entre programas realizados nos Estados Unidos e no Brasil, com base nos fatores Os dados qualitativos obtidos na entrevista do questionário Ropeloc com o especialista tiveram por objetivo descrever Partindo da análise dos dados primários quais as principais atividades utilizadas no contex- obtidos por meio do instrumento de pesquisa to norte-americano e foi descrita no tópico 2.3.4. Ropeloc referentes à avaliação pós-treinamento, A mesma entrevista com esse especialista tam- pode-se constatar que as três dimensões de análise bém gerou outros dados que dizem respeito ao (competências organizacionais, habilidades sociais conteúdo técnico e organizativo relevantes dessa e habilidades pessoais) apresentam diferenças modalidade de treinamento, devido ao fato de o significativas entre o contexto americano e o especialista ser quem treinou e certificou vários brasileiro, sendo que este apresentou valores profissionais desta modalidade de treinamento. mais elevados, de modo geral, indicando melhor Após a entrevista com ele, foi gerado um roteiro de resultado, segundo a percepção dos participantes, entrevista semiestruturada para ser aplicado aos todos eles líderes ou gerentes de empresas. facilitadores, visando a verificar se os conteúdos Pode-se perceber, no gráfico 01, que: técnicos e organizativos eram realmente utilizados – A dimensão comportamentos organizacio- na prática do treinamento experiencial. nais apresenta diferença de 21,93% entre Já os questionários aplicados nos treinandos os contextos, sendo favorável ao Brasil. geraram dados quantitativos que foram analisa- – Com diferença de 16,46%, percebe-se dos por meio da estatística descritiva (média e que as habilidades sociais são mais bem- percentual) e a comparação entre as médias foi trabalhadas no contexto brasileiro. confirmada por intermédio do teste T-Student, – Verificou-se também diferença sutil entre as utilizando-se o programa Minitab para análise habilidades pessoais em favor ao contexto quantitativa. brasileiro, de 16,38%. GRÁFICO 01 - COMPARAÇÃO DAS DIMENSÕES DE ANÁLISE Resultados da pesquisa RESULTANTES DO TREINAMENTO EXPERIENCIAL ENTRE ESTADOS UNIDOS E BRASIL Para o entendimento dos gráficos, ressaltamos que se foi utilizada uma escala tipo Likert de 1 a 8 Comparação das dimensões de análise resultantes do treinamento experiencial entre Estados unidos e Brasil e que todos os resultados obtidos nesse intervalo foram tratados estatisticamente, aplicando-se 8 7 cálculos das médias e comparação entre estas, 6 5 realizadas com o testes t em intervalo de confiança 4 3 de 95%. Os questionários aplicados geraram 2 muitos dados de relevância à compreensão 1 Comp. Organizacionais Habilidades sociais: Habilidades pessoais: dos efeitos que a modalidade de treinamento Estados Unidos 5,226 6,98 5,123 6,44 4,812 6,122 Brasil experiencial gera aos participantes e quais os itens FONTE: Os autores (2009) são mais relevantes por dimensão de análise e por contexto. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010 |25
  • 30. Comparação entre os itens da dimensão de GRÁFICO 02 - COMPARAÇÃO ENTRE OS ITENS DA DIMENSÃO DE ANÁLISE COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS análise competências organizacionais Comparação entre os itens da dimensão de análise COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS Os dados demonstram que, nesta dimensão de análise, os três itens tiveram valores mais altos 8,00 7,00 no contexto brasileiro, com variações em relação 6,00 5,00 ao contexto americano entre 15% e 31,50%, 4,00 3,00 passando por 16,46%, sendo demonstrado 2,00 1,00 Busca pela qualidade Lidar com mudanças Gestão do tempo que, no contexto brasileiro, de acordo com os Estados Unidos 5,00 5,37 5,30 Brasil 7,52 6,92 6,50 resultados, as competências organizacionais são FONTE: Os autores (2009) mais observadas. Dentro desses itens, a busca pela qualidade se destacou devido à diferença de as médias com- Comparação entre os itens da dimensão de paradas estarem muito distantes. Verificando o análise habilidades sociais desvio-padrão do teste t, temos o valor de 2, 048, o que explica que a média baixa aferida em desfa- Observa-se que, de acordo com o resultado da vor aos Estados Unidos deveu-se à dispersão dos pesquisa realizada nos dois grupos dos contextos valores colhidos nos questionários. Pode-se inferir, americano e brasileiro, a capacidade de liderança pela análise do gráfico, que, no contexto brasileiro, se destaca no contexto brasileiro, com 25,88% de a busca pela qualidade é mais intensa do que no vantagem com relação ao contexto americano. contexto americano. Além disso, de acordo com O mesmo se percebe ao analisar o gráfico 03, o autor do Ropeloc, a busca pela qualidade é o ocorrendo aos itens trabalho em equipe e eficácia desejo de obter o melhor resultado possível. social, sendo respectivamente as diferenças de A segunda competência organizacional é 17,38% e 20,38%. descrita como a capacidade de ser receptivo às mudanças que podem ocorrer no ambiente GRÁFICO 03 - COMPARAÇÃO ENTRE OS ITENS DA DIMENSÃO da empresa. Verificou-se, então, que lidar com DE ANÁLISE HABILIDADES SOCIAIS mudanças é mais efetivo, também, no contexto Comparação entre os itens da dimensão de análise brasileiro. A gestão do tempo apresenta a menor HABILIDADES SOCIAIS diferença entre as médias nos dois contextos, 8,00 7,00 6,00 sendo de 15% a diferença entre elas. 5,00 4,00 3,00 2,00 1,00 Liderança Trabalho em Eficácia social Estados Unidos 5,11 5,25 5,01 Brasil 7,18 6,64 6,64 FONTE: Os autores (2009) 26 |
  • 31. Revista da FAE Comparação entre os itens da dimensão de As características específicas de cada empre- análise habilidades pessoais gado que é submetido à modalidade de treina- mento experiencial devem ser consideradas para No que se refere às habilidades sociais, tem-se que o programa de treinamento não incorra no diferença muito significativa entre as médias rela- erro de expor pessoas a um treinamento que cionadas aos contextos estudados, especialmente exija esforço físico ou emocional ao qual elas no item pensamento aberto, sendo que 33,38% possam apresentar restrições. Na entrevista com é o percentual de diferença em favor do contexto o especialista norte-americano, ficou claro que: brasileiro. Contudo, são percebidos valores muito “Antes de iniciar sua atividade é bom que você próximos no item autoconfiança, sendo a diferen- peça a uma pessoa por vez para segurar a corda ça de apenas 4,25% entre os contextos. O teste t e suportar seu próprio peso. Durante esse exer- apontou diferença pouco significativa, afirmando cício, você como facilitador pode observar quem que as médias são iguais. As médias intermediá- tem facilidade, quem tem dificuldade e quem não rias são 14,5% e 13,38%, sendo representadas se sente capaz. O facilitador deve, a partir dessa simultaneamente no gráfico pela autoeficácia e observação, pensar em alguma forma para que o pelo gerenciamento do estresse. treinando participe do treinamento, mesmo que a atividade apresente restrições por algum motivo, GRÁFICO 04 - COMPARAÇÃO ENTRE OS ITENS DA DIMENSÃO DE ANÁLISE HABILIDADES PESSOAIS físico ou emocional”5. Comparação entre os itens da dimensão de análise HABILIDADES Portanto, quando o especialista percebe, PESSOAIS durante o treinamento, que alguém não tem ca- 8,00 7,00 pacidade física ou emocional para a participação 6,00 5,00 4,00 nas atividades, o fato é indicador de que a fase de 3,00 2,00 1,00 planejamento não foi eficaz e que expôs a pessoa Pensamento Autoeficácia Ger. do estresse Autoconfiança Estados Unidos 4,68 4,63 4,85 5,10 a um possível constrangimento perante os demais empregados envolvidos no treinamento. Como Brasil 7,35 5,79 5,92 5,44 FONTE: Os autores (2009) análise posterior, cabe, por parte dos responsáveis pelo planejamento, averiguar se esse caso ocorreu em treinamentos experienciais contratados. Na Fatores que afetam o resultado do eventualidade de isso ocorrer, deve-se entender treinamento experiencial nos dois países a motivação que levou o empregado até o ponto de ser excluído ou desempenhar papel secundário Alguns importantes aspectos com relação no treinamento. ao treinamento experiencial foram ressaltados nas entrevistas e devem ser observados visando à Compreender se o empregado participou sua aplicação correta e à geração dos resultados do treinamento sem ter condições físicas ou esperados. As restrições quanto à condição física emocionais por negligência própria ou se por e emocional devem ser levadas em conta, logo no medo de retaliação por parte dos superiores, início do processo de planejamento do treinamen- submetendo-se a uma condição desconfortável to. Milkovick e Boudreau (2000) afirmam também e de risco está ligada a cultura interna da corpo- que a consideração das diferenças individuais ou de características específicas de cada empregado 5 Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada em Trinity, Texas, contribui para a eficácia do treinamento. Estados Unidos em 23/07/2008. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010 |27
  • 32. ração. A corporação com perfil mais hostil pode e especialistas, no período de abril a junho de gerar no empregado este comportamento e é 2009, em Belo Horizonte, indicaram que o co- função dos responsáveis pelo planejamento, que nhecimento acerca da metodologia experiencial devem, a partir desse diagnóstico, propor ações de treinamento é limitado e que os proprietários corretivas para planejamentos futuros de treina- não são abertos para permitir um estudo mais mento focando a cultura interna e a modalidade aprofundado em suas organizações. de treinamento experiencial. Uma explicação secundária para os melhores resultados do treinamento experiencial obtidos na coleta de dados realizada no Brasil relaciona- Considerações Finais se ao fato de que nos Estados Unidos, esse tipo de atividade é muito utilizada com finalidades A comparação dos resultados entre o treina- recreativas e comportamentais, para crianças mento experiencial realizado no contexto norte- e adolescentes, sendo que boa parte desse -americano e o realizado no Brasil, na região de público passa também, na vida adulta, por um Belo Horizonte, demonstra que a aplicação dessa treinamento experiencial com foco de treinamento modalidade de treinamento para treinamentos organizacional. Na fase adulta, não é uma com finalidade de melhorar ou desenvolver com- completa novidade participar de treinamentos portamentos em equipes de trabalho é válida. E experienciais, portanto a avaliação vai ser menos os resultados apontam para o melhor aproveita- movida pela emoção e encarada como uma mento do treinamento aplicado no Brasil. atividade de treinamento comum. A princípio, a explicação mais lógica, de Os treinamentos muitas vezes são escolhidos em função acordo com os resultados, para que o estudo no das técnicas modernas, que por serem participativas, vivenciais e lúdicas, fazem com que os participantes se contexto brasileiro tenha encontrado melhores envolvam e gostem muito das técnicas apresentadas. médias é que, possivelmente, pode estar havendo Estão classificados nesta categoria de treinamentos: uma melhor absorção à metodologia em nosso dinâmicas de grupo, auto-ajuda, treinamentos país e que essa modalidade de treinamento está vivenciais ao ar livre (teal, rafting, rapel, corrida de sendo aplicada com excelência. kart, canoagem, sobrevivência na selva), programas de aventuras (expedição ao deserto, caçada na África, Essa possível explicação pode, porém, ser etc.), todos eles muito divertidos e emocionantes, mas questionada, uma vez que alguns autores apon- de resultado prático muito duvidoso para os negócios tam para uma estrutura física mais adequada (SIMÕES, 2009, p.2). nos Estados Unidos do que no contexto brasilei- O fator cultural também pode ser influenciador ro. Attarian (2001) afirma que, em 1992, havia do resultado gerando uma supervalorização desta 300 áreas de treinamento experiencial ao ar livre atividade, mais relacionada aos seus aspectos (challenge courses) nos Estados Unidos. Dinsmore lúdicos do que aos pedagógicos. Borges-Andrade (2004) afirma que, no Brasil, podemos considerar e Abbad (1996) apontaram os riscos associados que o marco inicial do treinamento experiencial ao à importação de técnicas de treinamento sem ar livre ocorreu em maio de 1992, em uma área de a observância de determinados fatores que Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro. justamente resultar em um desvirtuamento de Outros fatos percebidos durante as entre- sua real finalidade. vistas preliminares realizadas com consultores 28 |
  • 33. Revista da FAE Na fase de planejamento, o envolvimento dos incipiente na região focada em nosso estudo. responsáveis com os especialistas é fundamental São sugestões de estudos futuros que in- para que o treinamento não seja um “pacote de vestiguem: treinamento” já padronizado para todo tipo de – a utilização de novos instrumentos de cole- empresa e para que tal pacote não desempenhe ta de dados para avaliação de treinamentos a função de uma panaceia para curar quaisquer experienciais, com o intuito de aferir o males (BORGES-ANDRADE; ABBAD,1996). impacto dessa modalidade de treinamento; As principais limitações deste estudo devem- – a relação entre cada comportamento que se principalmente: se pretende trabalhar e os equipamentos a) ao fato de ter sido pesquisada apenas uma utilizados no treinamento experiencial; empresa contratante do treinamento expe- – a padronização dos equipamentos e seus riencial, em ambos os contextos; respectivos nomes; b) à não-aplicação prévia do questionário aos – a aplicação do treinamento experiencial, participantes, tal como a aplicação ao final abrangendo desde o levantamento das do treinamento; necessidades de treinamento, planejamen- c) aos poucos estudos conduzidos no Brasil to, execução e avaliação até a teoria e os relacionados ao treinamento experiencial; equipamentos envolvidos na atividade no d) às empresas terem sido pouco receptivas contexto brasileiro. à pesquisa. – influência da variável gênero no que se O medo da crítica futura dos métodos de refere ao aproveitamento dos participantes, cada empresa e a possibilidade de haver exposi- uma vez que que não foi abordada no ção do seu nome no mercado foi também muito presente estudo. evidente nas entrevistas. A dificuldade de falar sobre autores correlatos ao tema deveu-se a dois • Recebido em: 01/08/2010 fatores: número inexpressivo de publicações espe- • Aprovado em: 05/11/2010 cializadas no país e carência da leitura em outro idioma. Pesquisando sites de algumas empresas, percebemos que quase todas apresentam conte- údo similar e, quando comparadas a empresas em outras regiões, vemos que uma imensidão de equipamentos, métodos e procedimentos não são utilizados e tampouco citados. As entidades normativas e de classe não são citadas sob qualquer aspecto e há o desconhe- cimento de empresas que constroem, treinam e executam manutenção nessas áreas. A maior “saia justa” ocorre quando as empresas são perguntadas quanto ao modo como obtiveram conhecimento para a organização das atividades, demonstrando que a fundamentação teórica é Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 17-30, jul./dez. 2010 |29
  • 34. Referências ATTARIAN, A. Artificial climbing environments. Andover, MA: Ventura, 2001. BACON, Stephen Barcia. The evolution of the outward bound process. Greenwich, USA: Outward Bound, 1987. BARROS, M. I. A. Outdoor education, uma alternativa para a educação ambiental através do turismo de aventura. In: SERRANO, C. A educação pelas pedras: ecoturismo e educação ambiental. São Paulo: Chronos, 2000. BEARD, C.; WILSON, J. P. Experiential learning. 2nd ed. Philadelphia: Kogan Page, 2002. BORGES-ANDRADE, J. E; ABBAD, G. Treinamento no Brasil: reflexões sobre suas pesquisas. Revista de Administração, São Paulo, v.31, n.2, p.112-125, abr./jun.1996. CAMPOS, D. M. S. Psicologia da aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1987. DEWEY, J. Experiência e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971. DINSMORE, P.C. (Org.). Treinamento experiencial ao ar livre: uma revolução em educação empresarial. Rio de Janeiro: SENAC, 2004. FLAVIN, M. Kurt. Hahn´s Schools & Legacy: to discover you can be more and do more than you believe. Wilmington Delaware: Middle Atlantic, 1996. GILBERTSON, K. et al. Methods and strategies for teaching outdoors. Champaign, IL: Human Kinetics, 2005. HAMMERMAN, W. M. Fifty yearsof resident outdoor education (1930-1980): its impact on American education. Martinsville Ind.: American Camping Association, 1980. JUCH, BERT. Personal development: theory and practice in management training Chichester: Wiley, 1983. KOLB, David A. Experiential learning: experience as the source of learning and development. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1983. ______. Experiential learning: experience as the source of learning and development. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1984. MILKOVICH, G.; BOUDREAU, J. Administração de recursos humanos. São Paulo: Atlas, 2000. NEILL, J. T. Reviewing and benchmarking adventure therapy outcomes: applications of meta- analysis. Journal of Experiential Education, San Francisco, 2003. NEILL, J. T.; MARSH, H. W.; RICHARDS, G. E. The life effectiveness questionnaire: development and psychometrics. Sydney, NSW: The University of Western Sydney, 1997. PRIEST, S.; GASS, M. A. Effective leadership in adventure programming. Champaign, IL: Human Kinetics, 1983. SAUVÉ, L. Educação ambiental e desenvolvimento sustentável: uma análise complexa. Revista de Educação Pública, Cuiabá, v.6, n.10, p.72-103, dez. 1997. SIMÕES, A. Vencer. Disponível em <http://www.vencer.com.br/materiacompleta.php?id=1275>. Acesso em: 22 jan. 2009. 30 |
  • 35. Revista da FAE A importância dos sistemas de gestão da qualidade: Fmea e Seis Sigma - uma abordagem teórica Quality management sistems regard: Fmae and Six Sigma - an theoric approach Elizabeth Giron Cima * Miguel Angel Uribe Opazo ** Resumo Atualmente, mercados e clientes estão exigindo produtos e serviços mais elaborados, fazendo com que as exigências em termos de qualidade estejam sempre em um processo de evolução constante. É necessário que os produtos e serviços comercializados tenham, não só, a qualidade exigida pelos consumidores (usuários), como também, um custo mínimo para as empresas. Com a globalização da economia, percebe-se a disseminação de conceitos abordando a gestão da qualidade tais como: Fmea e Seis Sigma, os quais abordam de maneira objetiva ações pró- ativas buscando minimizar prejuízos causados por falhas e deficiências muitas vezes irreversíveis no processo produtivo das empresas. Este artigo buscou analisar a importância da aplicabilidade dos sistemas de gestão da qualidade: Fmea e Seis Sigmas nos processos industriais e produtos acabados. Palavras-chave: gestão; qualidade; seis sigmas; indústria. Abstract Presently, markets and clients are requiring more work out in details of products and services, getting the better of quality, requiring of industries being working out doing the best constantly. It’s necessary that the products and services sold get the quality that consumers (users) want, and, minimize cost to companies. The economy globalization is broadcasting quality management concept, like FMEA and SIX SIGMA, which approach objectively actions that will minimizing damage caused by wrongs at * Mestre em Desenvolvimento production process at industries. This article analysis how important is Regional e Agronegócio pela UNIOESTE. Professora do Instituto the implement of quality management system: FMAE and SIX SIGMA into Tecnológico e Educacional – industrialization process. Faculdades ITECNE. Cascavel-PR E-mail: egcima@bol.com.br Keywords: management; quality; SIX SIGMA; industry. ** Doutor em Estatística, pela Universidade de São Paulo - SP. Professor Associado do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas da UNIOESTE. Cascavel - PR. E-mail: mopazo@unioeste.br Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 31-36, jul./dez. 2010 |31
  • 36. Introdução O artigo está estruturado em cinco sessões. Na primeira, encontra-se a introdução onde é Os sistemas de qualidade abordam aspectos relatada a importância do sistema de gestão da fundamentais de controles e ações de melhorias qualidade. Na segunda sessão, apresenta-se a revi- contínuas que agem na prevenção de eventos são de literatura que contém os tópicos: definição adversos que possam ocorrer durante o processo importância e aplicabilidade da fmea; conceitos, produtivo de determinados produtos (CIMA; definições e importância do Seis Sigma. Na terceira URIBE-OPAZO, 2009). sessão apresentam-se a metodologia; Na quarta sessão apresentam-se a análise e a discussão dos A produção de produtos e serviços com resultados e na quinta sessão estão as considera- qualidade não é uma tarefa fácil de ser conse- ções finais. guida. Faz-se necessário o desenvolvimento e implantação de sistemas de gestão da qualidade nas organizações para que se garanta o compro- metimento de todos com objetivo de conquistar 1 Revisão de literatura a excelência nos processos e produtos (PALADINI, 2005). Nesta perspectiva pode-se afirmar que o avanço do conhecimento tecnológico, ou seja, do saber fazer, está relacionado aos ganhos de pro- 1.1 Definição, importância e aplicabilidade dutividade que definem o próprio conceito atual da Fmea do crescimento econômico. O efeito principal da Técnica utilizada para definir e identificar evolução dos padrões tecnológico é o de aumen- problemas ou erros potenciais ou conhecidos de tar a capacidade de produção da economia em um sistema que pode ser projeto, processo e/ou relação à quantidade de recursos humanos e de serviço antes que eles cheguem ao usuário (cliente); capital empregados (BATALHA, 2005). Nesta mes- também conhecido como método analítico para ma visão apresenta-se o conceito de FMEA (Failure identificar e documentar de forma sistemática Mode and Effect Analysis), como um método de falhas em potencial em produtos ou processos. análise de produtos ou processos o qual é usado Esta dimensão da qualidade tem se tornado cada para identificar os possíveis modos potenciais de vez mais importante para os consumidores, pois falha e determinar o efeito de cada uma sobre o a falha de um produto causa, no mínimo, uma desempenho do sistema (produto ou processo). insatisfação ao consumidor ao privá-lo do uso do A definição de cliente abordada pela Fmea, não é produto por determinado tempo; Foi desenvolvida simplesmente o usuário final, mas toda a cadeia com um enfoque no projeto de novos produtos e produtiva (desenvolvimento, produção, vendas e processos, mas passou a ser utilizada para diminuir logística), atua como apoio ao gerenciamento do as falhas de produtos e processos existentes e para processo (ROSA; GARRAFA, 2009). diminuir a probabilidade de falha em processos Este artigo teve como objetivo demonstrar a administrativos (FERNANDES, 2005). importância dos sistemas de gestão da qualidade A metodologia de análise do tipo efeito Fmea e Seis Sigma nos processos industriais e de falha, conhecida como FMEA (Failure Mode produtos acabados. and Effect Analysis), é uma técnica que busca evitar, por meio de análise das falhas potenciais 32 |
  • 37. Revista da FAE possíveis falhas no projeto do produto ou do cendo metas constantes de redução de desperdí- processo, este é o objetivo desta técnica, ou seja, cio (SANTOS; MARTINS, 2004). detectar falhas antes que se produza peça e ou O nível Seis Sigma de qualidade considera produto com defeitos. Pode-se dizer que, com sua a especificidade e natureza do negócio, seu ta- utilização está diminuindo as chances do produto manho, suas características específicas, aspectos ou processo falhar, ou seja, busca-se aumentar as culturais e sociais dos indivíduos que dele par- chances de produção de produtos sem defeitos ticipam. Nessa caracterização, são identificadas e desta formar aumentar sua confiabilidade, as necessidades e desejos dos consumidores e as esta técnica é usada para antecipar as falhas que atuais capacidades produtivas (WEBER, 2005). podem ocorrer em um produto, processo ou peça, O método Seis Sigma visa alcançar a quali- permitindo atuar antecipadamente na causa para dade quase ideal. Ele é um esforço planejado e que a falha ou o defeito não venha a ocorrer disciplinado que examina minuciosamente os pro- (ROSA; GARRAFA, 2009). cessos repetitivos na empresa, tem condições de A importância desta técnica de gestão da minimizar os defeitos nos produtos e serviços para qualidade está relacionada com o grau de exigência níveis sem precedentes devido à sua forte ênfase dos consumidores associado ao lançamento de nas análises estatísticas e na preocupação com o novos produtos onde que determinados tipos de design, a fabricação e todas as áreas relacionadas falhas podem ter consequências insatisfatória para aos consumidores (DEFEO, 2006). o consumidor, tais como aviões, equipamentos As possibilidades da aplicação do método seis hospitalares medicamentos os quais o mau sigma resulta em melhoria de qualidade, econo- funcionamento pode significar até mesmo um risco mia de custos, satisfação dos clientes, fidelidade de vida ao usuário. Apesar de ter sido desenvolvida e desenvolvimento dos funcionários, porém este com um enfoque no projeto de novos produtos sucesso somente será possível se houver um com- e processo, a metodologia fmea, pela sua grande prometimento de todos os envolvidos. São fatores utilidade, passou a ser aplicada em diversas áreas fundamentais para atingir níveis de eficiência das indústrias, tem sido empregada também significativos, através de resultados reais obtidos em aplicações especificas tais como análises de (DEFEO, 2006). fontes de risco em engenharia de segurança e na Definir o método seis sigma pode tornar-se indústria de alimentos (FERNANDES, 2005). uma tarefa extensa se for feita uma análise da literatura sobre o assunto, em vista da grande gama de definições que podem ser encontradas. 1.2 Conceito, definição e importância do Perez-Wilson (2000) analisa o seis sigma como seis sigma sendo muitas coisas, tais como: uma estatística, O termo Seis Sigma é considerado uma ex- uma medida, uma estratégia, um objetivo, uma tensão dos conceitos da Qualidade com foco na visão, uma filosofia. melhoria contínua dos processos, que atingem Atualmente o Seis Sigma é considerado diretamente o cliente. A estratégia Seis Sigma uma das mais importantes metodologias para aproveita todas as ações de qualidade que estão o melhoramento e crescimento dos negócios em andamento ou que já foram implantadas num (WATSON, 2000). sistema industrial, harmonizando-as e estabele- Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 31-36, jul./dez. 2010 |33
  • 38. Conforme relata Andrietta (2002), o programa O estudo também demonstrou que as Seis Sigma é considerado muito mais do que um técnicas de gestão da qualidade Fmea e Seis Sigma método de melhoria de qualidade e aumento aprimorada em suas aplicações são capazes de de produtividade baseado na estatística, ele permitir um maior entendimento das variações causa verdadeira mudança de visão, habito e que ocorrem num processo produtivo, ambas comportamento no ambiente empresarial. oferecem um grande aporte de informações que De acordo com a mesma autora é mais do quando assimiladas e compreendidas podem que quebrar paradigmas, ele exige total compro- indicar exatamente onde as falhas e defeitos metimento e envolvimento, portanto se torna um estão ocorrendo sinalizando que o processo está desafio sua implantação. precisando de correções ou ajustes. Neste sentido, de acordo com a pesquisa realizada, entende-se que com a abertura de mer- cado, a competitividade entre nações aumentou 2 Metodologia a necessidade de adequação das indústrias frente a essa nova ordem mundial que impulsionou sig- A pesquisa foi realizada sobre a importância nificativas mudanças nos processos produtivos. dos sistemas de qualidade Fmea e Seis Sigma nas As técnicas de gestão Fmea e Seis Sigma são organizações industriais é de natureza qualitativa conceitos modernos de qualidade que buscam em e descritiva. As etapas da pesquisa envolveram sua aplicabilidade contribuir de forma sistêmica a análises reflexivas e posteriormente foram realiza- sobrevivência das empresas nos mercados. Dentre das reflexões teóricas referente ao assunto. tantas técnicas de gestão da qualidade, tanto a metodologia Fmea quanto a Seis Sigma buscam conscientizar as empresas, auxiliando-as através 3 Análise e discussão dos resultados do fornecimento de informações e orientações nas questões de qualidade, contribuindo desta forma Após análise da literatura abordada no pre- nas questões ambientais, saúde e segurança no sente estudo, verificou-se a importância de imple- trabalho. Pode ser considerada uma oportunidade mentação dos sistemas de gestão da qualidade em de aperfeiçoamento que podem ser conciliado processos industriais, no caso aqui estudado Fmea com outras técnicas, ex: Iso 22000, dentre outras. e Seis Sigma. Estas técnicas de gestão da qualidade Todas buscam minimizar ou eliminar riscos demonstraram sua importância e contribuição nos potenciais que podem estar agindo nos processos processos produtivos, uma vez que estas metodolo- produtivos. gias estão voltadas para redução de custos, maior Na análise de Defeo (2006), observa-se que o lucratividade e satisfação dos clientes. sucesso quanto à implantação destes métodos só A compreensão dos controles e maior será possível se houver comprometimento de to- eficiência na busca de resultados apresentados dos os funcionários de uma organização, partindo por estas técnicas apresentaram significativa da alta administração até os níveis operacionais, possibilidade quanto à produção de produtos analisando esta idéia nota-se que o desafio da seguros e com perspectivas de atender as implantação está relacionado também ao processo necessidades dos clientes. de interação e integração dos envolvidos. 34 |
  • 39. Revista da FAE Avalia-se outro aspecto importante na visão da qualidade em sua totalidade. Desta forma o de Andrietta (2002), quando a mesma relata a estudo realizado não esgota o assunto e algumas importância dos sistemas de gestão da qualidade recomendações podem ser mencionadas. e os desafios que são enfrentados quanto sua im- Levando em consideração o foco nos pro- plantação, tendo em vista que todo processo de cessos, melhoria da produtividade e redução de implantação de novos métodos geram custos e custos observa-se a necessidade de um estudo significativo grau de incerteza para as organizações. mais aprofundado a respeito da aplicabilidade Neste sentido, e de acordo com a literatura destas técnicas. consultada, a importância e contribuição da Fmea Sugere-se para as indústrias que seja feito e o Seis Sigma para as organizações industriais um acompanhamento sistêmico na aplicação das estão relacionadas aos seguintes indicadores: técnicas Fmea e Seis Sigma coletando o máximo Proporcionam um melhor conhecimento dos pro- de informações possíveis em diferentes etapas blemas nos processos e produtos; colaboram no dos processos. sentido de promover ações de melhorias baseado Também, sugere-se para trabalhos futuros em dados; favorecem a diminuição de custos por estudos de casos evidenciando a importância de meio da análise de ocorrências de falhas; impul- tais métodos. sionam o trabalho em equipe buscando sempre a O trabalho atingiu, portanto, seu objetivo satisfação dos clientes; melhoria na produtividade; proposto na medida em que as técnicas de quali- aumento da competitividade e crescimento de dade Fmea e Seis Sigma demonstraram que é pos- mercados. sível melhorar a qualidade de processo e produtos. Considerações finais De acordo com o estudo realizado verificou-se que a importância da gestão da qualidade requer preparo, conhecimento e acompanhamento de • Recebido em: 25/06/2010 todas as atividades desenvolvidas pelas indústrias. • Aprovado em: 20/10/2010 O significativo número de variáveis que interferem na qualidade de processos e produtos requerem análises representativas e fiéis de todo o processo, sobretudo porque há sempre causas novas surgindo no ambiente. Neste estudo ficou caracterizado a importância das técnicas de gestão da qualidade Fmea e Seis Sigma aplicados nos sistemas industriais. È necessário, portanto que tais técnicas quando aplicadas em algumas etapas do processo possam ser expandidas para as demais atividades da indústria a fim de que se consiga atingir a melhoria Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 31-36, jul./dez. 2010 |35
  • 40. Referências ANDRIETTA, João Marcos; MIGUEL, Paulo Augusto Cauchick. A importância do método Seis Sigma na gestão da qualidade: analisada sob uma abordagem teórica. Revista de Ciência & Tecnologia, Recife, v.11, n.20, p.91-98, jul./dez. 2002. BATALHA, M. O. Recurso humano e agronegócio, a evolução do perfil profissional. São Paulo: Novos Talentos, 2005. BOGAN, C. E; ENGLISH, Michael J. Benchmarking, aplicações praticas e melhorias contínua. São Paulo: Makron Books, 1997. CIMA, Elizabeth Giron.; URIBE-OPAZO, Miguel Angel. Sistemas de controle de qualidade: uma análise da agroindústria avícola. Revista da FAE, Curitiba, v.12, n.1, p.121-131, jan./jun. 2009. DEFEO, J. A. O mapa do caminho da sobrevivência. Disponível em: <http://www.minitabbrasil. com.br/novidades/artigos/artigos32.asp>. Acesso em: 9 abr. 2006. FERNANDES, J. M. R. Proposição de abordagem integrada de métodos da qualidade baseada no FMEA. 2005. 105p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção e Sistemas) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2005. PALADINI, Edson Pacheco; CARVALHO, Marly Monteiro de. Gestão da qualidade: teorias e casos. Rios de Janeiro: Elsevier, 2005. ROSA, L. C.; GARRAFA, M. Análise dos modos de falhas e efeitos na otimização dos fatores de produção no cultivo agrícola: subprocesso colheita da canola. Revista Gestão & Produção, São Paulo, v.16, n.1, p.63-73, jan./mar. 2009. SANTOS, A.B.; MARTINS, M.F. Pensamento estatístico: um componente primordial para o sucesso do Programa de Qualidade Seis Sigma. In:Enegep, 23; 2004, Florianópolis. Anais... Florianópolis, 2004. WATSON, G.H. Seis Sigmas no gerenciamento dos processos e negócios das empresas. Rio de Janeiro: Campus, 2000. WEBER, L. H. Análise das etapas de implementação do Seis Sigma incorporando atributos promotores de aprendizagem organizacional. 2005. 90p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. 36 |
  • 41. Revista da FAE Custos da qualidade: como medir o impacto dos esforços pela qualidade The quality cost: how to measure the impact of the efforts for the quality Fabiano Goldacker* Resumo Rubens Ricardo Franz** A busca por excelência no mundo globalizado tem acirrado a competição entre as empresas. Margens de lucro cada vez mais exíguas e a exigência cada vez mais acentuada dos mercados têm provocado uma verdadeira corrida à tecnologia e à informação, a fim de manter a competitividade das organizações. O mesmo acontece com a qualidade. O que outrora era tolerado pelo mercado começou a ser substituído por concorrentes locais ou internacionais, mais eficientes, competitivos e baratos. Diante disto, fez-se necessário o desenvolvimento de uma ferramenta que auxiliasse na mensuração do quanto custa para a empresa a busca pela qualidade de seus produtos ou serviços: os custos da qualidade. Contudo, com o apontamento eficaz das ineficiências e desperdícios e dos investimentos realizados pelas empresas no seu esforço pela qualidade, a ferramenta de custos da qualidade adquiriu uma característica interessante. Deixou de ter caráter meramente estatístico para mostrar sua importância como ferramenta para análise e tomada de decisões gerenciais, principalmente nas áreas de finanças e custos, pois a qualidade passou a ser sinônimo de lucro ou prejuízo nas organizações. Palavras-chave: qualidade; custos; gestão; finanças; lucro. Abstract The search for excellence has increased the competition among the companies. Low profitability and the demands of the consumers have elicited the importance of technology and information, in order to keep the competitiveness of the organizations. The same situation happens with the quality. Things that have always been tolerated by the consumers were replaced by more efficient, competitive and cheap local or international products. Due to this situation, it has become necessary the development of a tool that allowed the measurement of how expensive it is for a company to keep and improve * Mestrando em Administração pela the quality of its products and services: the quality costs. However, this tool UFSC. Consultor de empresas e has acquired an interesting characteristic, just by showing the companies´ professor de ensino superior e de lack of efficiency, the wastefulness and the investments that are made in their especialização. Blumenau - SC. efforts for the quality. It is no longer only a statistical-purpose report. It has E-mail: fgoldacker@yahoo.com.br shown how important the analysis of the quality costs can be for the decision ** Mestre em Administração pela making processes, mainly in the areas of finances and costs, whereas the FURB. Consultor de empresas e professor em cursos de ensino quality has become a synonymous of profit or damage for the organizations. superior e de especialização. Balneário Camboriú - SC. E-mail: Keywords: quality; costs; management; finances; profit. rrf@terra.com.br Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 37-46, jul./dez. 2010 |37
  • 42. Introdução pamentos e principalmente no treinamento das pessoas envolvidas. Os custos de uma empresa podem ser re- Para a melhor contabilização destas ativida- presentados de diferentes formas, e diversos des, há uma ferramenta que informa às organi- podem ser os sistemas para seu gerenciamento. zações o quanto a qualidade e tudo o que está As atividades de inspeção, controle e garantia da relacionado a ela (testes, inspeções, controles, qualidade geralmente são encaradas como custos treinamento, reclamações, satisfação do consu- fixos e indiretos, uma vez que estas atividades não midor etc.) representam financeiramente para a são empregadas na transformação propriamente empresa. dita de matéria-prima em produto final. O intuito deste artigo é mostrar que com esta Em tempos de crise, geralmente as atividades ferramenta, aliada à quebra de alguns paradigmas que representam custos fixos e indiretos são as gerenciais, é possível visualizar que o montante primeiras que passam por cuidadosas análises a que as empresas investem nos esforços pela qua- fim de buscar a redução de seu impacto financeiro lidade, principalmente nas ações corretivas, pode para as empresas. Com isso, muitas empresas ser significativo. O objetivo é evidenciar quais áre- buscam reduzir as atividades relacionadas à as necessitam de maior ação e atenção, auxiliando garantia da qualidade, principalmente aquelas na tomada de decisões por parte dos gestores. que têm um caráter preventivo. Esta atitude revela que em muitos lugares a concepção sobre qualidade ainda está equivocada 1 A gestão da qualidade e que os esforços no intuito de obtê-la e melhorá- la são vagos. Para amenizar este problema, muitas Não há dúvidas de que a qualidade é um dos vezes são promovidos eventos e atitudes isoladas, conceitos que mais necessitam de atenção nas como campanhas, slogans e exortações que têm empresas. Tanto as empresas industriais como como objetivo melhorar a percepção do mercado as prestadoras de serviços realizam esforços no sobre a qualidade dos produtos e serviços das sentido de que a qualidade produzida e entregue empresas. Mas as atitudes internas podem deixar seja satisfatória aos olhos dos clientes. a desejar. Nestas organizações são necessárias Mas estes esforços necessitam de uma orga- mudanças na cultura e na gestão de forma que nização e estruturação básica. E são necessários seja possível estabelecer uma perfeita conexão controles, que possam servir como fonte de in- entre todos os processos, a fim de se produzir formações para a tomada de decisões. Os itens a constantemente altos níveis de qualidade. seguir irão apresentar a importância do Controle Atualmente, organizações que têm como Estatístico de Processos (CEP) dentro da esfera da objetivo manter ou ainda explorar novos merca- gestão da qualidade. dos estão buscando mudanças significativas na maneira como os processos internos de controle e garantia da qualidade são executados. Estas ações buscam cada vez mais a garantia da qualidade no fornecimento e transformação da matéria-prima, na conservação adequada das máquinas e equi- 38 |
  • 43. Revista da FAE 1.1 A importância do controle estatístico A competição mundial traz consigo crescentes exigências por parte dos consumidores. Melhor de processos para os custos da qualidade, maior variação de modelos, entregas mais qualidade confiáveis e menores custos tornaram-se parte das expectativas dos consumidores. Pressupõe-se que para que a metodologia de avaliação dos custos da qualidade cumpra sua Por este motivo, deve-se fazer o apontamento finalidade e sirva como fonte confiável de informa- correto dos custos da qualidade a fim de poder ções para a tomada de decisões, é necessário que evidenciar de maneira mais objetiva a origem dos as empresas lancem mão de outras ferramentas problemas. Para dar suporte a esta missão, o CEP de controle da qualidade no ambiente industrial. pode ser utilizado para aferir os índices de não- conformidade de um processo e suas informações Boa parte destas ferramentas está contem- podem ser transformadas em medidas não- plada dentro do chamado Controle Estatístico de financeiras que podem auxiliar na leitura dos Processos (CEP), que tem como objetivo identificar problemas relacionados à má qualidade. as variações que ocorrem durante o processo pro- dutivo e suas causas, a fim de buscar sua correção. Por outro lado, Robles Junior (2003, p.117) Para Slack, Chambers e Johnston (2008, p.564): afirma que “as informações de custos da qualida- O controle estatístico de processos preocupa-se com de não levam por si só a uma melhoria da qualida- checar um produto ou serviço durante a sua criação. de”. Ou seja, a eficiência produtiva somente será Se há razões para acreditar que há um problema com melhorada a partir do momento que os mesmos o processo, ele pode ser interrompido (onde é possível produtos forem manufaturados com custos me- e adequado) e os problemas podem ser identificados nores, sem prejuízos à qualidade. e retificados. As empresas utilizam as informações geradas pelas atividades ligadas ao CEP como uma forma 1.1.1 O Controle Estatístico de Processos de diagnosticar os principais problemas em seus (CEP) processos. Mas estas informações podem ser Moreira (2008, p.569) conceitua controle utilizadas de forma mais abrangente, abastecendo como “[...] um processo usado para manter certo a ferramenta de custos de qualidade a fim de se fenômeno dentro de padrões preestabelecidos.” conhecer com precisão o custo das falhas internas. No que diz respeito à qualidade, os controles A má qualidade causa um impacto negativo existem para garantir que certas características sobre os processos industriais e, consequentemente, básicas dos produtos ou serviços sejam cumpridas. sobre os custos. No entanto, as metodologias de Assim, o controle da qualidade industrial tem apontamento destes custos não salientam as como objetivo medir as características objetivas da origens exatas destes problemas. Sabe-se apenas qualidade de um produto, comparando-as sempre que são necessários investimentos para a melhoria com um padrão desejado. da qualidade. Porém, para se investir em qualidade Em essência, o CEP é sobre o entendimento da variação os gestores devem reconhecer que seu retorno no processo. Todo processo varia de forma distinta. compensa o investimento. O mercado clama por Alguns processos variam amplamente, alguns variam esta evolução. A respeito disto, Oliveira Filho de maneira tênue (DAVIS; AQUILANO; CHASE, 2001, (2001, p.27) comenta que: p.191). Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 37-46, jul./dez. 2010 |39
  • 44. Com base nisto, pode-se concluir que há va- dade do produto. A partir da análise das riação em todos os processos. Mesmo produtos amostras, pode-se inferir se a qualidade oriundos do mesmo lote apresentarão variações. de tudo o que está sendo produzido é Ballestero-Alvarez (2001) comenta que o CEP parte adequada ou não; do princípio de que sempre há variação, ou seja, b) inspeção por amostragem: seu objetivo é nunca há dois objetos que sejam exatamente iguais. concluir se o lote inspecionado (produzido O CEP usa em sua definição o termo “esta- internamente ou recebido de fornecedores) tístico” porque se utiliza de diversas ferramentas pode ser aprovado ou deve ser rejeitado, estatísticas para leitura, análise e interpretação tendo em vista sempre os padrões de dos dados encontrados, justamente com a fina- qualidade e tolerâncias estabelecidas para lidade de detectar as variações nos processos cada produto. (MOREIRA, 2008). Embora exista entre muitos gestores um O maior divulgador da análise estatística sentimento de que não seja possível definir ou da qualidade foi William Edwards Deming, quantificar a qualidade (RUST; ZAHORIK; KEININ- que desenvolveu a estatística para a qualidade GHAM, 1995), pode-se considerar que o conceito primeiramente no Japão e depois no mundo moderno de controle da qualidade está cada vez ocidental. Segundo Chiavenato (2005, p.60): mais voltado à integração dos processos internos A idéia original era aplicar metodologia estatística na com os custos relacionados à obtenção dos níveis inspeção de qualidade, passando depois ao controle de qualidade desejados. Esta visão se opõe à filo- estatístico de qualidade e chegando à qualidade sofia corrente nas empresas ocidentais, em que a assegurada a fim de obter conformidade com as manutenção de altos padrões de qualidade impli- especificações e proporcionar alto grau de confiabilidade, ca em adição de custos para o produto (COSTA; durabilidade e desempenho nos produtos. ARRUDA, 1999). Percebe-se, então, que o CEP “[...] é uma Gryna e Juran (1991, p.35) endossam esta poderosa coleção de ferramentas de resolução afirmação ao comentar que “[...] a alta qualidade de problemas, útil na obtenção da estabilidade não pode ser entregue com custos excessivos.” Isto do processo [...]” (MONTGOMERY, 2004, p.95). deve ser levado em consideração no processo de planejamento dos padrões de qualidade, pois uma 1.1.2 Tipos básicos de Controle Estatístico vez que determinado padrão de qualidade for defi- nido e atingido, o mercado passará a exigir que os de Processos (CEP) produtos e serviços atendam sempre a este padrão. Apesar de todo controle estatístico da qua- lidade atuar com base em amostras, é possível 1.2 Novos conceitos da qualidade afirmar que há duas maneiras de tratá-las, a partir de dois tipos básicos de controle: controle Ao contrário do que se observava no passado, de processo e inspeção por amostragem. Moreira quando o consumidor dava importância essen- (2008) define estes dois tipos básicos de controle: cialmente ao preço dos produtos, preterindo a a) controle de processo: seu objetivo é manter qualidade, o consumidor atual está muito mais as variáveis dentro das faixas de tolerâncias consciente do que deseja adquirir e do que está estabelecidas, garantindo a reprodutibili- disposto a pagar por isto. 40 |
  • 45. Revista da FAE A definição de qualidade como um produto Foi o primeiro a defender que a qualidade deveria sem defeito ou em conformidade com suas deixar de ser responsabilidade exclusiva de um especificações (CROSBY, 1994) esteve por muito departamento específico (Controle da Qualidade), tempo em vigor em grande parte das organizações. e sim obrigação de todas as áreas da organização. E em algumas ainda está. Esta ideia exclui um Atualmente, este conceito é o ponto central da importante elemento do processo: o cliente. gestão da qualidade moderna, em que há divisão Atualmente as empresas têm que se concentrar das responsabilidades e cooperação entre todas em atender as especificações do cliente, e não as as áreas envolvidas (FEIGENBAUM, 1994). suas (DEMING, 1990). Assim, as políticas de qualidade passaram a Esta postura tem a ver com a nova definição ser aplicadas desde a compra da matéria-prima e de mercado e preço, que hoje são definidos o desenvolvimento do produto até a realização do pelos clientes. A globalização tem permitido o acompanhamento pós-venda. Nota-se que a tradi- surgimento de marcas e produtos alternativos cional visão da qualidade nas empresas como algo para os consumidores. Produtos importados são essencialmente industrial e voltado às atividades cada vez mais comuns e marcas nacionais têm de inspeção e controle não encontra mais lugar nas organizações contemporâneas. Neste sentido, buscado se fortalecer frente a esta concorrência. Peters (2000) identificou a liderança como ponto Robles Junior (2003, p.15) comenta esta situação fundamental da melhoria da qualidade, ao afirmar quando afirma que que os três principais elementos para garantir a [...] a globalização é a maneira que as multinacionais excelência são: os clientes, a inovação e as pessoas. têm encontrado para enfrentar a concorrência de pequenas empresas, porém com alto padrão de E que as três principais atividades do líder são: o eficiência. ouvir, o ensinar e o facilitar. Desta forma, a qualidade adquire um papel Com base nas premissas de que os consumi- fundamental principalmente para as empresas dores estarão dispostos a pagar bem pela quali- dade, que as empresas que fornecerem qualidade nacionais, pois será um diferencial no momento terão sucesso, que os trabalhadores querem em que o consumidor fizer a escolha. Mas é oportunidades para fornecer qualidade elevada importante ressaltar que “[...] a qualidade deve e que nenhum produto ou serviço está isento de ser atingida sem agregar valores aos preços finais problemas de qualidade, torna-se necessário tam- dos produtos, uma vez que preço é determinante bém quebrar o paradigma de que as atividades no mercado” (BONA, 1996, p.6). relacionadas à gestão da qualidade representam Acompanhando esta nova postura do mercado somente um custo indireto para as empresas, sen- e a nova realidade econômica mundial (sobretudo do muitas vezes as primeiras atividades a sofrerem no Brasil), muitas empresas passaram a investir sanções quando da existência de crises internas ou consideravelmente em suas políticas de qualidade, deficiência nos processos (PETERS, 2000). fazendo com que as atividades de gestão e garantia da qualidade passassem a ter um envolvimento estratégico cada vez maior nas empresas. Esta nova postura é perfeitamente consoante com a teoria proposta por Armand Feigenbaum ao apresentar o Controle da Qualidade Total (TQC). Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 37-46, jul./dez. 2010 |41
  • 46. 2 A relação da contabilidade com os que a maioria das empresas não se estruturou custos da qualidade de forma a permitir que a contabilidade conheça os custos da qualidade. E a relação entre custo e qualidade é inevitável: a má qualidade gera Por muito tempo o Brasil viveu um período retrabalho, desperdícios e consequente perda em que a instabilidade econômica e a incerteza ao se fazerem projeções financeiras eram uma na produtividade. E a perda na produtividade irá constante e influenciavam toda a cadeia produti- aumentar os custos de produção. Em suma, os va nacional. Nesta época, que durou até meados custos para obtenção do produto irão aumentar à da década de 1990, as empresas viam-se diante medida que o processo gerar mais produtos com de inflações elevadas e de uma realidade que de- má qualidade. mandava a constante correção monetária de seus Conforme observado por Bona (1996, p.5), ativos. A contabilidade foi uma peça fundamental Com a criação de blocos de mercados, com a neste período. Organizações com departamentos globalização da economia e quebras de barreiras para contábeis e de custos bem estruturados experi- a importação e exportação, está se exigindo muito mais mentaram crescimento por muitos anos, graças da contabilidade de custos tradicional. também à possibilidade que as empresas tinham de maximizar seus ganhos em aplicações no mer- Diante desta nova realidade, o controlador cado financeiro. passou a ter um papel mais decisivo e estratégico No entanto, com o advento do Real e com a para as organizações, pois, além da apuração dos estabilização da economia a partir do controle da atos e fatos contábeis da empresa, o cálculo dos inflação, o país passou para uma nova realidade. custos da qualidade realizado pelo controlador Ao mesmo tempo, a abertura dos mercados e a ou contador dá mais credibilidade à informação globalização fizeram com que somente empresas (ROBLES JUNIOR, 2003). bem estruturadas permanecessem competitivas. Checoli (2000, p.13) também lembra o papel Muitas organizações tradicionais entraram em dos administradores nestes esforços, ao salientar declínio a partir de então. que “[...] deveriam estar motivados para começar a Assim como ocorreu com as políticas da mudança, já que eles possuem compromisso com qualidade, tornou-se necessário que a contabi- a melhoria da eficácia na organização”. lidade passasse a desempenhar um novo papel nas organizações, pois até então as informações relacionadas aos custos da qualidade não eram conhecidas. Ou seja, a contabilidade desconhecia 3 Os custos da qualidade o custo da não-conformidade, da ineficiência e dos reprocessos e da insatisfação dos clientes, pois as Campanela1 (1990 apud ZILLI, 2003, p.27) medidas tradicionais de contabilização do custo define custos da qualidade como não acompanhavam ou identificavam completa- [...] aqueles que representam a diferença entre o custo mente os custos relacionados à baixa qualidade atual de um produto ou serviço e o custo ideal, se não (RUST; ZAHORIK; KEININGHAM, 1995). houvesse o serviço fora do padrão, falha de produtos, Embora Jennings (2003, p.60) afirme que ou defeitos na manufatura. “As empresas produtivas são abertas com relação a todos os números e elas registram tudo o que 1 CAMPANELLA, Jack. Principles of quality costs. 2.ed. Milwaukee: é importante [...]”, atualmente ainda se observa ASQC, 1990. 42 |
  • 47. Revista da FAE Segundo defendido por Hunt (1993, p.137), qualidade em dois grandes blocos: custos de [...] os custos da qualidade consistem em todos os controle (que abrangem os custos de prevenção custos envolvidos na manutenção de uma qualidade e avaliação) e custos de falha de controle (que aceitável, somados aos custos decorrentes na falha da abrangem os custos de falhas internas e externas), obtenção desta qualidade. conforme pode ser observado na figura 01. Esta definição por si só permite enxergar a FIGURA 01 - CLASSIFICAÇÃO DOS CUSTOS DA QUALIDADE importância que a qualidade adquiriu não só para as relações comerciais, mas também para a política Custos de Prevenção de custos das empresas modernas. Paladini (2008) Custos de Controle salienta que a economia da qualidade trata de Custos de Avaliação expressar em unidades monetárias os benefícios da qualidade. Defende também que: Custos de Falha Interna Custos de Falha de Há duas maneiras de observar como esta expressão Controle Custos de Falha Externa é desenvolvida. Uma se refere à contribuição positiva da qualidade; a segunda, aos ganhos decorrentes da redução de custos decorrentes dos esforços para FONTE: Feigenbaum3 (1991 apud ZILLI, 2003, p. 31). otimizar o processo produtivo. Ambas são relevantes, embora só a primeira agregue valor à qualidade (PALADINI, 2008, p.123). É interessante que os custos de controle sejam superiores aos custos de falha de controle, Por muito tempo a qualidade nos processos pois estes últimos representam “[...] materiais ou foi mantida em segundo plano quando se tratava produtos que não atendem as especificações, ou de informação relevante para a alta administração. as expectativas do consumidor [...].” (DEPEXE, Atualmente ainda é muito comum encontrar rela- 2006, p.65). O problema que os custos de falha de tórios gerenciais que contemplam as informações controle trazem para a empresa, além do impacto financeiras e de custos sem levar em consideração as nuances que estes relatórios sofrem por con- negativo na eficiência, produtividade e qualidade, ta dos problemas relacionados à qualidade. No é o eventual prejuízo à imagem da empresa junto entanto, Deming (2003, p.27) lembra que “os ao mercado. defeitos não são livres de custo”, ou seja, ignorar Martins e Laugeni (2005) apresentam uma o impacto que a má qualidade causa nos custos definição dos quatro grandes grupos que com- pode ser prejudicial à gestão da empresa. põem os custos da qualidade: a) custos de falhas internas: são todos os custos oriundos das falhas, defeitos, ou 3.1 Classificação dos custos da qualidade falta de conformidade para com as espe- De acordo com Montgomery (2004) os cificações de um produto ou serviço, antes custos da qualidade são classificados em quatro da entrega para o cliente; categorias distintas: prevenção, avaliação, falhas b) custos de falhas externas: são os custos internas e falhas externas. Já Feigenbaum2 (1991 relacionados às falhas, defeitos ou falta de apud ZILLI, 2003, p.31) classificou os custos da 2 FEIGENBAUM, Armand V. Controle da qualidade total. São Paulo: 3 Ibidem Makron Books, 1991. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 37-46, jul./dez. 2010 |43
  • 48. conformidade para com as especificações Porém há certa dificuldade por parte de mui- de um produto ou serviço após a entrega tos gestores em conseguir conjugar as informa- ao cliente. Podem ter também um impacto ções não financeiras e não contábeis, oriundas das não mensurável, que é a insatisfação e a áreas industriais, a fim de torná-las ferramentas perda do cliente; eficientes para o auxílio no processo de tomada de c) custos de avaliação: são os custos relativos decisões. Hunt (1993, p.21) explica esta situação às atividades desenvolvidas para avaliar a ao afirmar que “[...] muitos gerentes dependem da qualidade (medição, avaliação, inspeção e intuição e de julgamentos baseados na experiência auditoria), que servem para garantir que para resolver os problemas”. Com base nisto, a os produtos e serviços atendam as suas ferramenta de custos da qualidade foi desenvol- especificações; vida com o objetivo de transformar informações técnicas em informações financeiras, pois d) custos de prevenção: são os custos associa- dos às atividades desenvolvidas para man- As informações dos custos da qualidade têm maior relevância e utilidade para a tomada de decisões ter os custos de falhas (internas e externas) quando são avaliadas e divulgadas em termos e de avaliação em níveis mínimos. Robles financeiros (ROBLES JUNIOR, 2003, p.76). Junior (2003, p.119) lembra que “[...] os in- vestimentos em prevenção podem demorar a refletir-se na diminuição das falhas”. Considerações Finais 3.2 Os custos da qualidade como Há um consenso no que diz respeito ao su- ferramenta de gestão cesso das organizações no mercado: a qualidade não é mais considerada como uma vantagem Os custos da qualidade podem ser evidencia- competitiva das empresas. É obrigação. Trata-se dos em todas as áreas das empresas. No entanto de um conceito que deve ser cuidado desde o muitas organizações utilizam esta ferramenta projeto do produto ou serviço. apenas para buscar soluções para as áreas ope- Analisando esta ideia, pode-se observar que racionais, motivo pelo qual não obtêm resultados o mercado não tolera mais absorver a ineficiência relevantes com programas de custos da qualidade ou inoperância das organizações. Tendo em vista (BONA, 1996). a quantidade de opções existentes nos mais Esta falha muitas vezes ocorre pela falta de variados tipos de produtos ou serviços, tornou-se envolvimento das áreas operacionais da empresa muito mais fácil para o mercado estabelecer uma na definição dos investimentos a serem feitos seleção natural entre os fornecedores, elegendo para garantir e melhorar a qualidade. Hunt (1993) aqueles que prezam pela entrega de produtos e afirma que a melhoria da qualidade é o caminho serviços com qualidade, pontualidade e preços mais direto para o aumento dos lucros de uma competitivos. empresa e Rust, Zahorik e Keiningham (1995, Além disso, vale salientar que toda e qualquer p.109) observaram que “uma das formas pela qual atividade, quando executada de forma constante e a qualidade conduz aos lucros é na economia de periódica sem que sua real lucratividade e eficiên- custos acarretada pelo aumento da eficiência”. cia sejam observadas, tende a gerar uma situação financeira perigosa no longo prazo. 44 |
  • 49. Revista da FAE Diante do exposto, é esperado que o gestor diz respeito à sua lucratividade. Isto ficou bem busque a maximização do valor do seu negócio evidente a partir da afirmação de que a qualidade por meio do gerenciamento eficaz dos recursos não pode ser entregue com custos excessivos disponíveis. Diante desta necessidade, a ferra- (GRYNA; JURAN, 1991). As organizações que menta de custos da qualidade pode se encaixar possuem um sistema de custos da qualidade bem perfeitamente no ambiente da gestão financeira, estruturado conseguem evidenciar os desvios e pois suas informações podem ser utilizadas tanto exageros no exercício da obtenção da qualidade, de maneira direta na causa dos problemas, como permitindo que níveis excelentes de produtos e podem também ser transformadas em informa- serviços sejam disponibilizados ao mercado de ções importantes para a tomada de decisão. acordo com os padrões exigidos, sempre com Em resumo, as empresas devem procurar ado- custo adequado e preços competitivos. tar sistemas internos que busquem a excelência no que diz respeito à qualidade. Porém, devem também fazê-lo observando sempre o ponto de equilíbrio entre o nível de excelência que o merca- do deseja e aquele que a empresa tem condições de fornecer. Por conta disto, fica evidente que as empresas • Recebido em: 09/03/2010 não têm outra escolha senão resguardar-se no que • Aprovado em: 04/10/2010 Referências BALLESTERO-ALVAREZ, María Esmeralda. Administração da qualidade e da produtividade: abordagens do processo administrativo. São Paulo: Atlas, 2001. BONA, Márcio. Custos da não qualidade em empresas industriais: um enfoque conceitual. 1996. 77p. Monografia (Pós-Graduação em Contabilidade Gerencial Avançada) – Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, 1996. CHECOLI, Paulo Fernando. Aplicação da teoria das restrições em linha produtiva: um estudo de caso. 2000. 105p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2000. CHIAVENATO, Idalberto. Administração da produção: uma abordagem introdutória. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. COSTA, Carlos Aníbal Nogueira; ARRUDA, Carlos Alberto. Em busca do futuro: a competitividade no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 37-46, jul./dez. 2010 |45
  • 50. CROSBY, Philip B. Qualidade sem lágrimas: a arte da gerência descomplicada. 3.ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1994. DAVIS, Mark M.; AQUILANO, Nicholas J.; CHASE, Richard B. Fundamentos da administração da produção. 3 ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. DEMING, William Edwards. Qualidade: a revolução da administração. Rio de Janeiro: Marques Saraiva, 1990. _____. Saia da crise. São Paulo: Futura, 2003. DEPEXE, Marcelo Dalcul. Modelo de análise da prática da qualidade em construtoras: focos da certificação e custos da qualidade. 2006. 168p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2006. FEIGENBAUM, Armand V. Controle da qualidade total. 4.ed. São Paulo: Makron Books, 1994. GRYNA, Frank M.; JURAN, Joseph M. Controle da qualidade: componentes básicos da função qualidade. 4.ed. São Paulo: Makron Books, 1991. HUNT, Daniel. Gerenciamento para a qualidade: integrando qualidade na estratégia de negócios. Rio de Janeiro: LTC, 1993. JENNINGS, Jason. Menos é mais: os segredos da produtividade - o que as empresas vencedoras fazem de diferente. 2.ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. MARTINS, Petrônio Garcia; LAUGENI, Fernando Piero. Administração da produção. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. MONTGOMERY, Douglas C. Introdução ao controle estatístico da qualidade. 4.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2004. MOREIRA, Daniel Augusto. Administração da produção e operações. 2.ed. São Paulo: Cengage Learning, 2008. OLIVEIRA FILHO, Edgar. Estratégia de manufatura: as mudanças no sistema de PCP de uma indústria têxtil – um estudo de caso. 2001. 126p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, 2001. PALADINI, Édson Pacheco. Gestão estratégica da qualidade: princípios, métodos e processos. São Paulo: Atlas, 2008. PETERS, Tom. Centros de excelência sim, departamentos não. Rio de Janeiro: Campus, 2000. ROBLES JUNIOR, Antônio. Custos da qualidade: aspectos da gestão da qualidade e da gestão ambiental. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2003. RUST, Roland T.; ZAHORIK, Anthony J.; KEININGHAM, Timothy L. Mensurando o impacto financeiro da sua empresa: questões para a qualidade. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1995. SLACK, Nigel; CHAMBERS, Stuart; JOHNSTON, Robert. Administração da produção. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2008. ZILLI, Carlos Afonso. Desenvolvimento de um modelo de melhoria de processos e projetos com base no gerenciamento dos custos da qualidade em um ambiente de gestão por atividades. 46 |
  • 51. Revista da FAE Planejamento estratégico e gestão familiar em empresas paulistanas Strategic planning and family management of enterprises in São Paulo Marilia Branquinho1 Maximiliano da Silva Ribeiro 2 Resumo Pedro Rehem Santana3 Tito Olavo Pereira Dancuart4 O estudo do planejamento estratégico em micro e pequenas empresas de gestão Victor Souza5 familiar é importante devido à representatividade das empresas desse porte Adriana Beatriz Madeira6 Luciano Augusto Toledo7 para a economia do Brasil: 98% das empresas são classificadas como micro e pequeno porte e 72% delas apresentam gestão familiar. Este trabalho objetivou identificar como ocorre o planejamento estratégico neste tipo de empresa, assim como avaliar a influência da gestão familiar na adoção ou não do planejamento estratégico. Com este intuito, foi utilizado o estudo de casos múltiplos com quatro empresas de micro e pequeno porte de diferentes setores. Os resultados alcançados através da análise dos dados obtidos por meio das entrevistas e o referencial teórico mostram que todas as empresas pesquisadas fazem uso de 1 Bacharel em Administração de partes do planejamento estratégico consciente ou inconscientemente. O grau Empresas pela Universidade de formalização é diretamente influenciado pela gestão familiar. Cada empresa Presbiteriana Mackenzie. Gerente de apresenta peculiaridades, variando de acordo com o nível de profissionalização Marketing, Acqua Fish. São Paulo-SP. da estrutura da empresa, o tempo de mercado e do estilo do gestor. Este estudo Email: 40622045@mackenzista.com. br apresenta os benefícios que podem ser gerados pela formalização e utilização das 2 Bacharel em Administração de ferramentas do planejamento estratégico. Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Estudante Palavras-chave: planejamento estratégico; gestão familiar; empresas de micro e na UPM. São Paulo-SP. Email: 40614041@mackenzista.com.br pequeno porte. 3 Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Estudante na UPM.São Paulo-SP. Email: Abstract 40645770@mackenzista.com.br 4 Bacharel em Administração de The study of strategic planning in family-managed micro- and small companies Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Estudante is important because of their impact on Brazil’s economy: 98% of businesses are na UPM. São Paulo-SP. Email: classified as micro- and small companies, 72% of which are run by families. This 40644499@mackenzista.com.br work aims to identify how strategic planning plays out in this type of company, as 5 Bacharel em Administração de well as to assess the influence of family management in determining whether or Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Estudante not strategic planning is adopted. To this end, we have conducted a multiple case na UPM. São Paulo-SP. Email: study on four micro- and small companies from different sectors of industry. Results 40725278@mackenzista.com.br drawn from data obtained via interviews and the selected theoretical framework 6 Doutor e Mestre em Administração demonstrate that all of the companies analyzed use elements of strategic planning, pela FEA – USP. Professor Adjunto whether consciously or not. The degree of formalization is directly influenced by da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo-SP. Email: the type of family management. Each company has individual characteristics adri.madeira@mackenzie.br according to its degree of professionalization, company structure, duration in 7 Doutor em Administração pela the market, and management style. This study presents the benefits arising from FEA – USP. Professor Adjunto formalization and the use of strategic planning tools. da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo-SP. Email: luciano@mackenzie.br Keywords: strategic planning; family management; micro- and small companies. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010 |47
  • 52. Introdução que por meio do método do caso investiga um fenômeno ou situação específica em um cenário Este artigo aborda o tema planejamento particular (empresa), proporcionando assim maior estratégico nas micro e pequenas empresas de conhecimento do problema a partir de entrevistas com indivíduos familiarizados e inseridos no meio gestão familiar do estado de São Paulo, conside- do problema pesquisado. Segundo Gil (2002) a rando as oportunidades oferecidas pelo setor e a pesquisa exploratória tem como meta criar uma carência de planejamento, que pode ser uma das maior familiaridade com o problema. causas da grande mortalidade destas empresas. Segundo o SEBRAE (2007) a taxa de sobrevivên- O presente trabalho utilizou-se de contornos cia das pequenas empresas brasileira melhorou dedutivos, exploratórios e bibliográfico e comple- consideravelmente passando de 51% em 2002 mentado pelo uso de um estudo de caso múltiplo. para 78% em 2005 e esta evolução é atribuída A pesquisa de campo se deu por meio do estudo a melhoria no ambiente econômico e também a de quatro empresas de micro e pequeno porte maior qualidade empresarial, esta última atribu- com gestão familiar. As empresas estudadas são ída ao maior nível de instrução de seus gestores. classificadas como de micro e pequeno porte de Frente a este panorama e dada a importância das acordo com os critérios do SEBRAE (2009). São MPE’s (Micro e Pequenas Empresas) é indiscutível, caracterizadas com micro empresas do comércio como se pode verificar nos dados divulgados pelo e serviços aquelas que possuem até nove funcio- SEBRAE (2009), que 98% das empresas no Brasil nários e pequenas empresas, as que têm entre são classificadas como micro e pequeno porte, 10 e 49 funcionários. Releva-se que o objetivo sendo que 72% destas empresas apresentam do estudo foi o de analisar como ocorre o pla- gestão familiar e 90% das empresas brasileiras são nejamento estratégico nas empresas de micro e familiares. Elas representam 28% da receita bruta pequeno porte de gestão familiar. Para tal, foram do setor formal e 67% dos trabalhadores formais. feitas entrevistas com os principais gestores de cada uma das quatro empresas de acordo com o A investigação se dá por meio de um estudo roteiro de entrevista com perguntas abertas. As de casos múltiplos que contempla a análise dos empresas analisadas foram uma fabricante de eti- conceitos teóricos e uma pesquisa de campo com quatro empresas de micro e pequeno porte de se- quetas e rótulos, uma distribuidora de autopeças, tores diferentes com gestão familiar. Em seguida, uma joalheria que tem fabricação própria das jóias são analisados os dados obtidos na pesquisa de e uma loja de venda de artigos de pesca, camping campo a luz dos conceitos teóricos a fim de iden- e aquarismo. tificar semelhanças e diferenças, peculiaridades Adotou-se para maior credibilidade do traba- destas empresas. Por fim, são apresentados os lho a utilização de um protocolo do estudo de caso resultados e a conclusão do estudo. (TOLEDO, SHIRAISHI, 2009). Yin (2006) cita que no contexto do protocolo do estudo deve permear procedimentos e as regras gerais que deveriam ser seguidas ao utilizar o instrumento. Assim, passa 1 Procedimentos Metodológicos a constituir em uma das táticas principais para se somar a credibilidade da pesquisa de estudo A pesquisa deste trabalho enquadra-se nos de caso e orientar o pesquisador ao conduzir o moldes de uma pesquisa qualitativa exploratória estudo de caso. 48 |
  • 53. Revista da FAE O protocolo pode ser entre outros itens, análise SWOT (pontos fortes e fracos, ameaças e composto por: questões em estudo, objetivos de oportunidades); plano estratégico (definição de pesquisa, unidades de análise, coleta de dados, objetivos, estratégias); seleção e formulação da análise de evidencias e elaboração do relatório. estratégia e execução e avaliação. Yin (2006) estabelece que, para melhor con- A análise SWOT ganhou força na década de 60 duzir um estudo de caso, os pesquisadores devem com a escola do Design, tem grande participação utilizar alguma estratégia global ou geral para na escola do planejamento estratégico e consiste nortear a coleta e interpretação dos dados. O au- na avaliação de quatro pontos da organização: tor divide esta estratégia geral em: basear-se em forças, fraquezas, oportunidades e ameaças em proposições teóricas, estabelecer uma estrutura seu ambiente (MINTZBERG; AHLSTRANDE; LAM- fundamentada em explanações concorrentes ou PEL, 2000). Com base na missão da organização desenvolver descrições de caso. Tendo o pesqui- e análise dos pontos fortes e fracos, que são fruto sador escolhido sua estratégia geral, irá aplicar as da análise do ambiente interno da organização, é técnicas específicas para analisar os estudos de trilhado um caminho (estratégia) que possibilita caso, que segundo o autor são cinco: adequação a empresa aproveitar oportunidades e minimi- ao padrão, construção da explanação, análise de zar ameaças identificadas no ambiente externo séries temporais, modelos lógicos e síntese de (FISCHMANN; ALMEIDA, 1991; SERRA; TORRES; casos cruzados. Assim, para o tratamento dos TORRES, 2004). dados foi selecionado o padrão combinado de A análise interna segundo Oliveira (1987), Yin (2006), que consiste na observação de um Maximiano (2004) e Sertek et al. (2007), consiste fenômeno em comparação a teoria estudada. em avaliar se os recursos financeiros, humanos, tecnológicos e materiais que a empresa tem são suficientes e satisfatórios para o mercado, 2 Referencial teórico verificando assim pontos fortes ou fracos. Oli- veira (1987) acrescenta ainda a importância dos Segundo Oliveira (1987, p.46), ao se realizar pontos neutros que são as variáveis que, quando um planejamento estratégico, a empresa espera identificadas pela empresa, não existem critérios conhecer e melhor utilizar seus pontos fortes, de avaliação para sua classificação como pontos conhecer e eliminar ou adequar seus pontos fortes ou fracos. Os principais fatores analisados fracos, conhecer e usufruir das oportunidades na etapa de autoanálise - pontos fortes e fracos externas, conhecer e evitar as ameaças externas - são: capacidade de gerenciamento (comprome- e ter um efetivo plano de trabalho estabelecendo timento, capacidades e experiências dos principais premissas, expectativas, caminhos, como e onde gerentes), capacidades comerciais (capacidade de os recursos devem ser alocados e o que, como, promoção, publicidade, criação de marcas pró- quando, por quem devem ser realizados os planos prias, relacionamentos com fornecedores etc.), de ação. Para o autor, o planejamento estratégico recursos financeiros (fluxo de caixa, capacidade pode ser dividido em duas etapas: elaboração de financiar o patrimônio líquido etc.), capacidade e implementação. Basicamente as etapas do de gerenciamento de lojas (qualidade e compro- planejamento estratégico, segundo Maximiano metimento dos vendedores, e capacidades ge- (2004, p.164), são: análise da situação estratégica; renciais), operações (SIG, qualidade dos sistemas Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010 |49
  • 54. operacionais, capacidade de distribuição etc.), Segundo Porter (1990) as regras que determinam locais e clientes (fidelidade). Há ainda três formas as habilidades da empresa obter retornos acima da principais para se identificar os pontos fortes e média estão englobadas em cinco forças: entrada fracos: estudo das áreas funcionais, estudo do de novos concorrentes, a ameaça de substitutos, desempenho e benchmarking (OLIVEIRA, 1987; poder de negociação dos compradores, poder MAXIMIANO, 2004; SERTEK et al., 2007). de negociação dos fornecedores e a rivalidade Quanto a classificação das variáveis macro- entre os concorrentes existentes. Porter (1986) ambientais Hitt, Irelan e Hoskisson (2002) ilustram esclarece que cada empresa tem seus pontos o ambiente externo de uma empresa dividido fortes e fracos, e entender estes pontos deve ser em três áreas principais: ambiente geral (que é o ponto de partida para lidar com e estrutura da indústria, que está sempre mudando ao longo agrupado em seis segmentos ambientais: demo- do tempo. Essas mudanças se dão devido as gráfico, econômico, político-legal, sociocultural, diversas características técnicas e econômicas que tecnológico e global), ambiente do setor (5 forças influenciam na intensidade de cada força no setor. de Porter) e ambiente da concorrência. Oliveira (1987) semelhantemente a Hitt, Irelan e Hoskis- A análise do ambiente do concorrente faz son 2002), divide a análise do ambiente externo parte da análise do ambiente externo e para Hitt, em oito variáveis: econômicas, sociais, políticas, Irelan e Hoskisson (2002, p.82) realizar a análise demográficas, culturais, legais, tecnológicas e eco- dos concorrentes a organização “[...] enfoca cada lógicas. Segundo Hitt, Irelan e Hoskisson (2002) uma das empresas com as quais ela concorre dire- o ambiente externo é constituído por elementos tamente [...]” tentando entender cada um desses concorrentes, suas estratégias, seus objetivos com diferentes graus de impacto, que afetam cada futuros, suas estratégias atuais, suas suposições setor e as empresas neles inseridas. Tendo como e sua capacidade buscando sempre obter estas desafio acompanhar e avaliar esses elementos informações sobre a concorrência de forma legal. determinando quais tem maior grau de importân- Hitt, Irelan e Hoskisson (2002) comenta ainda que cia para cada setor, a empresa busca reconhecer este tipo de análise é mais intensa em setores cons- mudanças, tendências, oportunidades e ameaças tituídos de empresas com capacidade relativamen- no ambiente (HITT; IRELAN; HOSKISSON 2002). te igual ou onde a concorrência é extremamente A análise do ambiente externo deve conter intensa, que é o caso do varejo. a análise do setor, onde a empresa deve levar em conta o aspecto do ambiente do setor em que a empresa se encontra para estabelecer as 2.1 Plano estratégico estratégias competitivas da organização. As forças Oliveira (1987, p.21) expõe que o plano é o externas podem afetar todas as empresas do setor, arquivamento em forma de documento das infor- a diferença se dá na forma com que a organização mações obtidas e das atividades exercidas durante usa suas habilidades para lidar com elas (PORTER, o processo de planejamento, além de afirmar de 1986). Porter (1986, p.22) diz ainda que uma maneira mais simplificada que “[...] plano é A estrutura industrial tem uma forte influência na determinação das regras competitivas do jogo, assim uma visão estática do planejamento”. Maximiano como das estratégias potencialmente disponíveis para (2004) diz que o plano estratégico é o resultado a empresa. de uma analise SWOT, e a maneira com que ele 50 |
  • 55. Revista da FAE é tratado varia de acordo com a empresa, cada ção, bem como sua integração com o ambiente uma dando importância da maneira que convém buscando a melhor adequação e levando é claro para a organização, em aspectos como o grau de sua missão, visão e valores. Existem alguns tipos formalidade, controle e abrangência. Segundo de estratégias genéricas que o administrador o autor o plano estratégico se fragmenta em 5 deverá escolher, tendo em vista a situação que a elementos básicos: missão, objetivos, estratégias, empresa se encontra, visando alcançar o objetivo execução e avaliação. estabelecido. Estes tipos de estratégias são: de Por meio da missão a organização expõe sobrevivência, de manutenção, de crescimento ou qual é seu papel perante a sociedade e ela pode de desenvolvimento (OLIVEIRA, 1987). permanecer ou sofrer modificações com o passar Maximiano (2004) destaca que as etapas do tempo (MAXIMIANO, 2004). Já segundo Hitt, de execução e avaliação são as partes mais com- Irelan e Hoskisson (2002) o enfoque interno da plicadas do planejamento estratégico, porque a missão estratégica trata da assimilação das ha- implementação das estratégias traçadas a partir bilidades e aptidões encontradas, servindo assim dos objetivos envolverão mudanças com pessoas de insumos para que a empresa possa criar ações e investimento financeiro. Para Bateman e Sneel estratégicas, e o enfoque externo busca colocar (2006), o processo de implantação inicia-se com a razão na qual a organização faz planejamento a definição das tarefas estratégicas, o que ajudará estratégico e onde pretendem chegar no que diz os funcionários a entender como eles contribuem respeito a produto e mercado. Para Sertek et al. com a organização, em seguida deve-se avaliar a (2007, p.53) “[...] a declaração da missão deve ser capacidade dos funcionários e gerentes da orga- curta, clara e de fácil compreensão e deve escla- nização de implementar as tarefas estratégicas, o próximo passo é desenvolver um cronograma recer o propósito da organização [...]”. definindo as pessoas e as atividades que são cha- Os objetivos são todos os resultados palpáveis ves e quais estruturas, medidas e informações que que as empresas almejam, para assim elaborar o sustentarão o comportamento especificado e o ul- seu planejamento estratégico e posteriormente timo passo é elaborar um plano de implementação focalizar nas estratégias (MAXIMIANO, 2004; para acompanhar o progresso da implementação. THOMPSON; STRICKLAND; GAMBLE, 2008). Após implementar o planejamento a empresa deve Barney e Hesterly (2008, p.8) dizem que os “[...] buscar controlar e avaliar as decisões que, segundo objetivos são alvos específicos e mensuráveis [...]” Ackoff (1976), envolve a previsão dos resultados e a empresa pode se utilizar deles para verificar obtidos em forma de medidas de desempenho, se ela está no caminho correto para a realização reunindo assim informação sobre o desempe- de sua missão. nho real, comparando se o desempenho real se As estratégias são os cursos de ação, as for- aproximou do previsto no plano, verificando-se mas de competir ou as políticas de negócios da as estratégias e políticas estão sendo de fato organização, ou seja, os caminhos que a organiza- eficazes buscando sempre identificar as falhas, ção elege. A formulação da estratégia no processo erros e problemas que possam desviar o curso de elaboração do planejamento estratégico é uma da implementação para corrigi-los e evitar sua das etapas mais importantes e devem-se consi- reincidência. Maximiano (2004) completa dizen- derar inicialmente todas os resultados obtidos do que as informações geradas nesta etapa irão com as análises internas e externas da organiza- servir como instrumento gerencial para manter o Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010 |51
  • 56. desempenho em todas as fases de acordo com o (a empresa se situa no mercado da cidade de São esperado, para minimizar as possíveis perdas que Paulo, mas o gestor mostrou preocupação para podem ocorrer devido ao mal gerenciamento do estender a área de atuação da empresa para as processo. regiões Sul e Sudeste do Brasil), econômico (a Nesta seção foram apresentados todos os empresa busca produzir produtos para qualquer conceitos necessários para dar base à pesquisa cliente independente do seu porte e procura de campo, abordando todas as etapas do plane- facilitar as formas de pagamentos oferecendo jamento estratégico, desde suas origens, etapas descontos e aumentando prazos), sociocultural de elaboração até os resultados que podem ser (a empresa demonstrou estar atenta as mudanças obtidos com sua boa execução e sua relevância e tendências do mercado). Os outros fatores não para as organizações. foram mencionados pelo gestor na sua entrevista. Observamos que a organização não formaliza as informações obtidas pelo ambiente geral e que ela se baseia no conhecimento adquirido pelo 3 Resultado e exibição dos casos seu gestor e no feeling que ele possui ao atuar a mais de 25 anos nesse mercado. A empresa já está consolidada no mercado da cidade de São Paulo 3.1 Caso 1 e tem como objetivo expandir seus negócios para A empresa analisada sempre produziu etique- a região Sul e Sudeste. O gestor da empresa acre- tas adesivas. Possui 35 anos de existência e atua dita que ainda não expandiu a sua empresa para no mercado de rotulagem e etiquetas na cidade outras localidades do território nacional devido de São Paulo. A empresa foi adquirida pelo atual a comodidade de atuar no mercado paulista e a gestor há 27 anos, após enfrentar alguns pro- facilidade de logística encontrada pela organiza- blemas como o alto endividamento causado por ção na área. A empresa não sabe e nem procura má administração do antigo gestor. Após quitar se informar sobre a sua participação no mercado. todas as dívidas e se tornar o sócio majoritário da A empresa tem um conceito bem definido empresa, o atual gestor reformulou o maquinário para identificar seus concorrentes. A empresa da empresa tornando-o mais atual e competitivo se baseia na similaridade de maquinário entre com a realidade do mercado e até hoje a empresa as organizações e também no perfil dos clientes investe em novas tecnologias, para sempre estar finais. A organização estudada se considera mais no mesmo nível que os seus concorrentes ou um forte que os seus concorrentes no relacionamento degrau acima. A empresa trabalha com fabrica- com o cliente já que acredita que, por ser de me- ção de rótulos e etiquetas adesivas padronizadas nor porte que os seus rivais, a empresa consegue e personalizadas contando com o total de cinco oferecer um serviço mais personalizado para os funcionários. seus clientes (relacionamento direto com o dono). O gestor demonstrou se preocupar com Além disso, possui maquinário de alta tecnologia alguns fatores do ambiente geral como o tecno- que não costuma ser encontrado em empresas de lógico (onde ficou implícito a busca sucessiva da pequeno porte no mercado de rótulos e embala- empresa por novas tecnologias, visando melhorar gens. O gestor informou que existe um relaciona- o maquinário para desenvolver rótulos e etiquetas mento de cooperação entre os concorrentes no com uma maior qualidade e rapidez), demográfico mercado. Inclusive existe um auxilio mutuo onde 52 |
  • 57. Revista da FAE é possível encontrar um concorrente utilizando as postos a fazer o melhor pela empresa e por seus instalações desta fabricantes de rótulos e etiquetas colegas de trabalho. Dificilmente identificam-se para “rodar” algum serviço nas suas máquinas. gargalos no processo de produção dos rótulos. To- O contrario também ocorre. Não há nenhuma dos possuem um alto grau de comprometimento formalização referente ao funcionamento do não somente com a organização, como também mercado, a empresa não realiza nenhum tipo de com o gestor da empresa. A empresa possui pesquisa de preço e não monitora todos os passos como desvantagem interna o fato de seu gestor de seus concorrentes. Ou seja, informações que a não gostar de computadores. Provavelmente é a empresa obtém são baseadas em conhecimento razão para não possuir pessoal capacitado para adquirido por seu gestor e também por seu feeling operar computadores. Porém, ele vem tentando de mercado. trazer novas ideias para a empresa por intermé- O poder dos clientes é alto, pois há diversas dio de seu filho. O gestor mostrou na entrevista empresas neste ramo. Assim sendo, podem barga- ser altamente centralizador. Tudo o que ocorre nhar o melhor preço. Os clientes são fiéis a marca, na empresa necessita da sua autorização e todos já que admiram a empresa pela confiança que ela os departamentos estão ligados à ele. Inclusive o oferece e pelo fato de ela ser bem flexível quanto acompanhamento do desempenho dos funcio- as formas de pagamento inclusive realizando par- nários é realizado por ele que dispensa a forma- celamento. Existem poucas barreiras de entrada, lização de relatórios para executar essa tarefa: já que vem ocorrendo, com certa freqüência, a observa pessoalmente o desempenho individual abertura de novas empresas no mercado. Porém, de cada funcionário. de acordo com o gestor, essas empresas costumam O gestor procura realizar o seu benchmarking ser ilegais e são abertas em sua grande maioria com visitas esporádicas aos seus concorrentes por ex-funcionários das organizações do ramo. Ou percebendo por observação a maneira como os seja, por serem ilegais conseguem trabalhar com funcionários de outras organizações efetuam suas melhores preços e prejudicam empresas como tarefas. As informações são passadas dentro da esta que acabam tendo que rever seus preços, empresa de maneira verbal. Todas elas devem che- para conseguir competir com essas organizações. gar ao gestor e não existe nenhuma formalização Então, foi possível identificar que a empresa não das intenções. Existe somente a ordem de pedido, desenvolve nenhum tipo de formalização referen- que diz respeito ao que foi solicitado pelo cliente te ao ambiente externo, obtendo integralmente no processo de compra. A empresa não efetua todas as informações com seu gestor; e o feeling nenhum tipo de formalização pensando em seu que possui para tomada de decisão e conheci- ambiente interno. Também está centralizada em mento adquirido. um único pilar que é o seu gestor, o responsável As vantagens mencionadas pelo gestor quan- por todas as tomadas de decisão sejam elas es- to ao ambiente interno consistem principalmente tratégicas ou operacionais. na forma como funcionário da empresa desen- A empresa não tem a missão formalizada, já volve o seu trabalho. A empresa demonstrada que o gestor não tem esse conhecimento. A en- preocupação em avaliar se o seu funcionário está trevista deixa claro que a organização demonstra motivado, se sentindo útil para a empresa. Todos uma grande preocupação com os seus clientes, já possuem espírito de equipe e estão sempre dis- que oferece as melhores formas de pagamentos e Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010 |53
  • 58. também todas as informações exigidas pelos clien- 3.2 Caso 2 tes. Possui o entendimento de qual é o seu público alvo, inclusive define os seus concorrentes por meio A distribuidora de autopeças em questão desta informação e procura desenvolver produtos ainda não completou um ano de funcionamento. A razão da sua abertura foi em se tornar parte do de alta qualidade e diferenciados para o seu cliente grupo da empresa Shiniko-Izza do Brasil Produtos com máquinas de ultima geração que proporcio- Automotivos. Surgiu em virtude dos benefícios nam uma melhor impressão dos rótulos e etiquetas. fiscais. O número de funcionário que trabalham O gestor procura manter todos os seus funcionários na empresa somam 15, sendo cinco internos e informados sobre o que a empresa vem buscando 10 externos. As principais atividades da empresa alcançar estrategicamente. O gestor procura não são: revenda de autopeças, produtos químicos e formalizar essas informações e sim transmiti-las aos pneumática. seus funcionários por meio de conversas, pois ele Foi possível identificar que a distribuidora de acredita que assim os funcionários se sintam mais autopeças conhece a região (sudeste, sul e nor- integrados a organização. Os objetivos da organi- deste) e o mercado na qual atua, pela experiência zação normalmente visam o longo prazo pensando e prática, apesar de não conseguir saber sua par- em medidas que fiquem estabelecidas por um bom ticipação de mercado, tem alguma idéia sem ter tempo na empresa, mas o gestor tem a preocupa- nenhum dado concreto. Os seus concorrentes são ção de também avaliar medidas em curto prazo, identificados a partir do critério de serem aqueles para assim estar atualizado a mudanças repentinas que oferecem os mesmos tipos de produtos e que possam ocorrer no mercado. Na entrevista não buscam o mesmo tipo de clientes. A organização foi informado pelo gestor como são realizados os também afirma que os próprios produtos são planos de curto e longo prazo. uma vantagem em relação à seus concorrentes, As estratégias normalmente são implemen- pois possui certificados de qualidade e garantia tadas pela organização, mas não ocorre nenhum da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sani- tipo de formalização. O monitoramento dessas tária) e ANP (Agência Nacional do Petróleo) , além estratégias implantadas na organização é realiza- experiência de mercado, por volta de 30 anos. As do de acordo com os resultados obtidos financei- informações sobre os concorrentes, Wurth, Rycal ramente e avaliados pelo gestor e também pelo e Uniforte, não são formalizadas. São adquiridas contador da empresa. O controle das estratégias quando ocorre o contato com o consumidor. Por implantadas é feito mensalmente e procura ava- meio deste contato se dá a comparação com ou- liar as entradas e saídas do mês (bens que foram tras empresas. Apesar da falta de documentação adquiridos pela empresa para a realização dos nesse aspecto, a empresa se mostra preparada rótulos e etiquetas e também as vendas realiza- para reagir a mudanças no ambiente externo e se das no período). O gestor procura compreender organizar contra seus concorrentes, pois o diretor a representatividade do mês em comparação com levanta informações sobre eles, por meio de visi- outros já passados, para assim definir a estratégia tas, e consultas com a própria equipe de vendas. que será utilizada. Na entrevista foi citado como Agora, sobre seus clientes, foi analisado que estratégia a redução de custos e também a iden- a distribuidora de autopeças procura manter sua tificação de possíveis perdas e prejuízos que a fidelidade, sempre procurando se relacionar de organização possa estar tendo. maneira a atingir suas expectativas e necessidades, 54 |
  • 59. Revista da FAE realizando entregas no tempo prometido, prazos Identificou-se no ambiente interno que são de pagamento flexíveis e mantendo contato mesmo realizados treinamentos de seus funcionários, após a venda, pessoalmente ou pelo SAC (Serviço busca-se a motivação interna e a criação de um de Atendimento ao Consumidor), para saber se o ambiente sem conflitos por meio da confiança produto atendeu suas expectativas. Também há dos gestores em seus empregados. A empresa um relacionamento com os fornecedores, que dá autonomia aos funcionários, principalmente entregam produtos que são considerados pela para a equipe de vendas, deixando assim uma empresa de qualidade porém a empresa busca liberdade maior para realizarem seu trabalho. A conhecer outros fornecedores para que esteja organização nota também a importância da ino- preparada a qualquer imprevisto, como por vação no ambiente interno, mesmo que não tendo exemplo o não cumprimento na data de entrega isso como um processo formalizado. A empresa de um pedido. Assim, percebe-se que o risco de tem softwares desenvolvidos especialmente para prejuízo em função do fornecedor é pequeno, pois ela, facilitando os operadores dos programas, não depende dele. O diferencial da empresa é a normalmente os gestores, a tomarem decisões linha de produtos oferecidos que são considerados mais precisas e rápidas. Quando necessário, de- novos e inovadores no mercado, como o xampu senvolve novos softwares, para se manter a par em pastilha biodegradável para automóveis e das mudanças e tentar encontrar a maneira mais o higienizador de ar condicionado, dificilmente rápida e eficaz para a solução de problemas. De encontrados em outras empresas do ramo. maneira geral, o investimento no capital intelec- Apesar do diferencial e o conhecimento tual é alto, nota-se a importância que a empresa sobre as outras empresas do segmento, foi ve- dá no desenvolvimento do funcionário, fazendo rificado que há um alto grau de rivalidade entre muito treinamento e oferecendo cursos como web os principais concorrentes. Isto ocorre, pois os designer e Inglês. Contudo existe a ocorrência de vendedores fazem um grande esforço e é preciso um ponto fraco, citado pelo entrevistado, que se uma grande equipe para que seja possível entrar da ao fato de os clientes de determinadas regiões em contato com a maior parte possível de clientes não possuírem atendimento, por falta de cober- até conseguirem concluir a venda. Verificou-se tura por parte dos vendedores. também que a barreira de entrada é um aspec- Mesmo que a empresa não possua um plano to a ser levado em conta pela distribuidora de estratégico, ela formaliza muitos de seus processos autopeças, já que abrem muitas empresas do que são analisados visando a sua melhoria, como a mesmo segmento. Então a organização, para se avaliação de desempenho dos funcionários. Existe manter competitiva, procura promover algumas também a interligação entre os departamentos facilidades para seus clientes: flexibilidade na for- da empresa (que não são formalizados) para a ma de pagamento, descontos, parcerias com os circulação e compartilhamento das informações fornecedores e acompanhamento das inovações entre todos. A sua missão está definida pelo do mercado(lançamento de produtos novos ou Diretor, apesar dele não ter consciência do conceito serviço que atraia o consumidor). A empresa for- de missão e nem ter registrado em nenhum lugar, maliza o processo de acompanhamento de novos como sendo: “Entregar serviços de qualidade e entrantes em forma de, relatórios sobre preço e ter um bom relacionamento com seus clientes, mercado concorrente feitos bimestralmente para funcionários e fornecedores, trabalhando sempre acompanhar as mudanças e tendências. para oferecer o melhor para nossos clientes [...] Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010 |55
  • 60. e funcionários”. Há a formalização dos objetivos espera desenvolver uma lucrativa organização, e metas em forma de planilhas para a equipe classificada entre as melhores do ramo por volta de vendas, avaliando seu desempenho e assim, de 10 anos. Verifica-se que não há dados concretos estabelecendo metas a serem atingidas, sempre sobre a posição da empresa ao longo do tempo. visando o curto prazo. Como a empresa está no Apesar disso, a distribuidora de autopeças possi- estágio de crescimento por estar conquistando bilita o crescimento profissional dos empregados, mercado, ela realiza ações para conseguir ganhar proporcionando um plano de carreira para aqueles participação de mercado, com avaliações de que se destacam e são julgados como merecedores gerentes, que identificam se a empresa deve de uma posição melhor dentro da empresa. mudar ou manter determinado processo. A empresa faz o controle de todas as estra- No que diz respeito aos concorrentes, a em- tégias que são implementadas, como as de custo, presa estabelece algumas maneiras para se manter preço, alcance aos clientes, mix de produtos e o competitiva, adotando estratégias, como prazos serviço de televendas, e faz isso verificando as de pagamentos aumentados, preços menores, informações, se os objetivos foram atingidos, e mix de produtos, e até utilizando algumas vezes esses controles são realizados mensalmente, feitas praticas parecidas com as dos concorrentes, como reuniões para discussões, tomadas de decisões e brindes. Outra estratégia adotada e que é uma desenvolvimento de melhorias, para que sejam vantagem competitiva é a grande quantidade realizadas posteriormente mudanças necessárias de vendedores espalhados por vários Estados nas estratégias.Apesar de o diretor dizer que al- (atuação fora de São Paulo) e a utilização de tele- gumas estratégias não são implementadas, não vendas. A maior parte das estratégias da empresa foi possível verificar quais seriam. fica por conta da área de vendas, pois isso muda diretamente a lucratividade da organização, além 3.3 Caso 3 de procurar reduzir custos para poder também eventualmente mudar sua estratégia de preços. O início do funcionamento da joalheria Então os funcionários dessa área acabam se en- aconteceu em 1967 no centro de São Paulo. Lá volvendo mais na busca de estratégias contra os comercializava apenas pedras preciosas e sou- concorrentes. Para que seja desenvolvida uma es- venires e era voltada para o publico estrangeiro. tratégia nessa área, os vendedores primeiramente Após algum tempo e depois de algumas parcerias conhecem as estratégias dos concorrentes, para com outras empresas, adotou a personalização da que assim possam escolher ou alterá-las. Um dos jóia, onde o cliente escolhia a pedra e criava a sua custos é o estoque. A empresa toma cuidado com própria jóia. No ano de 1984, abriu uma loja na suas decisões relacionadas ao estoque e formaliza cidade de São José dos Campos, onde em 1997 seu processo de pedidos de compras, utilizando se fundiu a atual empresa e uniu as duas marcas. um software para a reposição programada de Hoje conta com o total de 22 funcionários (15 produtos, não ultrapassando o limite máximo nem funcionários da fábrica e 7 da loja física). Desde o mínimo de produtos em estoque. então a empresa vem segmentando seu trabalho A visão de empresa, diferentemente da mis- para alianças personalizadas, onde atende pessoas são, é apenas uma ideia de como e onde ela quer do mundo inteiro, por meio do site da empresa estar daqui um determinado período. O Diretor www.reisman.com.br e clientes da região com a 56 |
  • 61. Revista da FAE loja física localizada no Vale do Paraíba. O gestor para ser possível oferecer um preço bom para o demonstrou se preocupar com alguns fatores do cliente e manter boas margens de lucro. A facili- ambiente geral como o demográfico (a empresa dade de imitação dos produtos leva a empresa a abrange todo o território nacional), econômico proporcionar freqüentemente o lançamento de (a empresa busca produzir alianças para todas novos produtos para atender as preferências e as classes econômicas e flexibiliza o pagamento, necessidade dos cliente e as tendências de mer- mas não citou a saúde econômica do país), tec- cado e assim diferenciar-se dos concorrentes. O nológico (produção de qualidade) e sociocultural gestor mostrou-se ciente do nível de concorrência (a empresa parece bem preocupada com a ten- do seu setor e as causas que levam a isso, mos- dência das preferências dos clientes e mudanças trou conhecer bem seus clientes e concorrentes e do mercado). Já fatores como político-legal e mostrou também que responde rapidamente às global não foram enfatizados, o gestor não citou ações dos concorrentes e mudanças dos clientes nenhum sindicato, lei, ou órgão que influencie e do mercado. Mas novamente a maior parte das as atividades da empresa. Observamos, portanto decisões são tomadas com base principalmente que a análise do ambiente geral, nos moldes do no feeling do gestor e poucas das pesquisas são planejamento estratégico, é feita parcialmente, formalizadas e arquivadas, a maior parte é feita pois nenhuma das informações são formalizadas no boca a boca entre os players do ramo que e a maior parte das conclusões sobre os fatores já se conhecem. O gestor demonstra perceber do ambiente geral são baseadas no feeling do e aproveitar as oportunidades no mercado, por gestor. A ameaça de entrantes potenciais na loja meio da loja virtual recentemente montada, mas física é baixo devido ao alto custo de entrada e a com a característica reativa, as adequações às ne- necessidade de conhecer bem o mercado, já no cessidades dos clientes e alterações dos produtos mercado virtual a ameaça é maior devido ao baixo conforme tendências do mercado. Parece estar custo de montagem. ciente também das ameaças e tenta de defender Em relação ao poder dos fornecedores, a dessas com a maior rapidez possível. joalheria produz suas próprias alianças, depen- No referente a forças e fraquezas o gestor se dendo assim somente de matérias primas (ouro) mostrou bem confiante com seus recursos internos que tem seu preço padrão no mercado. O poder principalmente no tocante a conhecimento na dos compradores, segundo o gestor, quanto aos área de jóias e a vantagem de produzir suas preços é baixo já que por ser uma loja que fabrica próprias alianças (esta é ressaltada como a maior as próprias jóias os preços são mais em conta o força da empresa), também foi ressaltada por ele que possibilita a não concessão de descontos, como vantagem ou força a baixa burocratização. porém quanto a forma de pagamento tem que O único fator citado como desvantagem em haver flexibilidade, por ser um produto de alto relação aos concorrentes foi o número de lojas valor e nem sempre os clientes dispões do valor que a empresa não possui para não elevar seu de imediato. Como a empresa tem seu foco na custo fixo e não ter que dispor de mais pessoas comercialização de alianças, não existem os pro- com o conhecimento e qualidade da marca, o dutos substitutos. O gestor percebe o ambiente que é difícil de encontrar. A empresa busca estar externo com uma forte concorrência devido a alta sempre treinando seus funcionários para mantê- volatilidade dos preços do ouro, e sendo assim, a los como diferencial e o gestor procura também compra tem que ser feita da melhor forma possível sempre conversar com seus funcionários para Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010 |57
  • 62. saber se estão satisfeitos e para saber o que os dos principais concorrentes. A empresa, por ser clientes estão comentando sobre a loja ou os fabricante, muitas vezes lança novos modelos no produtos que estão procurando, entre outros, e mercado que seus concorrentes copiam. isso se mostra bem eficiente para saber as forças Na entrevista percebe-se que todas as e fraquezas da empresa. São feitos relatórios estratégias são implementadas rapidamente e mensais sobre o desempenho dos integrantes controladas por meio de relatórios mensais ou da equipe de vendas para medir o benefício semanais, e se são identificadas falhas o gestor que cada vendedor representa para a empresa busca ajustá-las o mais rápido possível para e quanto aos ourives da produção são emitidos otimizar os resultados. Percebe-se que o gestor relatórios semanais para manter a qualidade dos tem uma experiência muito grande de mercado produtos. A empresa busca frequentar feiras, o que o torna consciente sobre as suas forças cursos e conseguir estudos na área para melhorar (fabricação própria de alianças, o que possibilita a seu desempenho em processos e desempenho dos criação de jóias com qualidade superior, a tradição funcionários. No ambiente interno os processos da empresa e a grande experiência de mercado do são bem formalizados, todas as informações são gestor) e devido ao grande tempo de mercado os registradas em computadores ou documentos concorrentes já são conhecidos tornando a busca assim como os relatórios de desempenho também de informações mais fácil, mas isto leva o gestor a são arquivados. tomar decisões baseadas no seu conhecimento de A empresa possui missão formalizada e mercado sem realizar pesquisas mais profundas. publicada no site: “Concretizar sonhos e eternizar Quanto a formalização dos processos da empresa, sentimentos”, porém o conceito de missão para a pesquisa de preços e informações de como a empresa não está claro para o gestor, já que os clientes acharam a Reisman foram uns dos ele citou a missão inconscientemente ao dizer poucos processos percebidos que são feitos que: “[...] nós fornecemos um produto de alta frequentemente, da mesma maneira e arquivados qualidade por preços de fábrica [...] para casais em planilhas. de todas as classes sociais de todo Brasil [...] ” e o gestor reconhece que houve mudança do papel da empresa no mercado em relação ao público 3.4 Caso 4 alvo (“estrangeiros para o público interno) e o produto (“de pedras preciosas para jóias para Trata-se de uma empresa nova que atua no alianças”). No tocante aos objetivos e metas são segmento de aquário e pesca. Surgiu no ano de informais e divulgados em reuniões internas com 2008 com a proposta de oferecer a seus clientes os funcionários e normalmente visam o curto produtos por meio de parcerias com os principais prazo, mas o gestor não citou nenhum alvo fornecedores do segmento, grande variedade de específico ou mensurável, mas o gestor mostrou produtos e atendimento de qualidade com fortes que busca envolver todos da organização em relacionamentos com os clientes. Sua instalação busca do bom funcionamento da empresa. As inicial foi feita a partir de uma loja no Shopping estratégias da empresa visam o crescimento e de Campo Limpo e posteriormente mudou-se para a diferenciação (criação de novos modelos de uma loja de rua próxima ao shopping, devido alianças principalmente), mas são modificadas e ao alto custo fixo e a necessidade de um espaço melhoradas de maneira reativas às ações e decisões maior. Com isso, o leque de produtos foi ampliado 58 |
  • 63. Revista da FAE e a empresa passou a focar-se principalmente em experiências com os fornecedores com o objetivo produtos de pesca. Hoje conta com 6 funcionários de identificar mudanças no mercado e ajustar seus na busca de oferece uma grande variedade destes preços. Para não errar a empresa acompanha as produtos, além de trabalhar com equipamentos tendências e iniciativas da concorrência e passa a para camping, náutica e ainda mergulho. utilizá-las na empresa. O segmento apresenta alta Do mesmo modo que qualquer empresa barreira de entrada já que o investimento inicial iniciante se depara com dificuldades de adentrar é alto e é necessário um bom conhecimento dos em um segmento, seja por falta de conhecimento consumidores, principalmente de seus hábitos do seu público-alvo, feeling de mercado, conhe- de consumo. A satisfação dos clientes é medida cimento dos produtos, concorrentes, tributos, a por meio da frequência e retorno dos clientes, ou loja pesquisada está passando por um período mesmo da indicação da loja por parte dos consu- estabilização no mercado. O segmento de aquá- midores para amigos, familiares e conhecidos. Os rio e principalmente de pesca possui uma forte funcionários mantêm um registro dos melhores concorrência, devido à presença de empresas clientes e freqüentemente através do contato tradicionais além de empresas grandes redes que telefônico apresentam novidades de produtos criam promoções que dificilmente pode ser acom- ou mesmo realizam avaliações de necessidades e panhadas por empresas de pequeno porte. Assim, contentamento para com a loja. a empresa busca conquistar o mercado por meio A empresa possui como vantagem interna a de uma administração eficaz e um atendimento recente formação dos gestores em administração diferenciado. A loja, além da facilidade da locali- de empresas. Com isso acredita-se que ela conse- zação, possui um amplo espaço com diversas va- guirá identificar falhas nos processos internos, de gas, o que garante aos clientes da empresa maior funcionários e mesmo na gestão e rapidamente conforto para fazerem suas compras em relação as corrige-los de forma adequada, guiando assim a lojas da região. Por falta de informações e dados empresa rumo ao sucesso e o planejamento ne- relevantes sobre o setor a empresa não sabe qual cessário para alcançá-lo. Os funcionários recebem é sua participação de mercado, mas comparativos treinamento através de troca de experiências por por faturamento mostra que a empresa possui no parte dos funcionários mais velhos com os mais momento uma participação pequena de mercado. novos, além de apostilas, livros e vídeos do assun- Uma grande dificuldade identificada pela to. A empresa busca também uma parceria com empresa é o fato de ainda não haver pessoas na os fornecedores, para que estes possam instruir a parte da direção da empresa que entendam efe- equipe de venda a respeito dos produtos por eles tivamente dos produtos e conheçam os hábitos oferecidos. Como muitos clientes do segmento de consumo dos clientes, tornando a empresa possuem um conhecimento considerável sobre os vulnerável em comparação a concorrentes tradi- produtos, a loja busca manter uma equipe com cionais. Os fornecedores são considerados fortes alto conhecimento dos produtos e dessa forma aliados para a empresa, já que eles possuem poder sanar dúvidas e identificar necessidades contato direto com a concorrência e possuem dos clientes, consequentemente transformando- grande experiência no mercado, além de terem -as em vendas. conhecimento do preço praticado por eles. Assim sendo, a empresa realiza constantemente troca de Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010 |59
  • 64. Por meio das vendas individuais a empresa de crescimento no longo prazo, tanto da loja consegue identificar o desempenho dos funcioná- como dos funcionários. Dessa forma a empresa rios, acompanhando assim melhoras ou dificulda- encontra-se no estagio de crescimento, já que des encontradas por cada um deles, que tentam existe um grande mercado a ser explorado tanto ser ajustadas com aumento de treinamento ou na loja física quanto em planos de loja virtual. recursos para capacitação. O perfil dos profissio- Porém uma grande dificuldade encontrada pela nais da empresa são vendedores que possuam ex- empresa é a respeito da reposição de estoque, que periência no assunto, tenham vontade de aprender ainda não é totalmente informatizada. ainda mais e que almejam crescer juntamente com Os preços dos produtos são atualizados cons- a loja. Como a gerência possui ainda pouca expe- tantemente através de pesquisas com clientes e riência e conhecimento a respeito dos produtos e fornecedores, além da observação das lojas dos mercado, a empresa encontra grande dificuldade concorrentes e de sites do segmento, para que a para comprar produtos certos e que atendam as empresa possa ter preços compatíveis com seus necessidades dos clientes, e ainda contato com concorrentes, já que seus clientes são muito sensí- estes fornecedores, tornando a empresa vulnerável veis ao preço. Por isso, a empresa busca conseguir o em comparação com os tradicionais concorrentes. melhor custo possível de seus produtos para ter uma Como a empresa é de pequeno porte os departa- margem melhor e transmite. Por meio das informa- mentos são liderados por pessoas próximas, tendo ções transmitidas pelos clientes a empresa busca os suas vantagens como rápido tempo de resposta e melhores canais de divulgação para atingi-los. desvantagens como problemas da informalidade Analisando as estratégias discutidas ao lon- nas atividades. go da pesquisa (custo, qualidade, diferenciação), No inicio da atividade da empresa, o produto a empresa realiza hoje pouca implementação, principal seria aquarismo, mas com a mudança focando-se principalmente ou quase exclusiva- de localização da loja o core business passou a mente na estratégia de preços, feita principal- ser a comercialização de produtos para pesca. A mente por meio da observação da reação dos empresa tem a missão declarada no site: garantir clientes. A empresa preocupa-se em organizar-se a excelência na comercialização de produtos de internamente, formalizando os processos internos pesca, aquário e camping, agregando valor ao e treinando os funcionários de forma à atender as cliente e garantindo a sua plena satisfação. O necessidade dos clientes. Por meio de observação conceito, porém, está incompleto, pois falta citar dos concorrentes e troca de informações com o público alvo, e a área de atuação. Identificou- os fornecedores, a empresa consegue implantar se que a Acqua fish aponta como ponto a ser estratégias que já foram testadas no segmento e melhorado o atendimento aos clientes por parte obtiveram sucesso. dos vendedores, pessoas que lidam diretamente com todos os compradores, mostrando assim um ponto crucial para o alcance da proposta 3.5 Análise comparativa dos resultados da empresa que é oferecer um diferencial no apurados atendimento ao cliente por meio de funcionários que efetivamente entendam dos produtos. A Analisando conjuntamente os casos percebe- loja preocupa-se que os vendedores saibam mos que as empresas realizam diversas pesquisas do almejo que a direção da empresa possui no ambiente externo, principalmente no tocante 60 |
  • 65. Revista da FAE aos concorrentes, mas poucas destas pesquisas Embora todas as empresas conheçam seu são formalizadas e feitas de maneira padronizada. público alvo, a região de atuação e o papel que A formalização é muito enfatizada na pesquisa a empresa desempenha no mercado, nenhuma de preços pelas empresas, com exceção da fabri- possui um conceito formalizado que seja completo cante de etiquetas e rótulos que não formaliza sobre a missão. A joalheria tem sua missão este processo. As empresas mostraram conhecer declarada no site, porém está conceitualmente bem o setor e os seus concorrentes, com exceção errada, as outras não possuem nenhuma missão da fabricante de etiquetas e rótulos e da loja de declarada. Todas as empresas estão buscando o artigos de pesca, camping e aquarismo que não crescimento, embora a fabricante de etiquetas conhecem muito bem seu setor, mas conhecem e rótulos tenha declarado que se encontra em seus concorrentes. Todas têm ciência sobre os uma fase de estagnação, ela mostrou o claro entrantes potenciais no ramo e as barreiras que interesse (de curto e longo prazo) em voltar a existem e que podem utilizar para evitar estes crescer. Os gestores parecem não ter o conceito entrantes. De uma maneira geral todas as em- de objetivo muito claro já que nenhuma empresa presas fazem análises do ambiente externo, mas apresenta objetivos mensuráveis, somente metas a formalização é praticamente inexistente. predominantemente de curto prazo. A fabricante de etiquetas e rótulos foi a única empresa que Quanto as práticas de mercado, todas as se mostrou preocupada com objetivos de longo empresas buscam imitar as melhores (benchma- prazo, embora não mensuráveis. rking), observando seus concorrentes e adaptando estas às suas empresas. Em todos os casos este Como a maior parte das estratégias não são processo é feito de forma informal. Os pontos formalizadas, a maior parte das empresas não per- fortes e fracos são percebidos pelas empresas e a cebe o momento exato da implementação o que maior parte delas aproveita os fortes e trabalha dificulta estabelecer métodos e critérios de análise os fracos. Esses pontos são identificados pela para aquela estratégia. Apenas a joalheria mostrou utilizar o processo de implementar, controlar e observação da empresa e dos concorrentes e realizar um feedback para arrumar as falhas. verificando-se o que a empresa tem de melhor no tocante a processos e recursos internos, mas esta pesquisa também é feita de maneira informal. No ambiente interno é onde as empresas mostraram Considerações finais maior nível de formalização, vimos que a BR 101, emite relatórios semanais de desempenho dos Em detrimento da literatura preconizada nes- seus vendedores, a joalheria também faz relatórios te trabalho se pode ventilar que o planejamento semanais sobre o desempenho dos funcionários estratégico corteja a mobilização de todos os da fábrica, relatórios mensais sobre o desempenho recursos da empresa no âmbito global externo e dos vendedores e todos os novos processos que interno visando atingir objetivos definidos previa- são adotados pela empresa são passados para os mente. Tem-se ai uma metodologia gerencial que funcionários e todos assinam que estão cientes. permite estabelecer o caminho a ser seguido pela Na loja de artigos de pesca, camping e aquarismo empresa, visando elevar o grau de interações com e na fabricante de etiquetas e rótulos não foram os ambientes internos e externos. O planejamento identificados processos que sejam formalizados. estratégico procura responder a questões básicas, Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010 |61
  • 66. como: Por que a organização existe? O que e como Finalmente pode se elencar que pelo fato ela faz? E aonde ela quer chegar? O planejamen- de a gestão das empresas ser familiar, há uma to estratégico deve comportar decisões sobre o grande resistência dos gestores em aceitar novos futuro da organização. Nesse aspecto tem-se: os conceitos administrativos, de modelo de negócio, objetivos organizacionais de longo prazo; as ati- e uma centralização das atividades e processos que vidades escolhidas, isto é, os produtos (bens ou ocorrem na organização o que dificulta a formali- serviços) que a organização pretende produzir; zação e elaboração do planejamento estratégico. os consumidores ou clientes que se pretende A pesquisa deixa espaço para outros pesquisa- abranger; os lucros esperados para cada uma dores buscarem comprovar os resultados desta, de atividades desempenhadas pela organização; com pesquisas mais abrangentes ou em setores alternativas estratégicas quanto ao manter o pro- específicos, assim como podem se aprofundar em duto atual, maior penetração no mercado atual e temas mais específicos do trabalho para identificar desenvolvimento de novos mercados; e finalmen- sua relação com os resultados desta pesquisa. te novos investimentos em recursos (materiais, financeiros, máquinas e equipamentos, recursos Limitações humanos, tecnologia etc.) A primeira limitação refere-se à abordagem No presente trabalho exposto acima, ao se metodológica utilizada. Por se tratar de uma realizar a investigação de campo com o objetivo de pesquisa de natureza exploratória, os resultados verificar como ocorre o planejamento estratégico encontrados não devem ser generalizados. As nas micro e pequenas empresas de gestão familiar, considerações finais só podem ser estabelecidas pode-se perceber que em todas as empresas pes- para o caso estudado. Além disto, as diferenças quisadas ocorre, consciente ou inconscientemente, encontradas das atividades refletem somente a uma etapa ou mais do planejamento estratégico. concordância ou discrepância em relação à revi- A ausência de formalização dos vários processos são bibliográfica, não sendo válidas comparações nessas empresas parece ser consequência do estilo sobre a eficácia e eficiência entre estas empresas. centralizador de gestão adotado pelos gestores. A As considerações observadas foram feitas a partir estrutura é muito influenciada pela gestão familiar. da interpretação em torno das declarações dos Percebe-se que nenhuma empresa define de ma- entrevistados e de outras fontes de evidências neira conceitualmente correta sua missão, embora consultadas, sendo, portanto, guiadas pela per- todas tenham clara consciência do seu papel no cepção do pesquisador e ocasionalmente passíveis mercado, região de abrangência, público alvo e de vieses em algumas colocações. os produtos oferecidos e seus objetivos não são declarados de maneira mensurável. Nos ambientes interno e externo, as empresas demonstraram re- agir às ameaças e fraquezas e também aproveitar as oportunidades e forças que possuem, para de adaptar às mudanças do mercado e do setor. O feedback e controle, nas empresas pesquisadas, não é muito presente principalmente por estas não terem o conceito claro de qual seja a estratégia • Recebido em: 10/09/2010 adotada pela empresa ou sobre os objetivos. • Aprovado em: 27/10/2010 62 |
  • 67. Revista da FAE Referências ACKOFF, Russell Lincoln. Planejamento empresarial. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1976. ANSOFF, H. Igor; MCDONNELL, Edward J. Implantando a administração estratégica. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1993. BARNEY, Jay B.; HESTERLY, William. Economia das organizações: entendendo a relação entre as organizações e a análise econômica. In: Handbook de estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 2008. v.3. BATEMAN, Thomas S.; SNELL; Scott A. Administração: novo cenário competitivo. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2006. CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia científica. 5.ed. São Paulo: Prentice- Hall, 2004. FISCHMANN, Adalberto A.; ALMEIDA, Martinho Isnard Ribeiro De. Planejamento estratégico na prática. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1991. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2002. HARRISON, Jeffrey S. Administração estratégica de recursos e relacionamentos. Porto Alegre: Bookman, 2005. HITT, Michael A.; IRELAND, R. Duane; HOSKISSON, Robert E. Administração estratégica. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru. Introdução à administração. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2004. MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, Bruce; LAMPEL, Joseph. Safári de estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. São Paulo: Bookman, 2000. OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Planejamento estratégico: conceitos, metodologia e práticas. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1987. PORTER, Michael E. Competição: on competition - estratégias competitivas essenciais. 10.ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. ______. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. 17.ed. São Paulo: Campus, 1986. ______. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. 13.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990. RASMUSSEN, U. W. Manual da metodologia do planejamento estratégico: uma ferramenta científica de transição empresarial do presente para o futuro adotada para o âmbito operacional brasileiro. São Paulo: Aduaneiras, 1990. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 47-64, jul./dez. 2010 |63
  • 68. SEBRAE. Fatores condicionantes e taxas de sobrevivência e mortalidade das micro e pequenas empresas no Brasil 2003-2005. Ago. 2007. Disponível em: <http://201.2.114.147/bds/BDS. nsf/8F5BDE79736CB 99483257447006CBAD3/$File/NT00037936.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2010. ______. Indicadores SEBRAE-SP: pesquisa de conjuntura. Fev. 2009. Disponível em: < http://www. sebraesp.com.br/sites/default/files/ indicadores_fev_10.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2010. ______. No Brasil, 90% das empresas são familiares. Out. 2005. Disponível em: <http://www. sebrae-sc.com.br/newart/default.asp? materia=10410>. Acesso em: 01 fev. 2010. SERRA, Fernando A. Ribeiro; TORRES, Maria Candida S.; TORRES, Alexandre Pavan. Administração estratégica: conceitos, roteiro prático e casos. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso, 2004. SERTEK, Paulo et al. Administração e planejamento estratégico. Curitiba: Ibpex, 2007. TAVARES, Mauro Calixta. Gestão estratégica. São Paulo: Atlas, 2000. THOMPSON JR., Arthur A.; STRICKLAND III, A. J.; GAMBLE, John E. Planejamento estratégico. São Paulo: McGraw-Hill, 2008. TOLEDO L. A; SHIRAISHI G. Estudo de caso em pesquisas exploratórias qualitativas: um ensaio para a proposta de protocolo do estudo de caso. Revista da FAE, Curitiba, v.12, n.1, p.103-120, jan./jun. 2009. WRIGHT, Peter; KROLL, Mark J.; PARNELL, John. Administração estratégica: conceitos. São Paulo: Atlas, 2000. YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2006. 64 |
  • 69. Revista da FAE Análise comparativa dos modelos de precificação de ativos Capital Asset Pricing Model e Downside Capital Asset Pricing Model Comparative analysis of both Capital Asset Pricing Model and Downside Capital Asset Pricing Model Adriana Moreira Bastos de Faria* Lucas Maia dos Santos** Resumo Neste estudo discutiremos dois modelos de equilíbrio: o CAPM convencional e uma de suas variações, o Downside Capital Asset Pricing Model. Foram utilizados dados secundários obtidos da base de dados Economática Software para Investimentos Ltda. Utilizaram-se o preço de fechamento das cotações diárias de 21 ações escolhidas aleatoriamente negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo, correspondendo ao período entre 01/09/2006 a 21/06/2010, com 935 observações de rentabilidade. Utilizou-se como proxy da carteira de mercado o índice Ibovespa e quanto ao ativo livre de risco, a taxa Selic. No geral, percebeu- se que o downside beta foi inferior ao beta tradicional indicando que a análise a partir da semi-covariância e semi-variância possibilitou a redução do risco sistêmico do ativo, o que foi corroborado pela redução dos retornos esperados para os mesmos ativos. No entanto realizando o teste t de student, verificou-se que não existe diferença significativa entre os betas. Concluindo, pode-se observar que a volatilidade negativa dos ativos é bastante significativa na composição do risco do ativo, o que mostra a importância do downside beta como fator explicativo do verdadeiro risco sistêmico. Palavras-chaves: CAPM; DCAPM; Finanças. Abstract In this study we discuss two models of balance: the conventional CAPM and its variations, the Downside Capital Asset Pricing Model. Secondary data were obtained from the database Economática Software Investimentos Ltda. We used the closing * Mestranda em Administração daily prices of 21 randomly selected stocks traded on the Bolsa de Valores de São com ênfase em Finanças pela Paulo, corresponding to the period from 01/09/2006 to 21/06/2010, with 935 Universidade Federal de Minas observations. It was used as a proxy of market the Ibovespa index and as a risk Gerais, . Analista do Banco Central free asset the Selic rate. The downside beta was lower than the traditional beta do Brasil, com atuação na área de indicating that the analysis from the semi-variance and semi-covariance allowed Planejamento, Orçamento e Custos. for the reduction of systemic risk of the assets, which was corroborated by the Brasília - Distrito Federal. E-mail: reduction of the expected returns for the same assets. However performing the adrianambf@gmail.com t test, it was found that there is no significant difference between the betas. In ** Mestrando em Administração conclusion, we can observe that the negative volatility of assets is quite significant com ênfase em Finanças pela in the composition of risk assets, which shows the importance of downside beta Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - Minas as an explanatory factor of the real systemic risk. Gerais. E-mail: admlucasmaia@ hotmail.com Keywords: CAPM; DCAPM; Finance; Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010 |65
  • 70. Introdução o próprio CAPM, representando, na verdade, variações do mesmo. O desenvolvimento de modelos de previsão Neste estudo discutiremos dois modelos: o de retorno de ativos financeiros tem sido alvo de CAPM convencional e uma de suas variações, o grandes discussões pelos teóricos da administração Downside Capital Asset Pricing Model ou D-CAPM. financeira. Entre os vários modelos desenvolvidos, Este segundo veio como uma alternativa que visa os trabalhos de Markowitz (1952), Tobin (1958), propor adaptações ao tradicional CAPM, com a Sharpe (1964), Lintner (1965) e Mossin (1966) finalidade de corrigir imperfeições provocadas pela resultaram no modelo mais utilizado tanto no falta de liquidez e a alta volatilidade do mercado meio acadêmico quanto no meio empresarial. de capitais dos países emergentes. O modelo Este foi denominado Capital Asset Pricing Model D-CAPM propõe-se estimar o retorno requerido (CAPM). Sua simplicidade teórica e prática é a utilizando uma medida de downside risk, a fim de principal razão de seu sucesso. corrigir vieses na mensuração da medida de risco, Investimentos financeiros podem ser previs- provocados especialmente pela assimetria dos tos a partir de uma relação linear com o fator de retornos das ações. Assim, usa como alternativa mercado. Para isso, supõe-se que todos os inves- o downside beta, que utiliza a semivariância no tidores possuam um mesmo conjunto de infor- lugar da variância como medida de dispersão. mações; por conseguinte, todos eles desenhariam Desta forma, tentaremos responder a seguinte um mesmo conjunto eficiente de ativos com risco. pergunta: Existem diferenças significativas entre Em tal situação, o mercado atingiria o que se cha- os modelos CAPM e DCAPM para precificação e mou de equilíbrio entre cada risco e retorno. Este medida de risco das ações do mercado brasileiro? é o principal pressuposto da teoria do CAPM: o Uma das vantagens da semivariância é que equilíbrio do mercado. Autores como Damodaran ela considera indesejável apenas os retornos que (2002), Ross, Westerfield e Jaffe (2002), Damoda- estão abaixo do esperado, enquanto a variância ran (2007) e Assaf Neto et al. (2008) argumentam considera igualmente indesejáveis todos os extre- sobre o assunto. mos dos retornos. Segundo Elton et al. (2003), o Nas últimas duas décadas evidenciou-se o D-CAPM é um modelo que centra seu foco uni- crescimento do número de estudos empíricos camente no risco não desejado, ou seja, analisa que examinam a capacidade preditiva da versão apenas os retornos que estão abaixo do retorno estática do CAPM (BONOMO, 2002; RIBENBOIM, esperado (desvio negativo), pois, de acordo com 2002; PAIVA, 2005; TAMBOSI FILHO et al., 2010). Estrada (2000), os investidores se preocupam ape- Os resultados obtidos nesses estudos mostram nas com a parte negativa do risco, uma vez que que a versão estática é incapaz de explicar esta é indesejável para os investidores. razoavelmente a variação cross-sectional do Assim, este estudo terá como objetivo prin- retorno médio dos portfólios analisados. Para cipal comparar os modelos de precificação CAPM tentar explicar essas e outras questões, surgem e DCAPM para um mesmo grupo de ações do então adaptações mais complexas ao modelo mercado brasileiro. Para isso este estudo está di- CAPM. A partir das limitações encontradas no vidido em cinco partes, incluindo esta Introdução. CAPM, passaram a ser desenvolvidas novas Na segunda parte faremos uma breve revisão da modelagens, tendo muitas delas tido como base literatura para explicar a construção dos dois mo- 66 |
  • 71. Revista da FAE delos de equilíbrio. Essa parte será seguida pelos pouco mais que afirmações. A sua preocupação métodos e procedimentos aplicados e pela análise era que não existia realmente um meio significa- dos resultados com informações de uma amostra tivo de relacionar retorno e risco. de ações negociadas na BMF & Bovespa. Por fim, Outro trabalho na mesma linha foi o publicado tem-se a conclusão com as principais comparações por Lintner (1965), também sobre a mensuração entre os modelos, buscando identificar a maior do risco envolvido nos retornos de ativos de correlação com o retorno dos ativos e o que obteve capital. Este trabalho expunha o problema de melhor desempenho para as ações analisadas. se selecionar uma carteira ótima de ativos por investidores com aversão a risco, os quais tinham a alternativa de investir em ativos livres de risco com 1 Referencial teórico retorno positivo. Lintner (1965), do mesmo modo que Sharpe (1964), também baseou seu estudo em diferentes expressões contendo elementos 1.1 Capital Asset Pricing Model de desvio-padrão, variância e covariância dos retornos dos ativos, de modo a obter diferentes O estudo da relação risco e retorno em finanças combinações de expectativa de resultados, tal teve um de seus trabalhos seminais representado como no modelo CAPM, que será utilizado como pelo artigo de Sharpe (1964). O autor, através base para o presente estudo. desse trabalho, deu um passo importante na Uma terceira abordagem independente e busca da compreensão do comportamento dos contemporânea sobre precificação de ativos foi retornos dos ativos financeiros em condições de feita por Mossin (1966) que se propôs a investigar risco, tornando-se um dos pilares da moderna as propriedades dos ativos de risco de mercado administração financeira. Seu modelo ficou baseado no modelo simples de equilíbrio geral de conhecido pela sigla CAPM (Capital Asset Pricing câmbio. Baseou sua teoria na existência de uma Model) e até hoje tem sido muito utilizado nos linha de equilíbrio de mercado, onde discutiu estudos sobre estratégias de investimento nos o conceito de prêmio de risco em termos da mercados financeiros. No caso do mercado inclinação desta linha. acionário brasileiro, a fim de testar a aplicabilidade Baseado nas ideias de Markowitz (1952), do CAPM, muitos estudos recentes têm sido Sharpe (1964) desenvolveu o CAPM, atualmente realizados, destacando-se os de autores como: consagrado um dos modelos mais utilizados Costa Jr. e Neves (2000), Ribenboim (2002), Hagler para avaliação de ativos financeiros, dado sua (2003), Paiva (2005), Mussa, Rogers e Securato simplicidade e reduzido número de cálculos. (2008) e Tambosi et al. (2010). As premissas assumidas por Sharpe (1964) na Sharpe (1964) manifestou à época a dificul- construção deste modelo foram as seguintes: dade existente de predizer o comportamento do – Os investidores são indivíduos que tem mercado de capitais devido à ausência de conceito aversão ao risco. Eles compõem seus por- microeconômicos adequados. Mas, devido à influ- tfólios segundo o critério de maximização ência do risco nos mercados, os administradores do retorno e de minimização da variância eram obrigados a adotar modelos de compor- das rentabilidades; tamento de preços que significavam apenas um Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010 |67
  • 72. – Todos os investidores são tomadores de Essa relação supõe que o retorno esperado preços e possuem expectativas homogêne- de qualquer ativo com risco seja igual à taxa de as em relação aos rendimentos dos ativos; retorno do ativo livre de risco, mais um prêmio – Existência de um ativo livre de risco. Os pelo risco, que é o segundo termo da equação. O investidores podem tomar empréstimos e prêmio pelo risco é o retorno que os investidores emprestar sem limites e à mesma taxa; exigem pelo risco e é obtido pelo preço de mercado do risco multiplicado pela quantidade de – Todos os ativos são perfeitamente divisíveis; risco (ELTON et al., 2003). Segundo Silva (2007), – Não há custo de transação nem impostos; essa relação também pode ser escrita da seguinte – As quantidades de todos os ativos são forma: dadas e fixas e a informação está ao alcance de todos os investidores. Retorno esperado = Preço do tempo + Quantidade de risco * Preço do risco (2) Consideradas essas premissas, o modelo de Sharpe (1964) estabelece que o retorno médio O preço do risco é a diferença entre a taxa de esperado de um ativo é função apenas do seu risco retorno esperada na carteira de mercado e a taxa não diversificável (também conhecido como risco de retorno livre de risco. A quantidade de risco é sistemático) relacionado às flutuações do sistema chamada de beta (ß). O beta é, segundo Brigham econômico como um todo, já que o risco não et al. (2001), a tendência de uma ação se mover sistemático depende de fatores que podem afetar para cima ou para baixo, com o mercado e pode o desempenho da empresa, como estrutura de ser calculado pela seguinte fórmula: capital, performance da administração, campo de atuação entre outros, e que, por sua vez, pode ser σ iM Cov (Ri, RM) ßi = = (3) eliminado por meio da diversificação da carteira σ 2M Var (RM ) proposta por Markowitz (1952). Desta forma, o relacionamento entre o risco sistemático e o em que: retorno de títulos é dado por uma relação linear, e ßi é o beta do ativo i; esta pode ser explicada por um índice de mercado. Cov (Ri, RM) é a covariância entre o retorno do A forma básica do CAPM pode ser escrita ativo i e o retorno do mercado; como: Var (RM) é a variância do retorno do mercado. E(Ri )= RF + ß [ E(RM) - RF ] (1) Assim, quanto mais elevada a covariância en- tre o retorno de um ativo e o retorno do mercado, maior será o beta deste ativo e, conseqüentemen- Onde: te, maior será seu risco. E(Ri): taxa de retorno esperado de um ativo Nas carteiras diversificadas, o beta torna- qualquer em situação de equilíbrio; se a medida correta do risco dos ativos. Nesses RF: taxa livre de risco; casos, segundo Elton et al. (2003), o risco não- ß: coeficiente beta ou risco sistemático; sistemático tende a zero e o único risco relevante E(RM): taxa de retorno esperado a ser paga é o medido pelo beta. Então supondo-se as pelo mercado. expectativas homogêneas e uma possibilidade limitada de empréstimos, todo investidor irá 68 |
  • 73. Revista da FAE optar pela carteira de mercado, pois sua opção como alternativa para superar as limitações da será por uma carteira muito bem diversificada. variância, indicando a semivariância como medida Logo, assumindo-se que o investidor tem interesse apropriada nesses casos. apenas nos retornos e riscos esperados, as únicas De acordo com López e Garcia (2010), se a dimensões do ativo necessárias para tomada de distribuição das rentabilidades dos ativos é simé- decisão são os retornos esperados e o beta (ELTON trica, não há problema algum em medir o risco et al., 2003). pelo desvio-padrão e pela variância, pois, quando a distribuição é simétrica, a probabilidade de ocor- rerem desvios negativos e positivos da média é a 1.2 Downside Capital Asset Pricing Model mesma. Mas, se a distribuição é assimétrica, como (D-CAPM) ocorre normalmente nos mercados emergentes, em virtude da alta volatilidade de seus mercados, O modelo de mensuração de ativos financei- o desvio-padrão e a variância deixam então de ser ros CAPM, como visto anteriormente, foi criado medidas eficazes de risco, pois a probabilidade de na década de 1960 e, deste então, vem sendo se obter um rendimento acima da média é diferen- protagonista de fervorosos embates teóricos em te da probabilidade de se atingir um rendimento todo o mundo. Um dos questionamentos mais abaixo da média (ou vice-versa). Em substituição, usuais é se a medida de risco beta é a ferramenta adotam-se a semivariância e o semidesvio-padrão mais apropriada para mensurar o risco. como medidas de dispersão ideais. Segundo Estrada (2002), porém, a discussão Para Hogan e Warren (1974), o principal fator sobre a validade do CAPM não deve girar em que motiva o uso da semivariância no lugar da torno do beta, e sim, da base de sustentação variância é que a minimização da semivariância teórica do beta. Em outras palavras, investidores se concentra na redução das perdas, ao passo procuram maximizar sua função de utilidade, que, que a variância identifica como indesejáveis tanto por sua vez, depende da média e da variância dos ganhos extremos como perdas extremas. Ou seja, retornos de seu portfólio. Ou seja, a utilização o retorno esperado talvez seja sacrificado na eli- da variância como medida de risco é passível de minação de ambos os extremos. ser questionada, principalmente em mercados A medida de risco semivariância pode ser emergentes, em razão da assimetria dos retornos expressa da seguinte forma: das ações. Segundo Markowitz (1959), a definição sobre S²=E(Min((Rx-T),0)²) (3) qual medida de dispersão adotar na análise de por- Onde: tfólio dependerá do formato da distribuição dos retornos das ações. Se esta possuir um formato Se (Rx-T)>0, (Rx-T)=0 simétrico, ou se todos os ativos possuírem o mes- mo grau de desvio, sugere-se utilizar a variância Se (Rx-T)<0,(Rx-T)<0 como medida de risco. Porém, se o formato da distribuição dos retornos dos ativos for assimétri- co ou se os ativos possuírem graus de dispersão diferentes uns dos outros, Markowitz (1959) su- gere que se utilize uma medida de downside risk Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010 |69
  • 74. Recentemente, Estrada (2000) desenvolveu No mercado brasileiro, caracterizado por um modelo para substituir o tradicional CAPM. grande volatilidade dos ativos torna-se interessan- Esse modelo foi nomeado de Downside Capital te utilizar o D-CAPM como medida alternativa de Asset Pricing Model (D-CAPM). O que difere o mo- risco sistêmico, considerando apenas as variações delo criado por Estrada do convencional CAPM é a dos retornos negativos. Ademais, os retornos ne- medida de sensibilidade, que aqui é denominada gativos são as verdadeiras possibilidades de perda downside beta. para um investidor, tornado o modelos ainda mais Contudo, não se trata da mesma medida de- interessante no uso prático de análise de mercado. senvolvida por Hogan e Warren (1974). O D-CAPM pode ser calculado pela razão entre o semidesvio dos retornos do ativo e o semidesvio dos retornos 2 Metodologia do mercado, ou seja, pela co-semivariância dividida pela semivariância dos retornos do mercado. De Para execução deste estudo foram utilizados acordo com Estrada (2000), essa medida de do- somente dados secundários obtidos da base de wnside risk possui um maior poder de explicação dados Economática Software para Investimentos dos retornos dos ativos em mercados emergentes Ltda. Utilizaram-se o preço de fechamento que o tradicional beta do CAPM. das cotações diárias de 21 ações escolhidas Estrada apoiou-se nas mesmas suposições do aleatoriamente negociadas na Bolsa de Valores de CAPM para construir seu modelo de precificação São Paulo (BOVESPA), correspondendo ao período de ativos financeiros. Segundo Elton et al. (2003), compreendido entre 01 de setembro de 2006 a o D-CAPM é um modelo que centra seu foco 21 de junho de 2010. Este período possibilitou unicamente no risco não desejado, ou seja, analisa analisar 935 observações de rentabilidade. O apenas os retornos que estão abaixo do retorno retorno das ações foram calculados pelo regime de esperado (desvio negativo), pois, de acordo com capitalização contínua de acordo com a seguinte Estrada (2000), os investidores se preocupam equação: apenas com a parte negativa do risco, uma vez que esta é indesejável para os investidores. Pt- Pt-1 Sendo assim, o D-CAPM consegue estimar Pt-1 (6) melhor o retorno que o investidor efetivamente espera por estar investindo seu capital em ativos de um país emergente. O cálculo do retorno Onde: esperado pelo D-CAPM é dado pela seguinte Pt - preço da ação no período t fórmula: Pt-1 - preço da ação no período t-1 ri= rf + (rM- rf ) ßD (4) Utilizou-se como proxy da carteira de mer- O cálculo do beta é revelado pela seguinte cado o índice da Bolsa de Valores de São Paulo equação, (Ibovespa). O Ibovespa é o principal índice do mercado brasileiro de ações e sua determinação baseia-se no volume de negócios de uma cesta de títulos de empresas com alto valor agregado, 70 |
  • 75. Revista da FAE o que o torna, portanto, representativo do com- Com as variáveis apostas partiu-se para a portamento geral do mercado acionário brasilei- construção dos modelos de precificação. Para o ro. Cabe ressaltar que alguns dos artigos citados cálculos dos modelos utilizou da ferramenta de anteriormente como Paiva (2005) e Tambosi et al. regressão linear univariada para o cálculo do beta (2010), também usaram o Ibovespa como proxy. de risco sistêmico. A equação 3 exibe a regressão Quanto ao ativo livre de risco, na literatura ele utilizada é aquele que possui retornos com desvio padrão Ri - Rf = α + ß × (Rm- Rf) (8) igual a zero. Entretanto, não existe consenso entre os pesquisadores sobre qual seria a taxa livre de risco apropriada na economia brasileira, visto que Ri - Rf - excesso de risco do ativo i não existe ativo com tal padrão de desvios no País. Rm- Rf - excesso de risco do mercado Neste estudo optou-se por utilizar a taxa Selic. α – Coeficiente linear A utilização da Selic, como aproximação ß - beta representativo do risco sistêmico da taxa livre de riscos, é corroborada por Hull1 (1995), citado por Fraletti (2004), que sugere o No calculo do D-CAPM, os excessos de retorno rendimento de operações compromissadas com do ativo e de mercado foram calculados de acordo prazo de um dia como equivalente à taxa livre de com a seguinte equação: todos os riscos (crédito, liquidez e mercado, dado Ri - Rf = α+ ßD × (Rm- Rf) (9) o curtíssimo prazo). No âmbito doméstico, pode- se, portanto, adotar a remuneração da poupança Onde ßD representa o downside beta sob as e a taxa Selic como aproximações da taxa livre seguintes condições: de riscos ou, pelo menos, como parâmetro de “taxa de retorno de mínimo risco da economia”, Se Ri - Rf )>0 → Ri - Rf )= 0 ou conforme proposto por Fraletti (2004). Além disso, a taxa Selic tem um spread praticamente Se Ri - Rf < 0 → Ri - Rf ) = Ri - Rf e; nulo para emprestar e tomar emprestado, o que a aproxima de uma das premissas colocadas por Se Rm - Rf > 0 → Rm - Rf =0 ou; Sharpe (1964) ao pressupor a existência de uma taxa de juros pura, disponível aos investidores para Se Rm - Rf < 0 → R m - Rf = Rm - Rf tomar e emprestar recursos. Este estudo teve caráter exploratório, pois A Taxa Selic foi transformada para seu valor as informações necessárias para o conhecimento diário segundo a seguinte equação: das características dos modelos de precificação Selic diária=Selic anual1/360) (7) foram obtidas pela coleta secundária. Também pode ser considerado descritivo, visto que mos- trou as estatísticas das rentabilidades deste ativos possibilitando caracterizá-los e compará-los de acordo com a relação risco e retorno. Quanto à abordagem do problema e operacionalização das 1 HULL, J. Introdução ao mercado de futuros e de opções. 2.ed. variáveis, a pesquisa foi quantitativa no levanta- São Paulo: BMF, 1995. mento e tabulação dos dados e qualitativa na Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010 |71
  • 76. análise e comparação desses dados para identificar dependência dos riscos sistemáticos encontrados. as especificidades do objeto de pesquisa, bem Como característica do mercado de ações brasi- como comparar os dois modelos de equilíbrios leiro, observa-se pelo coeficiente de variação e demonstrados neste estudo: CAPM e D-CAPM. desvio padrão das ações, a grande volatilidade, tanto destas ações como da proxy de mercado, ou seja, o IBOVESPA. Mesmo a proxy de risk free utilizada neste trabalho possui uma volatilidade de 3 Resultados aproximadamente 15% para cada unidade média de retorno. No geral observa-se pelo coeficiente Para iniciar a discussão dos resultados, exibe- de variação que a volatilidade destas ações cor- -se na tabela 01 as estatísticas descritivas dos responde a mais de 1000 vezes o valor de cada retornos das ações utilizadas na amostra em aná- unidade do retorno médio, sugerindo um alto lise. Observa-se que as ações escolhidas provém risco de investimento. de setores heterogêneos, pressupondo menor TABELA 01 - ESTATÍSTICA DESCRITIVA DAS RENTABILIDADES DAS AÇÕES Desvio- Coeficiente Tipo Empresa Mínimo Máximo Média padrão de variação AMBV4 PN Ambev -11,2750 11,5233 0,1099 2,1425 19,5018 ITUB4 PN Itaubanco -12,1399 23,3727 0,0987 2,9257 29,6418 BRAP4 PN Bradespar -0,1901 2,7157 0,0042 0,0944 22,2811 BRKM5 PN Braskem -0,1184 0,7258 0,0011 0,0380 33,3227 ELPL6 PN Eletropaulo -0,1333 1,4203 0,0029 0,0530 18,5211 GOAU4 PN Gerdau Met -0,1475 0,1933 0,0013 0,0324 24,1828 TBLE3 ON Tractebel -0,6188 0,1619 -0,0001 0,0312 480,4370 VIVO4 PN Vivo -1,7647 0,1381 -0,0006 0,0657 104,6354 VALE3 ON Vale -0,1858 3,1277 0,0047 0,1068 22,7956 UGPA4 PN Ultrapar -0,0893 1,1960 0,0025 0,0456 18,2994 CMIG3 ON Cemig -0,8205 0,1236 -0,0003 0,0345 114,9162 TCSL4 PN Tim Part S/A -0,8147 0,2479 -0,0005 0,0410 81,5366 LIGT3 ON Light S/A -0,1145 2,2170 0,0035 0,0770 22,3059 GOLL4 PN Gol -1,3339 0,2432 -0,0019 0,0571 29,8367 NATU3 ON Natura -0,1374 2,2500 0,0033 0,0778 23,2685 PSSA3 ON Porto Seguro -0,1134 1,0989 0,0017 0,0413 24,1317 USIM3 ON Usiminas -0,1297 0,9772 0,0021 0,0463 22,1945 BBAS3 ON Brasil -0,1537 3,5636 0,0051 0,1204 23,7987 RENT3 ON Localiza -1,4118 0,2725 -0,0004 0,0579 137,5865 EMBR3 ON Embraer -0,1108 1,1236 0,0008 0,0453 53,9059 SBSP3 ON Sabesp -0,1492 1,0860 0,0019 0,0460 24,2551 IBOVESPA - - -11,3931 14,6592 0,0878 2,2623 25,7630 SELIC - - 0,0230 0,0368 0,0298 0,0045 0,1505 FONTE: Os autores (2010) 72 |
  • 77. Revista da FAE Para validade dos modelos de regressão, teste Pesarán-Pesarán. Sua forma, segundo Corrar, todos as pressuposições foram analisadas e verifi- Paulo e Dias Filho (2007) consiste em regredir os cadas para que os próximos resultados possam ser quadrados dos resíduos padronizados em função significantemente interpretados. Porém é impor- do quadrado dos valores estimados padronizados. tante ressaltar que, segundo Corrar, Paulo e Dias Como os valores padronizados apresentaram sig- Filho (2007), a análise de regressão requer testes nificância superior a 5% o modelo é considerado de suposições para as variáveis separadas e em homocedástico, ou seja, as variâncias dos resíduos conjunto e cada técnica apresenta seu conjunto não se alteram ao longo da distribuição das vari- de suposições e pressupostos. Os principais pres- áveis dependentes preditoras. supostos aqui testados serão os de normalidade Pela simplicidade da exibição das estatísticas, dos resíduos, homocedasticidade dos resíduos e o teste de Durbin Waltson foi o único exibido nas correlação entre os resíduos. tabelas. Este teste possibilita identificar a existên- Para testar a normalidade dos resíduos foi uti- cia de correlação entre a distribuição dos resíduos. lizado o teste Kolmogorov-Smirnov, que examina É pressuposição na regressão que não existem se determinada série está conforme a distribuição correlações entre os resíduos. esperada. Inicialmente os resíduos não apresenta- Após verificados a maioria dos pressupostos ram normalidade (CORRAR; PAULO; DIAS FILHO, da regressão é possível analisar de forma válida 2007). Após utilização da padronização (escores os resultados e estatísticas. A tabela 02 fornece a z) de todos os resíduos obteve-se significâncias correlação entre o excesso de retorno do ativo e superiores a 5% para o teste, assim, não rejeitando excesso de retorno do mercado. Ademais pode-se a hipótese nula de normalidade da distribuição. conferir nesta tabela o R² e R² ajustado, os coefi- Para testar se a variância dos resíduos cientes de Durbin Watson e o teste F. Mais relevan- mantém-se em todo o espectro das variáveis te para esta análise, os testes F foram significativos independentes, ou seja, examinar a existência de a 5%, podendo afirmar que os coeficientes de homocedasticidade dos resíduos, foi utilizado o correlação (R) não são iguais a 0. TABELA 02 - REGRESSÃO DO MODELO CAPM Continua Desvio Durbin- Ações Correlação R² R² ajustado F Sig. padrão Watson AMBV4 0,5941 0,3529 0,3522 1,7245 2,113 508,303 0,000 ITUB4 0,8342 0,6958 0,6955 1,6145 2,003 2131,911 0,000 BRAP4 0,3041 0,0925 0,0915 0,0902 1,927 95,004 0,000 BRKM5 0,4795 0,2299 0,2291 0,0338 1,973 278,265 0,000 ELPL6 0,2879 0,0829 0,0819 0,0510 1,842 84,205 0,000 GOAU4 0,4283 0,1835 0,1826 0,0549 2,098 209,428 0,000 TBLE3 0,3386 0,1147 0,1137 0,0296 1,617 120,727 0,000 VIVO4 0,2857 0,0816 0,0806 0,0631 1,760 82,807 0,000 VALE3 0,3086 0,0952 0,0943 0,0437 1,869 98,104 0,000 UGPA4 0,2636 0,0695 0,0685 0,1033 1,620 69,581 0,000 CMIG3 0,3212 0,1032 0,1022 0,0329 1,946 107,205 0,000 TCSL4 0,4774 0,2279 0,2271 0,0363 1,863 275,107 0,000 LIGT3 0,2053 0,0421 0,0411 0,0755 1,791 41,000 0,000 Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010 |73
  • 78. TABELA 02 - REGRESSÃO DO MODELO CAPM Conclusão Desvio Durbin- Ações Correlação R² R² ajustado F Sig. padrão Watson GOLL4 0,3088 0,0954 0,0944 0,0546 1,729 98,237 0,000 NATU3 0,1592 0,0253 0,0243 0,0770 1,982 22,227 0,000 PSSA3 0,2723 0,0741 0,0731 0,0401 1,760 74,623 0,000 USIM3 0,5580 0,3114 0,3106 0,0388 1,662 421,438 0,000 BBAS3 0,2022 0,0409 0,0398 0,1182 1,823 39,718 0,000 RENT3 0,3415 0,1166 0,1157 0,0546 1,977 123,040 0,000 EMBR3 0,3044 0,0926 0,0917 0,0435 1,859 95,147 0,000 SBSP3 0,4158 0,1729 0,1720 0,0421 1,663 194,860 0,00 FONTE: Os autores (2010) A tabela 03 mostra os testes t para os coefi- dos betas, apenas o ß do ativo ITUB4 foi maior que cientes da regressão bem como o cálculo do re- 1. Todos os outros apresentaram valores abaixo torno esperado para cada ativo em valores diários. de 1, mostrando que essas ações possuem risco Observa-se que o teste t para todos os betas foram inferior ao mercado. Assim, uma variação brusca significativos, mostrando que este coeficiente é no mercado não influenciaria com a mesma força diferente de zero. Com relação ao valor absoluto esses ativos, exceto o ativo ITUB4. TABELA 03 - BETAS DO MODELO CAPM Retorno Coeficiente Valor t Sig. Beta Valor t Sig. esperado do linear ativo AMBV4 0,0470 0,8400 0,4010 0,5630 22,5460 0,0000 0,0625 ITUB4 0,0063 0,1196 0,9047 1,0787 46,1726 0,0000 0,0924 BRAP4 -0,0263 -8,9232 0,0000 0,0127 9,7470 0,0000 0,0306 BRKM5 -0,0292 -26,3366 0,0000 0,0082 16,6813 0,0000 0,0303 ELPL6 -0,0274 -16,3823 0,0000 0,0068 9,1764 0,0000 0,0302 GOAU4 -0,0004 -0,2421 0,8087 0,0115 14,4716 0,0000 0,0305 TBLE3 -0,0302 -31,0928 0,0000 0,0047 10,9876 0,0000 0,0301 VIVO4 -0,0309 -14,9881 0,0000 0,0083 9,0999 0,0000 0,0303 VALE3 -0,0277 -19,3915 0,0000 0,0063 9,9048 0,0000 0,0302 UGPA4 -0,0259 -7,6523 0,0000 0,0125 8,3415 0,0000 0,0306 CMIG3 -0,0304 -28,2929 0,0000 0,0049 10,3540 0,0000 0,0301 TCSL4 -0,0308 -25,9799 0,0000 0,0087 16,5864 0,0000 0,0303 LIGT3 -0,0268 -10,8370 0,0000 0,0070 6,4032 0,0000 0,0302 GOLL4 -0,0322 -18,0265 0,0000 0,0078 9,9115 0,0000 0,0303 NATU3 -0,0268 -10,6326 0,0000 0,0055 4,9221 0,0000 0,0302 PSSA3 -0,0284 -21,6691 0,0000 0,0050 8,6385 0,0000 0,0301 USIM3 -0,0284 -22,3974 0,0000 0,0115 20,5290 0,0000 0,0305 BBAS3 -0,0254 -6,5648 0,0000 0,0108 6,3022 0,0000 0,0305 RENT3 -0,0308 -17,2055 0,0000 0,0088 11,0923 0,0000 0,0303 EMBR3 -0,0294 -20,6007 0,0000 0,0061 9,7543 0,0000 0,0302 SBSP3 -0,0284 -20,6190 0,0000 0,0085 13,9592 0,0000 0,0303 FONTE: Os autores (2010) 74 |
  • 79. Revista da FAE Realizadas as etapas de preparação dos dados são assimétricas, o que reforça a utilização do para efetivação dos testes empíricos dos modelos D-CAPM. de precificação de ativos, procedeu-se ao teste Analisando a tabela 04 pode-se verificar que para verificar o formato da distribuição dos prê- os testes F também foram significativos. Valores mios esperados de risco das ações, comparando- de Durbin Watson próximos de 2 indicam a ine- -se a média com a mediana, e comprovou-se que xistência de correlação entre os resíduos. todas as distribuições dos retornos das ações TABELA 04 - ESTATÍSTICAS DA REGRESSÃO DO MODELO D-CAPM Desvio Durbin- Correlação R² R² ajustado padrão das F Sig Watson estimativas AMBV4 0,5635 0,3175 0,3168 1,0052 1,9906 433,600 0,000 ITUB4 0,7979 0,6367 0,6363 0,9717 1,8467 1,633,479 0,000 BRAP4 0,8152 0,6646 0,6642 0,0156 1,8815 1846,392 0,000 BRKM5 0,5806 0,3371 0,3364 0,0196 1,8608 473,920 0,000 ELPL6 0,5255 0,2762 0,2754 0,0184 2,0331 355,615 0,000 GOAU4 0,4286 0,1837 0,1828 0,0286 1,9462 209,766 0,000 TBLE3 0,3101 0,0961 0,0952 0,0276 1,4926 99,132 0,000 VIVO4 0,2185 0,0477 0,0467 0,0617 1,9200 46,716 0,000 VALE3 0,5147 0,2649 0,2642 0,0168 1,8798 335,939 0,000 UGPA4 0,8106 0,6571 0,6567 0,0153 1,9127 1785,600 0,000 CMIG3 0,2850 0,0812 0,0803 0,0318 1,8090 82,415 0,000 TCSL4 0,3969 0,1576 0,1566 0,0339 1,7849 174,299 0,000 LIGT3 0,5240 0,2746 0,2738 0,0192 2,0418 352,824 0,000 GOLL4 0,2777 0,0771 0,0761 0,0505 1,8510 77,871 0,000 NATU3 0,3903 0,1523 0,1514 0,0206 2,0233 167,501 0,000 PSSA3 0,5340 0,2852 0,2844 0,0159 1,7532 371,823 0,000 USIM3 0,6995 0,4893 0,4887 0,0199 1,7851 829,863 0,000 BBAS3 0,6910 0,4775 0,4769 0,0184 1,8739 851,685 0,000 RENT3 0,2650 0,0702 0,0692 0,0520 1,2009 70,406 0,000 EMBR3 0,4600 0,2116 0,2108 0,0201 1,9342 250,138 0,000 SBSP3 0,5943 0,3532 0,3526 0,0200 1,8414 509,038 0,000 FONTE: Os autores (2010) A tabela 05 mostra os downside betas, di- esperanças de retorno para as ações a partir do ferentes de zero conforme resultados do teste modelo de precificação D-CAPM. Neste caso, não Z. Nesta Tabela também é possível verificar as houve nenhum downside beta superior a 1. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010 |75
  • 80. TABELA 05 - DOWNSIDE BETAS Retorno Coeficiente Ações Valor t Sig. D-Beta Valor t Sig. esperado do linear ativo AMBV4 -0,3610 -9,6418 0,0000 0,4962 20,8231 0,0000 0,4022 ITUB4 -0,2699 -7,4568 0,0000 0,9311 40,4163 0,0000 0,7284 BRAP4 -0,0196 -33,6959 0,0000 0,0159 42,9697 0,0000 0,0418 BRKM5 -0,0248 -33,9328 0,0000 0,0101 21,7697 0,0000 0,0374 ELPL6 -0,0240 -35,0483 0,0000 0,0082 18,8578 0,0000 0,0360 GOAU4 -0,0159 -14,8811 0,0000 0,0098 14,4833 0,0000 0,0372 TBLE3 -0,0265 -25,7209 0,0000 0,0065 9,9565 0,0000 0,0347 VIVO4 -0,0263 -11,4271 0,0000 0,0100 6,8349 0,0000 0,0373 VALE3 -0,0244 -38,9063 0,0000 0,0073 18,3286 0,0000 0,0353 UGPA4 -0,0196 -34,2394 0,0000 0,0154 42,2564 0,0000 0,0414 CMIG3 -0,0260 -21,9518 0,0000 0,0069 9,0783 0,0000 0,0350 TCSL4 -0,0253 -20,0345 0,0000 0,0106 13,2022 0,0000 0,0378 LIGT3 -0,0242 -33,8570 0,0000 0,0085 18,7836 0,0000 0,0362 GOLL4 -0,0280 -14,8945 0,0000 0,0106 8,8244 0,0000 0,0378 NATU3 -0,0258 -33,5873 0,0000 0,0063 12,9422 0,0000 0,0346 PSSA3 -0,0247 -41,7735 0,0000 0,0073 19,2827 0,0000 0,0353 USIM3 -0,0218 -29,3552 0,0000 0,0141 29,8808 0,0000 0,0404 BBAS3 -0,0217 -31,6585 0,0000 0,0127 29,1836 0,0000 0,0394 RENT3 -0,0262 -13,5219 0,0000 0,0103 8,3908 0,0000 0,0376 EMBR3 -0,0264 -35,3450 0,0000 0,0075 15,8158 0,0000 0,0355 SBSP3 -0,0234 -31,4231 0,0000 0,0107 22,5619 0,0000 0,0379 FONTE: Os autores (2010) De acordo com a Tabela 6, a variação dos da semi-covariância e semi-variância possibilitou betas mostrou-se negativa, exceto para os ati- a redução do risco sistêmico do ativo, o que foi vos AMBV4 e ITUB4. Para todos os outros ativos corroborado pela redução dos retornos esperados percebe-se que o downside beta foi inferior ao para os mesmos ativos. beta tradicional indicando que a análise a partir TABELA 06 - VARIAÇÃO DO DOWNSIDE BETA Continua Retorno Variações Beta D-beta Retorno CAPM Variação Betas DCAPM Retornos AMBV4 0,5630 0,4962 0,062476942 0,4022 0,0668 -0,3397 ITUB4 1,0787 0,9311 0,092374794 0,7284 0,1476 -0,6360 BRAP4 0,0127 0,0159 0,030574235 0,0418 -0,0032 -0,0112 BRKM5 0,0082 0,0101 0,030310412 0,0374 -0,0019 -0,0071 ELPL6 0,0068 0,0082 0,030229802 0,0360 -0,0014 -0,0058 GOAU4 0,0115 0,0098 0,030503243 0,0372 0,0017 -0,0067 TBLE3 0,0047 0,0065 0,030110169 0,0347 -0,0018 -0,0046 VIVO4 0,0083 0,0100 0,030318437 0,0373 -0,0017 -0,0070 76 |
  • 81. Revista da FAE TABELA 06 - VARIAÇÃO DO DOWNSIDE BETA Conclusão Retorno Variações Beta D-beta Retorno CAPM Variação Betas DCAPM Retornos VALE3 0,0063 0,0073 0,030199614 0,0353 -0,0011 -0,0051 UGPA4 0,0125 0,0154 0,030559738 0,0414 -0,0029 -0,0108 CMIG3 0,0049 0,0069 0,030122212 0,0350 -0,0019 -0,0049 TCSL4 0,0087 0,0106 0,030341593 0,0378 -0,0019 -0,0075 LIGT3 0,0070 0,0085 0,030242608 0,0362 -0,0015 -0,0060 GOLL4 0,0078 0,0106 0,030290689 0,0378 -0,0027 -0,0075 NATU3 0,0055 0,0063 0,030155005 0,0346 -0,0008 -0,0044 PSSA3 0,0050 0,0073 0,030127225 0,0353 -0,0023 -0,0052 USIM3 0,0115 0,0141 0,030504473 0,0404 -0,0026 -0,0099 BBAS3 0,0108 0,0127 0,03046187 0,0394 -0,0020 -0,0089 RENT3 0,0088 0,0103 0,030345244 0,0376 -0,0016 -0,0072 EMBR3 0,0061 0,0075 0,030193087 0,0355 -0,0014 -0,0053 SBSP3 0,0085 0,0107 0,030330267 0,0379 -0,0022 -0,0075 FONTE: Os autores (2010) No entanto realizando o teste t de student, tais como: taxa de câmbio, balança comercial, re- indicado para amostras pequenas, abaixo de 25 servas internacionais, taxa Selic, índices de preços, indivíduos (CORRAR; PAULO; DIAS FILHO, 2007), inflação, nível de desemprego, etc. verificou-se que não existe diferença significativa Observou-se relativa diferença absoluta entre entre os betas, ou seja, não se rejeita a hipótese o beta tradicional do modelo CAPM e o downside de que os betas são iguais. Obteve-se um valor t beta do modelo D-CAPM. Observa-se que os valores 1,12 e o valor p 0,274. para o downside beta foram inferiores ao beta tra- dicional. No entanto, pelo teste t, verificou-se que não é possível rejeitar a hipótese de igualdade das Conclusão médias. A partir desses resultados pode-se observar que a volatilidade negativa dos ativos é bastante O presente trabalho teve como objetivo significativa na composição do risco do ativo, o que principal de estudo avaliar qual dos modelos de mostra a importância do downside beta como fator precificação de ativos financeiros, o Capital Asset explicativo do verdadeiro risco sistêmico. Pricing Model ou o Downside Capital Asset Pricing Julga-se que este trabalho teve como prin- Model, comporta-se como o melhor previsor de cipal limitação, um número pequeno de obser- retornos dos ativos do mercado brasileiro. Diante vações considerando todo mercado de ações. disso, chegou-se a algumas conclusões relevantes. Contudo, como as ações foram escolhidas aleato- Primeiramente, os resultados obtidos na pes- riamente, encontraram-se ações com lançamento quisa indicam que no mercado acionário da Bolsa relativamente recente no mercado. Sugere-se que de Valores de São Paulo uma boa parte da varia- para futuros estudos a utilização de uma amostra bilidade média dos ativos não está relacionada maior, com um espaço temporal superior ao obti- aos riscos sistemáticos dos mesmos, em razão da do e com valores mensais para que as diferenças ineficiência e pouca liquidez do mercado de ca- dos retornos esperados possam ser mais captadas. pitais brasileiro. Outros fatores macroeconômicos • Recebido em: 12/08/2010 podem contribuir para a explicação dos retornos, • Aprovado em: 04/11/2010 Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010 |77
  • 82. Referências ASSAF NETO, A. et al. Uma proposta metodológica para o cálculo do custo de capital no Brasil. Revista de Administração, São Paulo, v.43, n.1, p.72-83, 2008. BARROS, L. de C.; FAMÁ, R.; SILVEIRA, H. P. Aspectos da teoria de portfólio em mercados emergentes: uma análise de aproximação para a taxa livre de risco no Brasil. In: SEMINÁRIOS EM ADMINISTRAÇÃO, 6., 2003, São Paulo. Anais... São Paulo: SEMAD, 2003. BONOMO, M. Finanças aplicadas ao Brasil. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2002. BRIGHAM, E. F.; GAPENSKI, L. C.; EHRHARDT, M. C. Administração financeira: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2001. CORRAR, L. J., PAULO, E., DIAS FILHO, J. M. Análise multivariada: para os cursos de administração, ciências contábeis e economia. São Paulo: Atlas, 2007. COSTA JR, N. A.; NEVES, M. B. E. Variáveis fundamentalistas e os retornos das Ações. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v.54, p.123-137, 2000. DAMODARAN, A. Avaliação de investimentos. 2.ed. Rio de Janeiro: Pearson Prentice Hall, 2007. ______. Finanças corporativas aplicadas: manual do usuário. Porto Alegre: Bookman, 2002. ELTON, E. J. et al. Modern portfolio theory and investment analysis. 6th.ed. Hoboken, NI: J. Wiley, 2003. ESTRADA, J. The cost of equity in emerging markets: a downside risk approach. Emerging Markets Quarterly, New York, v.13, n.1, p.19-30, Fall 2000. ______. Systematic risk in emerging markets: the D-CAPM. Emerging Markets Quarterly, New York, v. 14, n.6, p.365-379, Spring 2002. FRALETTI, P. B. Ensaios sobre taxas de juros em reais e sua aplicação na análise financeira. 2004. 171p. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. HAGLER, C. Testando a eficiência dos índices de ações brasileiros. Rio de Janeiro: IBMEC, 2003. HOGAN, W. W.; WARREN, J. M. Toward the development of an equilibrium capital-market model based on semivariance. Journal of Financial and Quantitative Analysis, Seattle, Wash. v.9, n.1, p.1- 11, Jan. 1974. LINTNER, J. The valuation of risk assets and the selection of risk investments in stock portfólios and capital budgets. Review of Economics and Statistics, Cambridge, mass. v.47, n.1, p.13-37, Feb. 1965. LÓPEZ, O. C.; GARCIA, F. J. H. D-CAPM en México: un modelo alternativo para estimar el costo de capital. Disponível em: <http://www.ipade.mx>. Acesso em: 10 jun. 2010. MARKOWITZ, H. M. Portfólio selection. Journal of Finance, New York, v.7, n.1, p.77-91, Mar. 1952. 78 |
  • 83. Revista da FAE MARKOWITZ, H. M. Portfolio selection: efficient diversification of investments. New York: J. Wiley, 1959. MOSSIN, J. Equilibrium in a capital asset market. Econometrica, Chicago, v.34, p.768-783, Oct. 1966. MUSSA, A.; ROGERS, P.; SECURATO, J. R. Modelos de retornos esperados no mercado brasileiro: testes empíricos utilizando metodologia preditiva. In: CONGRESSO USP DE CONTROLADORIA E CONTABILIDADE, 8., 2008, São Paulo. Anais... São Paulo, 2008. PAIVA, F. Modelos de precificação de ativos financeiros de fator único: um teste empírico dos modelos CAPM e D-CAPM. REGE-USP. Revista de Gestão, São Paulo, v.12, n.2, p.49-65, 2005. RIBENBOIM, G. Testes de versões do modelo CAPM no Brasil. In: Bonomo M.; (Ed.) Finanças aplicadas ao Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. p.17-40. ROSS, S. A.; WESTERFIELD, R. W.; JAFFE, J. F. Administração financeira. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002. SHARPE, W. F. Capital asset prices: a theory of market equilibrium under conditions of risk. The Journal of Finance, New York, v.19, n.3, p.425-442, Sept. 1964. SILVA, S. S. da. Precificação de ativos com risco no mercado acionário brasileiro: aplicação do modelo CAPM e variantes. 2007. 144p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG,2007. TAMBOSI FILHO, E. et al. Teste do CAPM condicional dos retornos de carteiras dos mercados brasileiro, argentino e chileno, comparando-os com o mercado norte-americano. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.50, p.60-74, 2010. TOBIN, J. Liquidity preference as a behavior toward risk. Review of Economic Studies, Aberdeen, GB, v.25, n.66, p.65-86, Feb. 1958. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 65-80, jul./dez. 2010 |79
  • 85. Revista da FAE O uso do cheque especial e do cartão de crédito pelos acadêmicos da FAE Centro Universitário The use of overdraft and credit card by students at FAE Centro Univeritário Resumo Aline Fernanda da Silva Ferreira* Amilton Dalledone Filho** O cartão de crédito e o cheque especial são modalidades de financiamento oferecidas por instituições financeiras - bancos comerciais e múltiplos - para clientes pessoa física ou pessoa jurídica. O crescimento da participação destes produtos no mercado pode por um lado dinamizar a economia, mas também pode aumentar o endividamento geral da população, provocando grandes problemas financeiros e sociais. Pretende-se, com este estudo, verificar o conhecimento sobre a correta utilização do cheque especial e do cartão de crédito pelos alunos dos terceiros e quartos anos dos cursos de graduação da FAE Centro Universitário, buscando verificar se os acadêmicos, após terem estudado e conhecido questões financeiras que envolvem estes produtos bancários, sabem utilizá-los de forma adequada. Os resultados encontrados demonstram que os alunos estão conscientes dos produtos bem como sua correta forma de utilização, pois a maioria dos acadêmicos da FAE Centro Universitário têm um perfil mais conservador em suas finanças pessoais e não utilizam o limite do cheque especial durante o mês nem pagam a fatura do cartão de crédito com atraso. Palavras-chave: cartão de crédito; cheque especial; crédito bancário; endividamento; produtos bancários. Abstract The credit card and overdraft are financing arrangements offered by financial institutions – commercial and multibank - to individuals or corporations. The participation growth of these products in the market may stimulate the economy in one hand but, in the other, may increase the general indebtedness of the population, causing large financial and social problems. This study intends to verify the knowledge about the correct use of overdraft and credit cards by students in the third and fourth years of undergraduate courses at FAE Centro Universitário; moreover, it also * Graduanda em Ciências seeks to verify whether the scholars, after having studied about financial Econômicas da FAE Centro matters related to these banking products, learn how to use them properly. Universitário.E-mail: aline_nda@ The results review that students are familiar with the products as well as hotmail.com. the correct way of using them; most students at FAE Centro Universitário ** Mestre em Administração pela have a more conservative profile in dealing with personal finances and UFSC. Professor da FAE Centro avoid overdraft during the month or pay their credit card bill in due time. Universitário Curitiba-PR e da FALEC. E-mail: adalledone@ Keywords: credit card, overdraft, bank loan, indebtedness, bank products. yahoo.com.br. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 81-92, jul./dez. 2010 |81
  • 86. Introdução acadêmico proporcionado aos alunos de gradu- ação dos terceiros e quartos anos da FAE Centro O cheque especial e o cartão de crédito são as Universitário proporcionou uma gestão eficaz de modalidades de crédito fácil mais utilizadas, uma suas finanças pessoais e o correto uso do cheque vez que suas características de disponibilidade especial e do cartão de crédito no seu dia-a-dia?” fazem com que eles não pareçam empréstimos. Buscando resolver a problemática desta Há casos de pessoas que adotam o cartão de pesquisa, foi estabelecido como objetivo geral a crédito e o limite do cheque especial como parte realização de uma pesquisa junto aos acadêmicos de seus salários. dos terceiros e quartos anos dos cursos de Dados da pesquisa Tracking de Cartões, do graduação da FAE Centro Universitário, buscando Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística levantar informações quanto ao correto uso – Ibope Inteligência, referentes a setembro de do cartão de crédito e do cheque especial após 2008, revelam que 20% dos portadores de cartões conhecerem os conceitos básicos de finanças de crédito possuem dívidas que se configuram estudados nos diversos cursos de graduação. Para no crédito rotativo, parcelamento da fatura ou isso, deverão ser alcançados os seguintes objetivos inadimplência. específicos: (i) apresentar a estrutura do sistema Acerca do cheque especial, no mês de julho financeiro nacional e suas especificidades; (ii) de 2008, os bancos emprestaram quase R$ 21 pesquisar as características do cheque especial e bilhões a uma taxa de juros média de 160% ao do cartão de crédito no mercado, seus custos e ano, conforme dados do Banco Central do Brasil peculiaridades; (iii) efetuar uma pesquisa de campo (ENDIVIDAMENTO, 2008). quanto à utilização do cartão de crédito e cheque Sendo assim, por mais que o uso dessas especial junto aos acadêmicos dos terceiros e modalidades de crédito tenha o benefício da quartos anos dos cursos de graduação, verificando comodidade, o crescimento da participação se estes sabem diferenciar essas modalidades de destes produtos no mercado pode aumentar o crédito e se sabem utilizar esses produtos; e (iv) endividamento geral da população, provocando identificar os resultados alcançados sugerindo grandes problemas financeiros e sociais. ações de esclarecimentos a todos acadêmicos da Para não entrar num endividamento espiral, FAE Centro Universitário. conhecido como “juros em cima de juros” é Quanto à metodologia, a pesquisa apresenta essencial que se tenha a consciência de gastar aspectos descritivos, exploratórios e explicativos. no máximo o que se ganha, adaptando as O caráter exploratório tenderá estar mais presente necessidades e desejos ao salário mensal. Também na revisão da literatura, buscando aumentar se carece compreender que o uso do cheque o grau de familiaridade com o problema (GIL, especial e do cartão de crédito deve ocorrer 1991). Pretende-se alcançar os demais objetivos somente em caso extremo, pois as taxas de específicos por meio de um levantamento de juros cobradas pelas instituições financeiras que dados. Assim, desenvolveu-se um instrumento oferecem estes serviços são muito altas, conforme de coleta de dados na forma de questionário, verificaremos no decorrer deste artigo. para ser utilizado em uma amostra probabilística A pergunta que se pretende responder com intencional, representativa dos segmentos a efetivação deste estudo é: “O conhecimento alvos. Por fim, conforme apontar o resultado da 82 |
  • 87. Revista da FAE pesquisa, sugerir ações que venham a esclarecer FIGURA 01 - O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL as pessoas sobre a utilização do cheque especial, do cartão de crédito e a melhor forma de uso e controle destes produtos. 1 O sistema financeiro nacional FONTE: Os autores (2009) Para entender o funcionamento dos produ- tos cheque especial e cartão de crédito, faz-se necessária uma breve abordagem a respeito do 2 O cartão de crédito Sistema Financeiro Nacional- SFH, que refletirá como essas modalidades de crédito estão inseridas Conforme dados da Associação Brasileira das no mercado financeiro. Empresas de Cartão de Crédito e serviços (ABECS, Para Assaf Neto (2009), o Sistema Financeiro 2009a), referentes ao ano de 2008, o Brasil é Nacional (SFN) pode ser definido como o conjunto um dos países com maior número de cartões de de instituições financeiras que geram a política e crédito, com cerca de 547 milhões de unidades e a instrumentação econômico-financeira do país, mais de 5,5 bilhões de transações por ano. visando, em última análise, transferir recursos dos A história do cartão de crédito inicia em 1950, agentes econômicos - pessoas, empresas, governo quando Frank MacNamara e alguns convidados, - superavitários para os deficitários, mantendo o executivos financeiros de Nova York, saíram para fluxo monetário entre poupadores e investidores. jantar em um restaurante e, quando receberam Fazem parte do SFN: o Subsistema Normativo, a conta, perceberam que haviam esquecido o di- constituído pelas instituições que regulamentam e nheiro e o talão de cheque. Mediante discussão, o fiscalizam o mercado financeiro e o Subsistema de dono do estabelecimento concordou que o execu- Intermediação, composto de instituições bancárias tivo pagasse o jantar posteriormente e solicitou a e não bancárias que atuam em operações de assinatura do mesmo na nota de despesas. intermediação financeira. Após o episódio, MacNamara concebeu a Como se pode verificar na figura 01, o cartão ideia do cartão de crédito. Em 1950, foi emitido de crédito e o cheque especial estão inseridos o primeiro cartão denominado Diners Club Card, dentro do Subsistema de Intermediação, nas aceito inicialmente como meio de pagamento em carteiras das Instituições Financeiras Bancárias, vinte e sete restaurantes. Cerca de duzentas pes- ou seja, os bancos comerciais, bancos múltiplos soas, a maioria amigos de MacNamara, aderiram e caixas econômicas, que executam operações de ao cartão naquele ano. Dois anos depois foi emi- crédito, transferência de recursos e prestações de tido o primeiro cartão de validade internacional, serviços financeiros. expandindo o mercado de cartões, e, no início da década de 1960, o Diners Club Card foi aceito em mais de 50 países em todos os continentes (ABECS, 2009b). Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 81-92, jul./dez. 2010 |83
  • 88. 2.1 Conceito, Utilização e Características – Bandeira marca do cartão. Responsável do Cartão de Crédito pela comunicação da transação entre a ad- quirente e o emissor do cartão de crédito. O cartão de crédito é uma forma de pagamen- As maiores bandeiras no Brasil são Visa, to eletrônico de bens e serviços que o cliente da MasterCard e Hipercard. instituição financeira pode adquirir para executar – Emissor do cartão. Instituição financeira o pagamento de suas compras. Mensalmente, ele que emitirá o cartão de crédito. O emissor receberá em seu endereço uma fatura detalhando as transações efetuadas. O usuário poderá pagar a será o responsável pela aprovação ou fatura até a data do vencimento ou solicitar o finan- recusa da transação, conforme o limite de ciamento da dívida, mediante cobrança de juros. compras disponível. Também é responsável Normalmente, os cartões de crédito possuem pela emissão e entrega da fatura, cobrança um limite estabelecido pela instituição financeira, e recebimento. através da análise do perfil financeiro e compor- O tramite das transações realizadas com tamental do usuário. Quando este realiza uma cartão de crédito inicia-se no estabelecimento compra, o valor do bem ou serviço adquirido reduz comercial, quando o cartão é inserido em um o limite disponível e se o valor da nova aquisição equipamento eletrônico chamado POS (Point of ultrapassar o saldo disponível, novas compras Sale), comum no mercado de varejo, ou um equi- serão bloqueadas até o pagamento da fatura. pamento denominado TEF (transferência eletrônica As transações com cartões de crédito são de fundos), autorizador acoplado ao caixa usado figuradas pelos seguintes elementos: na maioria dos supermercados e lojas de depar- tamentos. O cliente escolherá a opção de crédito – Portador do cartão. Usuário do cartão de ou débito, o número de parcelas e o tipo de par- crédito. Aquele que efetua aquisições de celamento – parcelado pelo estabelecimento ou bens e/ou serviços através de pagamento pelo emissor – e o responsável pelo recebimento eletrônico. Há duas modalidades de usuá- no estabelecimento comercial digitará as opções rio, o titular e o adicional. O titular é o res- escolhidas no POS ou no equipamento acoplado ponsável financeiro do cartão e o usuário ao TEF. O aparelho iniciará a comunicação, descrita adicional é a pessoa indicada pelo titular conforme fluxo da figura 02. que fará uso de um cartão adicional, que também está sob responsabilidade finan- FIGURA 02 - FLUXO DA TRANSAÇÃO DE PAGAMENTO COM CARTÃO DE CRÉDITO ceira do titular. – Estabelecimento comercial. Organização que permite pagamento de produtos ou prestação de serviço através do cartão de crédito. São exemplos supermercados, FONTE: Os autores (2009) lojas, farmácias, clubes, entre outros. – Rede adquirente. Rede de captação de tran- O equipamento eletrônico no estabelecimen- sações responsável pela comunicação entre to fará a comunicação via rede com a Adquirente, o estabelecimento e a bandeira. As maiores para que esta envie a transação para a Bandeira. adquirentes no Brasil são a Redecard, a Cielo Esta, por sua vez, comunicar-se-á com o Emissor – antiga VisaNet – e a Hipercard. para que a transação seja autorizada. Após a au- 84 |
  • 89. Revista da FAE torização, a transação percorre o caminho inverso percebe na comparação dos gráficos 01 e 02, a até retornar ao estabelecimento. Desta forma, participação dessa modalidade nos empréstimos o equipamento fará a emissão de dois compro- apresenta crescimento contínuo. É importante vantes, uma via do estabelecimento e outra do salientar que a inadimplência nas operações rea- comprador. lizadas com cartões de crédito também é maior No caso do cartão de crédito possuir apenas que nas outras operações de crédito. Conforme a tarja magnética, o cliente deverá assinar a via do dados do Banco Central do Brasil - Bacen, em ju- lho de 2009, 28,3% das transações tinham atraso comprovante do estabelecimento, apresentando superior a 90 dias e o uso do crédito rotativo, um documento oficial com foto, para conferência parcelamento com juros e saque somou R$ 14,56 das assinaturas. bilhões neste mês (NAKAGAWA, 2009). Atualmente, os emissores estão adicionando GRÁFICO 01 - TAXA DE JUROS CARTÃO DE CRÉDITO aos cartões de crédito a tecnologia do chip. Neste caso, não é necessária a assinatura no comprovan- te, pois o sistema solicitará a senha do cartão ao usuário, para efetivação da transação. 2.2 Taxa do Cartão de Crédito FONTE: Adaptado de ANEFAC (2010) Em pesquisa realizada por Felipe Frisch (2010), publicada no jornal O Globo, em janeiro de 2010, constatou-se a desigualdade entre as taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras, 3 O cheque especial conforme a renda dos clientes. Os clientes que possuem cartões de crédito O cheque especial é o crédito vinculado à conta corrente que as instituições financeiras - dos segmentos de alta renda pagam taxas bem bancos comerciais ou múltiplos – disponibilizam menores quando da utilização do cartão de cré- aos clientes correntistas, mediante análise das dito, comparadas às taxas pagas pelos clientes do informações cadastrais e do relacionamento entre varejo, dessas mesmas instituições. a instituição e o cliente. Este produto pode ser No levantamento citado na mesma matéria de considerado um empréstimo pré-aprovado, pois O Globo, realizado em vários bancos do país que está sempre à disposição do cliente e não exige possuem agências especiais para atendimento de que este solicite o produto no momento do uso. clientes com alta renda (Itaú Unibanco, Bradesco, O produto pode ser utilizado para a cobertura Santander Real, HSBC e Banco do Brasil) observou- de cheques, DOC’s, TED’s, compras com o cartão se que, enquanto os clientes do varejo chegam a de débito, pagamentos de taxas e encargos etc. pagar taxas de juros na casa dos 14% ao mês, os Esta modalidade de crédito está sujeita clientes dos segmentos especiais contam com taxas cobrança de juros sobre o valor utilizado, além mensais inferiores a 10% ao mês. de encargos como IOF. A utilização do cheque Apesar de a taxa de juros do cartão ser mais especial deve ser racional e eventual, restringindo- alta até que a do cheque especial, conforme se se ao curto prazo, isto é, poucos dias. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 81-92, jul./dez. 2010 |85
  • 90. A adesão da disponibilização do cheque es- e deixou de utilizar o limite do cheque especial pecial ocorre mediante contrato entre o banco e e consequentemente encerrou-se a cobrança de o cliente, que pode ser feito na abertura da conta juros e encargos. corrente, ou, posteriormente, mediante solicitação TABELA 01 - SIMULAÇÃO UTILIZAÇÃO CHEQUE ESPECIAL e o aceite das partes. Valor utilizado do limite R$ 200,00 Tempo de utilização do limite em dias 30 Os contratos de cheque especial estabelecem: as condições e valor do crédito, o prazo de validade Taxa Valor da disponibilização, a taxa de juros, encargos, IOF* 0,0082% R$ 0,49 vencimento, multas, renovação automática etc. IOF adicional** 0,38% R$ 0,76 O banco poderá mudar unilateralmente essas Juros bancários ao mês 10% R$ 20,00 condições, mediante aviso prévio ao cliente. A utilização do cheque especial se dá pelo Valor total da dívida R$ 221,25 uso do limite disponibilizado na conta corrente FONTE: Os autores (2010) * Imposto cobrado sobre o valor utilizado do limite, do cliente, e que, se utilizado, deverá ser devol- multiplicado pela quantidade de dias utilizados. vido com o acréscimo de juros e outros encargos ** Imposto cobrado sobre o valor utilizado do limite, em única parcela mensal. financeiros. Para exemplificar, supondo que um cliente Conforme apresentado, é necessário compre- possui em 01/01/2009 um saldo de R$ 1000,00 e ender que o cheque especial deve ser empregado um limite do cheque especial de R$ 500,00, apa- somente em caso extremo e o cartão de crédito recerá a seguinte informação no extrato bancário: deve ser usado de forma responsável, pois a cor- 01/01/2009 reta utilização dos mesmos poderá reduzir a co- Saldo Disponível: R$ 1.000,00 brança das altas taxas que estes serviços possuem. Limite de Crédito: R$ 500,00 Disponível + Limite: R$ 1.500,00 3.1 Taxa do Cheque Especial Se o cliente realizar uma compra de R$ 1200,00 em 01/01/2009, este fará uso de R$ Apesar dos benefícios que o cheque especial 200,00 do limite de seu cheque especial. Conside- pode proporcionar, tais como agilidade e como- rando que a taxa de juros naquele período seja de didade para o consumidor que necessita de uma 10% ao mês, e o IOF (imposto sobre operação fi- linha de crédito rápida e sem burocracia, este pro- nanceira) de 0,0082% ao dia, acrescidos de 0,38% duto poderá implicar em problemas provenientes do valor do limite utilizado (GRANER, 2008), o do não planejamento de sua utilização. pagamento dos juros provenientes da utilização Os problemas aparecem quando o consumidor do cheque especial durante um mês, ou seja, de passa a utilizar o limite do cheque especial como 01/01/2009 a 01/02/2009, será de R$ 21,25, cujo se fosse parte de suas receitas. pagamento será feito na data de vencimento, Tendo em vista esta realidade, os bancos conforme disposto em contrato. cobram valores astronômicos pelo valor dispo- A cobrança de juros incidirá sobre o prazo de nibilizado, aplicando taxas de juros que fogem duração do uso do limite. Neste caso, o cliente efe- à realidade econômica brasileira (ENDIVIDADO, tuou um depósito de R$ 221,25 no dia 02/02/2009 2009), pois tanto o cheque especial quanto o 86 |
  • 91. Revista da FAE cartão de crédito não possuem garantias reais, GRÁFICO 03 - EVOLUÇÃO DA TAXA DE JUROS DO CHEQUE ESPECIAL sendo, desta forma, operações de risco elevado de inadimplência para as instituições financeiras. No gráfico 02, podem-se identificar as taxas de juros cobradas pelas maiores instituições financeiras do país, acerca da utilização do cheque especial. GRÁFICO 02 - TAXA DE JUROS CHEQUE ESPECIAL POR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA FONTE: Adaptado de BACEN (2009a) 4 Metodologia A metodologia adotada para esta pesquisa FONTE: Adaptado de BACEN (2009b) será, do ponto de vista de sua natureza, de caráter aplicado, com o objetivo de gerar conhecimentos Pode-se verificar, através do gráfico 03, que novos e/ou úteis para aplicação prática dirigidos à as taxas de juros são elevadas. Através do gráfico solução de problemas específicos, tais como a de- visualiza-se a evolução da mesma no período de ficiência no nivelamento dos conhecimentos sobre 1999 a 2009. os produtos cheque especial e cartão de crédito e Em entrevista publicada pelo portal G1, em a melhor forma de utilização dos mesmos, pelos junho de 2009, o Chefe do Departamento Econô- acadêmicos da FAE Centro Universitário. mico do Banco Central, Altamir Lopes, afirmou que Quanto aos procedimentos técnicos (GIL, o cheque especial tem uma taxa muito elevada, 1991), os tipos de pesquisa utilizados foram: (i) e que é a modalidade de crédito mais cara (o pesquisa bibliográfica, elaborada a partir de ma- valor registrado em maio foi de 167,8% ao ano), terial já publicado, como livros sobre o sistema por isso ele considera que “a taxa é proibitiva” e financeiro nacional, notícias e dados divulgados afirma que a utilização do cheque especial não é por instituições e associações - tais como a ABECS recomendada, pois com a alta taxa de juros ha- e Banco Central - do setor financeiro, artigos de verá um grande comprometimento da renda do periódicos e outros materiais disponibilizados na usuário (MARTELLO, 2008). Internet; (ii) levantamento de dados através da aplicação de questionário específico que pretende traduzir os objetivos específicos desta pesquisa, através de treze perguntas fechadas ou de múltipla escolha sobre a utilização do cheque especial e do cartão de crédito. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 81-92, jul./dez. 2010 |87
  • 92. 4.1 Amostra e População com um nível de confiança de 90% e um erro máximo de 7% por curso, conforme se verifica Para realização da pesquisa foi estabelecido o na tabela 02. tamanho da amostra representativa da população, TABELA 02 - POPULAÇÃO E AMOSTRA ESTABELECIDA Ciências Contábeis Ciências Econômicas Administração Total Questionários 3º Ano 4º Ano 3º Ano 4º Ano 3º Ano 4º Ano População 80 89 58 67 227 224 745 Amostra 36 40 31 35 54 53 249 FONTE: Os autores (2010) 5 Resultados da pesquisa Com a segunda etapa de distribuição dos questionários concluída, alcançaram-se os valores definidos na amostra, que foram utilizados para Foram feitas duas etapas de distribuição dos a análise do levantamento de dados, conforme questionários. Na primeira etapa, foram distribuí- tabela 03. Para estas amostras trabalhou-se com dos 265 questionários, dos quais retornaram 199 um erro máximo de 8% para o curso de Ciências preenchidos. Como a amostra total estabelecida Contábeis e de 7% para os cursos de Administração não foi atingida, foi feita uma segunda distri- e Ciências Econômicas, considerando um nível de buição dos questionários. Nesta segunda etapa, confiança de 90%. foram distribuídos 55 questionários, dos quais retornaram 54. TABELA 03 - POPULAÇÃO E AMOSTRA ESTABELECIDA Ciências Contábeis Ciências Econômicas Administração Total Questionários 3º Ano 4º Ano 3º Ano 4º Ano 3º Ano 4º Ano População 80 89 58 67 227 224 745 Amostra 30 36 30 37 51 54 238 FONTE: Os autores (2010) Quanto à divisão por cursos, dos 238 alunos 5.1 Análise da Amostra Total 44,1% são do curso de Administração, 28,2% são do curso de Ciências Econômicas e 27,7% são do Os gráficos de 04 a 12 apresentam os resul- curso de Ciências Contábeis. tados do levantamento de dados. Os gráficos são compostos pelas perguntas do questionário, pelas Quanto ao ano da graduação, 46,6% estão tabelas com os resultados em números e pelos cursando o terceiro ano da graduação e 53,4% gráficos com os resultados em porcentagem. A estão cursando o quarto ano da graduação. elaboração dos gráficos e tabelas de análise foi fei- A maioria dos alunos que responderam ao ta através de um software específico de estatística. questionário possui uma ou mais contas bancárias, A amostra total é composta por 238 alunos, a maior participação em números é de alunos que dos quais 52,9% são do sexo masculino e 47,1% possuem conta corrente, seguida pela participação do sexo feminino. dos alunos que possuem conta universitária. 88 |
  • 93. Revista da FAE GRÁFICO 04 - CONTAS BANCÁRIAS GRÁFICO 07 - UTILIZAÇÃO DO CHEQUE ESPECIAL FONTE: Os autores (2010) FONTE: Os autores (2010) Dos 238 alunos que responderam à pesquisa, Quando ao conhecimento das taxas cobradas, 159 deles – 66,8% – afirmam que possuem 19,5% dos alunos que possui limite do cheque limite do cheque especial e, 193 deles – 81,1% – especial não sabem quais taxas são cobradas pela possuem cartão de crédito. Os gráficos a seguir utilização do mesmo. Há ainda aqueles – menos podem auxiliar na verificação da correta utilização de 1% da amostra total – que acreditam que ta- dos produtos pelos acadêmicos. xas como Imposto de Renda (IR) ou Contribuição GRÁFICO 05 - CHEQUE ESPECIAL Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Fi- nanceira (CPMF), porém, na realidade, essas taxas não são cobradas para a utilização deste produto. Apenas 60 alunos, ou seja, 37,7% dos alunos FONTE: Os autores (2010) que utilizam o cheque especial marcaram as duas opções corretas, o Imposto sobre Operações Fi- GRÁFICO 06 - CARTÃO DE CRÉDITO nanceiras (IOF) e os Juros Bancários. GRÁFICO 08 - TAXAS DO CHEQUE ESPECIAL FONTE: Os autores (2010) Dos alunos que utilizam o cheque especial, 66,7% têm um perfil mais conservador em suas finanças pessoais e não utilizam o limite do che- FONTE: Os autores (2010) que especial durante o mês. Porém, percebe-se que quase 20% dos alunos utilizam seu limite por mais de cinco dias por mês, ou seja, muitas vezes Quanto ao cartão de crédito, mais de 50% os alunos acabam excedendo o valor do salário dos alunos sempre utilizam o cartão de crédito ou bolsa-auxílio mensal e utilizando o limite para na compra de bens e serviços. efetuar compra de produtos e serviços. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 81-92, jul./dez. 2010 |89
  • 94. GRÁFICO 09 - FREQUÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE GRÁFICO 12 - AVALIAÇÃO DAS TAXAS CRÉDITO FONTE: Os autores (2010) FONTE: Os autores (2010) Os acadêmicos demonstraram responsabi- lidade no pagamento da fatura, pois 83,5% dos Considerações finais alunos afirmaram que sempre pagam a fatura em dia. E cerca de 2% dos alunos demonstram Conclui-se que a maioria os acadêmicos da dificuldade para pagar a conta até o vencimento. FAE Centro Universitário tem um perfil mais con- GRÁFICO 10 - PAGAMENTO DA FATURA DO CARTÃO DE CRÉDITO servador em suas finanças pessoais e não utilizam o limite do cheque especial durante o mês nem pagam a fatura do cartão de crédito com atraso. Porém, percebe-se que há dificuldade por par- te dos alunos quanto ao conhecimento das taxas incidentes sobre o cheque especial, pois 19,5% dos alunos que possui limite do cheque especial não FONTE: Os autores (2010) sabem quais taxas são cobradas pela utilização do mesmo e apenas 26% dos alunos marcaram as Porém, cerca de 13% dos acadêmicos já utili- duas opções corretas, o Imposto sobre Operações zaram o crédito rotativo, ou seja, o financiamento Financeiras (IOF) e os Juros Bancários. de uma parte da fatura, e mais de 85% dos alunos Sobre o uso do cartão de crédito os pro- procuram pagar a fatura integralmente. blemas diminuem, uma vez que apenas 2% dos GRÁFICO 11 - UTILIZAÇÃO DO CRÉDITO ROTATIVO acadêmicos demonstram dificuldade para pagar a conta até o vencimento. De acordo com os resultados da pesquisa, nota-se que os alunos de Administração são os mais cautelosos na utilização do cheque especial e FONTE: Os autores (2010) do cartão de crédito. Os alunos que apresentaram maior dificuldade na utilização do cheque especial Ao serem questionados sobre as taxas de foram os do curso de Ciências Econômicas, sendo juros cobradas pelas instituições financeiras, mais que 27,5% dos pesquisados utilizam o limite por de 80% dos alunos avaliaram as taxas como altas mais de cinco dias por mês. e quase 11% afirmam não saber se as taxas são Quando a análise é feita com base no ano de abusivas ou não. graduação, nota-se um comportamento diferente para cada produto, uma vez que os alunos do 90 |
  • 95. Revista da FAE terceiro ano são mais cuidadosos na utilização do tração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas cheque especial, e os alunos do quarto ano tomam da FAE Centro Universitário. mais cuidado com o uso do cartão de crédito. Os resultados encontrados demonstram que Sendo assim, observa-se que a pesquisa re- os alunos estão conscientes dos produtos bem alizada cumpriu o seu objetivo quanto ao levan- como sua correta forma de utilização. tamento de informações referentes ao conheci- mento e forma de utilização dos produtos cartão de crédito e cheque especial pelos alunos dos • Recebido em: 07/05/2010 terceiros e quartos anos dos cursos de Adminis- • Aprovado em: 05/07/2010 Referências ANEFAC. Informações sobre cartão de crédito. Disponível em: <http://www.anefac.com.br/Pages/ Default.aspx>. Acesso em: 3 mar. 2010. ASSAF NETO, A.; LIMA, F. G. Curso de administração financeira. São Paulo: Atlas, 2009. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE CARTÕES DE CRÉDITO E SERVIÇOS – ABECS. Dados sobre mercado de cartões. Disponível em: <http://www.abecs.org.br>.Acesso em: 16 nov. 2009a. ______. História do cartão de crédito. Disponível em: <http://www.abecs.org.br/quemsomos_ historia.asp>. Acesso em: 5 out. 2009b. BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN. Evolução da taxa de juros do cheque especial. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br>. Acesso em: 27 nov. 2009a. ______. Taxa de juros cheque especial por instituição financeira. Disponível em: <http://www. bcb.gov.br>. Acesso em: 27 nov. 2009b. ENDIVIDADO. Como se proteger dos juros do cheque especial Disponível em: <http://www. endividado.com.br/faq_det.php?id=7>. Acesso em: 08 dez. 2009. ENDIVIDAMENTO do brasileiro no cheque especial bate recorde. Destak Jornal, São Paulo, 2008. Disponível em: <http://www.destakjornal.com.br/readContent.aspx?id=15,28129>. Acesso em: 15 nov. 2009. FRISCH, F. Juros do cartão de crédito são desiguais: bancos cobram taxa menor da alta renda. O Globo, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/mat/2010/01/10/ juros-do-cartao-de-credito-sao-desiguais-bancos-cobram-taxa-menor-da-alta-renda-915499981. asp>. Acesso em: 20 jan. 2010. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1991. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 81-92, jul./dez. 2010 |91
  • 96. GRANER, F. Receita esclarece cobrança de IOF no cheque especial. Portal Exame, 2008. Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/ae/economia/m0148341.html>. Acesso em: 02 dez. 2009. IBOPE Inteligência. Tracking de cartões, 2008. Disponível em: <http://www.ibope.com.br>. Acesso em: 16 out. 2009. MARTELLO, A. Juros do cheque especial são os mais altos desde 2003, diz BC. Brasília, 2008. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL580103-9356,00.html>. Acesso em: 20 jan. 2010. NAKAGAWA, F. Dívidas com cartão de crédito batem recorde. Brasília, 2009. Disponível em: <http://www.anucc.com.br/noticias/noticias_outras/336>. Acesso em: 21 nov. 2009. OLIVEIRA, Kelly. Cheque especial foi principal motivo de aumento da inadimplência para famílias, diz BC. Agência Brasil, 2009. Disponível em:<http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/06/25/ materia.2009-06-25.3032210795/view>. Acesso em: 02 dez. 2009. 92 |
  • 97. Revista da FAE A sustentabilidade e sua relação com as estratégias organizacionais The sustainability and its relation with corporate strategies Resumo Valéria da Veiga Dias1 Uiara Gonçalves De Menezes2 O presente artigo visa conhecer a percepção dos gestores de uma indústria do setor Eliete Pozzobon Palma3 de alimentos e bebidas, quanto à sustentabilidade e qual sua relação na formulação Marcia Zampieri Grohmann4 de estratégias da empresa, visando verificar se a empresa faz uso de práticas sustentáveis e se estas estão claramente definidas nas estratégias; e qual sua importância na percepção dos gestores. O conceito de desenvolvimento sustentável tem se aprimorado num processo contínuo de reavaliação da relação existente entre as dimensões econômica, ambiental e social e as estratégias da organização. Para avaliar a percepção dos gestores foi utilizado o modelo de conceitual de Tachizawa, que propõe um modelo de gestão ambiental e responsabilidade social que leva em conta o delineamento estratégico de uma organização. Como resultado deste estudo, que busca relacionar as práticas sustentáveis e a gestão estratégica da organização, é possível dizer que a organização não relaciona os dois aspectos, ou seja, as ações sociais não visam trazer uma melhoria de desempenho nos negócios. Quanto à percepção, os gestores apresentam-se dispersos quanto aos conceitos e práticas de sustentabilidade. Palavras-chave: sustentabilidade; estratégia; gestão. Abstract The present work aims to assess the perception of managers from a industry of the food and drinks sector, about the sustainability and it’s relationship in the 1 Mestranda em Administração pela formulation of strategies to the company, aiming to check whether the company UFSM. Gestora de Marketing. Santa makes use of sustainable practices and whether these practices are clearly defined Maria - Rio Grande do Sul. E-mail: in the company strategies and also the importance of the sustainability in the valeria-adm@hotmail.com perception of these managers. The concept of sustainable development has been 2 Mestranda em Administração improved in a continuous process of reassessment of the relationship between pela UFSM. Tutora do Curso de the economic and environmental dimensions and the social strategies of the Bacharelado em Administração- UFSM. Caxias do Sul - Rio Grande do organization. To assess the perception of these managers, it was used the Tachizawa Sul. E-mail: uiara.menezes@gmail. conceptual model, which proposes a model of environmental management com and social responsibility which takes into account the strategic design of an 3 Mestranda em Administração pela organization. As a result of this study, which aims to establish a relation between UFSM. Santa Maria - Rio Grande do the sustainable practices and the strategic management of the organization, it is Sul. E-mail: elietepalma-rs@ibest. possible to confirm that the organization did not link the two aspects, since the com.br social actions do not seek to bring any improvement to the business performance. 4 Doutora em Administração pela Regarding to the managers perception, they present themselves scattered about UFSC. Professora do Departamento de Administração da UFSM. Santa concepts and sustainability practices. Maria - Rio Grande do Sul. E-mail: marciazg@gmail.com Keywords: sustainability; strategy; management. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010 |93
  • 98. Introdução melhoria da qualidade de vida. Nos países desen- volvidos, o debate sobre responsabilidade social No momento do surgimento das organi- e sustentabilidade toma importância, na medida zações elas foram vistas como organismos que em que parece surgir um novo paradigma das promoviam ações sociais, já que ao se instala- relações empresariais. No Brasil, embora o tema rem, geravam empregos, moviam a economia e esteja em discussão, à mudança do empresariado dinamizavam relações entre outras empresas. No ainda é bastante reduzida. O que mostra que o entanto, com o passar do tempo, tais aspectos tema precisa ser muito mais estudado para que passaram a ser vistos como parte das obrigações existam bases sólidas a respeito de conceitos, mínimas de uma organização e não como mani- teorias, percepções e práticas. festações da consciência social por parte da gestão Como ainda não existe o consenso a respeito da empresa. da utilização de uma nomenclatura única que re- Mudanças profundas, tais como a preocupa- presente questões como governança corporativa, ção com a qualidade de vida dos colaboradores, sustentabilidade, responsabilidade social, respon- clientes, consumidores, a tecnologia ligada ao sabilidade socioambiental, responsabilidade cor- aperfeiçoamento de produtos e redução de im- porativa e sabe-se que existe complementaridade pactos ambientais, alteraram o foco estratégico entre eles, para fins de compreensão deste tema das empresas. Para melhorar a sua competitivida- que será abordado ao longo do artigo utilizar-se- de as empresas podem desenvolver um modelo -á o conceito de sustentabilidade proposto por integrativo de gestão e práticas que relacione as Elkington (1998) que se refere à interação das áreas, processos e stakeholders num contexto esferas social, ambiental e econômica. sustentável. Dessa forma, o presente artigo visa conhecer a A concepção de que é responsabilidade percepção dos gestores de uma indústria do setor somente da empresa apoiar o desenvolvimento de alimentos e bebidas, quanto à sustentabilidade da comunidade e preservar o meio ambiente não e qual sua relação na formulação de estratégias da é mais suficiente para atribuir a uma empresa a empresa, com o objetivo de verificar se a empresa condição de socialmente responsável. É necessário faz uso de práticas sustentáveis e se estas estão investir no bem estar dos seus funcionários e num claramente definidas nas estratégias; e qual sua ambiente de trabalho saudável, além de promover importância na percepção dos gestores. comunicações transparentes, dar retorno aos Para tanto, o artigo esta estruturado em acionistas, assegurar sinergia com seus parceiros seis seções, a primeira seção é a introdução, a e garantir a satisfação dos seus clientes e/ou segunda aborda as associações e diferenças en- consumidores (MELO NETO; FROES, 1999). tre estratégias e planejamento, a terceira trata Nesses termos uma empresa socialmente de definir sustentabilidade e estratégia, a quarta responsável é aquela pautada por uma política seção aborda a metodologia baseada no modelo institucional firme, ética, dinâmica e empreende- conceitual de Tachisawa, que propõe um modelo dora. É aquela que, com criatividade, gerencia e de gestão ambiental e responsabilidade social contribui com projetos sociais bem administrados, que leva em conta o delineamento estratégico atuando ao lado de entidades da sociedade civil e de uma organização; a quinta seção apresenta do poder público, na busca de alternativas para a os resultados subdivididos em caracterização da 94 |
  • 99. Revista da FAE empresa e influência das práticas sustentáveis na que seguem um curso de ações previamente de- percepção dos gestores e a última seção refere-se terminadas (pretendidas), como também um curso às conclusões. de ações não previstas (emergentes), originadas ao longo do tempo. Os planos que conseguem combinar a mistura destas estratégias refletindo 1 Planejamento estratégico e as condições existentes serão mais eficazes em prever e reagir a eventos inesperados. A percepção estratégia de complexidade do sistema organizacional nos leva a reflexão de Capra (2002) afirmando que O planejamento de longo prazo foi uma no mundo vivo existem dois tipos de estruturas, ferramenta desenvolvida nos Estados Unidos a as planejadas e as emergentes, que também são partir da década de 50 (ALDAY, 2000), mas foi na indispensáveis para uma organização. As estru- metade dos anos 60 que Igor Ansoff introduziu a turas planejadas que são as bases formais da metodologia do planejamento estratégico. Kotler organização, compostas dos documentos oficiais, (1997) defende a utilização do planejamento proporcionam regras e rotinas, necessárias para estratégico e conceitua como uma metodologia seu correto funcionamento e proporcionam a gerencial que proporciona o estabelecimento da otimização dos processos de produção e venda, direção a ser seguida pela organização, além de produzindo estabilidade organizacional, e as es- visar maior interação com o ambiente. Mintzberg truturas emergentes (não planejadas) incitam a (2004, p.34) na análise das várias respostas sobre novidade, flexibilidade e criatividade. o que é planejamento, defende os argumentos levantados por Mariann Jelinek, que a formalização Seguindo a abordagem de Mintzberg (2004) do planejamento é uma forma “de criar e também a estratégia como plano, também pode ser um operacionalizar a estratégia”. pretexto, uma manobra específica para desconser- tar um concorrente, configurando uma ameaça e Segundo Oliveira, Terence e Escrivão Filho não uma estratégia real. Estratégia como posição (2008, p.2) “o modelo racional do processo de é a definição de determinados produtos em deter- criação de estratégia está fortemente relacionado minados mercados, ou seja, “nicho” de atuação com o sistema de planejamento estratégico” e da empresa, e estratégia como perspectiva é a afirmam que mesmo após três décadas continua maneira como a organização faz as coisas. sendo uma ferramenta amplamente utilizada Segundo Porter (1986) estratégia competitiva pelas empresas. Mintzberg, Ahlstrand e Lampel significa ser diferente criando um conjunto de ati- (2006) inferem que a formulação da estratégia vidades diferentes para integrar um mix único de se trata de um processo formal e afirmam que valores, ou seja, ocupar uma posição não explora- os planos são desenvolvidos para que não haja da. Essas posições surgem de três fontes distintas flexibilidade, devendo, assim, estabelecer direções (custo, diferenciação e enfoque) que definem que claras, propor estabilidade e equilíbrio para a tipo de vantagem a empresa quer alcançar. A cria- organização. ção e escolha de um posicionamento estratégico Para Mintzberg (2004), estratégia está emba- dependem da eficácia operacional, capacidade de sada em cinco conceitos (5 Ps da estratégia): como ajustes estratégicos e um planejamento de longo plano, padrão, pretexto, posição e perspectiva. Es- prazo, para garantir uma vantagem competitiva tratégia como planos desenvolvidos para o futuro, e sustentabilidade empresarial. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010 |95
  • 100. A integração das estratégias organizacionais 2 Sustentabilidade e estratégia com o ambiente em que a empresa está inseri- da se torna um desafio que pode ser atenuado Nos conceitos sobre a sustentabilidade ou com a administração estratégica, sendo definida responsabilidade social empresarial (RSE) ainda como “um processo contínuo e interativo que não há consenso. Diversos autores a relacionam visa manter uma organização como um conjunto com as responsabilidades legais, com filantropia, apropriadamente integrado ao seu ambiente” com ética e transparência. O Instituto Ethos a (ALDAY, 2000, p.13). O que também se reflete em define como uma forma de gestão que pautada todo o comportamento organizacional através pela relação ética e transparente da empresa com do comportamento estratégico, que é definido todos os públicos com os quais ela se relaciona por Ansoff (1983, p.16) como um “processo de em busca do desenvolvimento sustentável da interação com o ambiente acompanhado de um sociedade, através da preservação de recursos processo de promover a modificação das configu- ambientais e culturais e respeito à diversidade. rações e dos aspectos internos dinâmicos”. Com Porém o entendimento de sustentabilidade essa visualização dinâmica e altamente compe- não se resume somente ao contexto social, pois titiva da formulação estratégica e utilização da o objetivo de uma empresa é a obtenção de lucro ferramenta de planejamento torna-se mais fácil e o retorno aos seus acionistas. Dessa forma para a organização entender todas as mudanças, a utilização estratégica desses conceitos pode sendo uma empresa que acompanha as transfor- proporcionar vantagens às organizações frente mações, baseia suas ações nessas transformações aos seus concorrentes, em forma de diferenciação percebidas ou propõe inovações ao meio. ou até mesmo em redução de custos. A inserção da sustentabilidade dentro das Bowen (1953) foi o primeiro autor a publicar estratégias da organização pode ocorrer de duas sobre o tema. Ele afirma que os objetivos da in- formas, ou seja, a organização pode executar dústria e da sociedade precisam estar alinhados, ações que se referem à responsabilidade social de forma que as empresas estejam a serviço da e ambiental de maneira pouco organizada ou sociedade. Ao contrário do proposto por Bowen, planejada, apenas visando à prática da ação, ou Friedman (1970) afirma que as empresas apresen- ainda pode formular estratégias sustentáveis e tam somente a responsabilidade da maximização incorporá-las aos objetivos da organização de do lucro dos proprietários e acionistas. De maneira forma que afetem o andamento e os resultados da que a utilização de recursos organizacionais para mesma. A organização pode, por exemplo, lançar outros fins, resultaria em uma interrupção da efi- uma linha de produtos “verdes”, ou desenvolver ciência da economia da organização, pois reflete um novo segmento que não maltrate o meio em um “imposto ilegal”, na visão do autor.A partir ambiente, criar uma vinculação responsável a desta visão global do comportamento destes ele- sua marca ou ainda alterar valores internos que mentos, pode-se verificar o quanto as ações das fiquem externados ao consumidor. O sucesso de empresas refletem na sociedade, na economia e estratégias depende de se fazer bem várias coisas no meio ambiente, de maneira que atualmente e da integração entre elas, possibilitando ajustes são percebidos muitos reflexos do sistema de estratégicos, para que a organização cria um produção desenfreada em que se encontravam e diferencial competitivo e sustentável. se encontram muitas empresas. 96 |
  • 101. Revista da FAE Em consequência da necessidade de inter- Na perspectiva econômica tem-se a preservação pretação das relações que surgem a partir da da lucratividade da organização e o não com- interação dos diversos ambientes, surge um novo prometimento do desenvolvimento econômico paradigma, o paradigma da sustentabilidade, da mesma. E por fim a esfera social, que inclui a que é proposto por Tachizawa (2005) e engloba questão da justiça social, onde o objetivo maior as mudanças que têm ocorrido no mundo e nas é o desenvolvimento de um mundo mais justo, através das relações com todos os stakeholders relações entre as organizações e seus stakeholders, (colaboradores, clientes, fornecedores, governo). referente ao reflexo dos padrões de crescimento econômico desenfreado, sem considerar os demais Sachs (1986) entende que o equilíbrio entre aspectos da sociedade. Esse paradigma é caracte- crescimento econômico, equidade social e cui- rizado por um novo modo de administrar, através dado ecológico, gera maior poder de efetivar as de uma consciência sustentável. As organizações estratégias de desenvolvimento. Mas conclui que passam a incluir em seus objetivos, a gestão am- a sustentabilidade vai além das três dimensões biental e a responsabilidade social, indo além do mencionadas (SACHS, 2002), pois considera ainda simples cumprimento da legislação, pois resultam a questão cultural, territorial, política nacional e em uma mudança na cultura e valores organiza- política internacional. cionais, transformando esse novo conceito em um Outros autores ainda debatem sobre a abran- critério de desenvolvimento dos negócios e uma gência da sustentabilidade e quais as verdadeiras oportunidade que pode ser aproveitada para criar responsabilidades das organizações. Os temas que ou sustentar um diferencial competitivo. são mais relacionados à sustentabilidade são fi- lantropia, ética, cumprimento da legislação, lucro, Ashley (2002) propõe, para a inserção dessas transparência com stakeholders, cuidado com o mudanças de valores e cultura, um modelo de meio ambiente e atenção à sociedade, explorando interação de quatro dimensões organizacionais, os conceitos com foco mais nas ações praticadas que são: as relações de produção e distribuição e seus beneficiários. interna; as relações econômicas, objeto e meio Srour (1998) considera que uma empresa de negócio (Core Business); as relações político- socialmente responsável, desenvolve produtos de sociais; e de tempo e espaço, denominado por qualidade com preços competitivos, investindo ela como Modelo Relacional Multidimensional em pesquisa tecnológica de processos e produtos, para a Responsabilidade Social nos Negócios com a preocupação na preservação ambiental, (RMRSN). Essas dimensões se relacionam de forma sem esquecer o investimento no desenvolvimento multidimensional, sistêmica e interdependente. profissional dos trabalhadores e também em me- A sustentabilidade tem sido discutida tanto lhores condições de trabalho e benefícios sociais. na comunidade empresarial como acadêmica, e Ele identifica três beneficiários das ações da em- ainda não apresenta um conceito completamente presa, além de seus clientes: a comunidade, o meio definido. O conceito, desenvolvido por Elkington ambiente e o trabalhador, seja ele empregado da (1998), sobre o Triple Bottom Line, se refere às própria empresa, terceirizado ou temporário. esferas social, ambiental e econômica. Na esfera Na concepção de Oliveira (1984) são acres- ambiental, ressalta-se a utilização dos recursos centados outros grupos de beneficiários: os acio- de forma a não prejudicar as gerações futuras, nistas, sócios ou proprietários. Carrigan e Attalla reduzindo impactos da ação das indústrias e uti- (2001) identificam que existem divergências entre lizando de forma sustentável os recursos naturais. o interesse dos acionistas, sócios ou proprietários Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010 |97
  • 102. que visam à maximização do lucro, e o interesse retrata a aceitação das operações da empresa pe- dos demais grupos, gerando uma contradição los stakeholders. Por último a reputação, que liga para a empresa ao tentar atender às diferentes a RSC à imagem da organização, fortalecimento da expectativas de todos os seus stakeholders. marca e valorização das ações. Os autores defen- Mintzberg (1983) afirma que uma das gran- dem que as questões de responsabilidade social, des dificuldades para uma empresa ser social- sendo visualizadas de forma estratégica, tendem mente responsável, não apenas no papel, mas de a proporcionar grande avanço social, porque a fato, é sua estrutura e sistema de funcionamento. organização aplica seus recursos em questões Uma empresa, explica o autor, tem a natureza de que a sociedade necessita. Com esta mesma visão perseguir objetivos econômicos. Estes objetivos alguns autores inferem a necessidade da inclusão econômicos são definidos pela alta gestão e são da variável sustentabilidade ao planejamento es- propagados hierarquia abaixo, de forma que tratégico como Nascimento, Lemos e Mello (2008) permita aos trabalhadores realizarem tarefas al- e Tachizawa (2005). tamente formais de acordo com os preceitos da Outros estudos atentam para os efeitos da divisão do trabalho. Para assegurar que as tarefas sustentabilidade, no que se refere às atitudes de sejam cumpridas o sistema prevê várias formas de colaboradores e consumidores. Quanto ao com- controles formais para que as pessoas não se des- portamento dos colaboradores, Melo Neto e Froes viem dos objetivos econômicos. Arlow e Gannon1 (2001) argumentam que ações de sustentabilidade (1982 apud MOSTARDEIRO; FERREIRA, 2005) aumentam a produtividade no trabalho, motivam entendem que as empresas buscam formalizar e melhoram a auto-estima dos mesmos, impac- a inserção da sustentabilidade em sua estrutura, tando positivamente na sua qualidade de vida. porém este é um processo que pode levar anos, Quanto ao comportamento do consumidor, uma devido a questões como falhas e revisões na sua pesquisa merece destaque, a conduzida por Brown implementação e que efetivamente atendam às e Dacin (1997) que busca fazer uma correlação questões sociais. positiva entre preferência dos consumidores pelos Porter e Kramer (2006) utilizam o termo res- produtos das empresas e suas práticas sustentá- ponsabilidade social corporativa (RSC) e voltam às veis, não associando aos atributos de qualidade de atenções da questão da RSC para um foco mais seus produtos, porém identificando a construção estratégico. Afirmam que existem quatro princi- de uma avaliação mais favorável por parte dos pais argumentos que motivam a adoção de uma consumidores. A motivação das empresas, além gestão voltada para a RSC nas organizações. São do cumprimento das obrigações sociais impostas eles o apelo ou dever moral, a sustentabilidade, a pela lei, também pode ser proveniente da questão licença para operar e a reputação. O dever moral da sustentabilidade pautada em ações éticas e se relaciona com “fazer a coisa certa”, ou seja, a filantrópicas (OLIVEIRA, 1984). organização precisa agir conforme valores consi- derados corretos pela sociedade. A sustentabili- Em face da identificação desses conceitos e dade se traduz na eficiência operacional de forma constatações, a capacidade de inovação tecnoló- que não se comprometa os recursos existentes gica, capacidade produtiva e certificados de qua- para as gerações futuras. A “licença para operar” lidade não bastam como diferencial competitivo, e as empresas começam a enxergar a necessidade de uma participação mais direta em assuntos que, 1 ARLOW, Peter; GANNON, Martin. Social responsiveness, corporate structure, and economic performance. Academy of Management até então, não faziam parte do interesse dos negó- Review, v.7, n.2, p.235-241, 1982. cios. Esses desafios associados à sustentabilidade 98 |
  • 103. Revista da FAE podem ajudar as empresas a identificar estraté- influências das práticas sustentáveis. Para Triviños gias e práticas que resultem em maior valor aos (1987) a entrevista semi-estruturada, em geral, acionistas e contribuam, simultaneamente, para é aquela que parte de alguns questionamentos um mundo mais sustentável. básicos, aparados em teorias e hipóteses que inte- ressam à pesquisa, e que fornecem amplo campo de questionamentos, fruto de novas hipóteses que vão surgindo, à medida que se recebe as respostas 3 Metodologia do entrevistado. Desta maneira, o entrevistado, seguindo a linha de seu pensamento e de suas O presente estudo pretende analisar a per- experiências dentro do foco de pesquisa, começa a cepção dos gestores de uma indústria de bebidas participar na elaboração do conteúdo da pesquisa. santamariense sobre a sustentabilidade e a influ- Na visão de Minayo e Sanches (1993) a entre- ência das práticas sustentáveis na formulação das vista é a palavra na forma da fala cotidiana que estratégias. A escolha da empresa foi intencional, se torna uma revelação das condições estruturais, baseada em seu histórico de atuação em projetos de sistemas de valores, normas e símbolos e ainda de cunho social na cidade de Santa Maria. possui a magia de transmitir, através do entrevista- A pesquisa caracteriza-se como uma investi- do, as representações de grupos determinados em gação de natureza qualitativa, através do método condições históricas, sócio-econômicas e culturais de estudo de caso, utilizando como instrumento específicas. Desta forma, através do estudo de de coleta de dados entrevistas semi-estruturadas caso, que conforme Yin (2001) pode ser utilizado com perguntas abertas, não obedecendo a uma quando o foco é um fenômeno contemporâneo estrutura formal preestabelecida, mas utilizando dentro de um contexto da vida real, foi possível um roteiro onde o pesquisador pôde tomar por identificar as visões que cada um dos entrevista- base o comportamento do entrevistado e ques- dos apresenta sobre o tema estudado.O estudo tionar o respondente quanto às modificações buscou identificar e explicar os efeitos da implan- decorrentes da inserção de práticas sustentáveis tação de práticas sustentáveis na formulação das nas estratégias organização. As entrevistas foram estratégias empresariais e para tanto, foi utilizado realizadas individualmente com seis gestores. um modelo analítico conceitual para investigar a Para melhor compreensão acerca das informa- influência da adoção de estratégias sustentáveis ções dispostas pelos entrevistados optou-se por em empresas regionais que adotam esta política. identificá-los pelas áreas de atuação de cada um Tachizawa (2005) propõe um modelo de e criar uma sigla para referenciá-los. G1,gerente gestão ambiental e responsabilidade social que de recursos humanos; G2, diretor- presidente da leva em conta o delineamento estratégico de organização; G3, gerente de marketing; G4, geren- uma organização, considerando a existência de te de T.I. (Tecnologia de Informação); G5, gerente estratégias genéricas (do setor) e estratégias es- financeiro e responsável pela controladoria e o pecíficas (da organização), consequentemente, G6, gerente de vendas. estratégias sociais e ambientais. Deste conjunto Para compreender o padrão de mudanças es- há a formulação de estratégias próprias de cada tratégicas, sejam estas incrementais ou quânticas organização. O modelo da Figura 1 retrata a or- (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2006) as per- ganização inserida no ambiente em que opera guntas formuladas buscaram identificar aspectos e ilustra a influência e a interação das variáveis observáveis que pudessem caracterizar a visão dos ambientais com os seus diferentes stakeholders. O gestores da empresa em relação às estratégias e autor ainda ressalta a importância dessa interação, Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010 |99
  • 104. pois as organizações, que são caracterizadas por QUADRO 01- ASPECTOS AVALIADOS A PARTIR DO relações complexas, necessitam de “esquemas MODELO CONCEITUAL classificatórios” (TACHIZAWA, 2005, p.112) que Aspectos • Impactos do processo produtivo da expressem essa complexidade. Além disso, existe a ambientais empresa no meio ambiente, considerando todos os impactos tanto do processo necessidade de adaptação do modelo aos diversos industrial como de divulgação, transporte tipos de organização, já que, através do exposto etc., que possam prejudicar o meio pelo autor ambiente e a qualidade de vida da sociedade. cada empresa precisa determinar suas exigências • Programas ambientais ou de proteção de estratégia social e ambiental, usando a referida ambiental desenvolvidos pela organização classificação como uma possibilidade de orientação a e praticados pela mesma interna e sua determinação (TACHIZAWA, 2005, p.113). externamente, que visam à proteção e/ou redução dos impactos ambientais. Não existindo uma única forma de gestão Aspectos • Inserção dos aspectos de preocupação sustentável, pois cada decisão é “fruto das esco- sociais social (bem-estar da sociedade, qualidade lhas dos gestores e suas interações organização de vida do colaborador e incentivo à versus ambiente” (TACHIZAWA, 2005, p.113). participação dos colaboradores em projetos sociais e ambientais) e ambiental FIGURA 01 - MODELO CONCEITUAL DA PESQUISA (proteção do ambiente) na cultura interna da organização, visando à construção de Variáveis ambientais Stakeholders uma consciência sustentável. Aspectos • Investimentos em práticas sustentáveis, econômicos considerando a aplicação e realocação Decisões estratégicas: Indicadores de negócio de recursos e pessoas em projetos - objetivo corporativos - estratégias genéricas sustentáveis e o quanto isso impactou no orçamento organizacional. • Economia interna, enfocando nos Indicadores consumo de insumos, matérias-primas, Decisões ambientais sociais: ambientais - projetos ambientais e sociais energia, reaproveitamentos, re-trabalho, - ptojetos de resposabilidade social entre outros aspectos Aspectos • Inserção de práticas sustentáveis no Estratégicos planejamento e estratégias já existentes; • Impactos e mudanças surgidas a partir Cadeia produtiva Processos produtivos do uso de práticas sustentáveis dentro da Clientes Fornecedores Processos de apoio organização; • Divulgação interna e externa das práticas FONTE: Tachisawa (2005) sustentáveis da organização; • Resultados que a organização espera com o uso das práticas sustentáveis e os tipos de resultados que foram obtidos; Considerando as decisões socioambientais, • Imposição e influência externa que levam que se referem aos projetos sociais e ambientais, a organização a focar em uma postura e as decisões estratégicas, que se baseiam nos sustentável através da adoção de práticas sustentáveis; objetivos organizacionais e estratégias genéricas, • Inovações surgidas a partir do uso das foi possível identificar, através da análise do mo- práticas sustentáveis delo proposto por Tachizawa (2005) e do conceito FONTE: Tachizawa (2005) do triple bottom line, sobre a interação das três dimensões da sustentabilidade; social, ambiental e econômica, e estratégia, visualizados no quadro abaixo, estão os quatro aspectos analisados. 100 |
  • 105. Revista da FAE 4 Análise dos resultados 4.2 A influência das práticas sustentáveis na percepção dos gestores Os resultados da pesquisa estão organizados A partir das entrevistas realizadas com os em duas seções: a caracterização da empresa e a dirigentes da empresa estudada foi possível iden- influência das práticas sustentáveis na percepção tificar a compreensão das práticas sustentáveis, dos gestores. através de suas experiências dentro da organi- zação. Os resultados destas discussões foram sumarizados nas seguintes categorias de análise: 4.1 Caracterização da empresa influência externa na adoção das práticas susten- táveis; influência das ações de sustentabilidade nas A empresa estudada é fabricante de bebidas, decisões organizacionais e influência na cultura. como refrigerantes, sucos, água mineral e chás de uma marca multinacional e está situada na região central do Rio Grande do Sul. Com produ- 4.2.1 Influência Externa nas Decisões sobre ção anual de 400 milhões de litros de bebidas nas Sustentabilidade embalagens de vidro, pet e lata, distribui para as A principal motivação da organização em regiões do centro e oeste do Estado. Apresenta desenvolver programas sustentáveis foi à solicita- uma equipe de vendas que atua em 200 cidades ção dos acionistas, que sentiram a necessidade da do Rio Grande do Sul, e abastece cerca 16.000 organização estar mais próxima da comunidade e pontos de venda. Iniciou suas atividades há 25 agir proativamente frente aos acontecimentos e anos e atualmente conta com aproximadamente projetos locais, em busca do desenvolvimento des- 500 funcionários. ta comunidade. Essa assertiva pode ser conferida A empresa desenvolve vários programas na colocação do G2: [...] nós tomamos algumas decisões baseadas pelas intenções dos acionistas ambientais interna e externamente, publica seu em interagir com a comunidade, de se relacionar balanço social periodicamente e mantém um pro- mais fortemente com a comunidade e de manter grama social criado há sete anos em que são rea- um elo com essa comunidade. lizadas atividades a fim de auxiliar e desenvolver Outro motivador foi a construção de uma organizações. Tem sido pioneira no atendimento imagem positiva, pois o mercado tem valorizado das novas imposições legais onde os aspectos de as organizações voltadas para a preservação do sustentabilidade são abordados, como a digitali- ambiente e sociedade. O G4 assim se posiciona zação de toda a documentação fiscal, reduzindo quando questionado sobre quais as intenções da substancialmente o consumo de papel, coleta organização com as práticas de sustentabilidade: seletiva de lixo, método exclusivo para consumo [...] para melhorar a imagem empresa, pois a de energia, entre outras ações desta ordem, con- empresa não se sustenta sem uma boa imagem. tribuindo para criação de uma cultura sustentável Essa preocupação é compartilhada com a mul- entre seus colaboradores e melhorando a quali- tinacional, detentora da marca, o que vêm con- dade de vida dos colaboradores e comunidade. tribuindo para que a empresa insira no seu mix, produtos como sucos e chás, que são percebidos como produtos naturais e saudáveis. Somado a Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010 |101
  • 106. projetos e campanhas institucionais com apelo 4.2.2 Influência das Ações de Sustentabilidade social e ambiental bancados pela multinacional. nas Decisões Organizacionais Incentivo da empresa quanto as práticas sus- Os entrevistados demonstraram através de tentáveis dos seus colaboradores fora da empresa, suas falas a preocupação da organização em rela- através do reconhecimento da organização através ção à apresentação de ações e resultados do uso de um programa de premiação, fica claro na visão de práticas sustentáveis perante a comunidade. do G2 quando: Então temos aí uma oportunidade, Para o G3 a organização inseriu em seus planos o que é uma forma de valorizar as pessoas que fa- desenvolvimento, como uma das formas de estar zem trabalho voluntário e interagir positivamente em contato e promovendo a melhoria para so- com a sociedade, para nós valorizarmos ela aqui ciedade, através do apoio a eventos e programas dentro. O que se traduz em uma estratégia para que seria [...] uma contribuição pra fomentar o engajar ainda mais seus funcionários nas questões empreendedorismo na cidade, [...] Está muito claro de conscientização da sustentabilidade. pra nós a questão da sustentabilidade [...]. O G6 Percepção que as práticas sustentáveis para corrobora com essa idéia [...] Hoje nós estamos reduzir os impactos ambientais trazem economia contribuindo de forma direta ou indireta através de recursos. Porém sobre as atividades desenvol- da realização de uma série de eventos, que fazem vidas em âmbito social não há mensuração, pois com a proximidade com a comunidade seja per- a empresa não apresenta indicadores suficientes, cebida como algo muito forte. Então sem dúvida conforme G2: Nós não encontramos o formato nenhuma, refletem em uma imagem positiva nos certo e a medida certa. Na origem nós queríamos nossos negócios. encontrar o projeto que desse maior retorno para A empresa tem a preocupação de promover cada real investido, mas é uma dinâmica que não é eventos que agreguem valor a comunidade, pois, fácil. Sobre as atividades sociais internas, focadas segundo o G3: [...] nos preocupamos em ajudar, para os funcionários, foi possível verificar que há o em desenvolver, e quando falo em ajudar e desen- entendimento, por parte dos gestores, de que os volver não só dar dinheiro, mas ver se ele é bem aplicado e acho que é isso que o Programa Social da funcionários percebem esse esforço organizacio- organização faz, tem esse foco [...] dá pra aquelas nal que se reflete em pesquisa de clima, conforme instituições que querem e que se preparam pra colocação do G1: interferem tanto no público poder receber recursos e aplicar isso bem [...] interno e externo, tanto nas pesquisas de clima, como nas pesquisas de satisfação com clientes. Este interesse no tipo de resultado esperado é reforçado pelo G5 [...] existe a compreensão A inversão da forma de elaboração do pla- da participação da organização em programas nejamento estratégico que era feito de cima para sociais [...] quem mais ganha com a participação baixo, partindo dos interesses dos acionistas, para da organização em projetos sociais é a sociedade a elaboração de baixo para cima também incorre como um todo. Mesmo partindo de uma visão em na mudança de visão que os gestores têm do bastante filantrópica, a empresa pode ser conside- negócio, pois há maior envolvimento dos colabo- rada como uma organização inovadora, pois não radores da organização e melhora a comunicação foram encontrados programas ligados às questões interna das decisões. sustentáveis, desenvolvidos por outras empresas do mesmo ramo e com o mesmo objetivo. 102 |
  • 107. Revista da FAE A preocupação ambiental surge a princí- tange a refrigeração [...], temos assim, um contro- pio como uma imposição legal, da matriz e da le inteligente de energia, que tem um sensor de sociedade. A organização passou a desenvolver presença, que após o fechamento do estabeleci- programas, alguns vinculados a matriz e outros mento, a geladeira passa a não ser tanto aberta, desenvolvidos dentro da organização com a ele lê que o estabelecimento está fechado e passa idéia de disseminar uma cultura sustentável, mas a consumir menos energia. Foi um sistema que a percebe-se uma preocupação muito maior em matriz desenvolveu com os fabricantes, e então ações de “ajuda social” do que de inserção dentro por um tempo temos a exclusividade nisso [...] da cultura organizacional ou inserção estratégica. Conforme o G2 as questões ligadas ao O G1 demonstra a influência da matriz investimento, mensuração e retorno dos programas quando diz que [...] trabalhamos dentro de uma sociais ainda são uma incógnita, apesar de haver plataforma da matriz, com proposta saudável plano de investimentos, é tudo encarado como um e sustentável, que procura colocar a empresa, investimento, sem projeções de retorno, além da mostrando a nossa responsabilidade com o imagem ética e responsável perante a sociedade, planeta. claro que pequenas economias de energia, água e De acordo com o G3 a questão ambiental outros materiais são mencionados [...] queríamos era primeiramente vista como cumprimento encontrar o projeto que desse maior retorno para de normas legais e de certificação [...] olhando cada real investido, mas é uma dinâmica que não pela parte ambiental, tem toda certificação ISO é fácil. Não é fácil traduzir tudo nesse objetivo [...] 14001 que prega toda essa gestão ambiental [...] O G3 reforça essa dificuldade ao afirmar somado a [...] preocupação com vários indicadores que [...] os ganhos, a gente entra num campo ambientais seja, tratamento da água, consumo de subjetivo, de difícil mensuração, ao cuidar da energia, redução de gases, manejo de resíduos. água, da energia [...] Com o cumprimento das normas e imposições Destacando-se desta forma que a mensuração legais e com a emergente demanda por empresas do retorno para esses investimentos em ações sus- ecologicamente corretas, a organização buscou tentáveis não são tão relevantes para a organiza- apoiar alguns programas e desenvolveu algumas ção que considera isso um investimento necessário ações internas para reduzir os impactos provocados e não ações inseridas na cultura organizacional. por seus produtos na natureza e na sociedade. Sabe-se que o retorno dos investimentos O G3 destaca programas de reciclagem e em sustentabilidade são de longo prazo em sua um grupo chamado ECO que trabalha questões maioria, como mudança de hábitos, economia de ambientais [...] temos o programa de reciclagem, recursos, tempo, dinheiro, preocupação com uma [...] pra que seja encaminhada pra um destino realidade sustentável, que garanta a sobrevivência correto de manejo desses resíduos. das futuras gerações, etc., no entanto muito pode A matriz multinacional desta organização, ser mensurado, apesar disso, nota-se ainda nessa buscando redução de impactos e custos que questão uma despreocupação da organização refletem em economia de recursos, desenvol- pelo fato de se tratar de uma questão dissociada veu um sistema inovador ligado diretamente á dos planos estratégicos e sim por se tratar de preocupação sustentável, conforme G3 [...] uma uma questão necessária, mas muito vinculada à preocupação agora, nos investimentos no que filantropia organizacional. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010 |103
  • 108. 4.2.3 Influência na Cultura No entanto, percebeu-se que quando se trata da visão objetiva da organização sobre o papel da As empresas começam a desenvolver uma sustentabilidade fica claro que dentro da cultura cultura própria no que diz respeito à sustentabi- da organização predomina a visão do G2 [...] Eu lidade, baseadas em sua própria forma de gestão, não enxergo uma organização, com fins lucrativos, objetivos e compreensão do tema. fazendo atividade socioambiental se ela não tem A cultura da organização pesquisada está pas- o seu maior objetivo a sobrevivência, participação sando por transformações no sentido da inclusão de mercado, ganho de mercado e de lucratividade. de valores e idéias novas, inclusive, no que tange Porque se a visão socioambiental cresce mais que a participação dos colaboradores na elaboração a empresa, isso pode acabar engolindo a empresa dos planos, como pode ser percebido através e, acabando com a empresa, vai ‘acabar’ acabando dos trechos dos entrevistados: O G5 afirma que a com o retorno social. Então a visão empresarial de participação de um mediador externo já faz parte lucro e resultado é a visão que capacita a organiza- da cultura da organização [...] o planejamento ção para poder dar mais retorno. E o maior retorno ocorre com auxílio de um facilitador externo, que social que uma empresa pode dar é o imposto. faz a mediação e a coordenação das atividades, Mais um fato que demonstra isso é quando e houveram mudanças na formulação dos planos se percebe que o fator econômico é quase irrele- estratégicos que possibilitaram a participação das vante quando se fala de sustentabilidade dentro equipes dos setores [...], e o G2 [...] nós invertemos da empresa, pois como não consideram uma fonte os fluxos em um planejamento de baixo para cima. de retorno ou como algo agregado a natureza Estamos concluindo uma primeira fase de busca estratégica da empresa o fator econômico passa de dados de fechamento de um planejamento a ser irrelevante, assim como a mensuração do com toda a equipe de gestores e coordenadores. quanto às práticas e mudanças nesse sentido podem afetar o negócio. Em relação aos novos valores e idéias, estão as questões sustentáveis. O G4 propõe uma visão Uma mudança que seja profunda a ponto de sustentável e estratégica [...] a responsabilidade alterar aspectos da cultura é difícil, como destaca sócio-ambiental, tem que fazer parte do negócio, o G3 [...] acho que não é natural, e digo que não assim como o negócio da empresa que é desen- é natural em nenhuma empresa, mas quando é de volver e sustentar marcas de valor [...] cima pra baixo todos acabam se engajando nessa causa [...] como todo mundo fala disso, acaba Inicialmente a proposta de mudanças den- incorporando e a gente vê como necessidade de tro dos valores organizacionais seria incluir esses fazer melhor com menos impacto [...] valores e ações sustentáveis com intenção de A questão sustentável está sendo desen- maior interação com a comunidade e melhoria da volvida dentro da organização a partir da visão imagem da empresa e do produto, como afirma de seus gestores, conforme alguns é bastante o G2 [...] dentro desse processo de planejamento ampla e envolve os pilares da sustentabilidade e socioambiental nós já, desde o primeiro plane- desenvolvimento e, para outros refere-se a ações jamento, tomamos algumas decisões baseadas filantrópicas e legais, pela emergência do tema pelas intenções dos acionistas em interagir com e pela diversidade de compreensão do mesmo a comunidade. pode-se dizer que a cultura da organização está 104 |
  • 109. Revista da FAE em formação no que se refere ao mesmo. Essa forma, vemos pessoas físicas se agrupando pra ter construção aparece nas declarações do G2, [...] projetos que eles tocam, porque enxergam que o Programa Social entrou como processo da podem fazer alguma coisa, isso toca as pessoas e mudança da cultura de gestão das organizações eles percebem que podem fazer alguma coisas, um sociais, e G3: [...] como praticante do conceito grupo começa e depois outro. Segundo o G6 [...] socioambiental, precisa ser correto, no sentido de o RH, tem várias ações e campanhas que fazem ética para recolhimento de tributos, trate bem os com que as pessoas ao participar dessas atividades funcionários, competição ética [...] aumentem o grau de consciência em relação a essa As mudanças em relação à inserção da questão da sustentabilidade.[...] várias iniciativas sustentabilidade na cultura da organização são visam melhorar a qualidade de vida das pessoas. graduais e muito delas se deve às transformações As questões sustentáveis fazem parte das da sociedade e do mercado. Conforme G1 [...], discussões internas, mas como um projeto ou pro- quando que imaginávamos que iríamos vender grama paralelo, de forma que sejam programas suco. Dentro da estrutura nova construída temos legais ou sociais a serem cumpridos e que deman- que, sustentar marcas de valor [...] A matriz é dam investimento, mas não que fazem parte dos bem interessante porque mostra bem o nosso planos estratégicos como um todo. foco, que é o mercado e como nosso produto é Uma de suas principais contribuições desta muito dinâmico, a concorrência é forte e pesada. pesquisa é a identificação de variáveis que pode- [...] agora com essa revisão do planejamento rão ser exploradas em futuros trabalhos sobre o estratégico, começamos a observar outros nichos. tema. Dessa forma, o quadro, a seguir, apresenta Esse ponto também é destacado pelo G6 [...] um resumo dos principais pontos levantados pelos a mudança se dá na sociedade como um todo. [...] gestores entrevistados, sobre as ações de susten- estamos trabalhando sistematicamente no intuito tabilidade adotadas pela organização. de fazer ações e atividades que ampliem essa ques- tão da consciência, eu não vejo dificuldade e sim um aliado, mas é um processo que vai demandar de mudanças em hábitos e comportamentos. O que vem sendo desenvolvido dentro da organização pode ser sentido pelos colaborado- res, que vão participando dessas novas propostas conforme seu entendimento e interesse inicial- mente. Novos comportamentos e atitudes são incentivados pela organização como parte da nova cultura social. G1 afirma que [...] de dentro da empresa tem os que ajudam mais, mas não é uma participação homogênea, é mais os que trazem essa cultura de casa. E a empresa também faz a sua parte, temos uma boa evolução, mas temos que trabalhar, conscientizar mais. Para G3 [...] os colaboradores vêem a empresa de outra Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010 |105
  • 110. QUADRO 02 - PRINCIPAIS ASPECTOS INFLUENCIADORES Considerações finais DA SUSTENTABILIDADE DA ORGANIZAÇÃO • Acionistas • Necessidade de criar imagem positiva A análise qualitativa das questões levantadas Influência externa • Atender às questões legais possibilitou perceber as diferenças na percepção na adoção • Campanhas institucionais do tema dos gestores, quando se trata de definir sustenta- das práticas • Economia de recursos sustentáveis • Pesquisas de clima bilidade e como esta é percebida na prática desta • Pesquisas de satisfação dos clientes organização. • Fomentar o empreendedorismo na Os gestores entrevistados compreendem a cidade • Participação em eventos importância e a necessidade da sustentabilidade • Criação de empresa para desenvolver para a organização e a encaram como inevitável Influência os programas sociais das ações de dentro da cultura organizacional. Porém, as dife- • Plataforma socioambiental da matriz sustentabilidade • Certificação ISO 14001 renças aparecem no entendimento do que vem nas decisões • Tratamento da água a ser práticas sustentáveis para a organização. A organizacionais • Redução de gases • Programa de reciclagem questão sustentabilidade aborda aspectos nos âm- • Controle inteligente de energia bitos social, econômico e ambiental e cada gestor • Os programas ocorrem paralelos às percebe com mais intensidade um, no máximo dois, estratégias • Ações sociais desvinculadas das dentre os três aspectos, o que interfere na forma estratégias como enxergam as ações da empresa, que estão • Mediador externo no planejamento dispostos de forma resumida no quadro abaixo. • Desenvolver e sustentar marcas de valor QUADRO 03 - ASPECTOS MAIS RELEVANTES NA • Maior interação com a comunidade PERCEPÇÃO DOS GESTORES • Imagem positiva da empresa Âmbitos G1 G2 G3 G4 G5 G6 • Objetivo continua sendo ganho de Social X X X mercado e lucratividade Influência na • Produzir causando menos impacto Econômico X X X X cultura ambiental Ambiental X X X • Inserção do Programa Social FONTE: Os autores • Introdução de novos produtos em novos nichos, como sucos e chás A organização desenvolve projetos na área • Mudanças de hábitos e comportamentos ambiental e social. Os projetos sociais estão em • Cultura levada pessoal para dentro fase de desenvolvimento e amadurecimento, da empresa mas não é possível verificar um alinhamento e • Ações de estímulo à participação de atividades sociais e filantrópicas interação com toda a organização e as demais FONTE: Os autores dimensões da sustentabilidade (econômica e ambiental). Esse caráter é visível principalmente nos projetos que visam filantropia. Dentro dos projetos ambientais a maior parte dos gestores percebe que existe um retorno financeiro, embora não significativo e, portanto, não há interesse em mensurar adequadamente seu retorno. Os projetos, além de cumprir as obrigações legais, visam proporcionar desenvolvimento da 106 |
  • 111. Revista da FAE comunidade como um todo, porém estes projetos lhoria de desempenho nos negócios. O que ficou são desenvolvidos paralelamente às estratégias e evidente, é que as ações sociais visam resultados planejamento estratégico da empresa. A cultura relacionados à sua imagem como propulsora de da empresa prega que o objetivo maior da empre- atividades sociais perante a comunidade, no sen- sa é a sobrevivência, ganho de mercado e lucrativi- tido de uma organização que auxilia as demais a dade, que é visto como ser sustentável, colocando se estruturarem, assim como também, fomenta o o aspecto ambiental e social em segundo plano. desenvolvimento empreendedor na cidade. Alguns gestores percebem que isto é apenas A organização tem grande interesse em de- obrigação da empresa e que sustentabilidade senvolver questões sustentáveis dentro de sua cul- inclui a manutenção dos recursos naturais e de- tura, mas sabe-se que é uma inserção gradual, que senvolvimento de ações que possam impulsionar exige mudança comportamental e de consciência e possibilitar melhor qualidade de vida à comu- dos colaboradores. No momento, a visão compar- nidade onde a empresa está inserida. Mesmo tilhada pelos gestores, é da importância do tema com esse paradoxo sobre as ações sustentáveis diante do mercado, da sociedade e do planeta, no da organização é possível verificar que a mesma entanto sua prática é basicamente centrada nos tem procurado desenvolver e compreender o que quesitos legais e atuação mais expressiva em ações é ser sustentável. sociais externas, com pouca relação estratégica Como resultado deste estudo, que busca ou visando mensuração de resultados e retornos relacionar as práticas sustentáveis e a gestão para o negócio da organização. estratégica da organização, é possível dizer que a organização não relaciona os dois aspectos, ou • Recebido em: 07/07/2010 seja, as ações sociais não visam trazer uma me- • Aprovado em: 24/09/2010 Referências ALDAY, H. E. O planejamento estratégico dentro do conceito de administração estratégica. Revista FAE, Curitiba, v.3, n.2, p.9-16, 2000. ANSOFF, I. H. Administração estratégica. São Paulo: Atlas, 1983. ASHLEY, P. A. Ética e responsabilidade social nos negócios. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. BOWEN, H. R. Social responsibilities of the businessman. New York: Harper & Row, 1953. BROWN, T.; DACIN, P. A. The company and the product: corporate associations and consumer product responses. Journal of Marketing, Chicago, Ill, v.61, p.68-84, 1997. CAPRA, F. Conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix, 2002. CARRIGAN, M.; ATTALLA, A. The myth of the ethical consumer - do ethics matter in purchase behavior? The Journal of Consumer Marketing, Bradford, GB, v.18, n.7, p.560-577, 2001. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 93-110, jul./dez. 2010 |107
  • 112. ELKINGTON, J. Cannibals with Forks: the triple bottom line of 21st century business. Gabriola Island, BC: New Sociely Publishers, 1998. FRIEDMAN, M. The social responsibility of business is to increase its profits. New York Times Magazine, New York, v.17, n.6, p.595-612, 1970. INSTITUTO ETHOS. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 18 maio 2009. KOTLER, P. Administração de marketing. São Paulo: Atlas, 1997. LINS, L. S.; MAGRINI, A.; SILVA, R. N. Integração entre a gestão ambiental e o planejamento estratégico no segmento de petróleo e gás. In: ENCONTRO DA ENANPAD, 31., 2007. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2007. MELO NETO, F.P.; FROES, C.Gestão da responsabilidade social corporativa: o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. ______. Responsabilidade social & cidadania empresarial: administração do terceiro setor. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999. MINAYO, M.; SANCHES, O. Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementaridade? Cadernos de saúde pública, Rio de Janeiro, v.9, n.3, p.239-262, 1993. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ csp/v9n3/02.pdf>. Acesso: 18 maio 2009. MINTZBERG, H. Ascenção e queda do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2004. ______. The case for corporate social responsibility, The Journal of Business Strategy, Boston, Mass., v.4, n.2, p.3-16, Mar./Apr. 1983. MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2006. MOSTARDEIRO, M. M., FERREIRA, G. C. Análise do processo de formação de estratégias de responsabilidade Social. In: 3ES, 2005. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2005. NASCIMENTO, L. F.; LEMOS, Â. D.; MELLO, M. C. Gestão socioambiental estratégica. Porto Alegre: Bookman, 2008. OLIVEIRA, J. A. Responsabilidade social em pequenas e médias empresas. Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, v.24, n.4, p.203-210, 1984. OLIVEIRA, J.; TERENCE, A.C.; ESCRIVÃO FILHO, E. Planejamento estratégico e operacional na pequena empresa: impactos da formalização no desempenho e diferenças setoriais. In: ENCONTRO DA ENANPAD, 32., 2008. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2008. PORTER, M. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. 7.ed. Rio de Janeiro: CAMPUS, 1986. PORTER, M.; KRAMER, M. Strategy & society: the link between competitive advantage and corporate 108 |
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  • 115. Revista da FAE Empreendedorismo social e sustentabilidade: um estudo de caso sobre o projeto “mulheres em ação jogando limpo com a natureza” do IFNMG Social entrepreneurship and sustainability: a study of in case on the project “women in action playing clean with the nature” of IFNMG Edson Oliveira Neves* Resumo Cezar Augusto Miranda Guedes** Kléber Carvalho dos Santos*** O presente artigo tem por objetivo analisar a evolução e importância do empreendedorismo social no atual cenário brasileiro e relatar as ações empreendedoras de um grupo organizado de mulheres da cidade de Januária- MG, protagonistas de um projeto social denominado “Mulheres em Ação: Jogando Limpo com a Natureza” desenvolvido e operacionalizado pelo IFNMG e que contribuiu para a melhoria da qualidade de vida de muitas famílias a partir do incentivo e facilitação da produção comunitária de sabão em barra caseiro, utilizando como matéria-prima o óleo vegetal comestível usado, contribuindo e influenciando diretamente na redução do descarte inadequado destes resíduos no meio ambiente. Ou seja, geração de renda numa perspectiva de sustentabilidade ambiental e não-agressão ao meio ambiente. O projeto teve como foco o desenvolvimento sustentável comunitário e caracteriza-se por ser uma intervenção empreendedora social de forte impacto que se fundamentou na capacitação e fortalecimento de um grupo comunitário ativo na região, visando fomentar a geração de emprego e renda, sob bases sustentáveis e de auto-gestão. Palavras-chave: empreendedorismo social; desenvolvimento comunitário; geração de renda; sustentabilidade. Abstract The present work has for objective to analyze the evolution and importance of the social entrepreneurship in the current Brazilian scenery and to tell the entrepreneurial actions of an organized group of women of the city of Januária- * Mestre em Educação Agrícola pela MG, protagonists of a social project denominated “Women in Action: Playing Clean UFRRJ, Professor e Coordenador with the Nature” developed and executed by IFNMG and that it contributed to the do Curso de Bacharelado em improvement of the quality of life of a lot of families starting from the incentive Administração do IFNMG. Januária – MG. E-mail: edsoneves@ibest.com.br. and facilitation of the community production of soap in bar caretaker, using as raw ** Pós-Doutor pela Universidade Técnica material the eatable vegetable oil used, contributing and influencing directly in the de Lisboa. Professor Associado da reduction of the inadequate discard of these residues in the environment. In other UFRRJ. Diretor do Núcleo de Estudos words, generation of income in a maintainable perspective and no-aggression of the da Sociedade, Trabalho e Território environment. The project had as focus the community maintainable development (NESTTE / UFRRJ). Rio de Janeiro – RJ. and it is characterized by being a social entrepreneurial intervention of strong E-mail: cguedes@ufrrj.br impact that was based in the training and invigoration of an active community *** Doutorando em Desenvolvimento group in the area seeking to foment the employment generation and income, Rural pela UFRGS. Pró-Reitor de under maintainable Administração e Professor do Curso Bacharelado em Administração Keywords: social entrepreneurship; community development; generation of do IFNMG. Januária – MG. E-mail: kleberjanuaria@hotmail.com income; maintainable. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010 |111
  • 116. Introdução promovam o bem estar social e a exclusão de pes- soas das condições de risco social. É o indivíduo A partir dos anos 1990, o Brasil começa a que foca o coletivo e não o individual, que faz do experimentar um considerado aumento das ini- inconformismo uma arma para desenvolver estra- tégias para o desenvolvimento humano. ciativas voltadas às causas sociais impetradas por grupos organizados como: empresas, organiza- O empreendedorismo social está inserido nes- ções não-governamentais, instituições públicas te novo paradigma da economia, a socioeconomia etc. Esse quadro pode ser explicado pelo cenário solidária, e se concretiza na existente, caracterizado pelo baixo investimento contribuição efetiva de empreendedores sociais inovadores cujo protagonismo na área social produz público no campo social, pela inflexão no mercado desenvolvimento sustentável, qualidade de vida e de trabalho desde os anos noventa, pelo conside- mudança de paradigma de atuação em benefício de rado aumento do nível de pobreza e desigualdade comunidades menos privilegiadas (ROUER; PÁDUA, social e que se refletia na lenta evolução dos ín- 2001, p.13). dices de desenvolvimento humano do país. Neste As ações empreendedoras sociais no Brasil período houve um crescimento do número de or- foram essenciais para as recentes e sensíveis ganizações do terceiro setor e o fortalecimento de melhoras nos indicadores de desenvolvimento formas de organização alternativas ao mercado de humano nos últimos anos. Estas iniciativas, em trabalho formal onde se encaminharam práticas grande parte, populares e com impactos locais, de gestão social. atuam muitas vezes, como parceiras do estado Esse cenário resultou no desenvolvimento da e de grandes organizações públicas e privadas. chamada economia solidária ou socioeconomia É com essa perspectiva de parcerias em prol do solidária que, conforme Dowbor (2006), concentra social que apresentamos neste trabalho o projeto sistemas de autogestão, cooperativas de nova desenvolvido pelo Instituto Federal de Educação, geração, produções conveniadas de diversos Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais – tipos, iniciativas organizadas com fins coletivos. A IFNMG que teve como atores um grupo organizado economia solidária pode ser entendida como um de mulheres – senhoras donas de casa - da cidade fenômeno social e compreende a organização e de Januária - MG. O grupo se destacou por suas movimentos sociais visando a geração de renda, iniciativas empreendedoras para geração de renda distribuição de riquezas, produção e consumo a para suas famílias e comunidade com ética e partir de sistemas de autogestão. Fundamenta-se respeito aos valores humanos e ao meio ambiente. no associativismo e no cooperativismo e envolve a O projeto denominado de “Mulheres em administração e gerenciamento dos mecanismos de Ação: Jogando Limpo com a Natureza” teve produção de forma democrática, com igualdade de como foco o desenvolvimento sustentável comu- direitos e de responsabilidades (DOWBOR, 2006). nitário e caracterizou-se por ser uma intervenção É neste contexto onde se desenvolvem dife- empreendedora social de forte impacto que se rentes ações de protagonismo social que ganha fundamentou na capacitação e fortalecimento de destaque a figura do empreendedor social, pessoa um grupo comunitário ativo na cidade de Janu- que assume o papel de agente transformador, que ária, norte do Estado de Minas Gerais. O projeto a partir de uma postura visionária e inovadora, buscou fomentar a geração de emprego e renda busca idealizar e desenvolver mecanismos que a partir do incentivo e facilitação da produção 112 |
  • 117. Revista da FAE comunitária de sabão em barra caseiro, utilizando tem sido imputada a responsabilidade pelo como matéria-prima o óleo vegetal comestível crescimento econômico e pelo desenvolvimento usado, contribuindo e influenciando diretamente social de comunidades e de nações. na redução do descarte inadequado destes resí- O empreendedorismo tem sido entendido duos no meio ambiente. Fundamentou-se dessa como uma alternativa a mais frente às grandes forma em dois pilares básicos: geração de renda questões econômicas e sociais que assolam o e sustentabilidade ambiental. mundo contemporâneo, como o desequilíbrio Juntamente com o empreendedorismo econômico, recessões, geração e distribuição de social, vale dizer que no encaminhamento das renda, desenvolvimento humano, sustentabilidade, ações estiveram presentes as práticas de gestão qualidade de vida, dentre outras. social, uma vez que predominou um processo O termo empreendedorismo deriva de uma gerencial dialógico onde a autoridade decisória livre tradução da palavra “entrepreneurship” que foi compartilhada entre os participantes da ação, está relacionada às ideias de iniciativa e inovação, o que pode ocorrer em qualquer tipo de sistema “é um termo que implica uma forma de ser, uma social – público, privado ou de organizações não concepção de mundo, uma forma de se relacionar” governamentais (TENÓRIO, 2008). (DOLABELA, 2008, p.24). Hoje, é utilizado para Este trabalho desenvolve uma conceituação designar os estudos relativos ao empreendedor, seu perfil, suas origens, seu sistema de atividades, inicial e discussão sobre a importância do empre- seu universo de atuação. endedorismo social no atual cenário brasileiro e, posteriormente, passa-se à caracterização do grupo Uma corrente do empreendedorismo ganhou grande visibilidade e destaque em função da de senhoras empreendedoras e do projeto desen- contribuição para o desenvolvimento social no volvido e operacionalizado pelo IFNMG que buscou Brasil. É o chamado empreendedorismo social, sua emancipação, capacitação e fortalecimento. emerge no cenário dos anos 1990, ante a crescente problematização social, a redução dos investimentos públicos no campo social, o crescimento das 1 Empreendedorismo social: organizações do terceiro setor e da participação das empresas no investimento e nas ações sociais (OLIVEIRA, conceituação e importância 2004, p.9). Oportunamente, Oliveira (2004, p.10) observa O empreendedorismo é um tema que, nas que “o tema empreendedorismo social é novo últimas décadas, tem sido objeto de intenso estudo em sua atual configuração, mas na sua essência e pesquisa, presente nas principais discussões já existe há muito tempo”. Melo Neto e Fróes sociais, políticas e econômicas do mundo. (2002, p.17), sobre o surgimento e disseminação Dolabela (2008) observa que isso se deve à grande do empreendedorismo social no Brasil, observam importância que este assumiu no atual cenário que este e que pode ser explicada pela sua contribuição surgiu como um avanço, uma nova proposta de para o desenvolvimento político, econômico e desenvolvimento social. É algo que só pode ocorrer mediante a intermediação da sociedade, por ser esta social. O empreendedorismo funciona como um o motor da atual ativação, em colaboração com a importante fator de equilíbrio econômico, de administração pública, e a principal responsável pelo geração de empregos, de inovação, de dinamismo direcionamento de comportamentos empreendedores no mercado e na sociedade. Ao empreendedor [sic]. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010 |113
  • 118. O empreendedorismo social refere-se às Para Dolabela (2008), o empreendedor é iniciativas empreendedoras voltadas às causas alguém que acredita que pode contribuir, um sociais. Difere do empreendedorismo tradicional visionário, que com atos busca alterar a realidade. (empresarial ou corporativo) – mais conhecido, O empreendedor é um insatisfeito que transforma seu pois este busca maximizar retornos sociais ao invés inconformismo em descobertas e propostas positivas para si mesmo e para os outros. É alguém que prefere do lucro. Baseia-se na cooperatividade, é centrado seguir caminhos não percorridos, que define a partir no desenvolvimento autônomo, autogestionário do indefinido, acredita que seus atos podem gerar de cada pessoa, comunidade e nação. Evidencia consequências. Em suma, alguém que acredita que a sustentabilidade, o respeito ao meio, apoia- pode alterar o mundo. É protagonista e autor de si se na dimensão indivíduo-grupo-coletividade- mesmo e, principalmente, da comunidade em que vive (DOLABELA, 2008, p.24). comunidade-sociedade e tem os membros da comunidade como os principais agentes ou O empreendedor social possui um perfil sujeitos do desenvolvimento. diferenciado, assemelha-se em alguns aspectos Nesta perspectiva mais abrangente de com o empreendedor tradicional, porém empreendedorismo, Franco 1 (2000 apud não é qualquer um que pode ser um empreendedor social. O empreendedorismo social é um misto de DOLABELA, 2003, p.32) salienta que o ciência e arte, racionalidade e intuição, ideia e visão, Empreendedorismo significa protagonismo social, sensibilidade social e pragmatismo responsável, utopia ruptura de lanços de dependência, crença dos indivíduos e realidade, força inovadora e praticidade (MELO NETO; e das comunidades na própria capacidade de construir o FRÓES, 2002, p.34). seu desenvolvimento pela cooperação entre os diversos âmbitos político-sociais que a caracterizam. Em poucas Vieira e Gauthier2 (2000 apud SILVA, 2009, palavras: assumir a responsabilidade pela construção p.5) observam que de seu próprio destino. Aqui, estão embutidos dois Os empreendedores sociais são aqueles que criam conceitos importantes: a capacidade da comunidade de valores sociais através da inovação e da força de recursos tornar dinâmicas as suas potencialidades e a localidade financeiros, independente da sua origem, visando o como palco do desenvolvimento, isto é, como espaço desenvolvimento social, econômico e comunitário para o exercício de novas formas de solidariedade, [...] têm a visão, a criatividade, e a determinação para parceria e cooperação. redefinirem os seus campos [...] são os pioneiros na inovação de soluções para os problemas sociais e não Nesse sentido, o empreendedor social atua podem descansar até mudarem todo o modelo existente como um agente de transformação. Ele reconhece da sociedade. os problemas sociais e busca soluções utilizando-se Há uma grande diferença entre o empre- de estratégias de intervenção baseadas no mercado endedorismo social e o empresarial. Este último como a combinação de práticas, conhecimentos fundamenta-se nos princípios econômicos do e inovação, a criação de novos procedimentos e mercado. Nesses termos o empreendedorismo serviços, a realização de parcerias, o planejamen- empresarial é definido como sendo to de formas/meios de autossustentabilidade dos Um processo dinâmico pelo qual os indivíduos projetos dentre outras atividades de caráter empre- identificam idéias e oportunidades econômicas e endedoras (MELO NETO; FRÓES, 2002). atuam desenvolvendo-as, transformando-as em 2 VIEIRA, Renata M.F.; GAUTHIER, Fernando A.O. Introdução ao empreendedorismo social. In: ENCONTRO NACIONAL 1 FRANCO, A. de. Por que precisamos de desenvolvimento local DE EMPREENDEDORISMO, 2., 2000, Florianópolis. Anais... integrado e sustentável? Brasília: Instituto de Política, 2000. Florianópolis, 2000. 114 |
  • 119. Revista da FAE empreendimentos e, portanto, reunindo capital, empresas contempla as ações das organizações trabalho e outros recursos à produção de bens de fins lucrativos no campo social, porém não e serviços. Trata-se, portanto, de uma atividade econômica geradora de bens e serviços para a venda podem ser desvinculadas dos objetivos e interesses (MELO NETO; FRÓES, 2002, p.6). corporativos, seja direta ou indiretamente. Oliveira (2004, p.448) traz a seguinte carac- Já o empreendedorismo social, como observa terização de responsabilidade social: Melo Neto e Fróes (2002, p.9) “não é direcionado a responsabilidade social empresarial se caracteriza por para mercados, mas para segmentos populacionais objetivos específicos e relações interligadas de forma em situações de risco social (exclusão social, interna e externa aos objetivos da empresa. A sua pobreza, miséria, risco de vida)”. Complementa: intervenção, seja direta ou indireta, não se caracteriza O que o empreendedorismo social busca, na verdade, por ser de empreendedorismo social, por não ter uma não é o seu sucesso de vendas, como o faz o ação voltada e focada no desenvolvimento sustentável e empreendedor privado, sua medida de sucesso é potencialização da comunidade, e isso de forma direta, o impacto social. Ou seja, o número de pessoas e que envolva os três setores. beneficiadas com a solução proposta no programa Melo Neto e Fróes (1999) apresentam a res- ou projeto de empreendedorismo social (MELO NETO; FRÓES, 2002, p.11). ponsabilidade social das empresas como sendo um conjunto de ações, que podem ser de ordem No quadro 01 são apresentadas as principais interna, junto aos funcionários, e de ordem diferenças entre o empreendedorismo tradicional, externa, junto à comunidade. Pode ocorrer de empresarial ou corporativo e o empreendedorismo forma direta, quando a empresa elabora ações e social. projetos em que ela, através de uma fundação ou O empreendedorismo social também difere da ONG, presta serviços à comunidade, ou, de forma responsabilidade social empresarial, em crescente indireta, realizando investimentos sociais, através ascensão no Brasil. A responsabilidade social das de doações ou parcerias com instituições que já QUADRO 01 - DIFERENÇAS ENTRE O EMPREENDEDORISMO atuam no campo social. EMPRESARIAL E O SOCIAL Empreendedorismo Empreendedorismo Empresarial Social 2 O projeto mulheres em ação e Perspectiva individual Perspectiva coletiva Produz bens e o seu protagonismo social em Produz bens e serviços serviços em prol da Januária – Minas Gerais comunidade Foco na busca de Tem o foco no mercado soluções para os O projeto “Mulheres em Ação: Jogando problemas sociais Limpo com a Natureza” surgiu de um ideal de Sua medida de desenvolvimento comunitário sustentável prota- Tem como medida de desempenho é o gonizado por um grupo organizado de senhoras desempenho o lucro impacto social de suas ações empreendedoras, donas de casa, de bairros da Fundamenta-se em satisfazer Fundamenta-se em periferia da cidade de Januária, norte do Estado as necessidades dos clientes e respeitar pessoas da de Minas Gerais. As ações empreendedoras na ampliar as potencialidades do situação de risco social comunidade ganharam status de projeto social negócio e promovê-las com maior abrangência e repercussão com a FONTE: Adaptado de Melo Neto e Fróes (2002, p.11) Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010 |115
  • 120. parceria do Instituto Federal de Educação, Ciência de 0,610 em 1991, para 0,699 em 2000. Das três e Tecnologia do Norte de Minas Gerais – IFNMG, dimensões utilizadas para mensuração do IDH, a que atuou como incentivador das ações empre- que mais contribuiu para este crescimento foi a endedoras do grupo comunitário. longevidade, com 44,2%, seguida pela educação, A partir desse momento caracterizaremos o com 43,1%. A contribuição da dimensão renda foi projeto em questão respaldados nas informações a menor, 12,6%. O que denota uma carência de advindas do documento enviado ao Ministério da políticas e estratégias para geração e distribuição Educação – MEC pelo IFNMG (2008). de renda na região. O projeto buscou o fortalecimento e a ca- Os bairros Jussara, Eldorado e Alto dos pacitação em diferentes aspectos de um grupo Poções acolhem como moradores principalmente comunitário organizado denominado de “Mulhe- os januarenses provenientes da zona rural do res em Ação”. O grupo, formado em sua maioria município. Em sua maioria, estão na condição por donas-de-casa atuantes dos bairros Jussara, de desempregados, exercendo esporadicamente Eldorado e Alto dos Poções, produz sabão em serviços avulsos ou informais. Há uma presença barra, reutilizando o óleo vegetal comestível, significativa de aposentados e, principalmente, com o objetivo de auxiliar na composição da de beneficiários das transferências do Governo Federal. A bolsa família atinge 279 famílias, renda familiar. A ação do Instituto foi efetivada número significativo, próximo da metade das através da disponibilização de assessoria técnica famílias da comunidade, o que denota uma através de equipe multidisciplinar que viabilizou intensa dependência de políticas públicas de a efetiva implantação e funcionamento de uma assistência social. microindústria comunitária de sabão em barra como uma estratégia de fortalecimento de gru- Cerca de 80% das mulheres residentes nos pos comunitários que busquem a autonomia e a bairros considerados no estudo trabalham em casa sustentabilidade econômica e ambiental. devido às oportunidades reais de emprego formal ser bastante escassas na cidade. Esse quadro indica O município de Januária tem sido historica- a possibilidade e, mais ainda, a necessidade da mente caracterizado pela situação de miséria e implantação de projetos alternativos que estimulem pobreza, na qual se encontra a maior parte de a organização e produção na comunidade, visando sua população. Segundo o PNUD (2000), o muni- à geração de renda. cípio está entre as regiões consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8). Pela classificação do Programa, em relação aos outros 5.564 municípios do país, Januária ocupa 3 Histórico a 3003ª posição, já em relação aos municípios do Estado, ocupa a 545ª posição. No ano 2000, o Os registros de ações protagonizadas por índice de desenvolvimento humano (IDH) do mu- grupos organizados, que buscam alternativas nicípio era de 0,699, que mesmo sendo o maior sustentáveis de desenvolvimento, são raros em entre os municípios da microrregião que está Januária. No bairro Jussara, desde 31 de agosto de inserido (16 municípios), está abaixo da média 2003, um grupo composto por 16 donas de casa do Estado (0,773) e do país (0,766). De 1991 a do bairro se organizou com o propósito de buscar 2000, o IDH de Januária cresceu 14,59% passando alternativas para a produção e o aumento da renda 116 |
  • 121. Revista da FAE de suas famílias. Entre as diferentes atividades do mês, sendo comercializada a R$ 0,50 a unidade), grupo (produção de doces, bordados, marmitas) a aparência do sabão (as barras murchavam), ocupava o lugar de pouco destaque a produção inexistência de padrão das barras (tamanho e de sabão em barra caseiro. peso das barras), as dificuldades em adentrar em O início da produção de sabão caseiro foi um mercado extremamente competitivo (vender repleto de dificuldades. Era realizada com o que para supermercados, escolas e outras mercearias cada uma das participantes tinha em casa. A partir locais), dificuldades em articular com outros da experiência de uma das moradoras na produção grupos locais a fim de que recolham e doem do sabão, o processo foi repassado às demais o óleo a ser usado para produção do produto componentes do grupo. Em seguida, iniciaram o (as famílias e as empresas descartam o material recolhimento nas casas dos bairros do óleo vegetal jogando o óleo em quintais e ralos das residências) comestível usado e, com ele, produziam o sabão e o desconhecimento da legislação específica com a tecnologia que conheciam. aplicada ao setor. Parte da produção inicial era vendida na Tendo em vista a relevância dessa iniciativa comunidade, de porta em porta e na feira livre comunitária e o grau de dificuldades enfrentadas municipal, e a outra parte era destinada ao uso pelo grupo, o IFNMG, a partir de uma parceria das famílias do grupo produtor. Não havia até ali iniciada em meados de 2007, realizou uma nenhuma preocupação em aproveitar as oportu- intervenção consentida no trabalho realizado nidades ou de minimizar os riscos do negócio. A pelo grupo comunitário que se materializou no intenção se restringia em demonstrar a capacidade projeto: “Mulheres em Ação: Jogando Limpo das mulheres em produzir e melhorar as condições com a Natureza” iniciado fevereiro de 2008 e de vida de cada uma. operacionalizado no mesmo ano. O projeto, que Com o reconhecimento local o grupo passou foi enquadrado nas atividades de extensão do a estender suas ações para as comunidades Instituto, teve como objetivo principal capacitar circunvizinhas. Passaram a ensinar outras donas e fortalecer o grupo comunitário empreendedor de casa, ministravam cursos de produção de sabão contribuindo assim para a geração de renda caseiro utilizando apenas o que dispunham de observados os princípios da sustentabilidade e, capital humano e materiais – há de ponderar que ainda, fazer deste grupo um multiplicador das boa parte das senhoras empreendedoras do grupo iniciativas empreendedoras sociais na região. comunitário não detinham alto grau de instrução, Outros objetivos compunham a proposta do em sua maioria eram semianalfabetas. projeto, entre eles: O grupo enfrentava muitas dificuldades para – promover a organização comunitária, prosseguimento de suas atividades relacionadas visando particularmente à implantação com a comercialização do produto, a aceitação do de um programa para o recolhimento do mesmo em outras esferas sociais, local adequado óleo vegetal comestível utilizado em esta- para produção e beneficiamento, transporte belecimentos comerciais, educacionais e do produto, custos envolvidos no processo de residências; produção dentre outros. – promover a capacitação das integrantes Graves problemas foram evidenciados no do grupo “Mulheres em Ação” em temas processo produtivo, como a baixa produção (a ligados à organização comunitária, econo- produção total é de 500 barras de sabão por Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010 |117
  • 122. mia solidária, cooperativismo, cidadania, residências do município não possuem rede de geração de renda e terceiro setor; esgoto (IFNMG, 2008). – promover a capacitação das integrantes do O descarte inadequado do óleo vegetal grupo comunitário em temas ligados ao utilizado pode causar sérios problemas ao meio desenvolvimento sustentável relacionados, ambiente, uma vez que o óleo dificilmente em particular, à reutilização de óleos se decompõe, chegando intacto aos rios e às vegetais comestíveis; represas, podendo ainda contaminar solos e – prestar assessoria técnica e jurídica para a lençóis freáticos. Sendo mais leve que a água, o implementação, gestão e funcionamento óleo tende a permanecer na superfície, criando da microindústria de sabão em barra a par- uma barreira que dificulta a penetração de luz e tir da utilização de óleo vegetal comestível; oxigenação da água. Deste modo, ao atingir os rios, o óleo ocasionará a mortandade de peixes, – melhoria do processo produtivo do sabão, fitoplânctons e outros organismos essenciais para observando importantes aspectos como a cadeia alimentar aquática. Por outro lado, o a padronização, aromas, cor e demais óleo ao se decompor emite metano na atmosfera, atributos; como todo material orgânico, contribuindo para – promover a conscientização e comprome- o superaquecimento terrestre (efeito estufa). timento da comunidade januarense, com o Uma vez descartados nos ralos, pias e vasos projeto, especificamente quanto à recolha sanitários, os óleos formam uma crosta gordurosa do óleo vegetal comestível usado; nas paredes dos canos, o que dificulta a passagem – promover a capacitação do grupo visando da água; ao chegar nas redes coletoras de esgoto, ao empoderamento deste e causam problemas de drenagem, retenção de – promover estudos de viabilidade econômica sólidos, mau cheiro, refluxo do esgoto e até do produto – sabão em barra, tendo como rompimentos nas redes de coleta. Nas estações de foco o mercado regional. tratamento, um maior esforço será exigido para o A proposta de fomentar a geração de renda tratamento ideal da água. através das iniciativas populares embasada numa Geralmente, quando as tubulações domésti- proposta de sustentabilidade ambiental e não- cas estão entupidas, as famílias utilizam objetos agressão ao meio ambiente foi abraçada pelo pontiagudos, como fios e arames que podem vir a IFNMG que buscou assistir o grupo durante um danificar os canos; não resolvendo, a utilização de ano e capacitá-los tecnicamente, para produção, soda cáustica e ácido muriático é bastante comum. administração, vendas e gestão do novo negócio. Estes produtos químicos são tóxicos, portanto Sobre o óleo vegetal comestível, é importante não são indicados para tal finalidade, pois além considerar que este, após 6,25 horas da fritura de causar corrosão nas tubulações, alcançam os de alimentos, apresenta substâncias nocivas ao rios ou as estações de tratamento, desencadeando ser humano. Desta forma, sua reutilização não é efeitos negativos sobre o ambiente. indicada para tal finalidade. Em sua maioria, seu descarte é feito em quintais, terrenos baldios e Um aspecto importante considerado no ralos. Como agravante tem-se o fato de que 100% projeto “Mulheres em Ação: Jogando Limpo com das residências do bairro e mais da metade das a Natureza” foi justamente buscar a conscienti- 118 |
  • 123. Revista da FAE zação das famílias da região quanto ao descarte informática, letras, pedagogi etc.) e de diferentes inadequado do óleo e promover através de par- formações como docentes, discentes e técnicos cerias e organização comunitária a implantação foi essencial para fazer frente às inúmeras dificul- de um programa para o recolhimento do óleo dades e desafios do projeto. O caráter transdisci- vegetal comestível utilizado em estabelecimentos plinar do projeto exigia uma troca constante de comerciais, educacionais e residências que, por informações e uma intensa interação entre todos sua vez, seria utilizado como matéria-prima na os envolvidos. produção do sabão caseiro. Na concepção do projeto, buscou-se traba- lhar e desenvolver no grupo a pré-disposição para a auto-gestão. A partir do desenvolvimento de 4 Desenvolvimento do projeto cursos direcionados para o planejamento estraté- gicos de ações e de gerenciamento de negócios, Para consecução do projeto foi formada pretendeu-se engendrar no grupo a capacidade uma grande equipe multidisciplinar. Esta se deu de auto-gestão do empreendimento. com uma chamada pública no IFNMG. Recorreu- A equipe coordenadora multidisciplinar tra- se a uma lista de adesão voluntária, tendo balhou no período de um ano utilizando a infra-es- recebido 37 adesões em uma população de 137 trutura e recursos do Instituto Federal e prestando servidores. Realizou-se o encontro de servidores contínua assistência ao grupo. A partir da plena comprometidos com a ação e deu-se início a estruturação das operações da microindústria na um processo de seleção de profissionais nesse comunidade (bairro Jussara) e da consolidação universo para compor a equipe multidisciplinar. do mercado consumidor, o grupo passou a ter A escolha dos professores participantes, num plena autonomia, entendida como a auto-gestão total de nove, se deu pelo grau de interesse em e auto-financiamento de suas atividades. trabalhar em comunidades, pelo conhecimento O trabalho junto ao grupo envolveu três gran- e habilidades específicas com o foco do projeto. des fases compostas de uma série de atividades Concomitantemente à definição da equipe de como viagens para troca de experiências em nível professores, iniciou-se a divulgação do processo estadual com atividades semelhantes que tenham seletivo junto aos alunos dos cursos técnicos e apresentado sucesso na geração de emprego com superiores do IFNMG. Foram selecionados 15 a produção de sabão artesanal; estudo de viabi- alunos, privilegiando a multidisciplinaridade, lidade econômica do produto - sabão em pedra; formação e conhecimento que possa contribuir com realização de concurso com os graduandos do Cur- as ações do projeto e a completa disponibilidade so de Administração com vistas a uma campanha para as ações e atividades planejadas. publicitária focando a comercialização do sabão A equipe coordenadora multidisciplinar era em barra produzido pelo grupo; conscientização composta por 11 professores de diferentes áreas, da população quanto à responsabilidade ambien- sendo a coordenação geral do projeto exercida tal no que se refere à importância do recolhimento por dois professores ligados ao departamento do óleo vegetal comestível usado; realização de de extensão da Instituição. O engajamento de cursos sobre gestão de negócios, cooperativas po- profissionais de diferentes especialidades (bioquí- pulares, desenvolvimento sustentável, reutilização mica, engenharia agrícola, direito, administração, de óleos vegetais comestíveis e regulamentação Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010 |119
  • 124. do Terceiro Setor; aquisição de equipamentos FIGURA 01 - PRODUÇÃO ARTESANAL permanentes para utilização pelo grupo comuni- tário através do edital MEC/PROEXT - Programa de Apoio à Extensão Universitária. 5 Resultados primários Transcorrido pouco mais de dois anos de implementação do projeto “Mulheres em Ação: FONTE: Os autores (2008) Jogando Limpo com a Natureza”, os primeiros FIGURA 02 - EVOLUÇÃO NO PROCESSO resultados já podem ser observados. O processo PRODUTIVO DO SABÃO de produção artesanal foi melhorado para atender de forma mais adequada às exigências do merca- do consumidor local e regional. Novas formas de produção foram testadas e implantadas, contudo, sem se desligar da perspectiva de respeito ao meio ambiente, que caracteriza as ações do grupo. No- vas cores, odores e formas foram testadas e inse- ridas, a partir de então, no processo de produção. Com a nova configuração o produto foi aceito FONTE: Os autores (2008) nos comércios e supermercados e aumentou sua venda nas comunidades antes atendidas. A produção foi padronizada, a pequena “fa- Com o apoio do Instituto o sabão em pedra foi briqueta” caseira com instrumentos artesanais devidamente registrado e hoje é comercializado na foi substituída por instalações e equipamentos região com o nome de “Ação”. As figuras abaixo mais adequados e específicos para a produção de mostram a evolução do processo produtivo e o sabão. As figuras abaixo apresentam momentos resultado no sabão caseiro. de capacitação do grupo comunitário no processo de produção mecanizado do sabão com auxílio dos profissionais da equipe coordenadora mul- tidisciplinar do projeto. Essas capacitações que envolveram também temas ligados à organização comunitária, economia solidária, cooperativismo, cidadania, geração de renda e terceiro setor, permitiram ao grupo continuarem com os pro- gramas que já desenvolvia nas cidades vizinhas de orientação de donas de casas na produção do sabão caseiro, ou seja, fortalecendo o papel de multiplicador de ações empreendedoras sociais nas comunidades da região. 120 |
  • 125. Revista da FAE FIGURA 03 - PERÍODO DE CAPACITAÇÃO FIGURA 05 - APRESENTAÇÃO DO SABÃO À COMUNIDADE LOCAL FONTE: Os autores (2008) FONTE: Os autores (2008) FIGURA 04 - INÍCIO DA PRODUÇÃO ORIENTADA F I G U R A 0 6 - G R AVA Ç Ã O D E REPORTAGEM DA TV NORTE E TV GRANDE MINAS FONTE: Os autores (2008) Com o projeto as ações empreendedoras FONTE: Os autores (2008) do grupo comunitário, foram amplamente re- conhecidas. A aceitação do sabão fabricado a As atividades de produção de sabão caseiro partir do óleo comestível reciclável foi grande. O têm gerado renda de forma direta para cerca de trabalho realizado pelo Instituto Federal visando 20 famílias ou 86 pessoas, e indiretamente para à conscientização da população para a questão cerca de 2.500 pessoas que é o número estimado da reciclagem do óleo e colaboração da comu- de moradores dos Bairros Jussara, Eldorado nidade no recolhimento dos resíduos, teve forte e Alto dos Poções (bairros alvo do projeto). impacto social e culminou em novas parcerias e Entretanto o impacto do projeto foi muito maior apoio de diferentes setores da sociedade local, e mais abrangente. Os trabalhos e campanhas como comerciantes, instituições públicas, escolas, de conscientização ambiental e divulgação das empresas de telecomunicações e outros. ações empreendedoras do grupo ultrapassaram As figuras a seguir apresentam um momento as “fronteiras” comunitárias. Quando observadas de gravação de reportagem da TV Norte de a população de Januária - 63.605 habitantes – e Januária e TV Grande Minas, divulgando o projeto de toda microrregião de Januária, 16 municípios - e o produto para a região Norte de Minas Gerais. 257.072 habitantes, segundo o IBGE (2000), pode se ter noção do impacto do projeto na região. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010 |121
  • 126. Considerações finais dialógicas de encaminhamento e tomada de de- cisões. O empreendedorismo social tem relação com esta forma alternativa de gestão na medida O projeto “Mulheres em Ação: jogando limpo em que seus desígnios não são os impulsos cegos com a natureza” deixou a valiosa lição de que é das forças de mercado, dinâmicas onde há mais possível e necessário estabelecer parcerias segu- renda, conhecimento e poder. Ao contrário, trata- ras e promissoras entre as Instituições públicas e -se de resgatar para o mundo do trabalho e da as organizações comunitárias locais. Neste caso, cidadania a população que vive precariamente em a parceria com o IFNMG foi fundamental para o termos de renda e ocupação. Este último aspecto sucesso das ações empreendedoras das donas de será objeto de estudo num próximo artigo. casa em Januária. O Instituto assume um papel Os impactos sociais de ações empreendedoras de extrema relevância para o desenvolvimento como as do grupo de senhoras de Januária são regional. Por ser um berço de tecnologia e conhe- muito benéficos para a região do Norte do Esta- cimento, sua influência e suas ações na comunida- do de Minas Gerais. Essa região que está inserida de trazem grande impacto para os projetos desta numa mesorregião do semiárido mineiro é reco- natureza e para tantas outras iniciativas populares nhecidamente carente de investimentos sociais, que propiciam a melhoria da qualidade de vida da apresenta baixos indicadores de desenvolvimento população e o desenvolvimento local. humano, principalmente relacionados à saúde, Nessa oportunidade, vislumbrou-se no tra- renda e educação. balho junto ao grupo “Mulheres em Ação” a Diante do que demonstrou este projeto, as possibilidade de contribuir para a melhoria da iniciativas populares voltadas para o social devem qualidade de vida de muitas famílias e também ser sempre incentivadas, assim como indivíduos e incentivar as iniciativas populares para geração de grupos que buscam através do empreendedorismo renda e desenvolvimento social. A proposta de se social condições para melhoria da qualidade de trabalhar com o eixo desenvolvimento sustentável vida e desenvolvimento de suas comunidades e comunitário facilitou a adesão, a aceitação e o territórios. Devem ser fortalecidos, tornando-se desenvolvimento do projeto, já que a comunidade alvos de investimentos e políticas públicas que escolar tem grande identificação com a questão. visem à valorização e promoção dessas ações. Como observam Rouer e Pádua (2001, p.17), estas iniciativas e estratégias relacionadas ao empreendedorismo social são muitos relevantes para o desenvolvimento local, pois visam dotar as comunidades de capacidades e habilidades empreendedoras (abrir e gerir seus próprios • Recebido em: 20/04/2010 negócios), conscientizá-los, mobilizá-los para as • Aprovado em: 24/11/2010 mudanças com base numa educação libertadora, sem no entanto, violar suas culturas e tradições. Embora não fosse objeto nesse artigo, a for- ma de gestão social implementada, distingue-se da gestão estratégica onde estão presentes apenas as lógicas de mercado e estão ausentes as formas 122 |
  • 127. Revista da FAE Referências DOLABELA, F. Pedagogia empreendedora: o ensino de empreendedorismo na educação básica voltado para o desenvolvimento social sustentável. São Paulo: Cultura, 2003. ______. O segredo de Luísa: uma idéia, uma paixão e um plano de negócios: como nasce o empreendedor e se cria uma empresa. Rio de Janeiro: Sextante, 2008. DOWBOR, L. O que acontece com o trabalho?. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://dowbor. org/06oqueacontecetrab.doc>. Acesso em: 15 out. 2009. IBGE. Censo demográfico 2000: pesquisa por amostra de domicílios. 2000. Disponível em: <http:// www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em: 18 nov. 2009. IFNMG. Projeto mulheres em ação: jogando limpo com a natureza. Januária: Coordenadoria de Extensão, 2008. MELO NETO, F. P. de; FROES, C. Responsabilidade social & cidadania empresarial: a administração do terceiro setor. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999. ______. Empreendedorismo social: a transição para a sociedade sustentável. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2002. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD. Disponibiliza informações sobre os índices de desenvolvimento humano dos municípios brasileiros no ano de 2000. Brasília, 2000. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/atlas/>. Acesso em: 23 dez. 2009. OLIVEIRA, E. M. Empreendedorismo social no Brasil: fundamentos e estratégias. 2004. 538p. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Universidade Estadual Paulista. Franca, 2004. ROUER, M. de; PÁDUA, S. M. Empreendedores sociais em ação. São Paulo: Cultura Associados, 2001. SILVA, P. C. R. da. Práticas sustentáveis de empreendedorismo social. Disponível em: <http:// www.craes.org.br/doc/artigos/Artigos_Praticas%20sustentaveis%20de%20empreendedorismo%20 social_33.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2009. TENÓRIO, F .G. (Re)visitando o conceito de gestão social. In: SILVA JR, J. T. et al. (Orgs.). Gestão social: práticas em debate, teorias em construção. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2008. v.1. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 111-124, jul./dez. 2010 |123
  • 129. Revista da FAE Abertura de capital como fonte de financiamento aos investimentos no Brasil: análise do período de 2004 a 2007 IPO as source of financing of investments in Brazil: analysis of the 2004-2007 period Resumo Leide Albergoni* Guilherme Blanski Küster** Na teoria econômica, o mercado de capitais é considerado fundamental ao financiamento produtivo de longo prazo e ao crescimento econômico. No Brasil historicamente esse mercado não teve um papel significativo no financiamento das empresas, dadas as limitações ao seu crescimento. No entanto, o aquecimento recente do mercado de capitais no Brasil levanta a necessidade de se analisar a contribuição dos recursos captados para a realização de investimentos. A proposta deste artigo é analisar as aberturas de capital realizadas no período de 2004 a 2007 para identificar a destinação planejada dos recursos captados. A análise é realizada para as empresas não financeiras que realizaram oferta primária e a hipótese que permeia a pesquisa é a de que os recursos captados por essas empresas foram usados predominantemente para a realização de investimentos produtivos. A pesquisa tem caráter exploratório e se baseia em dados secundários divulgados pela CVM e Bovespa. Palavras-chave: mercado de capitais; estrutura de capital; abertura de capital; Brasil. Abstract The capital market is considered as fundamental to finance production in long term and to economic growth. Traditionally in Brazil this market never played a significant role in financing companies, due to the existing limitations to its growth. Nevertheless, the recent acceleration in Brazilian capital market brings the necessity to analyze whether the captured resources contributed into the realization of productive investments. This article intent to analyze the IPO’s (Initial Public Offering) occurred between 2004 and 2007, in order to identify the planned allocation to the raised funds. The analysis is performed to the non-financial companies which made primary offer and the hypothesis of the research is that the resources captured by these companies were mainly used to perform productive * Mestre em Política Científica investments. The research is exploratory and is based on secondary data e Tecnológica pela Unicamp. Professora da Universidade published by CVM and Bovespa. Positivo. Curitiba-PR. E-mail: lalbergoni@up.com.br Keywords: capital market; capital structure; IPO (Initial Public Offering); ** Mestrando em Ciências Brazil. Econômicas pela UFPR. Analista de Logística e Transportes da Exxonmobil BSC Brasil. Curitiba- PR. E-mail: guilhermeblanski@ hotmail.com Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010 |125
  • 130. Introdução maior parte dos recursos captados via abertura de capital foram usados para a realização de Na discussão sobre o papel do investimento investimentos nas empresas. para o crescimento econômico, a análise das fontes O trabalho se divide em três partes, além de financiamento empresarial tem um papel de de introdução e conclusão: primeiro, discute-se destaque. O debate pauta-se na importância do o papel do mercado de capitais para o financia- mercado de capitais como provedor de recursos mento empresarial, com uma revisão bibliográ- de longo prazo e os menores custos de capital fica sobre a importância do mercado de capitais relativos a essa fonte. Sendo assim, teóricos e para o financiamento e crescimento econômico, participantes do mercado de capitais têm discutido as alternativas de financiamento empresarial, a sobre a importância do estabelecimento de um estrutura de capital no Brasil, além de uma breve forte e estruturado mercado de ações e outras análise do desenvolvimento recente do mercado formas de captação de recursos nesse mercado, de capitais no Brasil; em seguida apresentam-se argumentando sobre os impactos positivos destas os procedimentos metodológicos utilizados na medidas para a economia. pesquisa; finalmente, na seção 3, analisam-se os Historicamente no Brasil o mercado de capi- dados coletados em fontes secundárias. tais nunca predominou como fonte principal de financiamento aos investimentos, devido a fato- res como a característica familiar da maioria das 1 Mercado de capitais e empresas nacionais, a regulação tardia no setor, financiamento empresarial a presença mais significativa de fontes de finan- ciamento da produção via empréstimos estatais, Esta seção está dividida em quatro partes. dentre outros. Não obstante, em períodos mais Primeiro discute-se o papel do mercado financeiro recentes tem-se observado um considerável forta- para o crescimento econômico e investimentos. lecimento deste mercado, em especial no período Em seguida abordam-se as alternativas de finan- de 2004 a 2007, quando o número de abertura ciamento empresarial e a forma como as empre- de capital foi recorde. Sendo assim, coloca-se a sas compõem sua estrutura de capital. A terceira seguinte questão: qual a contribuição dos recursos seção discute a estrutura de capital no Brasil. Por captados em aberturas de capital para a realização último analisa-se a trajetória do mercado de capi- de investimentos produtivos? tais brasileiro na década de 2000 destacando-se Dentro desse contexto, o presente artigo as medidas institucionais que contribuíram para tem o objetivo de analisar esta recente tendência seu fortalecimento. de crescimento do mercado de capitais brasileiro e identificar a utilização dos recursos captados em abertura de capital para a realização de 1.1 A importância do mercado financeiro investimentos produtivos. Delimita-se a análise para o crescimento econômico para o período de 2004 a 2007, pois foram os anos com maior número de abertura de capital A disponibilidade de fontes de financiamen- e intensa negociação no mercado de capitais. A to e sua relação com o crescimento econômico hipótese que permeia esse trabalho é a de que a foi abordada por diversos autores como Keynes, 126 |
  • 131. Revista da FAE Schumpeter, Wicksell e Tobin, e continua em pau- Ao mencionar a teoria de Rogers, Studart (1993) ta em trabalhos acadêmicos atuais. Do ponto de afirma que: vista neoclássico, o mercado de capitais é formado A introdução da moeda no esquema neoclássico da por dois agentes maximizadores de suas respec- teoria dos fundos emprestáveis, portanto, não modifica tivas satisfações intertemporais: os investidores essencialmente a visão sobre o mercado financeiro enquanto mero intermediador de poupanças. O crédito (demandantes de capital) e os poupadores (ofer- acima (ou abaixo da “poupança voluntária”) é tratado tantes de capital). O mercado financeiro é visto como um fenômeno de desequilíbrio e/ou ligado a puramente como o local de intermediação destes imperfeições na intermediação financeira, tais como agentes, e a taxa de juros serve como o elemento estruturas não competitivas ou distribuição ineficiente de estímulo às transações financeiras entre eles de informações (STUDART, 1993, p.103). (CARDIM DE CARVALHO, 2007). Em concordância com estas teorias o modelo Nesta concepção, a realização de investimen- teórico de desenvolvimento -McKinnon Model tos exige a existência de uma poupança prévia (SMM) desenvolvido em 1973 defendia a teoria (ex-ante), o que significa, portanto, que para o de crescimento exógeno e a hipótese de mercados crescimento econômico é necessário que se esti- financeiros eficientes, ou seja, com ausência de mule a poupança. Esta perspectiva do mercado arbitragens. Em relação a este modelo, Hermann3 financeiro, rotulada como “visão convencional”, (2002 apud CASTRO, 2008, p.288) afirma que: tem sido defendida por instituições e agências de O SMM estabelece uma relação direta entre poupança desenvolvimento como o Fundo Monetário Inter- e crescimento econômico. A mais importante diferença nacional e o Banco Mundial, as quais recomendam (em relação à teoria convencional) é o tratamento conferido à propensão a poupar, que deixa de ser vista que os países, sobretudo aqueles em desenvolvi- como algo estrutural para ser uma variável influenciável mento, pratiquem a liberalização financeira de através de políticas. modo a eliminar a repressão financeira criada por políticas de juros baixos e de crédito seletivo Este modelo aborda também a questão do (STUDART, 1993; CASTRO, 2008). avanço tecnológico como significativo na pro- Ligada à visão convencional está a teoria dos moção do crescimento econômico, e argumenta fundos emprestáveis desenvolvida pelo neoclás- que o desenvolvimento e desregulamentação dos sico Knut Wicksell. Nas economias modernas as mercados financeiros aumentam sua competiti- instituições financeiras que captam depósitos à vidade, proporcionam taxas de juros reais mais vista têm o poder para criar meios de pagamento elevadas e estimulam a poupança. Uma maior através de uma simples operação contábil. Ape- disponibilidade de recursos emprestáveis amplia sar da maior complexidade agregada ao sistema o acesso das empresas a técnicas mais avançadas financeiro com os bancos, Wicksell1 (1936 apud e eleva a taxa de progresso tecnológico. STUDART, 1993), assim como Rogers2 (1989 apud A esse respeito, Schumpeter já destacava STUDART, 1993), ratificam a teoria convencional. em 1912 o papel do mercado financeiro como 1 WICKSELL, K. Interests and prices. New York: Augustus Kelly, 1936. 3 HERMANN, J. Liberalização e crises financeiras: o debate teórico e a experiência brasileira nos anos 1990. 2002. Tese 2 ROGERS, C. Money, interest and capital. Cambridge: (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio Cambridge University Press, 1989. de Janeiro, 2002. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010 |127
  • 132. provedor de recursos para empreendedores uma equalização entre poupança e investimento desenvolver e difundir suas inovações. Contudo, ex-post. Para o autor, a elevação dos juros pode Schumpeter se desprende da ideia de poupança ter o efeito contrário do esperado pela visão prévia e argumenta que os bancos financiam as clássica: ao invés de se estimular a poupança, os empresas, criando “poder de compra” a partir de juros altos elevam o custo do financiamento dos recursos inexistentes (CASTRO, 2008). investimentos empresariais, podendo inviabilizar Uma visão alternativa à neoclássica é apre- projetos e retrair o produto no longo prazo. sentada por Keynes em 1937 na Teoria Geral dos O modelo idealizado por Keynes tem a ex- Juros, Moeda e Emprego, bem como em obras se- pansão da demanda agregada como fator chave guintes. Keynes traz o conceito da preferência pela para o crescimento da renda. Com desemprego liquidez e argumenta que os agentes econômicos de recursos, um aumento de demanda causado demandam moeda não só pelos motivos de tran- por um acréscimo na renda faz com que as famí- sação e precaução, expostos pelos neoclássicos, lias consumam mais, estimulando o aumento da mas também pelo motivo especulação. Para ele, produção. Em um processo que se propaga para não é irracional manter ativos monetários para outros setores, as empresas contratam mais traba- satisfazer as oportunidades especulativas, pois lhadores, aumentando o nível de renda e estimu- a incerteza sobre as taxas de juros futuras e sua lando o aumento do consumo. Cria-se assim uma relação com o preço dos títulos torna a retenção onda de gastos, que alcançará por fim um novo de moeda uma atitude coerente e racional. ponto de equilíbrio no lado real da economia com Também é introduzido o motivo financeiro um nível de renda mais elevado (STUDART, 1993). (finance motive) para demanda por moeda, con- Este processo é conhecido como o efeito forme explicado por Cardim de Carvalho (2007): multiplicador keynesiano, responsável pela gera- O motivo financeiro (finance motive) refere-se à ção de renda através da expansão da demanda demanda por moeda antecipada a alguma despesa agregada e do investimento. Nesta concepção, a discricionária planejada, sendo o gasto deste tipo poupança torna-se um subproduto do processo mais vultoso e menos rotineiro – o investimento multiplicador, o que significa que o crescimento em bens de capital. Neste caso, saldos monetários são mantidos em antecipação à compra de bens de não exige a existência de poupança prévia, pois há investimento. Esta demanda pode ser satisfeita pela uma equalização entre poupança e investimento venda de bens e serviços ou de ativos líquidos por parte ao final deste movimento (STUDART, 1993). do empresário ou com dinheiro tomado emprestado junto aos bancos. O pressuposto é que o investimento A partir da premissa de que os bancos não planejado (ex ante) pode precisar garantir sua provisão são meros intermediários de poupança, mas que financeira antes que ocorra o investimento, gerando criam meios de pagamento por meio do crédito uma demanda temporária e antecipada de moeda sem a necessidade de uma poupança prévia, o para uma despesa excepcional. Conseqüentemente, a investimento na visão de Keynes é viável graças à demanda por moeda pelo motivo financeiro resulta – ao nível agregado – da taxa de investimento (CARDIM DE existência da alavancagem financeira, como uma CARVALHO, 2007, p.52-53). fonte alternativa ao autofinanciamento. Chick (1994) explica que: Keynes inverte a causalidade entre poupança, Na teoria keynesiana, o investimento originava a investimento e renda, defendendo que na realidade poupança através da geração de renda: a iniciativa é o nível de investimento que determina a renda e vinha dos empresários e dependia de suas expectativas posteriormente a poupança da economia, pois há quanto ao potencial de lucros no longo prazo. Se suas 128 |
  • 133. Revista da FAE expectativas estivessem corretas, os investimentos para que este processo funcione de forma efetiva feitos seriam suficientemente rentáveis para pagar é necessária os empréstimos tomados para financiá-los: essa é [...] a existência de fundos que permitam às empresas a essência do ato de investir até o ponto em que a reembolsar suas dívidas aos bancos credores, a partir da eficiência marginal (esperada) do capital investido venda de títulos (papéis de longo prazo e/ ou direitos iguala-se à taxa de juros (CHICK, 1994, p.18-19). de propriedade), para que possa haver um ajuste Neste sentido, Keynes também quebra o pa- temporal adequado à maturação do investimento e sua amortização. Em suma, como condição necessária radigma do papel dos juros como simples variável para o aumento da capacidade de financiamento e fruto do cruzamento entre investimento e poupan- para a proteção do sistema financeiro em momentos ça, expondo a visão de que os juros são resultado de crescimento econômico deve existir um arranjo da demanda por moeda do lado dos detentores institucional que permita a “transformação do estoque de dívidas herdado do passado em diversas formas de de renda e da oferta monetária (CHICK, 1994). ativos financeiros de longo prazo” (COSTA4 , 1999 apud A partir dessas concepções, Keynes explica a LOBO, 2005, p.244). relação entre o mercado financeiro e crescimento Há uma convergência entre a teoria dos fun- econômico com o Circuito Finance-Investimento- dos emprestáveis e a visão keynesiana da preferên- Poupança-Funding: cia pela liquidez na teoria de James Tobin de 1958 – para realizar investimentos, as empresas e ampliada posteriormente por outros autores. demandam moeda pelo motivo financeiro Tobin5 (1958 apud CARDIM DE CARVALHO, 2007) (finance motive); traz o conceito da avaliação de risco na alocação – além de meios próprios, as empresas uti- de recursos e escolha de portfólio de investimen- lizam recursos advindos de emissão de tos. O autor explica que o investidor diversifica obrigações e da tomada de empréstimos sua carteira de ativos de acordo com os retornos bancários (geração de meios de pagamento dos títulos com seu grau de aversão a riscos, oti- via crédito); mizando o portfólio ao seu perfil. Portanto, para se promover crescimento econômico, as políticas – os investimentos realizados criam a “onda monetárias devem reduzir a atratividade do ativo de gastos” e o processo multiplicador monetário, fazendo com que seu espaço na car- da renda, a partir do qual a poupança teira ótima seja substituído por ativos de capital. agregada é determinada de acordo com a propensão marginal a poupar; A despeito das divergências conceituais en- tre as diferentes linhas de pensamento da teoria – a poupança gerada é alocada entre ativos econômica, pode-se convencionar que a existência monetários e em títulos no mercado finan- de fontes de financiamento da produção é um ceiro de acordo com a preferência pela liqui- elemento necessário para promoção do cresci- dez, e devido à possibilidade das empresas mento econômico. A disponibilidade de recursos emitirem títulos financeiros de longo prazo (funding), elas podem pagar seus emprés- timos bancários de curto prazo. O crescimento econômico, portanto, pode 4 COSTA, Fernando N. Economia monetária e financeira: uma abordagem pluralista. São Paulo: Makron, 1999. ocorrer sem uma contrapartida inicial de poupança 5 TOBIN, J. Liquidity preference as behavior toward risk. The prévia, por meio deste processo de financiamento Review of Economic Studies, Briston, GB v.25, n.2, p.65- do investimento. De acordo com Lobo (2005), 86, Feb.1958. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010 |129
  • 134. financeiros é um fator necessário para que se A visão de que a estrutura de capital da em- engendre o processo de geração de renda por presa não interfere em seu valor ou custo de capital intermédio da realização de investimentos empre- tomou força com o teorema de Modigliani-Miller sariais. Destaca-se, nesse caso, o papel das fontes (1958), o qual afirma que o valor de uma firma de financiamento de longo prazo. financiada somente por capital próprio possui o mesmo valor de uma firma alavancada. Para esse modelo, os autores se baseiam nas seguintes su- 1.2 Alternativas de financiamento de posições: 1) presença de concorrência perfeita no investimentos empresarial mercado de capitais; 2) graus de risco equivalentes entre as empresas; 3) perfeita informação disponí- Estrutura de capital é a composição de en- vel aos agentes no mercado financeiro; e 4) ausên- dividamento e capital próprio utilizado para o cia de impostos sobre os lucros (ALDRIGHI, 2006). financiamento empresarial. Os tipos de capital A conclusão para esse teorema, no âmbito podem ser próprio, como lucros retidos e emis- macroeconômico, implica que para o crescimento são de ações, ou de terceiros, como empréstimos econômico de um país pouco importa se o seu bancários e emissão de títulos (GITMAN6, 1997 financiamento é baseado no mercado de capitais, apud SOUSA; MENEZES, 1997). crédito bancário ou endividamento externo, Os primeiros estudos sobre estrutura de quando a hipótese de mercados eficientes é capital foram feitos pelos autores denominados respeitada (CASTRO, 2008). tradicionalistas. Estes dividem o custo total de Como crítica e visão alternativa à tradicional capital da empresa em custo do capital acionário da estrutura ótima de capital e ao teorema de e custo da dívida e analisam a variação do custo Modigliani-Miller, há a abordagem histórico- total de acordo com mudanças na composição do institucional, que explica que não há uma estrutura financeira ideal, atemporal e aplicável a todos os capital. Inicialmente, a maior alavancagem finan- países, mas que cada configuração dos mercados ceira reduz o custo total de capital da empresa, financeiros em seu peculiar local e tempo possui pois o pagamento de juros é contabilizado como seu grau de eficácia. As estruturas financeiras são despesa, reduzindo a base de tributação (FAMÁ; de difícil comparação entre os países e por isso GRAVA, 2000). a eficácia deve ser medida pela sua capacidade Porém, sabendo que quanto maior o risco de em fomentar o crescimento e desenvolvimento insolvência maior o retorno pago aos acionistas, o econômico em seu local (CASTRO, 2008). custo total de capital das empresas passa a se elevar Um aspecto importante a ser destacado é a com a crescente proporção de endividamento. A importância das instituições no mercado: embora partir disto, a abordagem tradicional defende uma de instituições fortes possam trazer estabilidade e funcionalidade ao mercado, elas também estrutura ótima de capital, que proporciona maior podem trazer ineficiências à medida que se não valor à empresa. se adaptam às novas circunstâncias conjunturais e se tornam obsoletos neste sentido. Ao longo da história é possível verificar a presença de “mix” diferentes na estrutura fi- 6 GITMAN, Lawrence J. Princípios de administração nanceira dos países, e ao mesmo tempo taxas financeira. São Paulo: Harbra, 1997. 130 |
  • 135. Revista da FAE de crescimento e desenvolvimento econômico A teoria da pecking order desenvolvida por satisfatórias. É o caso das diferenças entre a Myers8 (1984 apud BRITO; CORRAR; BATISTELLA, Alemanha e Inglaterra do século XX; enquanto 2004) explica que as empresas seguem uma hierar- a Alemanha teve seu crescimento com presença quia de opções preferenciais para o financiamento de forte intermediação financeira via bancos, os dos investimentos: as empresas escolhem primeiro ingleses desenvolveram um forte mercado de o autofinanciamento, seguido do endividamento capitais (MOREIRA; PUGA, 2000). ou financiamento via crédito e, em último lugar Observando as diferentes formas de organi- a opção por emissão de ações, para evitar sinali- zação financeira e fomento ao crescimento nos zação negativa no mercado. países Castro (2008) cita as três classificações de As empresas mais lucrativas, de acordo com sistemas financeiros criadas por Zysman7 (1983 esta teoria, recorrem menos aos empréstimos, e apud CASTRO, 2008, p.292): as menos lucrativas, por não terem disponíveis O primeiro se baseia em mercados de capital, com fundos internos suficientes para custearem seus preços refletindo alocações de livre mercado; o segundo investimentos, buscam primeiramente o endivi- se baseia em crédito, com preços administrados pelo damento como fonte de financiamento externo governo; e, finalmente, instituições financeiras privadas dominam o terceiro (sistema com base em crédito (DIAS, 2007). bancário privado). De acordo com Cherobim (2008), devido à Cardim de Carvalho (2007) corrobora essa vi- assimetria de informação são ao destacar as diferenças entre o sistema finan- [...] gestores da empresa sabem mais sobre seus ceiro norte americano (baseado em financiamento projetos, seus riscos e sua valorização do que o investidor externo. Além de o custo do endividamento direto, ou desintermediado) e o japonês e alemão ser menor, é dispendioso e arriscado convencer (baseado em crédito, ou intermediado), salientando acionistas sobre as boas perspectivas de retorno dos que os três países conseguem prover recursos de projetos da empresa; em função disso, eles deveriam longo prazo para suas empresas, não obstante as comprar as ações das empresas a preço justo. É diferenças em seus arranjos institucionais. mais interessante reaplicar os lucros da empresa nos novos projetos do que fazer novas captações junto Outra visão crítica foi a vasta análise feita ao a acionistas. A divulgação é trabalhosa e tem custos, longo dos anos por Stiglitz, o qual concluiu de seus além de municiar a concorrência com informações sobre estudos empíricos que a aplicação do teorema e produtos a serem lançados, sobre novas tecnologias a consequente visão de neutralidade da política e sobre detalhes do planejamento (CHEROBIM, 2008, financeira da empresa sobre seu valor p.49-50). [...] depende de condições muito restritivas, entre No entanto, a principal característica da as quais caberiam destacar: a probabilidade nula de emissão de ações no mercado de capitais não falência, igual acesso dos investidores a informações sobre os retornos da empresa, a neutralidade da são os custos e sim o prazo do financiamento e política financeira das empresas sobre os incentivos e a flexibilidade da remuneração do capital. Como a propensão ao risco de seus diretores, e expectativas a remuneração dos acionistas depende do resul- sobre o valor da empresa independentes da política financeira (ALDRIGHI, 2006, p.7). 7 ZYSMAN, J. Governments, markets, and growth financial 8 MYERS, S.C. The capital structure puzzle. Journal of systems and the politics of industrial change. Ithaca, Finance, Chicago: American Finance Association, v.39, N.Y.: Cornell University Press, 1983. n.3, July 1984. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010 |131
  • 136. tado da empresa, não existe um compromisso dos acionistas assim como crescimento de fixo como a amortização de dívida mobilizando investidores potenciais; recursos que poderiam ser usados em projetos de e) reestruturação societária: capacidade de expansão da empresa. Além disso, não há prazo fazer arranjos societários como processos de vencimento da obrigação, tendo em vista que sucessórios mais facilmente, através de o acionista é sócio da firma. novas emissões de ações; Assim, a decisão de abrir capital ou utilizar f) profissionalização da empresa: alteração empréstimos inclui não apenas a análise do custo na cultura da administração, por haver a de capital, como também a existência de obriga- necessidade de transparência na relação ções fixas e o prazo de vencimento de tal obriga- com investidores ção. De acordo com Casagrande Neto (2000), a g) mudança no relacionamento com funcio- composição da estrutura de capital é definida pela nários: maior participação dos funcionários ponderação de fatores como: na empresa quando estes passam a obter – custo e disponibilidade de capital próprio ações da mesma. e de terceiros; Em contrapartida às vantagens já mencionadas, – grau de risco aceito pelo empresário; surgem novas obrigações e custos relativos às – importância dos investimentos planejados; companhias abertas. Torna-se obrigatória a – índices comparativos setoriais. divulgação de informações econômico-financeiras, A abertura deve levar em conta a análise tanto passa a existir uma auditoria externa e requer-se o estabelecimento de um setor de Relações com destes fatores técnicos - como os custos, análises Investidores (RI). Também deve ser constituído de viabilidade, taxas de retorno do investimento um Conselho de Administração e Conselho Fiscal, – quanto dos subjetivos, tais como aceitação de além de se cobrar profissionalismo do corpo novos acionistas, disposição para prestação de dirigente da empresa e transparência junto aos contas e incorrência de riscos. Assim, na visão de investidores, bem como os adicionais custos legais Casagrande Neto (2000) as principais razões para e administrativos e a necessidade de distribuição a abertura de capital seriam: de resultados aos novos acionistas (CASAGRANDE a) captação de recursos para investimentos: NETO, 2000). abertura de um canal permanente para obtenção de recursos; b) reestruturação de passivos: forma de re- 1.3 A estrutura de capital no Brasil posição de passivos através dos recursos Até a década de 1970, a maioria do investi- obtidos via mercado no lugar de passivos mento no país adveio da intervenção estatal e do de perfil inadequado; endividamento externo, devido à baixa capacida- c) aprimoramento da imagem institucional: de de investimentos do capital privado nacional. conquista de maior credibilidade para Quando realizados, os investimentos privados com seus stakeholders e maior poder de eram viabilizados por subsídios governamentais negociação no mercado; ou financiamentos do Banco Nacional de Desen- d) criação de liquidez patrimonial: maior volvimento Econômico e Social - BNDES (BRESSER mobilidade de negociação do patrimônio PEREIRA, 1987). 132 |
  • 137. Revista da FAE O mercado de capitais brasileiro somente se níveis de inflação relevantes (ASSAF NETO9, 2003 tornou mais organizado a partir de 1964 com o apud BRITO; CORRAR; BATISTELLA, 2004). Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), Alguns estudos empíricos já foram realizados do qual um dos efeitos positivos foi a reforma do sobre a estrutura de capital no Brasil. Brito, Corrar mercado de capitais, cujo objetivo é explicado por e Batistella (2004) analisaram uma amostra de Macarini (2008, p.154): empresas, abrangendo o período de 1998 a 2002, A reforma do mercado de capitais (Lei nº4. 728, de e concluíram que o endividamento médio das 1965) buscou atacar aquele conjunto de problemas empresas brasileiras era de 52,8%, com dívidas – modernizando as Bolsas, extinguindo o monopólio de curto prazo na proporção de 30,2% e de longo dos corretores públicos etc. – e criar um sistema de distribuição de valores mobiliários, composto de prazo em 22,6%. Os autores evidenciaram a corretoras e distribuidoras (com atuação no “varejo”) tendência de restrição de recursos de longo prazo e dos bancos de investimento (dotados da atribuição no país. Neste trabalho, porém, não se verificou de agentes “atacadistas” do mercado)”. uma tendência ao comportamento explicado pela Após esta regulamentação do mercado de teoria de pecking order. capitais, o movimento no mercado acionário expe- O mesmo estudo verificou que quanto maior rimentou uma significativa expansão. O auge ocor- o risco de uma empresa, maior seu grau de reu em 1971 quando se quadruplicou o volume endividamento. Também se confirmou a evidência de transações nas bolsas brasileiras, gerando uma empírica de que no Brasil as grandes empresas grande bolha especulativa no período, precedida têm mais facilidade em captar recursos de longo de um posterior desaquecimento continuado no prazo do que as menores. mercado acionário que perdurou pela década de Schnorrenberger (2004) estudou a influência 1980 (MACARINI, 2008). da estrutura de controle acionário nas decisões Mesmo após a estruturação do mercado de de estrutura de capital das empresas brasileiras capitais brasileiro, o padrão de financiamento listadas na Bolsa de Valores de São Paulo - Bovespa das empresas brasileiras ainda é mais voltado de 1995 a 2000 e concluiu que as empresas de ao autofinanciamento e ao crédito do que ao maior concentração acionária têm tendência a se mercado. Esta tendência pode ser explicada devido endividarem menos e a evitarem riscos. Observou ao porte reduzido e caráter familiar da maioria das também que as empresas que retêm maiores empresas brasileiras (MACARINI, 2008). lucros utilizam em maior proporção recursos Conforme explica a abordagem histórico- próprios para a realização de investimentos. institucional referente às teorias de estrutura de Outros estudos sobre estrutura de capital no capital, cada país possui suas peculiaridades que Brasil foram realizados. Matsuo, Rochman e Eid dificultam a avaliação de uma melhor estrutura Junior (2008, p.87-88) apontam que no período financeira para o desenvolvimento econômico. de 1988 a 2005 foram publicados 96 trabalhos Algumas das particularidades do Brasil são as sobre o assunto em eventos e periódicos nacionais taxas de juros heterogêneas às internacionais, e internacionais. Após uma detalhada revisão de a presença de controles artificiais de mercado e tais trabalhos, os autores resumem que: 9 ASSAF NETO, A. Finanças corporativas e valor. São Paulo: Atlas, 2003. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010 |133
  • 138. – as empresas preferem financiamento pe- 1.4 O desenvolvimento do mercado de los lucros retidos, dívida e capital próprio, capitais do Brasil na década de 2000 seguindo a pecking order. Contudo, as escolhas são bastante limitadas devido às Conforme observado na seção anterior, o mercado de capitais brasileiro nunca desempe- restrições do mercado de capitais e, con- nhou um papel significativo no financiamento sequentemente, o seu crescimento; produtivo e desde a bolha especulativa do início – lucros retidos são a principal fonte de fi- da década de 1970 mergulhou em um período de nanciamento, mais do que 50% do total, fraca atividade que perfurou até a década de 1990, seguido pela dívida e capital próprio; quando houve uma breve recuperação. – mesmo na ausência de mercados secun- A respeito dessa recuperação observada a dários, a importância das debêntures vem partir do início dos anos 1990, um estudo do aumentando. Razão para o sucesso são comportamento do mercado de capitais brasileiro as sofisticadas restrições e garantias para do período contido na publicação da Bovespa ambos: empresas e investidores; “Desafios e oportunidades para o mercado de – exposição aos mercados externos por meio capitais brasileiro”, traz a seguinte conclusão: O mercado de capitais brasileiro, em especial o de ADRs reduz a assimetria de informação, mercado acionário, passou por uma fase de aparente reduzindo a volatilidade, e retornos anor- florescimento nos anos 90. Neste período observamos mais negativos. grande aumento da capitalização bursátil, volume transacionado e emissões primárias. Este crescimento Os autores ainda comentam que alguns é fortemente influenciado pela entrada expressiva de estudos indicam que a opção por alavancagem capitais estrangeiros (BOVESPA, 2000, p.47). ocorre quando há restrições financeiras em dívida As mudanças da década de 1990, como a e capital próprio. “Este caso te sido muito comum abertura comercial e financeira e o controle da no Brasil e explica o volume de lucros retidos das inflação colaboraram para reavivar o mercado de empresas” (MATSUO; ROCHMAN; EID JUNIOR, capitais nacional, mas outras medidas macroe- 2008, p.88). conômicas e institucionais faziam-se necessárias O estudo das estruturas de capital apresentadas para fortalecer o mercado. no Brasil ainda é campo fértil para pesquisa, Após um período de sucessivas perdas de devido ao caráter dinâmico do mercado e às expressão do mercado de capitais nacional em possíveis alterações no padrão de financiamento virtude das crises asiática e russa ocorridas em ao longo do tempo. Diversas pesquisas já foram 1997 e 1998, seguidas da crise cambial no país em 1999, a crise argentina de 2001 e outros realizadas sobre o assunto e, de maneira geral, eventos como os ataques terroristas aos Estados observa-se que o financiamento via mercado de Unidos, o mercado de capitais brasileiro encolheu capitais ainda perde para o endividamento e para consideravelmente. Medidas governamentais o autofinanciamento, tendo, portanto, muito de tributação das aplicações de capital também espaço ainda a ser conquistado na participação reforçaram este movimento negativo. da estrutura de capital. A partir disto a Bovespa liderou a chamada “Ação Cívica pelo Fortalecimento do Mercado de Capitais” que tinha a participação de outras 134 |
  • 139. Revista da FAE 45 entidades, entre elas a FEBRABAN (Federação recursos, ajuste fiscal de longo prazo e Brasileira das Associações de Bancos), a ANBID redução da vulnerabilidade externa para (Associação Nacional dos Bancos de Investimento), reduzir taxa de juros básica, ampliação da a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São regulação dos participantes do mercado. Paulo) e o IBMEC (Instituto Brasileiro de Mercado Na introdução do Plano Diretor em 2002, de Capitais). Nesse movimento foram lançadas foram lançadas 50 medidas específicas, as quais diretrizes e ações voltadas ao fortalecimento exigiam ações tanto das empresas quanto dos do mercado de capitais, as quais incluíam a investidores e governo. Devido ao comprometi- política macroeconômica, ações para empresas, mento das entidades envolvidas e do constante investidores, agentes de mercado, além de acompanhamento do progresso na implementa- medidas de regulação, mobilização e divulgação ção do Plano, diversas medidas já foram efetiva- do mercado de capitais (BOVESPA, 2005). mente cumpridas, dentre as quais destacam-se Foi então elaborado o Plano Diretor do Merca- (IBMEC, 2008): do de Capitais com o objetivo de criar condições de – adoção de normas de governança corpo- isonomia competitiva em relação às práticas inter- rativa, transparência e cumprimento de nacionais e condições de eficiências. As diretrizes regras; e ações do Plano focavam o mercado de capitais – reformulação da lei que regulamenta a re- como fonte de liquidez e recursos para empresas cuperação judicial, extrajudicial e a falência e como melhor alternativa de investimento para do empresário e da sociedade empresária; investidores, bem como a regulação para preservar – criação do Comitê de Pronunciamentos a credibilidade e promover o desenvolvimento de Contábeis – CPC em 2005 com fins de instituições, mercados e produtos. trazer convergência internacional das nor- O Plano foi dividido em 12 diretrizes e 50 mas contábeis e centralização na emissão ações específicas, com o intuito de sobrepujar os de normas, e a determinação do Banco obstáculos observados e promover o desenvolvi- Central de que os Bancos publiquem suas mento do mercado de capitais. Em resumo, as di- demonstrações no padrão internacional retrizes podem ser organizadas da seguinte forma: (IFRS) até 2010; – estímulo à oferta de recursos: implemen- – regulamentação e incentivo à atuação de tação de fundos de pensão aos servidores fundos de private equity e venture capital por públicos, difusão do mercado a maior par- meio da Instrução CVM nº 209/94 e 391/03; cela da população, avanço nas medidas de – estímulo ao investimento estrangeiro nas proteção ao investidor, adoção de critérios bolsas brasileiras por meio de projetos de tributação condizentes com as práticas como o Projeto BEST Brazil; internacionais; – implementação de um critério de tributa- – estímulo à demanda: promoção do acesso ção do mercado de capitais em harmonia ao mercado; redução do custo de capital; com as práticas internacionais através da – macroeconômicos/Institucionais: incor- extinção da CPFM (Contribuição Provisória poração do desenvolvimento do mercado sobre a Movimentação ou Transmissão de nos planos governamentais, substituição Valores e de Créditos de Natureza Financei- do governo pelo mercado na alocação de ra) em 2007 e da possibilidade de adesão Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010 |135
  • 140. a regimes de tributação regressiva do im- GRÁFICO 01 - BOVESPA: VOLUME FINANCEIRO X NÚMERO DE NEGÓCIOS (2000-2007) posto de renda na fonte de rendimentos advindos de planos previdenciários de longo prazo (Lei 11053/04). A partir de 2004, como resultado das pri- meiras ações, mas também acompanhando a trajetória internacional, o mercado de capitais brasileiro apresentou um crescimento significa- tivo, indicando um fortalecimento do setor. O bom desempenho é percebido em dados como o crescimento significativo do volume de negócios FONTE: Bovespa (2008) realizados, o desempenho do Índice Bovespa, O volume médio diário negociado cresceu de o nível de capitalização das empresas e outros R$746,7 milhões em 2000 para R$ 4,9 bilhões no indicadores. fim de 2007, mantendo a trajetória ascendente O número de empresas listadas em bolsa ao longo de 2008 até o mês de maio, no qual o apresentou crescimento de 3,4% em 2006 e 13,7% volume médio diário chegou a R$ 7 bilhões. em 2007, passando de 381 empresas em 2005 Houve também um grande fluxo de capital para o número de 394 em 2006 e 448 em 2007. O estrangeiro para as bolsas brasileiras na negocia- número de empresas que abriram capital também ção direta de ações na Bovespa e em aquisições cresceu consideravelmente no período de 2004 a realizadas nas ofertas públicas de ações (IPOs). De 2007, conforme os dados abaixo: acordo com dados da Bovespa, a participação dos TABELA 01 - BOVESPA: NÚMERO DE ABERTURAS DE investidores estrangeiros no volume financeiro total CAPITAL (2004-2007) negociado passou de 29,1% em janeiro de 2002 Ano 2004 2005 2006 2007 para 37,98% em dezembro de 2007. Em termos ab- Número de IPO 7 9 26 64 solutos, o ingresso de capital estrangeiro aumentou FONTE: Bovespa (2008) de R$ 5,4 bilhões em janeiro de 2002 para R$ 75, 5 bilhões em dezembro de 2007, evidenciando a O índice Ibovespa passou dos 11.268 pontos grande expansão do mercado no período. ao final de 2002 para 63.886 pontos em 2007, O conjunto de informações recentes do mer- um crescimento de 466,97%. Entre 2004 e 2007 cado de capitais brasileiro mostra que a atividade a maioria dos demais índices da BM&FBOVESPA econômica do setor tem crescido consideravel- cresceu anualmente, com destaque para o IBrX- mente nos últimos anos. Esta expansão torna 50, que avalia o desempenho das 50 ações mais apropriada a análise da destinação dos recursos negociadas na Bovespa em termos de liquidez; e o captados para verificar sua contribuição para os IGC – Índice de Ações com Governança Corporativa investimentos produtivos. Diferenciada, cujo crescimento foi de 167,19% no período (BOVESPA, 2008). O gráfico 01 ilustra a evolução do mercado, apresentando o volume financeiro total e o núme- ro de negócios efetuados na Bovespa no período de 2000 a 2007, apresentados no gráfico 01: 136 |
  • 141. Revista da FAE 2 Metodologia ção secundária, as ações ofertadas são de propriedade de sócios e os recursos desti- nados somente aos mesmos. A distribuição A pesquisa é de caráter exploratório baseada mista tem os dois propósitos, mas entraria em dados secundários. Os dados foram obtidos nas na análise também a destinação de recur- seções referentes às empresas listadas disponíveis sos para remuneração dos sócios. Portanto, no site da Bovespa, e nos prospectos de abertura para os fins de análise dos impactos da de capital das empresas selecionadas registrados abertura de capital no setor produtivo, a na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). distribuição primária é de maior relevância; A princípio, o universo de análise constituía- – por fim, foram retiradas as empresas clas- se em 106 empresas que abriram o capital no sificadas como “Instituições Financeiras” período de 2004 a 2007. No entanto, para maior com o objetivo de manter somente as homogeneidade de características e utilização dos empresas cujos recursos teriam a possibi- recursos, esse universo foi delimitado a partir dos lidade de ser empregados exclusivamente seguintes critérios: no âmbito produtivo. – foram excluídas empresas do segmento Sendo assim, a população constituía-se em de listagem Brazilian Depositary Receipts empresas nacionais não financeiras que abriram (BDR), referente a empresas estrangeiras capital no período de 2004 a 2007, com oferta pri- que ofertam valores mobiliários no mercado mária e nos segmentos de governança corporativa nacional. O critério para exclusão é o de Novo Mercado, pois nenhuma das empresas sele- que os recursos captados seriam usados cionadas estava em outro segmento de listagem. no país de origem e não no Brasil; A aplicação do filtro totalizou 25 empresas. Como – excluiu-se as empresas cuja natureza da a definição de uma amostragem probabilística oferta era secundária ou mista, mantendo- totalizaria 24 empresas, decidiu-se utilizar todos -se apenas as ofertas primárias. Na distri- os elementos da população para melhorar o nível buição primária, ofertam-se novas ações ao de confiança da pesquisa. mercado e os recursos advindos da venda As empresas selecionadas para análise são são dirigidos às empresas. Já na distribui- apresentadas no quadro 01. QUADRO 01 - IPOS DE NATUREZA PRIMÁRIA DE EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS (2004-2007) Continua NOME DA EMPRESA NOME NO PREGÃO ANO DE ABERTURA SEGMENTO DE LISTAGEM MPX Energia S/A MPX ENERGIA 2007 Novo Mercado Helbor Empreendimentos S.A. HELBOR 2007 Novo Mercado Marisa S.A. MARISA 2007 Novo Mercado Construtora Tenda S/A TENDA 2007 Novo Mercado Trisul S/A TRISUL 2007 Novo Mercado General Shopping Brasil S/A GENERALSHOPP 2007 Novo Mercado Companhia Providencia Ind. e Comercio PROVIDENCIA 2007 Novo Mercado Açúcar Guarani S/A GUARANI 2007 Novo Mercado Invest Tur Brasil Des. Imob e Turístico INVESTTUR 2007 Novo Mercado Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010 |137
  • 142. QUADRO 01 - IPOS DE NATUREZA PRIMÁRIA DE EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS (2004-2007) Conclusão NOME DA EMPRESA NOME NO PREGÃO ANO DE ABERTURA SEGMENTO DE LISTAGEM EZ TEC Empreendimentos e Participações S.A. EZTEC 2007 Novo Mercado Inpar S/A INPAR S/A 2007 Novo Mercado CR2 Empreendimentos Imobiliários S/A CR2 2007 Novo Mercado JHSF Participações S.A. JHSF PART 2007 Novo Mercado BR Malls Participações S/A BR MALLS PAR 2007 Novo Mercado Even Construtora e Incorporadora S.A. EVEN 2007 Novo Mercado GVT (Holding) S.A. GVT HOLDING 2007 Novo Mercado Iguatemi Empresa de Shopping Centers S.A IGUATEMI 2007 Novo Mercado Rodobens Negócios Imobiliários SA RODOBENSIMOB 2007 Novo Mercado Brasil Ecod Ind Com Biocomb Oleos Veg SA ECODIESEL 2006 Novo Mercado Abyara Planejamento Imobiliário S.A ABYARA 2006 Novo Mercado MMX Mineração E Metálicos S/A MMX MINER 2006 Novo Mercado BrasilAgro Cia Bras Propriedades Agricol BRASILAGRO 2006 Novo Mercado Cia. de Saneamento de Minas Gerais COPASA 2006 Novo Mercado Cosan S.A. Indústria e Comércio COSAN 2005 Novo Mercado Renar Maçãs S/A RENAR 2005 Novo Mercado FONTE: Bovespa (2008) Para identificar a destinação dos recursos das A pesquisa se limita a fazer uma análise de empresas, a pesquisa se baseou na análise dos caráter subjetivo dos dados levantados com o ob- prospectos definitivos de distribuição pública de jetivo de identificar a parcela de recursos captados ações de cada empresa disponível na CVM. Foram destinados aos investimentos. extraídos os seguintes dados: nome da empresa; data do prospecto definitivo; valor total da ofer- ta; valor total da oferta descontadas as diversas comissões; valor líquido deduzidos os demais 3 Análise dos dados custos da oferta; capital social antes da abertura e informações dos planos para destinação dos re- Ao se analisar as aberturas de capital na Bo- cursos. Em que pese a existência de uma estrutura vespa no período de 2004 a 2007, verifica-se que única e consolidada dos prospectos definitivos 71% das empresas optaram pelo segmento de de distribuição pública de ações, na coleta dos listagem Novo Mercado, indicando a tendência de dados selecionados para análise, observou-se a adesão a altos níveis de governança corporativa possibilidade de melhoria na padronização das pelas novas participantes do mercado acionário. informações fornecidas pelas empresas para cada Em volume, o segmento Novo Mercado represen- item do prospecto. tou 77% do total captado. O número de empresas A análise foi realizada individualmente por que abriram capital no Novo Mercado e no Nível empresa e os dados mais relevantes foram agre- 2, os mais altos níveis de governança corporativa, gados para a elaboração de gráficos e tabelas com representa 86% do total de empresas. Na tabela o objetivo de comparar o comportamento das 02 pode-se observar os dados referentes ao seg- empresas para verificação de um possível padrão mento de listagem: na proporção de realização de investimentos em relação ao capital adquirido. 138 |
  • 143. Revista da FAE TABELA 02 - NÚMERO DE ABERTURAS POR SEGMENTO DE LISTAGEM E NATUREZA DA OFERTA (2004-2007) Segmento de Nº de Volume (R$ Nº de % % % Listagem Empresas milhões) investidores BDR 8 7,55% 4.231,00 5,23% 40.965 3,34% Nível 1 8 7,55% 4.992,00 6,17% 74.621 6,08% Nível 2 15 14,15% 9.428,00 11,65% 144.791 11,79% Novo Mercado 75 70,75% 62.310,00 76,96% 967.767 78,80% TOTAL 106 100,00% 80.961,00 100,00% 1.228.144 100,00% FONTE: Bovespa (2008) Percebe-se que as aberturas de natureza pri- A tabela abaixo apresenta os dados de aber- mária foram realizadas por 31% das empresas, tura, bem como a relação entre a captação efetiva mas o volume de recursos captados representa e o capital social antes do IPO das 25 empresas aproximadamente 25% do total. da amostra. TABELA 03 - OFERTA INICIAL X VOLUME CAPTADO X CAPITAL SOCIAL ANTES DO IPO Continua VOLUME VALOR DA CAPTADO/ CAPITAL SOCIAL CAPTAÇÃO EMPRESA (NOME NO EFETIVAMENTE OFERTA INICIAL OFERTA INICIAL ANTES DO IPO EFETIVA/ CAPITAL PREGÃO) CAPTADO (R$ (R$ milhões) (%) (R$ milhões) SOCIAL (%) milhões) MPX ENERGIA 1.916,36 2.035,00 106,19 10,58 19.233,63 MMX MINER 1.029,01 1.119,00 108,75 23,62 4.737,58 GVT HOLDING 936,00 1.076,00 114,96 1.220,71 88,15 INVESTTUR 840,00 945,00 112,50 0,10 935.643,56 COSAN 770,23 886,00 115,03 300,00 295,33 COPASA 723,08 813,00 112,44 1.818,78 44,70 INPAR S/A 661,50 756,00 114,29 29,92 2.527,14 GUARANI 665,76 666,00 100,04 344,99 193,05 BR MALLS PAR 605,28 657,00 108,55 517,72 126,90 TENDA 603,00 603,00 100,00 89,70 672,24 BRASILAGRO 518,40 583,00 112,46 1,02 56.933,59 IGUATEMI 477,11 549,00 115,07 216,00 254,17 EZTEC 471,43 542,00 114,97 181,92 297,93 MARISA 440,00 506,00 115,00 44,63 1.133,65 PROVIDÊNCIA 468,75 469,00 100,05 419,77 111,73 EVEN 400,00 460,00 115,00 99,67 461,54 RODOBENSIMOB 390,00 449,00 115,13 63,94 702,24 JHSF PART 376,00 432,00 114,89 69,33 623,07 ECODIESEL 378,93 379,00 100,02 10,02 3.780,62 TRISUL 318,84 330,00 103,50 107,69 306,45 CR2 307,58 308,00 100,14 61,86 497,92 GENERALSHOPP 273,00 287,00 105,13 31,08 923,28 HELBOR 232,46 252,00 108,41 89,11 282,80 ABYARA 163,75 164,00 100,15 1,30 12.615,38 Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010 |139
  • 144. TABELA 03 - OFERTA INICIAL X VOLUME CAPTADO X CAPITAL SOCIAL ANTES DO IPO Conclusão VOLUME VALOR DA CAPTADO/ CAPITAL SOCIAL CAPTAÇÃO EMPRESA (NOME NO EFETIVAMENTE OFERTA INICIAL OFERTA INICIAL ANTES DO IPO EFETIVA/ CAPITAL PREGÃO) CAPTADO (R$ (R$ milhões) (%) (R$ milhões) SOCIAL (%) milhões) RENAR 16,00 16,00 100,00 26,40 60,61 TOTAL 13.982,47 15.282,00 109,29 5.779,87 264,40 MÉDIA 559,30 611,28 108,51 231,19 264,40 FONTE: Adaptado de CVM (2008) O volume captado pelas empresas analisadas GRÁFICO 02 - RECURSOS EFETIVAMENTE CAPTADOS PELAS representa 17,3% do total levantado no período, EMPRESAS DA AMOSTRA POR SETOR DE apresentado na tabela 02. O total de recursos ATUAÇÃO brutos ofertados inicialmente pelas 25 empresas da amostra foi de quase R$14 bilhões, porém o total efetivamente captado foi 9,29% maior (pouco mais de R$ 15 bilhões) devido à possibilidade de emissão de ações adicionais na proporção de até 15% do total das ações inicialmente ofertadas. Observou-se que todas as empresas da amostra tiveram suas ações absorvidas pelo mercado integralmente ou acima do valor ofertado inicial, o que seria explicado pela adesão de 24 das 25 empresas ao regime de colocação de garantia firme, a qual obriga a instituição coordenadora da oferta a adquirir eventuais ações não vendidas no mercado. O grau de diluição da composição societária das empresas após a abertura foi comparado pela proporção do valor da oferta em relação ao capital social antes do IPO, e observou-se que 22 empresas realizaram ofertas primárias em valores acima do capital social prévio à abertura, mostrando tendência à considerável diluição da composição societária a partir da abertura de capital. Os destaques são Investtur, Brasilagro, MPX e Abyara, cujo volume captado foi mais de 100 vezes maior do que o capital social. O gráfico 02 apresenta a distribuição de recursos de acordo com o setor de atividade econômica. FONTE: Adaptado de CVM (2008) 140 |
  • 145. Revista da FAE O setor de construção civil, composto por Na primeira categoria foram classificadas 10 empresas, representou 28% do total, seguido destinações para redução de recursos de terceiros, do setor agrícola. Outros setores expressivos são financiamento de aquisições feitas, assim como o energético e o setor de administração e par- pagamento de obrigações com sócios, com desti- ticipação em shoppings centers e imóveis, que nações em 13 empresas da amostra, cujos valores correspondem, respectivamente, a 13% e aproxi- identificados representavam 11,4% do total. madamente 10% do total de recursos. Na classificação “capital de giro ou financia- mento a clientes” foram listadas 16 empresas, Quanto à destinação dos recursos, as infor- sendo que destas 3 não explicitaram valores exatos mações existentes nos prospectos foram dividas a serem empregados (MMX Mineração e Metálicos nas 5 categorias a seguir: S.A., MPX Energia S.A. e INPAR S.A). Os volumes a) alongamento do perfil de endividamento identificados mostram que o valor destinado a ou redução de passivo; esse fim representa quase 7% do total levantado. b) capital de giro ou financiamento a clientes; A classificação de “investimentos produtivos” abrange investimentos em capacidade instalada, c) investimentos produtivos (implantação de projetos como de incorporação e construção, ex- projetos, investimentos em imobilizado, pansão de redes de venda, aquisição de terrenos infraestrutura); e equipamentos, entre outros. A proporção de d) investimento ou aquisição de participações recursos com destinação identificada como inves- societárias; timentos produtivos seria cerca de 40% em relação ao total de empresas da amostra. A tabela a seguir e) reestruturação, modernização e recupera- apresenta os valores aproximados coletados do ção empresarial. prospecto destinado a investimentos produtivos: TABELA 04 - DESTINAÇÃO DOS RECURSOS - “INVESTIMENTOS PRODUTIVOS” continua ESTIMATIVA PARA INVESTIMENTO EMPRESA VALOR DA OFERTA (R$) % PRODUTIVO (R$) RENAR 16.000.000,00 17,33% 2.773.333,33 PROVIDÊNCIA 468.750.000,00 25,00% 117.187.500,00 BR MALLS PAR 605.278.845,00 30,00% 181.583.653,50 TRISUL 318.835.000,00 35,00% 111.592.250,00 ECODIESEL 378.932.220,00 37,00% 140.204.921,40 EZTEC 471.431.147,00 37,50% 176.786.680,13 GUARANI 665.758.062,00 40,00% 266.303.224,80 GENERAL SHOPP 273.000.000,00 40,00% 109.200.000,00 MARISA 440.000.000,00 41,00% 180.400.000,00 IGUATEMI 477.110.820,00 45,00% 214.699.869,00 GVT HOLDING 936.000.000,00 46,65% 436.644.000,00 HELBOR 232.458.919,00 73,00% 169.695.010,87 RODOBENS IMOB 390.000.000,00 80,00% 312.000.000,00 ABYARA 163.750.000,00 80,53% 131.867.875,00 TENDA 603.000.000,00 82,00% 494.460.000,00 EVEN 400.000.003,50 85,00% 340.000.002,98 Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010 |141
  • 146. TABELA 04 - DESTINAÇÃO DOS RECURSOS - “INVESTIMENTOS PRODUTIVOS” conclusão ESTIMATIVA PARA INVESTIMENTO EMPRESA VALOR DA OFERTA (R$) % PRODUTIVO (R$) INVESTTUR 840.000.000,00 88,60% 744.240.000,00 COPASA 723.076.928,50 90,00% 650.769.235,65 CR2 307.575.000,00 100,00% 307.575.000,00 BRASILAGRO 518.400.000,00 100,00% 518.400.000,00 JHSF PART 376.000.000,00 < 38,20% < 143.632.000,00 INPAR S/A 661.500.000,00 < 80% < 529.200.000,00 COSAN 770.232.480,00 < 88,19% < 679.268.024,11 MMX MINER 1.029.010.850,00 N/A N/A MPX ENERGIA 1.916.364.816,09 N/A N/A Subtotal 1- excluindo JHSF, INPAR, 9.229.356.945,00 60,75% 5.606.382.556,65 COSAN, MMX e MPX Subtotal 2 – excluindo MMX e MPX 9.229.356.945,00 63,00% 6.958.482.580,76 FONTE: Adaptado de CVM (2008) O subtotal 1 abrange as empresas cujas infor- No quarto critério foram listadas destinações mações do prospecto eram mais claras e mostra de recursos a compras de instalações de proprie- que o total destinado a investimentos produtivos dade de terceiros, incorporação de empreendi- representava quase 61% do volume captado por mentos, aquisição de maiores participações em essas empresas. O subtotal 2 inclui a estimativa companhias e aquisição de empresas em setores das outras 3 outras companhias cujas informa- complementares, com participação de 7 empresas ções não estavam suficientemente explícitas no da amostra. Dos recursos identificados, o volume prospecto, mas que continham indicações de pro- destinado a esse fim representa quase 9%. porção de alocação em investimento produtivo. A última classificação se refere a investi- Nesse caso, percebe-se que o percentual destinado mentos em melhorias em sistemas produtivos, a investimentos produtivos das empresas analisa- estruturação de novas cadeias de matérias-primas, das representaria 63% do total captado por elas. logística, tecnologia da informação, pesquisa e Na comparação com o total captado por todas as desenvolvimento, modernização dos pontos de empresas da amostra, o subtotal 2 representaria venda, dentre outros, destinação apresentada 50% das destinações de recursos. somente em 3 das empresas. O volume destinado a investimentos nessa rubrica representa 1,5% do A exclusão das companhias MMX e MPX pre- total ofertado. judica uma análise mais precisa, mas é importante Em algumas empresas, considerável parte lembrar que tais empresas eram recém-criadas na dos recursos totais não pode ser identificada em época da abertura de capital e, portanto, possivel- valores monetários nas classificações lançadas. mente pretendiam usar seus recursos em capital Esses recursos não identificados são significativos de giro e investimentos em projetos do setor na amostra analisada, pois representam 31,5% da energético e minerador. Nesse caso, o percentual oferta inicial total das empresas da amostra, o que de recursos dessas empresas destinado a investi- compromete a precisão da análise da destinação mentos produtivos seria, potencialmente, elevado. dos recursos por parte das empresas. 142 |
  • 147. Revista da FAE Contudo, uma análise parcial da tendência de e recuperação empresarial” apresenta proporção destinação dos recursos da amostra pode ser feita baixa devido a sua especificidade. ao excluírem-se os recursos com destinação não Percebe-se que embora o destino investimen- identificada, configurando-se então as proporções tos produtivos seja menos da metade do total conforme o gráfico 03: captado, eles são significativos e constituem a GRÁFICO 03 - DESTINAÇÃO PROPORCIONAL DOS principal destinação dos recursos captados pelas RECURSOS IDENTIFICADOS empresas analisadas. Quando se inclui a estimativa de investimentos produtivos das empresas JHSF, INPAR e COSAN na análise, a rubrica atinge 50% do volume total captado pelas empresas da amostra. A utilização de recursos para alongamento do perfil de endividamento indicaria uma substituição de dívidas de curto prazo para longo prazo. Isso significaria que parte dos recursos destinados a alongamento do perfil de endividamento ou redução de passivo estaria relacionada a investimentos produtivos, pois é possível que as empresas captem recursos via abertura de capital com o intuito de compatibilizar fluxo de caixa de longo prazo com financiamento adequado, ou seja, substituição de endividamento de curto prazo em possíveis investimentos produtivos passados. Conclusões Conforme discutido anteriormente, no Brasil o mercado de capitais, especialmente bolsa de valores, não desempenhou um papel significativo como fonte de financiamento empresarial. As explicações mais frequentes para tal situação é o modelo de financiamento do país baseado em crédito, do qual parte predominante dos recursos provém de financiamento público (BNDES). No entanto, buscando ampliar as fontes de FONTE: Adaptado de CVM (2008) financiamento das empresas e fortalecer o merca- O emprego de recursos em aquisições de par- do de capitais, as instituições do setor financeiro ticipações societárias caracteriza somente inver- buscaram desenvolver ações para ampliar a cana- sões financeiras e possui significativa participação lização de recursos dos investidores ao mercado em conjunto com o uso para capital de giro. Já de capitais, além de estimular a demanda por a classificação de “reestruturação, modernização recursos nesse segmento pelas empresas. Para incentivar a oferta de recursos, buscou-se estabe- Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010 |143
  • 148. lecer medidas que reduzissem o risco dos ativos, Não obstante, dos recursos identificados nos aumentasse a transparência de informações e prospectos para as destinações elencadas, obser- melhorasse sua rentabilidade relativamente aos vou-se que pelo menos 61% do volume captado títulos públicos, além de atrair um maior número pelas empresas tinham como destinação planejada de investidores como fundos de previdência pri- a realização de investimentos produtivos. Sendo vada e pequenos poupadores. assim, as captações por essas empresas refletem Medidas macroeconômicas também foram em parte as concepções teóricas de que o mercado indicadas nas diretrizes do Plano Diretor do Mer- de capitais é fonte de recursos para financiamento, cado de Capitais para reduzir o risco sistêmico e principalmente, de investimentos produtivos. melhorar a atratividade dos ativos de renda variá- Além disso, ao se analisar a demais destinação vel. Além disso, medidas institucionais foram ado- percebe-se que embora não utilizados direta- tadas para melhorar a proteção aos investidores, mente no financiamento produtivo, tais recursos ampliar os canais de captação de recursos (fundos foram alocados em operações de longo prazo, de private equity, venture capital e previdência como alongamento do perfil de endividamento privada), além de facilitar o acesso das empresas para longo prazo e investimento ou aquisição de ao mercado de capitais. participações societárias. Embora não sejam dire- Tais medidas resultaram na expansão do mer- tamente aplicados a investimento produtivo, os cado, na medida em que o número de empresas recursos teriam impacto nessa rubrica na medida e o volume negociado aumentaram consideravel- em que alongamento de perfil de endividamento, mente na década de 2000. por exemplo, provém da necessidade de se conci- liar fluxo de caixa de possíveis investimentos pro- A análise realizada para o período de 2004 a dutivos de longo prazo realizados anteriormente 2007 mostra que a maior parte das empresas abriu com recursos de curto prazo. Ao proceder desta capital no segmento Novo Mercado, com maior maneira, o mercado de capitais estaria cumprindo transparência e benefícios para o investidor. Os seu papel primordial de funding ou financiamento dados mostram que a maior parte das aberturas dos investimentos empresariais de longo prazo. foi de natureza mista, o que significa a utilização do mercado de capitais para realização do retorno Ressalta-se, porém, o tamanho limitado da do investimento realizado pelos sócios. A análise amostra frente à dimensão total do mercado de da destinação dos recursos, no entanto, foi capitais brasileiro, que apresenta diferentes natu- realizada apenas em empresas com natureza de rezas de oferta, segmentos de listagem de ações e oferta primária, que representou 25% do volume mercados além do acionário, como por exemplo captado no período. o de debêntures. Esta pesquisa analisou somente um corte específico do mercado acionário, com- Constatou-se a necessidade de maior padro- posto pelas ofertas de natureza primária, de em- nização nas informações prestadas pelas compa- presas não-financeiras, excluindo-se o segmento nhias em seus prospectos, principalmente no que BDR. Uma análise de escopo maior, abrangendo tange à apresentação de valores quantitativos na outros tipos de produtos, poderia trazer resultados destinação de recursos. Este fator é nítido nos mais conclusivos e concretos quanto à importância dados da pesquisa, pois não foi possível analisar a do mercado de capitais brasileiro em seu papel de destinação de aproximadamente 30% dos recursos financiador dos investimentos produtivos, ou na ofertados inicialmente, já que os prospectos não identificavam a destinação. estrutura de capital das empresas. • Recebido em: 01/09/2010 • Aprovado em: 30/11/2010 144 |
  • 149. Revista da FAE Referências ALDRIGHI, D. M. Uma avaliação das contribuições de Stiglitz à teoria dos mercados financeiros. Revista de Economia Política, São Paulo, v.26, n.1, p.135-57, jan./mar. 2006 BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO – BOVESPA. Estudos para o desenvolvimento do mercado de capitais: desafios e oportunidades para o mercado de capitais brasileiro. São Paulo, jun. 2000. Disponível em: <http://www.bovespa.com.br/pdf/mercado_capitais_desafios.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2009. ______. Informações gerais sobre a BOVESPA e o mercado de capitais: dados & notas. São Paulo, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www.bovespa.com.br/pdf/DadosNotas.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2009. ______. Mercado diário: sala de imprensa. São Paulo, 2009. Disponível em: <http://mrm. comunique-se.com.br/arq/86/arq_86_5848.xls>. Acesso em: 16 mar. 2009. ______. Plano diretor do mercado de capitais 2005. São Paulo, dez. 2004. Disponível em: <http:// www.bovespa.com.br/pdf/PlanoDiretor2005.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2009. BRESSER PEREIRA, L. Mudanças no padrão de financiamento do investimento no Brasil. Revista de Economia Política, São Paulo, v.7, n.4, p.5-22, out./dez. 1987. BRITO, G. A. S.; CORRAR, L. J.; BATISTELLA, F. D. Fatores determinantes da estrutura de capital das maiores empresas que atuam no Brasil. In: CONGRESSO USP DE CONTROLADORIA E CONTABILIDADE, 4., 2004, São Paulo. Anais eletrônicos... São Paulo: USP, 2004. CARDIM DE CARVALHO, F. Economia monetária e financeira. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2007. CASAGRANDE NETO, H. Abertura do capital de empresas no Brasil: um enfoque prático. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2000. CASTRO, L. B. Financiamento e crescimento econômico. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v.14, n.29, p. 277-308, jun. 2008. CHEROBIM, A. P. Estrutura de capital: revisão teórica. In: SAITO, R.; PROCIANOY, J.L. (Orgs.) Captação de recursos de longo prazo. São Paulo: Atlas, 2008. CHICK, Victoria. A evolução do sistema bancário e a teoria da poupança, do investimento e dos juros. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.15, n.1, p.9-23, 1994. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS – CVM. Prospectos definitivos (empresas selecionadas). São Paulo: CVM, 2008. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em: 10 abr. 2009. DIAS, E. M. Decisões de financiamento de empresas brasileiras de capital aberto maduras: testando pecking order. 2007. 64p. Dissertação (Mestrado Profissionalizante em Economia) – IBMEC-RJ. Rio de Janeiro, 2007. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 125-146, Jul./Dez. 2010 |145
  • 150. FAMÁ, R.; GRAVA, J. W. Teorias de estrutura de capital: as discussões persistem. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v.1, n.11, p.27-36, jan./mar. 2000. INSTITUTO BRASILEIRO DE MERCADO DE CAPITAIS – IBMEC. Plano diretor 2002: atualização da execução até março de 2008. Rio de Janeiro, mar. 2008. Disponível em: <http://www.ibmec.org.br/ pub/pdmc2002_a200803.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2009. LOBO, Breno Santana. Teoria dos fundos emprestáveis x circuito financiamento-investimento- poupança-funding: uma avaliação empírica para o Brasil. Revista Desenbahia, Salvador, v.2, n.3, p.241-251, set. 2005. MACARINI, J. P. Um aspecto da política econômica do “milagre brasileiro”: a política de mercado de capitais e a bolha especulativa 1969-1971. Estudos Econômicos, São Paulo, v.38, n.1, p.151-172, jan./mar. 2008. MATSUO, A. K.; ROCHMAN, R. R.; EID JUNIOR, W. Estrutura de capital no Brasil: uma revisão teórica dos estudos de 1988 até 2005. In: SAITO, R.; PROCIANOY, J. L. (Orgs.) Captação de recursos de longo prazo. São Paulo: Atlas, 2008. MODIGLIANI, F.; MILLER, M. The Cost of Capital, Corporation finance, and the theory of investment. American Economic Review, Nash Nashville, Tenn. v.48, p.261-97, 1958. MOREIRA, M. M.; PUGA, F. P. Como a indústria financia o seu crescimento: uma análise do Brasil pós-real. Revista de Economia Contemporânea. Rio de Janeiro, v.5, ed. especial, p.13-34, out. 2000. SCHNORRENBERGER, A. A influência da estrutura de controle nas decisões de estrutura de capital das companhias brasileiras. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v.58, n.1, p.121-146, jan./mar. 2004. SOUSA, A. F.; MENEZES, E. J. C. Estratégia, crescimento e a administração do capital de giro. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v.2, n.5, p.27-38, jun./dez. 1997. STUDART, Rogério. O sistema financeiro e o financiamento do crescimento: uma alternativa pós- keynesiana à visão convencional. Revista de Economia Política, São Paulo, v.13, n.1, p.101-118, jan./mar. 1993. ZONENSCHAIN, Claudia Nessi. Estrutura de capital das empresas no Brasil. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v.6 n.10, p.63-92, dez. 1998. 146 |
  • 151. Revista da FAE Fatores determinantes na escolha de alunos pela FAE Blumenau como Instituição de Ensino Superior Factors in the choice of students by FAE Blumenau as an Institution of Higher Education Simone Cristina Aléssio* Resumo Maria José Carvalho de Souza Domingues** O presente artigo tem a intenção de investigar os fatores de atração que levaram alunos ingressantes no ensino superior a escolher uma instituição privada de Blumenau – SC como Instituição de Ensino Superior responsável por sua formação. A pesquisa caracteriza-se por ser descritiva, com abordagem quantitativa. Para a coleta dos dados foram aplicados 362 questionários, com 42 questões, usando o método adaptado de Mainardes (2007), tendo como foco todos os alunos regularmente matriculados nos cursos: Direito, Administração de Empresas, Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos, Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Logística e Ciências Contábeis. O resultado indica motivações diferentes na escolha do aluno quando comparadas as respostas com o curso freqüentado. Nota-se que os cursos superiores em tecnologia e também o curso de Logística, apresentam perfil de aluno diferente dos alunos dos cursos de Administração e Direito, sendo isto evidenciado pela avaliação dos itens propostos. Palavras-chave: atração de alunos; satisfação dos alunos; qualidade educacional. Abstract This article intends to investigate the factors that led to lure new students in higher education to choose a private institution in Blumenau - SC Higher Education Institution as responsible for their formation. The research is characterized by being descriptive and quantitative approach. To collect the data were applied 362 questionnaires with 42 questions, using the method adapted from Maine (2007), focusing on all students enrolled in courses: Law, Business, Technology, Human Resources, Technology Analysis and Systems Development, Logistics and Accounting. The result * Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Regional indicates different motivations in the choice of student responses when de Blumenau. Professora universitária. compared with the course taken. Note that the higher education courses Blumenau – SC. E-mail: profa. in technology and also the course of logistics, have different student salessio@gmail.com. profile of students of Business and Law, evidenced by evaluation of the ** Doutora em Engenharia de proposed items Produção pela UFSC. Professora da Universidade Regional de Blumenau/FURB. Blumenau – SC. Keywords: attracting students, student satisfaction, quality of education E-mail: mjcsd2008@gmail.com Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010 |147
  • 152. Introdução O ensino superior atualmente encontra-se em um período de transição, com enfoque para Num passado não tão distante, o foco das a diversidade: há grande oferta de ensino técnico, questões e pesquisas de competitividade eram cursos superiores de tecnologia e cursos sequen- as organizações tradicionais como comércio e ciais, cursos a distância, além dos tradicionais. indústria. Todas estas abordagens apresentam objetivos muito parecidos: oferecer ao aluno conhecimento Com o aumento progressivo na abertura de prático, teórico e específico, considerando-se um novas Instituições de Ensino Superior (IES) e novos tempo de duração viável em relação à situação cursos de Graduação e Pós-graduação, ganha evi- econômica do aluno. Sob este aspecto, cursos que dência a acirrada concorrência entre este tipo de formam tecnólogos têm um custo financeiro me- organização, exigindo das mesmas, gestores mais nor do que a abordagem dos cursos tradicionais, capacitados na condução de sua sobrevivência, sendo um atrativo para muitos alunos. levando em conta aspectos como infra-estrutura, Neste processo de transição, as IES vêm se relacionamento entre envolvidos (alunos, profes- transformando para atender às novas exigências sores, coordenação), valorização e divulgação da dos alunos; mudanças estas, geradas muitas vezes marca, aspectos financeiros, entre outros. pelo próprio mercado educacional, pelo contexto Após finalizar o ensino médio, muitos jovens social e mercado de trabalho. se apóiam nas experiências familiares ou em seu Até a última década, imaginava-se que a pro- interesse ou domínio em conteúdos específicos cura por cursos superiores sempre seria maior do para dar sequência aos estudos. A maioria procura que a quantidade de vagas ofertadas, tornando IES e cursos que possibilitem maior visibilidade e a situação muito confortável para as IES. Atual- crescimento profissional, independente da classe mente, pode-se considerar uma situação oposta, social à qual pertencem. Muitos optam pela com o número de vagas crescendo rapidamente instituição e curso considerando a grade curricular, e a procura decrescendo na mesma velocidade. o fator financeiro, a marca da instituição que possibilitará melhores oportunidades de trabalho, O Brasil apresenta um mercado de educação entre outros. Para Mainardes (2007, p.19), evidenciado pelo crescimento e pela concorrência a educação constante tem se mostrado como a única acirrada das IES, principalmente quando o foco maneira de se chegar o sucesso e, em um momento em é a rede privada de ensino, forçando estas que o conhecimento é tão importante, estudar sempre instituições a desenvolverem novas habilidades e é uma necessidade. em consequência novas formas de abordagem de A formação no ensino médio há muito tempo alunos, a fim de se tornarem mais eficientes no não é mais considerada suficiente para ingresso no processo de atração dos mesmos. mercado de trabalho, e, dependendo da função Dentro deste contexto de oferta e de procura, a ser exercida, esta formação deixou de ser um a educação por muitas vezes passa a ser vista diferencial para se tornar requisito indispensável, como serviço e o aluno como cliente. E, a partir exigindo do jovem formação complementar a deste conceito, torna-se indispensável que as IES ser proporcionada por algum curso técnico ou mudem sua abordagem em relação ao aluno, superior, direcionado à área de atuação deste identificando suas carências e necessidades e profissional. investindo fortemente nos fatores que mais o 148 |
  • 153. Revista da FAE atraem para a sua estrutura física e educacional, Para Mainardes (2007, p.38), focando suas estratégias no “cliente aluno” e nos igual a qualquer outro negócio, as IES privadas serviços que serão prestados a ele, entendendo passaram a conviver com a constante necessidade de ‘disputar’ os novos acadêmicos, devido à maior principalmente o que o motiva no momento facilidade de acesso e de disponibilidade de vagas da escolha da instituição responsável por sua oferecidas pelas IES. formação. Em acordo, Alves (1999) argumenta que se Por isso, é de grande relevância avaliar os as IES estão inseridas num contexto de concor- fatores determinantes na escolha da IES, por rência declarada, que afeta sua estrutura e impõe parte do aluno cliente e comprador de curso restrições financeiras aos processos de gestão, o superior, pois assim será possível avaliar seu perfil futuro das mesmas está diretamente relacionado e de outros potenciais clientes estabelecendo à sua capacidade de atrair e reter alunos, sendo entre estes e a instituição vínculos de confiança, fundamental que entendam quem é o seu cliente credibilidade e lealdade. e o que ele espera dela. A abertura do mercado educacional coloca as IES em ambiente de acirrada concorrência, e para 1 Desenvolvimento teórico Mainardes (2007, p.41): Possibilita aos estudantes, um maior leque de opções, dificultando a escolha deles. O aluno sofre pressões econômicas e profissionais que o obrigam a refinar as 1.1 Mercado, produto e clientes das suas expectativas e analisar com cuidado, as diversas propostas das IES concorrentes no mercado. instituições de ensino superior Para Alves (2000), o estudante irá perceber a Se por um lado houve um aumento considerável relevância da sua formação acadêmica, optando do número de IES, possibilitando acesso ao ensino por uma IES que lhe proporcione as melhores superior de uma grande quantidade de pessoas oportunidades de emprego. excluídas destas estatísticas, por outro, este Mainardes (2007) aponta que os clientes de aumento ocasionou um problema para as próprias instituições universitárias são estudantes, empre- IES, principalmente as mais tradicionais, que gadores, famílias e sociedade de um modo geral. tiveram que acordar para uma nova realidade: a Na visão de Yanaze (2010), o mercado de IES institucionalização do ensino superior, motivo de é caracterizado pelo aluno, sua família, a comuni- grande disputa principalmente no setor privado. dade e as empresas que absorvem a mão-de-obra Este processo divide as instituições em dois por elas formada, além do próprio governo. grupos distintos: as universidades tradicionais, Os alunos e todos aqueles que direta ou que se mantêm focadas no aluno de qualidade, indiretamente são afetados pelo processo educa- e outro grupo de instituições amparadas em ca- cional, mesmo que não pertencendo ao universo racterísticas “clientelistas”, que abordam outro acadêmico, como a família, as indústrias, a socie- nicho de mercado priorizando valores de men- dade nacional e internacional, governo, professo- salidades inferiores, agressivas campanhas de res, funcionários e os próprios gestores das IES, marketing, entre outros aspectos que atraem os ou seja, todos que de alguma forma recebem e se alunos apenas por conveniência ou comodismo. beneficiam dos serviços prestados por estas ins- Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010 |149
  • 154. tituições, são clientes da mesma pela abordagem é recém saído do ensino médio), compensando de Mezomo (1997). e equilibrando, de certa maneira, a oferta e a Sob outro ponto de vista, os autores Tachizawa procura. e Andrade (1999) caracterizam o aluno como um A pesquisa de Lima (2006) também aponta a cliente intermediário, e dão importância a todos redução do número de estudantes da faixa etária os outros clientes que sustentam à existência da ideal para ingressar no ensino superior, de acordo instituição, destacando a empresa ou organização com estimativas que evidenciam que a população como o cliente final, pois as mesmas são as da faixa etária entre 18 e 24 anos encolheu em contratantes do público que recebe a formação torno de 24%, diminuindo consideravelmente acadêmica, e desta forma são determinantes nas o universo de estudantes com idade de grande atribuições e habilidades que esperam deles. Sob interesse para as IES. esta abordagem, quanto mais as IES contribuírem De acordo com Mainardes (2007, p.43): para as necessidades destas organizações As escolas de ensino superior no Brasil tendem a ser consumidoras de mão-de-obra especializada, mais freqüentadas por públicos muito diversos: jovens alunos seus serão contratados, tornando a mesma em formação inicial, graduada e pós-graduada; referência em qualidade, gerando maior procura profissionais em formação contínua; adultos em busca de uma atualização de conhecimentos ou de uma por seus cursos. valorização profissional. O produto educacional final da escola está focado no desenvolvimento das habilidades do Uma análise feita por Alves (2003) propõe estudante, na sua forma de pensar, raciocinar, que alunos que já têm experiência profissional escrever e resolver problemas (MEZOMO, 1997). são mais exigentes quando se fala em valor nas relações de troca, tendo muito claro o que desejam Nesse contexto, alguns estudos, entre eles receber. Em contra partida, têm baixa expectativa os realizados por Navarro, Iglesias e Torres (2005) em relação à IES que frequentam. percebem uma diminuição de acesso ao ensino superior da faixa etária entre 18 e 24 anos, sendo De certa forma há uma maior democratização majoritário o perfil de estudantes mais maduros e do ensino, evidenciada pela procura de um em idade superior à faixa ideal estabelecida. Este crescente número de alunos de classes sociais mais novo perfil de aluno traz consigo necessidades e baixas e com menor poder aquisitivo (KALSBEK, motivações muito diferentes dos alunos tradicio- 2003). Este mesmo autor também aponta o grande nais, exigindo, em consequência, um formato de número de alunos em idades mais avançadas educação diferente da tradicionalmente oferecida. aderindo ao ensino superior, indicando este fator Este estudo aponta o grupo de estudantes mais como determinante de grandes oportunidades maduros, como sendo indivíduos já alocados no para as IES. mundo profissional, mas que têm forte necessi- As IES estão enquadradas no segmento dade de se manterem atualizados. serviços, possuindo características especificas Este mesmo apontamento já havia sido feito diferenciando-se umas das outras, pela estrutura, por Michael (1997), que complementa afirmando qualidade de ensino, processos democráticos, e que com a decrescente demanda do aluno tradi- corpo docente, entre outros aspectos de igual cional também é possível perceber o aumento da importância. Portanto, ter bons professores e procura do aluno não tradicional (aquele que não estrutura satisfatória não é mais diferencial para 150 |
  • 155. Revista da FAE a clientela que tem seu perfil modificado seja Um longo caminho é percorrido entre a por necessidades pessoais ou por imposição decisão de prestar vestibular e o momento de de forças e movimentos sociais, ou do próprio efetivar a matrícula. Pesam incertezas em relação mercado de trabalho. Pode-se considerar que se à escolha do curso e da IES. Isso sem considerar a IES não tem boa estrutura e bons professores, aspectos importantes para o jovem como o certamente terá desvantagem competitiva séria. histórico da sua escolarização, sua condição Mas, evidenciando e tendo estes fatores, também social e econômica. Para a maioria dos alunos, não leva vantagem alguma, pelo fato de que estes geralmente não existe um processo de escolha, são considerados indispensáveis. mas sim, um momento de adaptação a uma nova Atualmente, as IES têm consciência do mer- realidade. cado concorrencial em que estão inseridas. Isto A vida acadêmica constitui uma experiência fica evidenciado pelas campanhas de marketing social complexa e única, colocando ao jovem vinculadas nos mais diversos meios de comunica- ingressante um conjunto de expectativas, respon- ção e das mais variadas tecnologias de propagan- sabilidades e novos desafios. Este período permi- da existentes no momento. te o desenvolvimento não somente do quesito Mesmo as organizações mais tradicionais que intelectual, mas também a elaboração de outros de certa forma são até contrárias a este tipo de valores, atitudes, crenças, sonhos. disputa, sabem que terão que fazer algo para se O momento da escolha da profissão, da IES manter atrativas. A procura está caindo muito e as e do curso escolhido é decisivo para o futuro do salas estão ficando vazias, obrigando as próprias jovem e visto pela família, pela sociedade e por ele instituições a realizarem mais processos de seleção próprio como uma necessidade. A “necessidade” e tornando-os mais flexíveis. da escolha segundo (LUCCHIARI, 1993) não afeta Portanto, visando-se o futuro, não é difícil apenas o jovem. A família também é afetada, perceber que somente as IES mais estruturadas pelo fato de alguns pais buscarem sua realização terão condições de manter suas atividades, e que a pessoal por meio dos filhos. Outros pais sofrem principal vantagem competitiva será mudar o foco junto com os filhos por causa do momento de para a sala de aula, para a qualidade do produto final oferecido, usando recursos tecnológicos indecisão. atuais, mantendo a gerência interna, cumprindo Para o adolescente, o processo de escolha irá metas acadêmicas e financeiras e inovando nos guiar seus caminhos futuros. E o ato de escolher processos de gestão. requer decisão e abdicação, tornando necessário deixar para trás várias opções que foram descar- tadas durante todo este processo. 1.2 A trajetória do jovem até o ensino superior 1.3 Fatores de atração Com a conclusão do ensino médio, os jovens se deparam com uma dúvida, gerada muitas vezes Atrair e reter alunos não uma tarefa fácil para pela escassez de recursos financeiros: ingressar no as IES, considerando-se o nível de disputa entre mercado de trabalho ou dar continuidade à vida as mesmas e a perceptível redução na procura acadêmica escolhendo uma IES para completar a dos serviços de educação superior, por parte sua formação? dos alunos. Com base nisso, torna-se de grande Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010 |151
  • 156. importância conhecer os pontos favoráveis ou informações (publicações das escolas, visitas às não das mesmas no que se refere principalmente instalações); avaliação da decisão (reputação, ao momento de atração do público. Este estudo currículo, corpo docente, instalações, localização, segue as características de outras abordagens preço, tamanho da escola, outros atributos); conforme detalhado pelas pesquisas referenciadas execução da decisão (assistência ao aluno, na sequencia. informações adicionais); avaliação pós-decisão Alves (1999) foca a escolha da IES no prestí- (publicações da escola, informações adicionais, gio acadêmico e aponta família e amigos como mala direta, feiras e eventos escolares). meio de divulgação e apreciação de instituições A imagem da instituição surge em trabalho e cursos. Seguindo a mesma linha, Franco (2000) executado por Palácio, Meneses e Pérez (2002), destaca o status como forma de reconhecimento e destacam a influência da marca no comporta- para a escolha e que estes alunos vêem neste sta- mento de quem vai comprar o serviço educacio- tus uma grife ligada ao ensino, para que a mesma nal. A imagem é considerada por eles como um se torne um meio garantido e seguro para um forte fator de decisão, atraindo os mais diversos bom reconhecimento no mercado de trabalho, públicos, sendo de grande relevância para as ins- assegurando-lhes boas remunerações. tituições que querem se permanecer competitivas Localização, qualidade de ensino, marketing, no mercado. A marca está associada ao prestígio valor das mensalidades bem como valorização de e à qualidade. outras formas de ingresso que não seja o vestibu- Para Hides, Davies e Jackson (2004), a imagem lar, reconhecimento do mercado de trabalho e da é construída a partir da qualidade dos serviços sociedade como um todo, nível de conhecimento prestados e buscam uma definição para o que do corpo docente com valorização de sua titula- seria excelência em ensino superior. Para eles o ção são fatores que fundamentaram a pesquisa auge seria alcançado através de fatores como: elaborada por Mund, Durieux e Tontini (2001). as melhores práticas pedagógicas e de gestão, Carvalho (1999), apoiado nos estudos de vínculos e compromissos com a sociedade ou Stafford em 1994, e de Kotler e Fox, também de comunidade na qual a IES está inserida, boa 1994, cita alguns grupos de valores específicos relação custo-benefício, incentivo às boas práticas, para a escolha: o valor funcional (expectativas aperfeiçoamento do uso dos mais variados dos estudantes no sucesso que possam estar recursos, além de ambiente educacional tranqüilo. relacionadas a futuros empregos); o valor social Alves (2003) enumera os fatores que mais (escolha de instituições onde já se encontrem influenciam a marca de uma instituição: corpo conhecidos da pessoa); o valor emocional (depende docente; conteúdo do curso; qualidade do ensi- totalmente da pessoa e seus gostos pessoais); no; reputação; preço e acessibilidade em termos o valor epistêmico (inovações no curso, por de preço; facilidade de conclusão da graduação; exemplo, a grade curricular); o valor condicional preparação para a carreira; peso das atividades (fatores acadêmicos para a graduação). extracurriculares; localização; ambiente acadêmi- O trabalho de Kotler e Fox (1994) aponta as co; atenção pessoal dada ao aluno; colocação no influências do processo de escolha: (mala direta, emprego; modo de atuação da IES; ética da IES; notícias e relações públicas, propaganda, eventos, responsabilidade social da IES. orientação educacional, pais, colegas); coleta de 152 |
  • 157. Revista da FAE Estrutura, funcionamento da IES, utilização gem da IES; benefícios dos serviços educacionais de recursos são fatores destacados por Trevisan oferecidos; professores com mestrado e douto- (2002), que aponta a importância de sua aplicabi- rado; estrutura física da instituição; possibilidade lidade e funcionalidade na prática para não passar de realização profissional; biblioteca diversificada uma imagem de algo que na verdade, não existe, e informatizada; reconhecimento da IES pela co- ou não funciona direito. munidade, como sendo de qualidade; localização Alfinito e Granemann (2003), em pesquisa da IES (próxima à casa ou ao trabalho); facilidade realizada com alunos em fase de vestibular, na obtenção de estágios; indicações por amigos, procuraram identificar a relevância de fatores familiares ou profissionais da área. Campanhas como: localização (instituição estar situada próxima de marketing da IES e valor de mensalidade não da residência ou local de trabalho); tradição ou foram considerados fatores determinantes na status da IES; infraestrutura e instalações; preço; escolha da instituição ou curso. avaliação do Ministério de Educação e Cultura Inovação é um fator citado em estudo reali- (MEC) - o conhecido Exame Nacional de Cursos zado por Mavondo, Chimhanzi e Stewart (2005). (Provão) -; cursos oferecidos; aceitação da IES Para os autores este é um quesito relevante para no mercado de trabalho; horários disponíveis; que uma IES se mantenha situada no mercado, método de ensino; segurança no campus. Sendo pois possibilita a geração e implantação de ideias apontado como resultado que fatores como novas agregando desta forma valor ao produto e infra-estrutura e instalações, tradição ou status serviço ofertado, sendo decisivo para instituições da IES, cursos oferecidos e proximidade de casa que desejam manter a visibilidade da marca no ou do trabalho são os atributos mais citados pelos mercado. participantes. Para Silva (2005), estas campanhas fazem com A família é destaque no estudo de Lanzer que a imagem da instituição seja lembrada, pela (2004), evidenciando a dependência financeira do assimilação dos valores vinculados na propaganda. jovem em relação a este grupo social. Familiares Apontam que alguns destes valores como desde que já frequentaram a IES em questão também que bem comunicados, podem se tornar fatores influenciam diretamente a decisão. de atração de alunos para a IES. No estudo de Piñol (2004) destacam-se como Em sua pesquisa Thies et al. (2005) destaca fatores importantes da escolha as instalações fatores como: conhecimento teórico e prático; físicas da instituição, a tradição da instituição, colegas de classe; biblioteca; relação aluno- a titulação do corpo docente, a experiência professor; corpo docente; ambiente e instalações profissional do corpo docente, o relacionamento físicas; incentivo a pesquisas; participação em com a coordenação, o atendimento pré-matrícula, seminários. No final do estudo, conclui-se que a a qualidade dos meios utilizados para divulgação assimilação dos conteúdos teóricos e a relação do curso, o tempo de duração do curso, o valor professor/aluno são os fatores mais positivos na da mensalidade, as visitas técnicas, a composição escolha do curso e da IES. das disciplinas e opinião de terceiros sobre o curso. O tema sustentabilidade é fator de destaque No estudo Bronemann e Silveira (2004) são no estudo de Ciurana e Leal Filho (2006), que identificados fatores considerados fundamentais sendo adicionada à grade curricular ou adotada para escolha de uma IES: empregabilidade; ima- como estratégia organizacional, pode ser um Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010 |153
  • 158. diferencial na atração de alunos se focados os Qualidade de ensino e localização da insti- aspectos de regulamentação e adaptação de tuição próxima à residência ou local de trabalho espaços, administração do desperdício, correta foram fatores pesquisados por Miranda e Domin- utilização de recursos e despertar da consciência gues. (2006). Através desta pesquisa constatou-se dos alunos quanto à sustentabilidade. A orientação 55% de importância para a qualidade de ensino e para sustentabilidade se reflete na melhoria da 30% para a localização da instituição. A pesquisa imagem das IES que aderem a este assunto. não aborda o preço, provavelmente considerando A reputação acadêmica é apontada como que se o mesmo for exposto, certamente será in- um dos principais fatores na tomada de decisão dicado como fator importante e decisivo. Pode-se e foi evidenciada pela pesquisa de Seeman e observar entre tantas pesquisas com foco no tema, O’hara (2006). Outros fatores também foram que o mesmo é variável e que o resultado depende identificados como a colocação no mercado de da instituição pesquisada, do público envolvido na trabalho, satisfação de outros alunos da IES e taxa amostra e também de fatores externos. de aprovação em exames. Em outro estudo, Holanda Jr., Farias e Gomes (2006) abordam outro grupo de fatores impor- 2 Método de pesquisa tantes: expectativa em relação ao grau de nível superior; influência da família e mercado de tra- Como o trabalho tem o objetivo principal de balho, percepção de profissionais de sucesso que apontar os fatores ou motivos que influenciaram frequentam a IES, vocação pessoal para o curso a escolha da instituição de ensino superior para escolhido, a confiança e infraestrutura da IES; dar sequência à trajetória acadêmica e também de qualificação do corpo docente e discente; o valor história de vida, optou-se por utilizar uma pesquisa das mensalidades; o reconhecimento pelo MEC e descritiva quantitativa transversal, cujo método é mercado, entre outros. Como resultado, nota-se baseado em indicadores capazes de resultar em que na percepção dos entrevistados, a obtenção informações que contribuam satisfatoriamente do grau de nível superior é importante para o para o entendimento do resultado da pesquisa sucesso da carreira profissional. Como resultado aplicada. oposto a outras pesquisas a opinião de família ou Para a coleta dos dados, utilizou-se um ques- amigos não foi considerada fator determinante na tionário adaptado de Mainardes (2007) e que está escolha. Outros fatores importantes apontados apoiado em um escala Likert de sete pontos. Esta pelo estudo são a tendência de mercado; o exem- escala foi desenvolvida por Rensis Likert em 1932 plo de profissionais bem-sucedidos; a vocação e tem como base a coleta de opiniões objetivas do aluno para uma determinada área e a opinião das pessoas envolvidas na pesquisa, a respeito de própria na escolha do curso e da instituição. Es- um objeto de estudo apoiando-se em um conjunto trutura física e os serviços prestados pela IES não de afirmações proposto pelo modelo em questão. são decisivos na escolha, bem como mensalidade, Com base no método proposto, a pessoa qualificação do corpo docente, localização, entre respondente da pesquisa deve dar uma nota com outros. Campanhas de marketing são percebidas, peso de um a sete, justificando o nível de impor- mas têm pouca influência na escolha. tância da questão para sua decisão na escolha da IES. 154 |
  • 159. Revista da FAE A pesquisa quantitativa é uma forma de inves- Pela fórmula de Barbetta (2001) chega-se à tigação empírica que permite analisar fenômenos amostra mínima de 146 alunos, de uma população e isolar variáveis. Este tipo de pesquisa utiliza-se de 362. A intenção da pesquisa foi a de realização da abordagem quantitativa para estabelecer pro- de um censo, porém, foram obtidos, como porções ou relações entre as variáveis investigadas resultado final, 191 questionários respondidos. possibilitando a comprovação de hipóteses (OLI- Para a coleta de dados realizou-se a aplicação VEIRA, 2001). Adota-se como procedimento deste aleatória de um questionário com perguntas fe- trabalho a verificação de correlações e proporções chadas, o que configura o método como survey, entre as variáveis do questionário. sendo o mesmo administrado pelo autor pes- Em conjunto, a pesquisa descritiva possibi- quisador. O método survey também possibilita a lita a interpretação e conhecimento da realidade pesquisa através de entrevistas. Considerando-se exposta pelos dados quantitativos explorados a quantidade de alunos pesquisados, optou-se por pelas proporções ou correlação. Com isso, o tipo utilizar questionários, que possibilitam coletar da- de pesquisa proposto permite melhor compre- dos quantitativos abordando um número maior de ensão dos fatores que influenciam o fenômeno pessoas de forma mais ágil (HAIR JR. et al., 2005). estudado. Por envolver a coleta de dados de uma Inicialmente, o questionário foi estruturado amostra de elementos de uma população total, para caracterizar a amostra através de informações sendo isto feito uma única vez, esta pesquisa é como: idade, sexo, profissão e curso frequentado considerada transversal (MALHOTRA, 2001). Os na instituição. Em seguida, direcionou-se o dados coletados são considerados primários, por questionário para aspectos focando os fatores não haver outro registro de coleta dos mesmos de atração dos alunos para os seguintes critérios: em outros períodos (HAIR Jr. et al., 2005). atributos da instituição de ensino, atributos Como instituição para análise, foi escolhida relacionados com mercado de trabalho, atributos uma instituição de ensino superior privada de ligados a motivos pessoais, atributos do curso Blumenau - SC. Para a pesquisa de campo foram escolhido. Para configuração do questionário considerados todos os alunos regularmente adaptou-se e replicou-se o método utilizado por matriculados no ano de 2010, caracterizando a Emerson Wagner Mainardes em dissertação que população em 362 alunos. Os cursos de graduação teve como tema de estudo a atração e retenção envolvidos foram: Direito, Administração de de alunos de cursos de graduação em instituições Empresas, Administração de Recursos Humanos, particulares da cidade de Joinville, SC. Este método Análise e Desenvolvimento de Sistemas, e Logística. foi replicado por ter sido considerado completo Para validação da amostra mínima utilizou-se e por abordar todos os fatores necessários para a a fórmula de Barbetta (2001, p.60), onde o número elaboração deste estudo. de elementos da população é representado por Para análise dos dados foi utilizado o método N, o número de elementos da amostra por n; n0 Stepwize, através do qual foram analisadas representa uma primeira aproximação para o tama- todas as variáveis independentes, obtendo-se nho da amostra e finalmente E0 representa o erro um modelo com onze variáveis relevantes. Os amostral tolerável. Nesta pesquisa, o erro amostral dados coletados foram inseridos no software tolerável foi de, no máximo, 5% (E = 0,05). SSP2. No processo de análise, primeiramente, foram realizadas as proporções de respostas Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010 |155
  • 160. de cada variável, possibilitando-se chegar aos ticas pedagógicas da universidade; preocupação primeiros apontamentos. Na segunda etapa, foi da universidade com seus alunos; propensão da utilizada uma técnica estatística de regressão universidade com a inovação; regulamentação e linear envolvendo a variável dependente e as seis adaptação de espaços para uso dos alunos, fun- categorias de variáveis independentes. cionários e comunidade; segurança no campus A adaptação do modelo de Mainardes (2007) da universidade; sua percepção da qualidade do permitiu a aplicação de um questionário contendo serviço educacional prestado pela universidade; 42 questões fechadas, gerando um conjunto de valor da mensalidade; instituição de ensino de 111 variáveis. uma forma geral. Nesta classe de variáveis os A nota geral de influência de todos os fatores respondentes assinalaram cinco dos itens mais citados na escolha dos alunos participantes foi importantes identificados por eles. considerada como a variável dependente. Esta A terceira classe de variável foca-se nos variável aborda uma avaliação geral dos fatores atributos de interesse sob a visão do mercado em relação ao curso e instituição de ensino. de trabalho: aceitação da universidade pelo Compõem o grupo das variáveis independentes mercado de trabalho; empregabilidade do curso um total de 110 questões que são separadas em escolhido; opinião da comunidade com relação seis categorias de variáveis que diferenciam entre à universidade; participação da universidade em si no aspecto da abordagem. assuntos atuais (desenvolvimento sustentável, res- A primeira classe de variável compõe a carac- ponsabilidade social, meio ambiente); reputação terização do entrevistado, onde foram levantadas do curso e da universidade, tradição e status da informações como: sexo, função profissional universidade; valor do diploma da universidade (operacional, supervisão, gerência média, alta ge- no mercado de trabalho; visibilidade e reconhe- rência, direção, proprietário/acionista, se trabalha cimento da universidade e do curso escolhido ou não, e outros). Também foi apurado o curso perante a sociedade. Nesta fase foi solicitado que frequentado na instituição. os respondentes assinalassem apenas os três itens A segunda classe de variável se propõe a que consideravam mais importantes e decisivos identificar os atributos de atração com foco no momento da escolha. para a instituição de ensino de uma forma geral, Motivos pessoais compõem a quarta classe de destacando-se fatores como: atendimento dos variáveis, com destaque para os fatores: horários funcionários da instituição; campanha de marke- disponíveis de aulas no curso escolhido; imagem ting realizada pela universidade; compromisso da criada por você da universidade; proximidade universidade com o serviço educacional prestado da universidade de sua casa ou de seu trabalho; pela mesma; compromisso da universidade com a satisfação com a universidade de ensino por comunidade e suas relações com sociedade e natu- parentes, amigos, conhecidos; seus familiares, reza, cursos oferecidos pela universidade; geração, amigos, colegas de trabalho na escolha do curso aceitação e implantação na universidade de novas e da universidade; suas experiências anteriores idéias; processos, produtos ou serviços; imagem nesta universidade; seus motivos pessoais de uma da universidade oferecida a você por alunos que já forma geral. Esta etapa também foi caracterizada estão cursando uma graduação nesta instituição; pela escolha dos três fatores de maior relevância infraestrutura e instalações da universidade; prá- para o aluno. 156 |
  • 161. Revista da FAE Como foco da quinta classe encontra-se intermediário(18%) e alta gerência ou di- o curso escolhido, com as seguintes opções: retoria(4%);. atividades do curso escolhido realizadas em sala – 85% dos alunos não recebem qualquer tipo de aula e fora dela de simulação da vida real; de auxílio financeiro, sendo responsáveis coerência e interação entre teoria e prática no por custear os estudos curso escolhido por você; comentários realizados Os dados levantados na caracterização con- pelos alunos atuais com o curso da instituição; vergem com a teoria, uma vez que os estudantes corpo de professores do curso escolhido por você; estão mais maduros, sendo que a maior incidência satisfação de alunos formados na instituição de de idade encontrava-se na faixa etária acima de ensino; sua percepção de qualidade de ensino no 24 anos, observada em apontamentos feitos por curso; curso de uma forma geral. Como critério Navarro, Iglesias e Torres (2005), Michael (1997) de escolha, o aluno deveria nesta etapa, marcar e Lima (2006), caracterizando a diferença dos apenas os dois itens mais importantes. estudantes atuais dos alunos ingressantes em IES A sexta classe aponta para questões gerais até um passado não tão distante. como: fui atraído para o curso e para a instituição As estatísticas da regressão para este modelo de ensino que escolhi para estudar; entre as minhas são demonstradas no quadro 01. opções de cursos e instituições de ensino, acredito ter escolhido a melhor opção; pensei muito antes QUADRO 01 - ESTATÍSTICAS GERAIS DO MODELO de escolher este curso e esta instituição de ensino. R quadrado Erro padrão R R quadrado ajustado da regressão 0,865 0,693 0,673 0,581 FONTE: Os autores 3 Análise de dados O modelo aponta 67,3% de significância da variável dependente. No resultado, o modelo apresentou-se com 3.1 Caracterização dos respondentes a rejeição da hipótese nula dos coeficientes das Como resultado da caracterização dos alunos, variáveis independentes em conjunto serem iguais tem-se: a zero, com um valor do teste F igual a 24, 635 e com Sig igual a 0,000. – idade média dos respondentes é de 22,04 anos (mediana – 22 anos; moda – 20 anos); As características do grupo como sexo, idade 78 (casos), sendo que o mais jovem conta e função não foram consideradas determinantes com 17 anos e o mais velho com 46 anos; na escolha da instituição, apontando significância do Teste T > 0,05. – Predominância do gênero masculino, com 61% dos alunos participantes; – 7% dos alunos não trabalham; 5% traba- lham em negócios familiares e 3% têm negócio próprio; O restante de 85% está divido entre as funções operacionais(43%), de supervisão(20%), gerentes de nível Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010 |157
  • 162. 3.2 Atributos da instituição de ensino 3.3 Atributos relacionados ao mercado de trabalho Para o grupo de atributos da instituição de ensino, foram encontradas as seguintes variáveis Para o grupo de atributos relacionados ao independentes constantes do quadro 02. mercado de trabalho, foram encontradas as QUADRO 02 - COEFICIENTES – ATRIBUTOS DA INSTITUIÇÃO seguintes variáveis independentes constantes do DE ENSINO quadro 03. Std. QUADRO 03 - COEFICIENTES – ATRIBUTOS RELACIONADOS Coeficientes Beta T Sig Error AO MERCADO DE TRABALHO Segurança no Std. campus da 0,136 0,027 2,725 0,000 Coeficientes Beta T Sig Error universidade Aceitação da Infraestrutura e universidade pelo 0,087 0,018 2,146 0,031 instalações da 0,147 0,046 3,671 0,000 mercado de trabalho universidade Tradição e status da Valor da 0,126 0,045 3,117 0,014 -0,093 0,034 -2,923 0,005 universidade mensalidade FONTE: Os autores Importância do item preocupação da 0,317 0,168 2,631 0,009 Os índices apresentaram relevâncias estatísticas universidade com seus alunos boas, com Sig inferior a 5%. As variáveis sobre Importância valor do diploma da universidade no mercado do item -0,328 0,123 -2,321 0,037 de trabalho e tradição e status da universidade, sustentabilidade foram itens identificados como atrativos para FONTE: Os autores a escolha da IES, indicando que a instituição já Os índices apresentaram relevâncias estatísti- possui uma marca reconhecida pelo mercado de cas boas, com Sig inferior a 5%. As variáveis sobre trabalho e comunidade. Em tabulações paralelas segurança no campus da universidade, infraestru- ao software SSP2, verificou-se que o item que tura e instalações da universidade e localização, mede a aceitação da universidade pelo mercado de foram itens apontados como atrativos na escolha trabalho teve como respondentes 71% dos alunos da IES, colaborando com os dados levantados dos cursos superiores em Tecnologia em Análise por Mund, Durieux e Tontini (2001); Alfinito e de Sistemas e Recursos Humanos (79%), além dos Granemann (2003); Bronemann e Silveira (2004). graduandos de Logística (93%). Do outro lado, Valor da mensalidade e sustentabilidade impac- os itens tradição e status da instituição, foram tam de maneira negativa, divergindo da pesquisa apontados por 89% dos alunos de Administração realizada por Mund, Durieux e Tontini (2001), e e 81% dos alunos de Direito, indicando interesses colaborando fortemente com os resultados en- distintos, se considerados os cursos frequentados. contrados por Bronemann e Silveira (2004). Valor Mesmo percebendo-se motivações diferentes da mensalidade merece destaque uma vez que entre os cursos, o resultado converge com os apenas 14% dos entrevistados se julgam pertencer apontamentos feitos em pesquisa realizada por às classes média e média alta. Alfinito e Granemann (2003). Responsabilidade social é um item percebido, porém de baixo 158 |
  • 163. Revista da FAE impacto no momento da decisão, sendo este 3.5 Atributos do curso escolhido resultado diferente do encontrado por Alves (2003). Para o grupo de atributos do curso escolhido, foram encontradas as seguintes variáveis indepen- dentes constantes do quadro 05. 3.4 Atributos relacionados aos motivos QUADRO 05 - COEFICIENTES – ATRIBUTOS DO CURSO pessoais ESCOLHIDO Std. Para o grupo de atributos ligados a motivos Coeficientes Beta T Sig Error pessoais, foram encontradas as seguintes variáveis Curso de uma forma 0,387 0,063 4,661 0,000 independentes constantes do quadro 04. geral QUADRO 04 - COEFICIENTES – ATRIBUTOS RELACIONADOS Sua percepção da AOS MOTIVOS PESSOAIS qualidade de ensino 0,324 0,051 3,991 0,000 do curso Std. Coeficientes Beta T Sig FONTE: Os autores Error Seus motivos Os índices apresentaram relevâncias estatís- pessoais de uma 0,198 0,072 2,918 0,000 ticas boas, com Sig inferior a 5%. A variável que forma geral trata do curso de uma forma geral foi um item Importância do item satisfação com percebido como atrativo para a escolha de um a universidade de 0,231 0,183 2,466 0,041 curso de graduação, e isto demonstra que de ensino por parentes, uma formal geral o estudante está satisfeito com amigos, conhecidos a Instituição. FONTE: Os autores 3.6 Questões genéricas Os índices apresentaram relevâncias estatísti- cas boas, com Sig inferior a 5%. As variáveis sobre Nesta análise destacou-se o item: curso de seus motivos pessoais de uma forma geral e satis- uma forma geral, sendo que os demais itens não fação com a universidade de ensino por parentes, obtiveram importância significativa. amigos, conhecidos, foram itens percebidos como QUADRO 05 - COEFICIENTES – ATRIBUTOS DO CURSO atrativos para a escolha da IES, demonstrando ESCOLHIDO que o estudante tem opinião própria e que con- Std. Coeficientes Beta T Sig sidera opiniões de grupos próximos no processo Error da escolha. Deve-se considerar a probabilidade Curso de uma forma 0,387 0,063 4,661 0,000 geral deste grupo de alunos influenciarem através de FONTE: Os autores sua opinião sobre a instituição, outro grupo de alunos e assim sucessivamente, conforme pesqui- sas de Bronemann e Silveira (2004); Piñol (2004) e Lanzer (2004). Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010 |159
  • 164. Considerações finais por alunos de Administração e Direito. Os outros cursos manifestaram-se positivamente em relação Analisando-se os resultados apresentados, ao item localização da instituição. Estes foram os pode-se perceber que os alunos são predomi- fatores de destaque do quesito. Pela análise dos nantemente do sexo masculino, atuando como outros fatores do questionário, percebeu-se uma colaboradores do setor privado, principalmente importância relativa e generalizada dos mesmos, na função operacional. A idade encontra-se no com médias variando entre 3,97 e 4,68, indicando intervalo de 17 a 46 anos, havendo maior predo- que o aluno realmente pensa e avalia as possibili- minância da faixa etária acima de 24 anos, indi- dades no momento da decisão. cando um público diferenciado e mais maduro. Pela abordagem feita em relação ao mercado Quase a totalidade dos alunos não recebe auxílio de trabalho há destaque para três itens: aceitação financeiro, assumindo a responsabilidade por sua da instituição pelo mercado de trabalho, tradição formação. Os que recebem, frequentam respec- e status da instituição e importância do item tivamente os cursos de Administração e Direito. responsabilidade social e meio ambiente. Nova- Este foi o primeiro objetivo do estudo que as- mente apontamentos diferentes entre os cursos: pirava caracterizar o grupo de estudantes e aponta ao primeiro item foram atribuídos notas entre 5 para características distintas: alunos dos cursos e 7, com predominância dos cursos de Tecnolo- superiores em Tecnologia de Análise e Desenvol- gia em Análise de Sistemas, Recursos Humanos e vimento de Sistemas e Tecnologia em Gestão de Logística. Tradição e status da instituição foram Recursos Humanos, juntamente com o curso de positivamente percebidos pelos alunos de Admi- Logística, não possuem alunos beneficiados por nistração e Direito, com predominância da nota 7. auxílios financeiros. Responsabilidade social é percebida, porém, não Em relação aos atributos da Instituição de decisiva. Alguns questionários (36 deles) apresen- Ensino as variáveis que focam a segurança no tavam observações ao lado da questão, indicando campus da universidade, infraestrutura e insta- que a organização não utiliza adequadamente os lações da universidade e localização, foram itens recursos e como exemplo foi citado o exagero no apontados como atrativos na escolha da IES. Valor uso de papel, que poderia ser prontamente subs- da mensalidade e sustentabilidade influenciam tituído por correio eletrônico. Outra colocação de maneira negativa. Deve-se destacar o item é que a instituição gasta muito com panfletos e valor da mensalidade uma vez que a maioria dos que este valor deveria ser mais bem investido na alunos é o próprio responsável financeiro pela instituição. formação. Isso indica que impulsionado pela O quesito motivos pessoais evidenciou os maturidade do grupo, e quase que totalmente itens: motivos pessoais de forma geral e percep- inserida no mercado de trabalho, deixou de ser ção de família, amigos conhecidos em relação à um atrativo em decorrência do peso de outros instituição. Novamente identificam-se posicio- fatores mais impactantes na realidade deste novo namentos diferenciados: os cursos superiores perfil de aluno. A sustentabilidade é percebida, em tecnologia destacam a opinião pessoal, em porém não se apresenta forte o suficiente para contraste com a percepção de alunos de Direito influenciar a decisão. Cabe ressaltar que o item e Administração que valorizam mais a visão que segurança no campus foi maciçamente apontado outras pessoas têm da instituição. 160 |
  • 165. Revista da FAE Os atributos do curso escolhido permitiram No entanto, percebem-se motivações diferen- a verificação da convergência de opiniões entre os tes na escolha ao se cruzar os dados estatísticos cursos da instituição com destaque para os itens: com o curso frequentado. Nota-se que os cursos o curso de forma geral e a percepção pessoal em superiores em tecnologia e também o curso de relação ao curso. Logística, apresentam perfil de aluno diferente Nas questões genéricas, destaca-se o item: dos alunos dos cursos de Administração e Direito, curso de forma geral. Há consenso entre os res- sendo isto evidenciado pela avaliação dos itens pondentes de todos os cursos, indicando que o propostos. curso de forma geral, com sua grade, estrutura, Como contribuição, este estudo permite que corpo docente é um fator importante e decisivo a instituição elabore estratégias distintas para a no processo de escolha, sem deixar de lados os atração de alunos, com abordagens diferenciadas demais atributos analisados, uma vez que os mes- e direcionadas aos cursos ofertados. mos apresentaram média geral de 5,3. É importante ressaltar que o objetivo princi- pal deste trabalho é apontar os fatores mais im- portantes na atração de alunos para a instituição sob análise, e que isto foi devidamente alcançado. Não é objetivo deste estudo apontar ou analisar • Recebido em: 10/08/2010 os fatores de pior desempenho no processo de • Aprovado em: 28/10/2010 escolha dos alunos. Referências ALFINITO, Solange; GRANEMANN, Sérgio R. Escolha de uma IES em função da utilidade do usuário potencial: o estudante. In: ROCHA, Carlos H.; GRANEMANN, Sérgio R. (Orgs.). Gestão de instituições privadas de ensino superior. São Paulo: Atlas, 2003. p.93-103. ALVES, Helena M. B. Uma abordagem de marketing à satisfação do aluno no ensino universitário público: índice, antecedentes e conseqüências. 2003, 286p. Tese (Doutorado em Gestão) – Departamento de Gestão e Economia, Universidade da Beira Interior. Covilhã, Portugal, 2003. ______. As dimensões da qualidade no serviço educação: uma percepção dos alunos da Universidade da Beira Interior. Revista Portuguesa de Gestão, Covilhã, v.4, n.2, p.78-89, ago. 2000. ______. O marketing das instituições de ensino superior: o caso da Universidade da Beira Interior. 1999. 202p. Dissertação (Mestrado em Gestão) – Departamento de Gestão e Economia, Universidade da Beira Interior. Covilhã, Portugal, 1999. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010 |161
  • 166. Revista da FAE BARBETTA, Pedro A. Estatística aplicada às ciências sociais. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2001. BRONEMANN, Márcia R.; SILVEIRA, Amélia. Marketing em instituições de ensino superior: a promoção do processo seletivo. In: MELO, Pedro A.; COLOSSI, Nelson (Orgs.). Cenários da gestão universitária na contemporaneidade. Florianópolis: Insular, 2004. v.1, p. 97-114. CARVALHO, Frederico A. de; LEITE, Valdecy F. Atribute importance in service quality: na empirical test of the PBZ conjecture in Brazil. International Journal of Service Industry Management, Bradford, GB, v.10, n.5, p.487-504, 1999. CIURANA, Anna M. G.; LEAL FILHO, Walter. Education for sustainability in university studies: experiences from a project involving european and latin american universities. International Journal of Sustainability in Higher Education, v.7, n.1, p.81-93, 2006. FRANCO, M. A. R. S. Dinâmica compreensiva: integrando identidade e formação docente. In: ENDIPE. 10. 2000, Rio de Janeiro. Anais.... Rio de Janeiro: DP&A, 2000. HAIR JR, Joseph F et. al. Fundamentos e métodos de pesquisa em administração. Porto Alegre: Bookman, 2005. HIDES, Michael T.; DAVIES, J. John; JACKSON, Sue. Implementation of EFQM excellence model self-assessment in the UK higher education sector – lessons learned from other sectors. The TQM Magazine, New York, GB, v.16, n.3, p.194-201, Nov. 2004. HOLANDA Jr., Ari; FARIAS, Iracema Q.; GOMES, Danielle M. de O. A. O valor do cliente como elemento de marketing para instituições de ensino superior. BASE – Revista de Administração e Contabilidade da Unisinos, v.3, n.2, p.102-111, maio/ago. 2006. KALSBEK, David H. Mudança transformadora através do “assessment”: uma visão que compensa o esforço. In: MEYER JR., Victor; MURPHY, J. Patrick (Orgs.). Dinossauros, gazelas & tigres: novas abordagens da administração universitária, um diálogo Brasil EUA. 2.ed. Florianópolis: Insular, 2003. p.123-150. KOTLER, P.; FOX, K. F. A. Marketing estratégico para instituições educacionais. São Paulo: Atlas, 1994. LANZER, Letícia S. Estratégias de marketing de relacionamento para instituições de ensino superior: um estudo de caso na Universidade do Sul de Santa Catarina. 2004, 182p. Dissertação (Mestrado em Engenharia da Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2004. LIMA, Mmanolita C. Globalização ou internacionalização do ensino superior? Revista de ESPM, São Paulo, v.13, n.12, p. 80-90, jul./ago. 2006. LUCCHIARI, Dulce Helena Penna Soares. O que é orientação profissional? Uma nova proposta de Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010 |162
  • 167. Revista da FAE atuação. In: LUCCHIARI, Dulce Helena Penna Soares; LISBOA, Marilú Diez; PRADO FILHO, Kleber (Orgs.). Pensando e vivendo a orientação profissional. São Paulo: Summus, 1993. p.11-16. MAINARDES, Edson. W. Atração e retenção de alunos em cursos de graduação em administração das instituições particulares de ensino superior de Joinville/SC. 2007. 332p. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, 2007. MALHOTRA, Newton K. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. 3.ed. Porto Alegre: Bookmark, 2001. MAVONDO, Feelix T.; CHIMHANZI, Jacqueline; STEWART, Jillian. Learning orientation and market orientation: relationship with innovation, human resource practices and performance. European Journal of Marketing, Birmingham, UK, v.39, n.11/12, p.1235-1263, Oct. 2005. MEZOMO, J. C. Gestão da qualidade total na escola. Petrópolis: Vozes, 1997. MICHAEL, Steve O. American higher education system: consumerism versus professorialism. International Journal of Education Management, Bradford, GB, v.11, n.3, p.117-130, Aug. 1997. MIRANDA, Cristina M. S.; DOMINGUES, Maria J. C. S. Razões para escolha de uma IES: uma abordagem sobre o perfil sócio-econômico de alunos interessados em cursar administração. In: ENANGRAD, 17., 2006, São Luís. Anais... São Luís: ENANGRAD, 2006. p.67-70. MUND, Aniceto L.; DURIEUX, Fabricia; TONTINI, Gerson. A influência do marketing na opção do aluno pela Universidade Regional de Blumenau. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO, 24., 2001, Campo Grande. Anais... Campo Grande, 2001. p.34-36. NAVARRO, Mercedes M.; IGLESIAS, Mstrta P.; TORRES, Pilar R. A new management element for universities: satisfaction with the offered courses. International Journal of Educational Management, Bradford, GB, v.19, n.6, p.505-526, Feb. 2005. OLIVEIRA, Silvio L. Tratado de metodologia científica. São Paulo: Pioneira, 2001. PALACIO, Asunción B.; MENESES, Gonzalo D.; PÉREZ, Pedro J. P. The configuration of the university image and its relationship with the satisfaction of students. Journal of Educational Administration, Brisbone, AU, v.40, n.5, p.486-505, Oct. 2002. PIÑOL, Susana T. Janela do cliente-aluno nos cursos de pós-graduação. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE GESTÃO UNIVERSITÁRIA NA AMÉRICA DO SUL, 4., 2004. Florianópolis. Anais... Florianópolis, 2004. SEEMAN, Elaine D.; O’HARA, Margaret. Customer relationship management in higher education using information systems to improve the student-school relationship. Campus- Wide Information Systems, Nova Deli, v.23, n.1, p.24-34, June 2006. SILVA, Roberta D. de O. Fazer ver e crer: valores de educação na publicidade e propaganda escolar?. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 28, 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2005. TACHIZAWA, T.; ANDRADE, R. O. B. Gestão de instituições de ensino. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010 |163
  • 168. Revista da FAE THIES, Rosemar B. et al. A visão dos formandos em administração e dos empresários com relação ao mercado de trabalho. In: CONGRESSO VIRTUAL BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO, 2., 2005, São Paulo. Anais... São Paulo, 2005. TREVISAN, ROSI M. Marketing em instituições educacionais. Revista PEC, Curitiba, v.2, n.1, p.93- 103, jul.2001/jul.2002. YANAZE, Mitsuru Higuchi. Novos desafios: o marketing educacional. Disponível em: <http://www. aec-sp.org.br>. Acesso em: 11 abr. 2010. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 147-164, jul./dez. 2010 |164
  • 169. Revista da FAE Diferenciais competitivos dos cursos superiores de tecnologia pela percepção dos acadêmicos Competitive advantages of technology undergraduate courses through the perception of students Adriana Galli Velho* Resumo Este trabalho teve por finalidade fazer um estudo das expectativas e percepções dos acadêmicos dos Cursos Superiores de Tecnologia, servindo de subsídio para a construção de diferenciais competitivos. Para tanto, apresenta resultados de uma investigação utilizada através de pesquisa qualitativa de cunho exploratório, onde alunos ingressos e egressos destes cursos expressaram sua opinião. Com base nas respostas foram construídas categorias com o objetivo de identificar as razões de escolha destas pessoas por esta modalidade de ensino. A partir das categorizações realizadas e do referencial teórico utilizado neste trabalho, são apresentadas algumas possibilidades de construção de diferenciais competitivos que possam contribuir para a construção de um posicionamento estratégico exclusivo para a modalidade de ensino superior de tecnologia, visto que o atual cenário da educação superior aliado às demandas do mercado são extremamente propícios para este novo profissional. Palavras-chave: cursos superiores de tecnologia; diferenciais competitivos. Abstract This paper aims to study the expectations and perceptions of undergraduate students Technology Courses, serving as a subsidy for the construction of competitive advantages. For such, it presents the results of a qualitative research of exploratory nature where former and undergraduate students of these courses expressed their opinions. Based on the responses given, categories were devised in order to identify the reasons for selecting this type of education. Based on the established categorizations and the theoretical framework used in this study, we have presented a number of possibilities for building competitive advantages that can contribute to building a unique strategic positioning for technology undergraduate studies, as the current scenario of higher education and market demands are extremely conducive to this new professional. Keywords: technology undergraduate courses; competitive advantages. * Pós-graduada em marketing pela PUC-RS. Professora da FAE sévigné. Porto Alegre - RS. E-mail: agalli@ ig.com.br Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010 |165
  • 170. Introdução e como o profissional egresso se sente diante desse novo cenário. Percebe-se que a procura Hoje, o mundo vive na era da globalização, pelos Cursos de Tecnólogos vem crescendo em grandes proporções nos últimos anos, bem como e as empresas que querem sobreviver neste o oferecimento destes cursos, vide Censo Superior mercado têm que se ajustar aos novos métodos de 2004: de gestão que possam atender a sua demanda. Há apenas 6 anos, em 1999, os Centros de Educação Dessa forma, as exigências que o mercado impõe Tecnológica e as Faculdades de Tecnologia ofereciam necessitam de profissionais mais qualificados em no País 74 cursos. Dois anos mais tarde, em 2001, já áreas específicas. A educação, que é setor de base havia 183 cursos, representando um crescimento de neste processo, tem papel fundamental, pois é o 147,3%. O crescimento não parou aí. Mais dois anos se condutor destas transformações. passaram e em 2003 foi possível constatar que já havia 495 cursos, representando um crescimento de 170,5% Ora, se a educação é a base dessas mudanças, com relação ao ano de 2001 e de 568,9% em relação ela também tem que se modernizar e criar vanta- ao ano de 1999. O Censo da Educação Superior de gens competitivas. No caso do ensino superior já 2004 revela que os Centros de Educação Tecnológica e Faculdades de Tecnologia ofereceram 758 cursos - um existe uma aceleração com a cadeia globalizada, crescimento de 53,1% no ano. Isto indica que, em seis que abrange o ensino a distância, universidades anos, o Brasil decuplicou o número de cursos oferecidos virtuais, de conhecimento específico e aplicação por esta modalidade de organização acadêmica (INEP, de novas tecnologias. Tudo isso é um celeiro de 2004, p. 37). aprendizagem. Neste sentido, as Instituições de Cabe ressaltar o fato de que estes cursos Ensino Superior terão de acompanhar a evolução devem estar vinculados ao mundo do trabalho, do mercado, prestar atenção nos cenários para portanto o tecnólogo deve estar em sintonia com terem condições de exercer uma gestão eficiente. as novas tecnologias e as complexidades deste As IES precisam se adequar a esse novo ambiente. As propostas apresentadas pelos Planos ambiente. Existe uma demanda por formação de Desenvolvimentos Institucionais - PDIs - são de educacional capaz de conferir novas habilidades que o próprio corpo docente seja valorizado por e competências aos profissionais que estão sendo profissionais com grande experiência no mundo buscados pelo mercado. Aliado a isso, a desbu- do trabalho e que tragam aos discentes, além do rocratização do ensino superior, seguindo uma conhecimento acadêmico, o que existe de mais tendência mundial dos países desenvolvidos e em moderno em relação às novas práticas e novas desenvolvimento faz com que o tempo de duração tecnologias. seja fator determinante na escolha pelos cursos A possibilidade de evidenciar as expectativas de tecnologia. Eles foram criados para atender a dos participantes poderá alavancar o processo demandas atuais e potenciais do mercado. Sendo de efetividade dos cursos superiores de curta o mercado cíclico e dinâmico, os cursos também duração, pois poderá alicerçar o planejamento e têm mais facilidade para se adaptar e atualizar o desenvolvimento dos mesmos, contribuindo, suas ementas. dessa forma, para que eles possam obter um po- A proliferação desta modalidade de ensino e a sicionamento estratégico valioso e exclusivo no abertura de novas Instituições de Ensino Superior mercado altamente competitivo, tendo sempre promovem um questionamento quanto a quais em mente que “o ajuste estratégico, entre mui- são as expectativas dos que procuram estes cursos tas atividades, é fundamental não apenas para a 166 |
  • 171. Revista da FAE vantagem competitiva mas também para a sus- nesta época e até 1820, os cursos se estendiam tentabilidade dessa vantagem” (PORTER1, 1996 ao Rio de Janeiro e à Bahia e iam de economia à apud MITZBERG et al., 2006, p.38). Para tanto, é agricultura, passando por química e matemática, necessário ouvir as pessoas que estão ingressando história e filosofia. Os cursos de direito foram e terminando estes cursos. criados após a Independência, já em São Paulo, em 1827, por D. Pedro I. Com o fim do Império e a Proclamação da 1 Breve histórico da educação República começou a formar-se uma consciência em relação à educação, que a tratava como o superior tecnológica e a prestação ressurgimento da identidade nacional. Assim, em de serviço educacional neste 1912 surgia a Universidade Livre de São Paulo, a contexto primeira com moldes populares ligada a uma Ins- tituição de Ensino Superior. Já em 1920 inicia-se um processo de re-organização e reunião desses cursos criados por D. João VI, dando origem, só 1.1 Histórico da educação superior nos meados dos anos 20, às primeiras IES. Nesta tecnológica no Brasil época foi criada pelo governo federal a Universi- dade do Rio de Janeiro, tendo por base a incor- A definição de Universidade dentro da histó- poração das escolas profissionais Politécnica, de ria pode-se dizer que iniciou com o termo Acade- Medicina e de Direito. mia, que foi fundada por Platão em 387 a.C.. De Em 1932 foi lançado um Manifesto ao Povo fato, as primeiras IES, com uma formatação mais e ao Governo, contendo programa de reforma da definida, surgiram na Europa, no século XII, com educação, criando universidades de “verdade”. os cursos de Direito, Medicina e Teologia. Universidades estas de cunho realmente científi- Segundo Ana Walesca Mendonça (2000), na co, popular, das ciências e das artes. Desta nova América Latina, enquanto as colônias espanholas mentalidade de educadores surgiu, em 1934, a já possuíam universidades, o Brasil não oportu- Universidade de São Paulo (USP) e, em 1935, a nizava este benefício. Quem quisesse seguir os Universidade do Distrito Federal (UDF). Com esta estudos leigos (distintos dos do Clero) só vislum- última rompe-se o modelo até então utilizado de braria essa possibilidade se atravessasse o mar até agregação de escolas profissionalizantes. As es- a metrópole, em Portugal (Coimbra e Évora). Só colas aí reunidas propõem-se a unificar o ensino. em 1808, com a transferência da corte portuguesa Todo este movimento oriundo do Manifesto para o Rio de Janeiro, começaram as movimenta- de 32 dá origem à Escola Nova. Em 1937 surge ções em torno da criação de cursos de anatomia, a Universidade do Brasil, modelo de universidade cirurgia e engenharia, porém todos de cunho ao qual todas as instituições deveriam se adequar. militar, com a intenção da defesa do rei. Também Porém, com o passar dos anos, a UB perdeu o seu foco principal de unificação e as instituições passaram novamente a se expandir isoladamente. 1 PORTER, Michael E. Vantagem competitiva: criando e Já dos anos 50 a 60, com o governo populista, as sustentando um desempenho superior. São Paulo: Campus, IES passaram a se expandir de forma acelerada. 1996. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010 |167
  • 172. Este “boom” do ensino superior propiciou, em mais contestadas que possam ser as tendências 1968, a Reforma Universitária, com a Lei 5.540/68, de mercado, com o uso intensivo de tecnologias, que visava à adequação do ensino superior devido comunicação e informação e a revolução da Inter- ao novo panorama econômico-social do Brasil. Aí net, elas chegaram para integrar o modelo antigo começa a se desenvolver a ideia de departamento de IES ao conceito atual e virtual. e o sistema de créditos, com o surgimento dos Para que se possa buscar um entendimento primeiros cursos de Pós-Graduação e também com entre estas novas linhas de ensino, precisa-se o direcionamento da universidade para o mercado também analisar a postura das Instituições em de trabalho. A nova universidade toma forma, os relação à prestação de serviço, levando em conta professores passam a ter melhores condições de a estratégia, inovação e diferenciação que são trabalho e o ensino superior passa a ter uma visão necessárias para sua sustentabilidade. A seguir mais humanista. A reforma é também curricular. procurou-se mapear este assunto. Já nos anos 70, através do Conselho Federal de Educação, o ensino superior sofre um processo de massificação, com as instituições se alastrando 1.2 Evolução do serviço educacional: através do aval da iniciativa privada. Esta é a terceira estratégia, inovação e diferenciação geração das IES, que se expande até os anos 90, Estratégia é um conjunto de decisões que quando há uma demanda crescente em torno orientam as ações organizacionais, dentro do do ensino superior e muita facilidade propiciada contexto em que está inserida. Segundo Porter pelo governo, gerando uma comercialização do (1996), as organizações devem ser flexíveis para ensino. A partir de meados dos anos 90, este novo atingir as melhores práticas, através das mudanças modelo de IES visava atingir, além da expansão, competitivas que se apresentam. a diversificação, aliadas à avaliação, supervisão, A estratégia competitiva significa ser diferente. Significa qualificação e modernização (MENDONÇA, 2000, escolher deliberadamente um conjunto de atividades p.132-149). diferentes para entregar um mix único de valores No final do século XX houve uma expansão (PORTER, 1996, p.36). de novos Cursos e novas Instituições, iniciando A análise deste contexto é muito importante o processo da quarta geração de IES, inclusive para se formar um prognóstico sobre os riscos oferecendo uma nova modalidade, os chamados e oportunidades a serem enfrentados. Aspectos Cursos a Distância, técnica que permite que o legais, econômicos, políticos, sociais, demográfi- estudante não esteja fisicamente no ambiente cos, culturais e tecnológicos devem ser avaliados. de ensino, usando como ferramenta a tecnologia Deve-se conhecer profundamente a concorrência da Internet. Outra modalidade surgida foram dentro de aspectos como qualidade, estrutura, os Cursos Tecnológicos, cujo tempo de duração desempenho, estratégia, recursos e capital inte- é menor que o dos Cursos de Bacharelado, lectual. O reconhecimento das forças e fraquezas permitindo uma rápida absorção do profissional internas é fundamental para atingir vantagem pelo mercado. competitiva. A satisfação do cliente é premissa Somado a isso, existe uma tendência de re- para a permanência no mercado. novação mercadológica que imprime a também Trazendo estes conceitos para o mundo proliferação de novos cursos. O fato é que, por educacional, visualiza-se que, no século XIX, o 168 |
  • 173. Revista da FAE modelo de gestão adotado nas Instituições de com o planejamento contínuo e deve-se “[...] agir Ensino era o da Administração Científica – Taylo- rumo a objetivos inovadores e relevantes para a rismo –, baseado no planejamento, preparação, comunidade na qual está inserido” (grifo nosso). controle e execução, ainda hoje utilizado, porém Conseguir vantagem competitiva neste am- já considerado por muitos ultrapassado. Atual- biente é tarefa árdua nos dias atuais, é enxergar mente, as organizações estão mais voltadas para onde se pode atuar, em quais mercados, de que o conhecimento. maneira. Neste contexto, as Instituições de Ensino O sistema educacional acompanha os mo- devem observar o baixo custo no desenvolvimento delos capitalistas de gestão, portanto sempre se de seus cursos e a conseqüente oferta de preços buscou uma equivalência também entre termos atrativos ao seu cliente, aliando qualidade no utilizados, então, quando se lê sobre os modelos serviço e benefícios aos alunos. de Taylor e também sobre os modelos de Fayol, As Instituições de Ensino Superior não fogem tem-se em mente que a esta análise apresentada. E, além disso, ainda [...] conceitos e práticas normalmente utilizados na são geridas por normas e leis governamentais indústria como direção por objetivos, administração que, a partir dos anos 80 (Constituição Federal científica etc. passaram a ser habituais nos tratados de 1988), vêm se intensificando na condução de de pedagogia e nos programas de formação em administração escolar” (VIEIRA, 2003, p.39). políticas educacionais indicadas pelo Governo, como a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Aí se confirma a necessidade que a educação Nacional – LDB (Lei 9394/1996). tem de estar em constante atualização, inclusive Consequentemente o perfil da educação su- com o mundo empresarial, onde as mudanças perior no país vem se transformando e se expan- corporativas ocorrem com frequência. dindo. É visível a política de expansão promovida Os fatores econômicos também regem estas pelo governo brasileiro, alavancada por recursos mudanças e conduzem a uma maior flexibiliza- oriundos do Banco Interamericano de Desenvol- ção nos mercados de trabalho. As Instituições vimento (BID), o qual fomenta a reforma educa- de Ensino devem ser vistas como empresas, até cional, através de políticas de disseminação de para sua própria sobrevivência, porque além do novos currículos, desenvolvimento de estratégias aspecto pedagógico que norteia o negócio, elas e planos de expansão. devem ter estruturalmente um Planejamento Es- O cenário hoje é de uma maior oferta de tratégico, estar voltadas para a competitividade, serviços, preços diferenciados, metodologias no- produzir ações de marketing. vas e estratégias mercadológicas diferentes para As decisões estratégicas são aquelas que determinam a cada Instituição. O foco atual é no mercado, no direção geral de um empreendimento e sua viabilidade final à luz das mudanças possíveis, imprevisíveis e negócio, no cliente, nos serviços e na qualidade. irreconhecíveis que podem ocorrer nos principais Outro dado importante a ser considerado é a ambientes adjacentes (MINTZBERG; LAMPEL; QUINN, globalização, segundo a qual o que rege os siste- 2006, p. 29). mas é a tecnologia, a rapidez da informação e os Segundo Colombo (2004, p.18), a estratégia novos modelos de gestão. Há uma necessidade cria condições para se atingir “uma posição de adequação, uma demanda social em busca de exclusiva, competitiva e sustentável ao longo do um maior dinamismo. tempo”. Mas a sustentabilidade só é atingida Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010 |169
  • 174. É neste novo contexto que as Instituições fazendo parcerias com outras IES), otimi- de Ensino Superior – IES, amparadas por novas zação das instalações (utilização dos três leis, vêm se adaptando e inovando de uma forma turnos), corte de pessoal (reengenharia), mais arrojada para oferecer um novo ambiente informatização e automação de processos, a quem busca o conhecimento de forma mais redução da jornada de professores, terceiri- direta, capaz de oferecer vantagem competiti- zação e quarteirização, criação de unidades va. Assim, manter-se neste âmbito não é tarefa estratégicas de negócios; fácil. A concorrência cresce de forma acelerada, c) ampliar geograficamente, com novas uni- criando um mercado tão atrativo e, com facili- dade de acesso como o Ensino a Distância – EAD dades (novos campi), o que depende da e os cursos superiores de curta duração – Cursos capacidade de investimento da instituição. Superiores de Tecnologia. Portanto, ter destaque A localização é muitas vezes elemento- cha- e sustentabilidade requer ajustes. ve na escolha do aluno pela Instituição; Os currículos dos cursos também sofrem d) desenvolver o mercado: descobrir novos constantes readequações para atender as mu- usos para os produtos que já existem; danças dessa nova tendência, com novos campos e) desenvolver produtos e serviços: novos profissionais e áreas específicas. Todas essas mu- cursos; danças que o setor educacional vem promovendo f) diversificar: novas modalidades de produ- no mercado devem ser permeadas por variáveis tos (EAD, educação corporativa, ensino que garantam sua sustentabilidade. Dessa forma, não podemos deixar de falar em estratégias, com- técnico); petitividade e qualidade em serviços educacionais. g) ampliar o target: atrair novos públicos, A administração de sucesso prospecta à Ins- como, por exemplo, clientes nas classes D tituição antecipar-se às ameaças e problemas que e E, mais velhos, executivos; possam surgir, podendo aproveitar oportunidades h) inovar: inovação é a estratégia de cres- para seu desenvolvimento. Ao pensar seu plane- cimento mais abrangente e significativa, jamento estratégico, a IES pode investir numa quando obtém êxito. Ela vem ao encontro série de estratégias que, de acordo com seu perfil das necessidades do mercado e é ele que e de acordo com o perfil de seus clientes, podem deve regê-la. ajudá-la a obter a maior precisão para as ações a Os autores também listam estratégias de serem realizadas. diferenciação com base: Ryon Braga e Carlos Monteiro, através da Re- a) na tecnologia; vista Aprender Virtual (2008) enumeram algumas b) no relacionamento com o aluno; destas estratégias: c) no fortalecimento da marca; a) aumentar a penetração no mercado: cap- d) na educação continuada; tando alunos que tradicionalmente iriam para a concorrência, ou seja, aumentar sua e) na especialização dos cursos; fatia de mercado (market share), através de f) na criação de cursos para atender a deman- ações de marketing e vendas; das específicas; b) reduzir preços a partir de redução dos cus- g) nas parcerias com a iniciativa privada; tos, ou seja, utilizando economia de escala h) no prolongamento do relacionamento com (otimizando serviços administrativos ou o cliente; 170 |
  • 175. Revista da FAE i) na formação de uma estrutura de pesquisa; cidade na informação. A partir daí foram abertas j) nos cursos diferenciados. as perspectivas para a criação dos Cursos Técnicos Algumas ações de marketing também devem de Nível Superior, hoje denominados Cursos Supe- ser citadas, como: atendimento aos alunos por riores de Tecnologia, que preparam o profissional meio de Central de Atendimento; criação de um para ingresso imediato no mercado de trabalho. Centro de Contato para prospecção de alunos; Existe uma legislação cada vez mais definida sobre criação de unidades estratégicas de negócios o assunto, regulamentando e assegurando certos (UEN) para ações de comunicação, promoção e deveres e direitos às IES que oferecem Cursos de relacionamento; programas de relacionamento Tecnologia. com escolas e empresas, etc. A Lei 9394/96 (Lei das Diretrizes Básicas – Tudo isso deve ser bem avaliado, principal- LDB) trata da questão da educação profissional mente porque, no caso dos Cursos de Tecnólogos, integrada ao trabalho, ciência e tecnologia. “O a competitividade do setor vem crescendo, em Decreto 2208/97 fixa os objetivos da educação função dos incentivos, por parte do governo, profissional” (BRASIL, 1996, p.3). Dentre eles, o de que esta modalidade de ensino superior vem maior destaque é “Promover a transição entre a recebendo. escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e adultos com conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o exercício das atividades pro- 1.3 Cenário do ensino superior no dutivas.” (BRASIL, 1996, p.3). Em nível tecnológico Brasil são os Cursos Superiores de Tecnologia oferecidos a egressos do ensino médio e técnico, previstos O mundo vive ciclos de ordem econômica, para áreas especializadas, que os diplomam como política e social, e a sociedade se adapta a esses Tecnólogos. ciclos, visando suprir as necessidades vigentes O que é evidente nesta análise é que a socie- do período. A educação está inserida de forma dade começou a demandar uma maior agilidade direta nestas transformações. Na sociedade Pós- nos processos educacionais e a integrá-los cada Moderna o que se busca é flexibilidade, novas vez mais às necessidades mercadológicas. Com formas de trabalho e educação. E um novo aluno esta linha de raciocínio, as faculdades de Tecno- também surge e se adapta às novas tendências logia são vistas como facilitadoras, podendo criar de ensino e mercado. cursos específicos conforme requer a necessidade No Brasil, a preocupação em rever os con- do momento e, ao mesmo tempo, extinguir cursos ceitos e premissas na Educação Superior vem dos que já não estão mais de acordo com a atual de- anos 60, quando a Lei 5.540/68, que fixa as nor- manda do mercado. Esta agilidade aliada à espe- mas de organização e funcionamento do Ensino cificidade dos cursos pontua a favor do Tecnólogo. Superior, já previa a abertura de novos cursos Outro ponto favorável está no valor das men- (art. 18) e mudanças na duração destes (art. 23), salidades; os cursos de curta duração oferecem atendendo às exigências específicas do mercado ao aluno um menor número de parcelas a pagar, de trabalho. despendendo menor valor para sua formação. A Esta Reforma Universitária oportunizou ao acessibilidade neste sentido atinge uma maior Ensino Superior uma maior agilidade e especifi- parte da população do que os tradicionais cursos Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010 |171
  • 176. de graduação, em que o aluno despende de mais Alves (2003, p.52), este tipo de pesquisa permite tempo e dinheiro para completar seus estudos. De o uso de entrevistas com pessoas que já tiveram qualquer forma, a graduação em nível de bacha- experiência com o objeto estudado. relado encaminha o profissional para o lado mais Os resultados são aqui apresentados con- científico, com uma formação mais abrangente. forme os dados que foram coletados através de Mas existem diversas dificuldades enfrenta- entrevistas estruturadas com alunos ingressos e das pelos profissionais graduados nos cursos de egressos de Cursos Superiores de Tecnologia. Tais curta duração como: dados, neste momento, serviram de parâmetro [...] rejeição por parte do mercado de trabalho, para elucidar quais são as expectativas dos alunos não aceitação pelas instituições, órgãos de classe ingressos e quais são as percepções dos egressos e profissionais e pelas próprias empresas; número quanto a sua escolha por esta modalidade de crescente de alunos desejando continuar seus estudos ensino superior. Dessa forma foi feita uma análise em nível de graduação, etc. [...] (BASTOS, 1991, p.24). de conteúdo com o objetivo de analisar categorias Contudo, um avanço aparentemente peque- e, assim, ter uma visão mais específica do que era no, por se tratar da troca de denominação de mais evidente. A partir disso observou-se, então, Centro de Educação Tecnológica para Faculdade que as variáveis que mais se destacaram ao longo de Tecnologia disposta no artigo 3º do Decreto das entrevistas foram: tempo, foco, mercado de 5225/2004, tornou-se decisiva para a consolidação trabalho e valor (no sentido financeiro). do profissional em não ser mais visto como um Tanto os alunos ingressantes quanto os que Técnico de Nível Superior, e sim um respeitável estão finalizando, ou já são egressos dos Cursos Graduado. Superiores de Tecnologia, afirmam que o fator tempo é o principal determinante na sua escolha. O fato de poderem concluir um curso superior em 2 Resultados da pesquisa dois anos em média é muito estimulante quando vão optar por este tipo de curso. Algumas percepções surgidas referentes ao A pesquisa elaborada para o desenvolvimento tempo: deste artigo foi qualitativa de cunho exploratório, pois tem como alicerce a indagação à realida- Ingressos: de, baseada em teoria e método, neste caso, a “A possibilidade de concluir um curso supe- identificação das percepções dos indivíduos em rior num curto período conta bastante. Como relação à forma como os Cursos de Tecnólogos o mercado está bastante competitivo, tem-se a vão projetá-los no mercado. vantagem de, em quatro anos, se especializar em A pesquisa qualitativa visa à construção da duas áreas distintas.” realidade, sem quantificá-la. Considera o ambien- Egressos: te como principal elemento gerador de dados. “... carga horária adequada, tornando a É meramente descritiva, não utiliza métodos conclusão do curso mais rápida, e automaticamente estatísticos. É baseada em pequenas amostras, implica também em[sic] curso reduzido em relação que proporcionam percepções e compreensão aos cursos de bacharelado e licenciatura...” do contexto do problema. O método utilizado foi o da pesquisa exploratória, pois, de acordo com 172 |
  • 177. Revista da FAE “O tempo para conclusão é um dos grandes “... foi o fato de ser um curso específico, motivos (diferencial) que me levou a escolher focado em uma área apenas, não havendo, assim, um curso tecnólogo; por ter curta duração, te uma abrangência demasiada, como o curso de qualificar para o mercado, ofertar com mais Administração, por exemplo. Em segundo lugar, brevidade a oportunidade de ingressar em uma a área que eu escolhi é uma área que está em defasagem, com falta de profissionais habilitados Pós-Graduação, enfim, quem gosta de uma vida e focados a suprir necessidades de recursos dinâmica com certeza entenderá o motivo de humanos.” quem escolhe um curso tecnólogo.” Egressos: Conforme Niskier e Nathanael (2006, p.32), “É um curso focado no mercado, com profes- o mercado tradicional para graduados está saturado. sores altamente ligados no mercado de trabalho, Nossos jovens universitários perderam a paciência com os cursos longos, que não garantem nada ao seu término. e muitas vezes funcionários de grandes empresas, e de decisões estratégicas, pessoas com alto grau O autor adverte para o fato de que nada de informação e praticidade em colocar em prática garante a empregabilidade, nem os tradicionais conhecimentos jamais passados em um bachare- cursos de bacharelado. O mercado está saturado, lado, a experiência,...” então demanda áreas específicas, não trabalha É notório que as pessoas aliam uma categoria mais com o generalismo. Para atender a esta a outra. Vimos aí que, do tempo, aliado ao nova demanda é necessário focar em categorias foco, passamos a observar que os entrevistados específicas e desenvolvê-las ao máximo, e isso o passam também a vincular o foco ao mercado tecnólogo consegue rapidamente, seguindo um de trabalho, trazendo uma nova categoria à curso de curta duração com uma grade curricular pesquisa. focada na sua escolha. Porém, neste item, percebe-se que quem Podemos constatar que o foco, que é a segun- optou por Cursos de Graduação Tecnológica tem da variável mais citada, está diretamente ligado a percepção de que o mercado ainda está despre- à escolha pelo tempo, pois as duas categorias parado para absorvê-lo. Há o sentimento de que andam juntas, estão atreladas. Os alunos e os existe um despreparo, uma falta de entendimento egressos afirmam que, durante o período em que de que este profissional possui um curso superior estão cursando, estão direcionados estritamente e que possui alta qualificação em áreas específicas. para o que pretendem aprender. A especificidade Outra preocupação foi quanto ao fato de a forma- dos cursos de tecnólogos cria expectativas de uma ção nestes cursos não permitir aos profissionais inserção mais rápida no mercado de trabalho, visto concorrer a concursos públicos. que as disciplinas oferecidas são voltadas ao mun- Vejamos algumas percepções quanto ao do do trabalho e às exigências atuais do mercado. mercado de trabalho: Seguem algumas considerações que fixam o Ingressos: foco como determinante: “Apesar de saber que este tipo de curso, por Ingressos: ser muito novo no mercado, sofre ainda muito “A dinâmica do curso é bastante atrativa. preconceito por acharem que ele não possui o As aulas são mais diretas e nos dá [sic] uma base mesmo “peso” de um curso normal de faculdade, sólida para atuarmos com mais conhecimento espero criar base para o mercado de trabalho, dentro da área escolhida.” de abrir novas portas, pois ele traz muitas idéias inovadoras.” Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010 |173
  • 178. Egressos: “...os cursos não têm muita aceitação no mer- Egresso: cado de trabalho (principalmente em programas “Também acredito que estes cursos sejam de estágio e trainee de grandes organizações);... uma tendência de mercado, não só pelos pontos preconceito em relação aos cursos de tecnólogos que já mencionei, mas também em relação a (existem pessoas que comparam um curso de custos e deslocamentos cada vez mais crítico[sic].” tecnólogo com cursos técnicos, achando que é a É inegável que estes cursos sejam mais aces- mesma coisa.” síveis em relação aos valores, mas isso se justifica “Tenho conhecimento que o tecnólogo não pela própria condição de tempo mais reduzido me permite prestar concursos públicos...” para a sua conclusão. Então, o custo do curso De acordo com Bastos (1991, p.50-51), os ficaria em segundo plano, não sendo condição Cursos Superiores de Tecnologia não são meros relevante na busca por este tipo de graduação. cursos profissionalizantes, pois, através de seus O resultado da pesquisa foi extremamente currículos, selecionam os conhecimentos essen- significativo para perceber que os alunos que op- ciais para as bases tecnológicas para atender à tam por Cursos Superiores de Tecnologia querem demanda do mercado em “aproximar as funções agilidade nos processos e inserção mais rápida de concepção e execução, do técnico e do prático no mercado de trabalho. Já o preço, que antes e, conseqüentemente, diminuir a distância entre poderia ser determinante, apareceu como pouco o trabalho intelectual e o manual.” importante no peso da escolha. Bastos (1991) chega a citar que as associações profissionais consideram o tecnólogo como um “concorrente indesejável no campo profissional.” 3 Algumas reflexões Mas ele encara isso como positivo, visto que os tecnólogos carregam consigo uma formação que Os acadêmicos entrevistados, tanto ingressos consegue projetar a teoria sobre a prática, o que quanto egressos, demonstraram uma coesão nas lhes possibilita desenvolver pensamento crítico suas respostas, evidenciando, curiosamente, que e lhes dá condições para enfrentar desafios, as expectativas dos entrantes transformaram-se visto que eles celebram as vivências do mercado em percepções ao término do curso. Ou seja, os constantemente em sua formação. dois pólos pesquisados estão bem afinados na sua Por último, a pesquisa revelou o quesito valor escolha por esta modalidade de ensino. (no sentido de custo) como condicionante para a Realmente percebe-se que os Cursos Supe- procura dos cursos de tecnólogos. O que durante riores de Tecnologia encontraram seu espaço no o trabalho se pensava ser um dos principais deter- mercado educacional, possibilitam a muitos a minantes de escolha apareceu como apenas uma obtenção de um curso superior em menor tem- observação por parte de dois dos entrevistados. po, variável esta condicionante para sua escolha, conforme se justificou na pesquisa. Ingresso: A especificidade deste ensino, focado numa “... e com um valor mais acessível que os área determinante, também surgiu nas percep- outros cursos existentes, buscando ampliar meus ções dos tecnólogos como fator especial nesta conhecimentos profissionais e pessoais, dividir modalidade. Já a variável valor, no sentido de experiências para o aprendizado.” 174 |
  • 179. Revista da FAE custo, mostrou-se pouco significativa para a es- A educação profissional tem por objetivos: I - promover a transição entre escola e o mundo colha destes cursos, contrariando a idéia inicial, do trabalho, capacitando jovens e adultos com segundo a qual se pensava que custo fosse um conhecimentos e habilidades gerais e específicas para condicionante. o exercício de atividades produtivas: II - proporcionar O que foi apontado na pesquisa, causando a formação de profissionais, aptos a exercerem atividades específicas no trabalho, com escolaridade preocupação, é a percepção de que os cursos correspondente aos níveis médio, superior e de pós- ainda não são bem recebidos pelo mercado. graduação; III - especializar, aperfeiçoar e atualizar o Neste sentido cabe salientar a importância de trabalhador em seus conhecimentos tecnológicos; V - desenvolver um trabalho esclarecedor junto ao qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos trabalhadores, com qualquer nível de escolaridade mercado, para que seja fechada esta lacuna. O visando a sua inserção e melhor desempenho no que poderia ser feito em parceria entre as IES e o exercício do trabalho (BRASIL, 1996). mundo empresarial. De acordo com a Revista Aprender Virtual O Curso Superior de Tecnologia não veio (2008), existem faculdades, como a IBTA (São para substituir o Curso de Bacharelado, mas sim Paulo) e o SENAI, que firmam parcerias com as para transitar junto com este último como opção empresas para que elas ajudem a compor as de ensino superior. Até porque são modalidades bases curriculares dos cursos, adaptando-os às completamente diferentes no seu foco. suas necessidades, tornando-os extremamente A partir destas percepções pode-se sugerir focados no que o mercado demanda. Isso torna às Instituições que organizem um trabalho em o egresso um profissional em potencial para a conjunto com o mercado de trabalho, trazendo inserção nestas empresas depois de formado. São as empresas para dentro das faculdades para que ajudem, inclusive, a montar os currículos dos cur- ações assim que se esperam das instituições, pois sos ofertados. As exigências do mercado podem isso dará maior visibilidade ao tecnólogo e maior ditar quais os cursos devem permanecer e quais entendimento por parte do empresariado. Outra devem ser substituídos. É muito importante que se forma de estímulo seria trazer estas empresas para faça este trabalho até mesmo para conscientizar o ministrarem palestras dentro das faculdades aos empresariado e aproximá-lo do tecnólogo. O novo alunos para permear um intercâmbio entre eles. muitas vezes precisa ser adaptado, e as parcerias Por outro lado, a pesquisa também sugere são essenciais para que o sucesso ocorra para parâmetros significativos para ações de marketing ambos. Já é tempo de quebrar o paradigma do para captação de um público interessado nesta ensino superior, adaptar os modelos mentais, pois a modalidade de ensino superior. A necessidade verdade é que existe um novo perfil de trabalhador de atender às necessidades, desejos e demandas e um novo mercado, que clama por uma forte es- deste público ficou evidente na pesquisa quando pecialização. Os Cursos de Graduação Tecnológica os próprios alunos trouxeram o tempo, o foco e surgem, então, como a porta para a inserção para o mercado de trabalho como determinantes na estes novos moldes de mercado de trabalho. sua escolha. Para tanto é dever da educação promover Segundo Kottler e Fox (1994, p.47): a transição entre a faculdade e o mundo do Marketing destaca a satisfação dos consumidores trabalho, conforme o que reza o Artigo 1º da ao responder a suas necessidades e desejos. Uma Lei nº 9.394/96, regulamentada pelo Decreto nº instituição educacional que responde ao mercado faz todos os esforços para sentir, atender e satisfazer às 2.208/97: necessidades e aos desejos de seus consumidores e Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010 |175
  • 180. públicos dentro das restrições de missão e orçamento. Afinal, se foi um ensino aprovado pelos ór- Cada instituição deve determinar qual nível de resposta gãos competentes, e se há público para absorver deseja e, depois, implementar programas para alcançar este nível de satisfação. esta demanda, devemos nos preocupar em inserir esses profissionais respeitadamente no mercado. O que também realmente é necessário é cons- tituir uma literatura urgente neste sentido, para que se tenha mais embasamento para continuar tratando deste assunto e dar mais respaldo ao • Recebido em: 27/06/2010 profissional que opta por este ensino. • Aprovado em: 30/11/2010 Referências ALVES, Magda. Como escrever teses e monografias. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. APRENDER VIRTUAL. Portal do ensino superior. Disponível em: <http://www.aprendervirtual.com. br/noticiaInterna.php?IDx=102&ID=53>. Acesso em: 30 mar. 2008. ______. Portal do ensino superior. Disponível em: <http://www.aprendervirtual.com.br/ noticiaInterna.php?IDx=60&ID=102>.Acesso em: 22 out. 2008. BASTOS, João Augusto de S. de A. Cursos superiores de tecnologia: avaliação e perspectivas de um modelo de educação técnico-profissional. Brasília: Senete, 1991. BRASIL. Lei n° 5540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. República Federativa [do] Brasil, Brasília, 28 nov. 1968. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L5540.httm>. Acesso em: 20 abr.2008. ______. Lei n° 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. República Federativa [do] Brasil, Brasília, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.httm#art92>. Acesso em: 20 abr. 2008. ______. Decreto n° 3860, de 09 de julho de 2001. Dispõe sobre a organização do ensino superior, a avaliação de cursos e instituições, e dá outras providências. República Federativa [do] Brasil, Brasília, 10 jul. 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/ Decreto/D5225.httm#art11a>. Acesso em: 20 abr.2008. 176 |
  • 181. Revista da FAE ______. Decreto n° 5225, de 01 de outubro de 2004. Altera dispositivos do Decreto no 3.860, de 9 de julho de 2001, que dispõe sobre a organização do ensino superior e a avaliação de cursos e instituições, e dá outras providências. República Federativa [do] Brasil, Brasília, 04 out. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5225. httm#art11a>. Acesso em: 20 abr.2008. COLOMBO, Sonia Simões (Coord.). Gestão educacional: uma nova visão. Porto Alegre: Artmed, 2004. COLOMBO, Sonia Simões et al. Marketing educacional em ação: estratégias e ferramentas. Porto Alegre: Artmed, 2005. FLORES, Luiz Carlos da Silva. Fatores de gestão que influenciam o desempenho das universidades comunitárias do sistema fundacional de ensino superior de Santa Catarina. 2005. 175p. Tese (Doutorado em Engenharia da Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005. INEP. Portal do INEP. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/download/superior/2004/ censosuperior/Resumo_tecnico-Censo_2004.pdf>. Acesso em: 26 maio 2008. KOTLER, Philip. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e controle. São Paulo: Atlas, 1995. KOTLER, Philip; FOX, Karn F. A. Marketing estratégico para instituições educacionais. São Paulo: Atlas 1994. MEC. Portal do MEC. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislacao/ superior/legisla_superior_parecer4362001.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2008. ______. Portal do MEC. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislação/ superior/legisla_superior_parecer4362001.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2008. MENDONÇA, Ana Walesca P. C. A universidade no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v.14, n.14, p.131-150, mai/ago. 2000. MINTZBERG, Henry. at al. O processo da estratégia: conceitos, contextos e casos selecionados. Porto Alegre: Bookmann, 2006. NISKIER, Arnaldo; NATHANAEL, Paulo. Educação, estágio e trabalho. São Paulo: Integrare, 2006. PORTER, Michael E. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. São Paulo: Campus, 1996. VIEIRA, Alexandre Thomaz (Coord.). Gestão educacional e tecnologia. São Paulo: Avercamp, 2003. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 165-178, jul./dez. 2010 |177
  • 183. Revista da FAE Oportunidades nos mercados globalizados: estudo nas empresas brasileiras de consultoria em tecnologia da informação1 Opportunities in global markets: study in the brazilian companies of consulting in information technology Bruna Zambel Russo1 Resumo Carolina Batista de Deus2 Simone Cardoso de Almeida Este artigo teve como objetivo verificar, a partir de uma pesquisa em Marques3 quatro empresas de consultoria em Tecnologia da Informação, se o Ingrid Araujo Silva4 Francisco Américo Cassano5 processo de internacionalização desse setor ocorre em função da busca de oportunidades em mercados globalizados. O estudo adotou uma abordagem qualitativa, através da coleta de dados por questionário, respondido por executivos de nível gerencial. A análise dos dados coletados foi feita por análise de conteúdo, sob a categorização das dimensões de acordo com os objetivos a serem alcançados, verificando-se que as empresas analisadas obtiveram, de uma forma geral, mais vantagens 1 Bacharel em Administração com ênfase do que desvantagens com o processo de internacionalização e que as em Comércio Exterior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Secretariado estratégias adotadas tiveram participação importante no sentido de dar Executivo pela FATEC/SP. Vivência em suporte a este processo. Pelos resultados obtidos, concluiu-se que de fato a processos de recrutamento e seleção, internacionalização das empresas brasileiras de consultoria em Tecnologia integração institucional, programa de estágio, programa de inclusão de pessoas da Informação foi decorrente da busca de oportunidades nos mercados com deficiência e outplacement, na Pepsico globalizados. do Brasil Ltda. E-mail: brurusso@yahoo.com. 2 Bacharel em Administração com ênfase Palavras-chave: internacionalização de empresas; tecnologia da em Comércio Exterior na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Vivência em análise informação; mercados globalizados. documental nas áreas de importação e exportação aérea e marítima, na ITATRANS RL Logística Internacional S/A. E-mail: ea1. Abstract sao@itatransrl.com.br. 3 Bacharel em Administração com ênfase This study aimed to verify if internationalization process comes from em Comércio Exterior na Universidade search of opportunity in global markets. The study adopts a quality Presbiteriana Mackenzie. Vivência em análise de sistemas, na Telefônica S/A. E-mail: method through data base that was answered by managers executive that marques_sissa@hotmail.com. kindly fill up a questionary. The data base was analyzed through content 4 Bacharel em Administração com ênfase analyses and checked that interviewed companies have been aquiring em Comércio Exterior na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Vivência na área de more advantages than disadvantages after internationalization process. compras e de logística, na ARROW BRASIL The adopt strategies were crucial to succeed the process. For obtained S/A. E-mail: araujo.ingrid@hotmail.com. result the study conclude that internationalization process from Brazilian 5 Doutor em Ciências Sociais concentração em Relações Internacionais, pela Pontifícia Consulting in Information Technology Company was decurrent of the Universidade Católica de São Paulo. Vivência search of opportunity in global search. empresarial em comércio exterior, com atuação em empresas do tipo Trading Keywords: internationalization of companies; information of technology; Company e em consultoria de empresas nas áreas de finanças internacionais e de gestão. global markets. Professor Adjunto e Professor Responsável pela Linha de Formação Específica em Comércio 1 Artigo aprovado e apresentado no XII SEMEAD – Seminários em Administração, Exterior na Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: famcassano@uol.com.br. Universidade de São Paulo – USP, agosto de 2009. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010 |179
  • 184. Introdução I. conhecer as possibilidades de negócios para as consultorias de TI existentes nos É senso comum que a relevância das ativida- mercados globalizados; des de serviços na geração de renda nas econo- II. analisar o processo de internacionalização mias modernas vem se ampliando. As atividades nas empresas identificadas acima; terciárias promovem o desenvolvimento econô- III. avaliar se as oportunidades nos mercados mico, pois aumentam a competitividade interna globais influenciam no processo de inter- e internacional, geram empregos qualificados e nacionalização. aceleram o progresso tecnológico. Para orientar o estudo em torno dos objetivos Durante vários anos consecutivos, as exporta- definidos, o problema de pesquisa foi caracteriza- ções brasileiras de serviços não superaram a marca do da seguinte forma: como as oportunidades de de 10% do valor das exportações brasileiras de negócios nos mercados globalizados influenciam bens. Apenas a partir de 2004 esta marca foi su- o processo de internacionalização das empresas perada e o Brasil passou a ampliar as exportações brasileiras de consultoria em TI? de serviços, se comparadas ao restante do mundo, O estudo adotou uma abordagem qualitativa, alcançando em 2005 o ápice de 28% de crescimen- através da coleta de dados por questionário, to em relação ao ano anterior (BRASIL, 2008). respondido por executivos de nível gerencial. A Dada a relevância do setor de serviços e a sig- análise dos dados coletados foi feita por análise nificativa contribuição dos serviços de tecnologia de conteúdo, sob a categorização das dimensões da informação para o incremento do setor, este de acordo com os objetivos a serem alcançados. estudo visou se aprofundar no tema, buscando informações relevantes que possam servir como base para novos empreendedores. Além disso, também tem como foco tornar-se material de 1 Referencial teórico apoio e consulta para empresas da área de tecno- logia da informação que estejam se preparando Pelo que foi apresentado na Introdução, a para entrar em novos mercados. temática abordada no estudo se relaciona com Em termos acadêmicos, este estudo se propôs as oportunidades de negócios nos mercados a enriquecer as pesquisas voltadas para assuntos globalizados e com a internacionalização das relacionados à internacionalização de empresas. empresas. Neste item foi desenvolvida a revisão da A sua proposta foi descobrir se a dinâmica da in- literatura desses dois temas, buscando obterem- ternacionalização deste setor no Brasil está ligada se elementos que permitam verificar se na prática à busca por oportunidades no mercado global. estão sendo utilizados os mesmos conceitos. O objetivo geral, portanto, foi descobrir se o processo de internacionalização das empresas 1.1 Oportunidades de negócios nos brasileiras de consultoria em Tecnologia da Infor- mercados globalizados mação – TI é decorrente da busca de oportunida- des nos mercados globalizados. Porter (1989) apresentou um fator deter- A fim de se atingir tal objetivo, foram defini- minante para que as empresas obtivessem êxito dos alguns objetivos específicos: em longo prazo com o processo de internacio- 180 |
  • 185. Revista da FAE nalização: o desenvolvimento de uma vantagem Essa visão de Kotler foi corroborada por competitiva sustentável. Brito e Lencastre (2000), que complementaram e A vantagem competitiva pode se apresentar agruparam esses fatores em motivações proativas em dois tipos, como menor custo ou diferenciação. e reativas na busca de oportunidades de entrada O menor custo, ainda segundo Porter (1989), no mercado global. consiste na capacidade da empresa desenvolver Brito e Lencastre (2000) discorreram sobre cada e comercializar um produto ou serviço com um dos estímulos, explicando-os separadamente: mais eficiência do que seus concorrentes e com I. estratégias de crescimento: o objetivo o mesmo preço ou menor. Esta redução de principal das empresas que tencionam custo transforma-se em lucros superiores. Já a buscar oportunidades nos mercados diferenciação é a habilidade da empresa propiciar globais é crescer. Geralmente encontram um valor exclusivo ao cliente em relação à dificuldades de crescimento no mercado qualidade ou característica do produto ou serviço. interno por diversas razões, como a falta Com esta vantagem a empresa, ao manter os de sofisticação dos consumidores locais custos comparáveis aos concorrentes, consegue ou a entrada de novos concorrentes, e, em aumentar o preço do produto ou serviço e obter função disto, veem a internacionalização um lucro maior. como alternativa; Por outro lado, para Kotler (2000), um dos II. aproveitamento de oportunidades principais motivos que levam uma empresa a se criadas em um novo mercado: muitas decidir pela internacionalização é a percepção de empresas têm representantes ou mes- que terá mais oportunidades em novos mercados, mo distribuidores de seus produtos em uma vez que o mercado interno não é grande o mercados externos e se aproveitam do suficiente para absorver tanta oferta. Relaciona fato de sua marca já estar consolidada ainda outros fatores que influenciam a busca por nesse mercado para passar a distribuir mercados globais quando: diretamente sem intermediários, usu- I. o mercado internacional oferece condições fruindo todos os benefícios desta nova de lucro maiores do que o mercado interno; configuração de negócio; II. há necessidade de a empresa aumentar III. proximidade geográfica e afinidades sua carteira de clientes a fim de atingir culturais e linguísticas: consideram que economias de escala; a proximidade dos mercados é um fator III. é necessário fazer com que a empresa facilitador na percepção de oportunida- se torne menos dependente de um só des de internacionalização, pois permite mercado; um conhecimento maior de um mercado IV. muitas vezes empresas globais entram no sobre o outro, o que traz segurança e di- mercado nacional oferecendo produtos minui as incertezas durante esse processo; mais interessantes a preços mais baixos e IV. redução do risco: a internacionalização é necessário que a empresa contra-ataque proporciona a diluição dos riscos, pois esses concorrentes em seus mercados a empresa deixa de ser dependente de internos. apenas um mercado e possivelmente de poucos clientes, passando a ampliar Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010 |181
  • 186. sua área de atuação para mercados VII. apoios governamentais: muitas empresas diversos. Com isto um resultado abaixo são atraídas por incentivos oferecidos do esperado em um dos países pode ser pelo governo, ou instituições de seu equilibrado com um bom resultado em país de origem ou de destino do inves- outro país; timento, e, por esta razão, decidem se V. redução de custos e aproveitamento de internacionalizar; economias de escala: algumas empresas VIII. internacionalização por arrastamento: aproveitam-se do fácil acesso e do custo geralmente empresas prestadoras de ser- reduzido da mão-de-obra, ou matéria- viços acabam por acompanhar seus clien- prima, encontrados em outros mercados tes quando estes optam por se instalar para realocar seu local de operação, em novos mercados a fim de continuar além, também, de muitas vezes encontrar prestando serviços aos mesmos; nesses novos mercados uma legislação IX. imperativos do próprio negócio: ocorrem menos restritiva. Fica evidenciado que quando o segmento de atuação da muitas vezes essa realocação não oferece empresa a obriga a ter instalações em apenas vantagens à empresa, podendo, diferentes mercados, como é o caso de por outro lado, aumentar alguns custos uma empresa de transporte aéreo, que tais quais os de transporte ou os que serve tanto ao mercado interno quanto estão relacionados à instalação da ao externo. Uma outra forma também empresa neste novo mercado. Esta ocorre quando a demanda no próprio decisão pode ainda estar atrelada ao mercado interno não é mais suficiente fato da empresa almejar atingir uma para impulsionar o desenvolvimento da escala de produção maior do que a que empresa. trabalha no momento, e muitas vezes Nessa mesma linha de pensamento, Sousa encontrar facilidades na centralização de e Palacios (2004) confirmaram a existência de suas operações em outro mercado como motivações proativas – como um atrativo para se citado anteriormente. Esta resolução alcançar um objetivo estratégico – e motivações deve sempre levar em consideração todos reativas – como uma reação da empresa a mu- os pontos negativos citados até aqui e, danças que já estão em andamento no mercado. também, o fato de que a empresa pode Assim como Brito e Lencastre (2000), Sousa enfrentar neste novo mercado o risco e Palacios (2004) listam essas motivações a seguir político, as oscilações cambiais e as no quadro 01. barreiras tarifárias e não-tarifárias; VI. aproveitamento da imagem do país: a visibilidade positiva que um determinado país tem perante o mercado externo, pode facilitar e fortalecer as oportunidades de suas empresas adentrarem em outros mercados. O mesmo pode ocorrer de forma contrária, caso o país tenha uma imagem negativa no mercado externo; 182 |
  • 187. Revista da FAE QUADRO 01 - ESTÍMULOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO I. vantagem de liderança em custos: ocorre EMPRESARIAL quando a empresa, em mercados abran- PROATIVOS REATIVOS gentes ou perante ampla oferta de mix Lucro Pressões competitivas de produtos, fundamenta o valor do seu Produto único Excesso de produção Vantagem tecnológica Vendas no mercado em queda produto ou serviço no baixo custo. Com Informação exclusiva Excesso de capacidade instalada isso, o preço final do produto ou serviço Benefícios fiscais Mercado interno saturado pode ser menor, o que aumenta seu valor Economias de escala Proximidade de clientes e mercado na percepção do cliente; FONTE: Sousa e Palacios (2004, p.30) II. diferenciação: ocorre quando o produto ou serviço é percebido como único pelos Apresentadas essas motivações para a inter- clientes em um mercado amplo. Este tipo nacionalização, Sousa e Palacios (2004) conside- de estratégia permite que o preço cobrado raram que as empresas que obtêm melhor desem- seja mais elevado e que a empresa mante- penho no mercado internacional são aquelas que nha sua posição de mercado. optam por uma postura proativa em relação às Já as estratégias de mercado restrito são oportunidades, não esperando que estas cheguem classificadas em: àquela, mas sim indo à busca das mesmas. I. diferenciação focalizada: ocorre quando Keegan (2006) complementou afirmando a empresa tem como alvo um mercado que, baseando-se nestas duas fontes de vantagem mais reduzido e definido, criando um valor competitiva, Porter desenvolveu um modelo de diferenciado para este público. A utilização estratégias genéricas para empresas, conforme desta estratégia possibilita que a empresa demonstrado na figura 01. compreenda melhor as necessidades e FIGURA 01 - ESTRATÉGIAS GENÉRICAS desejos de seus clientes; VANTAGEM COMPETITIVA II. foco de custo: ocorre quando a empresa, considerando um mercado-alvo restrito, Alvo Amplo Liderança de Custos Diferenciação consegue fornecer aos seus clientes um ÂMBITO COMPETITIVO produto ou serviço com preços mais baixos Alvo Enfoque nos Custos Diferenciação se comparado à concorrência. Limitado Focalizada Craig e Grant (1999) corroboraram o modelo FONTE: Porter (1989, p.50) apresentado por Porter e procuraram explicar a razão de duas empresas que fabricam produtos Esse modelo, segundo Keegan (2006), ao similares apresentarem diferenças de custos combinar custo e diferenciação com o escopo do unitários. Para isso, demonstraram as fontes de mercado-alvo atendido (classificado em limitado vantagem de custos evidenciadas a seguir: ou amplo) e com a dimensão do mix de produto (dividido em limitado ou amplo), possibilitou o I. economias de aprendizagem: o custo de desenvolvimento das quatro estratégias genéricas: um produto tende a diminuir conforme liderança de custo, diferenciação, foco em custos as empresas fabricantes aumentam seu e diferenciação focalizada. De acordo com esta know-how, ou seja, seu conhecimento classificação, as estratégias amplas de mercado sobre a fabricação de um determinado subdividem-se em: produto. O que se percebe é que quanto Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010 |183
  • 188. mais se fabrica um determinado produto, VII. fatores administrativos: apesar de se ter mais qualificados estarão os envolvidos apresentado diversos fatores para a dimi- no processo, o que acarretará em maior nuição de custos, muitas vezes a vanta- rapidez e redução do tempo do funcionário gem de algumas empresas está na forma por unidade produzida; como os recursos são administrados. II. economias de escala: apresenta-se na medi- Já em relação à diferenciação, Craig e Grant da em que a quantidade dos insumos em- (1999) optaram por demonstrar a singularidade pregados na fabricação de um determinado desta vantagem, que pode se apresentar não produto aumenta a quantidade final da pro- somente em produtos como também nos serviços dução sem que os custos fixos aumentem. atrelados a ele. A empresa que decide ter um Neste caso, por mais que os custos variáveis diferencial deve não somente se comprometer aumentem, juntamente com a produção, os com o cliente como também compreender suas custos fixos como, por exemplo, os custos reais necessidades e conhecer sua capacidade de de publicidade, permanecem os mesmos unir ambas as habilidades. A diferenciação não diminuindo o custo final; pode ser generalizada, uma vez que cada empresa III. custos dos insumos: a empresa pode re- tem uma percepção única para o desenvolvimento duzir seus custos com mão-de-obra para desses diferenciais, o que gerará características alcançar a vantagem de custo; distintas no produto ou serviço. IV. tecnologia de processo: o investimento em Craig e Grant (1999) ainda consideraram inovação tecnológica acarreta em redução que, devido a esta singularidade, a vantagem de de custos nos processos organizacionais; diferenciação tende a ser mais sustentável que a de custos, já que a segunda pode ser facilmente V. projeto do produto: a integração dos pro- copiada pela concorrência, além de ser influencia- fissionais responsáveis por um projeto de da por variações de câmbio, por exemplo. desenvolvimento de produto é de extre- ma importância no sentido de repensar a Diferente da visão exposta pelos autores estrutura do mesmo, de forma a reduzir anteriores, Barney e Hesterly (2008) apresentaram o número de componentes e facilitar sua a vantagem competitiva por uma nova ótica. O montagem. Desta maneira, tem-se como modelo descrito é a Visão Baseada em Recursos objetivo reduzir etapas desnecessárias e – VBR, que foca nos recursos e capacidades retrabalho; controladas por uma empresa como fontes de vantagem competitiva. VI.utilização da capacidade: em alguns ramos empresariais boa parte dos custos unitários A VBR define recursos como ativos que podem é fixa, ou seja, se a empresa utilizar 1% ou ser tangíveis ou intangíveis e que são controlados 100% de sua capacidade, o custo de pro- pela empresa podendo ser utilizados com o dução será o mesmo. Assim, para reduzir objetivo de desenvolver e estabelecer estratégias. o custo unitário do produto, é necessário Como exemplo, é possível citar os produtos da que a empresa utilize o máximo de sua empresa como ativos tangíveis e a reputação da capacidade para baixar custos e aumentar empresa como ativo intangível. os lucros; Capacidades são partes dos recursos de uma empresa e permitem que estes sejam utilizados na 184 |
  • 189. Revista da FAE criação e implementação de estratégias. Barney e Segundo Maia (2006), o comércio interna- Hesterly (2008) consideraram que a capacidade cional está inserido em um cenário muito maior, e os recursos devem ser utilizados em conjunto, a Economia Internacional, que abrange outros pois são complementares, podendo ser divididos fatores como domínio de tecnologia e transportes, em quatro categorias: movimentação de capitais e pessoas e abertura de I. recursos financeiros: incluem todos os novos mercados. valores financeiros, advindos de qualquer Essa constante movimentação justifica que fonte lícita, utilizados pela empresa para pequenas e grandes empresas visualizem seu mer- criar e implantar estratégias; cado como um todo e não se restrinjam somente II. recursos físicos: englobam desde insumos ao seu mercado local, fazendo assim com que a até o espaço físico em que a empresa se internacionalização seja uma condição necessária encontra; para a posição competitiva bem como à própria sobrevivência (LORGA, 2003). III. recursos humanos: reúne todo capital O processo de internacionalização distingue- humano da empresa considerando suas se por duas grandes perspectivas: a econômica atividades e contribuições individuais à e a comportamental. A econômica, identificada organização; por Welch e Luostarinen, deve ser equacionada IV. recursos organizacionais: são representados de forma precisa, com base na avaliação das pela cultura e políticas organizacionais, vantagens e desvantagens da suposta decisão. pelas relações formais e informais entre Os recursos financeiros podem funcionar como os grupos, bem como pelo planejamento, barreira à decisão da internacionalização, mesmo controle e coordenação dessas relações. que não constituam um fator determinante. A Essa perspectiva de Barney e Hesterly (2008) comportamental, de Bjorkman e Fosgren, baseia- se no processo de como as empresas iniciam a complementa a visão de Craig e Grant (1999) de sua internacionalização. Contrária à perspectiva que uma empresa que possui recursos e capacida- econômica, a perspectiva comportamental aplica- des de grande valor, frente às empresas que não se melhor às empresas menores e no início do compartilham disto e que acreditam ser muito processo (LORGA, 2003). custoso imitar esses recursos e capacidades, pode- Para orientar o estudo, adotou-se um modelo rá obter uma vantagem competitiva sustentável. teórico que descreve as principais etapas do processo de internacionalização. 1.2 O processo de internacionalização das Iniciando-se pela definição, e ao contrário do empresas que muitos pensam, Cintra e Mourão2 (2005 apud ALMEIDA, 2007) afirmam que o processo de inter- Os primeiros a estudar as transações interna- nacionalização é muito mais do que exportação cionais foram os mercantilistas, tendo em seguida e/ou importação de bens. Para uma empresa ser o advento do liberalismo econômico que cedia reconhecida internacionalmente, tem que estar tal privilégio às Nações, porém, com o constante papel impulsionador das empresas, estas assumi- ram os fluxos de bens e capitais impondo-se como 2 CINTRA, R.; MOURÃO, B. Perspectivas e estratégias na internacio- unidade de análise nas questões de internaciona- nalização de empresas brasileiras. São Paulo: Focus RI Assessoria lização (ROCHA, 2002). e Consultoria em Relações Internacionais, 2005. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010 |185
  • 190. inserida em um processo no qual exista uma re- De acordo com Almeida (2007), é necessário lação maior com as partes envolvidas no país de que a empresa esteja inteiramente alinhada com origem e no exterior. Abertura de filiais, parcerias as necessidades do mercado interno antes de se comerciais, investimentos entre as empresas, bem projetar para o mercado exterior. Passada esta como cooperação industrial/comercial, são alguns etapa, as empresas iniciam o processo de alianças, exemplos de atividades que a empresa deve “ga- abertura de “filiais” no exterior e joint-ventures. rantir” para ser chamada de internacional. Analisando-se tais alternativas, constatam-se De acordo com Almeida (2007), o simples que algumas atitudes são mais pró-ativas e outras processo de importação e/ou exportação é somente mais reativas, reações essas decorrentes dos estí- uma fase desse processo de internacionalização. mulos de oportunidades e ameaças que giram no O modelo de Upsalla defende duas grandes mercado (LORGA, 2003). proposições para o entendimento do processo. A Embora a internacionalização não deva ser primeira é de que a ordem de seleção de países encarada como solução de todos os males que seguiria uma relação inversa com a distância psí- as empresas enfrentam, a mesma tem se tor- quica entre o país alvo e o país de origem. A se- nado condição necessária para reforçar a ação gunda dá-se através do estabelecimento da cadeia competitiva. A expansão internacional é apenas em mercados estrangeiros, estágios intermediários uma dentre as diversas formas de estratégias de para assim seguir a um maior comprometimento crescimento (PRESCOTT; WELFORD4, 1994 apud de recursos (ROCHA, 2002). LORGA, 2003). Seguindo essa lógica, as atividades das em- No entanto, Almeida (2007) afirmou que a presas iniciariam no mercado doméstico e somen- liberação dos processos comerciais e financeiros te depois se inseriam no mercado externo. tem levado as empresas ao inevitável processo de Para Welch e Luostarien3 (1988 apud ROCHA, internacionalização. 2002), internacionalização pode ser definida como Assim, admite-se que a estratégia de servir um processo de crescente envolvimento com ope- mercados externos deve ser submetida a diferentes rações internacionais, sendo que essas operações decisões que condiz com o pensamento da empresa. podem ser de dois tipos: para dentro (inward) e para fora (outward). A internacionalização para dentro se realiza através de importações, obtenção 2 Metodologia de licenças de fabricação, compra de tecnologia ou contratos de franquia de empresas estrangei- A partir das características apresentadas e do ras. Já a internacionalização para fora ocorre por objetivo de estudo, para esta pesquisa foi definido meio de exportações, concessão de licenças ou o método qualitativo. franquias e investimento direto no exterior. As As pesquisas de campo têm outra classifica- duas direções combinadas permitem maior apro- ção, que varia conforme o tipo de estudo: estudos fundamento do processo de internacionalização exploratórios, estudos descritivos e estudos explica- de empresas. tivos. Tais estudos se caracterizam pelos diferentes 3 WELCH, L. S.; LUOSTARIEN, R. Internationalization: evolution of a concept. Journal of General Management, Henley-on-Thames, Eng. 4 WELFORD, R.; PRESCOTT, K. European Business: an issue based v.14, n.2, p.34-55, 1988. approach. London: Pitman, 1994. 186 |
  • 191. Revista da FAE níveis de aprofundamento, objetivos desejados, população restringiu-se às consultorias brasileiras perspectiva do objeto de estudo e a qualificação de TI que se internacionalizaram. do pesquisador (CERVO; BERVIAN, 2004). Com relação à amostra, Richardson (2008) Os estudos exploratórios são recomendados definiu como um subconjunto da população. quando há pouco conhecimento sobre o assunto a Sampieri, Collado e Lucio (2006) consideraram ser pesquisado. Realizam-se descrições precisas do que, para os estudos qualitativos, a amostra assunto e buscam-se as relações existentes entre os corresponde ao conjunto dos contextos, eventos elementos encontrados (CERVO; BERVIAN, 2004). ou fatos sobre o qual são extraídas informações Assim sendo, este estudo seguiu o tipo de que não necessariamente representam o universo. pesquisa exploratória. Para este estudo, quatro empresas da popu- Por outro lado, Lakatos e Marconi (2008) lação de consultorias, que prestam serviços inter- afirmam que são utilizados entrevistas, questio- nacionais, receberam o questionário abrangendo todos os tópicos necessários para as respostas do nários e formulários para a coleta de dados e que, problema de pesquisa e o alcance do objetivo geral. neste tipo de pesquisa, emprega-se bastante o procedimento de amostragem. 2.1.2 Instrumento de Coleta de Dados 2.1 Pesquisa de campo Podem ser utilizados diversos instrumentos de coleta de dados para se obter informações acerca A pesquisa de campo permitiu a constatação de grupos sociais e os instrumentos de largo uso prática daquilo que a revisão da literatura apon- são: a entrevista, o formulário e o questionário tou como sendo o caminho para as empresas (CERVO; BERVIAN, 2004). aproveitarem as oportunidades nos mercados A entrevista é utilizada quando não se podem globalizados. encontrar dados em registros documentais e po- dem ser fornecidos por certas pessoas, recorrendo 2.1.1 Plano Amostral a este instrumento os pesquisadores em ciências sociais e psicológicas (CERVO; BERVIAN, 2004). O plano amostral de uma pesquisa de campo Cervo e Bervian (2004) também afirmaram origina-se com a seleção de um universo a que se que o questionário pode ser enviado pelo correio, refere o estudo, da população que será estudada e da unidade amostral, objeto sobre o qual o estudo entregue ao respondente ou aplicado por elemen- concentrará os seus objetivos. tos preparados e selecionados. Segundo Sampieri, Collado e Lucio (2006), o Richardson (2008), no entanto, alertou que universo consiste no agrupamento dos elementos a interação face a face é a melhor situação para que possuem características comuns. Assim, o uni- participar na mente de outro ser humano, permi- verso deste estudo é representado pelo mercado tindo uma estreita relação entre as pessoas. brasileiro de consultoria em TI, que é formado por Por outro lado, um formulário, destinado à empresas de diferentes portes. coleta de dados resultantes de observações feitas Richardson (2008) considerou universo e pelo próprio investigador, pode ser aplicado a população definições bastante próximas, como grupos heterogêneos, inclusive analfabetos, sendo o conjunto de eventos com as mesmas diferente do que acontece com o questionário, e, especificações. Para o enfoque deste estudo, a após isso, o formulário é codificado em gráficos, Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010 |187
  • 192. mapas e então analisados, interpretados (CERVO; QUADRO 02 - DADOS E CARACTERÍSTICAS DAS EMPRESAS BERVIAN, 2004). DA AMOSTRA Além disso, o questionário, mais comum Início de Área de Diferencial de atuação no entre os instrumentos de coleta de dados, tem Empresa atuação no serviço mercado a função de descrever as características e medir Brasil externo determinadas variáveis de um grupo social Softwares de (RICHARDSON, 2008). aplicativos Sonda Todas as Entre 1991 e Complementa- Visando atender ao objetivo geral deste Procwork regiões 2000 res a sistema estudo, foi utilizado como instrumento de coleta de ERP de dados o questionário de questões fechadas Consultoria que, segundo Richardson (2008), é composto HR e produtos por indagações ou afirmações cujas alternativas Todas as específicos Entre 2001 e Developers regiões para Recursos 2008 de resposta já estão estabelecidas, sendo que Consultoria Humanos no o respondente deverá optar pela opção mais SAP ERP adequada à sua realidade. Consultoria Sampieri, Collado e Lucio (2006) afirmaram Todas as e venda de Entre 1971 e Datasul S/A regiões software como 1980 ainda que os questionários fechados são mais ERP, HCM, BI fáceis de serem aceitos pelos indivíduos, pois Nordeste, levam menos tempo de serem respondidos e, Centro- Stefanini IT Entre 1991 e portanto, se obtém mais respostas. oeste, Consultoria Solutions 2000 Sudeste e Sul 2.1.3 Análise de Tratamento dos Dados FONTE: Os autores (2008) Richardson (2008) observou que as definições Para a categorização dos dados obtidos de análise de conteúdo sofreram alterações ao nas entrevistas, foram escolhidas quatro cate- longo do tempo, à medida que as técnicas foram gorias: motivos e oportunidades que levaram à aprimoradas e o campo de aplicação diversificado. internacionalização; incentivos para a atuação de empresas estrangeiras no mercado externo; Para Bardin (2000), a análise de conteúdo estratégias adotadas pela empresa no processo consiste em um conjunto de instrumentos meto- de internacionalização; resultados da internacio- dológicos em constante desenvolvimento e que nalização da empresa. Tais categorias, sem que se aplicam a diversos tipos de discursos. A maioria haja qualquer hierarquização, permitiram que os dos processos de análise de conteúdo é baseada na resultados obtidos pudessem ser analisados de categorização, não sendo um processo obrigatório. forma agrupada e que possibilitassem maior clare- A categorização consiste em classificar, sob za na análise das respostas que cada respondente um título genérico, os elementos que constituem ofereceu à pesquisa. um conjunto de elementos por diferenciação e reagrupamento segundo o gênero, tendo por base a definição de critérios (BARDIN, 2000). Previamente à categorização, foi elaborado o quadro 02 que apresenta as características gerais das empresas que compuseram a amostra. 188 |
  • 193. Revista da FAE QUADRO 03 - CATEGORIA 1: MOTIVOS E OPORTUNIDADES QUE LEVARAM À INTERNACIONALIZAÇÃO EMPRESA RESPOSTA A oportunidade para a internacionalização surgiu porque a empresa foi procurada por clientes do exterior. Além disso, os motivos que mais influenciaram na internacionalização da empresa foram: obter oportunidades em novos mercados; necessidade de aumentar a carteira de clientes a fim de atingir economias de escala; ter menor dependência de um só mercado; atender os clientes que se internacionalizaram. Outros motivos que tiveram uma influência média foram: possibilidade de Sonda Procwork lucros maiores que os do mercado interno, pois as vendas neste estavam em queda; desenvolvimento de produto único; vantagem tecnológica; pressões competitivas. Os motivos que tiveram pouca ou nenhuma influência no processo de internacionalização foram: contra-ataque a novos entrantes no mercado interno; informação exclusiva; benefícios fiscais; excesso de produção; excesso de capacidade instalada; proximidade de clientes e do mercado de forma geral. A oportunidade para a internacionalização surgiu tanto da busca da empresa por novos clientes, quanto da demanda pela empresa de clientes do exterior. Além disso, os motivos que mais influenciaram na internacionalização da empresa foram: obter oportunidades em novos mercados; necessidade de aumentar a carteira de clientes a fim de atingir economias de escala; ter menor dependência de um só HR Developers mercado; atender os clientes que se internacionalizaram. Outros motivos que tiveram uma influência Consultoria média foram: possibilidade de lucros maiores que os do mercado interno; contra-ataque a novos entrantes no mercado interno; desenvolvimento de produto único; vantagem tecnológica; informação exclusiva; benefícios fiscais; pressões competitivas; proximidade de clientes e mercado. Já motivos que tiveram pouca ou nenhuma influência no processo de internacionalização foram: excesso de produção; vendas no mercado interno em queda; excesso de capacidade instalada. A oportunidade para a internacionalização surgiu tanto da busca da empresa por novos clientes quanto da demanda pela empresa de clientes do exterior. Além disso, os motivos que mais influenciaram na internacionalização da empresa foram: contra-ataque a novos entrantes no mercado interno; atender os clientes que se internacionalizaram; desenvolvimento de produto único. Outros motivos que tiveram uma influência média foram: obter oportunidades em novos mercados; possibilidade de lucros maiores que os Datasul S/A do mercado interno; necessidade de aumentar a carteira de clientes a fim de atingir economias de escala; ter menor dependência de um só mercado; vantagem tecnológica; informação exclusiva; benefícios fiscais; pressões competitivas; proximidade de clientes e mercado. Já motivos que tiveram pouca ou nenhuma influência no processo de internacionalização foram: excesso de produção; vendas no mercado interno em queda; excesso de capacidade instalada. A oportunidade para a internacionalização surgiu da busca da empresa por novos clientes. Além disso, os motivos que mais influenciaram na internacionalização da empresa foram: obtenção de oportunidades em novos mercados; ter menor dependência de um só mercado; contra-ataque a novos entrantes no mercado interno; atender os clientes que se internacionalizaram; pressões competitivas; proximidade Stefanini IT de clientes e mercado. Outros motivos que tiveram uma influência média foram: possibilidade de Solutions lucros maiores; necessidade de aumentar a carteira de clientes a fim de atingir economias de escala; excesso de capacidade instalada. Já motivos que tiveram pouca ou nenhuma influência no processo de internacionalização foram: desenvolvimento de produto único; vantagem tecnológica; informação exclusiva; benefícios fiscais; excesso de produção; vendas no mercado interno em queda. FONTE: Os autores (2008) Nesta primeira categoria, todos os respon- Além disso, o motivo que mais impulsionou dentes afirmaram que a oportunidade de interna- a maioria das empresas respondentes a se inter- cionalização surgiu com a busca da empresa por nacionalizar foi a obtenção de oportunidades novos clientes e a maioria também se internacio- em novos mercados seguido pela necessidade de nalizou por conta da demanda de novos clientes aumentar a carteira de clientes, ter menor depen- no exterior. dência de um só mercado e atender aos clientes que se internacionalizaram. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010 |189
  • 194. QUADRO 04 - CATEGORIA 2: OS INCENTIVOS PARA A QUADRO 05 - CATEGORIA 3: ESTRATÉGIAS ADOTADAS ATUAÇÃO DE EMPRESAS ESTRANGEIRAS NO PELA EMPRESA NO PROCESSO DE MERCADO EXTERNO INTERNACIONALIZAÇÃO EMPRESA RESPOSTA EMPRESA RESPOSTA A empresa atua na América Latina As estratégias utilizadas pela e não contou com nenhum tipo empresa foram: eficiência, Sonda Procwork de incentivo do mercado onde se qualidade, inovação e diferenciação Sonda Procwork instalou. do produto. A empresa tem A empresa atua na Europa projetos para continuar/ampliar sua Ocidental, América do Norte e atividade. HR Developers Latina e não contou com nenhum As estratégias utilizadas pela Consultoria tipo de incentivo para se instalar empresa foram: preço, eficiência, nesses mercados. HR Developers qualidade e diferenciação do A empresa atua na América do Consultoria produto. A empresa tem projetos Norte e Latina e contou com para continuar/ampliar sua Datasul S/A incentivos fiscais e processos menos atividade. burocráticos para instalação nesses As estratégias utilizadas pela mercados. empresa foram: preço, eficiência A empresa atua na África, América Datasul S/A e qualidade. A empresa tem Stefanini IT do Norte e Latina e não contou com projetos para continuar/ampliar sua Solutions nenhum tipo de incentivo para se atividade. instalar nesses mercados. As estratégias utilizadas pela FONTE: Os autores (2008) empresa foram: eficiência, qualidade Stefanini IT e diferenciação de produto. Solutions A empresa tem projetos para Na categoria dois, todas as empresas respon- continuar/ampliar sua atividade. dentes atuam na América Latina e a maioria não FONTE: Os autores (2008) contou com nenhum incentivo para instalação no mercado. Nesta categoria três, as empresas respondentes Em contrapartida, uma das empresas que confirmaram que as estratégias mais utilizadas atua também na América do Norte contou com para a internacionalização foram a eficiência e incentivos fiscais e com processos menos buro- a qualidade dos serviços e produtos e todas têm cráticos. projetos para continuar e/ou ampliar sua atividade internacional. QUADRO 06 - CATEGORIA 4: RESULTADOS DA INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA Continua EMPRESA RESPOSTA A empresa enfrentou algumas dificuldades, tais como: a burocracia para entrada no mercado externo e a economia desses mercados. Em contrapartida obteve resultados satisfatórios, pois Sonda Procwork com o processo de internacionalização conquistou diversos benefícios como ganhos financeiros, maior poder de marca, crescimento da empresa, ampliação e abertura para a atuação em novos mercados, novas possibilidades de relacionamentos empresariais e ganho de credibilidade. A empresa enfrentou algumas dificuldades tais como: a burocracia para entrada no mercado externo e sua carga tributária. Em contrapartida obteve resultados satisfatórios, pois com o HR Developers processo de internacionalização conquistou diversos benefícios como ganhos financeiros, maior Consultoria poder de marca, crescimento da empresa, ampliação e abertura para a atuação em novos mercados. 190 |
  • 195. Revista da FAE QUADRO 06 - CATEGORIA 4: RESULTADOS DA INTERNACIONALIZAÇÃO DA EMPRESA Conclusão EMPRESA RESPOSTA A empresa enfrentou algumas dificuldades, tais como: a burocracia para entrada no mercado externo e as diferenças culturais. Em contrapartida obteve resultados satisfatórios, pois com Datasul S/A o processo de internacionalização conquistou diversos benefícios como ganhos financeiros, maior poder de marca, crescimento da empresa, ampliação e abertura para a atuação em novos mercados e novas possibilidades de relacionamentos empresariais. A empresa enfrentou algumas dificuldades tais como: as diferenças culturais e econômicas. Em contrapartida obteve resultados satisfatórios, pois com o processo de internacionalização Stefanini IT Solutions conquistou diversos benefícios como maior poder de marca, crescimento da empresa, ampliação e abertura de novos mercados e novas possibilidades de relacionamentos empresariais. FONTE: Os autores (2008) Na categoria quatro, as empresas respondentes por exemplo, maiores ganhos financeiros, maior apontaram como maior dificuldade no processo poder de marca, crescimento da empresa, amplia- de internacionalização a burocracia, seguida de ção e abertura para atuação em novos mercados, diferenças culturais e a economia dos países-alvo. possibilidade de relacionamentos empresariais e Por outro lado, os resultados foram satisfa- ganho de credibilidade. tórios, pois houve benefícios como: ganhos finan- Já alguns benefícios mencionados no re- ceiros, maior poder de marca, crescimento da em- ferencial teórico como a redução de riscos de presa, ampliação e abertura de novos mercados. investimento, disputa de mercado, aumento de produtividade e redução de custos de produção, não configuraram a realidade das empresas. Conclusão Para entrar em novos mercados as empresas analisadas utilizaram diversas estratégias para se destacar frente à concorrência, e, entre elas, Pela análise de conteúdo sobre os dados as mais importantes são: eficiência; qualidade coletados, verificou-se que todas as empresas de produto e serviço; inovação; diferenciação estudadas obtiveram resultados satisfatórios no de produto ou serviço; preço. A única estratégia processo de internacionalização e têm interesse verificada na teoria e não empregada pelas em manter ou ampliar suas atividades no exterior. empresas é a utilização da marca corporativa. No decorrer desse processo, as empresas se As empresas estudadas foram mais fortemente depararam com alguns obstáculos que foram impulsionadas por motivações pró-ativas ao se superados como, por exemplo, a burocracia em decidirem pela internacionalização, entretanto, excesso para a entrada de empresas estrangeiras algumas motivações reativas também foram nos países-alvo, a economia de mercado, a carga importantes neste processo. No quadro 07 é tributária e as diferenças culturais. Embora os possível observar-se com mais clareza o grau de autores apresentados mencionem, também, importância dessas motivações. questões políticas como uma barreira, nenhuma das empresas teve empecilhos desta natureza. Essas dificuldades, porém, foram suplantadas por benefícios obtidos durante o processo como, Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010 |191
  • 196. QUADRO 07 - ESCALA DE IMPORTÂNCIA PARA AS MOTIVAÇÕES aumento da carteira de clientes, menor dependên- PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO cia de um só mercado e atendimento internacional Motivações Grau de aos clientes do mercado interno. importância Em vista disto é possível verificar que a Contra-ataque a novos entrantes no mercado interno maioria das empresas, por ter motivações pró- ALTA ativas muito mais fortes que as reativas, buscou Desenvolvimento de produto único PRÓ-ATIVAS Vantagem tecnológica novas oportunidades em mercados externos. Informação exclusiva Com isso, conclui-se que o processo de in- MÉDIA Benefícios fiscais ternacionalização das empresas brasileiras de Há pressões competitivas Consultoria em Tecnologia da Informação decorre Obtenção de oportunidades em da busca de oportunidades nos mercados globali- novos mercados ALTA zados, embora, em alguns casos, tais oportunida- Há proximidade de clientes e mercado des surgissem para as empresas sem que fossem REATIVAS Há excesso de produção pró-ativas, como, por exemplo, o caso de clientes Vendas no mercado estão em queda BAIXA que demandaram seus serviços. Há excesso de capacidade instalada FONTE: Os autores (2008) Desta forma é possível entender que, de fato, o que foi apresentado na teoria reflete-se na rea- lidade das empresas estudadas, pois as respostas demonstraram que a maioria das motivações apresentadas pelos autores influenciou de alguma forma o processo de internacionalização. Existem também outras motivações definidas como de alta relevância pelas empresas, mas que • Recebido em: 15/08/2010 não foram categorizadas como reativas ou pró- • Aprovado em: 24/09/2010 -ativas na literatura: obtenção de lucros maiores, 192 |
  • 197. Revista da FAE Referências ALMEIDA, André. Internacionalização de empresas brasileiras. Rio de Janeiro: Fundação Dom Cabral, 2007. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2000. BARNEY, Jay B.; HESTERLY, William S. Administração estratégica e vantagem competitiva. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC. Informativo da Secretaria de Comércio e Serviços – SCS, abril - 2008. Disponível em: <http://www. desenvolvimento.gov.br/arquivos/dwnl_1202750324.pdf>. Acesso em: 12 maio 2008. BRITO, Carlos M.; LENCASTRE, Paulo de. Os horizontes do marketing. Lisboa: Verbo, 2000. CERVO, Amado L.; BERVIAN, Pedro A. Metodologia científica. 5.ed. São Paulo: Pearson, 2004. CRAIG, James; GRANT, Robert. Gerenciamento estratégico. São Paulo: Littera Mundi, 1999. DUNNING, John H. International production and the multinational enterprise. London: Allen and Unwin, 1981. HYMER, S. H. The international operations of national firms: a study of foreign direct investment. Cambridge, Mass.: M.I.T., 1976. KEEGAN, Warren J. Marketing global. 7.ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. KERLINGER, Fred N. Metodologia da pesquisa em ciências sociais. 9.ed. São Paulo: E.P.U., 2003. KOTLER, Philip. Administração de marketing. 10.ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2008. LORGA, Susana Costa e Silva. Internacionalização e redes de empresas. Lisboa: Verbo, 2003. MAIA, Jayme de Mariz. Economia internacional e comércio exterior. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2006. PORTER, Michael E. A vantagem competitiva das nações. 10.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1989. RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2008. RICUPERO, Rubens; BARRETTO, Fernando Mello. A importância do investimento direto estrangeiro do Brasil no exterior para o desenvolvimento socioeconômico do país. In: ALMEIDA, André (Org.). Internacionalização de empresas brasileiras. Rio de Janeiro: Fundação Dom Cabral, 2007. p.1-36. ROCHA, Angela da (Org.). Internacionalização das empresas brasileiras: estudos de gestão internacional. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. SAMPIERI, Roberto H.; COLLADO, Carlos F.; LUCIO, Pilar B. Metodologia de pesquisa. 3.ed. São Paulo: Mc Graw Hill, 2006. SOUSA, José M. M. de; PALACIOS, Tomás M. B. Estratégias de marketing internacional. São Paulo: Atlas, 2004. Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p. 179-194, jul./dez. 2010 |193
  • 199. Revista da FAE Orientações aos colaboradores da Revista da FAE Histórico e missão de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de ciências sociais aplicadas (administração, contábeis e economia), A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço jurídica (direito) e exatas (engenharias). para divulgação da produção científica e acadêmica de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de Já com o tema organizações e desenvolvimento, o administração, contabilidade, economia, direito, engenharia, objetivo é analisar o papel e a interação da organização, educação, sistemas de informação, psicologia e filosofia, com qualquer que seja sua origem ou situação societária, no o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o processo de sustentabilidade econômica, social, ambiental desenvolvimento local. e política. Por ter como missão fomentar a produção e a dis- Além de trabalhos puramente teóricos, serão aceitos seminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão para apreciação artigos resultantes de estudos de casos sobre a gestão de negócios e o posicionamento das organi- ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam zações no processo de desenvolvimento local, entre nossos experiências, fundamentadas teoricamente, e que contribuam leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e com o debate estimulado pelo objetivo da revista. pós-graduação, consultores, empresários e profissionais de Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem as empresas públicas e privadas. normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores, espe- cialmente as referentes ao limite de tamanho. Os trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de aprovação, Objetivo porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar do debate. Todos os artigos estão disponíveis para download, O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação exceto a última edição. de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das organizações no processo de desenvolvimento local. A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus Focos leitores a compreenderem o papel das organizações no processo de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão O principal requisito para publicação na Revista da FAE de temas atuais e relevantes para definição estratégica e consiste em que o artigo represente, de fato, contribuição operacional das organizações. científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos seguintes Assim, será dada prioridade à publicação de artigos que, tópicos: além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem sobre • O tema tratado deve ser relevante e pertinente o papel das organizações no desenvolvimento local e discutam ao contexto e ao momento e, preferencialmente, sobre temas contemporâneos da gestão de negócios. pertencer à orientação editorial. • O referencial teórico-conceitual deve refletir o Orientação editorial estado da arte do conhecimento na área. • O desenvolvimento do artigo deve ser consistente, Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão com princípios de construção científica do aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, conhecimento. ou seja, que se refiram a ferramentas, técnicas e teorias rela- • A conclusão deve ser clara e concisa e apontar cionadas à gestão de negócios e à função das organizações implicações do trabalho para a teoria e/ou para a no processo de desenvolvimento local. prática administrativa. Com o tema gestão de negócios, visa-se contribuir com Espera-se, também, que os artigos publicados na o debate sobre sistemas de gestão de produção e gestão Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas econômica de sistemas produtivos, com o intuito de discutir estabelecidas com perspectivas provocativas e inovadoras. o processo de desenvolvimento da organização. Trata-se Rev. FAE, Curitiba, v.13, n.2, p.195-196, jul./dez. 2010 |195
  • 200. Escopo ordem alfabética no final do texto, de acordo com as normas da ABNT (NBR-6023). A Revista da FAE tem interesse na publicação de artigos • Diagramas, quadros, figuras e tabelas devem ser de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos. numerados seqüencialmente, apresentar título e fonte, Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser bem como ser referenciados no corpo do artigo. sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem propor • Os artigos deverão ser enviados em disquete ou CD, novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes acompanhados de duas vias impressas ou via e-mail com relação à gestão de negócios e à interação das organiza- em arquivo eletrônico anexo. O autor receberá a ções no desenvolvimento local. confirmação de recebimento. Os trabalhos empíricos devem fazer avançar o conheci- mento na área, por meio de pesquisas metodolo-gicamente Permuta bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas e adequa- damente analisadas. A Revista da FAE faz permuta com as principais faculdades e universidades do país. Notas para colaboradores Assinatura A Revista da FAE está aberta a colaborações do Brasil e do exterior. A pluralidade de abordagens e perspectivas é Periodicidade: Anual incentivada. Valor: R$ 50,00 Podem ser publicados artigos de desenvolvimento teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5.000 • Para assinar, favor entrar em contato pelo telefone a 8.000 palavras). (41) 2105-4093 ou pesquisa@fae.edu A aceitação e publicação dos textos implicam a transferência de direitos do autor para a Revista. Não são Envio de artigos pagos direitos autorais. Os textos enviados para publicação são apreciados por Os artigos deverão ser encaminhados para: pareceristas pelo sistema blind review. Os artigos deverão ser encaminhados para o Núcleo de FAE Centro Universitário Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes características: Núcleo de Pesquisa Acadêmica Rua 24 de Maio, 135 • Em folha de rosto deverão constar o título do 80230-080 Curitiba/PR trabalho, o(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es), E-mail: pesquisa@fae.edu acompanhado (s) de breve currículo, relatando Fone: (41) 2105-4093 - Fax (41) 2105-4195 experiência profissional e/ou acadêmica, endereço, números do telefone e do fax e e-mail. • A primeira página do artigo deve conter o título Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e (máximo de dez palavras), o resumo em português esperamos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente. (máximo de 250 palavras) e as palavras-chave (máximo de cinco), assim como os mesmos tópicos vertidos para o inglês (title, abstract, keywords). • A formatação do artigo deve ser: tamanho A4, editor de texto Word for Windows, margens 2,5 cm, fonte times new roman 13 e/ou arial 12 e espaçamento 1,5 linha. • As referências bibliográficas devem ser citadas no corpo do texto pelo sistema autor-data. As referências bibliográficas completas deverão ser apresentadas em 196 |